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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

A Proximidade dos Contratualismos Antagónicos:

Da Egoísta Natureza Humana à União Democrática

Pedro de Araújo e Silva, 153438

Filosofia: Antropologia Filosófica

Docente: Paulo Borges

28 de abril de 2023
Silva 2

1. Introdução

A política sempre foi um tema recorrente durante a minha educação – não de forma
dogmática e doutrinária, mas sim saudavelmente discutida e aberta à reflexão. Logo, sem sur-
presas, o meu maior interesse dentro da Filosofia recai na Política – principalmente a sua evo-
lução durante a época moderna. Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau foram duas figuras
proeminentes neste contexto – a tradição contratualista e o seu desenvolvimento foram extre-
mamente importantes para a teoria política, originando os futuros movimentos liberal-demo-
cratas no século XIX1.

O conceito de Estado de Natureza é um ponto chave para as teses contratualistas, sendo


a sua ignição e praticamente um espelho das visões antropológicas de cada autor. Longe do
acaso, a escolha destes filósofos deve-se, além do antagonismo notório entre as suas antropo-
logias, ao conceito de estado de natureza, ao ato do contrato social, e à diferença entre a edifi-
cação e funcionamento do estado civil, onde exteriorizam a influência dos seus contextos.
Tendo o estudo da antropologia no estado de natureza de cada um, o objetivo de entender os
motivos da disparidade entre ambas teses, começarei por contextualizar cada autor – funda-
mental à compreensão e interpretação das suas ideias. De seguida, exporei e analisarei ambos
contratualismos – desde as conceções de estado de natureza, às idealizações de estados civis.
Desta forma, para finalizar, procuro refletir e retirar conclusões sobre como o estado de natu-
reza de Hobbes é possivelmente mais realista2 que o de Rousseau, mas a conceção de estado
civil do último revelou-se muito mais influente em comparação à teoria absolutista do primeiro.

2. Contextualização Histórica

2.1. Três Pregos no Pessimismo de Hobbes

Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo, historiador e cientista, nasceu e viveu em Ingla-


terra durante uma época de grandes agitações políticas e mudanças sociais, sendo maioritaria-
mente conhecido pela sua filosofia política expressa sua obra-prima Leviatã (1651)3.

A presença de três eventos marcadamente violentos revela-se influente no seu pensa-


mento – sendo o medo uma das ideias mais importantes. Aos 15 anos, Hobbes vivenciou a
conspiração da pólvora, que visara “explodir o parlamento e o rei Jaime I, a sua rainha e o seu

1
Não esquecendo a terceira figura do contratualismo – John Locke – que também muito contribuiu para o flores-
cimento destes eventos, visto ser considerado o “pai do liberalismo”.
2
Não concordando de todo com o filósofo.
3
Thomas Hobbes Britannica Academic.
Silva 3

filho mais velho”4; aos 22 anos, Henrique IV da França fora assassinado numa rua em Paris5;
e dos 54 aos 63 anos vivenciou a guerra civil inglesa, testemunhando pessoalmente a violência
e o caos que resultaram6 – sobressaindo a decapitação do rei Carlos I pelos absolutistas e a
tomada do seu lugar por Cromwell, que agiu de forma igualmente absolutista. No rescaldo da
guerra, a Inglaterra debatia-se acerca do tipo de governo e ordem social mais adequados para
impedir um regresso à violência e instabilidade que caracterizaram a Guerra Civil. Talhadas
por este cenário, as ideias de Hobbes tenderam para um desenvolvimento mais conservador –
defendendo um Estado mais forte e controlador, como se verifica no Leviatã.

Levado pela Revolução Científica7e pelo Mecanicismo8, Hobbes tentou procurar causas
e princípios que explicassem a experiência da sociedade. Assim, teorizou que o estado civil,
cuja forte legislação garante a segurança de todos, é artificial – brotando de um contrato social
acordado entre todos, com o intuito de abandonar o estado de natureza, concebido heuristica-
mente e caracterizado pela arbitrariedade e insociabilidade. Perceber a origem, o propósito e o
porquê do Estado por via da razão foi o seu propósito principal.

2.2. A Romântica Divergência de Rousseau

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo, teórico político e escritor suíço, viveu


maior parte da sua vida em França durante o Iluminismo, cujas obras – desde Filosofia até à
Pedagogia e Teoria da Cultura – inspiraram os líderes da Revolução Francesa e a geração Ro-
mântica9. Criado pelo pai até aos 10 anos10, Rousseau foi educado que Genebra era uma repú-
blica tão esplêndida como Esparta ou Roma antiga – sendo provavelmente uma ideia funda-
mental para o que teorizaria mais tarde. Aos 16 anos foge e aventura-se por França, onde é
educado pela baronesa de Warens ao ponto de se tornar filósofo, intelectual e músico11.

