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A ANÁLISE GEOGRÁFICA, OLIVIER DOLFUSS

Coleção Saber Atual, Difusão Europeia do Livro, São Paulo, 1973.


CAPÍTULO VI - OS MODELOS E A GEOGRAFIA, págs. 121 a 129.

INTRODUÇÃO

"Aprendemos, desta maneira, a olhar para além das aparências, a


fim de atingir a raiz das coisas".
PAUL KLEE

O geógrafo estuda as modalidades de organização do espaço terrestre, assim como a


distribuição das formas e das populações (no sentido de coleções de indivíduos) sobre a
epiderme da Terra. Seu procedimento deriva de uma dialética entre a descrição e a
explicação; ele propõe permanentemente questões que se vão encadeando e que começam
por: onde, como e por quê. De início, o geógrafo localiza e situa aquilo que constitui o
objeto de sua pesquisa, descreve e define as formas, o que o leva à análise de sua
disposição, de sua repetição, de sua similitude e singularidade. Procura classificá-las,
ordená-las, de maneira lógica, compreensiva e coerente. Como aponta Darby, a geografia
constitui uma ciência na medida em que os dados por nós percebidos são examinados e
avaliados minuciosamente; e é uma arte pela forma de apresentação dos dados escolhidos,
selecionados, ordenados e avaliados. As classificações são feitas através da interpretação
dos fatos localizados, obedecendo a uma escala e recolocando esses mesmo dados em
perspectivas diferentes relativamente a níveis de percepção distintos, cada um dos quais
focaliza o objeto do estudo sob um ângulo que lhe é peculiar. Alguns traços esmaecem ou,
pelo contrário, são evidenciados, em função da escala de observação. Sabe-se que um
mesmo elemento se apresenta de maneira muito diferente conforme seja olhado a olho nu,
com auxílio de uma lente ou de um microscópio.
A análise leva o geógrafo a compreensão das modalidades de organização no espaço
constituído pela superfície terrestre e pela biosfera que a molda. Dependendo de sua
orientação ou de sua especialização científica, ser-lhe-á possível dar maior ênfase a este ou
àquele domínio específico, mas ele está sempre analisando urna "situação geográfica"
nascida das relações que se estabelecem no interior de um espaço entre diversos elementos;
ele os localiza, investiga os sistemas que presidem a sua evolução e determina a área de sua
extensão.
Contudo, o domínio fundamental da geografia ainda é o estudo dos grupos humanos, das
populações que organizam o espaço em quem vivem e de que vivem esses grupos, em
função de sua civilização, isto é, retomando a expressão de Pierre Gourou, "o conjunto das
técnicas pelas quais se regulam as relações dos homens com o meio (1) e as relações dos
homens entre si". Esta observação não exclui o fato de que alguns geógrafos orientam suas
pesquisas para a organização e para a evolução dos espaços naturais (é a geografia “física"
ou natural) ou para a distribuição e para as atividades dos homens no espaço (é a geografia
"humana").
Haggett propõe cinco temas principais a atenção dos geógrafos:
- a diferenciação espacial, tema fundamental segundo o geógrafo americano Hartshorne;
- a paisagem, quo constitui a aparência diretamente perceptive1 do espaço;
- as relações entre o homem e o meio ambiente. Este tema poderia levar a uma ecologia
