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Professora autora/conteudista

CRISTINA FONSECA SILVA RENNÓ


É vedada, terminantemente, a cópia do material didático sob qualquer
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pública, sob pena de responsabilização civil e criminal.
SUMÁRIO
1. A criação de um roteiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2. O cinema brasileiro e mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8


2.1 Lista de filmes estrangeiros com seus respectivos diretores, movimentos e país de
origem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.2 Lista de filmes brasileiros com seus respectivos diretores e movimentos/
importância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

3. As personagens no cinema e na literatura: personagens planas e esféricas . . . . . 18


Exercício 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

4. O protagonista e seus arquétipos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

5. Uma ideia na cabeça e uma personagem nas mãos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29


Exercício 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

6. Personagem, imagem e função dramática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

7. O herói do cinema e sua jornada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

8. Roteiros com exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44


Roteiro: Assunto encerrado (Luiz Moreira Filho) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Exercício proposto 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Exercício proposto 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Exercício proposto 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Exercício proposto 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

9. Roteiros com exercícios – parte 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62


Exercício proposto 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Roteiro: Cama de gato (Luiz M. Gama) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Exercício proposto 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Exercício proposto 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Exercício proposto 8 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Exercício proposto 9 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

10. Roteiros com exercícios – parte 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73


Leve . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Exercício proposto 10 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

11. Roteiros com exercícios – parte 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81


O coletor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Exercício proposto 11 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

12. A adaptação de uma obra literária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
1. A CRIAÇÃO DE UM ROTEIRO
Para iniciarmos esta oficina de roteiro, vamos recordar alguns passos importantes para a
concepção de um filme.

O primeiro passo é o argumento. Um filme começa no argumento, que significa uma história
desenvolvida para o audiovisual. Como segundo passo, escolhido o tema e desenvolvido seu
argumento, vamos ao que de fato nos interessa: o roteiro.

Escrever um roteiro é basicamente desenvolver uma história para cinema ou TV. Mas essa
narrativa, diferente das que se fecham em um livro, será montada, editada, transformada em filme e
veiculada nos espaços audiovisuais de comunicação. Portanto, ao invés de se ocupar basicamente
do texto, o roteirista deverá considerar as imagens, os sons, os cortes, os diálogos e a forma como
as personagens ficarão na pele de um ator. Por isso mesmo, o roteirista, assim como o dramaturgo,
é um escritor de índole diferente, pois escreve pensando em imagens. Não dá para conceber roteiros
fora disso.

Para conseguir escrever uma história que será montada ou editada, não se pode esquecer dos
diferentes aspectos técnicos que fazem parte desse tipo de dramaturgia. São eles:

• Cabeçalho (externa/interna - espaço físico - tempo).


• Divisão em cenas da história
• Escaleta
• Cenas divididas em texto e imagens, isto é: descrição cênica e diálogos

A criação técnica de um roteiro não é fácil, mas ainda assim é uma das fases mais simples do
aprendizado. Difícil mesmo é o desenvolvimento do conteúdo, ou seja, realizar um filme que tenha
razão de ser, que possa contar uma história interessante, que acrescente algo à vida do público
que vá assisti-lo. Um filme que, mesmo sendo apenas de entretenimento, provoque alguma reação
ou emoção no público pagante.

Quantos argumentos excelentes se tornam nada quando desenvolvidos em roteiro? Quantas


histórias desperdiçadas chegam ao cinema? Isso é mais comum de acontecer do que se imagina.
Portanto, não basta uma ideia na cabeça para que a narrativa, em seu desenvolvimento, saia pelo
menos proficiente, se não puder ser profissional. Para que isso ocorra, existem alguns aspectos
da criação que devem de fato ser muito respeitados. Está basicamente neles o bom resultado de
um filme.

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A composição de personagens é talvez um dos aspectos mais importantes para o desenvolvimento
de uma boa história de literatura ou de cinema. Essa é a razão pela qual, nesta oficina de criação,
a atenção ao desenvolvimento e à criação deles será especialmente importante. As personagens
são o principal tema quando se trata de desenvolvimento do roteiro.

Vamos lembrar que, sem personagens, não se cria um filme, uma novela ou uma minissérie.
São eles, suas vidas, a forma como se realizam no tempo e no espaço, seus atos e a consequência
deles que fazem a grandeza de um filme. Assim também é na literatura.

Imagine, por exemplo, dois personagens exemplares criados pelo escritor Miguel de Cervantes
no Renascimento: Dom Quixote de La Mancha e seu fiel escudeiro, Sancho Pança, os românticos e
emblemáticos casais de Shakespeare cuja história se passa na Idade Média, como Romeu e Julieta,
o grupo de monstros famosos da literatura do século XIX que reinam até hoje no cinema moderno,
como Frankenstein e Drácula, ou mesmo as personagens trágicas gregas vindas lá da Antiguidade,
como Édipo, Antígona e Hércules. Ou personagens de quadrinhos que ganharam vida no cinema,
como Batman, criado por Bob Kane, Super-Homem, da dupla de autores Joe Shuster e Jerry Siegel,
ou ainda os que foram do cinema para os quadrinhos, como Mickey Mouse, a mais famosa criação
de Walt Disney. Trata-se de criações tão fortes que ultrapassaram seu tempo histórico, mantendo
o mesmo vigor de quando foram criados. Tornaram-se mais importantes, ou pelo menos mais
conhecidos e imediatamente reconhecidos por seu público do que seus criadores.

Coube a eles todos dar vida e tornar-se a razão de ser de seus enredos. Sustentam-se sozinhos,
pois são o ponto alto da criação de suas narrativas. Não é fácil criar personagens emblemáticas
como nesses exemplos, mas, mesmo que o roteirista não consiga criar seres tão especiais, o que
houver de personagens em uma história deverá ser um dos principais pontos de criação de uma
obra. Para o bem e para o mal, elas são os pontos luminosos de qualquer história, tanto faz se para
a escrita, a literatura, o teatro, o cinema ou a TV.

O grande dramaturgo Luigi Pirandello, brincando com esse aspecto tão importante da criação de
uma história, fez uma peça que se chama “Seis personagens à procura de um autor”, o que mostra a
importância deles. A brincadeira está em que, se não existe história sem personagens, é possível, no
entanto, existir personagens sem enredo. E isso já aconteceu: é o caso exemplar do poeta Fernando
Pessoa, que criou um grupo de personagens – heterônimos – sem enredos para sustentá-los e que,
no entanto, existem completamente na vida literária universal: Ricardo Reis, Alberto Caieiro, Álvaro
de Campos e Bernardo Soares. Quem conhece literatura sabe bem quem são eles.

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E no Brasil, como estamos? Temos grandes personagens literários, a começar por Diadorim e
Riobaldo, de “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa. Temos as personagens emblemáticas
de José de Alencar, como Iracema, a índia dos lábios de mel, ou a portuguesa Ceci e o nobre índio
Peri. Temos as adoráveis personagens infantis de Monteiro Lobato: Pedrinho, Narizinho, Emília e
Visconde de Sabugosa; as de Érico Veríssimo, como o capitão Rodrigo e Ana Terra, da saga “O tempo
e o vento”; as famosas personagens de Jorge Amado, como Gabriela, Tieta do Agreste, Dona Flor etc.

Figura 1 – Sítio do Pica Pau Amarelo - Monteiro Lobato

Fonte: <http://www.epgrupo.com.br/producao-da-mixer-desenho-sitio-e-exibido-pela-1a-vez-na-america-latina/>.

Apesar disso, quando se trata de roteiros, nossas produções de personagens têm sido muito
falhas. Tirando algumas poucas novelas de TV e as importantes peças de teatro de Nelson Rodrigues
e de Plínio Marcos, muitas vezes adaptadas para o cinema, com suas personagens sofridas e
marcantes, esse é um dos pontos negligenciados da filmografia nacional. Erramos muito. Nossas
personagens de cinema, em quase todos os argumentos e enredos, têm sido mal construídas, soando
falsas, inexpressivas, incompletas e extravagantes. E, como depende delas o sucesso ou o fracasso
de uma obra, muitas produções brasileiras com bons argumentos acabam tendo comprometida a
qualidade dos roteiros por causa da má construção de personagens.

Vamos, nesta apostila, tentar preencher com informações essa falha de criação brasileira e,
para que isso ocorra, além do argumento e da sinopse, serão dados todos os detalhes que podem
ajudar na concepção de personagens.

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Lembre-se de que uma personagem começa pela concepção física, que deve ser coerente
com a sua concepção psicológica. Essas duas características juntas são determinantes para a
construção de diálogos.

Falar da importância das personagens não quer dizer que os fatos ocorridos num roteiro não
sejam também fundamentais. A vida e as ações mostradas numa história são realmente muito
importantes. Mas é praticamente impossível separar esses aspectos da criação de um roteiro de
suas personagens. Isso porque as ações, o tempo e o espaço que uma história determina estão
intrinsecamente ligados a elas. As ações existem em torno e por causa das personagens. Estes
muitas vezes gravitam em torno de suas ações, outras vezes as impulsionam.

Como diz o ensaísta Antônio Candido, em seu excelente texto “A personagem no romance”
(CANDIDO, 2003, p. 53), “O enredo existe através das personagens; as personagens vivem no enredo”.

Por isso, quem sabe criar bons personagens saberá com certeza desenvolver bons enredos,
excelentes argumentos e notáveis roteiros. Está aí toda a literatura brasileira e universal para ajudar,
inspirar e tornar-se recurso de criação. Lembre-se sempre: não existe escritor que não seja um
bom leitor, e não existe roteirista que seja apenas um cinéfilo. Em geral, os maiores roteiristas do
audiovisual, além de adorar cinema e teatro, são vorazes consumidores de literatura.

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2. O CINEMA BRASILEIRO E MUNDIAL Figura 2 – Cinema brasileiro

Além de buscar suas inspirações na literatura, é importante


que o aspirante a roteirista assista a quantos filmes puder,
analisando seus procedimentos formais. Para isso, precisa ter
pelo menos algum conhecimento sobre a história do cinema. Deve
saber quem são seus grandes diretores e quais foram os filmes
fundamentais para o desenvolvimento da sétima arte. Por isso,
deixo aqui uma lista, na verdade muito pequena, daqueles filmes
essenciais dos grandes diretores de todos os tempos. Assisti-los
ajudará. É o início de um caminho que pode se aprofundar sempre. Fonte: shutterstock.com /Blablo101

SAIBA MAIS

“A primeira exibição de cinema no Brasil aconteceu em 8 de julho de 1896, no Rio de Janeiro, por
iniciativa do exibidor itinerante belga Henri Paillie. Naquela noite, numa sala alugada do Jornal do
Commercio, na Rua do Ouvidor, foram projetados oito filmetes de cerca de um minuto cada, com
interrupções entre eles e retratando apenas cenas pitorescas do cotidiano de cidades da Europa. Só a
elite carioca participou deste fato histórico para o Brasil, pois os ingressos não eram baratos. Um ano
depois já existia no Rio uma sala fixa de cinema, o ‘Salão de Novidades Paris’, de Paschoal Segreto.

Os primeiros filmes brasileiros foram rodados entre 1897-1898. Uma ‘Vista da baia da Guanabara’ teria
sido filmado pelo cinegrafista italiano Affonso Segretto (irmão de Paschoal) em 19 de junho de 1898,
ao chegar da Europa a bordo do navio Brèsil - mas este filme, se realmente existiu, nunca chegou a ser
exibido. Ainda assim, desde os anos 1970, 19 de junho é considerado o Dia do Cinema Brasileiro. Hoje
em dia, os pesquisadores consideram que os primeiros filmes realizados no Brasil são ‘Ancoradouro
de Pescadores na Baía de Guanabara’, ‘Chegada do trem em Petrópolis’, ‘Bailado de Crianças no
Colégio, no Andaraí’ e ‘Uma artista trabalhando no trapézio do Politeama’.”

Fonte: CINEMA do Brasil. Wikipedia, 18 mar. 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema_do_


Brasil>. Acesso em: 15 abr. 2017.

Estão, neste capítulo, falaremos sobre alguns filmes fundamentais da história do cinema brasileiro
e mundial situados nos movimentos estéticos a que pertenceram. Começamos pelos pioneiros do
cinema mundial, pois, sem eles, a linguagem cinematográfica tal como a conhecemos hoje não
existiria. Esses diretores são tão fundamentais que se torna quase impossível querer trabalhar com
cinema sem conhecê-los. Seus filmes serviram de matriz para novos filmes.

Se puder, depois de assistir aos filmes indicados, escolha os diretores com que melhor se
identificar e tente se aprofundar na vida e obra de cada um deles. Preste atenção aos roteiros, à
criação de personagens, à trilha e ao enredo. Veja se são filmes em que o roteiro é do próprio diretor
e, quando não for dele, veja de quem é. Observe ainda se os atores estão adequados dentro das

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personagens e se estas são planas (tipos caricaturais) ou esféricas (complexas, com características
psicológicas conflitantes ou mesmo antagônicas) e por quê. Esse tema das personagens planas e
esféricas será tratado nos próximos capítulos, e nada impede que, depois de aprender o que vem
a ser isso, você volte para esta lista e retome a análise com mais critério. Tudo isso será útil para
sua educação cinematográfica e poderá servir de inspiração para alguns de seus roteiros. Espero
que possa apreciar a lista e aprender com ela.

Figura 3 – A sétima arte

Fonte: shutterstock.com / Fer Gregory

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CURIOSIDADE

“Algumas pessoas ainda não sabem porque o cinema é considerado a sétima arte. Para quem
ainda não sabe, esse termo surgiu em 1911, dado por Ricciotto Canudo no ‘Manifeste des Sept Arts’
(Manifesto das Sete Artes), documento que foi publicado apenas em 1923.

Através do manifesto, o teórico e crítico de cinema Canudo, pertencente ao futurismo italiano,


pretendia distanciar a ideia de que o cinema era um espetáculo para a massa, mas aproximá-la e
integrá-la a categoria das Belas Artes, como, a música, pintura, escultura, arquitetura, poesia e a
dança. Para ele, o cinema é uma arte ‘síntese’, uma arte total, que conciliava todas as outras artes.
Por isso, que considerava o cinema a sétima arte.”

Fonte: RIBEIRO, E. Por que o cinema é considerado a sétima arte? NTRLH, 17 maio 2013. Disponível
em: <http://entrelinhablog.com.br/porque-o-cinema-e-considerado-a-setima-arte/>. Acesso em: 25 abr. 2017.

2.1 Lista de filmes estrangeiros com seus respectivos


diretores, movimentos e país de origem
Cinema norte-americano - 1910 (filmes de entretenimento)

D. W. Griffith, pioneiro do cinema clássico de entretenimento. “Eu gostaria que meu filme fosse uma
onda pulsante de emoção” (XAVIER, 1984, p. 12).

Filmes mudos:
• Intolerância
• O nascimento de uma nação

Cinema russo - 1917 (filmes de arte)

Serguei Eisenstein, pai da montagem ideológica e pioneiro do cinema de arte.

Filmes:
• Encouraçado Potemkin (mudo)
• A greve (mudo)
• Ivan, o terrível (falado)
• Dziga Vertov
Filme documentário:
• Um homem com uma câmera

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Cinema alemão - 1920/1930 (expressionismo alemão)

Os cineastas desse período são mestres do jogo de sombra e luz, o que empresta a seus filmes um
tom dramático e poético.

F. W. Murnau

Filmes mudos:
• Nosferatu
• A última gargalhada
• Tabu
• Fritz Lang
Filmes:
• Metrópolis (mudo).
• M - o vampiro de Düsseldorf (início do cinema falado)

Cinema norte-americano dos anos 1930/40/50 (cinema falado)

Charles Chaplin: fez filmes mudos e falados e foi praticamente o inventor das personagens em
cinema. Sua criação, o vagabundo Carlitos, é talvez a primeiro grande personagem da sétima arte.

Filmes:
• Luzes da cidade (mudo)
• O garoto (mudo)
• Tempos modernos (falado)
• O grande ditador (falado)

Figura 4 – Clássico “O grande ditador”

Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5a/Dictator_charlie3.jpg>

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John Ford (faroeste)

Filme:
• No tempo das diligências
• John Huston (suspense, o chamado filme noir)
Filme:
• Relíquia macabra

Alfred Hitchcock (suspense/ação/detetive)

Filmes:
• Psicose
• Janela indiscreta
• Vertigo – Um corpo que cai

Orson Welles: tido como um prodígio cinematográfico

Filmes:
• Cidadão Kane
• O terceiro homem

Cinema italiano (neorrealismo)

Vittorio de Sica Luchino Visconti Pier Paolo Pasolini

Filme: Filmes: Filmes:


• Ladrões de bicicleta • Os deuses malditos • Teorema
• Morte em Veneza • Pocilga
• O leopardo • Salò ou os 120 dias de Sodoma

Roberto Rossellini Michelangelo Antonioni


• Filmes:
Filme:
• Blow up
• Roma, cidade aberta • Passageiro: profissão repórter
Figura 5 – “Blow up”
Federico Fellini

Filmes:
• Oito e meio
• A doce vida
• Noites de Cabiria
• Amarcord

Fonte: <http://cinezencultural.com.br/site/2017/01/24/critica-blow-up/>.

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Cinema francês - anos 1960 (Nouvelle Vague)

Jean Renoir François Truffaut

Filme: Filmes:
• A regra do jogo • De repente, num domingo
• O homem que amava as mulheres
Alain Resnais
Jean Luc Godard
Filmes:
Filmes:
• O ano passado em Marienbad
• Hiroshima, meu amor • Acossado
• A chinesa

Cinema espanhol (surrealista) Figura 6 – “Um anjo exterminador”

Luis Buñuel

Filmes:
• A idade do ouro (mudo)
• Um cão andaluz (mudo)
• A bela da tarde
• O anjo exterminador
• O discreto charme da burguesia

Fonte: <http://lounge.obviousmag.org/zoom_nas_
visceras/assets_c/2015/03/El%20%C3%A1ngel%20
exterminador-miniatura-800x1133-98610.jpg>.

