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O presente trabalho tem por objetivo verificar se existe alguma relação entre tamanhos de frases e
informações a serem passadas em textos escritos de gêneros diferentes.
O corpus constitui-se de uma carta de Clarice Lispector enviadas às irmãs, quando habitava a
cidade de Torquay, e um trecho de “Os desastres de Sofia”, conto pertencente ao livro “Legião
Estrangeira”. A seleção do trecho deve-se pela peculiaridade de que fora publicado primeiramente na
coluna que Lispector mantinha no Jornal do Brasil, com o título de “Travessuras de uma menina - III
(noveleta)” Ora, o texto jornalístico tem uma fugacidade característica: é lido e logo abandonado para
entrar-se em outro texto, seja jornalístico, seja artístico. A carta, no entanto, pode ser lida para
rememorar fatos contados e, como vemos nesta missiva, para a necessidade de retomá-la para
responder às interrogações do remetente.
Outra diferença está no interlocutor: A carta é escrita a duas pessoas conhecidas, que possuem um
conhecimento prévio da locução e do que pode ocorrer à irmã, enquanto o conto/crônica dirige-se a
destinatários que podem ou não manter alguma espécie de vínculo com a escritora. Portanto, é
possível afirmar que a carta tem um caráter pessoal, enquanto o texto literário social.
A escolha por Clarice Lispector deve-se pela sua estilística, pois ela, nas narrativas literárias,
arquiteta as cenas e as impressões das personagens através de frases longas e de uma espécie de
poesia interiorizada. A poesia, como se sabe, é construída através de pés métricos para dar ao
conteúdo movimentação visual e sonora capaz de potencializar essas informações.
A análise da carta e do conto foi feita a partir a observação do número de palavras/frase, de modo a
perceber se existe na epístola algum objetivo de criação literária. Constataremos, pois, que não o há.
Análise
“Travessuras de uma menina III” apresenta uma distribuição muito irregular entre frases curtas e
longas. Se, no primeiro parágrafo, temos 3 ocorrências de frases de 11 a 15 palavras de um total de 5
frases, no decorrer do trecho percebe-se a queda do índice de 60% para 19%, ou seja, 9 de 47.
Mas, observando-se o mesmo conjunto na carta de Torquay, o índice é semelhante: 19,15.
Se não há grande discrepância entre as duas obras quanto a este grupo, em outros há uma larga
diferença. Frases curtas construídas por 6 a 10 palavras no conto são 8 de 47 (17,1%), enquanto na
carta atinge a marca de 25 de 50 (50%). Todavia o índice de longas na carta queda para apenas 6%, e
eleva-se para 49% no conto.
Assim, considera-se, pela amostragem, que as frases no conto são predominantemente longas, ao
passo que as da carta são de maioria curta.
Conclusão
Na necessidade de explorar além da cena narrada, Lispector constrói um texto harmônico: suas
longas frases indicam as reflexões e impressões pessoais da menina, enquanto as curtas indicam os
momentos de surpresa – ações impactantes do professor à ela.
Nas cartas percebe-se que Lispector não possui a mesma preocupação: a construção é mais
desordenada, com maior incidência de frases curtas, que lhe permitem mudar logo de assunto; são
lançadas de modo a passar o maior número possível de informações. Temos, portanto a percepção de
que a Lispector ficcionista necessita de uma quantidade maior de palavras por frase para detalhar que
a Lispector missivista, apenas comunicadora de fatos.
Corpus
Minhas queridas,
Recebi duas cartas de vocês: uma de Tânia e depois outra de Elisa. Mas é pouco. Já
gostaria de estar de novo com vocês. Até há pouco, mal tive tempo de pensar: Pedrinho me
ocupava sempre. Agora tenho uma babá, uma moça mais ou menos simpática. Pedrinho
ainda não gosta nada dela. Receio que ele não goste de nenhuma, por causa da língua. Ele
a chama de miss Peggy. Ontem ele disse: "ele tem medo de miss Pegggy". Não sei se é
verdade. - O hotel é muito bonzinho e estamos bem longe de estar passando fome. Tem
muitos americanos aqui, simpáticos, com os quais nos damos. Fomos a um teatro razoável,
vamos de vez em quando ao cinema.
Pedrinho diz para miss Peggy: vai embora! Vai embora! - vira-se depois para mim e
diz com o tom mais melífluo (aprendido de mim quando lhe mostro as qualidades da babá):
"ela é ta, ta, (tão) boazinha! Vai embora, miss Peggy!"
Mas pouco a pouco a coisa está indo. Estamos bem de saúde, e gostando do hotel.
Pedrinho à vezes brinca com um menino norueguês. Eles mal se olham. - Acabei de
receber sua carta, Tânia querida. Ainda bem que os hóspedes só ficaram 4 dias. Com esta
carta, veio uma de d. Zuza... desistindo de vir. Muito bom. Quantos dias você passou em
Belo Horizonte, Elisa? Não é simpática a cidade? Hoje fui ao dentista e arranquei um
dente de siso. Apesar disso, sobra-me muito juízo. - Pedrinho vive tocando as campainhas
do hotel - os garçons ficam malucos. Ele está muito bestinha e às vezes meio manhoso.
Entro no quarto dele e ele choraminga: ele quer ver o bigode do papai!
Sempre falo para ele de vocês e ele pergunta muito. - Hoje está fazendo um belo sol. As
coisas estão muito melhores do que no começo. Vou ver se tomo aulas de inglês. Entrei
numa livraria de aluguel. Vamos ver se vamos passar o fim de semana próximo em
Londres, se tudo correr bem. Elisa querida, obrigada pelo recorte de jornal. Se eles
soubessem como sei pouco a respeito de existencialismo... Mas o artigo é bom e pela
primeira vez tocaram em certos pontos, mostrando-me que minha intenção não foi toda
perdida.
Um beijo para Marcinha: que ela me escreva. William está totalmente bom? Que
brincadeira. Um abraço grande para ele.
Com amor,
Clarice
Bibliografia: