Você está na página 1de 6

Macunaíma — Brasil, 1969

Direção: Joaquim Pedro de Andrade


Roteiro: Joaquim Pedro de Andrade
Elenco: Dina Sfat, Grande Otelo, Jardel Filho, Milton Gonçalves, Paulo José, Rodolfo
Arena, Joana Fomm, Hugo Carvana, Wilza Carla, Zezé Macedo.
Duração: 108 min
Filme alegorico : lado barroco, excessivo, carnavalesco, diferente de Glauber Rocha
(lado melancólico)
Moernista
Macunaima é o carnavalesco, felicidade, chanchadas.
Ele se inspira do movimento tropicalista (q começou com Caetano Veloso) filme
totalmente tropicalista com as cores, os corpos (mt importante no nível estético,
politico)

O Macunaíma do filme representa o típico brasileiro, que acaba sendo devorado pelo
sistema (à época, apesar do autoritarismo, muitos brasileiros eram tragados pelas
"maravilhas" do milagre econômico). Como afirma Heloísa Buarque de Hollanda:
"Em Macunaíma, segundo Joaquim Pedro, tem-se a estória de um brasileiro que foi
´comido` pelo Brasil. Isto é, pelas relações de trabalho, pelas relações sociais e
econômicas que ainda são basicamente antropofágicas. Resumido, Joaquim afirma ser
o seu Macunaíma um filme sobre consumo"

No embate contra o industrial Venceslau Pietro Pietra, Macunaíma, um índio,


claramente representa os valores autóctones contra o sistema. Na cena da feijoada, na
casa de Venceslau Pietro Pietra, Macunaíma, vestido com as cores coeca nacional, vai
ao cascao do gigante. Lá, consegue recuperar a muiraquitã e derrubar Venceslau Pietro
Pietra na água fervente em que era preparada uma feijoada de carne humana.
Macunaíma acredita-se vitorioso sobre o sistema e, desse modo, apodera-se de bens de
consumo, como troféus, sendo, contudo, justamente por isso derrotado pelo capital,
que o assimila. Macunaíma era um resistente que tentava devorar quem o devorava,
mas acaba sendo absorvido. Nesse sentido, afirma o próprio diretor do filme: "Há
novos heróis. Eles tentam devorar quem os devora. Mas os contestadores são
industrializados pelos órgãos de divulgação e passam a ser consumidos, isto é,
comidos, como todos aqueles que aceitam. Enfim, quem pode come o outro.
Macunaíma é um sujeito que foi comido pelo Brasil (...)".[7] Talvez por isso, depois da
vitória sobre o industrial, o protagonista apareça com roupa estilo country americano,
carregando diversos bens, e com “a moça chamada Princesa, que era bem elegante”,
como diz o narrador em voice over. Macunaíma, portanto, não é ainda o herói
moderno nacional, pois a ele falta, segundo o diretor do filme, "uma visão mais geral,
mais ambiciosa e mais consciente. Ela dá sempre os seus golpes com objetivo
limitado, pessoal, individualista (...). O herói moderno, para mim, é uma espécie de
encarnação nacional, cujo destino se confunde com o próprio destino de seu povo.
Uma das suas características fundamentais é a consciência coletiva. Ao contrário de
Macunaíma, ele terá de encarnar um ser moral, no sentido de estar possuído por toda
uma ética social".[8]

O filme Macunaíma (1969), do diretor Joaquim Pedro de Andrade, foi adaptado a partir
obra literária de mesmo título do intelectual multifacetado, um dos nomes do
movimento modernista, Mário de Andrade. Tornou-se filme referencial pelo fato de
abordar questões sócio-culturais – sofrendo censuras em plena ditadura militar – através
da comédia, mas sem deixar de fugir das ideias apregoadas por Mário de Andrade. É
considerado um dos primeiros filmes do movimento cinematográfico conhecido como
Cinema Novo.
O filme conta a saga do personagem protagonista, Macunaíma, junto com seus irmãos
desde seu nascimento no “fundo do mato-virgem”, a saída da terra-natal e chegada na
“civilização da cidade” e o retorno ao seu lugar natalício. De acordo com o
desenvolvimento do filme e as mais variadas vivências do personagem principal é
possível fazer uma analogia com a proposta de Mário de Andrade e os modernistas em
buscar uma “cultura brasileira” não somente a partir de regionalismos, ufanismo ou
então a completa negação do Brasil, bebendo unicamente em fontes estrangeiras
(Europa e, atualmente, EUA), mas sim catalisando o que há de presente no território
brasileiro e mesclando com influências externas, sem imitá-las, produzindo algo
diferente e único, transformando o “moderno" dos países desenvolvidos em mola crítica
propulsora.
Cabe ressaltar que o filme foi lançado no final da década de 60 quando outro
movimento, esteticamente semelhante e com o mesmo objetivo, surgia: a Tropicália,
fugindo dos padrões estabelecidos do que deveria ser a música brasileira e lançando uma
nova proposta, bastante influenciada pela antropofagia do movimento modernista.

