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O BRILHO QUE A
RAZÃO NÃO DEVASSA
Ensaios sobre a poética de Adélia Prado
G RU PO M U LT I F OC O
Rio de Janeiro, 2020
Copyright © 2020 Cleide Oliveira
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ISBN: 978-65-5611-070-7
CDD: B869.91
Entre as palavras lindíssimas uma é Verbo, singra o
tempo como uma estrela cadente e volta ao escuro.
São assim as poéticas, as místicas, têm as hipérboles
e os êxtases, o brilho que a razão não devassa,
gozo prometido aos simples de coração.
Antônia, O homem da mão seca.
Nota sobre as citações
REFERÊNCIAS ..................................................................................161
NOTAS DE FIM ............................................................................... 168
APRESENTAÇÃO
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Linguagem, poesia e sagrado
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sobre ela. É a poesia que traz o homem para a terra, para ela,
e assim o traz para um habitar (2002, p. 169).
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(...)
Granito, lápide, crepe,
são belas coisas ou palavras
belas? Mármore, sol, lixívia.
Entender me seqüestra de palavra e
coisa, arremessa-me ao coração da poesia.
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Acordei meu bem para lhe contar meu sonho: sem apoio
de mesa ou jarro eram
as buganvílias brancas destacadas de um escuro. Não
fosforesciam, nem cheiravam, nem eram alvas. Eram
brancas no ramo, brancas de leite grosso.
No quarto escuro, a única visível coisa, o próprio ato de ver.
Como se sente o gosto da comida eu senti o que
falavam:
“A ressurreição já está sendo urdida, os tubérculos da ale-
gria estão inchando úmidos, vão brotar sinos.” Doía como
um prazer.
Vendo que eu não mentia ele falou:
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Poesia e epifania
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Li nas Seleções que Jesus foi crucificado nu, por que nin-
guém nunca falou deste acontecimento magnífico? Nenhum
artista lembrou-se? Roupa de baixo com renda fina e bor-
dados, luxo dos luxos, porque ninguém me vê, é só para
honrar o corpo que Deus fez. Eu amo o corpo significa eu
Vos amo Jesus meu (O homem da mão seca, 2001, p. 338).
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A primeira vez
que tive consciência de uma forma disse à minha mãe:
dona Armanda tem na cozinha dela uma cesta onde põe os
tomates e as cebolas;
começando a inquietar-me pelo medo do que era
bonito desmanchar-se,
até que um dia escrevi:
‘neste quarto meu pai morreu, aqui deu corda ao relógio
e apoiou os cotovelos
no que pensava ser uma janela e eram os beirais da morte’.
Entendi que as palavras daquele modo agrupadas dispensava
as coisas sobre as quais versavam, meu próprio pai voltava
indestrutível.
Como se alguém pintasse a cesta de d. Armanda me dizendo
em seguida:
agora podes comer as frutas. Havia uma ordem no mundo,
de onde vinha? [...].
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A tríade adeliana
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Erotismo e mística
E agora O pelicano,
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desde que nós nos abramos a ele” (FLUSSER, 2002, p. 92), des-
coisificando-o. Do corpo à Palavra e da palavra ao corpo, eis o
périplo das personagens adelianas, que tateiam, cegas por esse
“brilho que a razão não devassa”, ao encontro da alteridade, que
pode ser, e frequentemente nos romances de Adélia o é, homens
e mulheres às voltas com o banal cotidiano, pelejando para al-
cançar uma coisa muito maior, algo que se encontra acima dos
interesses mesquinhos do dia a dia. Entretanto, é por meio desse
outro humano que o completamente outro será alcançado, pois é
a alteridade que revela “a água turva em que fui gerada”, e me
prepara para oferecer em sacrifício o pior de mim, aquilo que
não é divino, logo, que não pode ser assumido como valor, como
humano. Oferecendo-se em holocausto, o humano é dignificado,
sacralizado, utopicamente reintegrado à unidade. A poética de
Adélia fala de retorno e reconciliação, recuperando a caracterís-
tica da palavra mítica de aproximar realidades: a dos homens e a
dos deuses.
Em entrevista dada a Cecília Canalle (1996) Adélia afirma
que a poesia, à revelia dos poetas ateus, é intrinsecamente reli-
giosa: “eu não faço poesia religiosa, num sentido que muita gente
entende equivocadamente. O fato é que é a poesia é que é reli-
giosa, ela é sagrada”. A poesia é linguagem perfeita que não é
conteúdo ou assunto14, constituindo antes uma forma pela qual
o sagrado (o realíssimo) se revela. A poesia é busca pela Palavra
perfeita, anterior e fundamento de todas as palavras humanas, que
em sua forma poética são, como o disse Adélia em outro mo-
mento, o rastro que Deus deixa nas coisas... Logo, a poesia, mes-
mo aquela sem nenhum “assunto” religioso, é religiosa, porque
busca uma terceira margem da língua, estado epifânico em que:
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Poesia e morte
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As coisas tristíssimas,
o rolomag, o teste de Cooper,
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O poeta ficou cansado18
A sarça ardente
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Ave, ávido.
