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UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS – UNIPAC

Licenciatura Psicologia 2021

Atividade correspondente à primeira etapa avaliativa apresentada à disciplina


Antropologia do Curso de Graduação em Psicologia, como requisito parcial avaliativo.

Professor Responsável: Helder Rodrigues Pereira.

Proposta de estudo elaboração de um texto que explique a colonialidade do poder a partir


da leitura da reportagem “Campos de veneno”.

Graduandos:
Alexandre Bartoli Monteiro
Andreza Alves Moraes
Cristiane Moreira Silva Ribeiro

MADRUGADA CAMPONESA
Thiago de Mello
Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão,
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
a manhã já vai chegar.

Não vale mais a canção


feita de medo e arremedo
para enganar solidão.
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre,
agora vale a alegria
que se constrói dia a dia
feita de canto e de pão.

Breve há de ser (sinto no ar)


tempo de trigo maduro.
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão,
um leite novo minando
no meu longe seringal.

Já é quase tempo de amor.


Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
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Faz escuro mas eu canto


porque a manhã vai chegar.

Famoso poeta amazonense Thiago de Mello completou 95 anos no último 30 de


março, o que vem lhe rendendo diversas homenagens Brasil afora. Vida ativa no debate
acadêmico e político nacional, outrora exilado, sempre convivendo com as sombras de
quem ousa lutar pela sua visão de mundo, visão essa que desafia uma minoria
dominadora que tenta ocultar maiorias dominadas – seu desejo “a emancipação plena do
homem” como diria nos versos de seu famoso poema “Os Estatutos do homem”. Mas é o
poema “Madrugada Camponesa” que se destaca como abertura e fio condutor do trabalho
aqui em redigido. Seu verso final “Faz escuro, mas eu canto / porque a manhã vai
chegar”, escolhido como tema da Bienal de São Paulo setembro/2021, embora escrito há
mais de 50 anos, traduz com maestria o tempo presente. Se o contexto desse verso no
passado foi o momento de sombras que mergulhou nosso país na ditadura militar, em
tempos pandêmicos atuais ele dialoga com sombrios momentos que vivemos de
desgoverno militarizado e negação da vida do Outro contrapondo Eu-vantagens pessoais,
políticas e econômicas. No que tange ao tema colonialidade do poder na Amazônia dos
“Campos de Veneno”, as palavras da curadoria da Bienal refletem nossa escolha do
poeta amazonense como ilustração sobre o debate proposto:

Com Thiago de Mello, é de se imaginar que se cantará sobre os tempos sombrios,


mas não apenas sobre eles. Especialmente aqueles que se encontram mais
ameaçados, sob a mira de projetos que desejam sua extinção, sabem bem que
nesse contexto todo canto é por si mesmo uma potência de vida e, como tal,
desafia o desejo de morte (JOTABÊ MEDEIROS, 2021).

O texto “Campos de Veneno” mostra essa batalha pela vida que os povos do
Amazonas, especificamente da região do Planalto Santareno, travam desafiando todo o
“desejo de morte” que os ronda em nome da monocultura da soja, da sobreposição de
interesses políticos e corporativos. Apesar de parecer uma questão da sociedade atual,
esses conflitos são legado colonial do processo de colonização e exploração do
continente Latino Americano, marcado pela imposição dos interesses europeus frente às
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civilizações nativas, que reverberam na estrutura das sociedades modernas atuais. O


