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História

Tropicália

Gilmar dos Santos Filho


CTI 73/83B – N° 17
Bauru, 2023

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Tropicália | Trabalho de História 4° Bimestre 1

Tropicália
A década de 60 foi um dos momentos mais conturbados da história
recente, com forte presença da guerra fria e do sentimento da bipolarização no
mundo inteiro. Nesse contexto, adiciona-se a existência de diversos governos
totalitários em diferentes partes do mundo: em Cuba havia a demonstração
perfeita dos conflitos entre Estados Unidos e União soviética, na
Tchecoslováquia o domínio soviético era absoluto, na França os jovens lutavam
pela sua liberdade, o autoritarismo e a arcaísmo das instituições. E quando
olhamos para para o Brasil, a situação não era diferente.

Em 1964 João Goulart, presidente do Brasil na época, assinava um


comício de Reformas agrárias, que traria forte repressão e consigo um golpe
militar, destituindo o popularmente conhecido “Jango”. Com Castelo Branco
assumindo a posição, dava-se início ao período ditatorial, com imagens
políticas opostas ao governo sendo cassadas, eleições se tornando indiretas e
posteriormente tendo todos estes quadros agravados, com a violência sendo
um dos pontos mais característicos desse período. Nesse momento, algumas
das características mais notáveis do governo ditatorial no Brasil seriam a
censura e a propaganda, com um forte ar nacionalista que trazia a ideia de um
Brasil perfeito.

No âmbito cultural, é interessante notar que a característica do gênero


musical Bossa Nova, que havia ficado imensamente popular na época, serviam
como propaganda da ideia de um Brasil sem falhas. O estilo que tinha como
um dos pontos principais ser o cântico de situações cotidianas, somadas com a
felicidade da vida, traziam uma forte tradição já solidificada pelo samba, e na
visão de alguns artistas, escondia as grandes falhas presentes no País,
advindas do governo ditatorial da época. Vendo isso, com a ideia de mostrar os
problemas presentes no Brasil e romper com a tradição musical do Bossa
Nova, abrangia-se o escopo e o horizonte da música brasileira. O movimento
tropicália nasce.

O Movimento tropicália abrangeu diversas áreas da cultura brasileira,


mas seu início foi com a exposição da obra Tropicália em 1966 de Hélio
Oiticica, um labirinto recheado de elementos naturais e culturais do Brasil, em

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que o final era uma sala completamente escura, com somente uma televisão
presente, de forma que o telespectador era absorvido após estar
completamente imerso no ambiente. Assim, Hélio inicia uma nova iniciativa de
anti-arte, que se baseia no uso de suportes não convencionais, com a arte não
estando mais presa a um simples quadro, mas presente no ambiente de modo
a interagir com o público. Ao mesmo tempo, a repetição de imagens
características do Brasil, como bananeiras e araras, era uma antropofagia da
pop-art de Andy Warhol, que transformava-a em algo único, com a união entre
a imagem e a experiência. A obra atraiu diversos olhares, e fez com que uma
das músicas de Caetano Veloso, principal figura da Tropicália, tivesse o mesmo
nome.

No mesmo período, O rei da vela, uma das peças escritas por Oswald
de Andrade, um dos principais nomes do modernismo, é apresentada pela
primeira vez desde sua escrita em 1933. Em suas ideias sobre o modernismo,
Oswald foi quem trouxe o conceito de antropofagia para a cultura brasileira:
absorvendo tudo que for bom da cultura externa e adicionar ao nosso,
incrementando ainda mais nossos trabalhos. Utilizando ao máximo esse
conceito, Caetano Veloso e Gilberto Gil fazem uma transformação da música
popular, que se encontrava fortemente ligada a um modelo específico de
produção tradicional. Na busca de expandir e internacionalizar a música
brasileira, o uso de instrumentos elétricos e da adaptação de gêneros
populares do exterior, principalmente do rock, foram utilizados nas diversas
produções tropicais. No terceiro festival de MPB da TV Record, Caetano, Gil e
Os Mutantes fazem a apresentação das músicas Alegria, alegria e Domingo no
parque, definindo o marco inicial para o movimento conhecido como Tropicália.

Ademais, é fácil de visualizar a incorporação dos elementos estrangeiros


não somente de forma audível, mas também nas composições feitas pelos
cantores. Em “Batmacumba” (Gilberto Gil e Caetano Veloso), por exemplo, a
música é feita das junções de Batman e Macumba, elementos da cultura
estrangeira dos Estados Unidos e da África, presente em nosso território
nacional. A estrutura da composição é em formato de um “K”, uma letra que
exemplifica o estranho e o diferente dentro do nosso dialeto. Além do mais, a
letra mostra uma forte identidade concretista, movimento que utiliza o espaço

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entre as palavras e sua simetria para construir poesia, e não necessariamente


fonemas e rimas.

