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Anarquismo e Sindicalismo
Rogério H. Z. Nascimento
Imprensa Marginal
2008
Apresentação
Rogério H. Z. Nascimento
que poderia levar uns e outros a acreditarem ser este apenas mais um texto tratando
do tema. Afirmando seu respeito a todas as demais opiniões, o autor sustenta
preferir continuar encarando a vida como algo em constante mutação. Com esta
assertiva enfatiza o sentido da novidade que pode aparecer quanto se debate temas
conhecidos e aparentemente esgotados. Nesta altura o autor apresenta sua
concepção de anarquismo ao mesmo tempo em que apresenta a existência de
múltiplas definições do anarquismo possivelmente na mesma medida de quantos
anarquistas existam. Entende, porém, ter sido o anarquismo frequentemente
apresentado de maneira unilateral, de acordo com as inclinações, aptidões e
preferências de uns ou de outros.
O autor não levanta a bandeira de existir uma pretensa verdade unívoca ou
um grau maior de veracidade em alguma de suas expressões. Sustenta, outrossim,
serem todas as definições possuidoras de uma parcela da verdade, de uma verdade
restrita, parcial, sobre o significado, extensão e profundidade do multiverso do
anarquismo. Nesta direção apresenta o anarquismo como constituído pelo conjunto
de suas expressões particulares, esboçando um perfil mais vasto e mais adensado.
O ensejo para o surgimento do anarquismo, assevera o articulista, é o resultado da
“luta milenária contra a iniqüidade social, da insurgência permanente do débil
contra o forte, do oprimido contra o opressor, do deserdado contra o
monopolizador dos meios de trabalho e da riqueza acumulada por este...”
Com o objetivo de melhor construir um quadro de sua exposição, o autor se
propõem a percorrer a História, incorporando em suas ponderações, várias
manifestações das lutas crescentes pela liberdade, como provas do aumento,
difusão e maior clareza entre os segmentos populacionais, acerca da concepção de
liberdade. Neste sentido começa por apresentar uma crítica a Tomas Carlyle,
segundo o qual a História deveria comportar exclusivamente simples descrições
dos feitos dos homens notáveis. Para Carlyle, através destes grandes homens o
deus cristão agiria na Terra. A crítica elaborada pelo autor a Carlyle se sustenta na
idéia de que este esquecera completamente de considerar em seus estudos a
inequívoca existência histórica de uma pluralidade bastante considerável de
movimentos de resistência a poderosos e de libertação da opressão. Estes
acontecimentos foram desconsiderados pela perspectiva de história carlyliana,
tendo sido esta a referência a grandes feitos de homens da pátria, os beneméritos
da nação ou ilustres patriotas. O autor considera em seus estudos e análises, a
qualidade volitiva da ação humana e encerra a segunda parte de seu escrito com
sugestões, apelos, propostas, encorajamento à ação direta.
Depois de, ainda na segunda parte, arrolar no espaço e no tempo episódios
insurgentes, e de ter registrado o surgimento da bandeira negra no século XVI, o
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segundo, pelo marxismo, ou, por fim, de acordo com os sacramentos de alguma
religião ou Estado. Cita como exemplos do primeiro a “Federação Americana do
Trabalho”, do segundo as “Trade-Unions inglesas, sindicatos vermelhos da
Rússia” e dos terceiros as “Corporações gremiais católicas, fascistas, etc.”.
Diferentemente destas, o anarquismo orientou, entre outras, a C.N.T. espanhola, a
F.O.R.A. (Argentina) e a F.O.S.P. do Brasil.
O autor é ciente de que a média dos sindicalizados possuem uma percepção
bastante estreita das possibilidades de transformação através das associações
operárias, procurando apenas minimizar a crueza de sua condição de trabalhador.
Daí a importância da ação de minorias ativas para reverter este quadro
desalentador. Mas antes desta questão, o autor evidencia sua crítica do culto ao
mundo do operário, como feito pelos sindicalistas. Em seu entendimento, o
operariado deveria ser abolido junto do industrialismo e do capitalismo.