humana falseada por um jogo de determinismos convergentes se, entre o homem e a
natureza, não interpuséssemos a civilização, com toda a sua densidade histórica;
- as distribuições no espaço,
- o tema geométrico, desenvolvido particularmente por Bunge. Recorre as técnicas
matemáticas e uma de suas formas de expressão é o mapa.
Retomaremos estes temas no decorrer dos capítulos do presente ensaio, dedicado ao
procedimento do geógrafo e as modalidades de análise por ele utilizadas. As questões são
aqui tratadas em sua generalidade, da maneira como se apresentam ao geógrafo, qualquer
que seja sua especialidade.
Ao fazer suas pesquisas, o geógrafo trabalha com os mesmos dados utilizados por muitas
outras disciplinas, sejam elas ligadas as ciências do homem ou ciências da natureza. Tira
proveito da contribuição dessas ciências, tal como se vale das conquistas da física, da
química e da biologia. Tem necessidade do conhecer as elaborações mentais dos lógicos,
assim como, em outro plano, lança mão das técnicas do número e da forma. No presente
trabalho, não serão estudadas as técnicas utilizadas pelo geógrafo e por ele compartilhadas
com outras disciplinas. Assim, não se tratará da análise fatorial que possibilita a
compreensão das inter-relações e ajuda a esquematizar e a ordenar uma realidade muito
densa. O geógrafo pode recorrer a essa análise, tal como o psicólogo, o economista ou o
homem de empresa. Da mesma forma, embora a geografia se exprima muitas vezes através
do mapa que, de acordo com Sauer, constitui sua forma de linguagem privilegiada, e
embora o mapa represente simultaneamente um instrumento de análise e um quadro que
permite a apresentação localizada e esquemática dos resultados, não procederemos ao
estudo dos mesmos como instrumentos de pesquisa. Tal como o da análise fatorial, este
estudo é feito em livro consagrado as técnicas utilizadas em geografia, sejam elas
dependentes de uma aparelhagem material, como uma coluna de peneiras para a
granulometria, ou de uma aparelhagem mental, como a lógica e a matemática. Uma parte
dessas técnicas, assim como os métodos da geografia, constituíram o objeto de outro
volume desta mesma coleção (2).
Aqui, encaramos a análise geográfica sob o ângulo de uma problemática.
No vasto domínio do espaço terrestre, explorado e iluminado pelos feixes luminosos de
outras disciplinas, o geógrafo atribui o primeiro lugar em sua pesquisa as relações entre a
localização, a organização e a diferenciação espaciais. Classifica as estruturas
organizadoras de espaço e decompõe os sistemas que as regem; estuda a intensidade dos
fenômenos e a densidade das populações, o volume das cargas transportadas e das trocas,
depreende o significado dos limites e das descontinuidades que retalham o espaço, busca o
sentido das evoluções. Dentro desta perspectiva, existe uma certa unidade, devido a
convergência dos procedimentos dos geógrafos; entretanto, esta unidade não exclui a
diversidade dos temas e dos ângulos de abordagem. Esta diversidade é que conduz
necessariamente os geógrafos a especialização neste ou naquele ramo da geografia. A
geologia, tal como a biologia, é uma ciência que comporta subdivisões intercomunicantes;
o mesmo acontece com a geografia.

