Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Macunaíma do filme representa o típico brasileiro, que acaba sendo devorado pelo
sistema (à época, apesar do autoritarismo, muitos brasileiros eram tragados pelas
"maravilhas" do milagre econômico). Como afirma Heloísa Buarque de Hollanda:
"Em Macunaíma, segundo Joaquim Pedro, tem-se a estória de um brasileiro que foi
´comido` pelo Brasil. Isto é, pelas relações de trabalho, pelas relações sociais e
econômicas que ainda são basicamente antropofágicas. Resumido, Joaquim afirma ser
o seu Macunaíma um filme sobre consumo"
O filme Macunaíma (1969), do diretor Joaquim Pedro de Andrade, foi adaptado a partir
obra literária de mesmo título do intelectual multifacetado, um dos nomes do
movimento modernista, Mário de Andrade. Tornou-se filme referencial pelo fato de
abordar questões sócio-culturais – sofrendo censuras em plena ditadura militar – através
da comédia, mas sem deixar de fugir das ideias apregoadas por Mário de Andrade. É
considerado um dos primeiros filmes do movimento cinematográfico conhecido como
Cinema Novo.
O filme conta a saga do personagem protagonista, Macunaíma, junto com seus irmãos
desde seu nascimento no “fundo do mato-virgem”, a saída da terra-natal e chegada na
“civilização da cidade” e o retorno ao seu lugar natalício. De acordo com o
desenvolvimento do filme e as mais variadas vivências do personagem principal é
possível fazer uma analogia com a proposta de Mário de Andrade e os modernistas em
buscar uma “cultura brasileira” não somente a partir de regionalismos, ufanismo ou
então a completa negação do Brasil, bebendo unicamente em fontes estrangeiras
(Europa e, atualmente, EUA), mas sim catalisando o que há de presente no território
brasileiro e mesclando com influências externas, sem imitá-las, produzindo algo
diferente e único, transformando o “moderno" dos países desenvolvidos em mola crítica
propulsora.
Cabe ressaltar que o filme foi lançado no final da década de 60 quando outro
movimento, esteticamente semelhante e com o mesmo objetivo, surgia: a Tropicália,
fugindo dos padrões estabelecidos do que deveria ser a música brasileira e lançando uma
nova proposta, bastante influenciada pela antropofagia do movimento modernista.
Por meio do herói que festeja muito, mas é “devorado” pelo sistema, Macunaíma faz
uma análise de um momento onde o mais forte engole o mais fraco, num ambiente
simbólico repleto de contato com a realidade dos brasileiros em pontos específicos da
sua história, inclusive o atual, um cenário político repleto de contradições e
inseguranças. O ato de “devorar” a que me refiro está interligado com as relações
econômicas e sociais cotidianas, tensas, apesar da constante reafirmação de mitos
próprios do povo brasileiro, tal como a sua cordialidade, o seu caldeirão racial que
“ferve sem queimar”, dentre outras falácias que constantemente se discute quando o
assunto é “entender o Brasil e os brasileiros”. Com sua linguagem carnavalesca, a
produção emula as ideias de Mário de Andrade, mas faz uma leitura imbricada com o
contexto histórico de seu lançamento, uma época ímpar para o país, mergulhado no
militarismo que deixou marcas extremamente profundas em diversos setores da
sociedade.
A jornada do personagem título, tal como a “trajetória do herói”, é uma saga do campo
ao urbano, com retorno ao ponto de origem em seu desfecho. Sincrético, o personagem
passa por transformações que alegorizam a formação do povo brasileiro: negro em seu
nascimento, vive tal como um índio, tornando-se um branco mais adiante.
*Lançado numa época em que as pessoas acreditavam que tudo podia dar certo,
Macunaíma é um filme intenso. Seu final irônico, pessimista, revelava o tom de ironia
do cineasta responsável pela produção.
Joaquim Pedro de Andrade buscava uma síntese do brasileiro, tendo em vista construir
uma alegoria que desse conta da situação política do momento em questão, a
efervescente década de 1960. Além disso, o filme tem como personagem central uma
figura que “desfia uma identidade que se reporta ao brasileiro”, tal como afirmou
Ismail Xavier em Alegorias do Subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo e
Cinema Marginal. O que ambos os pesquisadores refletem sobre Macunaíma é o seu
potencial de representação do brasileiro e das suas contradições enquanto um dos
povos de caráter mais multicultural do mundo, uma mistura que permite extensas
discussões referentes ao conceito de idade cultural, algo que por sua vez, coaduna em
questões políticas.
Com traços do Tropicalismo, Macunaíma mescla elementos eruditos e populares, faz o
kitsch encontrar o gosto refinado. Intelectual, mas popular, o filme trouxe atores da
televisão, figurinos bastante coloridos, sem perder, como apontado anteriormente, o
rigor político e estético. Ao longo de seus 110 minutos, o filme traz a eficiente
narração de Tite de Lemos, direção de arte e figurino de Anísio Medeiros e montagem
eficiente de Eduardo Escorel. Com clássicos populares de Jards Macalé, Sílvio Caldas,
Oreste Barbosa e Heitor Villa-Lobos, o filme é parte da lista dos 100 Melhores Filmes
Brasileiros de todos os tempos, realizada pela ABRACCINE.
