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Cotidiano

Cultura na veia

A calangueira de
Ibatiba: quem pode
desafiá-la?
Maria Pereira de Assis Martins mantém, na
cidade, tradição que herdou do pai

Diego Araujo
diego.araujo@redegazeta.com.br

Publicado em 18/05/2020 às 12h49


Atualizado em 18/05/2020 às 12h52

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“Ei, moçada, pra vocês eu vou falar, / Sou


daqui de Ibatiba, terra boa pra danar. / Sou
filha do Ardelino, não nego meu natural, / Se
quiser me ver contente vai lá em casa passear,
/ Vai tomar um cafezinho e comer broa de
fubá / E se não tiver muita pressa inda pode
pernoitar, / Vai apanhar amor comigo e acabar
de me matar...”.

Os versos improvisados foi ela mesma que


inventou. Maria Pereira de Assis Martins, 67
anos, não nega mesmo suas origens. Desde
criança, acompanhava o pai nos bailes da roça,
no interior de Ibatiba, município da Região do
Caparaó capixaba. E foi ali, na capital estadual
dos tropeiros, onde tudo começou.

“Eu era a caçula, ia para os bailes e ficava


prestando atenção no meu pai, nos versos que
ele cantava, e amava tudo aquilo. O tempo
passou, meu pai faleceu, deixei isso um pouco
de lado. Quando estava com 30 e poucos
anos, senti de novo a necessidade de retornar
com os versos, com o calango”, relembra uma
Maria emocionada.

O calango é uma tradição em Ibatiba e muito


se deve à paixão de Maria. Nada mais é do que
um desafio, uma rima improvisada, uma
espécie de repente do Nordeste, que é
ritmada, na maior parte das vezes, por uma
sanfona. O calangueiro, como é chamado o
cantador de calango, pode cantar sozinho,
mas a graça mesmo para quem está ouvindo e
para o próprio calangueiro é a disputa. Um
canta um verso e o outro canta outro. Um jogo
de frases improvisadas ou que já fazem parte
do vocabulário calangueiro.

"O povo fica com vergonha


ao meu lado. É difícil
achar um homem para me
desafiar"
Maria Pereira de Assis Martins
Cantadora de calango

“Primeira coisa para saber cantar o calango:


tem que saber inventar um verso e ter
coragem de cantar, porque tem gente que não
tem coragem de cantar na praça igual eu
canto, não”, diz uma Maria arretada.

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E não é que é verdade. Não é fácil encontrar


alguém para desafiar Maria na praça da
cidade. O povo gosta mesmo é de vê-la.

Admilson Dias Ribeiro, neto de tropeiro importante


na cidade, Leopoldino Ribeiro

Muito privilegiados
“Somos gratos a Deus e nos sentimos muito
privilegiados em termos a Maria de Assis,
carinhosamente conhecida como Maria do
Boi, como nossa conterrânea. A sua
originalidade demonstrada pela simplicidade,
trabalho, simpatia, hospitalidade e,
principalmente, sua alegria, mantêm vivas as
marcas da nossa cultura tropeira ibatibense.
Enfim, ela muito bem nos representa.”  

“O povo fica com vergonha ao meu lado. É


difícil achar um homem pra me desafiar”,
conta, de certa forma, orgulhosa, já que ela é
uma das poucas mulheres que sabem o
calango no município.

Pense numa mulher festeira, pense na Maria!


Se você telefona para ela, ganha um verso; se
vai até a casa dela, ganha um verso também.
Muitos, ela lembra da época em que via o pai
cantando, outros foi conquistando com o
tempo, montando o próprio repertório e
fazendo suas anotações em um caderninho.

Gecinete Pimentel de Carvalho, diretora de


Promoções Culturais de Ibatiba

Memória viva
“Maria é a memória viva da cultura de Ibatiba.
Há anos se vestindo de boi pintadinho,
mulinha, entre outros personagens, além de
ser a alegria em pessoa. No desafio do
calango, não há homem que ganhe dela. Eu
sempre brinco que a Maria do Boi é o
patrimônio cultural de Ibatiba.”  

“Guardei muitos versos na cabeça. Muitos


deles nem precisei anotar. Lavando roupa, eu
canto; fazendo comida, sentada no sofá vendo
TV, não tem tempo ruim, ainda mais agora que
não estamos podendo sair de casa por conta
do coronavírus. O povo até brinca que, quando
a festa de roça tá ruim, é pra eu ir lá cantar que
melhora. A gente se diverte, é uma verdadeira
brincadeira também”, orgulha-se.

Faz-tudo na cidade

A fama de festeira de Maria é tão grande em


Ibatiba que ela ganhou até um apelido: Maria
do Boi. Isso porque, além do calango, se veste
de boi pitadinho, também há muitos anos,
outra importante tradição cultural da cidade.

Rosângela Alcântara, empreendedora do Circuito


Turístico Caminhos dos Tropeiros

Está sempre nos trazendo


alegria
“Maria do Boi está sempre nos trazendo
alegria. Ninguém consegue ficar triste perto
dela. Sabe como ninguém fazer um desafio de
calango, cantar versos, contar história, além
de fazer delícias da nossa culinária tropeira,
como a xiringa – espécie de biscoito de doce
ou sal, broas de melado... Maria é nota 1000.”  

E ST E V Í D EO P O D E T E
I N T E R E SSA R

“Eles falavam que eu era muita danada.


Brincavam ‘chama a Maria porque ela é
alegre’. No fim de ano, eu era Papai Noel. Em
festa, me chamavam pra ser palhaço. E assim,
fui indo. Acaba que quase todo mundo me
conhece na cidade.”

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