O anarquista é convidado a ser anarquista onde ele estiver e não nuns espaços
específicos e noutros não. A abolição constante da noção de autoridade deve se dar
intensamente em cada ocasião que surjam autoritarismos. Se o sindicalismo
francês preconizava um pretenso campo de neutralidade, isto se apresentava para
o autor enquanto embuste favorável à manutenção do estado atual das coisas. Para
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autor não converge com nenhum dos dois pólos em questão. Para ele, neste como
noutros campos da reflexão e da ação social, não existem manuais nem códices
absolutos.
século passado e no início deste. O movimento operário, por exemplo, foi reduzido
a quê expressão depois de décadas sob a injunção da política institucional e do
anêmico sindicalismo vigente? Observe bem leitor e acompanhe a envergadura do
texto que se segue e veja como, desde a virada do século XIX até hoje, os
movimentos sociais no Brasil e no mundo deram incríveis saltos... para trás!
Apenas um conselho: abandonar a perspectiva disciplinar, disciplinada e
disciplinadora naturalizando a idéia de tempo, procedendo canhestramente
homegeneizando o anarquismo e que parte da superstição cientificista defendendo
a existência de idéias obsoletas, anacrônicas ou ultrapassadas. Em minha tese de
doutoramento intitulada Indisciplina: experimentos libertários e emergência de
saberes anarquistas no Brasil, sobre jornais e revistas operárias, reflito mais
detidamente sobre estas questões. Para quem queira saber mais sobre o tema
conforme tenho abordado, ela está disponível nos sites <www.sapientia.puc.sp> e
<www.dominiopublico.gov.br>.
A segunda palavra que gostaria de dar sobre o texto trata dos ajustes
realizados. Neste sentido, procurei interferir o menos possível, mas corrigi alguns
erros de concordância, de grafia de palavras e nomes pessoais. À época, era comum
traduzir os primeiros nomes das pessoas. Atualizei a maneira de referir-se a pessoa
usando sempre o nome tal qual se encontra em sua língua. Atualizei também alguns
poucos vocábulos antiquados em demasia.
*
Para finalizar, gostaria apenas de lembrar terem sido estes escritos publicados
num jornal operário! A série de artigos aqui apresentados foi publicada em São
Paulo, nos números 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 36, 38 e 39 no que os editores
denominaram ‘nova fase’ do jornal anarquista A Plebe. Isto se deu entre os meses
de maio a setembro do ano de 1933. Este jornal fora criado no ano de 1917, tendo
atravessado diversas fases até início dos anos cinqüenta do século passado.
Considerando o editorial do primeiro número em que Edgar Leuenroth afirma ser
A Plebe a continuação do jornal anticlerical A Lanterna, fundado em 1901, A Plebe
remonta ao início do século XX. Este periódico foi sem sombra de dúvida o mais
importante jornal operário publicado no Brasil. Em suas diversas fases foi semanal
e quinzenal, chegando a ser publicado diariamente no ano de 1919.
A Plebe foi um impresso publicado a partir da iniciativa voluntária e dos
esforços dos próprios trabalhadores, sem subsídio estatal nem imposto sindical.
Lembro deste “detalhe” para que o leitor contemporâneo tenha uma idéia da
modalidade de convivência experimentado entre os trabalhadores, do nível de
discussão, da densidade das leituras como também da amplidão de horizontes
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cultivados entre simples “operários”. Esta observação serve como aviso sobre os
limites estreitos da escolarização atual, uma vez que é a partir dela que os
pesquisadores contemporâneos têm se debruçado sobre este campo. Como dar
conta de um caldeamento de experimentos e concepções que transbordam com os
referenciais disciplinares utilizados, via de regra, enquanto aporte conceitual na
esmagadora maioria das pesquisas sobre o anarquismo desde os anos cinqüenta?
Anarquismo e Sindicalismo
pois, a manifestação do novo, senão na natureza e essência das coisas, pelo menos
nas mudanças ininterruptas destas, na mutabilidade das instituições humanas, dos
costumes, das correntes e esferas dos pensamentos contrapostos, de idéias
encontradas em pugna perene, etc.