Cinema japonês Yasujiro Ozu

Akira Kurosawa Filme:

Filmes: • Era uma vez em Tóquio

• Os sete samurais
• Trono manchado de sangue
• Dodeskaden

Cinema mexicano

Emilio “El Indio” Fernandez

Filme:
• Rio Escondido. O fotógrafo desse filme chamava-se Gabriel Figueroa e foi considerado um dos
maiores diretores de fotografia da história do cinema. Mais tarde, trabalhou com Luis Buñuel.

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2.2 Lista de filmes brasileiros com seus respectivos
diretores e movimentos/importância
Apesar de muitas vezes menosprezado pelos próprios brasileiros e das reais dificuldades de
construção de bons argumentos e desenvolvimento coerente de personagens, ao longo de sua
história, o cinema do Brasil já produziu clássicos. Realizou movimentos importantes, como o chamado
Cinema Novo, e vem tendo iniciativas diversas para se tornar uma indústria. Os empreendimentos da
Companhia Vera Cruz e da Companhia Maristela Filmes, nos anos 1940, são exemplos consideráveis
de tentativas de fomentação do cinema nacional.

Ainda hoje temos um cinema desigual. Temos apenas três gêneros cinematográficos bem
definidos, graças aos seus diretores: terror, desenvolvido exemplarmente pelo cineasta José Mojica
Marins, os filmes caipiras de Mazzaropi, que tanto sucesso fizeram no país, e os chamados filmes
de cangaço, gênero inaugurado pelo diretor Lima Barreto com O cangaceiro, de 1950. Ainda assim,
mesmo sendo poucos, existem importantes realizadores brasileiros em todas as áreas.

Na direção, temos grandes diretores, como Lima Barreto, Anselmo Duarte, Humberto Mauro,
Mário Peixoto, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, entre outros. Na fotografia, tivemos o
grande Edgar Brasil; na atuação, sempre tivemos grandes atores cômicos e dramáticos, entre eles
Oscarito, Grande Otelo, José Lewgoy, Norma Benguel, Glauce Rocha, Anecy Rocha, Odete Lara,
ente outros. Existem filmes, mesmo sendo poucos, que valeram prêmios importantes fora do país,
por exemplo, “O cangaceiro” e “O pagador de promessas”, verdadeiros acontecimentos no Festival
de Cannes dos anos 1950. Hoje, o cinema brasileiro dá sinais de que está renascendo e merece
nosso respeito. De lá para cá, muita coisa mudou. Ainda não somos uma indústria, mas nomes de
novos autores já despontam no exterior. A seguir, você encontrará uma lista de filmes e diretores
brasileiros que todo aluno de roteiro deve conhecer.

O documentário e o cinema de autor: os grandes pioneiros


O trio Humberto Mauro, Mário Peixoto e Umberto Cavalcante foram verdadeiros gênios da
cultura cinematográfica brasileira. Peixoto até foi considerado um Eisenstein brasileiro, com seu
filme surpreendente Limite. Umberto Cavalcanti fazia um cinema de tanta excelência que, ao sair
do Brasil, foi trabalhar com a vanguarda inglesa e francesa dos anos 1930.

Humberto Mauro Mário Peixoto Umberto Cavalcanti

Filme: Filme: Filme:


• Ganga bruta • Limite • O trem (documentário)

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Formação de uma indústria cinematográfica
Companhia Atlântida: tinha como trunfo a famosa e genial dupla das chanchadas, que eram os
atores Oscarito e Grande Otelo.

Carlos Manga

Filmes:
• O homem do Sputnik
• Matar ou correr

Indústria cinematográfica de São Paulo


Em São Paulo tivemos a famosa Companhia Vera Cruz Cinematográfica, também chamada de
“Hollywood brasileira”, que durou de 1949 a 1954 e que produziu mais de 40 filmes com grande
sucesso, alguns deles com grandes prêmios nacionais e internacionais em festivais de cinema de
importância mundial, como os de Cannes e Veneza.

Lima Barreto

Filme:

• O cangaceiro.

Filmes premiados
Anselmo Duarte

Filme:
• O pagador de promessas. Filme de 1962 com roteiro baseado Figura 7 – “O pagador de promessas”
em peça de Dias Gomes. Principais prêmios e indicações:

I. Oscar 1963 (EUA): indicado na categoria de melhor filme


estrangeiro.
II. Festival de Cannes 1962 (França): vencedor (Palma de
Ouro) na categoria melhor filme.
III. Festival de Cartagena 1962 (Colômbia): vencedor do
Prêmio Especial do Júri.
IV. San Francisco International Film Festival 1962 (EUA):
vencedor (Prêmio Golden Gate) nas categorias melhor
filme e melhor trilha sonora.

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Pagador_Promessas_CN_0092B.jpg>

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Autores influenciados pelo neorrealismo italiano Figura 8 – “Vidas Secas”

Nelson Pereira dos Santos: um dos maiores diretores brasileiros,


ao lado de Mário Peixoto e de Glauber Rocha.

Filmes:
• Rio, 40 graus
• Vidas secas
• O amuleto de Ogum

Cinema Novo – anos 1960

Um dos principais movimentos de cinema brasileiros. Teve como seu principal ideólogo o cineasta,
agitador cultural e diretor baiano Glauber Rocha. O movimento, no início bastante influenciado pelos
princípios cinematográficos do neorrealismo italiano e da Nouvelle Vague francesa, logo buscaria
trilhar seus próprios caminhos de solução para o cinema no Terceiro Mundo.
Fonte: <http://www.scielo.br/
Rui Guerra scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0103-40142012000300020>.
Filmes:
• Os fuzis
• Os cafajestes
Roberto Santos

Filme:
• A hora e a vez de Augusto Matraga
Glauber Rocha: um dos grandes gênios do cinema brasileiro, foi o mentor do Cinema Novo, um dos mais
expressivos e fecundos movimentos de arte cinematográfica que tivemos. Ao desenvolver suas ideias
sobre cinema brasileiro, buscava criar roteiros e uma estética fílmica próprios para o terceiro mundo.

Filmes:
• Terra em transe
• Deus e o diabo na terra do sol
• O dragão da maldade contra o santo guerreiro

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Cinema marginal paulista

Outro grande movimento cinematográfico brasileiro, que se contrapunha ao Cinema Novo e


buscava desenvolver uma estética que chamava de Cine-Lixo, em que as temáticas do submundo
urbano eram o foco de atenção de seu grupo de cineastas.

Rogério Sganzerla: outro gênio cinematográfico brasileiro Figura 9 – A mulher de todos


dos anos 1960, ao lado de Glauber Rocha e junto com
Mário Peixoto, dos anos 1930. Foi um dos mais importantes
cineastas da vanguarda do cinema marginal paulista ou
Cine-Lixo, como gostavam de denominar essa estética.

Filmes:
• O bandido da luz vermelha
• A mulher de todos

Júlio Bressane: apesar de carioca de nascença, identificou-


se com a estética do cinema de vanguarda marginal
paulista. Chegou a fazer mesmo muitos curtas radicais a
duas mãos com Rogério Sganzerla.

José Mojica Marins: um dos mais importantes cineastas de


filmes de terror brasileiro. Apesar de ser um independente,
foi acolhido pelo movimento de cinema de vanguarda
marginal paulista.

Filmes:
• Esta noite levarei sua alma
• Esta noite encarnarei em teu cadáver
Fonte: <http://www.historiadocinemabrasileiro.
com.br/wp-content/uploads/2010/05/POSTER-A-
Mulher-de-Todos.jpg>

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3. AS PERSONAGENS NO CINEMA E NA LITERATURA: PERSONAGENS
PLANAS E ESFÉRICAS
Vamos recordar que o cinema, quando surgiu em Paris, em 1895, ainda era um conjunto de
imagens documentais. Assim faziam em seus filmes os inventores do cinema, que são os fantásticos
irmãos Lumière. Mas o cinema também era utilizado para espetáculos de mágica, como bem fazia
seu outro inventor, o genial francês Georges Méliès, que foi um pioneiro das trucagens e dos efeitos
especiais tão utilizados nos filmes de entretenimento de nossos dias.

SAIBA MAIS

“Marie-Georges-Jean-Méliès (8 de dezembro de 1861 – 21 de janeiro de 1938) foi um ilusionista


francês de sucesso e um dos precursores do cinema, que usava inventivos efeitos fotográficos para
criar mundos fantásticos.

Méliès, além de ser considerado o ‘pai dos efeitos especiais’, fez mais de 500 filmes e construiu o
primeiro estúdio cinematográfico da Europa. Também foi o primeiro cineasta a usar desenhos de
produção e storyboards para projetar suas cenas. Era proprietário do Théatre Robert-Houdin, em
Paris, que havia pertencido ao famoso ilusionista francês Jean Eugène Robert-Houdin.” Saiba mais
clicando aqui.

Fonte: GEORGES Méliès. Wikipedia, 22 abr. 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/


Georges_M%C3%A9li%C3%A8s>. Acesso em: 25 abr. 2017.

Depois desse primeiro momento, rapidamente o cinema foi sofisticando suas imagens e
narrativas na busca de uma linguagem própria. Foi quando surgiu o grande diretor americano D. W.
Griffith e logo depois outro genial diretor russo chamado Serguei Eisenstein. A partir deles, o cinema
nunca mais seria o mesmo. Primeiro, Griffith começou a descobrir planos e enquadramentos que,
somados, resultariam nos chamados filmes de ficção. Depois disso, os filmes tornaram-se cada vez
mais ousados, com a construção de roteiros cada vez mais complexos. Para isso, foi necessário
que começassem a utilizar todos os recursos disponíveis na literatura e no teatro. Estava criado o
cinema clássico de entretenimento. O próximo passo seria dado por Eisenstein, que, a partir desses
avanços griffitianos, descobriu o que chamou de cinema ideológico, baseado na montagem. Surgiu
então o cinema de arte.

Os filmes, que antes desses dois cineastas eram apenas quadros de efeitos, captação de exóticas
paisagens urbanas ou rurais, filmes de viagens e documentação fotográfica de costumes, passaram
a criar narrativas de fôlego e personagens consequentes. Surgiram então as grandes histórias
do cinema, e essa arte transformou-se no que seria o cinema clássico e de arte dos nossos dias.
Isto é, um cinema predominantemente de ficção com longas e sofisticadas narrativas, histórias

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complexas, enredos intrincados, em que a imitação da vida é parte intrínseca de sua estrutura. O
cinema passou a se admitir numa busca incessante, mas nem sempre consequente, de mostrar a
vida como ela é.

Surgiram os filmes históricos, psicológicos, políticos, de crítica social, românticos e surrealistas.


Apareceram os grandes diretores e roteiristas e, com eles, os gêneros todos: aventura, drama,
melodrama, mistério, ação, western, bíblico e outros. Não seria errado afirmar que todos os temas e
recursos narrativos do cinema, pelo menos no seu primórdio, mas sem nunca deixar de influenciar
até hoje, vieram de uma única fonte literária: os romances franceses e italianos do século XIX. Foi
neles que Griffith buscou a série de fatos organizados em enredos e de personagens que vivem
intensamente ou não esses fatos, num intrincado de problemas que tentam abarcar a vida e seus
temas universais. Griffith influenciou todo o cinema americano, inclusive os musicais.

Figura 10 – Griffith

Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/93/David_Wark_Griffith_portrait.jpg>.

Eisenstein sofisticou as buscas de planos e enquadramentos griffitianos, criando seus filmes de


autor, quase documentais de tão realistas, utilizando para isso até atores sociais, ao invés de atores
do teatro, como era comum. São os métodos de Eisenstein que influenciam o cinema experimental
e de arte até os dias de hoje. Seus recursos de montagem e métodos de ator influenciaram o
chamado cinema de autor dos anos 1950 e 1960 e também o movimento neorrealista que surgiria
por esse período, entre outros.

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A partir de Griffith, a criação de personagem passou a ser uma das características fundamentais
dos filmes de ficção. Não existe roteiro sem personagem nem personagem sem bons argumentos,
enredo e roteiro que possam exprimi-lo em suas angústias, alegrias e todo o tipo de emoções. Com
a evolução do cinema clássico, as personagens tornaram-se o que há de mais vivo num filme. E,
apesar de serem uma invenção total, assim como na literatura, eles têm uma capacidade muito
grande de exprimir todos os anseios, dúvidas, alegrias, lutas, aspirações e tristezas do espectador.

A personagem é aquele elemento que, por mais fictício e fantástico que seja, paradoxalmente
é capaz de comunicar a mais legitima, sólida e universal verdade existencial, mesmo quando essa
verdade for tratada de forma burlesca ou caricatural. Por isso mesmo, tome-se como primeira lição
que as personagens devem ter sempre e obrigatoriamente a capacidade de conter os mistérios do
ser a que representam. E isso não é tarefa fácil de realizar, na medida em que os roteiros devem
conter toda uma coerência entre a criação física e psicológica desse novo ser vivente.

Os aspectos físicos das personagens devem ser tão coerentes com os aspectos psicológicos
que muitas vezes o grande cinema tem usado aqueles como apoio destes em suas criações. Um
bom exemplo desse tipo de procedimento são os mocinhos e bandidos de um clássico do Velho
Oeste feito pelo mestre do cinema de westerns Sergio Leone. Em seu filme “Era uma vez no oeste”,
dos anos 1960, o principal bandido da história é um aleijado que, quanto mais perverso se mostra,
mais se deforma em seu aleijão, até se arrastar pelo chão como um verdadeiro verme.

A personagem no cinema, assim como na literatura do século XVIII, em termos psicológicos,


foi do mais simples ao mais complexo, até chegar à literatura moderna, na qual isso é de praxe.
Como na literatura, fonte em que foi beber exemplarmente, o cinema conseguiu criar personagens
que, num paroxismo intenso, podem ser criaturas realmente complicadas e multifacetadas e que
povoam todo tipo de ficção.

Diz o ensaísta Antônio Candido, ainda no seu artigo “A personagem no romance” (1968, p. 60),
que “[...] a revolução sofrida pelo romance no século XVIII consistiu numa passagem do enredo
complicado com personagens simples, para o enredo simples com personagens complicadas”.
O autor completa afirmando que essa é a base do romance moderno do século XX, no qual “[...] o
senso da complexidade da personagem, ligado ao da simplificação dos incidentes da narrativa e à
unidade relativa de ação, marca o romance moderno” (CANDIDO, 1968, p. 61).

Nesse aspecto, o cinema tornou-se muito próximo da literatura. Entre os muitos movimentos
cinematográficos, um dos que mais se utilizaram desses recursos de criação de personagens

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como base de seus enredos foi o chamado neorrealismo italiano. É um movimento que influencia
o cinema universal até hoje, pelo menos nesse aspecto em que o mínimo de ação está quase que
diretamente ligado ao máximo de complexidade das personagens. Foi o movimento que deu origem
ao chamado cinema de autor. Diretores como o grande autor de cinema sueco Ingmar Bergman
tornaram-se mestres nesse tipo de construção estilística. Bergman, por exemplo, com seus filmes
sérios, introspectivos, como “O casamento”, “Persona” e outros, desenvolveu personagens cada
vez mais abertos, que são baseadas na forma como cada um de nós de fato interpreta as pessoas
ao redor e que, por isso, passam a impressão de que em tudo se assemelham à vida em sua forma
mais complexa.

Por outro lado, nos filmes de muita ação, a regra é outra. Quanto mais ações vemos nos filmes de
entretenimento, por exemplo, a série “Indiana Jones”, do diretor Steven Spielberg, mais caricaturais
são suas personagens. Por isso seus filmes são puro entretenimento, que não pretendem em nada
se assemelhar a algo possível da vida real.

Figura 11 – “Indiana Jones”

Filme “Indiana Jones e os caçadores da Arca Perdida” - Steven Spielberg (1981)


Fonte: <http://br.web.img3.acsta.net/medias/nmedia/18/91/97/58/20172484.jpg>.

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Apesar das diferenças muitas vezes abissais, se observarmos atentamente, constataremos
que a força motriz tanto de um estilo como de outro para realização, quer seja do cinema de autor,
quer do cinema de entretenimento, concentra-se igualmente na criação das personagens, cada
qual idealizada para o padrão que seus diretores desejam desenvolver.

Aproveitando esses exemplos, vamos à segunda lição deste capítulo. As personagens de cinema,
adequando-se a conceitos puramente literários, também surgidos nos romances italianos e franceses
dos séculos XVIII e XIX, podem ser divididas, em termos de dramaturgias e idealizações, em dois
tipos básicos. As chamadas personagens de costumes ou planas contrapõem-se às chamadas
personagens de natureza ou esféricas. Mas o que vem a ser isso?

A literatura do século XVIII, segundo Candido (1968, p. 61), buscou trabalhar com esses dois
tipos de personagens. Diz o ensaísta que os dois tipos são muito diferentes entre si:

As personagens de costumes são muito divertidas, mas podem ser mais bem
compreendidas por um observador superficial do que as personagens de natureza,
nas quais é preciso saber mergulhar nos recessos do coração humano.

Tanto para a literatura quanto para o cinema, as chamadas personagens de costumes são na
verdade o que o ensaísta Antônio Candido define hoje como as personagens planas: apresentadas
por meio de traços distintivos, fortemente escolhidos e marcados. São na verdade caricaturais.
Adéquam-se mais, por isso mesmo, ou têm sua eficácia máxima na caracterização de personagens
cômicas, pitorescas, invariavelmente sentimentais. Já as chamadas personagens de natureza,
para o crítico, equivalem ao que hoje os escritores entendem por personagens esféricas, que,
ao contrário de traços superficiais, são apresentadas pelo seu modo íntimo de ser. Não são
imediatamente identificáveis ou acentuadamente trágicas, e isso impede que tenham a regularidade
dos outros. Ocorre que essas personagens complexas exigem que seus roteiristas observem
cada mudança do seu modo de ser, criando para elas uma característica diferente, geralmente
analítica, mas nunca pitoresca.