(1) A palavra meio é aqui empregada como sinônimo de meio ambiente natural. Talvez seja preferível
reservar esta expressão meio para designar um conjunto dominado e determinado por um elemento: a terra, as
águas, os ares ou ainda: a cidade, os campos.
(2) P. GEORGE Os métodos da geografia, col. 'Saber Atual', no. 151, Difusão Europeia do Livro.
CAPÍTULO VI
OS MODELOS E A GEOGRAFIA

Ha vários anos já, vêm os geógrafos, sobretudo os anglo-saxões e os escandinavos,


recorrendo a modelos para o tratamento de questões de organização espacial. Assim
procedendo, eles estão apenas seguindo o exemplo de outros especialistas das ciências
sociais, ou econômicas, e constroem modelos análogos aos empregados por empreiteiros,
estrategistas ou por especialistas em organização de território. Uma abundante literatura
tem sido dedicada aos modelos em geografia. Com efeito, a matematização supõe um
modelo. Podemos citar aqui as diversas contribuições reunidas por J. Chorley e por P.
Haggett sob o título de Models in geography (Methuen, 1967).
Numa das páginas anteriores, já propusemos uma definição do modelo, quando nos
referimos ao ciclo de erosão davisiano. Para o antropólogo inglês Leach o modelo é um
quadro que tem uma necessidade lógica e um poder de explicação de tal ordem, que
permite que se façam deduções verdadeiras. Segundo Nadel, o modelo não passa de uma
redução de uma realidade múltipla a um quadro simples e coerente cuja simplicidade e
coerência adviriam do fato de que este quadro representa apenas uma maneira de
considerar a realidade. Num artigo denominado "Matematizar as ciências do homem" (1),
A. Régnier afirma que "o modelo constitui uma representação do fenômeno, ao mesmo
tempo simplificada e global. Não se produz um modelo para representar todas as pro-
priedades de um fenômeno, todas as relações dos seres entre si, todos os aspectos de um
fato concreto. Abstraímos alguns aspectos do concreto, simplificando-o".
A partir dessas definições poderemos formular alguns comentários. Quando estabelece
mapas, que são alias uma de suas formas de linguagem, o geógrafo constrói modelos, pois
está reduzindo, esquematizando e simplificando a realidade. O mapa, ou a comparação de
mapas, oferece-lhe a possibilidade de fazer "deduções verdadeiras."
Os modelos são conhecidos de há muito na história das ciências. Mencionamos
anteriormente o ciclo de erosão de Davis; os fisiocratas definiam no século XVIII um
modelo de desenvolvimento econômico e elaboravam um circuito de riquezas baseado
inicialmente nos produtos da terra. E não podemos deixar de achar urna certa graça quando
encontramos, dois séculos mais tarde, o mesmo esquema reproduzido pela pena de um
quase homônimo de um dos maiores fisiocratas; com uma diferença, porém: desta vez, a
indústria substitui a agricultura corno fundamento da riqueza (2). Em 1826, Von Thünen[1]
estabeleceu um primeiro modelo de equilíbrio da exploração no espaço. O espírito
científico do século XIX era propenso a construção de modelos que possibilitassem a
previsão das evoluções.
A busca dos equilíbrios globais, dos sistemas que se regulem a si mesmos (como a
população no espaço, de acordo com a teoria de Malthus), a auto-regulagem das estruturas
pela qual tanto se interessa Piaget, representam heranças de séculos passados,
ingenuamente descobertas por certos indivíduos, carentes por vezes de cultura. O que há de
realmente novo não é a teoria ou a ideia de modelo, e sim a possibilidade de utilizar
computadores para tratar uma multiplicidade de dados formalizando-os num tempo
reduzido; mas é sobretudo a obrigação de estabelecer um programa rigoroso e lógico, antes
de passar ao tratamento da informação.
A construção de um modelo impõe a existência de conceitos. "Construir um modelo é alçar
o discurso matemático ao nível de rigorismo em que a lógica formal dos predicados é
válida, é, portanto, e antes de tudo, definir, estabelecer conceitos" (3). Ora, é
imprescindível que os conceitos sejam claros e que, em geografia, eles traduzam uma
faceta da realidade das coisas. Em nossa disciplina, os conceitos permanecem muitas vezes
bastante vagos. A construção de um modelo exige que se disponha de uma linguagem
precisa, e que os termos sejam definidos: isto pode acontecer previamente como sucede
com os termos matemáticos, mas esta definição também pode ser dada eventualmente, por
um procedimento axiomático. Como observa Régnier, "o resultado é que temos de
renunciar necessariamente a linguagem metafórica de que se valem em tão grande parte as
ciências humanas."
Em segundo lugar, será conveniente vencer o obstáculo da natureza das fontes que
constituem a matéria prima do tratamento das informações. P. George, insistiu com muita
justeza, em Os Métodos da Geografia, sobre o fato de que as fontes têm origens diversas,
muitas vezes dificilmente quantificáveis, apontando também que os dados quantificáveis só
podem ser utilizados até um ponto bastante restrito para os tratamentos exigidos pela
análise geográfica. E difícil medir o transporte por saltos das partículas sólidas num curso
