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Análise crítica sobre o documentário “Cabra Marcado para Morrer”

O documentário que uso de referência para realizar esta análise crítica, é permeado por questões

revolucionárias, tanto no meio social quanto no campus metodológico, da  trajetória brasileira no meio rural

e cinematográfico. Nesse filme, dirigido pelo cineasta Eduardo Coutinho na década de 60, objetivava-se a

princípio documentar a vida de um dos principais líderes da Liga Camponesa, João Teixeira, no interior da

Paraíba, onde localizava-se essa figura tão importante no meio rural. Entretanto, devido ao difícil contexto

político da década, tanto os organizadores técnicos quanto os participantes do documentário, tiveram que

interromper as gravações temendo as suas vidas, retornando somente dezessete anos depois. É nesse

contexto, que se dá um dos documentários mais revolucionários da história do cinema brasileiro.

Para além dessa síntese, exporei de forma mais abrangente o contexto em que se deu a gravação

desse filme, que foi uma das causas para a gravação e regravação da obra. Tratando-se do campus rural, a

emergência de insurgências sempre se deu com uma certa constância, o descaso com a população local,

nativa ou não, é a principal causa destas agitações. Sendo a Liga Camponesa, objeto principal do

documentário, umas das revoltas, impulsionadas na década de 60, sobre o descaso da elite rural com as terras

tomadas ou “cedidas” - conforme o pagamento de impostos - aos pequenos agricultores, situando-os à

miséria da pobreza estruturada pelo trabalho análogo à escravidão. Foi durante esta agitação, enfrentando os

chamados coronéis, que João Pedro Teixeira se deu como um dos principais ativistas do movimento, assim

como é retratado no filme, João era um pequeno agricultor, de religião protestante e de muita braveza, que se

punha a questionar os impostos e situações impostas pelos coronéis locais, que "forneciam" as terras em

troca de trabalho e pagamento de impostos. Exemplo da braveza de Teixeira, é em uma de suas falas

relembrada durante o filme por um dos seus conhecidos, em que diz: "Prefiro morrer lutando do que fome”.

Foi diante de tal bravura, de constante enfrentamento à elite rural brasileira, que se deu sua morte, como

documentado no filme por imagens e notícias, no ano de 1962, durante o retorno de uma viagem a João

Pessoa. A simbólica  figura  de João, fez com que sua morte fosse mais um motivo de revolta da comunidade

local e, também, de militantes da União Nacional de Estudantes, como o cineasta Coutinho, que se propôs a

documentar a vida do militante e sua família a fim de  denunciar o descaso com os pequenos agricultores.

Partindo desse objetivo, iniciam as gravações em 1964, com o objetivo de estruturar um documentário que se

encaixaria na categoria de cinebiografia, protagonizado por integrantes da própria família dos Teixeiras,

como por sua esposa Elizabeth Teixeira e seus filhos, além de outros ativistas da da Liga Camponesa.

Contudo, devido ao Golpe Militar de 64 e, consequentemente, das perseguições aos militantes e

questionadores da elite detentora do poder, as gravações cessaram. 


Entendendo o contexto em que se deu as gravações, podemos seguir com os aspectos que tornam o

documentário em questão um ato revolucionário. O campus problemático em que se dispõem as filmagens já

podem ser por si só uma ação revolucionária, tendo vista que a disposição ao questionamento e a denúncia de

tais calamidades do sertão nordestino revolucionam a temática do cinema brasileiro. Além disso, o explícito

método utilizado pelo diretor, mesclando a filmagem com métodos do cinema biográfico com as do cinema

direto, já que tendo a principal ideia, a biografia da vida de João, interrompida pela perseguição dos

militares, Coutinho rompe com o roteiro e transiciona para uma serie de entrevistas dos participantes do

filme, que também haviam sido prejudicados pela perseguição. Nesse sentido, a imprevisão torna-se o

elemento central para montagem do filme e com intuito de transpassar a imprevisbilidade para o

telespectador a montagem da cenas também são realizadas de modo que enfatize isto. A exemplo disso,

temos a cena de um dos atores da inicial biografia, que representaria João, sendo interrompido em sua fala –

após uma pergunta do entrevistador / diretor – para verificação do áudio. Tal cena, pode demonstrar a

semelhança do documentário à uma etnografia, uma outra revolução no cinema brasileiro. Toda essa

configuração audio-visual estruturada pelo diretor, é realizada com um objetivo retratar de fato a realidade

em que se dá tal fenômeno social, ausência de um roteiro permanente permite que as vozes expostas possam

documentar sua história. Independente de real ou não, tal técnica atinge um amplitude cinematográfica nunca

então realizada pelo cinema brasileiro, tratando não só de uma representação ficcional ou documental, o

cinema torna-se político, uma ferramenta que permite dar a voz àqueles que nunca foram ouvidos.

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