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Análise do filme Apocalypto (2006) e o documentário Maia:

sangue dos reis (1997) e sua perspectiva para o ensino de


história.

Andressa Rayane Maria Almeida da Mota1

Atualmente, o número de filmes, séries, novelas e documentários que


relatam períodos históricos vêm crescendo abundantemente devido a
crescente demanda de expectadores interessados em conteúdos do gênero.
Consequentemente, o mundo audiovisual ao propagar esses materiais muitas
vezes cria e estimula o interesse da sociedade sobre o passado. Como prova
desse impulso nesses conteúdos, os inúmeros filmes históricos que são
sucessos de bilheteria, onde em muitos casos conseguem lucrar o dobro do
dinheiro gasto na produção.

Indubitavelmente, sabe-se do poder de influência que esses conteúdos


fílmicos têm no meio social e do quanto moldam a consciência histórica da
população em massa, haja vista que esses recursos acabam sendo utilizada
muitas vezes como verdade sobre o passado, ocupando o espaço dos livros,
em que algumas vezes acaba dificultando o trabalho do professor, como afirma
o historiador Souza Neto: “[...] filmes, documentários, séries, mapas, ou mesmo
simples memes, tornam-se tijolos construtores da consciência histórica, e
trazem novos problemas para os profissionais da História” (p.163-164, 2019).

À vista disso, como forma de enfrentar esses problemas, levantam-se


debates e aumenta o interesse no âmbito educacional em relação à utilização
desses subsídios em sala de aula para estimular a aprendizagem incentivar a
disposição dos discentes na temática. Fazer uso desses materiais no ambiente
escolar de fato é uma boa proposta, pois, tira o teor metódico da aula, em que,
muitos estudantes desestimulados acabam sendo atraídos.

Com a utilização dessas mídias audiovisuais, os alunos e alunas passam a ter


um contato “visível” com o período histórico debatido na aula, fixando aquilo
1
Discente do curso de Licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco — UPE,
Campus Mata Norte.
que foi abordado pelo professor. Porém, se encontra algumas dificuldades pela
frente ao utilizar desse meio como método de ensino, que dificulta um pouco a
aplicação da proposta. A grande problemática dessa questão é que esses
materiais midiáticos não têm compromisso com a realidade, de mostrar o
período histórico fidedigno, mas sim de vender seu produto, sendo muitas
vezes sensacionalistas com o intuito de prender a atenção do telespectador.

Dessa maneira, o docente ao utilizar dessa metodologia, precisa


pensar nas críticas, discussões e análises que irá promover aos alunos, como
também analisar cuidadosamente o filme como um todo, pois a forma como é
pensada e produzida interfere diretamente como o conteúdo é apresentado,
como afirma Alexander Vianna: “[...] devemos ter um profundo conhecimento
do “campo institucional” ou “regimes de gosto e verdades” que definem a sua
abordagem em sua época de produção, de modo a entender as escolhas de
produtores, roteiristas e diretores (p.302-303, 2011).”

Nessa perspectiva, reconhecendo, portanto, as pontuações acima


mencionadas acerca da importância bem como a problemática de se trabalhar
produções midiáticas em sala de aula, serão analisadas duas obras
cinematográficas distintas em que retratam o mesmo período histórico, levando
em consideração suas diferentes formas abordadas, bem como sua
perspectiva para o ensino de história.

O primeiro a ser analisado será o filme Apocalypto (2006), que tem sob
direção Mel Gibson, conhecido pelos seus grandes dramas e combates
violentos nas produções cinematográficas típicas norte-americanas. O filme
tem o intuito de retratar o final da sociedade maia e o funcionamento desse
extenso grupo social prestes a se findar, como também mostrar a vivência dos
ameríndios antes das embarcações ocidentais.

Na obra, o enredo tem como protagonista o jovem Garra Jaguar que


vive em um povoado indígena juntamente com sua mulher e seu filho, fato
característico dos filmes hollywoodianos, em que se tem a necessidade de um
casal central para satisfazer e causar empatia do público. Essa aldeia no qual
nitidamente não possui um Estado, fato que não caracteriza como uma
sociedade inferior, é retratada no filme como os “civilizados”, que vivem
naturalmente com seu grupo e é atacado por inimigos, nitidamente soldados
Maias, no qual tem como o intuito capturar esse povo para fazer seus rituais e
sacrifícios para seus deuses, como também utilizá-los como trabalhadores em
sua sociedade, fato fidedigno dos maias, levando em consideração o que
Nicholas J. Saunders afirma: “[...] eles empreendiam campanhas militares
contra as cidades vizinhas para expandir seu território, impor controle político
(e possivelmente arrecadar tributos) e ganhar prestígio para suas dinastias
reais” (p.81, 2005).

