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Romance e História, Plot1 e Plantation2

por Sylvia Wynter3


Tradução de Aline Furtado, Jess Oliveira, Jota Mombaça, Musa Michelle Mattiuzzi e Yhuri Cruz 4

jardins de ervas e plantas de poder

Primeiro, vamos definir os nossos termos. O que, em nosso contexto, é o romance? O


que, em nosso contexto, é a história? Qual é o nosso contexto? George Beckford, um
economista jamaicano escreveu:
“Na América, o locus do sistema de plantation é o Caribe. De fato, essa
região é geralmente considerada a clássica área de plantation. Tanto que
antropólogos sociais descreveram a região como uma esfera de cultura,
rotulada de Plantation America. ”

O Caribe é a clássica área de plantation, já que muitas de suas unidades foram “plantadas”
com pessoas, não com o intuito de formar sociedades, mas para perpetuar plantations cujo
objetivo era produzir safras unicamente para o mercado. Ou seja, as sociedades-plantation do
Caribe surgiram como adjacentes do produto, da monocultura da commodity — a
cana-de-açúcar — que produzem. Como Eric Williams demonstrou, nossas sociedades foram

1
Devido à polissemia do termo plot, que no texto-fonte, ora se refere à trama ou enredo do gênero textual
romance, ora às parcelas de terra (plot of land), cedidas por escravocratas às pessoas escravizadas; e
principalmente, pelas relações que Wynter estabelece neste texto entre os termos e por sua importância para a
construção de seu argumento e análise da forma do romance e do sistema de plantation, optamos por mantê-lo
em inglês para que a discussão e interpretação do texto se ampliem no contexto de chegada da tradução. [N. T]
2
Este ensaio foi publicado na edição de 1971 da Savacou: the journal of the Caribbean Artists Movement
[Savacou: Revista do Movimento de Artistas do Caribe]. [N.T]
3
Sylvia Wynter (Holguín, Cuba, 11 de maio de 1928) é uma dramaturga, novelista, crítica, filósofa e
ensaísta jamaicana.
4
Grupo de estudos “2021: batata-doce”, terceira manifestação da plataforma “Repensando a Estética da
Colônia” parceria do Studio muSa (Salvador/BR – Berlim/GER) com Ecos do Atlântico Sul do Goethe-Institut
(São Paulo/BR) e The Social Justice Institute – GRSJ da University of British Columbia (Vancouver/CA).
causa e efeito da emergência da economia de mercado: uma emergência que marcou uma
mudança de tal magnitude histórica mundial, que estamos todas, sem exceção, ainda
“encantadas”, aprisionadas, deformadas e esquizofrênicas em sua realidade enfeitiçada.
Ora, a própria forma do romance, segundo Goldman, surgiu com a extensão e o
domínio da economia de mercado, e “parece-nos, efetivamente, a transposição para o plano
literário, da vida cotidiana dentro de uma sociedade individualista, nascida da produção para
o mercado.” A forma do romance e nossas sociedades são gêmeas dos mesmos pais. Não é de
se admirar que Miguel Angel Asturias, um romancista de plantation de uma República de
plantation, (Guatemala), tenha escrito com um desespero incrédulo, após a C.I.A. apoiar a
derrubada do Governo legalmente eleito de Arbenz: “Essas coisas que acontecem...? É
melhor chamá-las de ficção!” A História, então, essas coisas que acontecem, é, no contexto
da plantation, ficção; uma ficção escrita, dominada, controlada por forças externas a ela
mesma. É óbvio, então, que é somente quando a sociedade, ou elementos da sociedade se
rebelam contra tais forças autorais e manipuladoras externas, que nossa ficção prolongada se
torna um fato temporário. O romance New Day (1949) mostra não uma, mas duas dessas
colisões históricas, e as conecta, sugerindo na ficção, sua conexão factual.
A forma épica, observa Lukács, desconhece perguntas. O herói está essencialmente
em sintonia com os valores de seu mundo. Com a forma do romance, começa a ruptura do
herói e os valores - agora inautênticos - de seu mundo. A forma do romance é, em essência,
um ponto de interrogação.
Em New Day, o segundo e jovem herói, aquele que podemos denominar “herói
positivo” em contraposição a Davie, o primeiro “herói problemático”, faz a seu tio-avô, o
narrador, uma questão que é crucial para o romance e para nossa discussão.