Ave, fome incansável e boca enorme,
come.
Da parte do Altíssimo te concedo
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que tive consciência de uma forma
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Leiamos o poema:
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que a humana, porque não grita, Ele mesmo, sua mensagem (vs.
5-6)?; c) a conclusão irritada dos versos 9-11 é que “tudo progre-
diu na terra”, porque então a insistência anacrônica em métodos
arcaicos, e aqui a figura de comparação para o poeta-profeta é a
de um caixeiro-viajante a percorrer inimagináveis distâncias para
vender suas espantosas quinquilharias.... Mas, inesperadamente,
o tom desse quase monólogo muda a partir do 17º verso, passan-
do da exasperação à bajulação: o poeta não quer mais se arriscar
em geografias distantes, quer estar ali, no recanto mais recôndito
e doméstico da casa, matando a fome divina com o mais simbó-
lico e nobre alimento: o pão. Toda a insolência inicial se arrefece
no pedido, agora humilde, de que lhe seja dada permissão para
aposentar-se como arauto divino, mas a surpreende resposta (vs.
21-22), apesar da doçura com que é proferida, não deixa dúvidas
que o pedido foi negado. Agora identificado como Senhor, o Tu
do 5º verso desarma poeta e leitor quando afirma que seu único
alimento são as humanas palavras (vs. 22), daí que o imperativo
do oficio de poeta-sacerdote não ser apenas humano, mas sobre-
tudo divino.
Retorna nesse poema uma questão que foi abordada na lei-
tura dos poemas Anunciação ao poeta e Genesíaco, mas que apa-
recem aqui de forma mais explicita: a noção de uma interde-
pendência orgânica entre o divino e o humano quando se trata
da realização poética. Um Deus que só se alimenta de palavras
é, em alguma medida, um Deus a quem falta algo que apenas
poderá ser suprido por um dos mais contingentes bens humanos:
a linguagem. Dos primeiros aos últimos livros de sua poesia é
possível perceber um percurso - que não é linear ou progressivo,
parecendo-se mais como uma espiral em curvas arriscadas – de
enfrentamento entre voz poética e voz divina. O que me parece
digno de nota nesse percurso é uma tentativa de demarcação de
espaços de convivência e mútua cooperação entre o poeta e o
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ser o fio de Ariadne a unir Deus e poeta em laços que não pode-
mos de todo compreender: se Ele é um Deus que só come pala-
vras (poema O poeta ficou cansado), o poeta é aquele que “respira
melhor ao narrar sua angústia”.
Por fim, uma última observação: muito embora na poética
adeliana o ofício do poeta seja compreendido de forma similar
a uma missão profética, a relação que nela se estabelece entre
o divino e o humano não é profissional, mas erótico-amorosa,
sujeita a desânimos, inquietações, cansaços, desistências e recon-
siderações mútuas, como ocorre de fato nos prosaicos relaciona-
mentos amorosos.
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Em roda de mim
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Uma ascese aos avessos
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Fica claro que a ascese adeliana, ainda que não seja um movi-
mento de disciplinarização e controle, é uma pedagogia do corpo,
pois é o corpo que precisa aprender que “não tem desvãos/ só
inocência e beleza”, e a referência a esse processo como uma pai-
xão não deixa dúvidas quanto ao paradigma dessa aprendizagem:
o deus-homem, Jesus Cristo. De forma sintética, o poema Festa
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a inocência da carne.
Expondo-te como um fruto
nesta árvore de execração
o que dizes é amor,
amor do corpo, amor.
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(...)
Quando eu ressuscitar, o que quero é
a vida repetida sem o perigo da morte,
os riscos todos, a garantia:
à noite estaremos juntos, a camisa no portal.
Descansaremos porque a sirene apita
e temos de trabalhar, comer, casar,
passar dificuldades, com o temor de Deus,
para ganhar o céu. (Poema O reino do céu)
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num pequeno ponto com uma atenção tão grande que ela
se movia aquecida movendo consigo o mundo, bola solta no
azul, outra poética formando-se, como bem disse o doutor,
‘quando passar a treva, a fonte jorra outra vez’. Como se
em meu próprio corpo toquei em Thomaz sem lhe pedir
perdão, uma outra Antônia, a verdadeira, viajava com ele a
Páramos (1999, p. 382).
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O discurso da alegria
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para além dos limites da vida sem que o cotidiano miúdo, que
transforma toda paixão em cinza, interfira no trágico dessa esco-
lha. A literatura eterniza o que é etéreo, sacraliza o que é banal,
confere coerência interna ao que é pura fragmentação aleatória.
