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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

ÂNIMA EDUCAÇÃO

MUNICIPALIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA:


O CASO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS - PR

Curitiba
2022
RODRIGO NAZARENO DE CAETANO

MUNICIPALIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA:


O CASO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS - PR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Bacharelado em Direito, do Centro
Universitário Curitiba da Ânima Educação,
como requisito parcial para a obtenção do título
de Bacharel em Direito.

Orientadora: Michelle Gironda Cabrera, Dra.

Curitiba
2022
RODRIGO NAZARENO DE CAETANO

MUNICIPALIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA:


O CASO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS – PR

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi


julgado adequado à obtenção do título de
Bacharel em Direito e aprovado em sua
forma final pelo Curso de Direito do Centro
Universitário Curitiba.

Curitiba, _____________ de_______________ de 2022.

______________________________________
Profa. Michelle Gironda Cabrera, Dra.
RESUMO

O Ordenamento jurídico brasileiro determinou aos órgãos policiais a função precípua de


preservação e manutenção da ordem pública e social. Entretanto, a crescente
sensação de insegurança aliada aos elevados índices de criminalidade estão forçando
as autoridades municipais a extrapolarem suas competências constitucionalmente
delimitadas. Assim, esses municípios acabam criando órgãos “policiais” na tentativa de
resolver esse grande problema da violência e da ineficiência estatal. O presente
trabalho buscou por meio da revisão bibliográfica e da pesquisa in loco avaliar o
sucesso das tentativas locais de municipalização da segurança, especificamente o caso
do município de São José dos Pinhais – PR, por ocasião da criação da Guarda
Municipal da cidade, contribuindo com informações que possam vir a subsidiar a
reflexão e a implantação de futuras políticas públicas voltadas a essa temática . Foi
possível perceber o importante papel desse órgão nas pequenas e médias cidades
assim como dentro do Sistema Único de Segurança Pública. Em São José dos Pinhais,
constatou-se a diversidade das demandas públicas delegadas à Guarda Municipal e,
apesar das divergências quanto à atuação jurídica dessa corporação, conclui-se que é
de grande importância para a segurança pública na cidade.

Palavras-chave: Segurança Pública. Guardas Municipais. São José dos Pinhais.


Municipalização da Segurança Pública.
ABSTRACT

The Brazilin legal system determined to the police agencies the main function of
preservation and maintenance of the public and social order. However, the increasing of
criminality perceptions are forcing the local autorities to extrapolate their constitutionally
delimited atribuitions. Thus, these municipalities end up creating “police” agencies in an
attempt to solve this great problem of violence and state inefficiency. This work
investigated the literature and did a research in loco to do an analysis of the attempt to
solve the security problem in the city of São José dos Pinhais - PR, at the time of the
creation of the Guarda Municipal, contributing with information that can subsidize the
reflective thinking and implementation of future public policy on this topic. It was possible
to perceive the importance of this corporation in small and medium cities as well as
importance in the Sistema Único de Segurança. In São José dos Pinhais, the diversity
of public demands delegated to the Guarda Municipal was verified and, despite the legal
divergence of the legality of this corporation, it is possible to conclude that it is very
important for public security in the city.

Keywords: Public Security. Guarda Municipal. São José dos Pinhais. Municipalization of
Public Security
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Número de Homicídios por ano (São José dos Pinhais)……………………..33


Tabela 2 - Atendimento de ocorrências por tipo e ano (selecionadas)…….…………….43
Tabela 3 - Número de armas apreendidas por tipo e ano (selecionadas)……………….45
LISTA DE SIGLAS

Abin – Agência Brasileira de Inteligência


ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
BPM – Batalhão de Polícia Militar
CECOM – Central de Comunicação da Guarda Municipal
CF/88 – Constituição Federal de 1988
Cia – Companhia de Polícia Militar
CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil
CPP – Código de Processo Penal
Feneme – Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais
GM – Guarda Municipal
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MP – Ministério Público
Munic – Pesquisa de Informações Básicas Municipais
PIB – Produto Interno Bruto
PJ – Poder Judiciário
PR – Paraná
Resp – Recurso Especial
ROMU – Rondas Ostensivas Municipais
SAMU – Serviço de Atendimento Médico de Urgência
Sisbin – Sistema Brasileiro de Inteligência
SJP – São José dos Pinhais
STJ– Superior Tribunal de Justiça
Susp – Sistema Único de Segurança Pública
UPS – Unidade Paraná Seguro
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……………………………………………......……………….………09
2 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL…………………………..………………11
2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A SEGURANÇA PÚBLICA…..…………………..11
2.1.1 A HERMENÊUTICA JURÍDICA E A GUARDA MUNICIPAL….……………....….14
2.2 AS GUARDAS MUNICIPAIS E O CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA.....16
2.2.1 A Guarda municipal e a proteção ao meio ambiente urbano....……………..21
2.2.2 A Guarda municipal sob o viés da polícia cidadã..............…….….………....23
2.2.3 Atividade de inteligência nas Guardas Municipais......................…….…......29
3 A SEGURANÇA E O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS….………..…33
3.1 A CRIAÇÃO DA GUARDA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS….........35
4 EFEITOS PRÁTICOS DA CRIAÇÃO DA GM SJP………………………......…...40
5 O ESTUDO DE CASO DAS GUARDAS MUNICIPAIS DA GRANDE PORTO
ALEGRE…………..………………………………...…………………...…..….…….48
6 CONCLUSÃO……………………………………....……………..………..........…...51
REFERÊNCIAS………………………………………………………......…………...53
9

1 INTRODUÇÃO

A segurança pública no Brasil sempre foi um grande problema social (A


SEGURANÇA..., 2022). Desde o nascimento da República brasileira tem se noticiado o
problema da criminalidade como um dos grandes problemas brasileiros e o
consequente impacto que isso traz na sociedade. Comparado com outros países
desenvolvidos, os índices de criminalidade brasileiros instalaram um medo generalizado
na população e colocaram o país na vanguarda quando o assunto é a sensação de
segurança. Segundo o Global Peace Index (BRAUN, 2021), o país fica em primeiro
lugar quando o assunto é grau de medo da violência.
Para lidar com esse problema, o Estado Brasileiro resolveu adotar, desde a
Constituição de 1988, um modelo federalista de segurança no qual, ipsis litteris, cabe
ao Estado (aqui surgindo um primeiro ponto de divergência na doutrina) adotar as
políticas consideradas coerentes para combater essa chaga. Nessa seara, há
discussões apontando que o texto constitucional, ao adotar o termo “Estado” (BRASIL,
1988) no capítulo III, Art. 144, referente à temática segurança pública, não excluiria os
municípios dessa função (MELO, 2021, p.17). Dessa forma, é oportuno também
pontuar a hermenêutica constitucional como paradigma da municipalização ou não de
segurança pública.
Além disso, um modelo de ciclo separado de polícia na qual o Estado, enquanto
unidade da federação, é o responsável pelo aparelhamento dos órgãos ostensivos e
investigativos (ressalvadas as competências da Polícia Federal) dispondo
principalmente de dois órgãos distintos para tal, quais sejam a Polícia Civil e a Polícia
Militar, demonstra certa fragilidade se analisados em uma perspectiva integradora de
segurança pública.
Assim sendo, é oportuno e relevante a análise das Guardas Municipais (GM)
enquanto órgãos públicos de segurança local e a sua aplicação em atribuições que até
então cabiam exclusivamente aos estados federados e os consequentes resultados
aparentes obtidos nessas localidades que optaram por esse modelo.
10

A municipalização da segurança pública nesse contexto não é uma temática tão


recente no Brasil. A origem dessa abordagem remonta ao período imperial, o qual em
1831 (BRASIL, 1831) fora autorizada a criação do Corpo de Guardas Municipais após a
extinção do Corpo de Guardas Real de Polícia no Rio de Janeiro. Essas corporações,
revestidas de caráter voluntário, deveriam manter a ordem pública e auxiliar a justiça.
Somente com Getúlio Vargas é que essas instituições passaram a ser militarizadas e
passaram e ter a denominação Polícia Militar (MELO, 2021, p.14), que em face da Lei
192 de 1936 (BRASIL, 1936), passaram a compor a estruturação estadual militarizada
que se manifesta até os dias atuais.
Em 1969, com o Decreto - Lei nº 667 de 02 de julho (BRASIL, 1969b), a Polícia
Militar ganhou a prerrogativa de realizar o patrulhamento preventivo para o exército e
no mesmo ano, com o Decreto - Lei 1.072 (BRASIL, 1969a), ganhou a exclusividade
para tal, absorvendo o efetivo restante das Guardas Municipais existentes.
Somente em 1986, com os estudos para a elaboração da nova Constituinte, é
que se repensou a organização administrativa da segurança pública.
Conforme os documentos da Constituinte (BRASIL, 1987) chegou-se a cogitar a
reinserção dos municípios na segurança, entretanto, com a promulgação do texto final,
ficou claramente demonstrado o seu esvaziamento.
Diante dos novos desafios colocados ao Estado Brasileiro no século XXI, em que
pese a grande demanda oriunda da segurança pública, é imperioso avaliar as tentativas
locais de suplementar a ineficiência das forças ordinárias de segurança pública. O
presente trabalho tem como finalidade avaliar o sucesso das tentativas locais de
municipalização da segurança, especificamente o caso do município de São José dos
Pinhais – PR. Procura-se assim contribuir com informações que possam vir a subsidiar
a reflexão e a implantação de futuras políticas públicas voltadas a essa temática. Cabe
destacar que não se busca de maneira alguma restringir o problema multifatorial e
interdisciplinar da segurança pública à criação de órgãos de repressão.
11

2 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

A Segurança pública no Brasil é matéria regulamentada pela Constituição


Federal, pelas Constituições Estaduais, pelas Leis federais, estaduais e municipais.
Esse capítulo mostrará de maneira objetiva como estão alocadas as competências dos
diferentes entes relativas a temática da segurança pública, assim como a importância
interpretativa e o locus no qual a Guarda Municipal ocupa nesse contexto.

2.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

A Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988) trata da temática segurança


pública no Título V, dentro das disposições sobre Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas, especificamente no Capítulo III. Tal capítulo é composto exclusivamente
do Art. 144 caput, parágrafos e incisos, o qual elenca em seu bojo os órgãos de
segurança pública e suas respectivas funções assim como decorrentes disposições
facultativas aos entes. Conforme dispõe a Constituição, são estritamente 06 os órgãos
de segurança pública.

“A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é


exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.
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§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção


de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988,
Art. 144) ”

Os incisos I a III e concorrentemente o inciso VI enumeram os órgãos de


segurança pública de responsabilidade da União. A Polícia Federal é o maior órgão e é
o que possui maior quantitativo de funções. Suas atribuições estão dispostas no
parágrafo 1º desse artigo, e pode-se destacar como as principais funções a
exclusividade como polícia judiciária da União, como polícia marítima, como polícia
aeroportuária e de fronteiras e também a repressão contra as infrações contra a ordem
política e social em detrimento de bens, serviços e interesses da União e suas
entidades autárquicas e empresas públicas. Para regulamentar as atribuições atinentes
à repressão uniforme com relação aos ilícitos que causem repercussão interestadual ou
internacional, foi publicada a Lei 10.446/2002 (BRASIL, 2002a) que especificou os tipos
penais a serem reprimidos, sem prejuízo à competência dos demais órgãos.
A Polícia Rodoviária Federal, órgão previsto no inciso II, possui a função de
patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Existe também a previsão constitucional
da Polícia Ferroviária Federal, entretanto, como não existe uma malha ferroviária
federal robusta, o órgão é composto atualmente de um número parco de servidores.
Dentre os órgãos de segurança de responsabilidade da União, é o único que não teve
sua devida regulamentação (ASSOCIAÇÃO..., 2022) realizada após a promulgação da
CF/88.
A Polícia Penal ganhou nomenclatura recentemente, especificamente em 2019,
com a Emenda Constitucional 104. A classe é composta dos antigos Agentes
Penitenciários Federais, e suas atribuições estão previstas no parágrafo 5º-A da CF/88.
São atribuídas às polícias penais, tanto as da União quanto a dos Estados federados, a
segurança dos estabelecimentos penais vinculados a órgão administrador penal a que
estão subordinados.
As Polícias Militares, o Corpo de Bombeiro Militar e a Polícia Civil são órgãos de
competência estadual. Às polícias militares cabem as atribuições de policiamento
ostensivo visando a preservação da ordem pública, e às polícias civis dos Estados são
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atribuídas as funções de polícia judiciária do ente a que estão vinculadas além da


atribuição de apuração de infrações penais, exceto as militares.
Importante ressaltar que essa divisão estadual relativa ao órgão com
responsabilidade para patrulhamento ostensivo e o órgão responsável pela
investigação remetem ao século XIX. Conforme apontado por Lima (2004 apud
BERLATO, 2017, p. 50) tal modelo resulta do equilíbrio de forças dos atores políticos
internos e externos em torno do problema da ordem interna vigente no Brasil daquela
época. Foi no interstício de 1831 e 1850 que o governo, buscando satisfazer as elites
rurais que pressionavam por uma maior descentralização da segurança pública, e
buscando atender os interesses ingleses para o fim do tráfico de escravos, acabou
criando os dois órgãos de segurança. Segundo Berlato (2017) essa divisão do ciclo de
polícia é um dos grandes fatores que levam aos atuais níveis de insegurança no Brasil.
Afirma a autora que a maioria dos países possui o chamado “ciclo completo” de
polícia, aquele no qual o órgão que realiza o policiamento ostensivo é o mesmo órgão
que realiza a tarefa investigativa, e a divisão de tarefas observadas no Brasil é um dos
grandes fatores para a geração de conflitos e a existência da ineficiência entre os
órgãos.
O trabalho da autora traz uma importante reflexão quanto às políticas estatais
referentes a nomeação de Secretários de Segurança. As secretarias tanto estaduais
quanto municipais e até mesmo em nível de ministério no âmbito da União não deixam
de ser indicações políticas. A autora distingue nesse aspecto “policy” de “politics”. O
primeiro termo diz respeito à aplicação das políticas de segurança pública por aqueles
que foram nomeados como autoridades das respectivas secretarias. Já o segundo
termo diz respeito aos fatores que determinaram as escolhas que levaram a nomeação
desses atores políticos. Ambos os termos estão interligados uma vez que a
manutenção desses atores políticos depende inclusive da aprovação popular, e ocorre
que muitas vezes em observância a essa aprovação, importantes medidas deixam de
ser tomadas.
Um dos exemplos trazidos pela autora e que facilmente se observa na prática é
a militarização das polícias civis e a atribuição investigativa as polícias militares, por
meio dos serviços reservados ou de inteligência. Cabe ressaltar que este fenômeno
14

também é observado nas instituições municipais de segurança, obviamente nos


municípios que possuem guarda municipal. Disso resulta que a confusão institucional
quanto à missão primordial do órgão acaba por gerar ineficiência organizacional, e na
realidade, pelo próprio passado no qual vivenciou o Brasil pelo regime militar aliado ao
forte apelo midiático, a militarização ainda tende a prevalecer nesses sistemas.
No parágrafo 8º do Art. 144 (BRASIL, 1988) o legislador constituinte facultou aos
municípios a criação de guardas municipais, especificamente com vistas à proteção de
bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Tal lei só foi promulgada em
2014, o Estatuto das Guardas Municipais, Lei 13.022. Dentre as atribuições específicas
elencadas no estatuto, além das atribuições constitucionais estão a colaboração com os
outros órgãos de segurança pública das outras esferas de governo ou mesmo a
parceria entre municípios através de convênios ou da integração com outros órgãos
municipais visando o cumprimento de políticas sociais, ambientais, urbanísticas e o que
dispuser o plano diretor municipal. As atribuições das Guardas Municipais serão
melhores abordadas em capítulo à parte.

2.1.1 A HERMENÊUTICA JURÍDICA E A GUARDA MUNICIPAL

Lamundo (2017) identifica 06 procedimentos interpretativos quando se trata de


extrair o significado das leis. Define como procedimentos normas ou técnicas que
deverão ser utilizadas em conjunto, não se podendo utilizar os critérios isoladamente.
São eles: gramatical, lógica, teleológica, sistêmica, histórica e valorativa.
Na gramatical define o autor como o processo inicial e o mais antigo, ligado
principalmente às escrituras. A interpretação pelo léxico remonta ao próprio sentido da
palavra, devendo-se cuidar para que sempre se correlacione texto ou contexto no qual
foi escrita aquela palavra. Cita ainda que as palavras não possuem sentido único,
devendo ser interpretadas com critérios como o lógico e o histórico.
15

Na interpretação lógica aponta o autor que nesse tipo de procedimento não se


busca a verdade e sim a certeza. Utiliza como referência a importância da utilização
dos princípios da lógica, o da identidade, o do não contraditório e do terceiro excluído.
Aponta que a lógica serve para ordenar o próprio pensamento na busca do real sentido,
fugindo da imaginação que é inerente ao próprio pensar.
Na interpretação teleológica afirma o autor que se busca a manutenção da
norma no tempo como uma consequência natural de qualquer produção legislativa. Tal
posição interpretativa teria significado no tecido social que foi produzida, tanto no
presente quanto no futuro. Vincula-se a finalidade e motivação que fundamentaram a
elaboração da norma.
Na interpretação sistêmica conforme explica, deve-se valor à norma elaborada
dentro do próprio ordenamento jurídico no qual faz parte. Interpreta-se pelo sistema
completo, estabelecendo as relações da norma com o todo, com a globalidade do
ordenamento jurídico.
Na interpretação histórica segundo o autor deve-se considerar a situação e os
discursos de momento que foram criados para que houvesse a própria elaboração da
norma. Considera-se parâmetros históricos, econômicos, socioculturais e políticos.
Por fim, no procedimento valorativo, aponta Lamundo que se parece como
procedimento histórico, porém um pouco mais aprofundado, como se o intérprete
fizesse uma valoração dos ideais socioculturais do contexto em que a norma está
inserida. Conforme será mostrado ao longo do trabalho, apesar de os indicadores
apontados por meio dos diferentes procedimentos de interpretação indicarem para uma
inconstitucionalidade da atribuição das guardas municipais, seja utilizando critério
gramatical, sistêmico ou lógico, na prática o que se comprova é um outro tipo de
orientação interpretativa, fugindo dos critérios clássicos, quase como se fosse realizado
um novo critério hermenêutico devido principalmente às novas demandas sociais
surgidas na sociedade brasileira ao longo dos anos pós constituinte.
16

2.2 AS GUARDAS MUNICIPAIS E O CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Conforme expresso no Art. 144 da CF/88 e explicitado acima, as guardas


municipais são incumbidas da missão de proteção de bens, serviços e instalações
municipais. Isto posto, é importante avalizar as atribuições específicas trazidas na Lei
13.022/2014 (BRASIL, 2014), especificamente no Art. 5º de tal diploma legal.

“São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as


competências dos órgãos federais e estaduais:
I - zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos do Município;
II - prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações
penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens,
serviços e instalações municipais;
III - atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a
proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações
municipais;
IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em
ações conjuntas que contribuam com a paz social;
V - colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem,
atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas;
VI - exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e
logradouros municipais, nos termos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997
(Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio
celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal;
VII - proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e
ambiental do Município, inclusive adotando medidas educativas e preventivas;
VIII - cooperar com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades;
IX - interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de problemas e
projetos locais voltados à melhoria das condições de segurança das
comunidades;
X - estabelecer parcerias com os órgãos estaduais e da União, ou de
Municípios vizinhos, por meio da celebração de convênios ou consórcios, com
vistas ao desenvolvimento de ações preventivas integradas;
XI - articular-se com os órgãos municipais de políticas sociais, visando à
adoção de ações interdisciplinares de segurança no Município;
XII - integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia administrativa,
visando a contribuir para a normatização e a fiscalização das posturas e
ordenamento urbano municipal;
17

XIII - garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e


imediatamente quando deparar-se com elas;
XIV - encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da
infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que
necessário;
XV - contribuir no estudo de impacto na segurança local, conforme plano diretor
municipal, por ocasião da construção de empreendimentos de grande porte;
XVI - desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em
conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios
ou das esferas estadual e federal;
XVII - auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e
dignatários; e
XVIII - atuar mediante ações preventivas na segurança escolar, zelando pelo
entorno e participando de ações educativas com o corpo discente e docente
das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a implantação da
cultura de paz na comunidade local. (BRASIL, 2014, Art. 5)”

Nota-se da leitura dos incisos acima que foram estendidas de maneira


expressiva as atribuições das Guardas Municipais. Acerca do tema, há
posicionamentos a favor e contra essa ampliação.
Barbosa (2018) se posiciona contra essa ampliação das atribuições dessas
instituições, contemporizando com a Lei 13.675/2018, Lei instituidora do Sistema Único
de Segurança Pública (Susp). Relata o autor que houve um grande hiato, desde a
criação da corporação em 1831, com vistas a autorizar as províncias a criarem corpos
de guardas municipais para cuidar da manutenção da ordem pública e auxiliar a justiça,
caindo então no ostracismo até 1988. Explica que somente em 2014 a atribuição
constitucional foi regulamentada e que em 2018, com a nova regulamentação acerca da
segurança, as guardas municipais passaram a ser vistas sob um novo prisma dentro da
segurança pública. Segundo o autor, mesmo que de maneira lenta, ocorre no país uma
superação da ideia de que a segurança pública é uma questão constitucional de
obrigação dos estados e que os municípios não poderiam agir de forma efetiva para
prevenção e combate à criminalidade. Aborda o autor importante distinção entre o
poder de polícia e a polícia de fato. Conforme explica, o conceito de poder de polícia no
direito nacional vem do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966) especificamente no
Art. 78.
18

“Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,


limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato
ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança,
à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao
exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização
do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos
direitos individuais ou coletivos. (BRASIL,1966, Art. 78)”

O conceito de poder de polícia segundo o autor envolve a faculdade exercida


pelo Estado de regular, fiscalizar, coibir e inibir atividade danosa a bem coletivo e a
tranquilidade pública. Polícia, por sua vez, é a entidade em que esse poder ganha
corpo e é exercido pelo Estado. Explica ainda que sobre esse tema há uma divisão, a
polícia administrativa e a polícia judiciária.
A polícia administrativa é a que tem o poder de impedir, inibir e fiscalizar atos
individuais para a manutenção da paz e saúde pública. Já a polícia judiciária tem a
finalidade de investigar os crimes que a polícia administrativa não conseguiu evitar.
Explica o autor que a polícia administrativa foi constitucionalmente assegurada ao
município uma vez que o próprio texto constitucional, ao atribuir a autonomia municipal
para auto-organização, autogoverno e autolegislação, pressupõe a criação de órgão
que garanta que as leis advindas da administração sejam cumpridas. Explica ainda que
conforme expresso no Art. 9º da lei instituidora do Susp, os órgãos municipais fazem
parte desse sistema e tanto o Estatuto das Guardas Municipais quanto o Susp atribuem
ao município a possibilidade jurídica de atuação direta no enfrentamento à violência.
Para defender a perspectiva da extrapolação de atribuições da GM o autor
explica que nosso sistema jurídico pátrio tem como norma superior a Constituição, e
que com relação à segurança municipal está bem claro que o serviço das Guardas
Municipais deve se ater a “Bens, Serviços e Instalações”, não cabendo atividades de
policiamento ostensivo. Cita Barbosa o pensamento de José Afonso da Silva (2017, p.
7) segundo o qual afirma que os constituintes recusaram várias propostas no sentido de
instituir alguma forma de polícia municipal.
Cita também o entendimento de Agra (2014, p.8) afirmando que a missão da
guarda é a proteção de bens, serviços e instalações, não se imiscuindo nas atividades
19