“Tio John, me diga... Você falou sobre coisas antigas, mas nunca me deu
sua opinião. Fomos ensinados em nossas aulas de história que Gordon e
Bogle eram do diabo, enquanto Eyre era um santo que só fazia o que fazia
porque era necessário. Você conheceu Gordon e Bogle. Eles eram tão ruins
quanto foram pintados?”

A resposta do Velho é evasiva e ambivalente e é parte constituinte da ambivalência


evasiva da “ideologia” do gradualismo, que foi a ideologia do movimento de uma classe
média mais idealista concentrada no Partido Nacional do Povo, que surgiu após as revoltas do
povo jamaicano em 1938. Na verdade, é evidente que o próprio Garth é um retrato mal
disfarçado de Norman Washington Manley. Pelo lado negativo, é possível repudiar esse
movimento como Ken Post o faz, chamando-o meramente de “reação da classe média” contra
a ameaça de tomada de poder por forças populares variadas e múltiplas. Mas no contexto das
sociedades-plantation como as nossas, termos comuns não podem ser aplicados sem ser antes
analisados.
Para apreciar a resposta do Velho, devemos analisar o significado fundamental da
pergunta. A pergunta que lhe fazem é acerca de um fato histórico. No entanto, pela maneira
como Garth a faz, vemos que a história ensinada nas escolas é baseada em torno de um mito
maniqueísta. Bogle e Gordon são maus. Eyre é um santo. Essa era a versão da história
ensinada pelas forças que sustentavam a plantation e as forças que sustentavam a plantation
eram as forças do mercado. Tais forças do empório, (para usar o trocadilho de Asturias) são
as forças do Império. As forças emporialistas e as forças imperialistas são uma só.
Bogle, Gordon e Eyre são personagens, figuras enquadradas em um confronto e
conflito, dos quais nem são primariamente autoras. Figuras capturadas em uma colisão, em
um choque — no qual eram inerentes e embutidas, e ainda são — entre o sistema de
plantation, um sistema, possuído e dominado por forças externas, e o que chamaremos de
sistema de plot, o sistema indígena e autóctone. Miguel Angel Asturias define este confronto
como a luta entre, “... o camponês indígena que aceita que o milho só seja semeado como
alimento, e o creole que o semeia como negócio, queimando florestas de árvores preciosas,
empobrecendo a terra de modo a enriquecer a si mesmo.”
Basicamente, então, uma luta entre a pessoa indígena ainda implicada em um mundo
que Marx chama de valor de uso, no qual um produto é feito em resposta a uma necessidade
humana; e o mundo da economia de mercado com sua estrutura de valor de troca, na qual o
produto é feito em resposta à sua lucratividade no mercado. No mundo do valor de uso, as
necessidades humanas dominam o produto. No mundo do valor de troca, o produto, a coisa
feita domina e manipula a necessidade humana.
Segundo o argumento de Goldmann, a forma do romance é, “entre todas as formas
literárias, a mais imediata e diretamente ligada às estruturas econômicas no sentido estrito do
termo, à estrutura de troca e produção para o mercado”. Mas, visto quea escritora, a artista,
conecta-se — pela própria natureza do seu ofício — à estrutura de afirmação do valor de uso,