Na atualidade do cinema, assim como da literatura, as personagens planas e as esféricas devem


ser coerentes aos seus modelos de criação inclusive na forma de vestir e de se apresentar dentro
dos enredos.

As personagens planas veem os homens pelo seu comportamento em sociedade, pelo tecido das
suas relações e pela visão que temos do próximo. Para Candido (1968), que trouxe essa definição à
literatura, elas são tipos, por vezes caricaturais. Por sua vez, as personagens esféricas mostram-se

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à luz de sua existência profunda, que não se explica pelo mecanismo das relações. Ao contrário
das outras, estas têm mais de duas dimensões, são organizadas com mais complexidade e são
capazes de surpreender o espectador.

Não dá para definir qual dessas duas formas de criação de personagens foi mais utilizada no
cinema ao longo de sua história. O que se pode considerar, no entanto, é que a utilização de um tipo
em detrimento de outro faz parte do estilo de cada grande roteirista e diretor. Na atualidade, por
exemplo, tanto Woody Allen quanto Quentin Tarantino trabalham basicamente com personagens
planas, tipos, verdadeiras caricaturas humanas que utilizam exemplarmente em suas sátiras de
costumes. Por outro lado, temos na atualidade um diretor como Martin Scorsese, que, influenciado
pelo grande diretor hollywoodiano Elia Kazan, mestre da criação das personagens esféricas, trabalha
com personagens complexas, cuja existência profunda é muito acentuada, como são as de “Cabo
do medo” (1991), com Robert de Niro.

Figura 12 – “Cabo do Medo”

Filme “Cabo do medo” de Martin Scorsese (1991) Fonte: <http://nerdnation.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cabo.jpg:

O fundamental, no entanto, é que, pelo menos num primeiro momento, o roteirista domine essas
duas formas de construção de personagens, mas que vá aos poucos se definindo por uma delas, de
preferência por aquela que melhor se enquadre com seu temperamento ou com o estilo que deseja
adotar para si e o gênero com que escolher trabalhar em seus roteiros e argumentos.

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Exercício 1

Vamos agora à primeira prática de exercícios para seu desenvolvimento como roteirista.

a) Assista a um filme de Alfred Hitchcock – por exemplo, “Um corpo que cai”, de 1958, e
depois ao filme “Brancaleone nas Cruzadas”, de 1970 – e veja que tipo de personagens
é utilizado em cada um. Examine atentamente as personagens principais de cada um
deles. Veja em qual filme elas são planas, em qual são esféricas e por quê. Enumere suas
características físicas e psicológicas. Observe seus figurinos e diálogos e a maneira como
os atores se adéquam a suas personagens.
b) Escolha uma personagem de cada filme assistido e tente fazer sua descrição física e
psicológica. Imagine ainda, se você fosse o diretor desses filmes e eles fossem realizados
no Brasil. Quais atores você escolheria?
c) Faça uma pequena narrativa com uma personagem plana. Depois desenvolva essa
narrativa com a mesma personagem, mas agora sendo esférica. Descreva como
seriam essas personagens que você desenvolveu. Não se esqueça de colocar tanto as
características físicas como as psicológicas de cada uma delas.
d) Refaça esses exercícios com outras personagens, com quantos filmes quiser e quantas
vezes for necessário para que possa compreender completamente de que forma
funcionam as personagens no cinema.

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4. O PROTAGONISTA E SEUS ARQUÉTIPOS
Como já sabemos, escrever roteiros é uma função que se depura pela prática. Já sabemos
também que a criação das personagens e suas funções dramáticas é um dos aspectos mais
importantes da criação de roteiros. Portanto, vamos aprender como realizá-la.

O escritor Christopher Vogler, autor do livro “A jornada do escritor” (2006), lançou em sua obra
algumas considerações sobre o tema que podem ajudar. Como não existe fórmula fixa para processos
de criação, nem todas as suas ideias sobre a construção de um roteiro podem interessar. Devemos
ler seu livro ou qualquer outra obra que fale de criação de roteiro com senso crítico, aproveitando
o que serve e descartando o que não se aplica a nossa produção.

Vogler não tem a fórmula mágica da criação, no entanto, a abordagem que faz sobre a questão
dos arquétipos e das jornadas em etapas de um protagonista é muito interessante. Como podem
realmente ser úteis, vamos a ela para as próximas fases de criação desta oficina. Mas, antes, vamos
compreender o que são arquétipos.

Figura 13 – O roteiro de cinema

Fonte: <http://images.huffingtonpost.com/2014-08-20-clareza-thumb.png>.

O termo arquétipo é utilizado na filosofia desde a Antiguidade. Para Platão, por exemplo,
significava que o modelo de todas as coisas existentes já está no mundo das ideias. Portanto, os
arquétipos são de propriedade coletiva e pairam no ar, podendo ser captados por qualquer um. Mas
essa concepção não foi usada só pelos platônicos: no cristianismo, por exemplo, foi retomado por
Santo Agostinho, que considerava arquetipal tudo o que vinha da mente de Deus. Trata-se, portanto,
de tudo o que faz parte da criação e que o homem pode vir a conhecer em qualquer parte do mundo.

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SAIBA MAIS

“Christopher Vogler é um roteirista de Hollywood. É famoso por ter escrito o “memorando The writer’s
journey: mythic structure for writers” (“A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica para Roteiristas”), como
um guia interno para os roteiristas dos estúdios Walt Disney.

[...]

Vogler trabalhou para os estúdios Disney, Fox 2000 Pictures, e para a Warner Bros., sempre nos
departamentos de desenvolvimento de ideias. Também já foi professor da Escola de Cinema e
Televisão da Universidade do Sul da Califórnia, na Divisão de Animação e Artes Digitais, bem como na
extensão da UCLA. Atualmente, Vogler é presidente da empresa Storytech.”

Fonte: CHRISTOPHER Vogler. Wikipedia, 28 mar. 2013. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/


Christopher_Vogler>. Acesso em: 25 abr. 2017.

Mas a forma como vamos utilizar a concepção de arquétipos nos roteiros vem do psicanalista
Carl Jung. Para ele, arquétipos são a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se
moldar. Isto é, são as estruturas matrizes de qualquer ser humano que, sendo inatas, servem de
modelo para a expressão e o desenvolvimento da psique. Arquétipos são as imagens sedimentadas
profundamente no que o psicanalista chamou de “inconsciente coletivo”. Portanto, são imagens
arcaicas que existem na mente da humanidade desde sempre. Por isso, são universais, como os
sonhos ou mesmo algumas imagens primordiais: uma mesma experiência humana que se repetiu
por muitos anos e foi se tornando conhecida de todos os povos em gerações contínuas. Podem ser,
por exemplo, os símbolos, visto que são instintivamente compreensíveis por toda a humanidade.

Para Jung, os arquétipos constituem uma unidade que, ao mesmo tempo em que não pode ser
esvaziada, modifica-se de cultura para cultura ou de uma época para outra, sem no entanto deixar
de ser arquétipo. Temos, segundo ele, os arquétipos da morte, do herói, do si mesmo, da grande
mãe e do espírito ou velho sábio; outros conhecidos e recorrentes, para o psicanalista, são a anima,
a persona, a sombra etc.

Diz ainda Jung que, se todos os arquétipos são sistemas dinâmicos autônomos, alguns deles
evoluíram tão profundamente que se encontram separados da personalidade. Encontram-se nas
fantasias do ser humano e aparecem por meio de imagens simbólicas que se repetem em qualquer
época ou lugar do mundo - mesmo quando não se sabe de que forma chegaram até lá. E não se
explicam nem por transmissão de gerações, nem como resultado de imigrações e mistura dos povos.

Para o psicanalista, os arquétipos estão tão profundamente ligados à psique que podem se
expressar justamente pela narrativa oral, especialmente os ligados a mitos, ou até mesmo pelos

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contos de fadas. O cinema, que em larga medida recuperou a narrativa oral, também vai trabalhar
com arquétipos.

Para compreendermos melhor a questão dos arquétipos no cinema, vamos adotar a visão dos
intelectuais Joseph Campbell e Christopher Vogler, que adotaram a definição junguiana, chamando
a atenção para o fato de os arquétipos surgirem numa narrativa independentemente de seu caráter
ser fantasioso ou não. Para Campbell (1995), os arquétipos fazem parte de todo ser humano como
órgãos de um corpo, fenômenos biológicos.

Figura 14 – Arquétipos na publicidade

Fonte: <http://publicinove.com.br/wp-content/uploads/2015/06/lemas-dos-arquetipos.jpg>.

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SAIBA MAIS

“O conceito de arquétipos, do jeito que conhecemos hoje, surgiu em 1919 com o suíço Carl Gustav
Jung, discípulo de Freud.

[...]

Até mesmo quando consumimos produtos e serviços, somos influenciados pelos arquétipos. Uma
cerveja, por exemplo, além de ‘matar a sede’, também pode satisfazer a necessidade de pertencer a
um grupo, já que, para muitas das pessoas, o simples fato de sair para beber cerveja significa estar
com os amigos, familiares ou colegas de trabalho. Portanto, nesse caso, a marca de cerveja que
souber usar o arquétipo certo, vai conseguir transmitir essa mensagem muito melhor.”

Veja a matéria completa clicando aqui.

Fonte: CALMON, Pedro. O que é arquétipo? O arquétipo, 28 set. 2011. Disponível em: <https://oarquetipo.
wordpress.com/o-arquetipo>. Acesso em: 25 abr. 2017.

Vogler (2006), por sua vez, influenciado pela obra de Vladimir Propp, estudioso das narrativas
a partir das funções desempenhadas pelas personagens, acredita que os arquétipos possam ser
tomados como máscaras das quais estas dispõem, utilizando-as temporariamente conforme a
necessidade do andamento do enredo.

O autor sugere que, em se tratando dos protagonistas, devemos considerá-los como facetas da
personalidade do herói, com possibilidades (boas ou más) em relação a este, o que nos faz entendê-
lo como personificação das diversas qualidades humanas. Vogler (2006) vê o protagonista como
um herói ou anti-herói que deve seguir uma longa jornada feita por etapas até o fim.

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5. UMA IDEIA NA CABEÇA E UMA PERSONAGEM NAS MÃOS
É bem verdade que toda história pode começar a ser imaginada a partir de uma situação ou de
uma imagem, mas vamos tentar aqui começá-la pela construção de seu protagonista. Primeiro,
vamos idealizar quem será esse protagonista. Para isso, eu lanço algumas questões. Começaríamos
a construção de uma personagem principal por sua personalidade ou por suas características
físicas? É possível separar uma coisa da outra? Podemos ter um protagonista conquistador, do
tipo convencido e senhor de si, sendo baixinho, barrigudo e careca? Não? Mas e se ele fosse cheio
de charme, bastante culto? E ainda se quiséssemos um protagonista fora dos padrões de beleza
adotados pela estética ocidental? É possível separar a razão da emoção?

Só por essas questões, vocês podem perceber que existem infinitas possibilidades de criação
de uma personagem. Portanto, vai depender exclusivamente do roteirista e de sua capacidade
criativa o quanto será desenvolvido e de que forma entrará em cena. Podemos usar para isso uma
lista com algumas dessas características básicas. São elas:

• Parcimonioso – pródigo
• Sujo – imaculado
• Gentil – violento
• Inteligente – estúpido
• Alegre – lânguido
• Gracioso – apático
• Delicado – bruto
• Valente – covarde
• Claro – confuso
• Obstinado – dócil
• Generoso – avaro
• Fanfarrão – humilde
• Gregário – solitário
• Justo – injusto
• Moral – imoral
• Otimista – pessimista
• Crédulo – incrédulo
• Tranquilo – nervoso
• Saudável – doente
• Sensível – insensível

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• Ingênuo – malicioso
• Arrogante – cortês
• Cruel – benevolente
• Extravagante – comedido
• Indeciso – impulsivo
• Simples – complexo
• Vulgar – nobre
• Pretensioso – modesto
• Lúcido – alienado
Figura 15 – Muitas são as personalidades humanas
• Natural – afetado
• Misterioso – evidente
• Torpe – hábil
• Impetuoso – sereno
• Astuto – franco
• Egoísta – altruísta
• Histérico – plácido
• Leal – desleal
• Galante – rude
• Loquaz – taciturno
• Ativo – preguiçoso Fonte: shutterstock.com/Nuttapong

São tantas as características encontradas na personalidade humana que fica difícil enumerar.
Pensemos em algumas:

Sofrido, temível, amado, puro, sagaz, inteligente, modesto, raro, cordial, eficiente, puro, sagaz,
criterioso, equilibrado, rude, virtuoso, mesquinho, corajoso, vil, incapaz, trabalhador, irrecuperável,
velho, altivo, popular, eloquente, mascarado, gordo, hilário, impopular, preguiçoso, romântico,
malévolo, infantil, sinistro, inocente, ridículo, atrasado, deleitável, hostil, incrível, maravilhoso,
abominável, ressentido, tarado, amargurado, egocêntrico, capaz, mordaz, palerma, ingênuo,
poderoso, volúvel, indecente, atarantado, perseguido, paranoico, recorrente, malcriado, biltre,
birrento, fugitivo, sonhador, sorridente, covarde, minucioso, atento, clandestino, maricas, oportunista,
gentil, obscuro, falacioso, mártir, cultíssimo, sábio, masoquista, agitador, atrapalhado, mirabolante,
bonito, feio, simpático, irresistível, pesado, arrogante, demagogo, áspero, viril, prolixo, afável,
trepidante, rechonchudo, mavioso, bronco, esfomeado, espantado, bruto, palavroso, impoluto,
magnânimo, incerto, inseguro, bondoso, pegajoso, impotente, confidente, peludo, besta, gago,

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acintoso, errado, marginal, insinuante, melífluo, solerte, hipocondríaco, malandro, mole, correto,
lépido, acanalhado, pérfido, contundente, santinho, soturno, impecável, misericordioso, voluptuoso,
machão, hospitaleiro, cafajeste, imprestável, amoroso, beijoqueiro, surdo, valente, faquir, pirata,
desmiolado, presente, bigodudo, feroz, cruel, expulso, mau, doente, ferido, idiota, moralista, alienado,
gasto, racista, amordaçado, medonho, colaborador, insensato, vulgar, ciumento, idoso, fingido,
idealista, falso, aldeão, lavrador, pobre-diabo, enjoado, bajulador, voraz, alarmista, incompreendido,
vítima, contente, adulador, coitadinho, farto, progressista, civilizatório, emperrado, acuado, farto,
programado, imbecil, acomodado, prejudicado etc.

Vejam quantas opções de caráter as personagens podem ter, principalmente se pensarmos que
uma delas pode ter mais de uma característica, além de poder se deixar influenciar e virar outro ser
até o final do filme, mudar seu modo de vida e personalidade no transcorrer da história.

Essa dinâmica da diversidade leva à ideia de conflito e faz observar que as personalidades
mais interessantes são as mais complexas, já que o conflito num roteiro surge muitas vezes em
função das características das personagens ou, pelo menos, elas devem ter características que as
encaixem tanto na história quanto propriamente nos conflitos.

FIGURA 16 - Câmera, ação!

Fonte: shutterstock.com/fabiodevilla

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Vamos imaginar algumas outras personagens importantes, além do protagonista, que participarão
do enredo. Todos deverão ter algumas dessas características latentes ou suas variantes. O que o
determinará será a história desenvolvida.

Exercício 2

Escolha cinco características, dentro do leque de possibilidades psicológicas dadas, e descreva,


a partir delas, como seria o tipo físico de cada uma. Depois de criar essas personagens, tente fazê-
las pertencer ao seu argumento. Pense em como ficariam e descreva-as.

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6. PERSONAGEM, IMAGEM E FUNÇÃO DRAMÁTICA
É bem verdade que, quando tratamos de cinema, a primeira coisa que nos vem à mente são as
imagens, afinal, cinema é movimento imagético. Sempre houve um conceito por detrás de cada
imagem de um filme, nem sempre determinando uma dualidade, no entanto, no mínimo, acrescentando
um recheio indissolúvel à forma.

No filme “Um corpo que cai” de Hitchcock, por exemplo, não interessam os motivos, mas o
fato de a personagem principal carregar consigo uma terrível carga dramática, que é o conceito
de morte. O filme é um drama. Mas vale perguntar: o que seria da personagem se fosse comédia?
como ficaria esse aspecto do protagonista? A resposta será que, mesmo assim, a personagem
carregaria consigo o conceito de paródia da morte.

Vemos com isso que o gênero não modifica a qualidade principal das personagens – apenas dá
nova forma como elas serão desenvolvidas. Portanto, não dá para pensar em imagem desvinculada
de conceito, do mesmo modo que, ao imaginarmos uma personagem, não importa por onde vamos
começar, se pela parte física ou pela personalidade, o que vale é o conjunto da obra. Afinal, o que
teremos é a unicidade, mesmo porque é comum dizer, como forma de definição geral, que determinada
pessoa nos deixou uma boa “imagem” ou fez uma boa “figura”, que são na verdade terminologias
que sintetizam a complexidade que compõe a personalidade por meio da imagem.

Isso também ocorre com a personagem, então, em seu processo de criação, pode acontecer
que você primeiramente a enxergue. Portanto, imagine-a em toda a sua imagem, dando-lhe uma
aparência antes até de pensá-la em conceito, mesmo que depois a produção vá optar por um ator
que nada tenha a ver com o que você visualizou. Isso não importa, porque o momento de criação
é seu, exclusivo.

Devo acrescentar, no entanto, que estamos tão acostumados a conceitos que o mais normal
em uma criação é que apareçam ao roteirista primeiro as características intrínsecas e funcionais
da personagem mesmo antes de se enxergá-la.

Como exemplo, imagine que você tivesse que compor uma personagem irmã da Gabriela do
livro “Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado. Como faria? Quais seriam as suas características
físicas e psicológicas? Ela seria semelhante à irmã, um belo tipo moreno, faceiro e sensual? Ou seria
o oposto de Gabriela, isto é, uma mulher baixinha, sem graça, de voz esganiçada e profundamente
invejosa da beleza da irmã, que de fato ela não tem? Veja por aí quantas possibilidades de criação

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existem. Como são muitas, provavelmente você iria pensar de que forma essa moça entra na história
e só então teria condições de imaginar seu tipo físico e psicológico.