Após o ataque dos guerreiros, inicia-se a luta do jovem para salvar sua
família, enredo esse que se torna um dos grandes focos do filme. Enquanto
acontece a invasão no povoado, Garra Jaguar na tentativa de esconder sua
esposa grávida e seu filho os coloca dentro de um buraco fundo com a
esperança de conseguir voltar e resgatá-los. Posterior a isso, ele volta para
lutar pelo seu povo, porém, sem êxito, acaba sendo capturado juntamente com
os demais. Outra curiosidade é que os homens durante o combate não eram
programados para serem mortos durante o conflito, mas sim após derrota-los
serem capturados vivos, pois, esses indivíduos seriam sacrificados e seu
sangue oferecido aos deuses durante os cultos (SAUNDERS, 2005).

Ao decorrer do filme, são mostradas várias cenas de violência brutal,


marca de filmes americanos e das produções de Gibson. Porém, as
sociedades mesoamericanas tinham de fato caráter de guerras como também,
após a vitória delas, como forma de celebração, realizavam cerimônias, pois,
suas batalhas contra as cidades eram para expansão do seu reinado como
também para ganhar trabalhadores para sua sociedade (SAUNDERS, 2005).
Contudo, é mostrado no filme como se essa fosse a única característica dos
maias.

Após a longa jornada dos povos cativos até a sociedade estatal maia,
podem-se identificar aspectos de políticas de uma cidade- estado com sua
organização e grandeza. É evidente a distinção de classes e sua administração
social ao mostrar mulheres com muitos adereços e crianças brigando por um
pedaço de carne, como também, a venda dos indivíduos escravizados,
característico de uma sociedade estatal. Outra característica de destaque é
como a sociedade maia é mostrada, sem árvores, totalmente devastada, seca
e possivelmente improdutiva, diferente de onde vivia o povoado do início do
filme, onde se concentrava em uma área vasta em florestas.

Deste modo, inicia-se o ponto alto do filme que mais chama atenção,
momento que mostra os rituais de sacrifício aos deuses no alto da pirâmide
maia, em que o sangue desses indivíduos é oferecido, como curiosamente
também os dos seus líderes são oferecidos em ocasiões especiais, pois o ato
de derramar sangue legitima e santifica a organização política desse povo
(SAUNDERS, 2005). No filme, percebe-se que eles estavam passando por um
período de crise, nesse viés, os sacrifícios eram feito com o intuito de oferecer
aos deuses para a melhoria na produção agrícola, haja vista que para a
sociedade maia, todas as questões eram altamente ligadas ao divino.

Bem como, é válido observar nesse ensejo o monumento mostrado no


momento de realização dos sacrifícios, pois, templos-pirâmides era algo
bastante recorrente no reinado maia. Evidentemente, na mesma cena ao
mostrar do alto a população, nota-se também a expansão da sociedade, devido
ao grande contingente populacional, outra grande característica do povo maia.
Outro fator de destaque é que de fato, o sacrifício humano era comumente
realizado em escravos e prisioneiros em momentos ritualísticos (COE, 1966).

No instante que é chegado a hora do sacrifício do jovem da tribo que foi


capturado para a oferta aos deuses, ocorre um eclipse durante o ato, fazendo
com que os lideres religiosos desistam de fazer o ritual com aquele povo e
pede para o exercito resolver.

Na tentativa de intencionalmente matar de forma descontraída, o líder


dos guerreiros propõe que os homens dos outros povos corressem enquanto
eles tentavam acertá-los com suas armas, no qual tinham a certeza que
nenhum conseguiria escapar. Contudo, jovem Jaguar mesmo atingindo
consegue fugir, deixando morto o filho do líder do exercito.

A partir disso, começa a caça ao guerreiro no qual se estende por todo


o filme. Assim, partindo para o fim da análise, após inúmeras batalhas, o jovem
consegue se manter vivo e resgatar sua família. É importante salientar o
momento final do filme, em que ele e dois guerreiros maias avistam
embarcações européias, período que se caracteriza como o inicio do declínio
do reinado maia.

É válido mencionar que em todo o filme, nota-se que os soldados que


captura a outra tribo dos “pacíficos” são sempre referenciados como os
“selvagens”, sanguinários, de fato, mostrado como os “bárbaros” que precisam
ser salvos ou “domesticados”. No momento final, em que é mostrada uma cruz
nessas embarcações, possivelmente tem-se o intuito de representar a
“salvação” chegando, ou a “civilização”, em que se pode destacar os
missionários cristãos e sua missão de tornar esses povos “bárbaros” em
“civilizados”.

Dessa forma, evidentemente, o filme tem a perspectiva de mostrar


apenas um ângulo da sociedade maia: Os combates e mortes que ocorria,
principalmente no fim da Era Clássica. Contudo, deve-se ter cuidado ao levar
essa produção fílmica para a sala de aula para que os discentes não passem a
pensar e resumir os maias com apenas essa visão etnocêntrica de que esses
indivíduos eram cruéis e sanguinários, ignorando todo o seu esplendor artístico
e intelectual, como afirma Michael D. Coe:

O Período Clássico foi uma espécie de Idade do Ouro, não só


para eles mas também para o resto dos povos mesamericanos.
Densas populações, uma economia de abundância e um comércio
bastante extenso foram coordenadas características do Clássico
(1966, 77).

