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11 de Agosto de 2022

Música na ditadura

Legado cultural

B Publicado por Bruno Queiroga há 8 anos  2.176 visualizações

Durante 21 anos o Brasil viveu um dos capítulos mais tristes e sombrios de


sua história. Um regime autoritário deu um golpe e assumiu o poder. A
ditadura militar vetava ou dificultava, a livre circulação de ideias no país e
essa censura vinham de maneira truculenta, em qualquer movimento
cultural: cinema, artes, jornalismo, literatura, teatro, nada escapava à fúria
dos encarregados pela ditadura.

Então artistas, estudantes e outros setores da sociedade usaram a música


como a principal ferramenta de protesto. Assim como ocorre nos quatro
cantos do planeta, a música se torna o reflexo da sociedade e como no
momento o país enfrentava um período turbulento podemos ver e ouvir nas
letras todo o engajamento dos artistas que colocaram o dedo da ferida de
alguma forma.

O Brasil desenvolveu com maestria músicas de protestos geniais e incríveis.


Sendo a principal porta voz da sociedade com a bandeira revolucionária na
luta pela democratização e colocando temas pesados na mesa que causou o
ódio tanto do governo quanto das chamadas elites que a colocaram no
poder.

Umas das principais pautas deste ano de 2014 são: os 50 anos do golpe,
Copa do mundo e eleições. Esses fatos se interligam e vimos como um
ótimo gancho fazer essa abordagem no nosso TCC.
A música popular brasileira é como se fosse um gênero musical a parte:
MPB. E a forma encontrada para driblar a censura e denunciar, protestar
contra as arbitrariedades da ditadura militar foi a inteligência e o uso da
intertextualidade da música de cantores como: Chico Buarque, Maria
Bethânia, Geraldo Vandré, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Caetano
Veloso.

Com forte teor político e misturando várias tendências do cenário musical


brasileiro, esse movimento foi batizado de: Tropicália. A escolha desse
nome surgiu após um texto do crítico musical Nelson Motta, que por sua
vez, utilizou-se esse nome em referência a obra Tropicália, de Hélio
Oiticica.

A estrutura do programa contém dois locutores: Wallace Silva e Bruno


Queiroga. Músicas da época da ditadura são tocadas, discursos que
marcaram esse período e entrevistas com os professores: Luís Fernando e
Vladimir Palmeira.

O professor Luís Fernando, nos passou em sua entrevista toda a


criatividade e espontaneidade da música brasileira que foi usada em prol de
uma militância política.

O professor Vladimir Palmeira, nos passou como foi ser um dos líderes
desse período, como foi o exílio e a importância que o movimento cultural
teve para combater o regime militar. Fez um balanço de 50 anos do golpe e
falou sobre os avanços, estagnações e retrocessos que vive o país
atualmente.

Quando se deu o golpe militar em 1964, o Brasil tinha na época, os


movimentos de bases político-sociais mais organizados de sua história.
Sindicatos, movimentos estudantis e por aí vai todos engajados e
articulados em entidades como a UNE (União Nacional dos Estudantes), o
CGT (Comando Geral dos trabalhadores), etc., tinham grande
representatividade diante dos destinos político da nação.

Com a implantação da Ditadura todas essas instituições foram asfixiadas,


sendo extintas ou a cair na clandestinidade. Com a promulgação do AI-5,
em 1968, esta censura à arte institucionalizou-se. Foi criada a Divisão de
Censura de Diversões Públicas (DCDP), ali passavam todas as canções,
livros, peças teatrais, novelas, seriados e tudo mais e poderiam ser
totalmente vetadas ou sofrer amputações.

Naquele momento, os estudantes eram os maiores inimigos do regime


militar e por meio da música com um discurso “revolucionário” é posto na
prática e introduzido ao cenário cultural brasileiro. Tomando proporções
nunca antes vista na história do país, a classe estudantil se cercou de
“armas potentes” as canções que possuíam suas “munições” através de
letras engajadas e críticas em que abordavam a dura realidade enfrentada
pelo povo brasileiro.