A irmã de Gabriela, se a tivesse, poderia ser alta, baixa, bonita, com óculos, maquiada, morena,
branquela (por algum motivo) ou mesmo um tipo intelectual que de pequena foi para a cidade grande
estudar com parentes abonados e se tornou um ser absolutamente diferente da cabocla simples e
sensual que se manteve na cidade pequena e provinciana de Ilhéus do início do século XX.

Pode ser também que, no processo de criação, a irmã de Gabriela venha quase pronta, necessitando
apenas de uma lapidação que será feita no desenrolar da história, de seus fatos e ações. É aí que
entra a fundamentação da personagem, o que ela é na sua história. Você teria que saber, para criá-
la, qual a sua função dramática.

Figura 17 – “Gabriela, cravo e Canela”, o filme (1983)

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?curid=4014631>.

A definição da função dramática de sua personagem pode parecer, à primeira vista, uma coisa
superficial, desnecessária e até mesmo arbitrária. De certa forma é, se formos encarar sob o ponto
de vista da escrita direta. O problema é que, ao desenvolvermos o roteiro, como nele se insere a
proposta de contar uma história, teremos alguns elementos que exercerão uma função dramática.
Lembre-se de que toda trama conta uma história, visto serem todas as coisas do universo que
contemplamos na narrativa presas ao tempo e ao espaço que desenvolvemos. Dessa forma, todas
as ações que ocorrem nela desenrolam-se nessas dimensões.

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Mesmo num filme avant-garde em que temos uma linha amarela que traça sua trajetória
sobre uma tela negra ao som de Debussy, ainda assim essa linha tem a história de seu trajeto. A
pergunta que fazemos durante a projeção é: que caminhos ela traçará? É claro que nem todas as
personagens se prendem a padrões preestabelecidos, mas de qualquer forma encontraremos nelas
determinadas características dessa ou daquela função. No caso de nossa linha, se é ela que se
movimenta, se nos leva em sua trajetória, não será difícil entendê-la como a protagonista, sendo
a música e a tela negra os panos de fundo da narrativa. Se por acaso a tela começar a vibrar em
diferentes tonalidades, isso pode induzir a sensação de que a linha atravessa uma área de conflito.
O mesmo se daria com a variação rítmica e melódica da música.

Temos que aceitar também o fato de que, desde as narrativas em volta do fogo da Pré-História
até nossos dias, pouco mudou sobre a forma de contar uma história. Quando eram narrados os
atos de heroísmo de cada clã ou tribo, estava-se criando uma maneira de contar histórias que
atravessaria o tempo e permaneceria semelhante ao que se faz até hoje.

Vejam que estamos tratando aqui dos conteúdos, e não das formas, pois estas variaram por
conta da estética e das diferentes linguagens empregadas. Grosso modo, as narrativas orais ou
escritas não são as mesmas do cinema, muito embora a imagem e o movimento possam impregnar
as primeiras pela força da imaginação.

Há também que se considerar que os padrões socioeconômicos e culturais que definem as


condições de herói e de inimigo de uma determinada sociedade tendem a variar bastante. Em alguns
casos, pode ocorrer até uma inversão, sendo o herói de alguns o vilão de outros, no entanto, isso é
pela sua ética, jamais por sua maneira de agir. Ou seja, o que define o herói não são seus motivos,
mas sim o seu modo de atuar. Mesmo que ele permaneça durante toda a narrativa sentado numa
poltrona, seus pensamentos poderão levá-lo a um conflito interno a ser vivenciado e solucionado.

Nesse sentido, temos que aceitar o fato de que a personagem protagonista será sempre o herói
do filme. Isso leva a uma conclusão que fortalece a noção de que o conceito de herói pode variar
bastante. Então, como defini-lo de forma conclusiva?

Podemos dizer que o herói será aquele que nos conduzirá, por intermédio de suas ações, pela
história narrada. Será a personagem do protagonista, e todas as outras poderão, por esse balizamento,
ser definidas como aliadas ou inimigas na trajetória a ser seguida por ele. E a imparcialidade? Ela
estará a cargo do observador imparcial, uma personagem que estaria inserida na personalidade
do autor, que frequentemente se faz representar pela câmera – não que isso signifique que não

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possa existir uma personagem que circula por determinados planos apenas como mero observador
curioso. Tirando isso, todas as outras estarão auxiliando na narrativa para que se conte a história,
algumas ao lado do herói e outras contra ele. Terão, portanto, todas elas uma função dramática.

Porém, além das personagens, existem outras funções dramáticas que servem de pano de
fundo de sua história e que estão diretamente ligadas à trajetória do protagonista. São etapas
pelas quais ele terá que passar até atingir seu objetivo. Do mesmo modo que não podemos ser
cartesianos com relação à criação de suas personagens e funções, não deveremos sê-lo com
relação às etapas. Veremos mais adiante que existe um mapeamento destas, mas isso varia muito
de acordo com o contexto.

É consenso que, em toda narrativa, o protagonista é aquele que, ao viver seu cotidiano, é levado
à ação pelo surgimento de algum conflito. Também é verdade que ir muito além desse conceito é
abrir portas para o erro. De modo algum é certo que o herói tenha que cumprir determinadas etapas,
excetuando-se a primeira, para atingir seu status dentro de uma história, menos ainda que essas
etapas tenham que estar todas inseridas dentro da narrativa. Lembre-se de que todo filme é um
recorte da realidade e cabe nele exatamente o que o escritor estipular.

É simples assim: o roteirista deve buscar o recorte de sua história, assumi-lo totalmente desde
o argumento e não perder esse foco até o final. Se vamos contar, por exemplo, a história imaginária
de uma possível irmã de Gabriela que esta nunca conheceu e que foi separada dela quando ainda
eram bebês numa espécie de brincadeira imperfeita de “Os irmãos corsos”, obrigatoriamente teremos
que manter a espinha dorsal desta narrativa do começo ao fim.

Para nos ajudar a compreender melhor de que forma se dá a criação da narrativa a partir das
personagens, vamos analisar algumas colocações sobre isso no livro “A jornada do escritor”, de
Christopher Vogler (2006), uma obra bastante interessante ao se tratar dessa construção. No entanto,
devemos estar sempre atentos com relação aos exageros e fechamentos em torno de uma ideia.

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Figura 18 – Não perder o foco até o final do roteiro

Fonte: shutterstock.com /Tenkorys/ID 384197152

Minha abordagem aqui se dará mais pelo caráter ilustrativo do que propriamente pela receita.
Não é de maneira alguma certo que tudo que se lê na obra de Vogler deva ser seguido ao pé da
letra. Existem inúmeros filmes que jamais cumpriram esses parâmetros ou, pelo menos, não em
sua integralidade. O estudo de “A jornada do escritor” é interessante pela pertinência de algumas
abordagens, principalmente pela análise lúcida de cada tópico, sem que isso represente o único
caminho. No entanto, é fato que existem os arquétipos e as etapas apontadas pelo autor. É também
verdadeiro que podemos encontrá-los num grande número de filmes – acredito que, na maioria
deles, sem a consciência do roteirista e do diretor.

O que Vogler fez foi analisar, em seu estudo, o que já estava impresso na tela ou nas páginas
de roteiros. Partiu dos estudos de Joseph Campbell sobre o mito e chegou a algumas conclusões
que são verdadeiramente úteis a qualquer um que queira escrever histórias. É bem claro que, de
fato, podemos encontrar um determinado padrão narrativo desde as primeiras histórias contadas.
Há os que acreditam que foi criado um número extremamente pequeno de narrativas, as quais

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foram desdobradas em todas as outras que nos chegam. Não podemos comprovar tal afirmação,
mas podemos dizer que a grande maioria segue, mesmo que por instinto, um determinado padrão.

Todos que lidam com a criação estão cansados de saber que, se você não põe em prática ideias
que pensou, em breve estará se deparando com elas na obra de outro autor e, aí, será muito tarde e
só restará o arrependimento. Digo isso não apenas como um alerta, mas também para afirmar que
a atmosfera e as condições que lhe permitiram “enxergar” alguma coisa não estão somente à sua
disposição, mas, ao contrário, estão no ar para todos. Talvez daí advenha o fato de que a maioria
das histórias é contada seguindo um padrão.

Seguiremos com as conclusões de Vogler (2006), pois suas reflexões irão ajudar no processo
de criação de um roteiro.

CURIOSIDADE

O americano Robert McKee é conhecido como o mais importante consultor de roteiros da indústria do
cinema. Em visita ao Brasil, ele deu dicas para o cinema brasileiro. Entre essas dicas, sugeriu: “Vocês
têm de parar de canibalizar romances e criar histórias para fortalecer a indústria”. Veja a matéria
completa clicando aqui no site

Fonte: FRAGA, Plínio. Para Robert McKee, importante consultor de roteiros, cinema brasileiro
canibaliza romances. O Globo, 28 jan. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/para-robert-
mckee-importante-consultor-de-roteiros-cinema-brasileiro-canibaliza-romances-7411158>. Acesso em: 26 abr.
2017.

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7. O HERÓI DO CINEMA E SUA JORNADA
Vamos analisar o que Vogler (2006) chamou de “mundo Figura 19 – O herói do cinema
comum”, que vem a ser o cotidiano do qual o protagonista
é retirado para ser lançado em sua “aventura”, sendo este
conceito, no nosso caso, entendido como qualquer história
que possa ser criada. De qualquer forma, é a ideia de que
o herói será lançado, pelo surgimento de um conflito, num
mundo no qual ele não vive cotidianamente.

No entanto, devemos considerar que, por essa definição,


aqueles protagonistas que estão sempre enfrentando perigos
e desafios em sua vida comum não estariam sujeitos a
vivenciar essa etapa que os joga numa situação especial. Isso Fonte: shutterstock.com /gn8

ocorre principalmente nas séries, nas quais as personagens


principais estão sempre enfrentando desafios. Podemos até dizer que o desafio a enfrentar, nesse
caso, seria que ele voltasse a uma vida normal, ao mundo comum, à maioria dos mortais.

É inegável que, nesses casos, os roteiristas têm que encontrar um caminho. O que eles fazem é
transferir a quebra da vida cotidiana para a personagem, que deverá ser socorrida pelo protagonista.

Vamos imaginar que o herói está com a sua vida atribulada por vários casos até surgir uma
ocorrência que atingiu determinada pessoa ou pessoas em sua vida comum. Acontece que esse
artifício é camuflado para pegar sempre o protagonista cumprindo suas tarefas diárias, mesmo
que essas, em si, já sejam um desafio, para dar a impressão de que algo realmente novo surgiu na
vida do herói, o chamado para algo até então nunca vencido.

Esse, na verdade, é um grande desafio para os roteiristas da série, maior ainda do que para
os heróis: estar sempre criando novas situações que possam jogar seu protagonista numa nova
aventura. Saindo do caso específico das séries, não é muito difícil imaginar alguém sendo atingido
em sua vidinha normal por algo que lhe desafie.

Todo ser vivo sobre a Terra, e talvez no Universo, é constantemente desafiado. O que ocorre
é que, na maioria das vezes, esses desafios não são aceitos. Ou, ainda, são corriqueiros, comuns
à sobrevivência, como a luta de uma planta para atingir a luz do sol ou de um cervo para escapar

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das garras de um lobo. Essa luta cotidiana não se configura no que poderíamos considerar um
chamado, mas está em todos nós.

Pode ser, por outro lado, que o seu roteiro consista exatamente em trabalhar sobre esse aspecto
da luta de um homem em seu dia a dia enfrentando como qualquer um a luta pela sobrevivência.
Acontece que, ao inseri-lo em sua narrativa, você já estará emprestando a essa personagem um
caráter exclusivo, por mais que se tente dissimulá-lo. A personagem em foco estará carregando a
narrativa do roteirista, e não há como escapar disso.

É possível, no entanto, que as pessoas digam que seu filme é chato e que não apresenta coisa
alguma de extraordinário. Afinal, onde está o desafio, o conflito, o chamado? Elas farão essa pergunta
em seu íntimo, sem que necessariamente o façam por conhecimento técnico, mas sim pelo simples
fato de que aquela personagem não está fazendo algo diferente do que ela faria, portanto, essa
seria uma história comum.

Daí a importância de jogar o protagonista numa jornada que o coloque no hall das pessoas
especiais, aquelas que, em determinado momento de suas vidas, são atingidas por algo que as
jogue numa “aventura”, seja ela de caráter externo ou interno.

Como já disse, vários de nós de vez em quando se deparam com alguns chamados que estão
além da rotina. A questão é se você se lançará no rio para salvar alguém que pede socorro ou se
ficará na margem olhando. No segundo caso, ainda assim, você poderá ser o protagonista que se
deparará com a dúvida sobre as implicações de sua imobilidade diante dos apelos de uma criança,
o sentimento de culpa e a questão sobre a coragem. O que queremos dizer é que, ocorrido o fato,
o conflito, a pessoa – a personagem que está sendo criada – que o vivencia estará inserida na
jornada, não importando o rumo que se dará à história.

Uma vez ocorrido o conflito, o chamado faz-se presente, e haverá quebra do cotidiano. Cabe ao
autor criar conflitos e chamados que sejam interessantes e que, na medida do possível, tragam algo
de novo. Também é importante ter em mente que eles devem seguir a noção de verossimilhança.
Não quero dizer com isso que seu herói não possa enfrentar a Hidra de Lerna – animal que jamais
existiu –, mas que você possa convencer as pessoas de que ela poderia de fato estar ali como um
desafio real. Para tanto, é preciso criar em sua narrativa elementos que possam corroborar o fato
narrado, não importando o quão fantasioso ele seja: a hidra existe por causa disto, disto e disto. Dê
verossimilhança a suas personagens. É bem natural que Hércules enfrente o animal mitológico. Já

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se fosse Pedro saindo de seu trabalho no centro da cidade, o roteirista teria que explicar o porquê
de a hidra estar ali.

Como estabelecer o conflito e gerar um chamado é a parte inicial de sua história. Dedique-se
a ela com cuidado e pense bem em que tipo de aventura estará jogando seu protagonista. Vogler
(2006) fala dos arquétipos e sua presença em toda história. Ele faz uma analogia com o que é
apresentado nas teorias da psique. Assim, compara o arquétipo do herói ao ego na visão freudiana,
que o apresenta como a figura que se separa da mãe e transcende os limites da ilusão.

Por um lado, podemos argumentar que o protagonista, na figura do herói, também cria para si
um estado ilusório que o leva a acreditar estar imbuído de uma missão e, dessa maneira, amplia
seu ego. Por outro lado, também podemos afirmar que nem todo protagonista tem vocação para ser
herói. De qualquer forma, ele se destaca dos demais em suas ações e tem que aceitar o chamado e
o enfrentamento do conflito, vivenciando uma ruptura com seu cotidiano, daí a ideia da separação
do materno.

Aquiles escolhe partir para Troia apesar dos avisos e apelos de sua mãe, a deusa Tétis. Ela lhe
diz que a guerra o transformaria num herói, mas que o mataria, e ele jamais voltaria a vê-la. Apesar
disso, o semideus parte para cumprir seu destino, apesar de ter a chance de ficar e morrer velho:
poderia apenas cuidar de seus netos, mas ser esquecido com o passar do tempo. Nada o move
além do orgulho.

Figura 20 – Guerra de Troia

Fonte: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:J_G_Trautmann_Das_brennende_Troja.jpg>.

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Nem todo herói é movido pela ambição: muitos lutam apenas para sobreviver. Outros, apenas
por se sentirem obrigados por sua própria consciência, e há ainda aqueles que o fazem em auxílio
às pessoas amadas ou a causas com as quais se identificam.

SAIBA MAIS

A jornada do herói embasa uma variedade de temas roteirizados para telona. A jornada do herói é um
arquétipo narrativo comum, ou modelo de história, que envolve um herói que parte em uma aventura,
aprende uma lição, alcança uma vitória com esse novo conhecimento e então retorna para casa
transformado em um grande herói. Saiba mais sobre esse paradigma em: https://rockcontent.com/br/
talent-blog/jornada-do-heroi/ > Acesso: 28nov. 2021.

De qualquer forma, quando pensamos em nossas personagens e as entendemos na perspectiva


do herói, temos que ter cuidado, porque a ideia de uma personagem com essas características
nos dias de hoje – quando impera o individualismo consumista – é um tema um tanto anacrônico,
daí o grande número de anti-heróis e de heróis com personalidades cada vez mais complexas
e humanizadas.

Prefiro então pensar a personagem principal sob a perspectiva do protagonista. Parece-me mais
plausível que se possa dar a ela algumas características heróicas, mas impregná-la de humanidade,
com todas as suas limitações e defeitos.

Vogler (2006) também humaniza os heróis a tal ponto que talvez fosse mais simples chamá-los
de outra coisa. Um herói não é um super-herói, então pode ser que seu protagonista seja apenas
uma pessoa comum. Mas por que chamá-lo assim?

Antes de tudo, ele é o protagonista, mas este pode ser o vilão. E, se o vilão é o protagonista,
qual o status do inimigo do protagonista? Seria o herói? Claro que não: se o vilão é quem conduz
a história, quem o combate é simplesmente o antagonista. Então, nesse caso, o vilão é o herói, o
que vem contra a ideia que se tem, pois, em sua jornada, deve seguir as etapas que o herói cumpre.

Temos a figura do anti-herói, mas não é disso que estamos falando. Este surge como aquele
esquisitão, preguiçoso, trapaceiro, volúvel e, por vezes, até mesmo medroso. Essa personagem faz
de tudo para negar seu destino, mas no final acaba como um herói. Já o protagonista vilão é mau,
perverso, cruel, covarde etc. Hannibal Lecter, do filme “O silêncio dos inocentes” de Jonathan Demme,
baseado no livro de Thomas Harris e com roteiro de Ted Tally, é um vilão terrível, mas no final ajuda
a detetive a vencer um serial killer, o que lhe empresta algo de herói. Mas aí vem a complicação:
seguimos toda a história sob a perspectiva de Clarice Starling, a detetive, então, quem nos conduz

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é ela. A pergunta que se lança, no entanto, é se, sendo assim, ela é a heroína ou a protagonista. É
certo que protagoniza, mas então o que seria Hannibal? Pela visão defendida por Vogler (2006),
este seria o mentor.