A Europa passava por grandes mudanças no século XVIII, pautando-se pelo Iluminismo
– um movimento de fermentação intelectual e cultural caracterizado pela ênfase na razão, ci-
ência e direitos individuais. Um século onde se começou a questionar fontes tradicionais de
autoridade, tais como a igreja e a monarquia, e a desenvolver novas ideias sobre a sociedade, a

4
Gunpowder Plot Britannica Academic.
5
Henry IV Britannica Academic.
6
English Civil Wars Britannica Academic.
7
Criadora da necessidade de explicação física dos fenómenos.
8
Promotor da explicação objetiva da sociedade e dos seus fenómenos, porque as leis do mundo natural podem ser
assim explicadas, permitindo a que as explicações parassem de ser teológicas ou dogmáticas.
9
Jean-Jacques Rousseau Britannica Academic.
10
A sua mãe morrera pouco depois do parto.
11
Jean-Jacques Rousseau Britannica Academic.
Silva 4

política e a condição humana. Um crítico das Luzes, cujo fim demarca-se pelo seu pensamento,
Rousseau é ambíguo e menos sistemático que outros autores da época, não praticando um tipo
de escrita filosófica. As suas ideias espalham-se por toda a sua obra, escrevendo em 1755 sobre
o estado de natureza na sua mais famosa obra Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da
Desigualdade Entre os Homens, e mais tarde, em 1762, o resto da sua teoria prática na obra O
Contrato. Idealizando literariamente o estado de natureza como o estado onde Homem se en-
contra totalmente satisfeito, Rousseau teoriza o contrato social como a melhor forma de orga-
nizar o corpo social, e não como a transição do estado de natureza para o estado civil. Por este
motivo, além de se isolar na tradição contratualista, a transição ficou aberta à especulação.

3. O Tradicional Contratualismo de Hobbes

3.1 A Insociabilidade do Homem Natural

Logo na introdução de Leviatã, Hobbes distingue o homem natural do homem artificial


– o primeiro no estado de natureza e o segundo no estado civil – criando-se o último por ne-
cessidade do primeiro porque o Estado é um artifício12. Para tal, realiza um exercício heurístico:
raciocinando logicamente sobre o que sabe, pondera a ausência total de Estado, algo que não
existe/existiu – concebendo o estado de natureza como um Estado pré-político.

O homem natural possui uma série de instintos13 que apontam para um mesmo sentido.
É egoísta porque tudo é um meio para alcançar a felicidade, e insaciável pois, conquistado o
que almejava, deseja logo algo novo14. Sendo “tendência geral de todos os homens, um perpé-
tuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte”15, a sociabilidade
é impossível: o egoísmo do homem impede a observação de características como as suas16 no
outro, tornando-o um meio e adversário. É difícil confiar numa pessoa cujas características
morais como as suas não reconhece – regendo isolada a lei do mais forte no estado de natureza.
Assim, o estado de natureza caracteriza-se pela glória de vencer o outro e pela pobre e curta
vida isolada do homem, impedindo uma sociedade possível: “... não há lugar para a indústria,
… não há cultivo da terra, não há construções confortáveis, nem artes, nem letras; não há soci-
edade; … há [sim] um constante temor e perigo de morte violenta”17.

12
23.
13
Emoções.
14
91.
15
Hobbes 91.
16
Como um ser.
17
Hobbes 111.
Silva 5

3.2. A Inevitável Estrada no Estado Civil

O estado de natureza não é possível porque está pejado de guerra, conflito e desconfi-
ança mútua entre os homens, num espaço limitado para o diálogo e cooperação. Desta forma,
surge a necessidade de um estado civil – um produto da natureza humana obrigatório, que
salvaguarde os homens e garanta os mínimos para a sua autopreservação. Esta é a primeira lei
da natureza e o maior desejo e essência do indivíduo, levando a que a segunda lei da natureza
consista na garantia do cumprimento da primeira – assegurar a autopreservação18.

Para se concretizar, os homens pensam mutuamente sobre o que é necessário abdicar


para garantir a sua autopreservação – concordando com leis que limitem os seus comportamen-
tos, pois quando podem fazer o que querem a guerra perdura19. A renúncia à liberdade irrestrita
permite: existir uma autoridade punidora – o Estado; uma segurança que decorre das regras
resultantes do pacto – leis; garantir que certa coisa tem um proprietário – direito à propriedade;
e, agregando todas, um sentido de justiça20. A ideia do medo referida na contextualização de
Hobbes é aqui espelhada: a única maneira de conseguir o respeito e comportamento civilizado
entre os homens é através de punições, cujo terror tem de superar o benefício do incumprimento
do acordo. Esta conceção parece muito absolutista, restritiva e punitiva, e realmente é – contudo
transparece totalmente a antropologia de Hobbes.