O tema que hoje, por exemplo, nos ocupa foi já estampado e em torno desses
dois tópicos fizeram-se infinidade de considerações em nossos diários, periódicos
e revistas.
Estamos persuadidos de que nós, ao tratá-lo outra cousa não lograremos que
mais uma vez dar voltas à nora.
Mas teríamos de interromper a propaganda para fugir à repetição de tópicos
e não incorrer em redundâncias?
Há, a nosso ver, quase tantas maneiras de definir o anarquismo e de expressar
a natureza das suas idéias, como indivíduos o interpretam e se chamam anarquistas.
E cada definição tem o caráter e a orientação que são peculiares aos homens que a
exteriorizam. É em virtude desta e também à parte do temperamento, segundo o
grau de cultura de cada propagandista, que se incorre muitas vezes em apresentar
o anarquismo como um postulado de justiça e um anelo de liberdade, ora como um
movimento de luta provocado fatalmente pela divisão da espécie humana em
classes e castas. Outros como um produto da evolução da ciência e do progresso
mecânico ou, para não nos estendermos mais, como resultado final ou superação
da filosofia e de uma interpretação dia a dia menos transcendente, mas inspirada
na natureza dos modernos sistemas de ética.
Tais apreciações concebidas em tão diversíssimos casos determinam
naturalmente que a idéia anarquista seja apresentada a quantos a desconhecem de
maneira unilateral e incompleta.
É em razão da influência de fatos devidos ao temperamento, à educação e à
cultura, que se ouve repetir por um lado que o anarquismo é um problema de
escolas racionalistas, a outros que é uma questão de multiplicação de grupos afins,
de difusão de publicações, de edições de livros, do fomento de um movimento
operário inspirado em nossos propósitos, etc., etc.
Recordamos a este respeito às objeções atiladas que no prólogo de uma
edição espanhola de “A Ciência e a Anarquia” fez o camarada Ricardo Mella ao
autor da mencionada obra, P. Kropotkin. Considera o prologuista e expõe ao velho
mestre que a sua qualidade de homem de ciência, evidencia no livro em questão
uma concepção excessivamente mecanicista da história do pensamento filosófico
e das idéias anarquistas.
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II
1 Referência a Thomas Carlyle (1795 - 1881), historiador e ensaísta nascido na Escócia. Para ele, a história expressava a
vontade de Deus. Vontade esta manifesta na vida dos chamados homens notáveis. Conservador ao extremo, defendeu a
instituição da escravidão. Religioso fervoroso combateu o liberalismo ao mesmo tempo em que propunha o retorno à Idade
Média. Escreveu vários livros entre eles um sobre a revolução francesa, interpretando este acontecimento como um castigo
de Deus por conta dos pecados da França.
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dos povos. E inspirando-se nestes movimentos foi analisado o processo das idéias
de liberdade e da rebelião dos oprimidos frente a frente dos seus tiranos.
Cento e vinte anos antes da era vulgar já se conhece o movimento agrário dos
Gracos. Caio foi assassinado em um motim produzido por estas lutas no ano 121.
Quase dois séculos depois Espártaco é o personagem insubmisso que começa como
protagonista o primeiro capitulo na história das atitudes e das idéias subversivas.
A partir de então a pugna dos povos pela liberdade manifesta-se
intermitentemente, porém, com continuidade ininterrupta.
Como resultado conseqüente de conscienciosas investigações, historiadores
modernos há que assinalaram como precursores dos anarquistas contemporâneos
aos anabatistas centro-europeu.
São conhecidos os movimentos de grande envergadura social sustentados no
século XVI pelos camponeses alemães, austríacos e boêmios contra os príncipes
germânicos e os senhores da Igreja Católica.
O nosso camarada R. Rocker publicou há alguns anos, no “Suplemento” de
“La Protesta” de Buenos Aires, uma magnífica monografia apologética da
personalidade mais vigorosa daqueles grandes episódios: Tomaz Munzer.
Posteriormente à grande cruzada em que se içou como símbolo
revolucionário o lábaro das reivindicações econômicas e morais em que se liam os
expressivos termos de Bunchuad (Sapatorra de camponês) Quoese Breder (Pão
e Queijo) e em que ondeou pela primeira vez a bandeira negra, a historia registra
inúmeras insurreições.