Na verdade, transfere-se o arquétipo de vilão para Buffalo Bill Gumb, que é o assassino à solta.
Podemos, no entanto, perceber a sutileza na divisão das funções dramáticas em determinados
filmes. Por isso, repetindo, prefiro chamar meus possíveis heróis de protagonistas, simplesmente.

Dessa forma complexa, podemos perceber que criar uma história tem tantas variantes que
fazer algo realmente profundo exige muita coerência e compreensão do que são as personagens
da trama a ser desenvolvida.

Em “A jornada do escritor”, o que Vogler (2006) quer dizer é que todo protagonista segue certas
características arquetipais, quer seja de herói ou de vilão, e que elas serão criadas a partir de
etapas/jornadas dentro da longa caminhada que toda personagem principal deve seguir, se assim
a história desenvolvida exigir.

CURIOSIDADES

O diretor de um filme é crucial. No entanto, é o roteirista que estabelece os temas, estrutura,


personagens, diálogo e ação (o que é visto e ouvido na tela) fundamentais para o filme. O roteiro é o
aspecto mais significativo de todo o meio cinematográfico e, curiosamente, frequentemente o menos
apreciado. Mas é o estilo de cada roteirista que define a qualidade de um filme. Conheça algumas
curiosidades sobre isso, acessando: https://www.youtube.com/watch?v=NwQGv-0cZSM

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8. ROTEIROS COM EXERCÍCIOS
A partir de agora, você lerá trechos de roteiros escritos pelo professor Luís Moreira Filho e, a
partir deles, terá uma série de exercícios que, ao ser resolvidos, podem ajudá-lo na criação. Quando
houver dúvidas, pode fazer seus questionamentos nos chats da disciplina. Esses exercícios não
são para nota nem para ser entregues, mas servirão para a preparação dos exercícios pedidos na
avaliação final da disciplina.

FIGURA 21 – Roteiros

Fonte: shutterstock.com/ Mark Poprocki

Roteiro: Assunto encerrado (Luiz Moreira Filho)

SEQ. 1 - Ext. – Noite – Mata fechada

Ouve-se um trator e vemos a luz de seus faróis através de árvores


imensas. Claustrofobia, tudo incomoda, som e luzes são angustiantes.
A máquina nunca é vista, podemos apenas percebê-la. Surge o rosto
desesperado de Miguel, parado, procurando uma saída desse inferno. Ele
entra mata adentro fugindo. Tem um facão em suas mãos, que ele usa

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abrindo caminho entre a densa vegetação. De repente o vazio, o abismo, a
perda do equilíbrio e o pavor em seus olhos.

SEQ. 2 - Ext. – Fim de tarde – Poesia de Rio

Miguel acorda de seu pesadelo. Deitada com a cabeça em seu ombro, está
Xana. Ambos são iluminados por uma fogueira.

Xana

- Miguel!

Miguel

- Sonho ruim, morena.

Xana

- Outra vez?

Miguel

- …Vontade de voltar logo pro Rio, ver o Fabinho... É meu único filho,
Xana, único. Fiquei longe tempo demais. Tenho medo de ter perdido ele... A
Marta tá cada vez mais fria... Quando telefono, é só assunto de dinheiro,
a educação do garoto...

Xana aconchega-se mais ainda nos braços de Miguel, faz cafuné. O olhar
perdido nas estrelas.

Miguel

- Amanhã de manhã estou com eles... Já deveria ter pego este avião há
tempos... Mas fui ficando.

Xana olha pra Miguel e sorri.

Miguel

- Vou me embora desta Amazônia. Já fiz um bom pé-de-meia. Abri tanta


estrada que dava para chegar na Lua… É... Mas quase vendi minha alma.
Tive que expulsar índio, tomar terra... Tô cansado disso tudo, tenho mais
nada para fazer aqui. Agora é tentar rever minha família.

Xana

- Vai deixar saudade... Meu dengo... Meu boto.

Miguel

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- Você é da vida, morena, vai ficar bem. O que te deixei vai dar pra
você se arranjar por um bom tempo. Depois aparece outro... Com sorte até
se casa. É tão bonita, tão novinha... Fica comigo a lembrança de teus
carinhos e a saudade.

Xana continua sorrindo, os olhos ainda perdidos nas estrelas.

SEQ. 3 - Int. – Noite – Apartamento de Denise

Uma luz fraca e intermitente sai de uma porta entreaberta, ouve-se


uma respiração ofegante. A porta é aberta por completo, a luz é acesa. No
banheiro, vemos uma mulher sentada no bidê preparando um shot de cocaína.
Usa uma colher e um isqueiro. A luz fria deixa seu rosto cadavérico.

Denise

- Porra, Carlos, Merda! Parece um fantasma andando pela casa.

Carlos sai do banheiro batendo a porta. Ele respira fundo, entra


novamente, indo até o espelho, e começa a dar um nó em sua gravata-
borboleta.

Carlos

- Fantasma, eu? Você já se olhou no espelho, Denise?

Carlos pega um espelho de maquiagem e aproxima-o do rosto de Denise.

Carlos

- Dá uma boa olhada... Me diz, cadê aquela mulher linda que eu conheci?

Por instantes, Denise vê-se no espelho. Algumas rugas em volta dos


olhos, um rosto cansado e marcado pelo vício.

Denise

Quer saber, ainda estou inteiraça... Aí, tá vendo? Me queimei com a


essa porra de isqueiro... Também, chega ofendendo.

Carlos acaba de dar o nó na gravata e aproxima-se de Denise. Ele


argumenta, carinhoso.

Carlos

- Escuta, amor, vê se maneira hoje à noite. O Rio de Janeiro inteiro


está comentando tuas loucuras.

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Denise

- É só nisso que você pensa... Aparência … O que os outros vão dizer.


Cadê aquele cara que eu conheci... Encarava todas... Tá ficando velho,
garotão.

Carlos

- Nós dois... Somos só nós dois. Era isso que a gente queria, liberdade
para enfrentar o mundo, conquistar os espaços, sem filhos por opção, se
lembra? Nada para atrapalhar… E agora isso, um pouco ainda vai lá, mas
quase todo dia? Você está estragando tudo. O que nós ganhamos? Vamos
acabar perdendo tudo, inclusive sua vida.

Denise se atrapalha com o garrote de látex que usa para fazer saltar
suas veias.

Denise

- Hum... Já que você está tão pragmático hoje, meu bem, me ajuda a
apertar isso aqui.

Carlos

- Vai à merda!

Denise continua atrapalhada. Carlos pega o garrote e aperta com raiva


e começa a dar o laço.

Denise

- Ai (sensual)... Vai, achei... Pode afrouxar.

Carlos

- Hoje é a última vez... Se você aprontar eu me mando... Você vai se


matar e eu não vou estar aqui para ver.

Carlos sai batendo a porta. Denise larga a seringa usada no chão e


fica olhando seu próprio rosto no espelho do banheiro.

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Exercício proposto 1

Vimos que o roteiro apresenta quatro personagens: Miguel e Xana, Denise e Carlos. Há conflito
entre eles. Miguel diz que vai voltar para o Rio, deixando Xana, e Carlos fala em abandonar Denise
se ela continuar a se drogar.

Agora procure, se possível sem ler o desdobramento dado pelo roteiro, escrever duas sequências
que apresentem uma solução imediata para esses conflitos, mostrando os quatro já em outra posição.

Considere:

• Miguel realmente deixará Xana e voltará para o Rio?


• O que acontecerá com Xana? Ela aceitará a partida de Miguel?
• O que Carlos fará para tirar Denise de seu vício?
• Denise continuará se drogando?
• Carlos a abandonará?

Aproveite para criar também duas personagens que vivem um momento de conflito em suas
vidas. Faça isso por meio de apenas uma sequência. Dê-lhes nome e tente passar um pouco de suas
personalidades por intermédio de suas ações. Seja breve, tentando sintetizar o máximo possível.

Figura 22 – Roteiros

FONTE: shutterstock.com/mrmohock

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Continuação do roteiro

SEQ. 4 - Int. – Noite – Casa de Dantas

Na penumbra de um quarto e sala na favela, vemos a brasa de um cigarro


que ilumina o rosto tenso de Dantas, que dá uma profunda tragada. Ele
olha o relógio: quase meia-noite.

Um barulho lá fora provoca um sobressalto. Ele apanha a arma sobre a


mesinha de cabeceira e dirige-se para a janela. O que vê é a sombra de um
casal se beijando. Fica tenso e aproxima-se mais para escutar, tomando o
cuidado de não ser visto. Lá fora, estão Charles e Débora.

Débora

- Meu Deus! Nunca pensei que se apaixonar fosse tão bom.

Charles

- Tô gostando. Você é diferente, e teus olhos, minha rainha, como


brilham no luar, parecem dois faróis iluminando a noite aqui do morro.

Débora

- Tua rainha?... Eu quero ser é tua sereia, igual no filme que eu vi


outro dia na televisão.

Charles

- Então... minha sereia, amanhã eu te levo à praia, e você vai me levar


pro fundo do mar.

Débora

- Leva mesmo?

Charles

- Vamos no carro do Tinhão, ele me empresta, tá me devendo. Essa noite


eu tô de guarda, na boa... Então, quando eu acordar, passo aqui e te pego.

Débora

- Eu não gosto quando você fala do teu trabalho, Charles!

Charles

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- Escuta, Débora, é o que eu sei fazer. Eu sou soldado, sou guerreiro.
São eles contra nós... É matar ou morrer, não são eles que falam bandido
bom é bandido morto?

Débora

- Para, tá me assustando!

Charles

- Tá bom... Vai, diz outra vez o quanto você me ama.

Débora

- O brilho da lua cheia não pode viver sem o mar... E é assim que eu te
amo, Charles.

Charles

- Minha rainha... Minha sereia.

Os dois beijam-se, as sombras se separam.

Débora

- Até amanhã, amor.

Charles

- Meio-dia eu tô passando.

Dantas abre a porta, o rosto de Débora revela sua idade, no máximo 15


anos.

Dantas

- Minha filha, já passou da meia-noite. Esse cara que estava com


você... Ele é bandido, minha filha, trabalha para o Néco da boca, vai
morrer mais cedo ou mais tarde.

Débora abre a geladeira e bebe água pelo gargalo.

Dantas

- Ah, se sua mãe visse o que está acontecendo.

Débora larga a garrafa em cima da mesa e vai sentar no sofá.

Dantas

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- Minha filha, tem tanta gente boa morando aqui, uma garotada que
estuda, trabalha, meninas ótimas para serem suas amigas, e você foi se
meter logo com esse cara. Se ele ficar sabendo que eu sou cabo da PM,
eles me matam...

Dantas se levanta, vai até a janela e volta para o sofá.

Débora

- Eu sei, pai.

Dantas

- Vira notícia... O cabo da PM Josimar Dantas foi encontrado morto esta


manhã..

Débora:

- Eu sei, pai.

Dantas:

- É por isso que nós vamos embora pra o interior. Esse emprego de
vigia que me arrumaram é bom, e o salário não é ruim, o serviço é
tranquilo, você estuda à noite, quem sabe vira advogada e se casa com um
sujeito decente, sua mãe...

Débora se levanta e vai para o banheiro.

Débora

- Interior, nem morta!

Débora bate a porta.

Dantas:

- Ia ficar orgulhosa...

Exercício proposto 2

Muito embora esse roteiro tenha sido escrito em 2000 e dê um tratamento que podemos definir
como inocente diante da problemática das comunidades assoladas pelo tráfico, podemos tirar de
proveitoso o desenvolvimento da história, que abre três núcleos dramáticos. Os dois primeiros já
foram apresentados – o primeiro, tendo André e seu conflito com relação à sua volta para o Rio

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para tentar reconquistar sua família, e o segundo, o de Denise e Carlos, que vivem uma profunda
crise diante do vício de Denise.

Agora o terceiro grupo aparece, com o cabo Dantas, as dificuldades e os perigos que enfrenta
para criar sua filha adolescente numa favela, ainda mais depois que ela se apaixona por um dos
traficantes.

O exercício consiste de:

• criar três sequências que resolvam o conflito a favor do cabo Dantas e outras três que determinem
sua derrota.
• fazer também uma descrição detalhada das personagens Dantas, Charles e Débora.
• criar, num contexto completamente diferente, uma sequência que determine, como essa do
roteiro, um conflito que provoque um choque de interesses três personagens.
• criar umas três sequências que resolvam esse conflito.

FIGURA 23 – Sequência de roteiros

Fonte: shutterstock.com/The Mogli

Continuação do roteiro

SEQ. 5 - Ext. – Noite – Boca de fumo

Charles brinca com o fuzil executando uma coreografia quase marcial. A


seu lado está o Professor, cheirando fartas carreiras de cocaína.

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Professor

-... E vocês, o que são? São o braço armado da miséria urbana... É...
É isso aí! De que adianta aquela plaquinha lá na minha mesa... Professor
Fernando, doutor em sociologia, se eu não venho aqui meter as caras para
entender?... De que adiantam teorias insípidas forjadas por intelectuais
igualmente insípidos, se não se dignam a tirar seus catedráticos
traseiros dos gabinetes, hem? Se querem defender teses, pois que venham
fazê-lo aqui! Aqui passamos a entender que o matraquear das armas pesadas
que rompe o silêncio das noites vazias nada mais é do que o grito de
uma parcela da sociedade tentando sobreviver ao esquecimento a que
foi legada. Ah, desconcertantes aldeias que vivem essa ética niilista!
Operários, biscates, peões, donas de casa, estudantes, empregadas
domésticas, profissionais liberais, artistas e músicos... Por que não
marginais e traficantes? Somos a escória da escória, somos o comércio que
movimenta os milhões que mantêm o poder.

Charles

- Tô apaixonado, professor, quero ela só para mim, e se alguém desses


filhos das puta que sobem aqui para “tecar” olhar para ela, eu derrubo.
Ela é meiga... Tem umas aí que é só vadiagem, ela não, eu quero para
sempre. Corpo quente, no coração de sereia.

Professor

- Agora me diz qual é o crime que se comete aqui que não se comete
em Brasília. São todos uns corruptos, já pensou a PM entrar no Congresso
atirando... Hahahaha.

Charles

- Tão dizendo que agora é o exército que vai peitar a gente. Não
interessa se tiver farda, eu mando bala pode ser quem for... Até o senhor
(sorrindo).

Um traficante chega correndo.

Traficante

- …Charles Babo, arma a contenção, os homi tão subindo...

Charles

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- Vamo nessa... Professor, o senhor vem com a gente?

Professor

- Vou não, meu filho... Me deixa aqui, eu me entendo com eles.


Hahahaha.

O Professor dá uma longa cheirada.

Exercício proposto 3

Primeiro, temos que considerar o anacronismo do presente roteiro. Embora tenha sido premiado
no festival de São Gonçalo, é uma leitura evidentemente naïf da realidade das favelas do Rio.
Personagens interessantes, o Professor, o traficante Charles, Débora, a filha do cabo PM e o próprio
cabo Dantas apresentam potencial para o desenvolvimento da trama. Mesmo que se trate de um
curta-metragem, podemos trabalhar algumas questões.

• Como ficará a situação do cabo na sua comunidade? Charles vai descobrir que ele é PM,
selando sua morte?
• Dantas vai conseguir que Débora se afaste do traficante?
• Débora vai ser feliz ao lado de Charles?
• Charles vai ser morto pela polícia?
• O professor pode ser mais que uma personagem emblemática? Dá para, no pouco tempo de
um curta, desdobrar essa personagem?
• Criar um texto mais atualizado para a longa fala do professor ao discorrer sobre as relações
numa favela.
• Criar uma sequência em que apareça um desfecho para o conflito de Dantas.
• Criar a personagem de um protagonista (“herói”) que resolva o conflito estabelecido entre
essas personagens. Insira-o numa sequência ou mais resolvendo a trama.

Você percebeu que até agora, nesse curta, não há a presença de um herói. Na verdade, são três
núcleos, cada um liderado por uma personagem, que pode ser definida como protagonista:

1. Miguel.
2. Denise.
3. Dantas.

Pense por que não são Carlos ou Débora. Crie sequências que possam transformá-los em
protagonistas.

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SEQ. 6 - Int. – Noite – Loja de aeroporto

Miguel tem à sua frente um vendedor que lhe mostra um facão.

Vendedor

- É excelente, corta mato que nem manteiga, aço sueco. Peça de coleção,
gravo o nome do menino antes da chamada para o seu voo.

Miguel

- Tá bom, o nome é Fabio, pode colocar Fabinho.

SEQ. 7 - Int. – Noite – Casa festa

Festa, todo mundo dançando. Denise está se esfregando com um cara


bem mais novo. Um sujeito com uma câmera grava tudo. Denise está
completamente louca.

Numa sala, em outro canto da casa, algumas pessoas acompanham tudo por
um televisor plugado à câmera por meio de um cabo. Entre elas, Cláudia,
que é a anfitriã, e uma outra mulher. As duas estão num sofá e rola um
clima entre elas.

Cláudia

- Nossa, que loucura...

Nesse momento, Carlos aparece e vê as imagens. Chocado, senta-se no


sofá. Cláudia se insinua.

Cláudia

- Liga, não Carlos... Você sabe que não precisa procurar muito para ter
coisa melhor.

Carlos titubeia, mas se deixa levar por instantes. No entanto, levanta


e sai, passa pelo salão sem ser visto por Denise e vai embora.