Por ser necessária à autopreservação, a saída do estado de natureza legitima o estado


civil, cuja entrada do homem, mesmo contrariada, provém de um acordo tácito com todos, onde
todos renunciam ao seu direito natural – a liberdade irrestrita21, garantindo a segurança e pro-
priedade omissas no estado de natureza. Congruente ao pensamento pessimista de Hobbes, o
homem continua a ser o mesmo ao entrar no estado civil, pois a sua única função é garantir a
autopreservação deste, não de o mudar – se o Estado resolvesse os problemas, não se limitando
a apaziguar, o homem natural eventualmente deixaria de precisar dele. A pulsão natural é per-
manente – o homem simplesmente aprende a melhor controlá-la e a aceitar o Estado.

Apesar da transição do estado de natureza para o estado civil resultar de um contrato


social, apenas a sua existência não garante o seu cumprimento. É necessário um “… poder
comum que … mantenha [os homens] em respeito, e que dirija as suas ações no sentido do

18
Hobbes 116.
19
Hobbes 116.
20
Hobbes 125.
21
Não se sabe se este processo é racional ou não.
Silva 6

benefício comum”22. Apenas cedendo a força e poder a um homem, ou assembleia de homens,


se pode instaurar esse poder comum – reduzindo as diversas vontades numa única23. Esta ideia
de unidade é fundamental no pensamento de Hobbes, indo além de qualquer concórdia ou con-
sentimento – o pacto é realizado entre um homem com cada um dos outros homens, como se
dissessem: “Cedo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a
esta assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando
de uma maneira semelhante todas as suas ações.”24. Este ato acontece simultaneamente entre
todos, não permitindo que uns o façam e outros não – ressaltando a extrema desconfiança na-
tural do homem.

3.3. A Trindade Absolutista – União, Estado e Soberania

Para Hobbes, o Estado não é uma instituição – é uma pessoa25. É o conjunto de vontades
de todos os homens, que também possui a força da renúncia de cada um deles, causando a ideia
de unidade. Esta pessoa não é um homem ou uma assembleia de homens, mas aquele que for
seu portador chama-se soberano, possui um poder soberano e todos os outros denominam-se
súbditos26. Tudo o que provém do soberano é justo porque emana do contrato realizado por
todos, entre todos e com todos, e a submissão de todas as vontades individuais na do soberano
não restringe a liberdade de cada um27 – continuam a gostar de coisas diferentes, mas ninguém
força o outro a gostar do mesmo.

A autoria das leis é importante devido ao cariz da relação de obediência – são os inte-
resses do indivíduo que legitimam o Estado e a origem das leis, sendo concebidas moral e
indiretamente por todos os homens e promulgadas pelo Estado. Uma lei é injusta se colocar em
causa o contrato, permitindo a desobediência do homem por ameaçar a sua autopreservação.
Contudo, se for promulgada uma lei de tal âmbito, o contrato cessa por violar a segunda lei da
natureza. Logo, nem a lei é injusta, nem o homem pode desobedecer, pois assim que a sua
autopreservação é ameaçada, regressa imediatamente ao estado de natureza e obedece apenas
a si mesmo. Espera-se, desta forma, que mesmo num estado extremamente conservador e ab-
solutista, a pena de morte não seja uma lei – ao ameaçar a autopreservação do homem, quebra
no momento o contrato e dá liberdade ao agora homem natural para se defender de todas as

22
Hobbes 146.
23
Hobbes 146.
24
Hobbes 146.
25
Hobbes 146.
26
Hobbes 146.
27
Além da liberdade total.
Silva 7

formas possíveis. De notar que a desobediência e a revolta são conceitos diferentes: o primeiro
é um comportamento individual incompatível com o contrato, uma vez que o homem vai contra
si próprio; e o segundo é um movimento organizado impossível de acontecer. Tudo o que surge
do contrato é inerentemente justo28 e tudo o que não estiver ao abrigo da lei realizar-se segundo
a vontade do indivíduo – admitindo um espaço fundamental para sua a autonomia e protegendo
os benefícios e bens comuns.

3.5. Abertura à Democracia?

Apesar de Hobbes conceber a possibilidade de a soberania residir numa assembleia de


homens, prefere declaradamente a monarquia29. O múltiplo torna-se uno com o contrato através
da representação30, podendo uma pessoa ou uma personagem representar em si toda a popula-
ção. Desta forma, a legitimidade é tão forte que mesmo ausente no momento de decisão da lei,
o homem considera-o legítimo por ser feito em seu nome. Visto a união ser mais legitima do
que o múltiplo, sendo o Estado igualmente uno porque todos concordam em fazer parte dele
simultaneamente, a monarquia prevalece, pois: o interesse pessoal do monarca é o mesmo que
o interesse público; as resoluções sujeitam-se apenas à inconstância da natureza humana, en-
quanto nas assembleias se acrescenta a do número também; e o monarca não pode discordar de
si mesmo, ao passo que numa assembleia tal não só é possível como pode despoletar uma
guerra civil31.

A defesa de um poder soberano e indivisível é o primeiro ataque ao poder eclesiástico.


