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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E


DESENVOLVIMENTO REGIONAL
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

JÉSSICA MADEIRA BARBOZA

A DITADURA MILITAR ATRAVÉS DA MÚSICA: UM ESTUDO SOBRE A


ATUAÇÃO DA CENSURA E OS REFLEXOS DELA NO MEIO MUSICAL.

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ


2022
Resumo
Este trabalho constrói um estudo sobre a relação do gênero musical MPB com a Ditadura
Civil-Militar, mostrando que mesmo em meio a um cenário opressor imposto, os artistas
conseguiam se expressar, denunciando seus descontentamentos. O exemplo principal
utilizado ao longo do desenvolvimento da pesquisa é o de Chico Buarque de Holanda, cantor
e compositor que viveu muitas experiências durante a ditadura, estas foram essenciais para a
análise deste artigo, especialmente sobre a sua música "Cálice" que compôs juntamente a
Gilberto Gil. Por fim, o objetivo é descobrir informações sobre a ditadura através das
músicas escritas na mesma época, e com isso, mostrar o quão o contexto conturbado foi
refletido nas produções artísticas.

Palavras-chave: Ditadura Militar, censura, MPB, Segurança Nacional e Terror de Estado.

O presente artigo tem como assunto principal e temática abordada, a relação social e
cultural com a política no período da Ditadura Civil-Militar 1964-1985, tendo como
referência a questão da música, especialmente as do gênero MPB. Sabe-se que a instauração
da ditadura no Brasil que foi realizada por setores civis e militares no ano de 1964 através de
um golpe, impôs uma forte censura acompanhada de violência para promover opressão na
população, assim a sociedade não tinha liberdade de expressão, nesse cenário, os artistas
viam-se em um dilema, pois tudo que era produzido precisava passar pela avaliação da
censura e muito do que chegava era vetado, mesmo assim eles se expressavam
cuidadosamente através de suas músicas e outras artes.
Dessa forma, esta pesquisa se detém em buscar por músicas que de alguma forma
expressam sentimentos e perspectivas acerca da ditadura, juntamente aos seus autores que
também transmitem seus relatos importantes sobre o período em questão, para assim,
estudá-las e entendê-las. Com o desenvolvimento deste conteúdo pretende-se conhecer de
forma mais precisa os ocorridos durante a Ditadura Civil-Militar no Brasil, para isso, é
preciso levar em conta que é uma missão difícil, pois nota-se que atualmente não há tantos
documentos originais que comprovem dados sobre a censura e violência deste período,
porque muitos foram destruídos no final dele, para que os crimes de violência, torturas e
tantos outros não fossem descobertos.
Contudo, é necessário enfatizar que a importância desse trabalho é considerável, uma
vez que estuda um acontecimento da História do Brasil, a Ditadura Civil-Militar a partir do
que é entendido através de músicas. Essa realização faz com que a História seja vista através
de outra perspectiva, ao entender a mensagem que é passada nas entrelinhas das músicas,
pode-se conhecer um novo relato, ou seja, a ditadura de 64 a partir do que os autores
vivenciavam, uma história vista de baixo. Além desse fator citado acima, produzir algum
estudo sobre o que ocorreu durante a ditadura no Brasil, faz com que a memória não seja
perdida, assim como diz Marieta Severo, uma atriz, que foi casada com Chico Buarque, em
uma entrevista para a TV Brasil:
"Você não pode omitir um pedaço da tua história pessoal na tua vida, e
você não pode omitir um pedaço da história do teu país, então é
importantíssimo que tudo seja resgatado, que a gente tenha consciência
de todas as coisas que aconteceram, por mais que sejam difíceis e
dolorosas, a gente tem que saber delas para poder transmiti-las para
aquela velha história, não incorrer no mesmo erro” (SEVERO,
Marieta. Repórter Rio - TV Brasil)
Utilizando a metodologia da análise de discurso, desenvolve-se o presente trabalho,
onde fica evidente que com a junção das informações obtidas do estudo dos materiais
encontrados (textos, vídeos e músicas), pretende-se responder a perguntas sobre a temática
delimitada acerca da questão música e dos seus artistas, durante o contexto da ditadura. O que
foi a censura durante a ditadura militar no Brasil? Quais eram as pessoas ou setores da