Por meio do herói que festeja muito, mas é “devorado” pelo sistema, Macunaíma faz
uma análise de um momento onde o mais forte engole o mais fraco, num ambiente
simbólico repleto de contato com a realidade dos brasileiros em pontos específicos da
sua história, inclusive o atual, um cenário político repleto de contradições e
inseguranças. O ato de “devorar” a que me refiro está interligado com as relações
econômicas e sociais cotidianas, tensas, apesar da constante reafirmação de mitos
próprios do povo brasileiro, tal como a sua cordialidade, o seu caldeirão racial que
“ferve sem queimar”, dentre outras falácias que constantemente se discute quando o
assunto é “entender o Brasil e os brasileiros”. Com sua linguagem carnavalesca, a
produção emula as ideias de Mário de Andrade, mas faz uma leitura imbricada com o
contexto histórico de seu lançamento, uma época ímpar para o país, mergulhado no
militarismo que deixou marcas extremamente profundas em diversos setores da
sociedade.

A jornada do personagem título, tal como a “trajetória do herói”, é uma saga do campo
ao urbano, com retorno ao ponto de origem em seu desfecho. Sincrético, o personagem
passa por transformações que alegorizam a formação do povo brasileiro: negro em seu
nascimento, vive tal como um índio, tornando-se um branco mais adiante.
*Lançado numa época em que as pessoas acreditavam que tudo podia dar certo,
Macunaíma é um filme intenso. Seu final irônico, pessimista, revelava o tom de ironia
do cineasta responsável pela produção. 
Joaquim Pedro de Andrade buscava uma síntese do brasileiro, tendo em vista construir
uma alegoria que desse conta da situação política do momento em questão, a
efervescente década de 1960. Além disso, o filme tem como personagem central uma
figura que “desfia uma identidade que se reporta ao brasileiro”, tal como afirmou
Ismail Xavier em Alegorias do Subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo e
Cinema Marginal. O que ambos os pesquisadores refletem sobre Macunaíma é o seu
potencial de representação do brasileiro e das suas contradições enquanto um dos
povos de caráter mais multicultural do mundo, uma mistura que permite extensas
discussões referentes ao conceito de idade cultural, algo que por sua vez, coaduna em
questões políticas.
Com traços do Tropicalismo, Macunaíma mescla elementos eruditos e populares, faz o
kitsch encontrar o gosto refinado. Intelectual, mas popular, o filme trouxe atores da
televisão, figurinos bastante coloridos, sem perder, como apontado anteriormente, o
rigor político e estético. Ao longo de seus 110 minutos, o filme traz a eficiente
narração de Tite de Lemos, direção de arte e figurino de Anísio Medeiros e montagem
eficiente de Eduardo Escorel. Com clássicos populares de Jards Macalé, Sílvio Caldas,
Oreste Barbosa e Heitor Villa-Lobos, o filme é parte da lista dos 100 Melhores Filmes
Brasileiros de todos os tempos, realizada pela ABRACCINE.

Eles não usam Balck Tie


O filme "Eles não usam black-tie", de Leon Hirzsman (1981), expõe a problemática da
consciência de classe a partir da dialética entre contingencia e necessidade (das
respostas) da classe do proletariado à condição existencial de proletariedade. Eis a
questão: a consciência de classe necessária - que constitui a classe social do
proletariado - emerge das respostas que as individualidades pessoais de classe são
obrigadas a dar - no plano da contingencia da vida cotidiana - à condição existencial de
proletariedade. No caso do filme de Leon Hirzsman as respostas dadas pelos homens e
mulheres operárias à condição de proletariedade exposta no decorrer do filme
assumiram um caráter coletivo, organizado no movimento sindical.

O filme é uma adaptação de uma peça teatral encenada pela primeira vez em 1958. De
Guarnieri, Eles não usam Black-Tie, escrita quando o artista tinha ainda 24 anos de
idade, representa uma inovação no mundo do teatro por dois motivos: primeiro, porque
promoveu a recuperação do Teatro de Arena de São Paulo e, segundo, porque foi a
primeira peça a introduzir uma temática popular. A história encenada em 1958
apresentava o movimento operário e o cotidiano das favelas do Rio de Janeiro na
década de 50. A transposição de tal temática para o cinema, vinte anos depois, exigiu
efetiva intervenção no roteiro, o que foi feito pelo próprio autor. Eles não usam Black-
Tie do filme é representado na São Paulo do final dos anos 70, destacando o
movimento operário e a sua relação com a luta pela redemocratização do país.

É dentro da perspectiva acima que procuramos analisar o filme Eles não usam Black-
Tie, produção nacional de 1981, sob a direção de Leon Hirszman, com adaptação e
roteiro de Giafrancesco Guarnieri, ambos militantes ligados à esquerda comunista nos
anos 60 e 70, e que utilizavam a arte que produziam como uma forma de engajamento
político, acreditando que estavam colaborando para a conscientização da população.

