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28 de abril de 2023
Silva 2
1. Introdução
A política sempre foi um tema recorrente durante a minha educação – não de forma
dogmática e doutrinária, mas sim saudavelmente discutida e aberta à reflexão. Logo, sem sur-
presas, o meu maior interesse dentro da Filosofia recai na Política – principalmente a sua evo-
lução durante a época moderna. Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau foram duas figuras
proeminentes neste contexto – a tradição contratualista e o seu desenvolvimento foram extre-
mamente importantes para a teoria política, originando os futuros movimentos liberal-demo-
cratas no século XIX1.
2. Contextualização Histórica
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Não esquecendo a terceira figura do contratualismo – John Locke – que também muito contribuiu para o flores-
cimento destes eventos, visto ser considerado o “pai do liberalismo”.
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Não concordando de todo com o filósofo.
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Thomas Hobbes Britannica Academic.
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filho mais velho”4; aos 22 anos, Henrique IV da França fora assassinado numa rua em Paris5;
e dos 54 aos 63 anos vivenciou a guerra civil inglesa, testemunhando pessoalmente a violência
e o caos que resultaram6 – sobressaindo a decapitação do rei Carlos I pelos absolutistas e a
tomada do seu lugar por Cromwell, que agiu de forma igualmente absolutista. No rescaldo da
guerra, a Inglaterra debatia-se acerca do tipo de governo e ordem social mais adequados para
impedir um regresso à violência e instabilidade que caracterizaram a Guerra Civil. Talhadas
por este cenário, as ideias de Hobbes tenderam para um desenvolvimento mais conservador –
defendendo um Estado mais forte e controlador, como se verifica no Leviatã.
Levado pela Revolução Científica7e pelo Mecanicismo8, Hobbes tentou procurar causas
e princípios que explicassem a experiência da sociedade. Assim, teorizou que o estado civil,
cuja forte legislação garante a segurança de todos, é artificial – brotando de um contrato social
acordado entre todos, com o intuito de abandonar o estado de natureza, concebido heuristica-
mente e caracterizado pela arbitrariedade e insociabilidade. Perceber a origem, o propósito e o
porquê do Estado por via da razão foi o seu propósito principal.
A Europa passava por grandes mudanças no século XVIII, pautando-se pelo Iluminismo
– um movimento de fermentação intelectual e cultural caracterizado pela ênfase na razão, ci-
ência e direitos individuais. Um século onde se começou a questionar fontes tradicionais de
autoridade, tais como a igreja e a monarquia, e a desenvolver novas ideias sobre a sociedade, a
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Gunpowder Plot Britannica Academic.
5
Henry IV Britannica Academic.
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English Civil Wars Britannica Academic.
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Criadora da necessidade de explicação física dos fenómenos.
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Promotor da explicação objetiva da sociedade e dos seus fenómenos, porque as leis do mundo natural podem ser
assim explicadas, permitindo a que as explicações parassem de ser teológicas ou dogmáticas.
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Jean-Jacques Rousseau Britannica Academic.
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A sua mãe morrera pouco depois do parto.
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Jean-Jacques Rousseau Britannica Academic.
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política e a condição humana. Um crítico das Luzes, cujo fim demarca-se pelo seu pensamento,
Rousseau é ambíguo e menos sistemático que outros autores da época, não praticando um tipo
de escrita filosófica. As suas ideias espalham-se por toda a sua obra, escrevendo em 1755 sobre
o estado de natureza na sua mais famosa obra Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da
Desigualdade Entre os Homens, e mais tarde, em 1762, o resto da sua teoria prática na obra O
Contrato. Idealizando literariamente o estado de natureza como o estado onde Homem se en-
contra totalmente satisfeito, Rousseau teoriza o contrato social como a melhor forma de orga-
nizar o corpo social, e não como a transição do estado de natureza para o estado civil. Por este
motivo, além de se isolar na tradição contratualista, a transição ficou aberta à especulação.
O homem natural possui uma série de instintos13 que apontam para um mesmo sentido.