da polícia civil, militar ou federal. Afirma ainda que os municípios têm usado a GM como
polícia repressiva, uma clara afronta à Constituição conforme seu entendimento.
Barbosa relaciona também a controvérsia jurídica sobre o tema, exteriorizada na
ADI 5156 (Ação Direta de Inconstitucionalidade) promovida pela Federação Nacional de
Entidades de Oficiais Estaduais (Feneme), alegando a inconstitucionalidade dos
dispositivos presentes no Estatuto das Guardas Municipais.
Em que pese parte da doutrina seja contrária, o atual ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, tem entendimento contrário. Conforme
explica Barbosa (2018, p.9) em julgamento liminar da ADI 5948, afirmou que por
estarem incluídas no Art. 144 da CF/88 as Guardas Municipais são órgãos de
segurança pública e devem estar integradas com os demais órgãos dos estados e da
União para combater a crescente violência do país. Apresenta o autor os números da
Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, evidenciando que em muitos casos a
atuação das Guardas Municipais, principalmente em municípios pequenos, é de
extrema relevância, superando em muito os números da Polícia Militar em total de
atendimentos e flagrantes.
Afirma ainda o autor que em decorrência da grande violência há um grande
clamor social para a expansão das atividades da Guarda Municipal, porém, os
municípios, ao criarem uma nova polícia, acabaram extrapolando as competências de
autolegislação atribuídas constitucionalmente. Conclui Barbosa que o grave problema
da segurança pública não será superado se os problemas maiores de desigualdade
social não forem enfrentados.
Oliveira Júnior e Alencar (2016) corroboram o entendimento doutrinário de que
houve ampliação das atribuições da GM nos dias atuais, entretanto, vêm com temor
certas características herdadas das corporações militares. Conforme explicam os
autores, as guardas são uma inovação institucional no setor de segurança pública e a
participação popular na segurança, por meio dos conselhos de segurança, encontram
forte guarida dessa instituição, com capacidade de apoio e implementação de ações
preventivas. Porém, muitas vezes ao mimetizarem as práticas da Polícia Militar,
acabam se distanciando da população com tais ações ostensivas, em vez de
20

privilegiarem um modelo aos moldes preventivos, tal qual aponta o Estatuto das
Guardas Municipais.
Pereira Filho, Souza e Alves (2018) publicaram um interessante trabalho acerca
da importância da implementação das Guardas Municipais utilizando métodos
econométricos de análise de dados oficiais utilizando como base a Pesquisa de
Informações Básicas Municipais (Munic) do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Os autores avaliaram a taxa de redução de homicídios por 100 mil
habitantes e a taxa de roubo e furtos de veículos por 100 mil veículos emplacados. No
caso da taxa de homicídios, os autores utilizaram como base os anos de 1991 – 2012 e
no caso do crime patrimonial o intervalo entre 2009 - 2011. A premissa inicial dos
autores era de que as corporações municipais possuíam um potencial pequeno de
afetar esses índices uma vez que se mostram pequenas nessa função (em relação ao
Estado e a União) e principalmente pela indefinição em torno de sua atuação, ora como
segurança patrimonial, ora como policiamento comunitário e ora como força repressora
auxiliar.
Para a análise os autores utilizaram como fundamento diretrizes do ramo
científico relativo à Economia do Crime, relacionando a criminalidade e a racionalidade
econômica, por meio de testes empíricos. Foram utilizadas técnicas binárias nas quais
os indicadores avaliaram hipóteses que incluíam ou não a corporação de segurança
nos municípios. Foram utilizados dados considerando as condições demográficas como
favoráveis a ambientes com ilícitos, e incluídas variáveis como por exemplo percentual
de jovens nas escolas, métricas de tensão familiar, taxa de abandono escolar e receita
pública como formas de homogeneizar os dados. Como o foco da presente monografia
não é a exploração de métodos econométricos aplicados, será dada ênfase a
contextualização dos dados obtidos e não o aprofundamento da metodologia em si.
O estudo utilizou estratégias semelhantes as quais as polícias militares utilizam,
conforme o Munic (Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE) 2014, para
alocação de seus efetivos, como por exemplo a densidade demográfica, a incidência da
criminalidade, a existência de presídios ou se está localizado em fronteira, entre outros.
Após análise econométrica utilizando métodos DID, PSM e combinação de ambos e
21

métodos multivalorados, surgiram evidências de que para algumas localidades a


implantação da GM pode gerar impactos redutores sobre a criminalidade.
Com relação à taxa de homicídios, o estudo apontou que os maiores ganhos na
redução desse índice estão nos municípios pequenos e médios (redução de até 30%
em relação aos municípios que não possuem GM). A explicação proposta pelos autores
aponta que nesses locais, por serem menores, há uma disseminação mais efetiva das
iniciativas de segurança pública em função da mobilização social desses locais. O
estudo também avaliou a evolução desses índices em função do tempo de existência
dessas corporações. Com relação à taxa de redução de homicídios, houve uma
redução significativa nas localidades ao longo dos anos. Com relação aos crimes contra
o patrimônio (roubo e furto de veículos), o modelo adotado no estudo não conseguiu
detectar impactos consistentes ao longo do tempo.
Assim, concluem os autores que utilizando métodos econométricos relacionados
à economia do crime, pode-se afirmar que a GM possui efeito importante na segurança
pública principalmente quando se refere à proteção à pessoa e assim devendo ser
pensada como uma estratégia política principalmente para as cidades de pequeno e
médio porte.

2.2.1 A Guarda municipal e a proteção ao meio ambiente urbano

As Guardas Municipais também podem ser utilizadas para a defesa do meio


ambiente urbano, sendo este entendido como o conjunto de bens físicos que são
protegidos e utilizados por todos. Souza (2018) defende a importância das Guardas
Municipais quando se trata de proteção ao meio ambiente urbano. Esse ambiente
artificial segundo o autor possui íntima ligação com as políticas setoriais dos
municípios, pois tal ambiente é constituído pela ação do homem voltada ao
desenvolvimento e ao progresso e também constituído pelas pessoas, relativamente a
aspectos de consumo, patrimônio entre outros. Tal proteção, afirma o autor, visa
22

resguardar o direito à cidade e à propriedade condigna. Assim sendo, os constituintes


delegaram ao município a política de desenvolvimento urbano para que
estabelecessem regras necessárias ao bem-estar de seus munícipes.
Afirma o autor que cabe ao plano diretor normatizar essas determinações e cabe
ao município fazer uso do poder de polícia administrativa para garantir o sucesso
dessas políticas setoriais. Explica que para a eficiência dessas políticas, para o
exercício correto do múnus público, o município além de campanhas preventivas deve
desenvolver um corpo de fiscalização capaz de cumprir as metas e diretrizes pré-
estabelecidas, e se necessário utilizar a intervenção para disciplinar ou garantir essas
regras.
Assim, vislumbra o autor no corpo de Guardas Municipais o instrumento
necessário para a proteção do ambiente urbano. Alerta o autor que o constituinte, ao
facultar a criação de GM nos municípios, respeitou a peculiar característica dos
municípios. A redação constitucional assim oportunizou às cidades o uso de
corporações policiais com vistas à proteção da vida, do transporte público, do serviço
de habitação e saúde por exemplo.
Em que pese tal oportunidade, alerta o autor que acabou se perdendo essa
intenção uma vez que essa carência de regulamentação culminou por deixar a GM sem
identidade própria, o despreparo e a falta de conhecimento técnico e científico, segundo
ele, fez com que se perdesse a chance da quebra do paradigma da prestação de
serviço público em prol do cidadão nas cidades. Explica ainda que parte desse
problema se deve ao fato dos municípios sequer serem entes federados que
compunham a República Federativa antes de 1988, situação na qual os gestores
municipais buscavam nas polícias militares o apoio necessário.
Reforça o autor o entendimento de que desde a promulgação da nova ordem
constitucional, os municípios deixaram de ser meros coadjuvantes da União e
passaram a ser protagonistas da prestação de serviços públicos.
Assim sendo, Souza destaca que com o passar do tempo, após a constituinte,
foram ocorrendo esvaziamentos dos efetivos de fiscalização das agências regulares
que atuavam na segurança pública, e tal deficit, seja por dificuldade orçamentária ou
23