Inicialmente o filme foi proibido no Brasil, mas, depois de receber inúmeros prêmios
como, o Leão de Ouro do Festival de Veneza, dentre outros, o governo brasileiro foi
obrigado a liberar a sua exibição. Desta forma, dentro e fora do Brasil, Eles não usam
Black-Tie ganhou grande ganhou grande repercussão. Os militantes Hirszman e
Guarnieri conseguiram atingir boa parte do público que desejavam e se lançaram no
cenário artístico nacional em grande parte devido ao sucesso do filme. Recentemente,
a história foi encenada nos palcos de São Paulo, em 2001, e do Rio de Janeiro, em
2007, o que demonstra que uma história que procurava ser uma crítica da sociedade na
década de 50 ainda é atual. Constatação desestimulante, pois nos faz perceber que, em
quase cinquenta anos ainda não conseguimos resolver muitos problemas da nossa
sociedade.

Análise historiográfica do filme

Nossa análise do filme Eles não usam Black-Tie foi organizada em eixos temáticos. O
agrupamento foi escolhido como forma metodológica de discutir o maior número de
temas suscitados pelo filme, procurando evitar a dispersão da análise.

Os eixos temáticos escolhidos são: o cotidiano da classe trabalhadora e o mundo do


trabalho; o movimento operário e a crítica à sociedade perpassam os eixos.

O cotidiano da classe trabalhadora.


As imagens do filme, juntamente com os diálogos e as músicas escolhidas nos
permitem fazer uma leitura de um cotidiano sofrido, repleto de tensões e conflitos de
todos os tipos. O cenário apresentado, desperta uma sensacão de aridez e desconforto.
sugestionando as dificuldades da vida do trabalhador brasileiro. 

A própria organização da casa das personagens centrais - Otávio e Tião-, espelha a


dinâmica do grupo. Moradia pequena, sem muitos móveis, com o filho mais novo da
família dormindo na sala, mal acomodado. Também a privacidade é destacada, visto
que o sono do jovem não é motivo para a família deixar de se reunir na sala muito
tarde da noite.

As reuniões familiares ocorrem geralmente em horários que acabam diminuindo a


duração do contato, visto que ocorrem à noite, antes de dormir cedo, "pois amanhã é
dia de trabalho", frase que é repetida frequentemente no filme. As refeições matinais
acontecem sempre com alguns membros da família em pé ao redor da mesa, sempre
com pressa. Estas duas observações nos remetem à ideia de que o trabalho, que ditava
os horários para os trabalhadores. Ratificando tal ideia, destacamos a relação entre o
pai, Otávio, e o filho, Tião, que trabalham na mesma fábrica, mas que nem sempre
conseguem se encontrar. Assim, além confirmar a ideia do tempo da fábrica,
observamos que o trabalho acaba se interpondo nas relações sociais.

As relações sociais entre as pessoas, nos poucos momentos em que não estão
trabalhando, geralmente ocorrem em um bar, no qual os operários sem encontram
constantemente para conversar, sempre compartilhando a bebida. A constante
recorrência à bebida, como uma forma de amenizar o sofrimento, ou, como aparece na
fala de Otávio, "calibrar", reforça a ideia do cotidiano sofrido que só pode ser
suportado se tiver alguma compensação: no caso, a bebida. A única personagem que
foge desses espaços de sociabilização é Tião, no início do filme, que aparece saindo do
cinema, junto com a namorada. Tião é o operário que procura outros padrões de vida,
padrões burgueses, e o fato de ser o único que rompe com o circuito casa-fábrica-bar,
sugere a sua desvinculação da classe

A violência familiar também é sugerida quando as cenas estão voltadas para o núcleo
da família de Maria. Num primeiro momento, ao chegar a casa, ela ouve gritos de
socorro de uma mulher, que apanhava do marido. Mas, ninguém ajudou a personagem,
da qual só temos a voz. Uma referência à violência contra a mulher perante a qual a
sociedade se omitia. Também, dentro da família de Maria aparece o mesmo assunto,
quando o irmão dela sugere que o pai bêbado iria bater na mãe deles, que iria
"começar de novo". Por fim, na cena do confronto final entre Maria e Tião, ele chega a
bater nela, mais uma demonstração da sociedade machista praticante da violência
familiar, principalmente contra mulheres e crianças.

Outra questão muito sutil que aparece é a vida das pessoas marcadas pela programação
da televisão. Nas cenas em que o aparelho aparece, geralmente são cenas do programa
da TV Globo, Fantástico. O fato de todos assistirem aos mesmos programas nos sugere
o controle exercido sobre a população por aquela emissora naquele momento.

Apesar de Eles não usam Black-Tie ser uma obra datada, com um discurso político
muito claro, as questões do cotidiano dos trabalhadores não parecem ter sido superadas
totalmente. Se hoje uma boa parte da população tem acesso às linhas de crédito para
consumirem cada vez mais os produtos eletrodomésticos, o que oferece uma falsa
sensação de ascensão social, um grande número de pessoas continua vivendo com seus
aparelhos em moradias em péssimas condições, em bairros sem a infraestrutura
necessária. A TV Globo continua tendo alcance, ainda maior na vida das pessoas,
formatando o comportamento de gerações inteiras. E, a recorrência às bebidas continua
existindo. As permanências históricas se fazendo presente, muito mais que as rupturas,
tão necessárias nesses casos.

Você também pode gostar