A próxima obra a ser analisada é o documentário: Civilizações perdidas


- Maia: Sangue de Reis (1997), feita pela Discovery Civilization, produzido por
Jason Williams. O enredo desse conteúdo se encontra em explicar os ditos
“mistérios” dos maias e como essa grande sociedade se findou.

Ao decorre do documentário, nota-se que esse grupo social é diversas


vezes retratado de maneira mística, assombrada e até se utiliza o termo
“macabra” ao fazer referencia aos rituais dos maias. Pode se observar também
a forma como é produzido, com cenas mais escurecidas, mostrando um teor
meio sombrio, algo que também pode ser observado nos conteúdos midiáticos
que retratam a Idade Média.

É válido destacar os monumentos mostrados no documentário, porém,


deve-se ter cuidado, pois muitas vezes é retratado como se o diretor quisesse
procurar uma explicação para a construção das obras, como se esses povos
não tivessem capacidade de construí-las.

Outra observação é que inúmeras vezes é relatado como se os povos


maias tivessem simplesmente desaparecido, sem nenhuma explicação
aparente ou causa que interferisse o acontecimento. Porém, mesmo não tendo
muitas provas da causa exata, sabe-se que diversos fatores ocasionaram o
declínio da sociedade maia, fato que explicado por Michael D. Coe: “Entre as
causas atribuídas a e estes acontecimentos estão o colapso agrícola, as
doenças epidêmicas, como a febre-amarela, a invasão de estrangeiros
provenientes do México, a revolução social” (1966,121). Nem todos esses
fatores são comprovados, continua o autor, porém, evidentemente, não se
deve negar essas causas.

Contudo, o documentário faz referências verídicas, ao relatar sobre o


sacrifício de sangue como algo sagrado para aquele povo, como já foi
mencionado acima acerca da importância desse ato no momento dos seus
rituais sagrados.

Chegando ao desfecho da obra, é enfatizado que devido à construção


maia ter se dado pela fé do seu povo, o seu declínio se efetivou pela falta dela,
pois, durante momento conturbado de escassez e ataques em sua sociedade,
a população deixou de acreditar, fazendo com o que seus governantes
perdessem o poder, fato que, segundo o documentário, se explica o fim dos
maias.

Partindo da análise realizada das duas produções cinematográficas, ao


levar esse conteúdo para a sala de aula, deve-se anteriormente passar todo o
assunto sobre esse período histórico, aqui com o recorte na sociedade maia,
para não acontecer dos alunos e alunas acabarem levando o material como
verdade absoluta, haja vista, como já mencionado acima, que essas obras não
têm compromisso com a realidade e possuem diversos erros históricos.

É válido ressaltar que ambos os matérias tem o intuito de retratar o


declínio dos maias, porém, notoriamente, o viés apresentado pelas duas
produções é bem distinto. Contudo, deve-se pensar minuciosamente a
proposta pedagógica ao propor esses materiais para o ensino de história.

À vista disso, devem-se utilizar essas produções para estimular o senso


crítico dos discentes, solicitando que os mesmos ao assistirem identifiquem a
problemática enfatizando os erros que eles conseguem identificar a partir do
que já foi aprendido em sala, bem como os pontos que mais chamaram sua
atenção, para assim, juntamente com os demais, possam debater acerca da
temática. Como também, deve ser proposta ao aplicar essa ferramenta a
utilização do livro didático como embasamento teórico para que os discentes
não caiam no erro de utilizar de achismos na discussão.

Dessa forma, ao usufruir dessa metodologia, o docente consegue fixar o


conteúdo como também criar o maior interesse dos estudantes no assunto
programado, estimulando o aprendizado de maneira dinâmica, tirando o papel
do aluno como apenas receptor de conteúdo, mas, utilizando-os como peça
chave no processo de aprendizagem.

REFERÊNCIAS

SOUZA NETO, José Maria Gomes De. O ENSINO DE HISTÓRIA E O


INFINITO BANCO DE IMAGENS: Êxodo, Deuses e Reis (2014). Recife.
Outros Tempos, vol. 16, n. 28, 2019, p. 162-183. ISSN: 1808-8031.

VIANNA, Alexander Martins. Filme, história e narrativa. História da


historiografia, Ouro Preto, n.7, 2011, p.301-304.

SAUNDERS, Nicholas J. Américas antigas: as grandes civilizações/ Nicholas


J. Saunders: tradução: Ana Paula Trindade B. da Silva. – São Paulo: Madras,
2005.
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