O filme é uma adaptação de uma peça teatral encenada pela primeira vez em 1958. De
Guarnieri, Eles não usam Black-Tie, escrita quando o artista tinha ainda 24 anos de
idade, representa uma inovação no mundo do teatro por dois motivos: primeiro, porque
promoveu a recuperação do Teatro de Arena de São Paulo e, segundo, porque foi a
primeira peça a introduzir uma temática popular. A história encenada em 1958
apresentava o movimento operário e o cotidiano das favelas do Rio de Janeiro na
década de 50. A transposição de tal temática para o cinema, vinte anos depois, exigiu
efetiva intervenção no roteiro, o que foi feito pelo próprio autor. Eles não usam Black-
Tie do filme é representado na São Paulo do final dos anos 70, destacando o
movimento operário e a sua relação com a luta pela redemocratização do país.
É dentro da perspectiva acima que procuramos analisar o filme Eles não usam Black-
Tie, produção nacional de 1981, sob a direção de Leon Hirszman, com adaptação e
roteiro de Giafrancesco Guarnieri, ambos militantes ligados à esquerda comunista nos
anos 60 e 70, e que utilizavam a arte que produziam como uma forma de engajamento
político, acreditando que estavam colaborando para a conscientização da população.
Inicialmente o filme foi proibido no Brasil, mas, depois de receber inúmeros prêmios
como, o Leão de Ouro do Festival de Veneza, dentre outros, o governo brasileiro foi
obrigado a liberar a sua exibição. Desta forma, dentro e fora do Brasil, Eles não usam
Black-Tie ganhou grande ganhou grande repercussão. Os militantes Hirszman e
Guarnieri conseguiram atingir boa parte do público que desejavam e se lançaram no
cenário artístico nacional em grande parte devido ao sucesso do filme. Recentemente,
a história foi encenada nos palcos de São Paulo, em 2001, e do Rio de Janeiro, em
2007, o que demonstra que uma história que procurava ser uma crítica da sociedade na
década de 50 ainda é atual. Constatação desestimulante, pois nos faz perceber que, em
quase cinquenta anos ainda não conseguimos resolver muitos problemas da nossa
sociedade.
Nossa análise do filme Eles não usam Black-Tie foi organizada em eixos temáticos. O
agrupamento foi escolhido como forma metodológica de discutir o maior número de
temas suscitados pelo filme, procurando evitar a dispersão da análise.
As relações sociais entre as pessoas, nos poucos momentos em que não estão
trabalhando, geralmente ocorrem em um bar, no qual os operários sem encontram
constantemente para conversar, sempre compartilhando a bebida. A constante
recorrência à bebida, como uma forma de amenizar o sofrimento, ou, como aparece na
fala de Otávio, "calibrar", reforça a ideia do cotidiano sofrido que só pode ser
suportado se tiver alguma compensação: no caso, a bebida. A única personagem que
foge desses espaços de sociabilização é Tião, no início do filme, que aparece saindo do
cinema, junto com a namorada. Tião é o operário que procura outros padrões de vida,
padrões burgueses, e o fato de ser o único que rompe com o circuito casa-fábrica-bar,
sugere a sua desvinculação da classe
A violência familiar também é sugerida quando as cenas estão voltadas para o núcleo
da família de Maria. Num primeiro momento, ao chegar a casa, ela ouve gritos de
socorro de uma mulher, que apanhava do marido. Mas, ninguém ajudou a personagem,
da qual só temos a voz. Uma referência à violência contra a mulher perante a qual a
sociedade se omitia. Também, dentro da família de Maria aparece o mesmo assunto,
quando o irmão dela sugere que o pai bêbado iria bater na mãe deles, que iria
"começar de novo". Por fim, na cena do confronto final entre Maria e Tião, ele chega a
bater nela, mais uma demonstração da sociedade machista praticante da violência
familiar, principalmente contra mulheres e crianças.
Outra questão muito sutil que aparece é a vida das pessoas marcadas pela programação
da televisão. Nas cenas em que o aparelho aparece, geralmente são cenas do programa
da TV Globo, Fantástico. O fato de todos assistirem aos mesmos programas nos sugere
o controle exercido sobre a população por aquela emissora naquele momento.
Apesar de Eles não usam Black-Tie ser uma obra datada, com um discurso político
muito claro, as questões do cotidiano dos trabalhadores não parecem ter sido superadas
totalmente. Se hoje uma boa parte da população tem acesso às linhas de crédito para
consumirem cada vez mais os produtos eletrodomésticos, o que oferece uma falsa
sensação de ascensão social, um grande número de pessoas continua vivendo com seus
aparelhos em moradias em péssimas condições, em bairros sem a infraestrutura
necessária. A TV Globo continua tendo alcance, ainda maior na vida das pessoas,
formatando o comportamento de gerações inteiras. E, a recorrência às bebidas continua
existindo. As permanências históricas se fazendo presente, muito mais que as rupturas,
tão necessárias nesses casos.