O estado aristocrático e a sociedade cristão-capitalista rivalizaram sem cessar
perpetrando contra os rebeldes insurgidos as mais ferozes repressões.
O frade Agostinho – justamente vituperado como traidor por Munzer, –
Martinho Lutero, ante Deus, descarrega de remorsos a sua consciência por ter feito
“servir de bainha a seu punhal os pescoços dos camponeses”.
Todas as insurreições são estranguladas pela força, afogados todos os gestos
manumissores pelo ferro e pelo fogo. Mas, malgrado as mais ignominiosas
crueldades, a luta dos povos por suas reivindicações nunca foi totalmente
interrompida, e a vontade rebelde das multidões e dos heróis jamais pode ser
definitivamente aniquilada.
Da cinza de todos os incêndios e de entre os escombros das mais brutais
destruições, ressurgiu, esvoaçando serena sobre os campos e cidades de cem povos
distintos, a ave Fênix do pensamento livre.
E não é evidente que este anelo de independência, de vida sempre mais livre,
se expressou antes na luta quotidiana, na ação dinâmica das vontades, que na
concepção filosófica da idéia?
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* * *
* * *
Urge reagir contra uma sociedade que fez a história mais ou menos defeituosa
das elucubrações do pensamento – não do pensamento fecundo e construtivo – e
tem feito o panegírico e pretendido assegurar a perpetuidade da paralisia das
vontades.
Hoje mais que nunca devemos consagrar o máximo empenho em libertar-nos
do jugo funesto da metafísica.
É preciso estimular nos outros e em nós mesmos a vontade renovadora, em
todos os terrenos, nas mais diversas manifestações da vida. O edifício do progresso
material e moral têm sido levantados, invertendo nisso um manancial enorme de
energias revolucionárias.
Em frente da avalanche autoritária que invade todos os campos estrangulando
as iniciativas espontâneas é necessária uma reação vigorosa das vontades
progressivas.
Propiciemos um movimento social tão vasto e multiforme no qual possam ter
ubiquação todos os espíritos independentes.
Importa sobremaneira que cada um creia em suas próprias forças e confie,
educando-as simultaneamente, em suas faculdades pessoais.
Alegremo-nos de que os temperamentos e as inclinações sejam múltiplas. O
que interessa, acima de tudo, é que aumente sem interrupção à vontade de fazer,
seguindo sempre as diretivas anarquistas.
Reivindiquemos a atividade beligerante pelas boas causas das gerações
predecessoras mais heróicas.
É tempo já de deixar escrita com fatos a verdadeira história das ações
criadoras.
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III
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2 Em franco combate à explicação teológica do mundo físico e humano, o pensamento científico opôs à revelação divina a
razão humana. O conhecimento do mundo passaria pela capacidade humana de observação e experimentação e não pelos
dogmas do cristianismo.
3 Aristóteles (384-322 a. c.) forjou a noção de causa para explicar o movimento. Quatro seriam as causas: material, formal,
eficiente e final. A causa primeira de tudo seria Deus, a forma pura, privada de matéria. Aristóteles afirmava ser Deus ‘motor
imóvel` de onde partiria, encadeando-se, todos os movimentos e toda a existência tinha como objetivo chegar a Deus.
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4Enciclopédia ou Dicionário Lógico das Ciências, Artes e Ofícios foi publicada na França em 28 volumes entre 1751 e 1772.
Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond d`Alembert (1717-1783) dirigiram a realização desta iniciativa bastante
significativa para o pensamento ocidental, coordenando a colaboração de nomes expressivos do iluminismo francês.
Inicialmente pensado para ser um simples dicionário, a Enciclopédia se tornou uma importante obra de combate ideológico.
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IV
* * *
derivados: a política e as leis. E assinala duma maneira bem precisa que a mais
funda raiz da árvore funesta que deverá ser cortada, é a propriedade privada.
Assim como estes, outros reforços recebeu até agora a idéia do socialismo
incipiente, como “Nova Atlântida” de Bacon, etc., e igualmente receberá a seguir
concreções mais firmes pelo concurso de mentalidades ainda mais videntes e pela
contribuição de vontades laboriosas.