É egoísta porque tudo é um meio para alcançar a felicidade, e insaciável pois, conquistado o
que almejava, deseja logo algo novo14. Sendo “tendência geral de todos os homens, um perpé-
tuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte”15, a sociabilidade
é impossível: o egoísmo do homem impede a observação de características como as suas16 no
outro, tornando-o um meio e adversário. É difícil confiar numa pessoa cujas características
morais como as suas não reconhece – regendo isolada a lei do mais forte no estado de natureza.
Assim, o estado de natureza caracteriza-se pela glória de vencer o outro e pela pobre e curta
vida isolada do homem, impedindo uma sociedade possível: “... não há lugar para a indústria,
… não há cultivo da terra, não há construções confortáveis, nem artes, nem letras; não há soci-
edade; … há [sim] um constante temor e perigo de morte violenta”17.
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23.
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Emoções.
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91.
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Hobbes 91.
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Como um ser.
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Hobbes 111.
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O estado de natureza não é possível porque está pejado de guerra, conflito e desconfi-
ança mútua entre os homens, num espaço limitado para o diálogo e cooperação. Desta forma,
surge a necessidade de um estado civil – um produto da natureza humana obrigatório, que
salvaguarde os homens e garanta os mínimos para a sua autopreservação. Esta é a primeira lei
da natureza e o maior desejo e essência do indivíduo, levando a que a segunda lei da natureza
consista na garantia do cumprimento da primeira – assegurar a autopreservação18.
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Hobbes 116.
19
Hobbes 116.
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Hobbes 125.
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Não se sabe se este processo é racional ou não.
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Para Hobbes, o Estado não é uma instituição – é uma pessoa25. É o conjunto de vontades
de todos os homens, que também possui a força da renúncia de cada um deles, causando a ideia
de unidade. Esta pessoa não é um homem ou uma assembleia de homens, mas aquele que for
seu portador chama-se soberano, possui um poder soberano e todos os outros denominam-se
súbditos26. Tudo o que provém do soberano é justo porque emana do contrato realizado por
todos, entre todos e com todos, e a submissão de todas as vontades individuais na do soberano
não restringe a liberdade de cada um27 – continuam a gostar de coisas diferentes, mas ninguém
força o outro a gostar do mesmo.
A autoria das leis é importante devido ao cariz da relação de obediência – são os inte-
resses do indivíduo que legitimam o Estado e a origem das leis, sendo concebidas moral e
indiretamente por todos os homens e promulgadas pelo Estado. Uma lei é injusta se colocar em
causa o contrato, permitindo a desobediência do homem por ameaçar a sua autopreservação.
Contudo, se for promulgada uma lei de tal âmbito, o contrato cessa por violar a segunda lei da
natureza. Logo, nem a lei é injusta, nem o homem pode desobedecer, pois assim que a sua
autopreservação é ameaçada, regressa imediatamente ao estado de natureza e obedece apenas
a si mesmo. Espera-se, desta forma, que mesmo num estado extremamente conservador e ab-
solutista, a pena de morte não seja uma lei – ao ameaçar a autopreservação do homem, quebra
no momento o contrato e dá liberdade ao agora homem natural para se defender de todas as
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Hobbes 146.
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Hobbes 146.
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Hobbes 146.
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Hobbes 146.
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Hobbes 146.
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Além da liberdade total.
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formas possíveis. De notar que a desobediência e a revolta são conceitos diferentes: o primeiro
é um comportamento individual incompatível com o contrato, uma vez que o homem vai contra
si próprio; e o segundo é um movimento organizado impossível de acontecer. Tudo o que surge
do contrato é inerentemente justo28 e tudo o que não estiver ao abrigo da lei realizar-se segundo
a vontade do indivíduo – admitindo um espaço fundamental para sua a autonomia e protegendo
os benefícios e bens comuns.
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Hobbes 273.
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Visto que a própria origem etimológica do termo espelha a tese de Hobbes.
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Até à altura, o conceito de representação esteve sempre associado ao mundo das artes performativas exclusiva-
mente, sendo Hobbes o primeiro a utilizar o termo no âmbito político.
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Hobbes 159.
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Hobbes 260.