colonialismo se extinguiu deixando como herança a colonialidade do poder, consolidada
em um sentimento de subalternização colonial e, à semelhança dessa relação dos
colonizados com as metrópoles colonizadoras das colônias, o Estado e as instituições
privadas, hoje, atuam em um movimento de ocultação dos povos originários: indígenas e
quilombolas. Esse processo capitalista de ocupação de terras ocorreu de forma gradativa,
porém, na região de Santareno, acelerou-se pela vinda de migrantes do sul do Brasil e de
outras regiões do país, atraídos pelas promessas do agronegócio da soja, além da
imigração dos países vizinhos e das grandes empresas multinacionais.
Os conflitos em torno da questão de posse de terras ocorrem justamente pelo
poder de uma elite, nesse caso os “sojeiros” e indústrias, que nas palavras de Oliveira e
Esselin (2015) estão no cerne do processo de formação societária que ocorre por
“sucessivas tentativas de exploração, dominação e até mesmo várias tentativas de
extermínio dos povos indígenas”. Com o avanço do agronegócio, principalmente após a
instalação do porto para escoar os grãos via BR-116, os conflitos pela terra se
intensificaram ainda mais, consequência de uma estrutura hegemônica e violenta, tanto
física quanto simbólica, que limita e encurrala indígenas e quilombolas. Espremidos e
enclausurados entre a mata e recortes de gigantescos campos de soja, esse povo adoece
impactados pelo contingente exacerbado dos agrotóxicos usados nas lavouras de soja,
afetando seu plantio e roças, seus rios e peixes, contaminando e destruindo a terra que
tanto é disputada. Para além desses efeitos devastadores, as construções simbólicas da
relação do índio com a sua terra é dizimado por um EU que insiste em dominar o Outro,
instados pelo objeto único do capitalismo – o lucro, não de todos, mas de alguns - a
qualquer preço. No artigo “Do que é feito um corpo” o antropólogo Bruno Martins Morais
pontua essa relação dos povos originários e seus territórios como “a expressão mais
ampla de um grupo humano no espaço que situa a reprodução de suas relações”. Nessa
forma tão singular e significativa de “ser-estar” ligado a terra, o corpo faz parte do lugar,
eles são a terra em si mesma, em uma conjugação entre sujeitos e terra que habitam,
“uma unidade orgânica, política e religiosa que os constitui enquanto povo” (MORAIS,
2019). Dona Damiana, indígena Kaiowá, em sua moradia cercada pelo veneno, narra ao
antropólogo:
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Vou dizer então, Bruno. Essa terra aqui é vermelha, escura. É poeira de índio, não
é de branco não. A carne do branco é uma terra mais clara [...] Hoje tem cana em
cima, olha quanta cana. Mas é vermelha porque tem sangue de índio, é boa
porque tem sangue de índio. Hoje tem cana em cima, mas embaixo estão os meus
filhos. Meus filhos estão apodrecendo nessa terra, que já apodreceu meu pai. E
agora o meu netinho. Eu não vou mais deixar passar veneno, eu quero que essa
cana apodreça aqui na terra. Vai apodrecer a cana, igual meu pai, meu filho
apodreceu. É só essa a minha palavra. (DONA DAMIANA, 2019)

Essa terra, cenário de longas décadas de disputa violenta, é também lugar de


afeto, memórias, recordações e cultura dos que tentam preservar o local, sua organização
social, o vínculo com a terra, a tradição e seu modo de ser. Indígenas e quilombolas se
organizam para reivindicar seus territórios, porém esses não são povos homogêneos, eles
possuem suas diferenças e conflitos entre si e, nesse sentido a colonialidade também se
faz presente. À semelhança da colonização belga dos povos de Ruanda, uma colonização
que se utilizou da raça para acirrar e desmantelar as relações entre etnias tutsis e hutus,
os “sojeiros” utilizaram a mesma estratégia colonizadora, se valendo das diferenças entre
indígenas e quilombolas, e também entre as próprias aldeias, para fomentar os conflitos
entre esses povos,

A tentativa de incorporação dos Munduruku do Planalto e dos quilombolas em


lógicas de relações de poder fortaleceu o preconceito e o racismo contra os
próprios indígenas e quilombolas e facilitou o processo de expropriação de
territórios. Esta é uma estratégia que ocorre desde o período colonial, quando os
europeus tomaram territórios e exterminaram diversos grupos étnicos com
técnicas de desarticulação de grupos, ao fomentar conflitos prévios. (REVISTA
BEIRA DO RIO, EDIÇÃO ESPECIAL 2019/2020).

Retornando ao poeta que ilustra o presente escrito, dizia ele “que seu compromisso
enquanto escritor é sempre com a vida e o homem do seu tempo... com a eliminação da
injustiça”. Compromisso do autor com a palavra, não qualquer palavra, “... mas palavra
que seja canto e caminho, espada e testemunho” Thiago Mello (1970) e nesse sentido,
entre conflitos e alianças, indígenas e quilombolas se unem em diversos coletivos, a
exemplo “Movimento Indígena do Baixo Tapajós” e “Movimento Quilombola” e utilizam da
palavra para elaborar documentos e ações de denúncia contra o assalto, a destruição e
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envenenamento de seus territórios. Em 2016 lograram uma conquista, através de