* * *
* * *
5 François Quesnay (1694-1774) nascido na França e renomado médico da corte de Luis XV, é considerado por muitos
economistas como o criador da primeira escola de economia, em que pese alguns economistas atribuírem este fato à Escola
Clássica. Talvez este entendimento se deva ao fato da influência dos fisiocratas ter sido breve, ao contrário da Escola Clássica.
Fisiocracia significa governo da natureza. Os quatro postulados desta escola são: ordem natural, laissez-faire e laissez-passer,
ênfase na agricultura e reforma tributária. “Quadro Econômico” é o título do livro escrito em 1758, em que expõe suas idéias
para uma organização da economia. Pierre Samuel du Pont de Nemous publicou em 1767 uma coleção dos textos de Quesnay
com o título “A Fisiocracia ou a constituição natural do governo a mais vantajosa para o gênero humano”. Anne-Robert-
Jacques Turgot, um dos principais seguidores de Quesnay, enquanto ministro das finanças da França, procurou aplicar em
1774, as idéias de seu mestre. Com a recusa dos proprietários, Turgot foi exonerado, ocasião para o fim da fisiocracia.
6 Para estes filósofos, a matéria era composta por pequenas partículas indivisíveis, os átomos. Suas reflexões se dirigiram na
direção de explicações materiais dos fenômenos naturais, discordando da orientação transcendental defendia por outros
filósofos.
7 O Positivismo do francês August Comte (1789-1857), personagem importante na constituição da Sociologia, possui como
uma de suas características mais destacadas a ênfase na razão e, por conseguinte, na observação e exame humano como forma
de conhecer os fenômenos naturais e os fenômenos humanos.
8 O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) foi rejeitado por monarquistas e republicanos. Recusava a idéia de direito divino
como base da monarquia, no que desagradou aos monarquistas ao mesmo tempo em que era crítico da idéia republicana. Para
ele as instituições humanas eram resultados da vontade humana e não frutos de algum ser transcendental.
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* * *
9 Os autores deterministas explicam o conjunto da experiência humana a partir da primazia de alguma instância social sobre
as demais. Desta maneira os deterministas geográficos explicam as criações humanas a partir do meio ambiente; os
deterministas biológicos elaboram seus estudos dos grupos humanos a partir dos caracteres do fenótipo e da idéia de raça; os
deterministas religiosos o fazem a partir do pensamento como elemento intrinsecamente religioso. O determinismo econômico
procura elaborar explicações da vida social humana a partir da dimensão econômica da sociedade. Assim, as instituições
jurídicas, políticas e ideológicas da sociedade humana seriam abordadas enquanto frutos de sua base econômica.
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que o individuo, além de motivos externos, também é movido por suas paixões,
idéias e sentimentos, implica tanto como anulá-lo, ante a mais elevada
consideração, como agente criador de um mundo novo.
E se o individuo não há de constituir o alicerce firme de uma nova ordem
social; a pedra angular duma sociedade renovada, muito perto estaremos de
pronunciar sem esforço que a sociedade, segundo o ritmo fatal da sua metamorfose,
é tudo e a célula, o átomo integrante dela, nada significa.
Não deveremos concluir então, sendo lógicos com os raciocínios do fatalismo
econômico, que se deve geral reconhecimento e servidão voluntária ao capitalismo
e ao Estado como instituições históricas impostas aos homens pelo processo
material da história nas diversas latitudes do globo terrestre?
Assim o admitiu o marxismo e seguem-no reafirmando as suas distintas
escolas e tendências políticas ao render tributo ao postulado que considera
iniludível a transitoriedade do Estado, não somente durante o “período de
supercapitalização” mas também depois da revolução expropriadora, para os que
olvidando as suas doutrinas aceitam à priori a utilidade deste fato.