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Deriva-se, assim, uma ausência de guerra, pois estando satisfeito e parecendo não reco-
nhecer o outro homem, não mantém relações com os outros, visto também não existir a neces-
sidade do outro, nem o desejo de prejudicá-lo34. A reprodução continua possível, mas são en-
contros arbitrários, sem qualquer vontade ou necessidade de estabelecer relações – “… o ho-
mem selvagem, sujeito a poucas paixões, basta-se a si próprio…35. Rousseau preocupa-se com
a dimensão tecnológica das luzes porque acredita no mito do bom selvagem – o homem está
mais perto da sua animalidade no estado de natureza, onde reside a sua felicidade. Este estado
corresponde à humanidade no seu estado puro: não existe necessidade de estabelecer qualquer
cultura, linguagem e indústria36, positivo para Rousseau, porque supõem a criação de relações.
Caracteriza-se pela independência dos homens selvagens, que não são altruístas, mas têm com-
paixão baseada no amor próprio: a preocupação pelo outro é ocasional e parte, primeiro que
tudo, do amor de si próprio como indivíduo; o que resulta num certo desprendimento e espon-
taneidade, sendo esta ideia de desprendimento o que caracteriza a liberdade em Rousseau –
significando a ausência de dependência37. A natureza equivale à ideia de harmonia e é na rela-
ção com ela que o homem encontra a sua autenticidade.
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Discurso 30, 37.
34
Rousseau, Discurso 49.
35
Rousseau, Discurso 49.
36
Rousseau, Discurso 49.
37
Rousseau, O Contrato Social 65.
38
Rousseau, Discurso 36.
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capacidade, não a essência, de ter desejo e, apesar da ausência deste ser o melhor possível, algo
intrínseco ao homem pode abrir-lhe a porta. Assim, Rousseau afirma que a perfetibilidade é
ativada pelo acaso e azar, conduzindo ao posterior progresso da humanidade – anunciando-se
a queda do homem com este. Como ocorre por acaso, o progresso permite admitir a incerteza
do seu evento e, portanto, não existe um culpado – viver em sociedade é lamentável, mas o
homem não tem culpa disso39.
O verdadeiro objetivo de Rousseau não é exaltar o estado de natureza, mas sim criticar
o estado civil e o progresso. Pretende demonstrar que a dimensão do que é ser humano perde-
se naquela época de grandes avanços tecnológicos – extingue-se o encontro de si pelo despren-
dimento. A perfetibilidade não é nefasta: é o progresso quem carrega consigo três elementos
nocivos aquando do desenvolvimento.
O homem reduz-se ao exterior a si: procura validar a sua existência nas opiniões dos
outros43, diminuindo o valor que dá ao seu interior e moral; vive e depende dos outros, devido
aos desejos e necessidades apenas saciados numa relação de dependência – finda-se a anterior
autossuficiência e emerge uma heteronomia. Sepultada a imagem do homem no estado de
39
Rousseau, Discurso 50.
40
Rousseau, Discurso 57.
41
Rousseau, Discurso 58.
42
Rousseau, Discurso 58.
43
Rousseau, Discurso 73.
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natureza, a queda deste pela entrada no estado civil produziu uma segunda natureza, a sociali-
zação, e um outro homem, que possui “… um exterior enganador e frívolo, honra sem virtude,
razão sem sabedoria, prazer sem felicidade”44, vivendo alienado de si perante a consolidação
de relações oriundas da manipulação e do preconceito próprio. A sua conversão à falsidade
condiciona a própria moral por um esquema manipulador, dificultando a avaliação sobre qual
deve ser a verdadeira motivação de agir. Num mundo descaracterizado e desumanizado, ver-
tendo desigualdade, injustiças e lutas de poder, o homem social encontra-se demasiado perdido
e acostumado ao estado civil para conseguir rompê-lo, anunciando-se a entrada neste, uma ida
sem retorno – o homem não pode voltar ao estado de natureza.
44
Rousseau, Discurso 73.
45
Que seria o mecanismo do contrato.
46
O Contrato Social 65.
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e a soberania está contida no pacto social, visto a sua força residir no facto de este ser o próprio
corpo social. Desta forma, o homem não é individual, mas sim uma parte do corpo social, cuja
soma resulta numa coesão e homogeneidade. Graças ao caráter unitário da associação de todos
os integrantes da sociedade47, o corpo social tem força e legitima o Estado.