Foi uma ruptura, quebrando os padrões definidos até então e mostrando


um novo jeito de enxergar a cultura, mostrando a realidade assim como a
Bossa Nova, mas também destrinchando-a e mostrando as diversas faces
dessa mesma realidade. Os artistas do movimento criticavam não só a música,
mas os costumes e as morais, a direita e a esquerda, e além de cantarem
sobre, também incorporavam a tropicália em seus corpos com seus vestuários,
gestos e modos. Em um momento em que muito estava se perdendo de nós
mesmos, com a constante censura e ameaças da ditadura, o tropicalismo
mostrava realmente o que, e como, era o Brasil.

Inicialmente o movimento não foi bem recebido, com apresentações de


Caetano Veloso recebendo fortes vaias da plateia em festivais em que se
apresentava, ao ponto de virar manchetes de Jornal, mas com o lançamento de
músicas, exposições de arte e filmes, o movimento se consolidou. Ainda na
parte musical do movimento, o ponto auge foi o lançamento do disco Tropicália
ou Panis et circenses, uma colaborativa com os maiores nomes do movimento
tropical na música. O disco serve como manifesto do tropicalismo, onde
podemos observar toda a ideia do movimento quando analisamos a música de
mesmo nome do álbum, em que há a ideia de uma transformação reprimida
pela sociedade, ou, como é referido na música, as pessoas na sala de jantar.

O tropicalismo também atingiu fortemente o Brasil no aspecto


audiovisual, onde os diretores, cansados da mesmice que era o contexto
cinematográfico brasileiro, recheado de filmes seguindo os padrões
americanos, queriam explorar algo novo em sua própria estrutura. A falta de
recursos para a produção de filmes foi um grande problema, mas foi esse
problema que definiu as características do que seria considerado Cinema
Novo. Na escolha de desviar o olhar do público dos aspectos técnicos das
produções, assuntos polêmicos foram escolhidos para serem os temas dos
filmes criados, contendo cenas impactantes que conversavam sobre o
radicalismo e a violência presente dentro do ambiente brasileiro. Assim,
faziam-se filmes somente com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.

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O cinema novo teve um impacto direto no tropicalismo, principalmente


com os trabalhos de Glauber Rocha, como Terra em Transe e Deus e o Diabo
na Terra do Sol. O último apresenta a dificuldade da vivência do nordeste, a
pobreza, a fome e a opressão, usando de personagens históricos
característicos do nordeste e exageros para fazer críticas à estrutura social.
Por outro lado, o primeiro mostra diretamente os problemas e as
consequências do golpe militar, o fanatismo e a forte oposição política de ideias
divergentes. Ainda em Terra em transe, é interessante notar como o
protagonista – um poeta que está morrendo aos poucos por conta da política –
se assemelha aos artistas do período da ditadura, servindo como uma das
principais inspirações para a composição de Tropicália, citada anteriormente,
de Caetano Veloso.

Já nas obras de Carlos Diegues, conseguimos ter uma outra abordagem


do cinema, em obras como Ganga Zumba, retratando a fuga de negros
escravizados, que dentre eles está o lider do Quilombo de Palmares.
Mostrando toda a caminhada e a luta para a aquisição dos direitos civís dos
negros. Outra perspectiva do Brasil é em Garrincha, alegria do povo, um
documentário dirigido por Joaquim Pedro de Andrade sobre o jogador de
futebol Garrincha, utilizando do momento de união do povo brasileiro, de torcer
nas arquibancadas, como forma de mostrar a pluralidade de nosso País. Ao
mesmo tempo, o ato de assistir aos jogos do Botafogo eram os momentos que
davam forças ao povo para continuar na difícil sobrevivência do Brasil. Nas
palavras de Glauber Rocha, o filme mostra a “desesperada alegria do
brasileiro”.

O movimento tropicália teve pouco tempo de vida, tendo seu trágico fim
em 1968, com o decreto do Ato institucional 5° e com o exílio de Caetano
Veloso e Gilberto Gil, entretanto seus esforços foram completamente
necessários para uma nova reestruturação da cultura brasileira. A ruptura com
o clássico e o tradicional influenciou outros artistas que fizeram o mesmo com
outros gêneros musicais, literários e audiovisuais, adotando os conceitos
antropofágicos de Oswald de Andrade. Assim, é inegável o marco que o
Tropicalismo teve no Brasil.

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Tropicália | Trabalho de História 4° Bimestre 5

Referências
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volume 3. 2° Edição. São Paulo: Leya, 2016.

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<https://www.carlosdiegues.com.br/filmes-ganga-zumba.html>. Acesso em:
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multiletramentos a partir de letras de músicas do tropicalismo”. Anais
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Tropicália | Trabalho de História 4° Bimestre 6

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Disponível em:
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Acesso em: 05/Nov/2023.

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