Só pode existir um poder e este não é o religioso, pois não obriga o homem a criar um contrato
– ficando o poder civil a liderar no total32. Por fim, a própria imagem da obra Leviatã resume
muito eficazmente toda a tese e visão negativa do homem natural de Hobbes. Centrado na parte
superior da capa, encontra-se um indivíduo: constituído por muitos homens – a força da uni-
dade; empunhando uma espada na mão direita – o poder sobre o terreno – e segurando um
báculo na mão esquerda – o poder religioso – cuja junção num único indivíduo indica a indi-
visibilidade do poder e soberania; e usando uma coroa – o poder monárquico – que remata
todas as outras ideias, transparecendo invencibilidade e segurança.

28
Hobbes 273.
29
Visto que a própria origem etimológica do termo espelha a tese de Hobbes.
30
Até à altura, o conceito de representação esteve sempre associado ao mundo das artes performativas exclusiva-
mente, sendo Hobbes o primeiro a utilizar o termo no âmbito político.
31
Hobbes 159.
32
Hobbes 260.
Silva 8

4. O Inusitado Contratualismo de Rousseau

4.1. O Paradisíaco Estado de Natureza e o seu Pecado Original

Na obra Discurso, Rousseau explica o estado de natureza de um modo muito diferente


de Hobbes. Se para o filósofo britânico resulta de um processo heurístico, para o suíço trata-se
de uma descrição literária com índices históricos. O homem selvagem, como Rousseau deno-
mina, está mais ligado ao seu lado animal, vivendo da e com a natureza, tendo todas as suas
necessidades básicas saciadas naturalmente – resultando numa autossatisfação33.

Deriva-se, assim, uma ausência de guerra, pois estando satisfeito e parecendo não reco-
nhecer o outro homem, não mantém relações com os outros, visto também não existir a neces-
sidade do outro, nem o desejo de prejudicá-lo34. A reprodução continua possível, mas são en-
contros arbitrários, sem qualquer vontade ou necessidade de estabelecer relações – “… o ho-
mem selvagem, sujeito a poucas paixões, basta-se a si próprio…35. Rousseau preocupa-se com
a dimensão tecnológica das luzes porque acredita no mito do bom selvagem – o homem está
mais perto da sua animalidade no estado de natureza, onde reside a sua felicidade. Este estado
corresponde à humanidade no seu estado puro: não existe necessidade de estabelecer qualquer
cultura, linguagem e indústria36, positivo para Rousseau, porque supõem a criação de relações.
Caracteriza-se pela independência dos homens selvagens, que não são altruístas, mas têm com-
paixão baseada no amor próprio: a preocupação pelo outro é ocasional e parte, primeiro que
tudo, do amor de si próprio como indivíduo; o que resulta num certo desprendimento e espon-
taneidade, sendo esta ideia de desprendimento o que caracteriza a liberdade em Rousseau –
significando a ausência de dependência37. A natureza equivale à ideia de harmonia e é na rela-
ção com ela que o homem encontra a sua autenticidade.

O homem é dotado de perfetibilidade – a capacidade exclusiva aos humanos para o


desenvolvimento, que não se reduz à sua essência, sendo uma potência e não um ato38. Se,
antropologicamente, o fado do homem fosse o seu desenvolvimento, sair do estado de natureza
e entrar no estado civil estaria determinado. Contudo, um motivo interno ao próprio individuo
que justifique a entrada no estado civil coloca em causa a autenticidade do estado de natureza
– uma essência que acabe com a ausência do desejo é contraditório. O homem tem a

33
Discurso 30, 37.
34
Rousseau, Discurso 49.
35
Rousseau, Discurso 49.
36
Rousseau, Discurso 49.
37
Rousseau, O Contrato Social 65.
38
Rousseau, Discurso 36.
Silva 9

capacidade, não a essência, de ter desejo e, apesar da ausência deste ser o melhor possível, algo
intrínseco ao homem pode abrir-lhe a porta. Assim, Rousseau afirma que a perfetibilidade é
ativada pelo acaso e azar, conduzindo ao posterior progresso da humanidade – anunciando-se
a queda do homem com este. Como ocorre por acaso, o progresso permite admitir a incerteza
do seu evento e, portanto, não existe um culpado – viver em sociedade é lamentável, mas o
homem não tem culpa disso39.

4.2. Uma Ida sem Retorno – O Corrompido Homem Social

O verdadeiro objetivo de Rousseau não é exaltar o estado de natureza, mas sim criticar
o estado civil e o progresso. Pretende demonstrar que a dimensão do que é ser humano perde-
se naquela época de grandes avanços tecnológicos – extingue-se o encontro de si pelo despren-
dimento. A perfetibilidade não é nefasta: é o progresso quem carrega consigo três elementos
nocivos aquando do desenvolvimento.