d'água ou conhecer a velocidade de ablação de uma vertente. As estatísticas existentes não
traduzem satisfatoriamente a diversidade das situações geográficas e as divisões estatísticas
não se coadunam bem com as das estruturas geográficas. Os dados estatísticos
transportados para o nível do departamento revelam-se inoperantes para o tratamento da
diversidade das situações e evoluções locais. O geógrafo necessita muitas vezes de uma
trama estatística muito acurada, que chegue ocasionalmente até os dados concernentes ao
indivíduo. Estas observações dão-nos a possibilidade de compreender uma das utilidades
dos modelos: estes forçam o geógrafo a buscar informações realmente susceptíveis de
serem tratadas. Ora, a obtenção desses dados exige um trabalho longo e custoso e requer
um extremo rigor metodológico.
Entretanto, a questão fundamental da geografia ainda consiste em averiguar se os modelos
permitem "explicar o visível acrescido do invisível simples" (Jean Perrin). Será possível
aplicar a geografia a observação de Claude Lévi-Strauss quando este afirmava que "O
princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica,
mas sim aos modelos construídos segundo esta realidade; o modelo deve ser construído de
modo a permitir que seu funcionamento traduza todos os fatos observados". Podemos nos
perguntar se a natureza da geografia permite a esquematização do conjunto de dados
espaciais e o estudo das relações entre as sociedades, as civilizações e os espaços,
escolhendo apenas um número limitado de variáveis ou utilizando, pelo contrário, um
número muito grande de variáveis, algumas das quais são imperfeitamente conhecidas ou
dificilmente redutíveis... Evidentemente, os modelos de localização ou de estudos de fluxos
ofereceu vantagens teóricas. A nível do método, eles tornam possível estabelecer analogias
de funcionamento entre sistemas aparentemente distintos, e daí vem o valor epistemológico
do modelo. Contudo, mesmo aqui, temos de ser prudentes. É como observa Regnier, o
desejo formulado por Lévi-Strauss em 1954 "de encontrar lado a lado biólogos, linguistas,
economistas, sociólogos, engenheiros de telecomunicações e matemáticos, dominando um
formidável aparelho conceitual a respeito do qual eles vão descobrindo progressivamente
que ele constitui urna linguagem comum para todos" (Les mathematiques de l'homme) iria
desvanecer-se no decorrer do decênio seguinte. O mesmo autor escreveu em 1964, em Le
cru et le cuit: "melhor que ninguém, estamos conscientes das acepções extremamente
vagas que atribuirmos a palavras como simetria, inversão, equivalência, homologia,
isomorfismo". Embora deva ser buscada, a unidade de linguagem nas ciências constitui um
objetivo que provavelmente jamais será atingido, devido a heterogeneidade das formas de
encarar o real.
A formulação matemática das coisas corre o risco de encobrir diferenças que existem na
própria natureza das coisas observadas. A linguagem matemática, essencialmente abstrata -
pois a matemática só estuda objetos abstratos, inteiramente constituídos por sua própria
definição - não deve ocultar certas divergências fundamentais, nem representar uma
espécie de manto que recobre montes de conceitos cuja natureza é diferente. Entre os
economistas, a noção de espaço não é igual à adotada pelos geógrafos (4). Nos seus
diversos sentidos, um é sempre abstrato enquanto o outro é concreto, banal.
Feitas essas ressalvas, a busca de um vocabulário comum para as diferentes ciências do
real (naturais e humanas), que utilize necessariamente, como veículo, uma linguagem
matemática, contribui para o confronto dos objetivos das diversas disciplinas.
Como aponta Haggett, a construção de modelos em geografia tem ainda outra utilidade:
esses modelos constituem uma ponte entre o nível de observação e o nível teórico;
desempenham um papel lógico que consiste em explicar de que maneira se processa um
fenômeno. Sabemos, entretanto, que o modelo é neutro, não podendo ser nem verdadeiro
nem falso. O estabelecimento do modelo leva-nos a fazer uma escolha entre os principais
elementos ou variáveis. Implica um esforço de decomposição do real com o objetivo de
descobrir os laços de causalidade e de determinar as inter-relações. Assim, ao estudarmos
um fenômeno capital de nossa época, o do crescimento urbano, deveremos, através do
estudo de um grande número de exemplos, descobrir quais são os elementos motores e o
encadeamento lógico que explicam a urbanização, investigar quais são os seus freios e
procurar saber de que maneira se manifestam os dinamismos e as inércias. Em presença de
um sistema global, devemos procurar compreender seu funcionamento e sua articulação;
esta tarefa constitui simultaneamente um trabalho de anatomista e de fisiologista. A
construção de um modelo exige algumas etapas prévias que nos obrigam a compreender a
natureza das coisas e, ipso facto, a nos dar conta de nossas ignorâncias e de nossas
incertezas. Uma vez construído, isto é, estabelecido o programa e pronto para o tratamento,