SEQ. 8 - Ext. – Quase amanhecendo – Morro

Vamos matar quem desce pelas ruas do morro. O clima é de guerra no


Vietnam: soldados, alguns corpos, sinalizadores azuis espalhados pelo
chão iluminam o rosto assustado de Dantas, ouvem-se tiros intermitentes.
Acompanhamos o cabo, que pega um ônibus, salta num bar e troca de farda
no banheiro. Ele sai e cumprimenta o dono. Durante toda a sequência,
vemos flashes de Charles entrando em conflito com os soldados.

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SEQ. 9 - Int. – Dia – Aeroporto

Fabinho e Marta esperam por Miguel na área de desembarque. A porta


automática é aberta, e o menino corre para abraçar o pai.

Fabinho

- Pai... Pai...

Um longo abraço, Miguel meio sem jeito.

Miguel

- Fabinho...

Fabinho

- Conta, pai... Você viu índio, onça... Viu, pai? E jacaré?

Miguel

- Fabinho... Olha, eu trouxe isso aqui pra você.

Fabinho

- Pra mim... Um facão.

Miguel

- Para quando a gente for acampar.

Fabinho

- A gente vai acampar?

Miguel olha para sua mulher, que os observa a distância.

Miguel

- Vamos, mas agora eu quero é ir para casa.

SEQ. 10 - Ext. – Dia – Avenida

Dantas e um colega estão conversando encostados no carro patrulha,


observando o tráfego de veículos. O colega delicia-se com um picolé.

Dantas

- Não dá mais, minha filha tá apaixonada... Já imaginou? O pior é que,


se eu fizer alguma coisa, já era.

Colega

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-... É foda.

Dantas

- Muito tempo dando duro e fodido, tem gente lá com carro importado.

Colega

- É foda.

Dantas

- Nesse tempo todo, nunca precisei de ninguém e me orgulho disso, mas


ninguém é de ferro... O cerco tá aumentando, lá sou eu sozinho num morro
que virou uma guerra.

Colega

- É foda...

SEQ. 11 - Ext. – Dia – Restaurante

Miguel e Marta estão almoçando num quiosque na praia.

Miguel

- Fiz pra melhorar nossa vida.

Marta

- Fiquei muito sozinha.

Miguel

- A gente agora pode ficar junto, vou montar uma loja de materiais de
construção. Vamos morar perto da praia.

Marta

- Foi difícil, fui ficando fria, deprimida...

Miguel

- O garoto vai ser meu amigo... Vou levar pra pescar, acampar, vai
trabalhar comigo.

Marta:

- Eu tentei te esquecer.

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Miguel:

- Olha, eu trouxe para você.

Miguel mostra um estojo com um anel e toca o rosto de Marta.

SEQ. 12 - Int. – Amanhecer – Casa da festa

Algumas pessoas ainda estão dançando, outras estão na piscina, outras


dormem nos sofás, entre elas está Denise. Cláudia, a dona da festa, está
dançando e observa Denise, que está acordando abraçada a um homem.

Denise

- Cara, e o Carlos?

Cláudia

- Depois do que ele viu ontem, eu acho que nunca mais.

Denise

- Viu o quê?

Cláudia

- A tua cena de sexo quase explícito.

Denise

- …?

Cláudia

- Se esqueceu?

Cláudia pega a câmera que foi usada para fazer as imagens na noite
anterior sobre a mesa. Passamos a ver Denise pela câmera.

Cláudia

- Tá tudo aqui gravado aqui... Coitado do Carlos, ficou arrasado...

Denise

- Sua piranha... Você fez de propósito!

Cláudia

- Olha a baixaria, minha filha... Eu até que tentei manter ele aqui.

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Denise dá um tapa e derruba a câmera, sai correndo, pegando a chave do
carro e um celular que estavam sobre a mesa. Começa uma perseguição que
termina com Denise entrando no carro e partindo em velocidade.

SEQ. 13 - Ext. – Dia – Avenida

Dantas e seu colega estão sentados em seu carro distraídos, de repente


ouvem o som de um carro que se aproxima. O carro passa, quase bate,
espanta umas pessoas que estão na calçada. Eles ligam a sirene e saem em
perseguição.

SEQ. 14 - Ext. – Dia – Avenida

Denise está desesperada, em alta velocidade e tentando usar o celular.


Pouco presta atenção na direção.

Denise

- Carlos... Alô, Carlos... Não desliga não… Não faz isso, escuta, eu te
amo... Não me lembro de nada... Olha, eu quero... Droga.

A ligação cai, ela continua tentando.

SEQ. 15 - Ext. – Dia – Avenida

Marta e Miguel estão no carro, o clima é de harmonia, Fabinho está no


banco de trás e brinca com a faca que ganhou.

Marta

- Um apartamento perto da praia não seria mau.

Miguel

- Nós dois juntos, para o que der e vier.

Marta aproxima sua mão ao rosto de Miguel. Vemos o sinal ficar


vermelho, Miguel não percebe, ele está olhando para Marta. O carro de
Denise, em alta velocidade, bate no de Miguel. O carro de Dantas, logo
atrás, também perde o controle. O acidente é inevitável.

SEQ. 16 - Ext. – Dia – Canto da estrada

Fabinho e Marta estão mortos e Miguel grita desesperado. Denise já


saiu de seu carro e está completamente alucinada. Com o celular na mão,
ela chora, chamando por Carlos e dirige-se a Miguel.

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Denise

- Seu desgraçado, você não olha para onde anda, não! Porra, avançou o
sinal, cara, desgraçado.

Miguel acorda sangrando muito e transtornado vê os corpos de Marta e


Fabinho caídos fora do carro. Ao lado do menino, está o facão. Ele olha
para Denise e sai do carro, pegando o facão a atingindo várias vezes.
Dantas, que saía de seu carro, vê a cena e descarrega sua arma, acertando
Miguel. Os corpos de Miguel e Denise agora estão ao lado do carro, a voz
de Carlos chama por Denise no celular.

SEQ. 17 - Int. – Dia – Carro de Charles

Engarrafamento, Charles dirige, ao seu lado está Débora. Os dois estão


indo à praia.

O carro passa pelo local do acidente. Lá está Dantas, fardado, de pé


junto aos corpos. Charles olha para Débora.

Charles

- É seu pai ali? Não acredito, teu pai é da PM...

Entram os créditos, em off uma transmissão radiofônica.

RJ, sábado

Fim 11/03/2000

Luiz Moreira Filho – Luiz Ignácio M. Gama – Todos os direitos


reservados.

FIGURA 24 – Filmes

Fonte: shutterstock.com /davorana

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Exercício proposto 4

Como podemos notar, é um roteiro feito e rodado no ano 2000. De fato, muita coisa mudou, mas
já havia uma expectativa quanto à intervenção do exército. O interessante também é que, no mesmo
ano, o mexicano Alejandro Iñárritu dirigiu “Amores brutos”, com roteiro de Guillermo Arriaga, que
abre o conflito com um acidente de carro que vitima as personagens da trama. Mesmo que seja no
caminho inverso de “Assunto encerrado”, não deixa de ser algo para se pensar. É evidente que os
dois roteiristas não tiveram acesso às respectivas histórias, no entanto, a ideia de desenvolvimento
em núcleos separados a partir de um acidente é a mesma, o que não deixa de ser um ponto para a
noção de inconsciente coletivo.

“Assunto encerrado” é um filme com três protagonistas: Miguel, Denise e Dantas. No entanto,
não há muito espaço para o desenvolvimento de outras personagens que possam interferir na
trama. Podemos pensar em Carlos como aliado de Denise? Acho que ele estaria mais próximo
de um algoz, uma espécie de alter ego que acabou involuntariamente disparando o processo de
sua morte. Já Miguel tinha como objetivo reconquistar sua família, e de certa maneira o fez, mas
não teve tempo para desfrutar de sua vitória. Dantas, por sua vez, acabará nas mãos do tráfico, e
o destino de Débora, assim como o de Charles, é incerto. Vejam que muitos elementos, funções e
etapas apontadas por Vogler (2006) não se encaixam nesse roteiro. Isso se deve principalmente a
tratar-se de um roteiro de curta-metragem. O filme, numa visão mais aprofundada, trata da questão
do acaso e do destino. Qual seria o paradigma que levou ao acidente, uma corrente de causas e
efeitos ou o simples e trágico acaso? Os destinos das personagens já estariam traçados? Por esse
ponto de vista, podemos inferir que nem sempre a resposta a todas as questões da história está
inserida num roteiro.

Agora voltando às personagens, será possível inserir pelo menos três que tenham as características
de arquétipos apontados por Vogler (2006) no espaço de uma curta metragem? Faça uma tentativa:

1. Desenvolva uma sinopse que tenha no mínimo três personagens com as características
dos arquétipos estudados. Idealize um protagonista, um mentor e um inimigo e insira-os
numa história para curta metragem.
2. Pense num final diferente para “Assunto encerrado” – talvez um que não tenha um final
trágico.
3. Crie uma escaleta que se desenvolve sobre três núcleos dramáticos diferentes.

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9. ROTEIROS COM EXERCÍCIOS – PARTE 2
Agora passaremos a trabalhar sobre um roteiro que tem características bem diferentes do
drama inserido em “Assunto encerrado”. Trata-se de “Cama de gato”, uma comédia romântica, no
espaço de um curta, que envolve duas personagens num jogo de reconciliação, em que o poder de
sedução terá um papel fundamental no desfecho da trama.

Cama de gato

Sinopse – Carla leva uma vidinha mais ou menos tranquila, num daqueles apartamentos antigos
da rua Alberto de Campos, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Mais ou menos porque Doca, seu marido,
embora sendo um cara maneiro, sabedor das coisas, bem empregado, respeitado e querido pelos
amigos, é totalmente desligado das coisas práticas e simples do dia a dia, as quais ele considera
superficiais. Pagar contas é uma delas. Dessa forma é que, numa tarde de sexta-feira, em pleno
verão, num calor de 40ºC, na ambiência do Aedes, a luz deles é cortada. Dali para a frente, começa
um jogo de acusações, desculpas, perdão, reconquista que a todo tempo é interrompido, seja pelo
ataque de um mosquito ou o ciúme. O casamento dos dois vai ser posto à prova, mas tudo acabará
bem nessa atmosfera de amor e paixão, afinal, os dois conhecem o poder da sedução.

Carla – É forçoso notá-la quando ela passa, não que seja um mulherão, mas é aquela graça que
a gente ainda encontra em alguns lugares. Esse é o jeito dela. O sorriso, a covinha, parece que está
sempre de bem com a vida, e quando olha pra teu lado, meu irmão, se segura, você vai jurar que tá
te dando mole, mas quer saber, não tá nem aí pra você. Quem tem a sorte de conhecê-la melhor
pode acompanhar suas ideias. Ela gosta de ler, cara, e sabe das coisas. Pra não dizer que tudo é
perfeito, quando alguma coisa tira a paciência dela, o tempo fecha. Não, nada de barraco, mas é
bom deixar ela em paz. Na verdade, quem sabe da vida dela é o Doca, marido dela. Sei não, mas eu
não sinto firmeza nessa relação, uma mulher dessas na mão de um cara daquele...

Doca – Quer saber, o Doca é um cara legal. Ele malha lá na academia, mas nunca vai... Quando
aparece, fica lá com aquela barriguinha, mas tem um papo bom, é enturmado, trabalha na empresa
do pai do Paulo há anos, tá bem. Sei não, a Carla que se cuide, ele, com aquele jeitão dele meio
desligado, acho um gato!

Rio, inverno de 2012, Luiz M. Gama, todos os direitos reservados.

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Exercício proposto 5
Figura 25 – Exercício de roteiro

Fonte: shutterstock.com/Anutr Yossundara

Você acabou de ler uma sinopse e a apresentação de duas personagens do filme “Cama de
gato”, de autoria de Luiz M. Gama. Nesses tópicos, você encontra informações suficientes para
começar a esboçar uma ideia sobre a trama. Faça o mesmo:

• Crie uma sinopse sobre um filme de curta-metragem que seja uma comédia romântica.
• Faça a descrição de suas personagens, nos moldes do que viu acima.

Roteiro: Cama de gato (Luiz M. Gama)

SEQ.1 - Int. – Dia – AP. Carla

Imagens fotográficas de olhos exuberantes desfilam em várias cores e


tonalidades na tela. A vitrola toca “Este seu olhar”, de Tom Jobim, na

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voz de Dick Farney. Carla, em ritmo acelerado, trabalha em sua plataforma
desktop montada num canto de seu loft bem mobiliado. É fim de tarde em
Ipanema, e as primeiras luzes começam a ser acesas nas janelas lá fora.
Olhares sucedem-se, compondo um cativante jogo com os olhos da bela
montadora e com os da tela de seu computador.

De repente, a música apaga e o bip do no-break começa a apitar. O ar-


condicionado faz o som característico de desarme. Carla olha em volta.

Carla

- Merda!

Vai até a janela e percebe que luzes na rua estão acesas. Dirige-se
para o interruptor e aciona-o várias vezes, a princípio com calma e depois
já com um tanto de histeria.

Exercício proposto 6

No roteiro de “Assunto encerrado”, durante a primeira sequência, foi apresentada a personagem


de Miguel. Algumas informações foram passadas. Ele trabalhava na Amazônia e estava lá para
ganhar dinheiro. Havia ido para lá e deixara sua mulher e filho para trás. Agora queria voltar e reaver
sua família. Tinha conhecido uma mulher e agora teria que deixá-la. O conflito era: será que Miguel
conseguirá, apesar de ter ficado longe por tanto tempo, ficar bem com sua esposa e seu filho?

Veja que isso tudo foi passado logo na primeira sequência.

O mesmo ocorreu na apresentação de Denise. Ficamos sabendo que ela era viciada e casada
com Carlos, ambos tinham um projeto de vida juntos, mas o vício estava começando a atrapalhar
seus sonhos. Carlos não aceitava essa situação, e Denise, aparentemente, preferia não ouvi-lo. Tudo
foi informado logo na primeira sequência que apresenta o casal.

Foi assim com Dantas, cabo da PM, morador de favela, pai de Débora, que está apaixonada por
um traficante.

Agora, neste roteiro “Cama de gato”, a personagem de Carla também é apresentada em poucas
linhas. Sabemos que ela trabalha com montagem de imagens e tem prazo para entregar um trabalho.
Essa situação começa a se complicar com uma repentina falta de luz.

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Field (1982) pondera, num dos seus livros sobre roteiro, que toda a trama e os conflitos de um
filme devem ser informados para o espectador até o fim dos dez primeiros minutos. Já num curta
metragem, se é possível estabelecer um paralelo básico, acredito que as duas primeiras sequências
são suficientes para isso.

Sendo assim, tente:

• Revelar, por meio de suas personagens, os conflitos de sua trama em no máximo duas
sequências.
• Sem ler o restante do roteiro, criar uma sequência que desenvolva a situação de Carla diante
da falta de luz.

Continuação do roteiro

SEQ. 2 - Int. – Noite – AP. Carla

Doca está sentado no sofá da sala com cara de babaca (seus olhos
acompanham os movimentos de Carla). A seu lado, estão acesas algumas
velas.

Carla (fora)

- É a conta de janeiro, eles mandaram um aviso de corte, você não viu?

Doca

- Mandaram nada, Carla, esses caras tão sempre armando.

Carla está de pé segurando algumas contas em suas mãos.

Carla

- Tá aqui o aviso, Doca, mas quer saber, podia ser qualquer coisa que
fosse da esfera mortal, né, cara? Contas não fazem parte de seu universo.
Só que era para as contas ficarem sob sua responsabilidade, res-pon-sa-bi-
li-da-de. Tenho que entregar o trabalho daqui a dois dias.

Carla mata um mosquito.

- Deve estar fazendo uns cinquenta graus e todos os Aedes da cidade


estão aqui... E não, eu não vou terminar o trabalho na casa da Patrícia,
no meio daquela bagunça que é a casa dela.

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Carla mata outro mosquito. Doca mata um mosquito. Os dois já estão com
suas roupas grudadas de suor.

Exercício proposto 7

No trecho do roteiro acima, recebemos mais informações sobre Carla e a apresentação de


seu marido Doca. Podemos notar que há um conflito e um objetivo a ser atingido. Carla é nossa
protagonista. Doca é ambíguo porque tenta ser seu aliado, mas é rejeitado. É evidente que ele não
é um inimigo, mas também não é um mentor. Portanto podemos dizer que ambos protagonizam.

Mais uma vez, temos um afastamento das postulações de Vogler (2006). Não temos propriamente
um herói e outros arquétipos, mas tão somente protagonistas. No entanto, Carla é uma personagem
bem interessante.

Vamos fazer uma tentativa:

• Tente acrescentar à personalidade e aos atos de Carla atitudes que a aproximariam mais de
uma mulher chata e possessiva.
• Transforme Doca num mentor que tenta acalmar Carla conduzindo-a para a solução de seu
problema. Crie uma sequência na qual ele se apresente com essas características.

Continuação do roteiro

SEQ. 3 - Int. – noite – Ap. Carla

A voz de Carla ecoa em seu quarto vazio. De outro canto do


apartamento, chega a voz abafada de Doca. Carla está sentada no chão do
box da suíte com a água gelada do chuveiro molhando e refrescando seu
corpo. Doca faz o mesmo no outro banheiro do apartamento. Suas vozes
atravessam o duto de ar.

Doca

- Abençoada água gelada...

Carla

- Que cura todos os males e lava a alma dos aflitos...

Os dois vão curtindo, cada um, seus respectivos banhos. A ducha vai
deixando-os relaxados.

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Doca

- Aquele rio perto da casa do Mauro, com a ducha natural e a lua cheia
iluminando tudo, se lembra, amor?

Carla

- Você foi perfeito naquela noite, a copa das árvores, o céu, aquilo
foi deliciosamente mágico.

Carla e Doca estão de pé nus e molhados no corredor. Saíram de seus


banhos e agora se reaproximam. Começam a tocar-se aos poucos, num clima
de sedução. Os olhos de Carla brilham na escuridão.

Doca

- Você estava linda, seus olhos, tudo em você, Carlinha, tua boca...