Aquele que reclama a sua individualidade sobre a força do pacto social é inimigo – tudo
o que o homem reserva para si apenas contribui para o enfraquecimento do corpo social, pois
quanto mais preso à vontade particular, mais se prende aos malefícios da saída do estado de
natureza. Para tal não acontecer, cabe-lhe o esforço para suprimir a particularidade e dar-se ao
corpo social, afirmando a unidade que existia no estado de natureza por nada se desejar, po-
dendo apenas ser resgatada se nada se desejar também.
“Cada um de nós põe em comum a pessoa e os bens, sob a suprema direção da vontade
geral; e ainda recebemos de cada membro, na qualidade de parte indivisível do todo”48. A força
do corpo social reside na indivisibilidade do todo – a essência do pacto social que se expressa
pela vontade geral, que não é uma soma de vontades particulares, pois o seu agregado traduz,
na verdade, um corpo social partido. Os indivíduos deixam as vontades particulares, pois
mantê-las resultaria numa guerra de interesses e numa soma de partes, onde o bem comum
seria sempre o sacrificado49, tornando a sociedade menos justa e igualitária. O objetivo coletivo
que une os homens como comunidade é o bem comum, expresso na vontade geral, devendo-se
agir segundo o que esta pareça ser.
A vontade geral expressa aquilo que o homem deve querer como indivíduo e como
corpo social, e tende a opor-se àquilo que é a vontade particular. É sempre igual para uma dada
sociedade num dado momento, correspondendo àquilo que é o bem comum para essa socie-
dade50, e indivisível, afirmando o que é correto. Por estarem inseridos na subjetividade, os
indivíduos não a compreendem perfeitamente, visto ser um conceito metafísico – não é encon-
trada nem se sabe o que é sequer51. Mas ainda que seja mais fácil conhecer a vontade particular,
a geral habita no homem de algum modo – orienta a ação política, visto a verdadeira essência
da experiência pública implicar um princípio orientador que aponta para o bem comum.
47
Rousseau, O Contrato Social 28.
48
Rousseau, O Contrato Social 28.
49
Rousseau, O Contrato Social 28.
50
Pode mudar consoante a sociedade, mas é uma para dada sociedade.
51
Rousseau, O Contrato Social 52.
Silva 12
A vontade geral tem de ser unânime para se garantir o seu cumprimento nesta legisla-
ção, mas os homens não a conseguem garantir nem entender – tornando-se o princípio da mai-
oria a melhor opção, pois é o mais próximo da unanimidade possível55. Se a vontade geral é
encontrada por uma maioria, ou ela ou a minoria estão erradas porque a vontade geral é uma
decisão unânime56. Desta forma, mesmo não sendo o melhor, o princípio da maioria permite a
formulação de leis, sem esquecer que acima dele está a vontade geral, que deve continuar sem-
pre diante como princípio orientador – coloca, na prática, a vontade geral no plano político,
visto garantir uma maior aproximação à vontade.
De forma a legislar acerca da vontade geral, a aprovação de leis terá de ser feita por
todos, implicando a existência de reuniões presenciais por e com todos. Obrigado a pensar, por
aproximação, na forma de promover o uso da vontade geral e a frequente possibilidade de voto
ou de fazer decisões próprias, Rousseau concebe um processo autárquico radical, onde as co-
munidades se legislam a si próprias e todos são legisladores. Permanecendo sempre como im-
perativo da vontade geral, a lei requer, contudo, uma esfera material e executiva, que não pode
ser assumida pelo povo inteiro do Estado. Com as leis decididas, o filósofo aceita que seja uma
parte do corpo social a colocar as leis em prática – o poder executivo pode, e deve, estar
52
Rousseau, O Contrato Social 111.
53
Rousseau, O Contrato Social 111.
54
Com objetos materiais.
55
Rousseau, O Contrato Social 123-24.
56
Rousseau, O Contrato Social 125.
Silva 13
representado57, dando lugar a um governo58 que coloca em prática as leis, mas sempre subor-
dinado ao poder legislativo que limita a sua ação e, consequentemente, os seus abusos de poder.