sociedade que foram alvos dessa censura? Em quais casos era utilizado esse mecanismo? Por
que era praticada a censura como forma de repressão?
Para a realização desta análise, foram utilizados conteúdos como mídias (vídeos, entre
outros), letras de músicas de autores que foram atingidos de alguma forma pela ditadura
militar no Brasil, e textos com importantes informações sobre o assunto central abordado
neste artigo. São muitos artistas que tiveram experiências com a repressão que a ditadura
impôs, sendo necessário assim, fazer uma delimitação em cima de um caso, o exemplo
desenvolvido aqui será o de Chico Buarque, nascido em 19 de junho de 1944, um dos
maiores nomes da MPB..
Entre as muitas músicas marcantes de Chico Buarque, uma que reflete de forma
profunda o que foi a ditadura é “Cálice”, tendo como compositores Chico juntamente a
Gilberto Gil, escrita em 1973 mas foi lançada somente em 1978, na canção eles usam a
palavra "Cálice" para se referir a “Cale-se”, ou seja, a censura sofrida na época. Essa música
foi produzida para ser cantada e tocada no show "Phono 73”, que a gravadora Phonogram
promoveu no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em maio de 1973. Os
cantores levaram a música “Cálice” para tentar a permissão da censura, mas como de
costume, não foi permitido que eles cantassem, então no dia em que aconteceu o evento,
Chico Buarque e Gilberto Gil tocam apenas a melodia, ou seja, o instrumental, sem cantar a
letra, mas foram interrompidos e seus microfones foram desligados.
Para entender melhor os casos ocorridos durante a ditadura, pode-se inicialmente
observar o que é mostrado na reportagem da TV Brasil, que consiste numa série que retrata o
que foi a censura, e era o seguinte: os compositores tinham que levar suas músicas a um
órgão federal chamado “Divisão de Censura de Diversões Públicas” (DCDP) para serem
aprovadas ou negadas. No vídeo aparecem várias imagens dos documentos que continham as
letras das músicas que foram vetadas, além de relatos de parentes e produtores musicais dos
artistas, vídeos das apresentações da época, entre outros conteúdos interessantes. Na
reportagem em questão é informado que os vetos foram feitos com a justificativa de danos
morais ou políticos.
No que se refere especificamente a MPB em relação a ditadura militar no Brasil, é
importante mencionar o que Cláudio José Bernardo (2007) escreve em sua dissertação de
mestrado que tem como tema “A MPB como recipiente de protestos contra a ditadura militar:
as metáforas carregadas de vozes o regime autoritário”, ele destaca que há uma diferença
entre “música popular brasileira” e “MPB”, pois antes da década de 60, todas as canções
produzidas e ouvidas pelas classes populares fazia parte da primeira designação, mas somente
após o surgimento da bossa nova e os festivais de música é que a sigla aparece.
Dessa forma, a informação acima torna-se indispensável para a pesquisa desenvolvida
e escrita ao longo deste artigo, pois como Cláudio (2007) defende em seu texto, a sigla MPB:
“Ela caracteriza uma postura político–ideológica da classe média por meio de compositores e
cantores que buscavam, a partir de suas músicas, denunciar problemas sociais e criar uma voz
contra o regime militar.” (p.14), em outras palavras, a música que está inserida e em interação
com o contexto da ditadura militar é designada como MPB.
Sobre Chico Buarque de Hollanda, Cláudio (2007) afirma que foi um dos mais
perseguidos, inclusive que em 1968 foi detido, preso e “aconselhado a deixar o país’’,
juntamente a ele estava Gilberto Gil. Muitos artistas sofreram situações semelhantes, como
Geraldo Vandré, compositor da música “Para não dizer que não falei de flores”, tido como
um ícone de resistência até os dias atuais contra a ditadura, este também foi exilado. Voltando
a Chico, outra música citada no texto, que possui uma forte significância é “A banda”, pois
em sua letra é demonstrado um descontentamento com o presente, e uma esperança de que o
cenário mudaria para melhor no futuro.
Toda essa opressão praticada foi legítimada e legalizada pelos Atos Institucionais
(AI), decretos elaborados pelo poder executivo durante o período da ditadura, ao todos são 17
atos, normas que estavam acima de todas as outras e até mesmo da Constituição (1946 e