Os dois começam a se abraçar, a coisa vai ficando quente. Até que de


repente alguma coisa chama a atenção de Doca. Um mosquito voando perto
da cabeça de Carla chama sua atenção. Ele então se distrai por alguns
segundos e passa a tentar matar o mosquito. Carla o olha sem acreditar e
começa a se afastar.

Carla

- Cara, você é completamente desvirtuado... Sai de perto de mim, sai,


seu louco.

Carla o empurra de vez e entra no quarto, batendo a porta. Doca fica


do lado de fora e bate timidamente para que ela o deixe entrar. Silêncio.

Exercício proposto 8

Nessa sequência, podemos notar que os dois estão cada um num banheiro diferente, e seu
diálogo dá-se através do duto de ar que liga os dois ambientes, mas de repente os dois estão no
corredor se abraçando. Trata-se de um lapso de tempo e espaço que fica explicitada no roteiro.
Veja que se trata de um roteiro técnico, mas mesmo assim o roteirista marcou essa passagem para
acentuar a sensualidade da sequência. Agora:

• Faça o mesmo numa sequência qualquer criada por você. Estabeleça com seu texto um lapso
tempo-espacial nos moldes da usada acima. Lembre-se de que esse artifício deve ser sempre
usado com inteligência e sensibilidade.

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Continuação do roteiro

SEQ. 4 - Int. – Noite – Ap. Carla

Carla está dormindo vestida e deitada em sua cama sobre as cobertas.


Ela acorda assustada, o som da rua chega a seu quarto. Olha o relógio,
vai à janela e abre-a, deixando o ar abafado da noite entrar. Ainda é
cedo. Sai do quarto e passa pela sala, onde Doca tenta ler um livro
segurando uma lanterna. Ele acendera uns dois lampiões elétricos,
reforçando as velas, para iluminar um pouco o ambiente. Há uma troca
silenciosa de olhares. Ela passa em direção à cozinha levando uma das
luzes.

SEQ. 5 - Int. – Noite – Ap. Carla – Cozinha

Carla está derramando uma jarra d’água com pedras de gelo sobre sua
nuca na pia, Doca chega e passa a ajudá-la. Ele se insinua, e Carla
delicadamente o afasta sorrindo.

Carla

- Não vai dar pra passar a noite assim, vai piorar.

Doca tira a jarra das mãos de Carla e começa a jogar a água devagar na
sua própria nuca, também sobre a pia.

Doca

- Amanhã a gente pega o carro e vai pra uma pousada.

Carla pega a jarra das mãos de Doca e começa a ajudá-lo, espalhando a


água por suas costas.

Carla

- Não dá, tem o trabalho. Tenho que ficar por aqui.

Ela enche a jarra com água da torneira e vai derramando delicadamente


sobre seu colo e depois sobre as costas de Doca.

Carla

- Nós temos que fazer alguma coisa.

Doca vira-se para ela e abraça-a, dando-lhe um beijo.

Doca

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- Eu vou fazer, meu amor, amanhã...

Carla afasta-o, despeja todo o resto da água com raiva sobre a cabeça
do marido e lhe entrega a jarra.

Carla

- Amanhã, Doca? Tudo, bem cara.

Carla atravessa a sala e entra no quarto batendo a porta.

SEQ. 6 - Int. – Noite – Ap. Carla

Doca está parado na porta do quarto de Carla. Está suando e mata um


mosquito. Faz muito calor. Ele escuta o som abafado de um diálogo.

Carla (off)

- ...É, não aguento mais, é insuportável, me tira dessa, mas vem logo.
Tá bom, Marcel, daqui a meia hora. Te encontro lá.

Do lado de fora, Doca escuta a tudo e, por instantes, dá a impressão


de querer entrar, mas desiste.

Doca (baixo para si mesmo)

- Marcel?...

SEQ. 7 - Int. – Noite – Ap. Carla

Doca está deitado no chão da sala. Carla sai do quarto e passa por ele
em direção à porta da rua.

Doca

- Vai sair?

Carla

- Não vou demorar.

Doca

- Te espero?

Carla abrindo a porta.

Carla

- Pra quê? Você é que sabe, cara.

SEQ. 8 - Ext. – Noite – Ruas de Ipanema

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Ruas de Ipanema, é uma sexta-feira de verão, os bares fervilham, mesas
cheias de pessoas interessantes.

Carla vê pessoas conhecidas e acena, mas ela procura por Marcel. Doca
segue-a de longe, o clima é todo documental, distanciado. Sons, buzinas,
uma grande festa envolve as personagens. Carla encontra Marcel - CARA
INTERESSANTE. Os dois conversam observados por Doca. Carla acompanha o
homem até uma moto e monta em sua garupa. Doca observa incrédulo.

A moto parte e segue o fluxo pesado e bastante lento do tráfego. Doca


anda apressado, pescoço esticado, tentando acompanhá-los. A moto dobra
a esquina alguns metros na frente e entra na rua de Carla. Doca faz o
mesmo. A moto para em frente ao prédio da Carla. Doca para e olha os dois
dirigirem-se para a portaria de serviço do prédio. Ele os segue a uma
distância segura. Os dois param junto à caixa de luz do edifício.

SEQ. 9 - Ext. – Noite – Ruas de Ipanema

Marcel e Carla estão em frente aos relógios de luz do prédio.

Carla

- Então, Marcel, você conhece a Débora há muito tempo?

Marcel abre o armário dos relógios de luz do prédio. Doca observa


curioso.

Marcel

- A gente estudou junto. Qual é o apartamento?

Procurando o número em meio aos relógios de luz.

Carla

- ...É este aqui, o 604.

Marcel

- Vou ter que tirar o lacre. E você?

Carla (arrumando o cabelo)

- O que?

Marcel (mexendo no relógio)

- Conheceu a Débora?

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Carla

- Daqui mesmo, da praia.

Marcel (se insinuando)

- Muito sol e mar, eh vidinha. Eu e Débora curtimos bastante. Não é


sempre, mas quando a gente se encontra...

Doca observa impaciente.

Carla passa a mão no braço de Marcel, que se empolga.

Carla

- Sabe, Marcel, tem outras pessoas nesse jogo, tem a Débora, que, não
esqueçamos, me deu teu telefone pra quebrar essa, e tem um cara muito
legal, que é meu maridão. Acabou?

Marcel (meio sem graça)

- Não... na verdade ainda vai demorar um pouco, mas tudo bem, você
pode ir pra casa que eu termino aqui. Fala bem de mim pra tua amiga.

Carla

- Pode deixar cara, obrigado.

Carla dá um beijo no rosto de Marcel e sai. Doca já vai longe descendo


sozinho a rua na direção dos bares.

SEQ. 10 - Int. – Noite – Ap. Carla

Carla entra e encontra o apartamento vazio. Com o celular, vai até o


lampião elétrico e usa-o para encontrar algumas velas. Com elas, ilumina
a sala do apartamento. Chega até a janela e observa a vida lá fora.

Tenta ligar do celular, mas não obtém resposta. Ouve o som de chaves
na porta, no entanto, permanece olhando para fora. Doca aproxima-se e a
abraça, os dois ficam um longo tempo em silêncio. Quem fala primeiro é
ele.

Doca

- Eu te trouxe um sorvete.

Carla se vira, e Doca tira o papel da casquinha, dando para a mulher.


Ela prova um pouco, dá um pedaço para o marido.

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Carla

- Doca, a gente tem que cuidar mais um do outro, cara. Dessa vez foi
difícil. Tem uma vida acontecendo.

Doca

- O que rola entre nós é muito especial, a teu lado o mundo para e
perde importância, só o que vale é você.

Doca tira o sorvete das mãos de Carla e começa a beijá-la. Os dois vão
para o chão já sem suas roupas, a luz das velas ilumina seus corpos.

De repente, a luz volta, mas como, quando acabara, não havia lâmpadas
acesas, os únicos sinais de energia são o bip do computador, o ar-
condicionado e, é claro, a música da vitrola.

Agora os corpos iluminados pelas velas são cadenciados ao som de


“Este seu olhar”. Na tela, uma sucessão de olhos exuberantes. Entram os
créditos.

Fim

Todos os direitos reservados a Luiz M. Gama

Rio de Janeiro, 31-06-2012

Exercício proposto 9

Você observou o clima criado pelo roteiro, que leva até o espectador a pensar que está rolando
alguma coisa entre Carla e Marcel, mas na verdade não era isso. Esse jogo acrescentou uma leve
tensão e serviu para acrescentar aos sentimentos de Doca e Carla, fortalecendo o final. O roteiro
poderia ter entregado que se tratava de um eletricista desde o início, mas o suspense teve um efeito
melhor.

• Crie uma situação semelhante em quatro sequências, nas quais uma personagem estará
vivendo uma situação em que só ela e você saberão o que realmente está ocorrendo. Para
isso, a “verdadeira” situação só deverá ser revelada na última sequência.

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10. ROTEIROS COM EXERCÍCIOS – PARTE 3

Leve

SEQ. 1 - Ext. – Dia – Sertão

Uma cova está sendo aberta. Um tanto de terra é atirada, cobrindo a


tela.

SEQ. 2 - Ext. – Dia – Caminho de Terra

O suor escorre pelo rosto de Alceu, que vai subindo uma ladeira
íngreme, cortando a mata. Ele arrasta amarrado a uma corda o corpo de
um homem. Um defunto com sapatos de couro e gravata, relógio de ouro e o
rosto triste. Ele, por sua vez, vai com as roupas rasgadas, pés descalços
e o rosto marcado por anos de trabalho pesado.

SEQ. 3 - Ext. – Dia – Velho cruzeiro na trilha

Um padre está sentado encostado a um cruzeiro. Ele tem a seu lado uma
mulher de seios fartos e generoso decote. De repente, ele vê Alceu, que
passa ao longe carregando o defunto.

Padre

- ...Minha nossa senho... Valha... Ei... ô.

O padre caminha apressado na direção de Alceu, que olha contrariado e


tenta apressar o passo.

Padre

- Mas o que é isso, homem, isso lá é jeito... Pra onde você tá levando
essa pobre alma?

Alceu

- Pobre alma é a minha, esse aí já foi.

Padre

- ...Em nome de Deus, meu filho, para! ...Para com esse desatino, em
nome da santíssima virgem, para!

Alceu para, contrariado, de modo que o defunto abre a boca. Alceu


olha o padre e retoma sua caminhada. Sua atenção agora vai para a mulher

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de seios fartos que lava roupas numa bacia próxima ao cruzeiro. Cabelos
longos e encaracolados, ela retribui ao olhar de Alceu, dirigindo-lhe um
sorriso sedutor. Seu decote exibe um crucifixo que balança entre os seios.
Ele retoma a caminhada.

Alceu

- Tava caído na picada, é rico, num tem furo no corpo, passou foi
mal... Deve ter parente em Cardosinho. Lá eles pagam por ele.

Padre

- ...Mas você não pode sair por aí arrastando um defunto, meu filho...
É contra a lei dos homens... É contra a lei de Deus.

Alceu vai passando e olhando para a mulher. Entre os dois, um jogo de


sedução.

Alceu

- Mas é da lei da fome. De um jeito ou de outro, tem carne nesse


defunto... Daqui uns dias eu volto pra contar pro senhor.

Alceu reforça o olhar na mulher. Ela sorri.

SEQ. 4 - Ext. – Dia – Estrada Asfaltada

Um carro importado abandonado na estrada. Capô aberto, saindo vapor.


Passando por ele, vai um homem: rosto magro, óculos escuros de lentes
grossas e chapéu de palha. O cavalo carregado: alforje, cantil, facão, pá
de campanha e uma Winchester na cartucheira. Em silêncio, ele segue seu
caminho, entrando numa estradinha de terra próxima ao carro.

SEQ. 5 - Ext. – Entardecer – Noite – Trilha acidentada

O defunto é arrastado pela trilha acidentada e, à medida que vai


batendo nos galhos e pedras do caminho, sua expressão facial vai mudando.
Ora alegre, ora triste, ora preocupado, olhos abertos ou fechados, o
caminho vai lhe dando vida. Alceu, por sua vez, pena para carregar
seu fardo. Pisando firme sobre as pedras do caminho, ele vai cantado
baixo uma ladainha... Numa curva, ele chega a um descampado. Uma brisa
movimenta a vegetação a sua volta e traz uma voz distante.

Voz

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- Alceu... Ô, Alceu.

Ele anda em direção ao centro da clareira, sempre arrastando o defunto


e olhando em volta. O mato se mexe e ele percebe alguma coisa andando
entre a vegetação.

Voz

- Ô, Alceu.

Alceu

- Quem é? ...Tô prá brincadeira não!

Alceu puxa uma peixeira e girando olha assustado para a margem da


clareira, o defunto sorri sendo arrastado de um lado para outro.

Alceu

- Quem é?... Se não falá quem é...

Pedro (aparição - voz anterior)

- É Pedro!

Pedro (aparição) está agarrado nas costas de Alceu e fala com a boca
grudada em seu ouvido. Alceu, desesperado, berra enquanto atinge Pedro
(aparição) com sua peixeira. Este apenas sorri mostrando os dentes. Alceu
sai correndo, arrastando Pedro (defunto).

Pedro (aparição) continua agarrado em seu cangote.

Alceu

- Me larga... Sai de cima, alma maldita, vai queimar no inferno que é


teu lugar.

Alceu gira, pula e rola no chão, levanta-se e corre mata adentro.


Batendo em árvores, tropeçando em desespero, levando sua carga, até cair
de joelhos com Pedro (aparição) falando em seu ouvido.

Pedro (aparição)

- Você tava achando o quê, criatura, que eu ia me deixar arrastar por


aí que nem um saco de merda...

Alceu

- Tu não existe... Tu não existe, é miração do demônio...

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Pedro (aparição)

- Miração é o cacete, caipira burro! Não tá sentindo meu bafo no teu


cangote...

Alceu

- O que tu quer de mim, desconjurado?

Pedro (aparição)

- O que eu quero de você, babaca?... O que eu quero de você?...


Adivinha? Uma casinha no campo?... A tua bunda ralada?... Será?... Será?

Pedro se aproxima ainda mais e sussurra no ouvido de Alceu.

Pedro (aparição)

- Pois então me escuta porque eu vou falar baixinho só pra você


ouvir... (aos berros) EU QUERO QUE VOCÊ ME ENTERRE, PORRA!

Alceu olha para Pedro e apaga, exausto.

SEQ. 6 - Ext. – Dia – Sertão

A cova continua sendo aberta.

SEQ. 7 - Ext. – Amanhecer – Mata

O sol da manhã desperta Alceu, que, quando se percebe ainda segurando


a corda que o prende a Pedro defunto, dá um pulo e, assustado, recua
alguns passos. Titubeia por alguns segundos, respira fundo e aproxima-
se, voltando a pegar a corda. De repente, Pedro aparição reaparece em seu
cangote, dessa vez choramingando. Alceu, assustado dá um giro tentando se
livrar, mas ele mantém-se agarrado. Alceu gira, gira e gira inutilmente e
acaba por desistir.

Alceu

- Já tava te esperando... Mudou da brabeza pro choro... Vai ficar


agarrado aí toda a vida?... Acho tô me acostumando com tua cara feia...
Mas feio mesmo é o vazio da fome...

Alceu começa a urinar sobre um arbusto com um sorriso debochado no


rosto. Pedro aparição continua seu lamento.

SEQ. 8 - Ext. – Dia – Velho cruzeiro

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O homem de rosto magro e óculos escuros esporeia seu cavalo quando
passa em frente ao velho cruzeiro. A mulher de seios fartos observa à
distância.

SEQ. 9 - Int. – Noite – Casebre

O defunto, já em processo de decomposição, está sobre o chão batido de


um casebre de sapé. Alceu, sentado num banco de madeira, divide o barraco
com um homem muito velho e um menino cego. Não é dado ao homem poder ver
Pedro aparição agarrado às costas de Alceu.

Este, indiferente, brinca com sua peixeira, atirando-a repetidas


vezes contra um tronco a seus pés. Devagar, o velho e o menino levam à
boca a pouca paçoca que têm nas mãos em concha. O silêncio é mortal, só
cortado pelo som da peixeira atingindo o tronco repetidas vezes num ritmo
monótono. Enquanto come, o velho não tira os olhos do defunto. A porção
do menino acaba, e ele, fechando a mão, deita-se no chão batido fazendo o
braço de travesseiro.

SEQ. 10 - Int. – Noite – Casebre

O rosto transtornado de Pedro aparição é iluminado pela luz da lua.

Pedro (aparição)

- ...Minha orelha... o velho tentou arrancar minha orelha!

Alceu acorda assustado e sai do casebre em disparada carregando o


defunto noite adentro, com Pedro aparição gritando.

SEQ. 11 - Ext. – Dia – Casebre

O homem a cavalo vem se aproximando do casebre...

SEQ. 12 - Ext. – Dia – Casebre

O defunto é arrastado, sua cor já bem arroxeada e o corte na orelha


lhe dá um aspecto assustador. Pedro aparição, que mantém o aspecto físico
intocado, continua agarrado às costas de Alceu, que tem dificuldade de
levar o defunto picada acima. A subida é muito íngreme, e Pedro aparição
puxa-o para baixo. Alceu cai de joelhos a todo instante.

Pedro

- País de merda mesmo... Como é que pode, querer comer minha orelha?

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Alceu

- É bom o dotô ficar quieto...

Pedro

- Alceu, você acha que alguém vai pagar pelo meu defunto? Vai não,
Alceu, eu tinha muito poder, muita grana passando na minha mão... Gente
quem nem eu não tem família nem amigos, não confia em ninguém, tá sozinho
no mundo... Só tem puxa-saco, vai ter muita gente comemorando minha morte.

Alceu vai zombando.

Alceu

- Se não parar, eu te dô pros porcos... Eles nunca viram carne tão


boa... Tá forçando o peso né, tá querendo me derrubar... Vai tentando, já
trabalhei pra patrão pior que você... Vira essa cara feia pra lá, diacho!

SEQ.13 - Ext. – Dia – Trilha na mata

No alto da trilha, o cavaleiro aperta o passo ao avistar Alceu


carregando o defunto montanha acima, do outro lado do vale estreito.