Primeiro, a metalurgia: dominam-se os metais e instrumentos, originando a técnica e


criando a necessidade e a constante fabricação de soluções para os problemas, que estabelece
uma relação de apropriação com a natureza40. Segundo, a agricultura: descobrindo as vantagens
do sedentarismo, percebe-se o benefício da cooperação e desenvolvem-se a linguagem, a liga-
ção com o espaço e as ligações sociais. O desenvolvimento da técnica agregado à fixação num
espaço conduz à elaboração de laços afetivos – mas a fixação num só lugar é apenas possível
pela cooperação mútua e forem cumpridas as suas necessidades41. Por último, a propriedade:
surge um desejo continuado pela edificação da ideia e sentimento de posse, que marcam o fim
do estado de natureza42. No fundo, o problema do progresso consiste no fim da pacificação dos
homens consigo mesmos, movendo-se agora constantemente por desejos e cujo sentimento de
pertença funda a desigualdade – ao valorizar o exterior e o material, o homem percebe que nem
todos têm acesso ao mesmo, resultando uma sensação de desigualdade.

O homem reduz-se ao exterior a si: procura validar a sua existência nas opiniões dos
outros43, diminuindo o valor que dá ao seu interior e moral; vive e depende dos outros, devido
aos desejos e necessidades apenas saciados numa relação de dependência – finda-se a anterior
autossuficiência e emerge uma heteronomia. Sepultada a imagem do homem no estado de

39
Rousseau, Discurso 50.
40
Rousseau, Discurso 57.
41
Rousseau, Discurso 58.
42
Rousseau, Discurso 58.
43
Rousseau, Discurso 73.
Silva 10

natureza, a queda deste pela entrada no estado civil produziu uma segunda natureza, a sociali-
zação, e um outro homem, que possui “… um exterior enganador e frívolo, honra sem virtude,
razão sem sabedoria, prazer sem felicidade”44, vivendo alienado de si perante a consolidação
de relações oriundas da manipulação e do preconceito próprio. A sua conversão à falsidade
condiciona a própria moral por um esquema manipulador, dificultando a avaliação sobre qual
deve ser a verdadeira motivação de agir. Num mundo descaracterizado e desumanizado, ver-
tendo desigualdade, injustiças e lutas de poder, o homem social encontra-se demasiado perdido
e acostumado ao estado civil para conseguir rompê-lo, anunciando-se a entrada neste, uma ida
sem retorno – o homem não pode voltar ao estado de natureza.

4.3. Liberdade e Igualdade Sociais – O Desafio do Contrato Social

O “Contrato Social” de Rousseau não descreve a transição do estado de natureza para


o estado civil45 – um contrato implica um momento de acordo consciente, divergindo da ideia
do acaso. Corresponde sim à melhor forma de organização do corpo social, sendo o melhor
estado social o mais verossímil possível ao estado de natureza.

Incapaz de regressar ao estado de natureza, o homem deve preservar a autenticidade


deste – a liberdade e igualdade naturais – conceitos cruciais para Rousseau, que devem ser
preservados num registo civil, resgatando os ideais do estado de natureza. A liberdade natural
caracteriza-se pela independência; a igualdade natural existe porque a primeira não pode sub-
sistir sem ela, designando-se a liberdade civil por um estado de independência, e correspon-
dendo a igualdade à negação da arbitrariedade. Contudo, esta igualdade não representa uma
distribuição igualitária dos bens, mas sim equitativa – “… quanto ao poder, que ele esteja a
salvo de toda a violência e que só se exerça em virtude da ordem e das leis; … quanto à riqueza,
que nenhum cidadão seja bastante opulento para comprar outro, nem nenhum tão pobre que
seja obrigado a vender-se”46.

Por consistir na igualdade de todos, o Estado depende da capacidade de viver do homem


com os outros em comunidade, perdendo-se no estado civil ao reclamar a sua individualidade
– só é livre abandonando os desejos privados, o que possibilita a sua independência, e quando
se dá ao corpo social. O contrato social é formado pelos homens sem que percam uma parte de
si – não existe alienação porque recebem a igualdade e liberdade ao pertencer ao corpo social;

44
Rousseau, Discurso 73.
45
Que seria o mecanismo do contrato.
46
O Contrato Social 65.
Silva 11

e a soberania está contida no pacto social, visto a sua força residir no facto de este ser o próprio
corpo social. Desta forma, o homem não é individual, mas sim uma parte do corpo social, cuja
soma resulta numa coesão e homogeneidade. Graças ao caráter unitário da associação de todos
os integrantes da sociedade47, o corpo social tem força e legitima o Estado.

Aquele que reclama a sua individualidade sobre a força do pacto social é inimigo – tudo
o que o homem reserva para si apenas contribui para o enfraquecimento do corpo social, pois
quanto mais preso à vontade particular, mais se prende aos malefícios da saída do estado de
natureza. Para tal não acontecer, cabe-lhe o esforço para suprimir a particularidade e dar-se ao
corpo social, afirmando a unidade que existia no estado de natureza por nada se desejar, po-
dendo apenas ser resgatada se nada se desejar também.

4.4. A “Paixão pela União” e a Soberania Irrepresentável

“Cada um de nós põe em comum a pessoa e os bens, sob a suprema direção da vontade
geral; e ainda recebemos de cada membro, na qualidade de parte indivisível do todo”48. A força
do corpo social reside na indivisibilidade do todo – a essência do pacto social que se expressa
pela vontade geral, que não é uma soma de vontades particulares, pois o seu agregado traduz,
na verdade, um corpo social partido. Os indivíduos deixam as vontades particulares, pois
mantê-las resultaria numa guerra de interesses e numa soma de partes, onde o bem comum
seria sempre o sacrificado49, tornando a sociedade menos justa e igualitária. O objetivo coletivo
que une os homens como comunidade é o bem comum, expresso na vontade geral, devendo-se
agir segundo o que esta pareça ser.

A vontade geral expressa aquilo que o homem deve querer como indivíduo e como
corpo social, e tende a opor-se àquilo que é a vontade particular. É sempre igual para uma dada
sociedade num dado momento, correspondendo àquilo que é o bem comum para essa socie-
dade50, e indivisível, afirmando o que é correto. Por estarem inseridos na subjetividade, os
indivíduos não a compreendem perfeitamente, visto ser um conceito metafísico – não é encon-
trada nem se sabe o que é sequer51. Mas ainda que seja mais fácil conhecer a vontade particular,
a geral habita no homem de algum modo – orienta a ação política, visto a verdadeira essência
da experiência pública implicar um princípio orientador que aponta para o bem comum.

47
Rousseau, O Contrato Social 28.
48
Rousseau, O Contrato Social 28.
49
Rousseau, O Contrato Social 28.
50
Pode mudar consoante a sociedade, mas é uma para dada sociedade.
51
Rousseau, O Contrato Social 52.
Silva 12

Também expressa pela vontade geral, a soberania é irrepresentável – ou é a vontade


geral, ou não é – e inalienável – porque é indivisível e se for dividida não é soberania52. A
representação é uma transferência, implica uma cópia ou imitação: se um homem der a alguém
o poder de falar por si, está a dar uma parte de si, alienando uma parte sua a outrem e não por
completo ao corpo social – fragilizando o Estado ao eliminar parte da liberdade do homem.
Não existindo representação, qualquer lei que o povo em pessoa não tenha aprovado ou ratifi-
cado é nula53. O corpo social no seu todo tem de aprovar as leis que o afetará porque são uma
adequação da decisão política à vontade geral – são a expressão desta; o que é problemático,
visto que a lei lida com realidades particulares54, cuja natureza se distancia da natureza da
vontade geral.

4.5. A Realidade Prática

A vontade geral tem de ser unânime para se garantir o seu cumprimento nesta legisla-
ção, mas os homens não a conseguem garantir nem entender – tornando-se o princípio da mai-
oria a melhor opção, pois é o mais próximo da unanimidade possível55. Se a vontade geral é
encontrada por uma maioria, ou ela ou a minoria estão erradas porque a vontade geral é uma
decisão unânime56. Desta forma, mesmo não sendo o melhor, o princípio da maioria permite a
formulação de leis, sem esquecer que acima dele está a vontade geral, que deve continuar sem-
pre diante como princípio orientador – coloca, na prática, a vontade geral no plano político,
visto garantir uma maior aproximação à vontade.

De forma a legislar acerca da vontade geral, a aprovação de leis terá de ser feita por
todos, implicando a existência de reuniões presenciais por e com todos. Obrigado a pensar, por
aproximação, na forma de promover o uso da vontade geral e a frequente possibilidade de voto
ou de fazer decisões próprias, Rousseau concebe um processo autárquico radical, onde as co-
munidades se legislam a si próprias e todos são legisladores. Permanecendo sempre como im-
perativo da vontade geral, a lei requer, contudo, uma esfera material e executiva, que não pode
ser assumida pelo povo inteiro do Estado. Com as leis decididas, o filósofo aceita que seja uma
parte do corpo social a colocar as leis em prática – o poder executivo pode, e deve, estar

52
Rousseau, O Contrato Social 111.
53
Rousseau, O Contrato Social 111.
54
Com objetos materiais.
55
Rousseau, O Contrato Social 123-24.
56
Rousseau, O Contrato Social 125.
Silva 13

representado57, dando lugar a um governo58 que coloca em prática as leis, mas sempre subor-
dinado ao poder legislativo que limita a sua ação e, consequentemente, os seus abusos de poder.

