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(2022)
Miguel Singer
Resumo:
Esse ensaio visa trazer uma análise detalhada, por meio de músicas e do
contexto em que essas estão inseridas, do papel da música de protesto na década de
60, nos Estados Unidos. Primeiro o contexto temporal da época será situado e
explicado, de tal forma que o leitor consiga compreender a situação sociopolítica dos
EUA. Após a contextualização temporal, será mostrado o contexto cultural em que o
artista que será analisado, Bob Dylan, viveu, e a cena cultural geral da contracultura
contemporânea ao cantor, com ênfase na literatura e música. Por fim, três músicas do
cantor serão analisadas, essas sendo: The Times They Are A-Changin', The Lonesome
Death Of Hattie Carroll e Masters Of War.
Palavras-chave: música de protesto, Bob Dylan, década de 60, direitos civís, ativismo social,
Masters Of War, The Times They Are A-Changin', The Lonesome Death Of Hattie Carroll,
Estados Unidos,
SUMÁRIO
1.0 Introdução..........................................................................................................................
2.0 Desenvolvimento................................................................................................................
Bob Dylan.................................................................................................................................
3.0 Conclusão.........................................................................................................................
4.0 Bibliografia......................................................................................................................
1.0 INTRODUÇÃO:
Com as implicações da guerra fria, período de tensão entre Estados Unidos e União
Soviética, o militarismo e a opressão do pensamento de esquerda se tornaram características
ainda mais fortes na sociedade americana.
A guerra do Vietnã (1959-1975), levou aos Estados Unidos enviarem mais de 500 mil jovens
para a guerra. As razões dadas pelo governo americano para a entrada na guerra não
ressoavam com os jovens, a “ameaça comunista” e o dever de disseminar a democracia pelos
continentes que os EUA diziam ter, pareciam, para muitos, desculpas sem sentido. Assim a
juventude americana começou a se organizar em movimentos de protesto, se opondo ao envio
de jovens para guerra e as crueldades e carnificinas (massacre de Mỹ Lai), relatadas por
soldados, no Vietnã.
A contracultura florescia. um idealismo político e social se disseminava pelos jovens, a luta
era pela paz, pelo amor e pela igualdade. Por mais que os objetivos dos movimentos de
ativismo políticos fosse o fim da guerra e a luta pelos direitos civis, se consolidava como
inimigo dessa juventude o corporativismo e a politicagem. Existia uma vontade por uma
revolução que fosse mais do que cultural, a meta real era acabar com uma sociedade
americana capitalista, desigual, militar e conservadora.
A luta pelos direitos civis foi outra parte essencial do ativismo político americano nessa
época. A sociedade americana era, ainda mais do que a atual, repleta de estruturas que
perpetuam o racismo. As leis Jim Crow, implementadas nos estados do sul até 1965,
imponham uma série de divisões raciais em locais públicos, como em transporte, hotéis e
restaurantes.
O primeiro aspecto que é evidenciado da música é seu refrão e título, “The Times
They Are A-Changin'”, essa frase é em si uma profecia, mas uma um tanto paradoxal, é dito
de uma mudança nos tempos, mas simultaneamente, pouco se prega, o anúncio não é de
melhora ou de piora, mas sim, apenas, de mudança.
Caso se retire o contexto em que a música foi escrita, ela se torna mais ampla, e se
percebe uma certa falta de moralidade como base do trabalho. Então, ao olhar de forma literal
para a letra, retirando-lhe o contexto, ela se aproxima da filosofia política de Niccolo
Machiavelli (1469-1527), em que é mais importante a verdade objetiva, do que o moralismo
do autor. Assim essa música desenvolvi adaptabilidade para se tornar hino de diferentes
causas, se determinado movimento prega a chegada de algo novo, e a saída de uma antiga
classe/geração então a música se enquadra nesse movimento. Nessa forma de se analisar, se
percebe que ela apenas diz que existe um confronto entre um mundo antigo, aquele das mães
e dos pais, e um mundo que está a se formar, aquele que, por mais que não dito, se percebe
como o dos filhos e filhas, que irá ganhar esse embate, e se consolidar como a nova era.
Versículo 1:
Quando Dylan diz: “E admitam que as águas ao redor de você subiram” (tradução
Caetano W. Galindo) ele está claramente se referindo a um imaginário, um tanto quanto
apocalíptico, de uma enchente. Se sabe afinidade que Dylan tinha pelo texto bíblico, não em
um sentido religioso, mas sim no sentido filosófico, e as menções a Bíblia, e a fé judaico-
cristã, nas músicas de Dylan são recorrentes durante toda sua carreira. Na Bíblia, em Genesis
6, Deus causa um diluvio, como forma de punir o ser humano pela maldade que se instaurou
entre eles, o dilúvio assim não tem apenas um aspecto destrutivo, mas também um de limpeza
dos pecados. A enchente que Dylan se refere, pode não ser apenas uma de apocalipse, mas
sim ter o mesmo sentido que o diluvio da história da Arca de Noé.
Outras características de enchentes é o quão rápido elas acontecem, e a força que elas
têm, deixando pouco tempo para as pessoas escaparem. O autor não pede para as pessoas
fugirem, mas sim, para elas aceitarem o que está acontecendo, admitir que a mudança está
chegando, será destrutiva e irá acabar com o que antes existia. A música também aconselha
às pessoas nadarem, porque senão elas irão afundar como uma pedra, ou seja, é necessário se
adaptar à mudança, caso contrário, você morrera ou será esquecido.
Versículo 2:
O segundo verso da música se dirige aos intelectuais, críticos e à mídia. Existe uma
ironia quando o autor diz: “que profetizam com a caneta” (tradução Caetano W. Galindo), ele
está exatamente dizendo que esses não são profetas, e que devem se manter atentos, pois
talvez percam a chance de falar sobre a, constantemente dita, mudança que está por vir.
O eu-lírico alerta os críticos e escritores que a mudança é certa, mas quem irá acabar
no poder ainda é incerto. “O perdedor agora, será logo o ganhador” (tradução Caetano W.
Galindo), nessa frase aquele que está perdendo pode se referir tanto a juventude que na
década de 60’, parecia constantemente lutar, mas atingir pouco progresso, quanto ser algo
mais amplo, no sentido de dizer que a mudança é continua, e posições de poder se alteram,
assim o sentido da música pode se tornar exatamente o não estaticidade da história.
Versículo 3:
Esse versículo está destinado a classe política, o segundo verso, deste versículo, é um
pedido para os senadores e congressistas (verso 1) ouvirem o chamado da mudança, já os
próximos dois versos, é uma metáfora que simboliza como muitos dos políticos interditam o
progresso social, é possível traçar um paralelo até mesmo com o processo político atual
brasileiro, em que, o chamado, centrão, muitas vezes, funciona exatamente como uma
barreira para a mudança social.
Os últimos versos do versículo são profecias, a classe política que tanto se protege,
não irá conseguir se proteger do tsunami de mudança que está por vir. Nas entrelinhas, se
percebe certa ameaça: mesmo se oporem-se ao processo que a música diz estar ocorrendo, ele
chegará até os políticos. Assim se define uma oposição da classe burocrata com as dos
ativistas.
Versículo 4:
É nesse versículo que se define quem são aqueles que buscam a mudança, no caso a
juventude, simbolizada pelos filhos e filhas. E junto aos congressistas e políticos, os pais e
mães devem aceitar a mudança, pois o tempo deles já passou (verso 7), e o lugar que estes
estão ocupando agora deve também pertencer aos jovens (verso 8). Se percebe também uma
vontade de quebra do controle parental, de libertação da juventude, porém a vontade do eu-
lírico não é a de oposição das gerações mais sim de união, ainda sim pondo em prioridade as
vontades da nova geração (verso 8 e 9).
Versículo 5:
Lançada no álbum The Times They Are A- Changin', e gravada também logo após da
Marcha em Washington para trabalho e Liberdade, essa é uma das críticas mais claras da
carreira de Dylan. A música conta a história real do assassinato de Hattie Carroll, na
madrugada do dia 9 de fevereiro de 1963, por William Devereux "Billy" Zantzinger, um
homem branco e rico dono de uma fazenda de tabaco.
No próximo dia Carroll morreu por hemorragia cerebral. No dia 19 de março decorreu
seu julgamento, ele enfrentava acusações de assassinato. O júri acusou Zatzinger de
“criminosamente, intencionalmente e de forma maliciosa” assassinar Carroll. Durante o
julgamento um especialista médico definiu que “houve uma relação definitiva entre a
agressão e a morte de Hattie Carroll”. O acusado afirmou estar bêbado demais para lembrar
dos fatos ocorridos. O juiz absolveu Zatzinger de metade de suas acusações e ele foi
sentenciado a seis meses de prisão. A sentença tinha motivos raciais por trás evidentes, e
muitos líderes dos movimentos negros se pronunciaram.