SEQ.14 - Ext. – Dia – Caminho íngreme

Quase no alto da subida, Alceu luta desesperadamente para levar o


defunto, que está cada vez mais pesado. No pé da montanha, surge o
cavaleiro. Pedro percebe sua chegada.

Pedro

- Olha pra baixo, Alceu, tá vendo lá o seu fim...

Alceu olha e vê o homem. Tenta subir mais rápido, mas Pedro o puxa
para baixo.

Pedro

- Gente que nem você acaba assim mesmo... Achou o quê? Um cara de
terno no meio do mato ia tá fazendo o quê?... Catando abobrinha? Já ouviu
falar em queima de arquivo? Se liga, ô capiau... Eu tava fugindo. Presta
atenção... Eu devia, agora você deve... Vai morrer... Vou te levar comigo
para o inferno.

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A luta de Alceu é cada vez mais difícil. Pedro agarra-o pelo pescoço,
dando-lhe uma gravata. O cavaleiro vê a luta de Alceu para vencer a
montanha puxando tão somente o defunto. Alceu chega à exaustão e começa a
escorregar, caindo montanha abaixo levado pelo peso de Pedro. Descendo...
descendo, cada vez mais rápido. Alceu para aos pés do matador. O homem
vai pegar sua Winchester, Alceu rapidamente põe a mão na peixeira.

Alceu

- Diacho!

Som de tiro.

SEQ.15 - Ext. – dia – Ravina

Alceu está sendo abraçado por Pedro, que tem um sorriso mostrando
todos os dentes. O Pedro defunto e o aparição estão juntos novamente no
mesmo corpo. Alceu tem um tiro na testa e o olhar apavorado.

Pedro

- Ah, Alceu não te falei que te levava comigo.

Alceu chora um choro sofrido quase mudo e fica ali abraçado a Pedro,
que sorri...

FIM

Direitos reservados. Luiz Ignácio Gama Filho

Exercício proposto 10

Esse roteiro foi bem no edital do Minc de 2008: ficou entre os 30 últimos da seleção, só saiu
na última etapa. O interessante é que, na versão enviada para o edital, Alceu sobrevivia e matava
o jagunço. A ideia na época foi criar um “herói” famélico andando pelo agreste. O roteiro tem
influência das obras de Guimarães Rosa, e pareceu-me que não haveria problema em mudar o final,
transformando a personagem de Alceu numa espécie de vingador, mas prefiro a versão original,
parece-me mais crua. Trata de questão do inevitável da vida, que é a morte. É forte na apresentação
do apodrecimento do corpo de Pedro diante da perseverança de Alceu em ganhar dinheiro com seu
defunto ao devolvê-lo a sua família. A questão da moral e da ética pessoal de Alceu contrapõe-se
ao terror de Pedro. No entanto, é este que leva Alceu à morte, selando seu destino. “Você acha o
que, Alceu, que um homem como eu...?”

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Não podemos deixar de pensar em Alceu como um herói aos moldes do que Vogler (2006)
defende. O cotidiano sendo interrompido pelo corpo caído de Pedro, a decisão de carregá-lo para
conseguir algum dinheiro, as etapas pelas quais Alceu passa, o inimigo, que não é propriamente o
matador, mas o próprio defunto que ele carrega, e o desfecho trágico caracterizam-no como herói.

• Crie uma sequência que determine a sobrevivência de Alceu.


• Crie uma sequência em que Alceu devolve o corpo de Pedro à sua família.
• Crie um herói e desenvolva algumas sequências que determinem as características desse
arquétipo em suas ações.

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11. ROTEIROS COM EXERCÍCIOS – PARTE 4

O coletor

SEQ. 1 - Ext. – Noite – Estrada

Faróis iluminam os passos firmes de Ulisses. No princípio, apenas uma


silhueta a contraluz, depois rosto e sorriso. Ele carrega uma mochila.

SEQ. 2 - Ext. – Noite – Pracinha

A cidade dorme enquanto Ulisses atravessa suas ruas. As sombras das


árvores criam estranhos desenhos em seu rosto.

SEQ. 23 - Ext. – Noite – Rua e Casa

Ulisses repara numa casa que está com a porta aberta. Por alguns
instantes, ele fica parado olhando, até que se decide a entrar.

SEQ. 4 - Int. – Noite – Casa

Ulisses entra na casa. Está escuro, e ele pega uma lanterna na mochila.
O facho de luz percorre as paredes da sala até chegar a várias telas
de diferentes estilos. De repente, no meio delas, o rosto pálido de uma
mulher. A luz passa e volta rápido, porém ela não está mais lá. Ulisses
leva o facho para vários pontos da sala, mas não é capaz de encontrá-la.
Ele vai até um interruptor e acende as luzes.

SEQ. 5 - Int. – Noite – Cozinha

Ulisses abre a geladeira, pega uma bandeja de sanduíches e abre uma


lata de cerveja, para dar um gole longo e sedento.

SEQ. 6 - Int. – Noite – Sala – Estante

Ulisses está escolhendo um livro na estante. Em seu braço, uma pulseira


de prata tem gravado o nome de Ulisses. Ele pega a Ilíada, de Homero.

SEQ. 7 - Int. – Noite – Sala – Sofá

Várias latas de cerveja abertas sobre a mesa. Restos de um sanduíche


sobre a bandeja. Ulisses está lendo distraído, deitado num sofá. Fecha
o livro e senta-se. Dá uma olhada em direção a uma escada que leva ao
segundo andar.

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SEQ. 8 - Int. – Noite – Corredor

Ulisses está no corredor dos quartos da casa. Ele abre a porta do


primeiro quarto, acende a luz e olha por instantes, depois fecha a porta.
Faz o mesmo com mais duas portas até que, na terceira, ele entra. Lá
dentro, sobre a cama, está deitada uma mulher vestida com uma camisola
longa e bordada. Ela não esboça reação.

Ele aproxima-se e vê que era a mulher que havia visto com a luz da
lanterna. Ulisses repara que ela está completamente imóvel e de olhos
abertos. Coloca os dedos sobre sua carótida, depois vai para o pulso,
nada. Ulisses fecha os olhos da mulher. Senta-se a seu lado na cama. Por
um tempo, fica parado, pensando. Olhar perdido. Até que resolve retirar
suas botinas. Deita-se ao lado da mulher, cruza os braços sob a cabeça
e fica olhando para o teto, até que se vira de lado, em posição fetal, e
pega no sono com a luz acesa.

SEQ. 9 - Ext. – Dia – Casa – Quintal

Ulisses acabou de fechar uma cova e joga a pá no chão.

SEQ. 10 - Ext. – dia – casa – deck

Ulisses está pelado tomando sol, lendo a Ilíada, deitado numa


espreguiçadeira. Ele ouve pessoas chegando. Helena chega ao jardim
conversando com o jardineiro. Os dois conversam sobre as plantas. Helena
e o jardineiro não veem a cova, mas ela repara em Ulisses tomando sol.
Ulisses observa os dois. Helena troca um longo olhar com ele. Este, por
sua vez, levanta-se colocando a cueca e entra casa.

SEQ. 11 - Int. – dia – casa – cozinha

Ulisses prepara um almoço sofisticado. Ele manipula os ingredientes


com a maestria de um chef. Abre uma garrafa de Chateauneuf du Pape e vai
degustando aos poucos. Embora a sua estampa seja bem rude, suas maneiras
são bem aristocráticas. Helena entra na cozinha.

Helena

- A Rô saiu?

Ulisses olha para ela de cima a baixo. Após tomar um gole no vinho...

Ulisses

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- Há pouco.

Helena

- Você é?

Ulisses

- Ulisses.

SEQ. 12 – Int. – Dia – Casa – Sala

Ulisses está sentado a uma mesa muito bem posta. Há taças de cristal
para água e vinho. Vários talheres. Ulisses come com fidalguia. Helena
entra na sala e, servindo-se de vinho, senta-se à mesa de frente para
Ulisses. Ela observa suas maneiras, e ele observa seus fartos seios
que quase saltam para fora do decote, onde oscila provocativamente o
nome Helena gravado em ouro e preso a uma corrente. Segue-se um jogo de
sedução e de olhares sugestivo.

SEQ. 13 – Int. – Dia – Casa – Vários cômodos

Ulisses transa com Helena em vários lugares da casa. Começa sobre a


mesa, depois vai para o sofá, a cama do quarto, o deck... Os gritos de
prazer de Helena são cada vez mais intensos, no entanto, Ulisses mantém
uma expressão impassível. Penetra Helena com um leve sorriso...

SEQ. 14 – Int. – Dia – Casa – Sala

Helena está nua, deitada sobre a mesa, ao lado de pratos e taças


reviradas. Ulisses toma mais um gole de vinho e, apanhando sua mochila,
sai por onde havia entrado na noite anterior.

SEQ. 15 – Ext. – Dia – Rua

Ao sair pela rua em frente à casa, Ulisses vê um carro que passa por
ele com um homem ao volante. O carro para em frente à casa, o homem salta
do carro e observa Ulisses, que se afasta com um sorriso em seu rosto.

FIM

Copyright by Luiz Ignacio Gama Filho

All rights reserved

Rio de Janeiro – 2011

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Exercício proposto 11

Estamos aí com outro herói, Ulisses (Odisseu) em sua jornada. Não é à toa que ele pega a Ilíada
na estante da casa que invade. Sua postura diante das normas do convívio social é extremamente
anárquica. É de fato um coletor de experiências. A porta da casa aberta ao passar é que determina
essa etapa de sua jornada. Pegamos carona com o nosso herói nesse momento.

Crie um herói utilizando a ideia de um herói conhecido e transporte-o para os dias atuais,
adaptando sua postura diante da vida.

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12. A ADAPTAÇÃO DE UMA OBRA LITERÁRIA
A adaptação de uma obra literária requer prática. Como sempre, o que vai ajudar será o treinamento.

A seguir, dou um exemplo a partir de um trecho de Moby Dick, de Herman Melville.

Avançar, gritou Ahab aos remadores e os botes laçaram-se ao ataque; mas, enfurecido
pelos ferros da véspera que lhe cortaram a carne, Moby Dick parecia possuído, ao
mesmo tempo, por todos os anjos caídos do céu. Os largos feixes de tendões ligados
que se espalhavam em sua imensa fronte branca sob a pele transparente pareciam
entrelaçados; quando apareciam de frente, sacudindo a cauda em meio aos botes;
e mais uma vez, desferiu mangualadas que os afastaram uns dos outros; fazendo
tombar na água os ferros e as lanças dos botes dos dois imediatos, estraçalhando
um lado da parte superior das suas proas, mas deixando o de Ahab quase sem um
arranhão (MELVILLE, 2009).

SEQ. 1 - Ext. – Dia – Alto Mar

Ahab está de pé na proa de um dos botes baleeiros, o mar é agitado


pelos movimentos de Moby Dick, que luta desesperado, de suas costas
jorram jatos de sangue que mancham o mar a sua volta de vermelho. Todos
os homens nos botes em volta olham para Ahab, aguardando sua ordem.

Ahab

- AVANÇAR! HOMENS, AVANÇAR!

Os homens gritam em seus botes e partem para o ataque. O imenso


cachalote reage batendo a cauda contra a água e esbarrando em alguns
botes, que são facilmente destroçados. O do imediato é um dos atingidos.

Ahab, firme em seu bote, olha desafiador para a baleia.

Vamos agora desenvolver uma decupagem técnica:

PLANO 1: Travelling percorre o corpo ferido de Moby Dick, o sangue


escorre pela sua pele branca. O som do mar e a respiração da baleia são
ensurdecedores.

PLANO 2: Close de Ahab, que grita “Avançar!” para os homens.

PLANO 3: Plano Geral dos botes, mostrando os arpoeiros levantando seus


arpões.

PLANO 4: Plano Conjunto de um arpoeiro na proa do bote levantado seu


arpão, a seu lado, o esforço do remador de proa. O arpão é lançado.

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PLANO 5: Plano Médio acompanha o arpão cortando o ar até atingir a
pele branca da baleia.

PLANO 6: Plano Detalhe da cauda da baleia batendo na água.

PLANO 7: Plano Conjunto de um arpoador caindo na água levado por uma


onda.

PLANO 8: Plano Geral mostra alguns botes virando, a baleia avança em


sua direção e os destrói.

PLANO 9: Close de Ahab revela sua expressão de ódio.

SAIBA MAIS

Para registrar seu roteiro, acesse o site da Biblioteca Nacional.

“O Registro de Obras é um serviço prestado pelo Escritório de Direitos Autorais (EDA) da Biblioteca
Nacional, de acordo com a Lei nº 9.610 de 19/02/1998. O registro dos direitos autorais sobre uma
obra intelectual permite o reconhecimento da autoria, especifica direitos morais e patrimoniais e
estabelece prazos de proteção, tanto para o titular, quanto para seus sucessores.”

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CONCLUSÃO
Este módulo encerra-se, e espero que o objetivo de aprofundar-se na parte que tange à criação
tenha sido valioso para você.

Serão muitas as dificuldades que você encontrará para criar. Trata-se de treino, e acredito que,
com os exercícios propostos, que devem ser feitos, esta etapa poderá ajudá-lo. Você pode trocar
ideias e exercícios com os colegas do curso ou falar das dificuldades nos nossos chats. Querendo
um aprofundamento do curso, as referências bibliográficas irão ajudá-los. Boa sorte a todos, com
o desejo de que a imaginação floresça e ajude vocês a se tornarem grandes roteiristas.

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GLOSSÁRIO
Anacrônico: Que se opõe ao que é cronológico; em que há anacronismo; que não se adapta aos usos
ou aos hábitos de uma época; obsoleto; contrário ao que é moderno; que é antiquado, retrógrado:
pensamento anacrônico; que não obedece à sucessão normal do tempo; contrário à cronologia.

Arquétipo: “Primeiro modelo ou imagem de alguma coisa, antigas impressões sobre algo. É um
conceito explorado em diversos campos de estudo, como a Filosofia, Psicologia e a Narratologia.”
(Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Arqu%C3%A9tipo>).

Avant-garde: “Agente, grupo ou movimento intelectual, artístico ou político que está ou procura
estar à frente do seu tempo, relativamente a ações, ideias ou experiências. = VANGUARDA.” (Fonte:
<https://www.priberam.pt/dlpo/avant-garde>)

Biltre: “Que se comporta de maneira vil; que gosta de praticar vilezas (canalhices); canalha.” (Fonte:
<https://www.dicio.com.br/biltre/>).

Imagético: Que se consegue exprimir através de imagens; que se pode referir ao que contém imagens;
que demonstra imaginação.

Melífluo: “Que flui ou mana como o mel; agradável, suave, harmonioso: voz melíflua.” (Fonte: <https://
www.dicio.com.br/melifluo/>)

Unicidade: “Singularidade; característica ou condição de ser único, de não haver outros.” (Fonte:
<https://www.dicio.com.br/unicidade/>)

Verossimilhança: “Chama-se (português brasileiro) ou verosimilhança (português europeu), em


linguagem corrente, ao atributo daquilo que parece intuitivamente verdadeiro, isto é, o que é atribuído
a uma realidade portadora de uma aparência ou de uma probabilidade de verdade, na relação ambígua
que se estabelece entre imagem e ideia.” (Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Verossimilhan%C3%A7a>)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix, 1995.

________. O voo do pássaro selvagem: ensaios sobre a universalidade dos mitos. São Paulo: Rosa
dos Tempos, 1997.

________. Para viver os mitos. São Paulo: Cultrix, 2000.

CALMON, Pedro. O que é arquétipo? O arquétipo, 28 set. 2011. Disponível em: <https://oarquetipo.
wordpress.com/o-arquetipo>. Acesso em: 25 abr. 2017.

CANDIDO, Antônio. A personagem no romance. In: ______. A personagem na ficção. São Paulo:
Perspectiva, 1968. Coleção Debates.

CHRISTOPHER Vogler. Wikipedia, 28 mar. 2013. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Christopher_


Vogler>. Acesso em: 25 abr. 2017.

CINEMA do Brasil. Wikipedia, 18 mar. 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema_do_Brasil>.


Acesso em: 15 abr. 2017.

COMPARATO, Doc. O roteiro para TV. 4. ed. São Paulo: Globo, 2009.

CURIOSIDADES sobre 15 filmes clássicos. Guia dos curiosos, 15 ago. 2013. Disponível em: < http://
guiadoscuriosos.uol.com.br/>. Acesso em: 26 abr. 2017.

FIELD, Syd. Manual do roteiro. São Paulo: Objetiva, 1982.

______. Os exercícios do roteirista. São Paulo: Objetiva, 1995.

______. 4 roteiros. São Paulo: Objetiva, 1997.

______. Como resolver problemas de roteiro. São Paulo: Objetiva, 1998.

______. Os fundamentos do roteirista. Curitiba: Arte & Letra, 2009.

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FRAGA, Plínio. Para Robert McKee, importante consultor de roteiros, cinema brasileiro canibaliza
romances. O Globo, 28 jan. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/para-robert-mckee-
importante-consultor-de-roteiros-cinema-brasileiro-canibaliza-romances-7411158>. Acesso em: 26 abr. 2017.

GEORGES Méliès. Wikipedia, 22 abr. 2017. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/


Georges_M%C3%A9li%C3%A8s>. Acesso em: 25 abr. 2017.

MARTINEZ, Monica. Jornada do herói - Estrutura narrativa mítica na construção de histórias de


vida em jornalismo. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2008.

MELVILLE, Herman. Moby Dick. Trad. Irene Hirsh e Alexandre Barbosa de Souza. São Paulo: Cosac
Naify, 2009.

SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Escreva um roteiro


de filme. Sebrae, 25 jul. 2015. Disponível em: <academiasebrae.com.br/atitude/escreva-um-roteiro-de-
filme/>. Acesso em: 26 jul. 2015.

VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estrutura mítica para roteiristas. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2006.

XAVIER, Ismail. D. W. Griffith: o nascimento do cinema. São Paulo: Brasiliense, 1984. Col. Encanto
Radical.

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