Quanto às formas de organização política, Rousseau é crítico de todas, porque em todos


os casos a sua teoria sucumbe às vontades particulares. A democracia direta não funciona por-
que o legislador é o executor, originando o risco da não deliberação segundo a vontade geral;
a democracia representativa implica a delegação da soberania, o que não é possível; e qualquer
regime autoritário implica a transferência de poderes. O filósofo não dá uma resposta nem um
nome ao tipo de regime que suporta, mas é possível pensar numa forma de organização que
desconhecia – as assembleias populares, que permitem alimentar a participação direta dos in-
divíduos nas decisões através de sindicatos, cooperativas, associativismo e referendos. A so-
berania apenas se pode expressar no poder legislativo, visto residir no corpo social, enquanto
o governo corresponde ao poder executivo, que pode ser exercido por uma parte da comunidade
– resultando a ideia de democracia deliberativa, defendendo uma soberania popular.

5. A Proximidade Entre os Antagonismos

Como referi na introdução, o meu objetivo com esta investigação passa por tentar ex-
plicar como a antropologia de Hobbes aparenta ser mais realista, mas acabou por ser o esboço
de Estado de Rousseau aquele que se revelou mais influente e, em parte, praticado. Das con-
trastantes conceções antropológicas, pessimista do homem natural e animada do homem sel-
vagem, às discrepantes idealizações de Estado, absolutista e radical democrata, as teses de
Hobbes e Rousseau são, à primeira vista, totalmente opostas. Contudo, existe um ponto de
ligação entre ambas – a soberania una – que será usado como argumento central para tentar
justificar a minha perspetiva. Devido à sádica e grotesca natureza humana, Hobbes defende
que apenas um homem pode possuir a soberania, e em função da paz harmoniosa no estado de
natureza, Rousseau afirma que a soberania tem de residir em todos. Mas em ambas teses, além
de todos os homens possuírem poder sobre a soberania (para Hobbes indiretamente, pois todos
acordam voluntariamente em cedê-la a alguém), esta é também inalienável e indivisível – re-
sultando numa essência semelhante e diferindo apenas no seu funcionamento.

Apesar de não acreditar que a antropologia de Hobbes seja a mais semelhante (essa
seria a de Locke), parece me ser mais realista que a de Rousseau. Hobbes viveu num contexto
extremamente atribulado, pejado de guerra e atrocidades, que apenas se findou com um poder

57
O Contrato Social 112.
58
Rousseau não define um nome para este tipo de organização governamental.
Silva 14

absolutista, tornando compreensível a defesa de um Estado que atue de forma semelhante –


visto que só este conseguiu pôr os homens em sentido. Sempre tive a convicção de que vivemos
segundo a nossa racionalidade, constringindo a nossa “animalidade” que, por sua vez, se revela
em situações desesperantes de vida ou morte – tentamos, quase inconscientemente, sobreviver
a todo o custo. Contudo, não acredito que isto aconteça em todo e qualquer caso, como uma
mãe matar um filho para sobreviver, por exemplo – o que implica acreditar na existência de
relações no estado de natureza. O exercício heurístico que Hobbes realiza para conceber o es-
tado de natureza não me parece certo, visto que o campo da antropologia, mesmo a filosófica,
é demasiado palpável para se basear simplesmente em algo que nunca existiu.

O exercício histórico de Rousseau parece-me mais indicado – mas apenas o exercício,


pois a sua descrição literária aparenta ser muito ingénua e pouco sustentada. O filósofo des-
creve que o homem selvagem vive apenas com e da natureza, não tendo qualquer relação com
o outro essencialmente. Contudo, praticamente todos os seres vivem de relações, sejam elas de
competição e predação, ou simbióticas, como o mutualismo, o comensalismo e o parasitismo;
e se o Homem descende dos hominídeos, que viveram e vivem em comunidades, não parece
ser preciso estudar antropologia para presumir a grande possibilidade de termos vivido sempre
em comunidades, começando por pequenos clãs. Rousseau poderá referir-se a relações “afeti-
vas”, que presumem racionalidade, num sentido negativo. Assim, é preciso entender em que
ponto passamos a ser racionais, pois essa foi a melhor ferramenta do homem para a sua sobre-
vivência.

Rousseau afirma que o primeiro elemento nefasto do progresso foi o uso da técnica e
de materiais para solucionar problemas. Contudo, estas características não são exclusivas ao
homem: os castores, por exemplo, constroem barragens em rios de forma a criar lagos, que não
só permitem a construção dos seus abrigos, como também geram habitats para outros animais,
ajudam a controlar a erosão do solo e reduzem as cheias – sendo os castores muito importantes
para o ecossistema59. Como este, existem outros exemplos de eventos na natureza importantes
para o ecossistema que não insinuam uma relação de apropriação com esta. Além de que o
Homem não possui características eficazmente desenhadas para a sua sobrevivência, como as
presas de um tigre, a velocidade de um puma ou o pelo de um urso. Junto da sua racionalidade,
o polegar foi extremamente importante porque, não tendo as tais características, “pensou” e
criou objetos manuseáveis para o mesmo efeito. O segundo elemento que Rousseau indicia é a