denúncia impetrada ao Ministério Público Federal, a suspensão da construção do Porto
do Maicá, com objetivo de escoar a produção de soja. O lago Maicá, localizado na aldeia
Açaizal, é de importância física e simbólica para esses dois povos; para além da pesca,
irrigação de suas roças, há toda uma relação de significados e significantes com o
espaço, identitária, religiosa e de memória, de reconhecimentos e pertencimentos. Esse
entrelaçamento de símbolos e aspectos socioculturais conduz ao movimento de
resistência e recriação. Os conflitos entre povos e diferentes partícipes do agronegócio
impactam esses sujeitos e suas subjetividades, alterando as formas de significação de
seus espaços. Em enfrentamento a toda uma gama de negação de direitos, recorrem à
memória coletiva e afetuosa de seus ancestrais, de sua história, lutando e resistindo às
políticas públicas que atendem claramente aos que estão lucrando indiscriminadamente
como capitalismo desordenado, utilizando “ações-manobras” de desapropriação e tutela
dos povos e seus territórios.
Conforme nos apresenta Fernandéz (2006), na década de 1970, o governo Federal
realizou a criação de um conjunto de programas, a exemplo o programa Superintendência
do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Programas esses que tiveram como objetivo
facilitar a ocupação de terras públicas da Amazônia. A SUDAM apresentou como sendo
seu principal instrumento de trabalho a concessão de créditos subsidiados às grandes
empresas agropecuárias. Em uma década foi realizado o financiamento de 194 projetos,
liberando 94% do total dos recursos para empreendimentos com mais de 10.000 ha.
Antes, os programas apresentavam como objetivo assegurar a transferência de terras
públicas às famílias de pequenos agricultores, porém ocorreram vendas destas áreas
para empresários ou pequenos pecuaristas. Em Alta Floresta, apenas 13% do total de
200.000 ha, que foram adquiridos junto ao INCRA, foram realmente colocados para à
venda para os pequenos agricultores. (Guimarães Neto, 2003; Moreno, 1993).
O Brasil está entregando cada vez mais as suas riquezas em uma tendência a
permitir investimentos em compra de terra cada vez maiores para o capital estrangeiro, de
forma que essa internacionalização se traduz em uma estrangeira extração das riquezas
para a exportação. Além de uma apropriação privada dos bens comuns, da Amazônia e
de outros biomas brasileiros, está no centro uma disputa por recursos estratégicos em
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vista de infraestruturas que são, e continuarão sendo, construídas no intuito de viabilizar o


agronegócio e a extração de commodities para exportação. A pauta política e econômica
não é colocada em estruturas de menor porte, atendendo indígenas e quilombolas, o que
viabilizariam os modos de produção de base comunitária, que lutam para persistir, para
ser e estar e se reconstruírem em seus territórios originais; sem o atropelo de seus modos
de vida, de seu modo de fazer, de produção ancestral, da identidade, em defesa das
áreas de conservação e de um modelo de desenvolvimento que não devaste as
comunidades, mas que as potencialize nas suas capacidades e organizações.

REFERÊNCIAS

REVISTA BEIRA DO RIO. Os Munduruku do Planalto Santareno resistência, identidade e território.


Edição Especial - Memória e Conflito UFPA • Ano XXXIV • n. 6 Dezembro e Janeiro • 2019/2020. Disponível
em: https://pt.calameo.com/books/00617224256ad6e04efd1 . Acesso em: out. 2021.

FERNÁNDEZ, Antonio João Castrillon. Do cerrado à Amazônia: as estruturas sociais da economia da


soja em Mato Grosso. 2006. Disponível em: https://ageconsearch.umn.edu/record/147503 . Acesso em:
out. 2021.

GUIMARÃES NETO, R. Beatriz. Vira mundo, vira mundo: trajetórias nômades. Projeto História, São Paulo,
n.27, p.49-69, dez., 2003. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1271/127159275011.pdf . Acesso em:
out. 2021.

MEDEIROS, Jotabê. Amazônia Real - Thiago de Mello, o autor do verso “Faz escuro mas eu canto”.
Publicado em: 13/09/2021. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/thiago-de-mello-2/ . Acesso em: out.
2021.

MORENO, Gislaine. Os (des)caminhos da apropriação capitalista da terra em Mato Grosso. São Paulo,
1993. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/download/10510/7824/26041 . Acesso em:
out. 2021.

MORAIS, Bruno Martins. “Do que é feito um corpo?” : uma crítica substantiva kaiowá e guarani ao
agronegócio. Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, V. 05, nº 01, jan-abr., 2019,
artigo nº 927. Disponível em: https://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/download/927/1095/6168 .
Acesso em: out. 2021.

OLIVEIRA, Jorge Eremites de; ESSELIN, Paulo Marcos. Para compreender os conflitos entre
fazendeiros e indígenas em Mato Grosso do Sul. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.
br/noticias/547145-para-compreender-os-conflitos-entre-fazendeiros-e-indigenas-em -mato-grosso-do-sul .
Acesso em: out. 2021.

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