e sendo o impulso da criação dirigido pelas necessidades humanas, a escritora permaneceu
como uma espécie de ressaca na nova forma de sociedades. A forma do romance reflete então
sua postura crítica e de oposição a um processo de alienação, que havia começado a
fragmentar a própria comunidade humana, sem a qual a escritora não tem propósito, nem
material de origem, nem visão de mundo ou de público. A forma do romance, um produto da
economia de mercado, sua estrutura de troca, sua singularidade aqui liberada para realizar sua
individualidade pelos valores “liberais” do individualismo, vinculados, por sua vez, à própria
existência do sistema mercado. No entanto, em vez de expressar os valores da sociedade de
mercado, [o romance] se desenvolve e se expande como forma de resistência a essa mesma
sociedade de mercado. Com efeito, a forma do romance e o romance são a crítica do próprio
processo histórico que os trouxe ao auge da realização.
Uma casa para o Sr. Biswas [A House for Mr. Biswas] (1961), embora celebre o
talento de seu autor e lhe dê um lugar reconhecido no mundo da elite, é, no entanto, uma
profunda acusação de um mundo privado [e desprovido] no qual, para realizar sua existência,
Biswas deve se alienar de uma comunidade impossível e distorcida por circunstâncias
fantasmagóricas, para se abrigar em uma casa precária: e em um Ford Prefect. O indivíduo,
tão sonhado na economia de mercado liberal, como sinônimo de total soberania e liberdade,
naufragou com os desenvolvimentos posteriores dessa estrutura que proíbe sua realização; e o
deixa enfurnado em uma casa, fugindo da civilização; um Robinson Crusue agarrado à sua
ilha para sobreviver através da fuga do mundo exterior. Sua vitória, como a nossa, é pírrica5.
O “herói problemático” é o corolário do romance problemático. Esse herói
problemático é exemplificado em Davie; e até certo ponto, na figura de seu pai. Pois, assim
como Okwonko em O Mundo se Despedaça [Things Fall Apart] (1958), de Chinua Achebe, o
Velho pai Campbell, agarrado à sua crença na ordem de Deus e na inexorável justiça
britânica, é alvejado pelos soldados britânicos, defendendo a economia de mercado, ou seja, a
plantation, contra a revolta de pessoas camponesas e trabalhadoras agro-proletárias. Para
tornar o mundo seguro para a economia de mercado, as famílias são divididas (como em
Weep Not Child, (1964) de Ngũgĩ wa Thiong'o) e, de fato, em New Day. Centenas de pessoas
são massacradas. As técnicas de terror aperfeiçoadas por Hitler e Stalin contra pessoas
europeias, na própria Europa, são aperfeiçoadas no empório-império, isto é, em unidades da
plantation. Vic Reid em New Day descreve o fato histórico real em que Coronel Hobbs, um
cavalheiro, que cultivava rosas no quartel em Newcastle conseguiu que nove “rebeldes” se
enforcassem em uma capela em Fonthill, e ordenou que outros treze cavassem uma vala
comum, e que então os soldados os jogassem ali. Hobbs teve dificuldade de encontrar tempo
suficiente para se livrar dos corpos de maneira sanitária. Ele também teve outro problema:
com medo de ser ridicularizado por sua inclinação natural à clemência para com os rebeldes,