Com o surgimento do movimento tropicália liderado por Gilberto Gil,


Caetano Veloso, Tom Zé, entre outros e os festivais de MPB que ocorreu
durante os anos de 1965 E 1972 ganhavam uma dimensão incrível e
mostrava toda sua força, nesse momento complicado que passava o país, a
era dos festivais proporcionou o aparecimento de notáveis compositores e
cantores que marcou e continua a marcar uma geração.

A MPB assumiu a tarefa de divulgar e difundir as aspirações populares,


tornando-se bastante ideologizada e provocou uma ameaça séria ao regime
militar. Por meio da criação dos atos institucionais e principalmente o
número 5, que intensificou a perseguição e a censura passou a ser a melhor
forma de a ditadura combater os artistas e intelectuais na luta pela
democratização do Brasil.

Um dos primeiros e que causou alvoroço no país foi Geraldo Vandré por
sua canção Caminhando (Pra não dizer que não falei das flores), lançada
em 1968.

Sendo chamada de o hino do movimento em prol da democracia e a grande


sensação do festival da TV Record de 1968, na qual Geraldo Vandré
chamava o público para a revolta contra o regime ditatorial e de quebra
fazia várias provocações ao exército. Com o refrão avassalador e que
marcou uma geração.
Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer...

O músico depois sofreu com as perseguições praticadas pelo governo


militar e se exilou de 1969 até 1973.

Tendo silenciado e asfixiado Geraldo Vandré, a ditadura elegeu seu mais


novo perseguido: Chico Buarque de Hollanda, no período que durou a
censura, foi o compositor e cantor mais censurado. A sua obra sofreu em
todas as vertentes, tanto nas canções de protestos, quanto nas que feriam
os costumes morais da época e até nas suas peças teatrais como “Calabar ou
o Elogio à Traição”, escrita em parceria com Ruy Guerra.

Nesse caso separamos algumas que utilizou bem o jogo de palavras. Uma
delas foi Apesar de você com o grupo MPB4, lançada em 1970 no auge do
governo Médici considerado o mais sanguinário de todos os militares no
poder.

Apesar de você

Amanhã há de ser outro dia

Eu pergunto a você

Onde vai se esconder...

Nesse momento que se deu do ano de 1969 até 1974, as repressões,


perseguições, torturas, mortes e ainda em vigor do Ato Institucional nº 5
aumentavam significamente, os censores cada vez mais pesados em cima
dos artistas e suas composições.
A forma que Chico encontrou para driblar os olhares dos censores, afirmou
que a música contava a história de uma briga de casal e tinha na mulher
uma figura bem autoritária.

Quando chegar o momento

Esse meu sofrimento

Vou cobrar com juros, juro

Todo esse amor reprimido

Esse grito contido

Este samba no escuro...

Claro com o lançamento do disco, o governo percebeu a forte alusão ao


ditador Médici e retirou os discos de circulação e a música proibida de tocar
nas rádios.

A segunda canção de Chico foi com Milton Nascimento e sabiamente


utilizaram a oração de Jesus Cristo dirigida a Deus no Jardim de
Getsêmane¹:

“Pai, afasta de mim esse cálice”

¹ Jardim localizado no Monte das Oliveiras, em Jerusalém

Lançada em 1973, um chamado às pessoas a continuarem na luta, afinal o


silêncio era uma forma de morte na busca pela democracia e o que os
generais adoravam o silêncio das pessoas.

Com a censura não dando trégua e impedido de gravar a si mesmo, Chico


Buarque lança um disco em 1974, Sinal Fechado, com composições de
outros autores e já esperando as diversas perseguições e censuras, cria
pseudônimos como Julinho de Adelaide e Leonel Paiva. Assim com o
heterônimo de Juninho a censura deixa passar canções críticas inteligentes
à ditadura, lidas nas entrelinhas: “Jorge Maravilha”, com o verso “Você não
gosta de mim, mas sua filha gosta”, referência a família do presidente
Geisel e que tinha na sua filha Amália Lucy sua grande fã. E tinha a canção
“Acorda amor” era uma referência clara aos órgãos de repressão, que
vinham buscar em suas residências cidadãos suspeitos de subversão.
Levados em suas viaturas e depois sumiam com eles.