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Build a Beaver Dam National Parks Service.
Silva 15

agricultura, originando o sedentarismo que permitiu o desenvolvimento de relações sociais e


de cooperação; e o terceiro é o sentimento da propriedade. Ora, como referi no parágrafo ante-
rior, a relação de cooperação existe em diversas espécies no planeta, pelo que a afirmação do
filósofo está errada nesse aspeto; contudo, a questão das relações sociais é mais complicada.
Por um lado, podemos afirmar que a agricultura e o sedentarismo contribuíram de igual forma
para a sobrevivência do homem, proporcionando alimentos sem que este se submetesse ao pe-
rigo; por outro, podemos reconhecê-los como o ponto viragem do homem, dando início ao
domínio da natureza para seu proveito, cujos resultados podemos observar nos dias que correm.
A questão é que, mantendo a ideia da nossa “animalidade” continuar dentro de nós, este senti-
mento de posse e domínio sobre a natureza espelha o que Hobbes afirma ser a do homem na-
tural – um egoísta que vê tudo como um meio. O que difere é que não é por tudo ser um meio
que é adversário obrigatoriamente, daí a possibilidade de existirem relações no estado de natu-
reza: os animais não cooperam porque gostam uns dos outros, mas sim por beneficiarem dessa
cooperação; e não estão constantemente à espera de subjugar o outro, até porque muitas vezes
é a cooperação que os mantém vivos e, mesmo terminando porque um matou o outro, o vence-
dor não sobreviverá muito tempo sem uma nova cooperação.

Acredito que a antropologia de Hobbes é mais realista no sentido de o homem ser ego-
ísta e ver tudo como um meio, contudo não implicando necessariamente um estado de guerra
constante onde nada se desenvolve, até porque o seu exercício heurístico possui diversas fra-
gilidades – começando pela criação de algo que nunca existiu/existe. Desta forma, é possível
interligar a sua ideia do homem natural com a descrição histórica de Rousseau, esta falhando
(muito pelo pouco avanço científico na área) principalmente ao referir que o homem selvagem
é autossuficiente – basta imaginá-lo sozinho no meio do Chade60, casa de leões, leopardos e
hipopótamos, para percebermos que tal não parece muito provável e possível.

Se a antropologia de Hobbes aparenta ser mais realista que a de Rousseau, o mesmo


não acontece à influência que as suas idealizações de Estado tiveram. Tendo em conta o que o
filósofo britânico vivenciou, é compreensível o Estado absolutista que defendeu, acreditando
que o homem precisa de um único superior que governe todos os súbditos, mas que esteja ao
abrigo da mesma lei. Em contrapartida, Rousseau concebeu um Estado congruente à sua ideia
do homem selvagem, defendendo que todos devem ser soberanos e governar segundo a vontade
geral, sendo a única diferença prática entre estas teses o conceito de representação: o dever do

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Local onde foi encontrado o ascendente mais afastado do Homem.
Silva 16

soberano de assegurar a autopreservação do homem acaba por ser o bem comum para o qual a
vontade geral aponta; os homens naturais concordam voluntaria e conscientemente em ceder a
sua liberdade irrestrita em prol da autopreservação, assim como os homens selvagens renun-
ciam as vontades particulares para serem livres no estado social; e ambas soberanias são indi-
visíveis para não caírem na discórdia gerada pela inconstância no número.

A representação de Hobbes veio a tomar lugar na democracia influenciada por Rous-


seau, possibilitando conjugar o estado de natureza do primeiro, com o Estado do segundo.
Analisando a Revolução Americana, o seu principal catalisador foi o aumento dos impostos
sobre as colónias sem que estas tivessem poder decisório, pois não estavam representadas no
governo britânico. Numa perspetiva de natureza humana, revela-se, à semelhança de Hobbes,
um egoísmo e um desejo de poder, neste caso comunitário, pois as colónias não eram indepen-
dentes, estando, em conjunto com a população britânica, sobre o domínio das leis promulgadas
pelo parlamento inglês. Numa perspetiva de Estado, se Rousseau estivesse correto, a população
das colónias não poderia revoltar-se pois, segundo o princípio da maioria, o aumento dos im-
postos seria a vontade geral. Desta forma, é a falta de representação que mais importa: imagi-
nando que o governo inglês consentia com a representação das colónias, talvez estas não se
tivessem revoltado, mesmo que a taxação fosse promulgada novamente – porque o importante
é ter presença no momento de decisão. Contudo, como tal não pode ser feito por todos, o uso
da representação de Hobbes proporciona uma solução possível. Por sua vez, o Estado defen-
dido por Hobbes não teve sucesso porque o absolutismo resulta sempre num despotismo, tendo
sido sempre derrubados ao longo da história.

A investigação da antropologia como justificativa para os contratualismos de Hobbes e


Rousseau revelou-se muito interessante. Permitiu interpretar e coligar a natureza humana, pos-
sivelmente mais realista, do primeiro, com a democracia radical, do segundo, de forma a tentar
explicar como, talvez, as democracias sejam constituídas por homens intrinsecamente naturais,
unidos por uma soberania popular indivisível, contudo passível de representação.
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