Como referi na introdução, o meu objetivo com esta investigação passa por tentar ex-
plicar como a antropologia de Hobbes aparenta ser mais realista, mas acabou por ser o esboço
de Estado de Rousseau aquele que se revelou mais influente e, em parte, praticado. Das con-
trastantes conceções antropológicas, pessimista do homem natural e animada do homem sel-
vagem, às discrepantes idealizações de Estado, absolutista e radical democrata, as teses de
Hobbes e Rousseau são, à primeira vista, totalmente opostas. Contudo, existe um ponto de
ligação entre ambas – a soberania una – que será usado como argumento central para tentar
justificar a minha perspetiva. Devido à sádica e grotesca natureza humana, Hobbes defende
que apenas um homem pode possuir a soberania, e em função da paz harmoniosa no estado de
natureza, Rousseau afirma que a soberania tem de residir em todos. Mas em ambas teses, além
de todos os homens possuírem poder sobre a soberania (para Hobbes indiretamente, pois todos
acordam voluntariamente em cedê-la a alguém), esta é também inalienável e indivisível – re-
sultando numa essência semelhante e diferindo apenas no seu funcionamento.
Apesar de não acreditar que a antropologia de Hobbes seja a mais semelhante (essa
seria a de Locke), parece me ser mais realista que a de Rousseau. Hobbes viveu num contexto
extremamente atribulado, pejado de guerra e atrocidades, que apenas se findou com um poder
57
O Contrato Social 112.
58
Rousseau não define um nome para este tipo de organização governamental.
Silva 14
Rousseau afirma que o primeiro elemento nefasto do progresso foi o uso da técnica e
de materiais para solucionar problemas. Contudo, estas características não são exclusivas ao
homem: os castores, por exemplo, constroem barragens em rios de forma a criar lagos, que não
só permitem a construção dos seus abrigos, como também geram habitats para outros animais,
ajudam a controlar a erosão do solo e reduzem as cheias – sendo os castores muito importantes
para o ecossistema59. Como este, existem outros exemplos de eventos na natureza importantes
para o ecossistema que não insinuam uma relação de apropriação com esta. Além de que o
Homem não possui características eficazmente desenhadas para a sua sobrevivência, como as
presas de um tigre, a velocidade de um puma ou o pelo de um urso. Junto da sua racionalidade,
o polegar foi extremamente importante porque, não tendo as tais características, “pensou” e
criou objetos manuseáveis para o mesmo efeito. O segundo elemento que Rousseau indicia é a
59
Build a Beaver Dam National Parks Service.
Silva 15
Acredito que a antropologia de Hobbes é mais realista no sentido de o homem ser ego-
ísta e ver tudo como um meio, contudo não implicando necessariamente um estado de guerra
constante onde nada se desenvolve, até porque o seu exercício heurístico possui diversas fra-
gilidades – começando pela criação de algo que nunca existiu/existe. Desta forma, é possível
interligar a sua ideia do homem natural com a descrição histórica de Rousseau, esta falhando
(muito pelo pouco avanço científico na área) principalmente ao referir que o homem selvagem
é autossuficiente – basta imaginá-lo sozinho no meio do Chade60, casa de leões, leopardos e
hipopótamos, para percebermos que tal não parece muito provável e possível.
60
Local onde foi encontrado o ascendente mais afastado do Homem.
Silva 16
soberano de assegurar a autopreservação do homem acaba por ser o bem comum para o qual a
vontade geral aponta; os homens naturais concordam voluntaria e conscientemente em ceder a
sua liberdade irrestrita em prol da autopreservação, assim como os homens selvagens renun-
ciam as vontades particulares para serem livres no estado social; e ambas soberanias são indi-
visíveis para não caírem na discórdia gerada pela inconstância no número.
Bibliografia
“Build a Beaver Dam.” National Parks Service, U.S. Department of the Interior, 22 set. 2022,
https://www.nps.gov/articles/buildabeaverdam.htm.
“English Civil Wars.” Britannica Academic, Encyclopædia Britannica, 30 jun. 2021, acade-
mic.eb.com/levels/collegiate/article/English-Civil-Wars/32663.
Hobbes, Thomas. Leviatã: Ou matéria, Forma e Poder De Um Estado eclesiático e Civil. Im-
prensa Nacional-Casa Da Moeda, 1995.
---. O Contrato Social. Tradução por Mário Franco De Sousa, Editorial Presença, Lda, 2010.