Caetano e Gil por sinal sofreram diversas perseguições pelo estilo


irreverente e apresentações totalmente psicodélicas que beirava a loucura
divulgavam pelo Brasil o movimento tropicália que abordava temas
cotidianos e misturava diversos estilos musicas como Jazz, Bossa Nova,
Rock, ritmos do Caribe e outros. Começava a ganhar força e era visto como
ameaça pelo regime, que passou a censurar ambos.

Com o lançamento da música Alegria, Alegria em 1967, lançada por


Caetano valorizava a ironia, a rebeldia e o anarquismo por meio dos
fragmentos do diaadia.

O sol se reparte em crimes

Espaçonaves, guerrilhas

Em cardinales bonitas

Eu vou...

A letra critica o abuso de poder e da violência, as más condições do


contexto educacional e cultural estabelecido pelos militares, em que
claramente desejava formar brasileiros alienados. E depois da provocação
em rede nacional de Caetano no programa “Divino Maravilhoso”, na
antevéspera do natal de 1968 ao cantar “Noite Feliz”, apontou uma arma
para a cabeça e assim os principais nomes do movimento tropicália foram
presos e exilados em Londres de 1969 até 1972.

Um das vozes mais lindas da MPB foi sem sombra de dúvida Taiguara, que
interpretou diversos gêneros musicas com a devida maestria.
Encarou e se opôs a repressão ditatorial, como na canção “Que as crianças
cantem livre”, lançada em 1973.

E que as crianças cantem livres sobre os muros

E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor

E que o passado abra os presentes pro futuro

Que não dormiu e preparou o amanhecer...

De peito aberto nessa luta, sua obra sofreu e pagou um preço alto por meio
da perseguição e censura. Estima-se que o artista teve 68 músicas
censuradas do período mais duro e complicadas do regime que se deu de
meados de 1968 até 1974.

Outros grandes nomes da música também se destacam no cenário e


também despertaram a raiva por parte dos ditadores e tiveram diversas
músicas censuradas. Como Milton Nascimento, o grupo Os Mutantes, Secos
& Molhados composta por Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo,
Gonzaguinha, Gal Costa, Raul Seixas que por sinal lançou duas grandes
composições que virou símbolo como Sociedade Alternativa e Mosca na
Sopa, essa em especial usou a metáfora, na qual o povo é a mosca e a
ditadura é a sopa. Mostrando que o povo incomoda e não pode ser
eliminado, pois sempre vão existir que se levantem contra regimes
opressores.

E não adianta
Vir me dedetizar

Pois nem o DDT

Pode assim me exterminar

Porque você mata uma

E vem outra em meu lugar

Como podemos ver a ditadura militar não tinha nenhum critério para
bloquear e proibir algo. Vestida por uma moral hipócrita e se fosse
considerada algo ameaçador para o regime era retirado de circulação na
maior cara dura e com motivos sem sentido. Afinal com o forte apoio dos
setores mais conservadores da sociedade, que ajudou a subir ao poder e
permanecer lá por duas décadas.

Em um período complicado e que ainda deixa diversas cicatrizes na


sociedade brasileira, mostrou como artistas e principalmente os músicos da
época usava toda sua genialidade para burlar e levar ao grande público
diversas canções que imortalizaram uma safra incrível de compositores.

Esse trabalho proporcionou explorar um lado cultural pouco divulgado nas


rádios, escolas e nos diversos setores da sociedade atual. Nomes pouco
conhecidos desse público e que tiveram uma importância única na luta pela
democratização do país. Artistas que comprometeram sua carreira e
fizeram parte do front de guerra na busca pelo fim do regime que impedia
qualquer manifestação cultural e por anos impediu o crescimento do país.

Por meio da música, marcou uma geração e até hoje serve como bandeiras
para lutas de uma sociedade justa e igualitária. Definimos que o período
ditatorial além de engajar o público para a luta, permitiu o surgimento nos
mais variados campos culturais de nomes que até hoje influenciam essa
geração. Seja de cineastas, artistas plásticos, diretores, músicos e por aí vai.
Um período riquíssimo em termos de cultura e que mesmo tendo a pesada
censura mostrou que somos capazes de ser uma grande nação.
Disponível em: https://carlosbruno.jusbrasil.com.br/artigos/152372847/musica-na-ditadura

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