5
Vitória pírrica ou vitória de Pirro é uma expressão utilizada para se referir a uma vitória obtida a alto preço,
potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis para quem a vence. Relativo a Pirro (cerca de 318
a.C.-272 a.C.), rei do Epiro, na Grécia antiga. [N.T]
ele sentiu que deveria igualar e superar o terror de seus colegas policiais. Ele então comete
suicídio logo após tal episódio.
Em Weep Not, Child, de Ngũgĩ wa Thiong'o, o herói confronta e é torturado pelo
colono-fazendeiro inglês que cultiva crisântemos para o mercado.
A reação dos fazendeiros em 1895 à morte de alguns administradores da classe
colonizadora-creole mortos por Bogle e por pessoas que o seguiam é de indignação, não
apenas em relação à ideia de derramamento de sangue, mas também como ameaça à
plantation, que era para essa classe o próprio cerne e a sede da estrutura de seus valores
“civilizados”. Não é por acaso que H.G. deLisser, colonizador — escritor creole que retratou
1885 em um romance chamado Revenge, vê a batalha entre as forças da plantation e as forças
de Bogle como uma batalha entre a luz e a escuridão. O grupo de pessoas que seguiam Bogle
aguarda ansiosamente por um sinal do céu, após uma cerimônia ritual à la Cecil B. DeMille6.
Joyce, a heroína inglesa da plantation, também se angustia enquanto assiste a “uma grande
massa de nuvens negras... movendo-se lentamente pelo céu... Parecia que a massa de tinta
crescia descontroladamente tomando o espaço brilhante (iluminado pela lua)… ameaçando o
céu com uma destruição inevitável; era como um enorme monstro disforme avançando
lentamente, mas com passos impiedosos em direção a uma coisa bela que ele havia
condenado à extinção...”
O simbolismo é bastante evidente. Esse trecho ilustra o que Ramchand —
parafraseando Fanon — chamou de “a consciência assombrada” dos brancos. Mas estou
tentando desviar do terreno da raça, que é apenas um fator na equação, para o terreno que
Asturias define. Os seguidores de Bogle eram pessoas que plantavam predominantemente
para a subsistência, e secundariamente para o mercado. Assim, o valor de uso determina sua
estrutura de valores. Joyce pertence ao sistema de plantation, à estrutura de troca; e “à coisa
bela”, cuja extinção ela teme e é o complexo de valores pelos quais ela vive; valores que têm
seu aspecto positivo; por exemplo, o herói demonstra um senso de responsabilidade,
consideração etc; mas valores que também reforçam suas posições dominante e exploradora.

6
Cecil Blount DeMille (12 de agosto de 1881 - 21 de janeiro de 1959) foi um diretor e produtor de cinema
estadunidense. Entre 1914 e 1958, realizou 70 longas-metragens, entre filmes mudos e sonoros. Ele é
reconhecido como o pai fundador do cinema estadunidense e o diretor-produtor de maior sucesso comercial da
história do cinema. Seus filmes se destacaram por sua escala épica e por sua capacidade de exibição
cinematográfica. Seus filmes mudos incluíam dramas sociais, comédias, faroestes, farsas, peças de moralidade e
encenações históricas. O primeiro filme de DeMille, The Squaw Man (1914), foi também o primeiro
longa-metragem rodado em Hollywood. Sua história de amor inter-racial a tornou comercialmente
bem-sucedida e primeiro divulgou Hollywood como o lar da indústria cinematográfica dos EUA. Fonte:
https://en.wikipedia.org/wiki/Cecil_B._DeMille [N.T]
As pessoas que seguiam Bogle, de acordo com deLisser, comemoram de modo selvagem
quando as nuvens negras cobrem a lua. É um sinal de que a ajuda divina chegou e que com
ela terão a ajuda de Deus para expurgar a maldade da Terra: e a mãe do herói creole branco
não tem dúvidas de que é sua raça, classe e sua estrutura de valores que serão expurgadas da
face da Terra. Tanto no romance de deLisser quanto no de Vic Reid, o confronto básico é
entre a plantation e a plot e a estrutura de valores que representam. Sugiro que o conflito que
tem ocorrido entre dois grupos definidos nesta conferência, isto é, entre pessoas que
defendem a “autonomia” da artista “civilizada” altamente educada; e quem defende as
reivindicações da comunidade e do povo, pouco tem a ver com divisão racial e tudo a ver
com quem, como Joyce, defende os valores da plantation e quem assim como Bogle,
representa os valores da plot. [...] Pois, se a história da sociedade caribenha é a de uma
relação dual entre plantation e plot, dois pólos que se originam em um único processo
histórico, a ambivalência entre ambas foi e é a característica distintiva da resposta caribenha.
Essa ambivalência é, ao mesmo tempo, a causa básica de nossa alienação; e a possibilidade
de nossa salvação.
Para explicar de modo breve a dicotomia plantation-plot, somos obrigadas a fazer
generalizações.

1. Antes da experiência ocidental única que começou com a descoberta do Novo Mundo,
todas as sociedades humanas existiam no que Senghor descreve como um processo
oscilatório dual no qual o Homem se adapta à Natureza e adapta a Natureza às suas
próprias necessidades.
2. Mas com a descoberta do Novo Mundo e suas vastas terras exploráveis, aquele
processo que tem sido denominado a “redução do Homem ao Trabalho e [redução] da
Natureza” teve seu início em larga escala. A partir deste momento, o Homem
Ocidental se viu como o “senhor e possuidor da Natureza” e assim, a transformação
unilateral da Natureza é iniciada. Visto que o homem faz parte da Natureza, um
processo de desumanização e alienação foi posto em marcha. Em sociedades antigas
com valores tradicionais baseados no novo sistema desumanizador. Em sociedades
novas como as nossas, criadas para o mercado, parecia, a princípio, não haver
possibilidade de tal tradição.
3. Mas, desde cedo, os proprietários concediam parcelas de terra às pessoas escravizadas
para que cultivassem alimentos para sua subsistência, a fim de maximizar seus
lucros. Sugerimos que este sistema de parcelas de terra7 ou esse sistema de plot, assim
como a forma do romance em termos literários, foi o foco de resistência ao sistema de
mercado e aos valores de mercado.
4. Para pessoas camponesas africanas transplantadas para a plot8 toda a estrutura de
valores criada pelas sociedades tradicionais do continente africano, o terreno9
continuava sendo a Terra10 — e a Terra era uma deusa; o homem usou a terra11 para se
alimentar; e para oferecer-lhe os primeiros frutos; e seu funeral era o reencontro
místico com a terra12. Por causa desse conceito tradicional, a ordem social
permaneceu primordial. Em torno do cultivo de inhame, do alimento para a
sobrevivência, criou-se - em trezentos anos - na plot uma cultura deste povo, a base
de uma ordem social.

Essa cultura recriou valores tradicionais — valores de uso. Esta cultura de raiz se tornou uma
fonte de resistência cultural de guerrilha ao sistema de plantation.
Mas como a pessoa escravizada-tornada-camponesa trabalhava na plantation e ela
mesma era, de fato, o Trabalho, a terra e o capital, sua condição era de ambivalência entre os
dois sistemas. Após a abolição da escravidão, ela cultivava tanto para se alimentar quanto
para vender no mercado. A plantation, dependente do trabalho em massa, estava determinada
a usar sua posse e domínio da terra para obrigá-la a voltar ao trabalho; e ao seu papel na
estrutura do valor de troca. A plantation era a superestrutura da civilização; e a plot era as
raízes da cultura. Mas havia uma ruptura entre esses sistemas, a superestrutura não estava
relacionada à sua base, não respondia às necessidades da base, mas sim às demandas de
acionistas externos e do mercado metropolitano. A plantation era administrada pela classe do
gerente, a classe do colono. Essa classe e a classe trabalhadora indígena se enfrentaram
através de barricadas encravadas no próprio sistema que as criou. É por isso que o confronto
de 1865 e o de 1938 e os confrontos futuros são inevitáveis, a menos que o próprio sistema
seja transformado.

7
Em inglês: plot system [N.T]
8
Para esse enredo; para essa trama, e/ou parcela de terra [lote]. [N.T]
9
Em inglês: land [N.T]
10
Em inglês: Earth.
11
Em inglês: land [N.T]
12
Em inglês: earth. Neste trecho, buscamos entender a diferença entre Earth e land como a diferença entre a
Terra e o terreno, ou terra. A primeira está ligada à ideia de ente (ser) e o segundo está ligado à ideia de
propriedade (ter). [N.T]
Em 1865, nos registros históricos, — Charles Price, um homem negro e empreiteiro
de ônibus gritou ser negro antes que rebeldes o matassem, — os rebeldes então replicaram à
sua afirmação: “Você é negro, mas tem coração de branco!” Vários médicos brancos foram
autorizados a escapar ilesos. Há, como Barrington Moore aponta, uma base lógica e racional
para a resistência de camponeses à economia de mercado. “Um coração branco” descreve
com propriedade o homem a quem Miguel Angel Asturias chama de “o homem que semeia
para o lucro”. O homem envolvido em uma estrutura de valor de troca — que somos todas
nós. Nosso lugar no confronto é amplamente determinado pelo fato de aceitarmos ou
recusarmos essa estrutura.
Nossa apreciação e reavaliação do povo não é, portanto, a mitologia folclórica heróica
de um Hitler. Pois, aceitamos a cultura do povo como um ponto fora do sistema onde os
valores tradicionais podem nos dar um foco de crítica contra a realidade impossível na qual
estamos emaranhadas. Mas não se trata de voltar a uma sociedade, um padrão de povo cuja
estrutura já foi minada pela economia de mercado disseminada. Robert Serumaga mostra isso
em Return to the Shadows (1969). Joe, fugindo de mais uma retomada do exército, vai para a
casa de sua mãe para se amarrar de volta ao cordão umbilical. Mas sua mãe fora estuprada; e
suas jovens primas estupradas e assassinadas por soldados que representam a grande força
central que o capitalismo monopolista, com ou sem intervenção estatal, deve, pela lógica de
sua existência, ter à sua disposição, para esmagar qualquer dissidência de seu poder
totalitário. O sistema de plantation que, sob a retórica liberal do Livre Comércio, a mesma
retórica que libertou pessoas escravizadas, compensou os sinhozinhos e libertou escravizadas
em um mundo dominado pelas relações de mercado, para cuidarem, desprovidas, de si
mesmas, foi o primeiro esboço do capitalismo monopolista. George William Gordon, sugiro,
com esquemas e negociações, comprando terras, especulando, possuindo um jornal, atuando
como negociante de hortifrutigranjeiros, falando veementemente na Câmara da Assembleia,
reivindicando os direitos da Carta Magna como filho livre da Jamaica, personificou a retórica
liberal e levou isso a sério. Quando ele se tornou uma ameaça ao domínio do empório/
império, foi enforcado pela realidade de um sistema de monopólio totalitário. O clamor na
Inglaterra foi feito por elementos liberais que podiam gozar da liberdade oferecida pela
política liberal de livre comércio. Mas Carlyle viu claramente que as plantations foram feitas
para negros preguiçosos aprenderem o evangelho do trabalho sob o impulso do chicote.
Ninguém discordou quando o governo da Colônia da Coroa foi uma peça da retórica liberal
que a realidade bruta do sistema não podia mais suportar. Bogle e o bando que o seguia
aprenderam uma lição: da mesma forma que camponeses de origem indiana se rebelando na
região de Bengala na década de 1860 contra o cultivo de índigo como cultura comercial para
a Inglaterra tiveram que aprender uma lição. O mundo precisava ser mantido seguro para a
economia de mercado.
A história, para ajudar nessa tarefa, teve de ser distorcida. O mito da história foi usado
pela plantation para manter seu poder seguro. Era necessário que Gordon e Bogle fossem
pintados de “preto”; e visto que “a lembrança de coisas passadas pode dar origem a
percepções perigosas”, muito da história foi suprimida.

“Eles não sabem o que vimos, pois, nenhum lugar foi encontrado em seus
livros de história ingleses para o incêndio que nos queimou em Sessenta e
Cinco.”