o modelo servirá para a elaboração da teoria: teoria do crescimento urbano, da erosão das
vertentes, da localização das atividades etc. Observamos então as similitudes e as
diferenças existentes entre a imagem fornecida pelo modelo e a realidade. E ninguém
desconhece que nas ciências do real o modelo sempre contradiz em alguns aspectos as
realidades que podem ser observadas no espaço geográfico; também sucede que o modelo
só possa ser aplicado a alguns setores do espaço. A teoria dos lugares centrais definida por
Christaller aplica-se a Baviera, onde as cidades de pequeno e médio porte se distribuem
regularmente pelas colinas e vales do Land; mas já não é aceitável para o Ruhr, constituído
de um conglomerado de cidades cujas influências se sobrepõem e se entrecruzam. Por
certo, a área de influência de centros de poder comparável tende a assumir uma forma
hexagonal; é a forma das células no interior dos favos de mel ou da disposição de inúmeras
células nos organismos vivos. Mas a rugosidade do espaço e o jogo variável da história
fazem com que as distribuições ocorram raramente de maneira regular numa superfície
muito vasta.
O modelo apresenta, finalmente, uma última utilidade. Os modelos dinâmicos permitem
prever, quando não as evoluções, pelo menos determinar as possíveis tendências em função
de um jogo determinado. É nisto que reside a técnica dos cenários, praticada pelos
empresários e planificadores. Talvez estejamos saindo aqui do domínio estrito da análise
geográfica que consiste antes em conhecer o que é do que antecipar o que será, mesmo que
esta previsão do futuro se apoie no conhecimento do presente e em toda a espessura de um
passado significativo.
Duas escolhas ameaçam o geógrafo. O primeiro consiste em negar o valor teórico,
epistemológico e sobretudo didático dos modelos, cujas dificuldades de construção
refletem tão-somente a ausência de dados básicos ou, o que é ainda mais grave, a
deficiência da reflexão conceitual. O segundo tropeço é criado pelo estabelecimento de
modelos em que se tenha aprofundado a questão dos conceitos e das fontes. O resultado
final não será então uma pesquisa original, mas sim a aplicação de técnicas e de
instrumentações que se terão tornado banais (emprego de programações já experimentadas
e de computadores). Por vezes também, uma observação algo atenta nos oferece a
oportunidade de alcançar resultados tão satisfatórios quanto os obtidos depois de longos
cálculos que mobilizem uma aparelhagem custosa. Tanto na pesquisa como na vida
econômica, permanecemos sujeitos às injunções de rentabilidade, particularmente à
rentabilidade do tempo e do trabalho, que é incompressível.
Parece inútil estabelecer um confronto entre os defensores de uma "nova geografia" que
recorrem sistematicamente ao emprego de modelos mas que estariam alicerçados na crença
de que a matemática confere rigor e exatidão a todos os assuntos em que se envolve, e os
defensores de uma geografia qualificada, por oposição, de "antiga" ou "tradicional", cujo
procedimento continua empírico, cuja análise é mais qualitativa que quantitativa e cuja
reflexão basear-se-ia numa vasta cultura, de contornos algo fluidos. O problema colocado
nestes termos não contrapõe os "modernos" e os “antigos”, mas apenas inicia uma querela
de pedantes e de sacristãos; representaria para alguns um risco de se desviarem
enveredando por um caminho pontilhado de todos os insucessos do cientismo do século
passado; ver-se-iam os outros privados do confronto da teoria e da realidade, indispensável
ao progresso de toda disciplina.
O geógrafo deve poder tocar em vários teclados aos quais correspondem as claves que
comandam as partições. Sabe que cada uma das notas tem o seu lugar próprio no concerto,
que ela intervém nos acordes instantâneos e que a sucessão das notas tocadas nos diversos
teclados ou por diversos instrumentos permite o desenrolar da linha melódica. Não existe
uma geografia qualitativa que se oponha a uma geografia dita quantitativa; aliás, a
matemática não é a ciência da quantidade. A expressão "geografia lógica" parece-me mais
indicada que a de "geografia quantitativa". Para a compreensão dos espaços organizados e
para o conhecimento das distribuições na superfície da Terra, existe apenas um único tipo
de pesquisa que pode ser aprofundada por análises não necessariamente quantificáveis, mas
que trarão resultados susceptíveis por vezes de serem obtidos com maior rapidez e
expostos de maneira mais clara graças a um raciocínio lógico e a uma formulação
matemática. O geógrafo segue o conselho dado pelo pintor Klee a um de seus alunos,
"aprendendo a olhar para além das aparências afim de alcançar a raiz das coisas". Endossa
igualmente a observação de Paul Valery, a propósito da História: "É preciso livrar-se do
infinito dos fatos pela avaliação de sua utilidade ulterior relativa."

1) Revue française de sociologie, julho-setembro, 1968.


(2) Artigos de QUESNAY em Le Monde, janeiro, 1971.
(3) REGNIER, art. citado.
(4) O. DOLLFUS, O espaço geográfico, col. "Saber Atual", n°. 153.

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