1967), o objetivo era o combate à corrupção e a subversão. O AI-5 foi um dos mais
opressores dos atos, Chico Buarque no vídeo “Chico Buarque e a Ditadura Militar” faz vários
relatos do que vivenciou, sobre as ruas estarem vazias e não se ter notícias das pessoas,
muitas foram presas, inclusive ele, que ficou um dia e foi solto logo depois.
Durante as décadas em que o Brasil passava pela Ditadura Civil-Militar, outros países
situados na América Latina já estavam ou ainda estariam sob um governo autoritário, e todos
possuíam alguns aspectos em comum, isso é o que mostra o autor Enrique Serra Padrós em
seu texto “América Latina: Segurança Nacional e Terror de Estado”. Nesta obra, pode-se
analisar informações essenciais sobre a repressão, pois é mencionado que nas décadas de
60/70 a América Latina passou por uma intensificação do processo de luta de classe, em
decorrência disso, os militares e a classe dominante tinha um forte medo do comunismo,
assim a ditadura combatia esse movimento.
De acordo com a perspectiva desenvolvida por Padrós, para que fosse efetivada a
instauração da ditadura e o combate ao comunismo, foram utilizados dois mecanismos: o de
“Segurança Nacional” e o “Terror de Estado”, ambos atuaram paralelamente, de forma que o
setor dominante aplicava o “Terror de Estado” praticando a tortura, violencia, censura e
desaparecimentos, a todos que agissem de forma que fosse considerada suspeita ou
ameaçadora, esses crimes eram justificados através da lei de “Segurança Nacional” que
permitia qualquer prática para que o país estivesse em segurança, contra um inimigo da
nação, que naquele contexto, era o movimento comunista.
Assim censura implantada na Ditadura Civil-Militar no Brasil pode ser analisada a
partir dos conceitos de Padrós, pois foi um caso de “terror de estado”, o mecanismo utilizado
em prol da “segurança nacional”, reprimindo tudo aquilo que era considerado inimigo da
nação, assim a música era um dos principais alvos, pois era por meio dela que os
compositores se expressavam. Chico Buarque foi um exemplo disso, o cantor e compositor
compunha músicas repletas de metáforas, nas quais escondiam fortes denúncias sociais, de
descontentamento com o que o regime autoritário da época estava fazendo, por isso era muito
perseguido, tinha suas músicas vetadas, chegou a ser preso e até exilado.
Em suma, é perceptível que o campo artístico sofreu fortes interferências da ditadura,
mas fica evidente que mesmo em meio a esse contexto, houve uma produção muito ampla e
rica de músicas, sendo um conteúdo de muita importância para a conservação da memória.
Nota-se que os artistas não calaram-se diante a realidade imposta, o uso das metáforas é um
exemplo disso, expressavam o que queriam através delas, além disso, muito do que ocorria na
época servia de inspiração para os compositores escreverem suas músicas. Assim como
Chico Buarque diz em um vídeo intitulado “Chico Buarque e a Ditadura Militar”: “A ditadura
encheu bastante o meu saco, mas eu também enchi o deles”.
Portanto, após toda análise realizada até aqui pode-se concluir que a música possui
carga de historicidade, pois carrega com ela os reflexos do contexto em que foi produzida, a
partir disso a análise de “Cálice” de Chico Buarque retrata os árduos sentimentos de angústia
que a ditadura causava, e os relatos dos artistas que comprovam através de suas testemunhas
acerca de suas vivências sob os crimes da ditadura, tudo isso faz com que a memória seja
preservada e respeitada.
REFERÊNCIAS
PADRÓS, Enrique Serra. América Latina: Ditaduras, Segurança Nacional e Terror de Estado.
Revista História e Luta de Classes, v. 3, n. 4., p. 43-49. Jul. 2007.
BERNARDO, Cláudio José. A MPB como recipiente de protestos contra a ditadura militar:
as metáforas carregadas de vozes contra o regime autoritário. 2007.
BERNARDO, André. Chico Buarque revisita 'Anos de Chumbo' em livro de contos. Do Rio
de Janeiro para a BBC News Brasil. 22 Out. 2021.
CHICO BUARQUE E DITADURA MILITAR: https://youtu.be/nWpurtrYnek
CHICO BUARQUE E GILBERTO GIL (AUDIO CENSURADO) PHONO 73:
https://youtu.be/6tfKKM4lLhw
SÉRIE RETRATA A CENSURA A PRODUÇÃO MUSICAL BRASILEIRA DURANTE A
DITADURA MILITAR - REPÓRTER RIO: https://youtu.be/LPmHHH1rBh4

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