Ele conta a seu sobrinho-neto Garth, parte disso; e essa consciência do passado, bem como do
papel de seu avô Davie no episódio faz com que Garth se veja como o novo dedicado líder de
elite das massas. Mas sua apreensão histórica diferirá da delas. Pois, ele ainda pergunta “Eles
eram tão ruins quanto foram pintados”? A história que ele aprendeu é a história da plantation,
a história oficial da superestrutura; a única história que foi escrita.
Mas a plot também tem sua própria história. Uma história secreta expressa em
canções folclóricas “War down a Monamds, the Queen never know, War O War O War O”, e o
antigo general anglo-indiano Jackson caçando rebeldes em uma canção folclórica
trágico-cômica:

Oh General Jackson

Oh General Jackson, você mata todos os pretos.

No culto kumina, Bogle aparece por meio de um iniciado como um deus ancestral. Quando
questionadas em 1965 sobre Bogle, as pessoas de Morant Bay responderam sobre ele e
Gordon:

“É justiça que eles buscavam! Justiça para o povo.”

Novamente, como Moore aponta, há um profundo senso camponês de justiça separado do


conceito abstrato dos direitos de propriedade. A justiça da comunidade. A justiça camponesa
se baseia nas necessidades das pessoas que formam a comunidade. Dificilmente há um
aspecto em que não haja essa dicotomia de atitudes. Nenhum aspecto em que as atitudes e
valores da “estrutura de plantation do creole colonizador” dominante não sejam usados ​em
uma relação essencialmente exploratória com os valores da plot indígenas.
Os levantes de 1965 e 1938 são episódios de um continuum histórico. É significativo
que deLisser veja 1865 como um episódio isolado contado através das relações pessoais de
três personagens brancas - o herói, a heroína e o vilão que se junta às pessoas negras “contra
sua própria raça e classe” para conquistar Joyce, mas que morre protegendo-lhe de um
“horror inominável” no final. O conflito real é banido e suprimido mesmo que deLisser sinta
o desconforto contínuo em sua sociedade e escreve seu livro como um aviso às nuvens negras
para não cobrirem a lua.

Reid, por outro lado, envolvido no lançamento de 1938 e no crescimento do


sentimento nacional, escreveu seu romance para recuperar o passado escrito a um povo que
tinha apenas o passado oral; e à classe média que pensava, como Naipaul, que nada foi criado
nas Índias Ocidentais e que, portanto, não havia história. Reid queria profetizar o futuro,
colocando seu então presente no contexto de um passado quase épico. Na primeira parte de
seu livro, ao lidar com o herói problemático Davie, que fracassa (ele parte para Morant Cays
e cria uma comunidade, que é dividida quando seu filho estabelece escalas salariais para
responder ao negócio do mercado de transporte de bananas). Mas Davie morre antes disso,
tendo perdido Lucillle Dubois, sua esposa, por causa de sua nova obsessão. Sua jornada,
então, acaba se revelando ter sido em vão; e finalmente inautêntica, como acontece com todos
os grandes romances. Ele morre em um furacão, preso sob o peso de uma árvore.
A segunda parte do livro com seu herói “positivo” falha porque Garth é feito para
suportar o peso de uma expectativa que nunca pode ser realizada. Enquanto a primeira parte
do livro é paralela e padroniza a estrutura de sua sociedade; e reflete seu fracasso em
satisfazer as necessidades humanas, a segunda parte falha por ignorar o fato de que uma
mudança na superestrutura da plantation, uma nova Constituição, até mesmo a
Independência, foram mudanças que mantiveram o sistema basilar intocado; e que apenas
prolongou o confronto inevitável e inerente entre a plantation e a plot; entre a cidade que é a
expressão comercial da plantation e suas massas marginais, desarticuladas da plot. Este é o
conflito e suas massas marginais, desarticuladas da plot. Este é o conflito e o embate que
vimos refletidos aqui nesta conferência, em diferentes níveis de consciência, entre pessoas
que justificam e defendem o sistema e aquelas que o desafiam.

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