1) De um ponto de vista musical Adorno define que toda música popular tem seus pontos de
atenção no refrão, e seus detalhes são esquecidos, no caso de Masters War alguns dos pontos
de maior climax e complexidade musical estão nos detalhes.
2) Adorno era oposto as composições da famosa Tin Pan Alley, em que as músicas eram
fabricadas de forma a roubá-las de individualidade. Bob Dylan, com o The Freewheelin’
quebrou a máquina da Tin Pan Alley, e começou a trazer músicas, que eram escritas e
apresentadas por ele, que refletiam lutas, críticas e pensamentos filosóficos, para o âmbito
popular. Adorno definiu a música popular como padronizada exatamente pelo fato que elas
eram despidas de pensamento individual, e assim eram antagônicas ao ideal de
individualidade em uma sociedade livre e liberal. Masters Of War é uma composição
revestida por substância e critica, mesmo muitas delas não sendo favoráveis ao pensamento
popular, como ser abertamente contra uma secção do capitalismo que gera dinheiro para a
sociedade estadunidense. O fato dela corresponder a ideias internos do compositor e não ser
uma resposta a uma pressão externa de escrever o que gerará renda imediata é um exemplo de
como Masters Of War foge da definição de Theodor Adorno.
Versículo: 1
O verso 7 e 8 é o narrador dizendo que ele não se ilude pela propaganda do Estado ou
do mundo corporativista, que ele consegue ver por trás das máscaras e enxergar a verdade,
que no resto da música será explicada.
Versículo: 2
O versículo dois faz referência do poder que essa indústria tem e alguns dos impactos
que ela causa. Os dois primeiros versos estão dizendo que a única coisa que eles construíram,
os mestres da guerra, foram armas e bombas que foram usadas para destruir. Os versos 5 a 8
representam como aqueles envolvidos na produção das armas pouco se responsabilizam e dão
atenção para a situação nas guerras.
Versículo: 3
O versículo 3 começa com uma referência bíblica de traição e calunia, usando a figura
de Judas, traidor de Jesus, assim adicionando essas características para o perfil traçado na
música dos mestres da guerra. No verso 3 se mostra uma crítica as guerras mundiais, em que
a propaganda foi utilizada para incentivar o alistamento e apoio popular. É possível perceber
que o narrador acredita que em uma guerra não a perdedores ou vencedores, pois no final o
que sobrara será destruição, o verso 3 e as menções anteriores sobre o papel das armas e
bombas colaboram para essa definição do narrador.
Versículo: 4
Versículo: 5
You've thrown the worst fear
That can ever be hurled
Fear to bring children
Into the world
For threatening my baby
Unborn and unnamed
You ain't worth the blood
That runs in your veins
No versículo 5 o autor utiliza o medo de ter filhos, essa pode ser uma alusão a guerra
fria, e como a música foi escrita logo depois da crise de misseis de Cuba, a ameaça de um
apocalipse nuclear não era um imaginário distante, essa é uma razão plausível para alguém
não ter um filho. A outra possibilidade é dele estar sendo mais amplo e se referindo a
situações de guerra em que muitos não desejam ter filhos, para esses não terem que viver o
horror de uma guerra, que muitas vezes, como é o caso do Iraque e Afeganistão, parece ser
interminável.
Versículo: 6
Versículo: 7
Versículo: 8
3.0 Conclusão
A obra de Bob Dylan em muitos casos ainda representa lutas importantes que não
foram ainda vencidas. A crítica a guerra, injustiça racial e desigualdade se mostram vitais na
atualidade, e a arte deve seguir a tendencia dos movimentos sociais.
A música popular atual muitas vezes se voltou ao antigo modo da Tin Pan Alley, o
século 21 também se mostrou coberto de atrocidades, injustiças e motivos para se lutar. O
papel crítico da arte popular em muitos casos desapareceu, e uma indústria de produção
descaracterizada de individualidade e de papel social voltou. A uma necessidade de se olhar
para o passado da história da música de protesto para se entender como se pode adaptar esse
gênero para os dias de hoje.
4.0 Bibliografia
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University of California, 1991.
LJUNGGREN, R. “Walkin’ into World War III”: The Apocalyptic Death Theme in The
Freewheelin’ Bob Dylan. Suécia: Stockholm University, 2020.
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