É por isto que os senhores marxistas, sendo conseqüentes com o seu falso
principio de sacrificar à sociedade o individuo, não podiam deixar de seguir a
tradição histórica da sociedade autoritária que, com imperturbável obstinação,
desconhecem sempre a autonomia de cada um de seus membros, estrangulou a
existência soberana da individualidade e conspirou em todos os momentos e
circunstâncias contra tudo que significasse direito individualizado, independência
do homem no conjunto social, afirmação da consciência particular.
Porém, ante as reflexões precedentes, é possível que se nos objete: “Perdeste-
vos numa bizantina digressão, estais em absoluto fora do lugar, porquanto o
socialismo não passa de ser uma noção econômica que apresenta à consideração
geral a necessidade de organizar a produção e a distribuição de forma que o
resultado de suas vantagens e benefícios seja de proveito comum”.
Refutamos esta objeção respondendo: não é possível a realização da idéia e
da vontade socialistas sem que o ensaio duma nova vida social tenha por base o
princípio associacionista e federalista da liberdade.
VI
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Palavras ilegíveis.
11Dialética é uma palavra grega, dialegein, que significa discutir. Marx tomou de empréstimo a Hegel o seu sistema dialético,
afirmando fazer deste um uso inverso de seu mestre. Hegel entendia ser o mundo uma expressão da idéia e Marx afirmava
exatamente o oposto. Para Marx, portanto, as idéias eram antes frutos do mundo material. Em sua dialética a noção de embate
de contrários é fundamental, saindo desta luta uma síntese superior ao estado anterior. Este método utilizado para o estudo da
sociedade estabelecia que as mudanças aconteceriam apenas na medida em que todas as capacidades de um certo estágio
social fossem esgotadas. No caso, com a primazia da infra-estrutura econômica sobre as demais dimensões sociais, haveria
que ocorrer o esgotamento de um modo de produção para que o seguinte fosse estabelecido.
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12Existem atualmente disponíveis no Brasil poucos escritos de alguns destes autores. Proudhon, Kropotkin, Bakunin e
Malatesta são os que mais foram publicados, sem que isto signifique existir uma publicação próxima de ser completa da
produção de cada um deles. Proudhon, por exemplo, publicou cerca de quarenta livros dos quais apenas dois foram publicados
completamente no Brasil. Suas correspondências foram publicadas na França em catorze volumes. A editora L&PM de Porto
Alegre publicou nos anos oitenta do século passado uma coleção chamada “Biblioteca Anarquista” com artigos e extratos do
pensamento de Proudhon, Malatesta, Kropotkin e Bakunin. A mesma editora publicou também outra coletânea intitulada
“Grandes Escritos Anarquistas” contendo extratos do pensamento de diversos anarquistas, alguns deles presente na referência
acima. Esta antologia foi introduzida por
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VII
* * *
Infere-se de tudo que fica dito que o anarquismo não é uma doutrina de
gabinete, que as doutrinas anarquistas não constituem fórmulas elaboradas para
que sirvam de decálogo às gerações do futuro.
O anarquismo é o postulado ideal que trata de interpretar a vida em toda a
sua diversidade. A anarquia será a sociedade futura em que, livre a humanidade,
ou uma parte desta, dos grandes obstáculos que impedem a livre canalização das
paixões humanas e o máximo desenvolvimento das aptidões do homem, será
começado um novo ciclo de verdadeira civilização.
De nenhuma maneira será um sistema cerrado e uniforme a organização da
vida que os anarquistas preconizam. Logo a associação do homem na federação
das agrupações livres não pode estar exposta á falência como esteve e estará
sempre destinado à bancarrota o “Estado-prisão”.
VIII
13Apesar da importância de Reclus no pensamento social, os cursos de humanidades, sobretudo Ciências Sociais e Geografia,
nada vêem sobre sua contribuição particular. Ainda mais pelo fato dele ter sido também um homem de ação, tendo participado,
de armas na mão, na Comuna de Paris em 1871. Os cursos de Ciências Sociais, por exemplo, quando apresentam os pensadores
evolucionistas, limitam-se aos “evolucionistas vitorianos” deixando de lado os “evolucionistas revolucionários”, como Reclus
e Kropotkin se definiam. Estes evolucionistas discordavam das concepções de evolução linear, da idéia de progresso
necessariamente lenta recusando revoluções e retrocesso como estabelecido pelos vitorianos. Para Reclus a evolução não
exclui a revolução, constituindo apenas no mesmo dinamismo transformador dado em ritmos diferentes. Eles não concebem
a estagnação na vida social humana. Assim a evolução e a revolução traduzem mudanças que podem ser lentas e podem ser
rápidas. A evolução não é unilinear e comporta possibilidades de retrocesso. Ainda mais, a evolução pode ser violenta ou
pacífica, do mesmo modo que a revolução. Suas monumentais obras intituladas “Geografia Universal” e “O Homem e a
Terra” não tem publicação no Brasil.