qualquer outro fator, fez com que não se acompanhasse a evolução provocada pelos
avanços do progresso nas áreas ambientais artificiais urbanas.
Aponta o autor que o legislador foi sagaz com a criação do Estatuto das Guardas
Municipais, pois atribuiu a essas corporações várias outras atribuições que ampliam a
atuação fiscalizatória sobre o território municipal, afastando-as da militarização
tradicional que tais agências possuem. Assim, o legislador revestiu a GM de atribuições
referentes ao poder de polícia não somente na segurança pública, mas na fiscalização
de todos os serviços prestados na prefeitura, inclusive a preservação do meio
ambiente.
Tais atribuições somente serão possíveis, segundo ele, com a prática
operacional pautada no sistema preventivo de patrulhamento no ambiente urbano das
cidades. Conforme aponta o Estatuto da categoria, a lei atribui competência para
proteção de bens, serviços, logradouros públicos e instalações municipais, abrangendo
bens de uso especial, dominial e de uso comum. Nesse contexto, informa o autor que
se inclui rios, mares, estradas e demais logradouros.
Relembra ainda que a Lei 13.675/2018, já abordada na presente monografia,
incluiu a GM nos órgãos operacionais do Susp. Assim sendo, conclui-se que cabe às
agências da municipalidade a proteção do patrimônio ecológico, cultural, urbanístico e
histórico do município, adotando-se quando necessários métodos de abordagem
educativa e preventiva, todas essas atuações amparadas na mais estrita legalidade.

2.2.2 A Guarda municipal sob o viés da polícia cidadã

Em que pese a forte crítica principalmente vinda de tribunais superiores atinentes


à atuação típica de segurança das Guardas Municipais, Isaías Gonçalves de Oliveira
(2019) aborda em sua publicação na Revista Brasileira de Segurança Pública a
conexão da instituição com a origem do próprio policiamento moderno que se observa
nos dias atuais. Afirma o autor que a essência policial está na atividade derivada da
24

organização das sociedades humanas e, citando Monet (2006, p.6), aponta que a
polícia nasce nas organizações sociais locais e tem etmologicamente nas cidades o
cerne de funcionamento.
Afirma Oliveira que a polícia moderna nasce na Inglaterra em 1829, com Robert
Peel, e tem como fundamento ser não somente uma força do Estado, mas sim da
sociedade. Segundo o autor, esse modelo foi adotado em muitas partes do mundo,
entretanto, sequencialmente foi sendo abandonado e suplantado pelo modelo
americano de polícia, principalmente pelos efeitos negativos do tipo de policiamento
implementado por Peel, como a corrupção e o uso político das polícias.
Oliveira cita a obra de Monjardet (2002, p.7) para classificar os tipos de polícia.
Segundo ele há três tipos: a polícia de soberania ou território; a polícia criminal e a
polícia urbana. Conforme explica, a polícia de soberania ou território está ligada às
Forças Armadas e à Polícia Militar, a Polícia Criminal está ligada ao poder judiciário,
podendo-se equiparar à polícia civil e a Polícia Urbana está ligada às Guardas
Municipais, em posição mais adequada para a operacionalização das estratégias de
polícia comunitária e policiamento orientado ao problema.
Segundo ele, a polícia surge com a função de coerção com a finalidade de
garantia do bem comum dos integrantes da comunidade. Cita o autor Bayley (2017, p.
8) o qual aponta a legitimidade do uso da força pela “autoridade” que a polícia recebe
da sociedade, enquanto unidades sociais legitimadoras, e não propriamente falando
pelo seu uso estrito. Outro interessante apontamento feito pelo autor ao citar Rolim
(2006, p.8) é que a polícia se caracteriza pelo fato de poder empregar a força coercitiva
contra situações que a priori não poderiam ser completamente definidas. A polícia tem
como função básica a regulação pública da violência privada e a mediação do conflito
para evitá-la. Além disso, a polícia é vista como representante visível do Estado, de
modo a garantir o monopólio da utilização da força. Ainda, a existência do Estado é
garantida pelas suas instituições policiais no âmbito interno tanto quanto pelas forças
armadas no âmbito externo.
Aponta o autor que a manutenção da ordem interna pelas Forças Armadas foi
uma prática comum em muitas partes do mundo, inclusive no Brasil, porém o
policiamento nesse modelo leva a uma atuação diferente, que reproduz características
25

comuns aos conflitos bélicos. Citando a obra de Bayley afirma que na Europa houve
intervenções militares em inúmeras revoltas que deixaram um rastro de extrema
violência e de mortos.
Com o surgimento do século XIX a polícia deixou de ser apenas ferramenta de
poder e passou a se caracterizar como garantidora de direitos, assumindo a face
democrática e etmológica. Conforme explica, a origem da palavra polícia e política vem
do grego “politéia”, designando tanto a cidade (pólis) como unidade autônoma quanto a
própria administração. Com os romanos, a palavra foi latinizada e transformada em
politia, evoluindo em outras línguas como police, polizia, politzei entre outras.
Afirma o estudo que o nascimento da polícia moderna foi a eclosão de diversas
revoltas populares e desordens urbanas na maior parte da Europa e a consequente
incapacidade do governo em lidar com essas situações por meio da convocação de
tropas militares. Além dessas forças, os governos contavam com milícias, forças locais
cooptadas voluntariamente e armadas pelo Estado, as quais refletiam os interesses
políticos e de seus guerrilheiros. Assim, os governos europeus dessa época, diante do
problema da relutância dessas forças armadas, extinguiram essas milícias e retiraram
do Exército a responsabilidade pela manutenção da ordem interna, criando assim uma
força especializada de ordem pública. Assim, na Inglaterra, sob as ordens de Robert
Peel em 1829, instituiu-se uma força policial civil mantida pelos fundos públicos com
vistas a fazer frente aos distúrbios civis que surgiam contra o sistema da época. Nesse
período, afirma o autor, imperaram o modelo francês, bipartido, que se dividia em
Tenência de Polícia, instituída em Paris, e a Guarda Civil, polícia de origem militar das
regiões rurais.
A Tenência tinha como funções a administração da cidade, reprimindo a
criminalidade, tomando medidas preventivas contra incêndios e epidemias enquanto a
Maréchausée, rebatizada de Gendarmerie, a qual se transformou futuramente em
Guarda Civil, a polícia montada francesa, tinha como funções reprimir insurreições
camponesas e debelar levantes.
Há no novo modelo policial inglês uma forte oposição, pois as forças policiais
anteriores eram instrumentos do Estado e teme-se que o modelo seja o francês, que
estava a serviço de objetivos políticos e ameaçava as liberdades individuais. Assim,
26

Peel criou uma organização híbrida, entre a militar e a civil. O autor citando Monet
(2006, p.12) afirma que Peel tinha que resolver um problema no qual os policiais
deviam estar bem visíveis para que pudessem ser controlados pelo público e para que
não parecessem uma polícia secreta, ao mesmo tempo que não podiam lembrar com
seu uniforme e armamento as polícias militares francesas. Nasceu assim, utilizando
trajes próximos das vestimentas civis (sobrecasaca, cartola e armados com cassetetes)
a Polícia de Londres. Peel buscava, segundo o autor, a identificação entre a sociedade
e a polícia, com o objetivo de reestabelecer a fé do público na polícia.
Peel instituiu os princípios do policiamento, dentre os quais destaca-se que a
polícia existe para prevenir o crime e a desordem como alternativa para o uso militar ou
o próprio castigo da condenação penal, que ela deriva seu poder da aprovação do
público e que deve ser utilizada somente quando todos os recursos se esgotassem,
agindo assim com um bom relacionamento com o público com base na tradição de que
o público e a polícia são a mesma entidade e que os policiais são pessoas do povo
pagas para realizar o trabalho de responsabilidade de todos.
Ainda, Peel diz que a polícia não deve usurpar as funções do Judiciário e que a
ausência do crime mostra a eficiência do seu trabalho e não a evidência visível de suas
ações. Tal modelo desenvolvido por Peel também é chamado de policiamento por
consentimento, na qual a polícia não está apenas a serviço do Estado mas também do
cidadão. Esse modelo de polícia britânica, municipalista e cidadã, contribuiu para a
formação da base policial na Europa e América do Norte.
No século XX as polícias americanas tendiam a centralizar por meio de uma
especialização os serviços policiais, decorrentes principalmente da corrupção advinda
da proximidade com as estruturas sociais locais. O modelo de Peel ficou de lado e a
partir de então houve um afastamento da polícia e da comunidade.
O autor cita Carvalho (2017, p.13) o qual afirma que no Brasil as Guardas
Municipais nasceram como polícias urbanas e de proximidade, com forte vocação
comunitária, principalmente após a promulgação do Estatuto das Guardas Municipais
em 2014.
Monjardet (2002), citado por Carvalho (2017, p.14), afirma que a organização
policial é formada por meio da sociologia da polícia, composta de três fontes: o Estado,
27