Daí, por certo, as aproximações entre literatura e morte men-
cionadas por Blanchot e Foucault: a literatura, identificada por
Foucault com a pessoa do Ulisses da Odisséia, “(...) persegue essa
palavra fictícia, confirmando-a e conjurando-a ao mesmo tempo,
nesse espaço vizinho da morte mas erigido contra ela, no qual a
narrativa encontra o seu lugar natural. Os deuses enviam seus
infortúnios aos mortais para que eles os narrem, mas os mortais
os narram para que esses mesmos infortúnios jamais cheguem ao
seu fim, e que seu término fique oculto no longínquo das pala-
vras, lá onde enfim elas cessarão, elas que não querem se calar”
(2001, p. 47-48). Escrever é, então, marcar na carne branca do
papel os signos de um mundo que se transubstancia nesse pro-
cesso, de modo a não lhe faltar mais unidade e coerência; a escri-
ta, mais especificamente a escrita ocidental, é reduplicação de si
mesma, casa de espelhos onde a palavra reverbera e se perpetua
indefinidamente, na busca de adiar o momento final de silêncio
e morte. Conforme assinala Tatiana Levy, sobre o pensamento
de Blanchot,
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(...)
Me mata Jonathan, com sua faca,
Me livra do cativeiro do tempo.
Quero entender suas unhas,
O plano não se fixa, sua cara desaparece.
Eu amo o tempo porque amo este inferno,
este amor doloroso que precisa do corpo,
da proteção de Deus para dizer-se
nesta tarde infestada de pedestres.
Ter um corpo é como fazer poemas,
pisar margem de abismos,
eu te amo.
Seu relógio,
incongruente como meus sapatos,
uma cruz gozosa, Ó Félix Culpa!
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8. Essa é uma ideia defendida tanto por Bataille quanto por Oc-
távio Paz, como veremos em outros ensaios.
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24. Penso que essa afirmativa de Paz poderia ser estendida para a
arte de forma geral, mas nesses trechos comentados o autor se re-
fere especificamente desse poder ao mesmo tempo transgressivo
(a poesia desestabiliza as noções de identidade e de não contradi-
ção sobre as quais se erigiu a discursividade ocidental na medida
em que pela palavra poética “as pedras são plumas”) e arcaico (o
ato poético é festa, comunhão e rito, inserindo-se na zona do
sagrado pela recuperação das “origens” mágicas da linguagem)
da palavra poética.
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separável de nosso próprio ser. Por que não pensar então que
todas essas experiências têm por centro algo mais antigo que a
sexualidade, a organização econômica ou social, ou qualquer ou-
tra “causa”?”. (PAZ, 1982, p. 163-164). Em minha dissertação
de mestrado eu analiso as aproximações entre essas experiências
limites (erotismo, mística e poesia) tanto em Octávio Paz quanto
em Georges Bataille (OLIVEIRA, 2005).
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35. A menção dessa metáfora ardilosa que tantas vezes foi usada
de forma misógina para caracterizar o feminino não é ingênua,
ou seja, não desconsidera a ideologia que se esconde atrás dessa
simbologia de fundo judaico-cristão. A esse respeito lembro a
admirável Lúcia, do Lucíola de Alencar, Anjo-lúcifer que en-
carna as falsas dicotomias prazer-pureza às quais o feminino se
viu preso durante milênios. E é contra esse falso embuste que a
poesia de Adélia Prado investe artilharia pesada, postulando a
inocência do corpo e sua abertura à experienciação do sagrado.
O já citado Lucíola, de Alencar, é exemplar em sua tentativa de
captar as ambigüidades do feminino sem, no entanto, conseguir
se libertar dos próprios preconceitos. Cito aqui trecho excelente
do cap. VIII, onde Lúcia assumirá, como lasciva cortesã, a li-
berdade que tanto assustou Paulo: “Sedenta de gozo, era preciso
que o bebesse por todos os poros, de um só trago, num único e
imenso beijo, sem pausa, sem intermitência e sem repouso. Era
serpente que enlaçava a presa nas suas mil voltas, triturando- lhe
o corpo; era vertigem que vos arrebatava a consciência da própria
existência, alheava um homem de si e o fazia viver mais anos em
uma hora do que em toda a sua vida”.
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38. Diz Adélia: “eu não faço poesia religiosa, num sentido que
muita gente entende equivocadamente. O fato é que a poesia é
que é religiosa, ela é sagrada (é aquilo que a gente estava falando
antes), então esses registros de natureza religiosa, confessional,
são coisas da história da biografia do autor, que nada tem que ver,
não é?” (PRADO, 1996).
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40. Repito aqui a epígrafe com que abrimos nosso texto, ago-
ra contextualizada: “A memória é fenômeno sempre atual, um
elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do
passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda
a detalhes que a confrontam; ela se alimenta de lembranças va-
gas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas,
sensível a todas as interferências, cenas, censuras ou projeções. A
história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise
e discurso critico. A memória instala a lembrança no sagrado, a
história a liberta, e a torna sempre prosaica”. (NORA, 1993, p. 9).
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