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estática, e, em caso contrário, mais tarde ou mais cedo, as águas sairão do leito e
transbordarão. Assim é o rio crescente das energias humanas; quando os
engenheiros de diques, quando os arquitetos de muros para contê-las tenham
julgado realizada a sua idéia quimérica de estancá-las, sobrevirá a catástrofe
inevitável; serão arrasados os estreitos canais do capitalismo e saltará feita em
pedaços a velha muralha do Estado.
____________________
14 Aristóteles elaborou sua obra dividida em Filosofia primeira e Filosofia segunda. Tratam as duas, respectivamente, de deus
e do imutável e do mundo físico. No século I Andrônico de Rodes classificou a obra de Aristóteles colocando a parte da
Filosofia primeira depois da Filosofia segunda. Desde então metafísica é a parte da filosofia que trata do que está além do
mundo físico.
15 Os jacobinos compunham um grupo de conspiradores que, durante a Revolução Francesa de 1789, defendiam uma reforma
* * *
* * *
* * *
Vejamos de que modo orientar com mais acerto esta vontade, quais meios
práticos e que métodos serão mais eficazes para que as vontades socialista-
anárquicas possam influir sobre as presentes condições sociais como uma potência
de transformação.
Ao expormos as idéias anarquistas numa síntese geral, mencionamos as
quatro grandes denominações com que é enunciado e conhecido o problema social
na Europa e na América.
Formulamos uma breve critica das duas primeiras correntes enumeradas, das
duas escolas mal qualificadas de socialista e comunista.
Analisamos agora a terceira dessas grandes manifestações: o sindicalismo.
* * *
alentada pelo pensamento anarquista, que por sua vez – não há que esquecê-lo –
foi concebido e elaborado recolhendo experiências e consultando fatos.
X
O novo horizonte de onde, a seguir, viria à luz e ao qual havia que se dirigir,
era o sindicalismo como fim, as organizações corporativas como órgãos da
revolução e da futura sociedade.
O mundo distinto constituí-lo-ia a precedência absoluta, o isolamento de toda
a influência política, filosófica e religiosa; e como bússola infalível, como pedra
filosofal, a consciência de classe.
Pretendiam conjurar em principio o perigo de que se repetissem sem cessar
as velhas disputas tendenciosas e intentava-se, como máxima finalidade, conseguir
de novo o irrealizável: a fusão dos trabalhadores em um só movimento
internacional.
Acreditou-se, portanto, se haver encontrado um novo centro para equilibrar
sobre ele toda a ação revolucionária mundial: a luta de classe sem a pressão
externa, sem o influxo perturbador de ideologias estranhas.
Que significação tem tido no movimento revolucionário a intitulada escola
sindicalista?
Em nossa opinião, provocou em quase todos os países um processo de
involução, cujas projeções alcançam às lutas atuais e cujas conseqüências
irremediáveis até hoje seria difícil calcular.
Perante o juízo e a comprovação de todos oferecem-se, por exemplo, a
situação do proletariado francês e as tortuosas atitudes do bloco possibilista
espanhol durante quinze anos, se não se quer dar crédito à nossa opinião.
Segundo o nosso entender, o sindicalismo, malgrado as suas pretensões de
nova teoria, não representou senão a volta ao primitivo e estreito conceito
corporativista da A. I. T.
Posteriormente estudaremos as suas pretendidas concepções e o seu sistema
para o futuro, com mais extensão.
* * *
XI
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* * *
São incontáveis as tolices que se têm intentado fazer passar por princípios
filosóficos.