a iniciativa profissional e as demandas da sociedade. Juntas, elas formam os princípios


de ação concorrentes: a manutenção da ordem pública, a luta contra o crime e a segu-
rança pública. Segundo ele, seu modelo integra uma tipologia completa, chamada de
ciclo completo, diferente do modelo brasileiro, dividido em duas polícias e que ainda
conta com um critério adaptativo federal. No modelo apontado como o ideal, os três
tipos de polícia estão presentes em todos os órgãos em maior ou menor grau.
Conforme explica, o modelo de polícia de ordem pública ou soberania é oriunda
das fileiras do Exército, constituindo um braço armado na ordem interna. Nesse modelo,
a polícia está em desnível com a sociedade pois impõe uma ordem que a sobrepõe. Na
prática brasileira afirma que não se mostra totalmente verdade uma vez que as polícias
militares buscam aproximar-se da população utilizando várias técnicas de polícia
comunitária e atuando também como a polícia urbana pelo contato direto com as
demandas da segurança pública.
O modelo de polícia criminal ou da sociedade, segundo ele, serve como braço
para o Poder Judiciário no qual o “cliente” é o criminoso. Na prática são as polícias
civis, responsáveis pela investigação e apuração das infrações penais e de forma
repressiva, visando a aplicação das leis.
O terceiro modelo é a polícia urbana, de proximidade, municipal ou comunitária.
A origem desse modelo conforme explica vem dos guetos burgueses e o papel principal
era a “proteção do sono, o que supõe rondas de guarda”. Essa polícia não possui os
meios de vigiar o criminoso como a polícia criminal nem meios para conter a desordem,
como a polícia de ordem pública. Sua força advém da submissão consentida pelo
cidadão, agindo principalmente na prevenção para obtenção da paz pública, na
prevenção da desordem social e da pequena delinquência, atuando na mediação de
conflitos e na regulação do trânsito. Esse modelo policial é representado pela nova
polícia de Peel, que é um resgate do modelo originário de polícia relacionado à
cidadania. No Brasil, conforme explica são relacionadas às Guardas Municipais.
Carvalho traça um importante paralelo ao modelo brasileiro. Explica que o
policiamento cidadão sempre foi o foco das Guardas Municipais desde o Império, e que
na prática as polícias de ordem e criminal são fortes, e eventualmente caso a de ordem
necessite de reforços, a polícia urbana é instrumentalizada como reforço ocasional, o
28

que ocasionalmente ocorre entre as guardas e polícia militar. Explica que para
Monjardet, essas duas polícias são complementares, uma fazendo o policiamento
ocasional de proximidade com foco e preservação do Estado (polícia de ordem) e outra
com foco na paz social da comunidade por meio de policiamento permanente de
proximidade e comunitário (polícia urbana).
O autor cita também o entendimento de Souza e Albuquerque (2017, p.16)
segundo o qual após a entrada em vigor do Estatuto das Guardas Municipais,
transformou essas instituições em verdadeiras polícias municipais. Tal relação,
conforme explica Bayley, vem de uma pedagogia peculiar, uma vez que os policiais são
a representação do governo, sendo assim os professores mais permanentes dos
valores cívicos na sociedade. Cita também Balestreri (1998, p.17) o qual afirma que os
policiais são cidadãos qualificados e que tal dimensão pedagógica é anterior à
especialização, existindo mesmo antes da aplicação da lei. A polícia nesses moldes
funciona como verdadeiro baluarte de valores democráticos. Aponta ainda que para
Monjardet esse modelo de policiamento cidadão é mais eficiente se exercido no
policiamento de proximidade ou comunitário, em conexão com o policiamento orientado
ao problema.
Esse modelo de policiamento implica a delegação da tomada de decisão aos
policiais que atuam na ponta, mudando de um modelo centralizado para estruturas
descentralizadas, transformado operacionalmente numa inversão da pirâmide
hierárquica, colocando o cidadão como protagonista. Já o policiamento orientado ao
problema busca encontrar soluções locais para problemas também locais, com
abordagem situacional das ocorrências criminosas, promovendo a descentralização das
responsabilidades.
Conclui o autor afirmando que a maioria das demandas da sociedade não são de
natureza criminal, como a perturbação do sossego e acidentes de trânsito. Entretanto,
caso não sejam prevenidas e mediadas podem evoluir para situações criminais. A
prevenção nesse caso passa por atividade preventiva propriamente dita e em sua
maioria são atribuições de responsabilidade municipal. Assim, como as guardas são
instituições de caráter civil que recrutam pessoas da comunidade, como realizam
serviços que exigem proximidade com escolas, unidades de saúde e redes de
29

assistência, representam o melhor modelo de polícia cidadã descrita por Monjardet e


por Peel.

2.2.3 Atividade de inteligência nas Guardas Municipais

A atividade de inteligência é umas das atribuições que em uma análise preliminar


não seria atividade prioritariamente de competência das Guardas Municipais.
Entretanto, Waleska Medeiros de Souza (2019) traz uma importante reflexão acerca
desse tema no artigo intitulado “Atividade de Inteligência: Limites e Possibilidades das
Guardas Municipais com o Avanço das Legislações” publicado na Revista Brasileira de
Inteligência.
Conforme aponta a publicação, a atividade de inteligência trabalha com um dos
maiores patrimônios que se tem em uma sociedade, qual seja: o conhecimento. Com a
crescente ampliação das Guardas Municipais Brasil afora, faz-se necessário o
investimento em profissionalização de pessoal e criação de setores específicos. Como
as Guardas Municipais têm base territorial nos próprios municípios, seus agentes por
comporem parte da sociedade local de forma originária conseguem estreitar laços
facilmente com a população e a própria atividade localizada transforma a instituição em
um local com informações privilegiadas cujo conteúdo favorece em tese a resolução de
problemas.
Souza (2019) aponta que com a promulgação da Política Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social, a qual instituiu o Susp (Sistema Único de Segurança Pública,
Lei 13.675 (BRASIL, 2018), houve uma maior necessidade de implementação de
setores especializados de inteligência e uma maior necessidade de divulgação dessas
informações entre as agências de segurança pública.

“A integração e a coordenação dos órgãos integrantes do Susp dar-se-ão nos


limites das respectivas competências, por meio de:
IV - compartilhamento de informações, inclusive com o Sistema Brasileiro de
Inteligência (Sisbin); (BRASIL, 2018, Art. 10)”
30

A inteligência policial não se resume à mera acumulação de dados. Trata-se de


tratamento qualitativo para a confecção de um relatório de inteligência como uma
ferramenta essencial para o planejamento visando a prevenção dos crimes, utilizando
tanto a análise criminal tática quanto a análise criminal estratégica. Nesse cenário, o
gestor do sistema municipal é o próprio comandante da instituição Guarda Municipal.
Aborda a autora o conceito de ciclo de inteligência, o qual define que a partir de um
evento, é gerada uma informação que se transforma em inteligência bruta, que
trabalhada pelo serviço de inteligência, se transforma em conhecimento elaborado que
pode ser utilizado pelo tomador de decisão.
Importante mencionar nesse contexto de definição do tema o conceito de
contrainteligência. Se a inteligência é a produção do conhecimento tratado através da
informação, a contrainteligência diz respeito à maneira pela qual se salvaguarda esse
conhecimento, sendo assim tão importante quanto a própria inteligência.
Além da lei implantadora do Susp, a autora traz como referência legislativa a Lei
9.883 de 1999, lei instituidora do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e que criou
a Agência Brasileira de Inteligência (BRASIL, 1999).

“Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou


indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das atividades de
inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança
interna e relações exteriores, constituirão o Sistema Brasileiro de Inteligência,
na forma de ato do Presidente da República.

