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Teorias e Estéticas Contemporâneas do Cinema II

Isadora e Silva Sousa

1. A GUERRILHA NO CINEMA DE GLAUBER ROCHA

Quando falamos em cinema a primeira imagem que se forma é a dos filmes que
ocupam as grandes salas, esses cinemas elitizados, que foram e são dominados por
determinados grupos que nunca tiveram o mínimo interesse de dividir seus meios para
que outras narrativas fossem contadas. Ao olhar para a dita “história do cinema”
enxerga-se uma estrutura linear que só inclui e cataloga em si esse aparato branco,
cis-hétero e norte-americano, na medida que, não segrega, por que isso significaria
assumir a existência destes, mas apaga completamente as obras cinematográficas de
grupos marginalizados que vinham sendo construídas paralelamente.
Nessa conjuntura, o Cinema de Guerrilha nada mais é do que um grito de apropriação
da classe trabalhadora à produção cinematográfica, subvertendo completamente as
normas clássicas de cinema, uma vez que está pouco preocupada com estética,
distribuição em massa ou lucro, mas sim com andar alinhada com os anseios das
populações marginalizadas.
Trazendo para um viés brasileiro, o cinema de guerrilha passa a ganhar mais
voz entre as décadas de 60 e 70. Em meio as ditaduras enfrentadas na América Latina
e a ascensão do movimento Cinema Novo, nota-se a existência nos países
subdesenvolvidos de uma “Miséria Cultural”, entendida pelos pensadores da época
como a não criação de uma cultura própria, mas sim importada, completamente
desalinhada com as especificidades da população do próprio país, sendo assim um
prato cheio para as grandes potências capitalistas, uma vez que o cinema é uma
ferramenta, não pertencente, mas apropriada pelo imperialismo, para a manutenção de
uma submissão sócio-política inquestionada.
É nesse contexto que Glauber Rocha, cineasta baiano e um dos pioneiros do
Cinema Novo, viria a realizar alguns dos filmes de guerrilha mais relevantes quando se
fala na formação de um cinema verdadeiramente brasileiro.
“O cinema independente está diante de uma revolução
cultural. Esta revolução deve se conscientizar a partir da
própria técnica de produção. (...) O cinema americano deve
ser batido em seu próprio terreno. Os „cinemas de arte e
ensaio‟, fronts de luta do cinema independente, já começam
a ser contaminados pelo cinema americano. É necessário
que o maior número possível de produção independente,
com distribuição controlada pelos cineastas-produtores,
invadam as grandes salas. Uma batalha agressiva do
cinema independente provocará uma polêmica sem
antecedentes na história do cinema.” (ROCHA, 1981:70)

1.1 DEUS E DIABO NA TERRA DO SOL (1964)

Drama ambientalizado em meados do início do século XX, em meio à


República Velha, Deus e o Diabo Na Terra do Sol nos apresenta Manuel e Rosa,
que vivem na miséria do sertão nordestino sem nenhum amparo. Após Manuel
cometer um crime eles precisam fugir e a partir daí se inicia a jornada do casal em
busca de uma vida digna. Nessa trilha eles passam por falsas oportunidades de
salvação da situação deplorável em que vivem. A primeira é um falso profeta que os
obrigam a fazer coisas absurdas em troca da salvação divina. Já a segunda trata-se
de um cangaceiro que promete acabar com a vida dos líderes de Estado que são
responsáveis pela miséria no sertão. Ambas as tentativas são falidas e colocam
Manuel e Rosa em situações cada vez piores.
Nessa realização, Glauber Rocha, alinhado com as discussões da época,
levanta a pauta da miséria do sertão nordestino, que era totalmente esquecido pelo
poder público. Ainda, em meio ao um enredo que parece tratar de uma alegoria
cristã, ele aproveita para alertar sobres os perigos dos grandes messias que
prometem salvações por meios simplistas ou arbitrários. Vale lembrar que o filme foi
lançado poucos meses depois do golpe de estado brasileiro.
1.2 TERRA EM TRANSE (1967)

Em Terra Em Transe acompanhamos a história de Paulo, intelectual que se vê


dividido entre apoiar uma ditadura no país ficcional Eldorado ou apoiar uma oposição
progressista liderada por Felipe Vieira. Paulo junta-se à Sarah, secretária de Vieira e
ativista para ajudar a eleger o candidato. No entanto, após conseguir vencer as eleições,
Vieira acaba se aliando com figuras da alta classe e se vira contra o próprio povão que
o ajudou. A partir daí começamos a acompanhar o transe de Paulo, que na mesma
medida que anseia por justiça também está descreditado das mobilizações sociais, e
quase delira no transe entre esses dois estados.
O filme de Glauber está inserido em um momento da história em que o Golpe
de 1964 começava a criar raízes, pouco antes da implementação do AI-5, por isso a
obra, apesar de criticar o regime militar, é assolada por um estado de passividade, uma
descrença pelas mudanças através dos meios institucionais que é resultado imediato
das repetidas perdas que a população pobre sofreu na época que fica evidente na fala
de Paulo “Antes eu queria mudar... e se mudar? Mudar pra quê? Ir pra onde? E com
que armas?” (Terra em Transe, 1967). Além disso, questiona as estruturas da esquerda
revolucionária, que por vezes era elitizada e não caminhava em consonância com a
classe trabalhadora. Podemos ver isso também em Paulo, que ao mesmo tempo que
diz que quer lutar pelos miseráveis, também os despreza e os enxerga como meros
servis.
Nessa obra, fica claro o interesse do cineasta em colocar nas telas os anseios
imediatos da população brasileira, colocar em evidência as narrativas opostas às que
convencionalmente vemos no cinema, forçando os espectadores a olharem pra dentro e
pensarem criticamente sobre a própria realidade.

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