Calino pretendeu, às vezes, valorizar as de menos sentido e de menos bom
gosto, ilustrando-as, para maior compreensão, com alguma estupidez.
Algo disto ocorreu com respeito ao assunto de que nos estamos ocupando.
Tem-se dito: o sindicalismo é a doutrina da ação como o anarquismo o é do
pensamento.
O sindicalismo é o braço, enquanto que o anarquismo é o cérebro da
revolução.
O sindicalismo libertário será, é já de fato, o veículo em que devemos
embarcar-nos; a anarquia é o longínquo e luminoso ponto do horizonte ao qual nos
devemos dirigir.
Ungüento de retórica, incenso literário, verborragia!
Por acaso a doutrina da verdadeira ação revolucionária não é o pensamento
anarquista, e este não se traduz em sentimentos e em fatos como já temos dito e
provado mais de uma vez?
O anarquismo não é um fluído etéreo que se corrompe em contato com as
coisas dos mortais e se converte em pó e lodo quando desce das alturas.
O descontentamento momentâneo e circunstancial dos explorados deve ser
convertido em raciocínio critico, em sentimento criador, e projetado em aspirações
de liberdade: deve traduzir-se no desejo constante de chegar a uma fundamental
transformação das relações econômicas e morais. Eis ai o dever dos anarquistas.
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Onde deverão cumprir esse dever senão em todos os lugares em que prestem
o concurso de sua atividade pessoal?
Apresenta-se na vida, tanto aos indivíduos como às coletividades um dilema
de cujos termos não é muito fácil escapar: ou se está com a reação ou pela
revolução. (Claro que isto não quer dizer que estejam contra nós quantos não nos
acompanhem na ação. Não se deve esquecer que são muitos os paralíticos da
vontade).
E se há sindicatos, organizações proletárias que estão pela revolução, que
mantêm uma beligerância revolucionária, e cujos militantes são anarquistas, por
que não hão de serem anarquistas em maior ou menor grau tais agrupações
gremiais?
Que tais instituições têm defeitos equivalentes cada um a uma negação das
idéias? Mas, por acaso, não os há igualmente no grupo em mais ou menos
quantidade? Não é também defeituoso cada individuo ainda que se chame e de fato
seja anarquista?
Nós não coincidimos com os que em nome do realismo levantam altares a
Sancho Pança, nem compartilhamos o pensamento dos que, fazendo da anarquia
uma deidade, substituem velhos absurdos com dogmas novos.
Parece-nos que as persistentes invocações da idéia pura, não representam
senão uma litania libertária que converte o anarquismo em doutrina religiosa.
E de igual modo às especulações antifilosóficas de alguns aspirantes a
filósofos, soam-nos como as últimas salmodias do marxismo decadente postas em
solfa sindicalista, tal o ensino negativo que nos oferecem em Espanha os teóricos
do possibilismo, os devotos do praticismo, os “trinta” semideuses destronados.
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Se nos vimos repelidos pelos que vivem satisfeitos com a sua escravidão,
aonde iremos senão aonde se encontram os descontentes e predomina mais ou
menos o estado de revolta, ainda que os rebeldes não saibam explicar-nos O
PORQUÊ da sua rebeldia?
Camaradas que acusais aos sindicatos de não ser cada um deles mais que uma
fábrica de lágrimas: esperamos que algum dia nos tire deste atoleiro onde nos
colocam as interrogações que acabamos de formular.
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(*) N. do A.: Era nosso propósito comentar e opinar sobre outros aspectos em torno deste tema, que, de maneira improvisada,
temos vindo analisando. Mas a limitação das possibilidades para a saída regular de “A Plebe” nos obriga a desistir. Não
devemos ocupar com um escrito pesado, por extenso, um espaço que se torna indispensável, agora mais do que nunca, para
tratar de assuntos de maior atualidade. Em todo o caso voltaremos a dar nossa opinião, quando as circunstâncias o requeiram,
sobre estes problemas que oferecem – quanto se criticam ao menos opiniões desatinadas – algum interesse.
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Imprensa Marginal
Uma breve apresentação