§ 1oO Sistema Brasileiro de Inteligência é responsável pelo processo de


obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo
decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação
contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados.
§ 2oMediante ajustes específicos e convênios, ouvido o competente órgão de
controle externo da atividade de inteligência, as Unidades da Federação
poderão compor o Sistema Brasileiro de Inteligência.(BRASIL, 1999, Art. 2)”

Observa-se que as unidades federativas poderão compor o Sisbin e cita ainda a


potencialidade do conhecimento produzido pela Guarda Municipal ser intercambiado
com os demais órgãos desse sistema, visando a melhor tomada de decisão. Nessa
seara, o Decreto nº 4.376/2002 (BRASIL, 2002b) regulamenta essa atividade e amplia
essa perspectiva.
31

“Cabe aos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência, no


âmbito de suas competências:
I-produzir conhecimentos, em atendimento às prescrições dos planos e
programas de inteligência, decorrentes da Política Nacional de Inteligência;
II-planejar e executar ações relativas à obtenção e integração de dados e
informações;
III-intercambiar informações necessárias à produção de conhecimentos
relacionados com as atividades de inteligência e contra-inteligência;
IV-fornecer ao órgão central do Sistema, para fins de integração, informações e
conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos
interesses nacionais; e
V-estabelecer os respectivos mecanismos e procedimentos particulares
necessários às comunicações e ao intercâmbio de informações e
conhecimentos no âmbito do Sistema, observando medidas e procedimentos de
segurança e sigilo, sob coordenação da ABIN, com base na legislação
pertinente em vigor. (BRASIL, 2002b, Art. 6º)”

Nota-se que a integração de todos os órgãos que compõe esse sistema mostra-
se como função direcional dessas repartições. Ainda, a autora observa que a
articulação da GM, principalmente resguardada legislativamente, veio apenas após a
publicação do Estatuto Geral das Guardas Municipais em 2014 (BRASIL, 2014)
consubstanciando-se em um verdadeiro limite a ser superado. O Art. 5º desse Estatuto
aponta como atribuição da GM a colaboração com os demais órgãos de segurança
pública.

“São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as


competências dos órgãos federais e estaduais:
IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em
ações conjuntas que contribuam com a paz social; (BRASIL, 2014, Art. 5º)”

Observa a autora que os produtos de inteligência produzidos pelas Guardas


Municipais podem ser de variados tipos, alguns interessando apenas à municipalidade
e outros que devem ser compartilhados com outras instituições que atuem na mesma
localidade e também com o Sisbin. Tais informações, entregues como Relatórios de
Inteligência, contribuem para o processo decisório e têm como destinatário final o
gestor público responsável. Devido a essas alterações relativamente recentes, a GM
passou a criar setores específicos e especializados de inteligência, com fins ao
32

intercâmbio do conhecimento, devendo esses setores serem investidos de servidores


estudiosos sobre o assunto, visando evitar o esvaziamento e a banalização dessa
atividade.
Conclui a autora que apesar das poucas publicações sobre a atividade de
inteligência policial, está em curso uma mudança paradigmática. A GM nesse contexto
não obteve muitos avanços, os quais segundo a autora, são devidos principalmente
pela falta de articulação interna e externa. Entretanto, conclui a autora que as
instituições municipais que criaram um sistema de inteligência estão muito a frente das
que não possuem.
33

3 A SEGURANÇA E O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS

O município de São José dos Pinhais faz parte da Região Metropolitana de


Curitiba. No censo IBGE de 2021, a população do município foi estimada em 334 mil
habitantes10, representando a 6ª cidade mais populosa do Estado. A economia da
cidade também é destaque, com um PIB per capta de R$ 92.66,20 (2019), faz com que
o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do município seja considerado alto (0,758),
além de um PIB (Produto Interno Bruto) absoluto de R$ 24.104 .946,31 mil (2018),
sendo considerada a segunda cidade mais rica do Estado nesse ano (IBGE, 2022).
Em que pese os valores da economia e do índice de desenvolvimento humano
da cidade serem elevados, os índices de criminalidade também são um dos maiores do
Estado. O número total de homicídios computados em 2019 coloca São José na 4ª
posição no Estado, com 64 mortes (IPEA, 2022). Com relação à série histórica dos
últimos 15 anos, conforme tabela 1, a quantidade de números absolutos de homicídio
diminuiu. Comparados ao início da série em 2005, houve uma redução de cerca de
50% nesses valores.
A justificativa por trás da queda desse índice envolve uma série de variáveis as
quais podem ser amplamente debatidas. Por óbvio que o incremento de um órgão de
repressão policial, ao aumentar a máquina de coerção estatal por meio do aumento de
agentes nas ruas, aumenta a pressão para que se reduza esse índice. Entretanto, não
se pode afirmar que isso por si só afetou esse indicador, necessitando sopesar outros
valores importantes como índices econômicos, sociais, culturais etc.

Tabela 1 - Números de Homicídio por ano (São José dos Pinhais).

Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Valor 129 133 113 160 179 167 140 146 120 125 131 135 119 88 64

Fonte: Ipea, 2022.


34

Devido a esse contexto de elevado número de homicídios e outros crimes


violentos, o município fez parte durante os anos do programa Em Frente Brasil, lançado
no governo do presidente Jair Bolsonaro (GOVERNO..., 2020)
Nesse programa, o policiamento ostensivo e investigativo foi reforçado com a
vinda de policiais da Força Nacional, operacionalizada em um conjunto de agentes de
várias partes do Brasil, que convocados pelo governo federal, se deslocam para regiões
que necessitem de um apoio mais robusto da União. Durante esse período, equipes
ostensivas e investigativas fizeram rondas preventivas e auxiliaram as equipes locais de
policiais civis no trabalho investigativo de crimes selecionados.
Como sou guarda municipal de São José dos Pinhais, pude participar de
algumas dessas ações, conversar e sentir na prática o efeito desse tipo de política
pública. Em um primeiro momento, a presença de viaturas é um importante fator
inibidor dos crimes de oportunidade, definidos como aqueles nos quais o criminoso
busca locais de fácil acesso e de potencial reduzido de resistência da vítima. Nesses
casos, a presença de viaturas ostensivas gera de fato uma “sensação de segurança”.
Entretanto, percebi também o problema na operacionalização dessas ações. Muitas das
vezes os agentes da força nacional saíam para patrulhamento sem comunicação
alguma com a central de polícia local, gerando uma ineficiência operacional pois
situações que ocorreriam nas proximidades de uma viatura dessas nunca foram
repassadas pela ausência total de comunicação.
Apesar dessa situação pontual operacional, pode-se afirmar que a presença
desse reforço policial foi extremamente bem recebida e percebida pela população.
O município ainda abriga a sede do 17º Batalhão de Polícia Militar, responsável
pela guarnição de policiais militares dos municípios de São José dos Pinhais, Araucária,
Campo Largo e Fazenda Rio Grande (PARANÁ, 2022). Em São José dos Pinhais a
Polícia Militar ainda dispõe de uma companhia exclusiva destinada ao atendimento de
ocorrências da cidade, a 1ª Cia do 17º BPM, além de um pátio para recolhimento de
veículos que também serve como Cartório para recebimento e agendamento de
audiências em virtude de encaminhamentos para lavratura de Termo Circunstanciado,
conforme convênio próprio entre Legislativo e Executivo estadual. Há poucos anos a
35

Polícia Militar também dispunha de um módulo de UPS (Unidade Paraná Seguro) na


região do bairro Guatupê, porém foi recentemente desativado.
A cidade ainda possui duas delegacias de polícia, a 1ª Delegacia Regional de
Polícia de São José dos Pinhais e a Delegacia da Mulher e do Adolescente de São
José dos Pinhais. A primeira faz o recebimento de todos os flagrantes e demais
situações investigativas e de atribuição orgânica que estão a cargo de sua competência
e a segunda é encarregada da investigação dos crimes que tenham adolescentes como
infratores e mulheres como vítimas, no âmbito da Lei Maria da Penha.

3.1 A CRIAÇÃO DA GUARDA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS

A fundação da Guarda Municipal de São José dos Pinhais remete ao ano de


2005. A lei instituidora da corporação é a Lei Complementar Municipal nº 12, de 14 de
abril de 2005 (SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, 2005a). In verbis:

“Art. 1º Fica instituída a Guarda Municipal no Município de São José dos


Pinhais, Estado do Paraná, força auxiliar destinada à proteção de seus bens,
serviços e instalações, nos termos desta Lei Complementar.

Art. 2º A Guarda Municipal desempenhará missão eminentemente preventiva,


zelando pelo respeito à Constituição, às leis e a proteção do patrimônio público
municipal.

Art. 3º São atribuições da Guarda Municipal:


I – prevenir, proibir, inibir e restringir ações nefastas de pessoas que atentem
contra os bens, serviços e instalações municipais;
II – executar policiamento ostensivo, preventivo, uniformizado e armado na
proteção a população, bens, serviços e instalações do Município;
III – educar, orientar, fiscalizar, controlar e policiar o trânsito nas vias e
logradouros municipais, visando a segurança e a fluidez no tráfego;
IV – vigiar e proteger o patrimônio ecológico, cultural, arquitetônico e ambiental
do Município, adotando medidas educativas e preventivas; da Segurança
Pública no Município, visando cessar atividades que violarem as normas de
saúde, higiene, segurança, funcionalidade, moralidade e quaisquer outros
interesses do Município; e
VI – participar das atividades de Defesa Civil na ocorrência de calamidades
públicas e grandes sinistros.
36

§ 1º Para efeito do disposto nos incisos acima, a Guarda Municipal poderá


receber cooperação técnico-financeira do Estado e da União, através da
celebração de Convênios entre o Município e órgãos competentes do Poder
Público Estadual e/ou Federal, objetivando atendimento pleno das
necessidades municipais.

§ 2º Será atribuição da Guarda Municipal, o desempenho das tarefas


enumeradas no caput deste artigo, no âmbito também das entidades da
Administração Pública Indireta deste Município.

Art. 4º A Guarda Municipal é Unidade Administrativa integrante da Secretaria


Municipal de Segurança.

Art. 5º O serviço será dividido em tantos agrupamentos quanto se fizerem


necessários ao desempenho de suas tarefas, com seus respectivos superiores
hierárquicos responsáveis.

Art. 6º O efetivo de pessoal da Guarda Municipal terá seu número previamente


fixado através da lei competente.”

§ 1º O pessoal nomeado para integrar a carreira de Guarda Municipal,


pertencerá ao Quadro do Regime Jurídico Único Estatutário deste Município e
será regido Pela Lei Complementar nº 02, de 25 de março de 2004 e
alterações, por esta Lei, pelo Estatuto dos Servidores Públicos Municipais,
subsidiariamente e pelo Regulamento Geral da Guarda Municipal.

§ 2º O concurso público para o cargo de Guarda Municipal deverá avaliar dentre


outras condições, as de natureza física, psicológica e cultural dos candidatos,
assim como, seus antecedentes, indispensáveis ao desempenho de sua
missão.

§ 3º O servidor aprovado no concurso público para o cargo de Guarda


Municipal, submeter-se-á ao curso de formação de Guarda Municipal e será
devidamente treinado, para o desempenho das funções de seu cargo.

§ 4º O curso de formação de Guarda Municipal será custeado integralmente


pelo Município, pela Secretaria Municipal de Segurança.

§ 5º O servidor que não conseguir a aprovação no curso de formação, será


considerado inapto à função do cargo de Guarda Municipal e exonerado
observado o devido processo legal.

Art. 7º O servidor ocupante do cargo de Guarda Municipal desempenhará as


funções próprias de seu cargo devidamente trajado com uniforme específico e
portará respectivos acessórios, conforme o disposto no regulamento próprio

Art. 8º Os integrantes da carreira de Guarda Municipal poderão portar armas,


em todo território do Município para a defesa do patrimônio público, quando do
exercício das atribuições inerentes ao seu cargo, na forma de regulamento e
legislação pertinente

Art. 9º O Regulamento Geral da Guarda Municipal, dispondo sobre a


distribuição e coordenação de suas atividades, as atribuições específicas das
unidades que o constituem, será expedido pelo Chefe do Executivo Municipal,
através de Decreto.
37

Art. 10. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário.(SÃO JOSÉ DOS PINHAIS,


2005a)”

Da leitura da lei pode-se observar claramente que as atribuições discriminadas à


Guarda Municipal se confundem com as atribuições de outros órgãos de segurança
pública, apesar das atribuições da corporação estarem dirigidas ao seu patrimônio,
conforme Art. 1º: “Art. 1º Fica instituída a Guarda Municipal no Município de São José
dos Pinhais, Estado do Paraná, força auxiliar destinada à proteção de seus bens,
serviços e instalações, nos termos desta Lei Complementar.”, sendo explicitadas no Art.
3º logo na sequência.
Como se nota no Art. 3º, dentre as atribuições estão: “II – executar policiamento
ostensivo, preventivo, uniformizado e armado na proteção a população, bens, serviços
e instalações do Município”. Depreende-se da leitura que a inclusão da palavra
população, precedida das palavras bens, serviços e instalações, denota a intenção do
legislador municipal em ampliar o rol constitucional das atribuições desse órgão de
segurança pública local. Cabe salientar que apenas em 2014, com a criação do
Estatuto das Guardas Municipais (BRASIL, 2014) o parágrafo 8º do Art. 144 da CF/88
foi regulamentado, normatizando as funções das Guardas Municipais em âmbito
nacional.
Outro ponto interessante com relação à criação dessa lei municipal é a não
exaustão das atribuições previstas nos incisos do Art. 3º. Conforme se observa no Art.
9º, subsidiariamente os servidores da Guarda Municipal observarão as determinações
do regulamento próprio: “Art. 9º O Regulamento Geral da Guarda Municipal, dispondo
sobre a distribuição e coordenação de suas atividades, as atribuições específicas das
unidades que o constituem, será expedido pelo Chefe do Executivo Municipal, através
de Decreto”. Dessa forma, também é necessário observar as determinações próprias
deste regulamento.
O regulamento da Guarda Municipal de São José dos Pinhais é o Decreto
Municipal nº 1.140 (SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, 2005b), de 09 de junho de 2005. Tal
38

normativa disciplina a natureza, o funcionamento, as atribuições, as competências, a


estrutura interna e demais disposições pertinentes à categoria.
Neste regulamento, as atribuições gerais dos guardas municipais estão previstas
no Art. 11, in verbis:

“São atribuições do Guarda Municipal:


I – executar policiamento ostensivo, preventivo, uniformizado e armado na
proteção da população, bens, serviços e instalações do Município;
II – desempenhar atividades de proteção do patrimônio público, guardando-os,
vigiando os contra danos e atos de vandalismo;
III – fiscalizar, orientar e controlar o trânsito municipal de pedestre e veículos
nas áreas de sua atuação;
IV – operar equipamentos de comunicação e equipamentos tecnológicos de
monitoramento de alarmes e câmeras de vídeo;
V – dirigir viaturas conforme escala de serviço;
VI – elaborar relatórios de suas atividades;
VII – prestar colaboração e orientação ao público em geral;
VIII – apoiar e garantir as ações fiscalizadoras e o serviço de responsabilidade
do Município;
IX – executar atividades de socorro e proteção as vítimas de calamidades,
participando de ações de defesa civil, colaborando também na prevenção e
controle de incêndios e inundações, quando necessário;
X – cumprir fielmente as ordens emanadas de seus superiores hierárquicos;
XI - conduzir ao distrito policial pessoas surpreendidas na prática de delitos ou
atos antisociais, se necessário, informando a central de comunicação;
XII – zelar pelo cumprimento das normas de trânsito;
XIII – zelar pelo cumprimento das normas internas do Departamento da Guarda
Municipal, preservando o bom nome da corporação;
XIV – fazer rondas nos períodos diurno e noturno, conforme escala, fiscalizando
a entrada e saída, o acesso de pessoas, veículos e equipamentos nas
dependências de repartições públicas; e
XV – desempenhar outras atividades correlatas.(SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, Art.
11, 2005b)”

Conforme se observa no inciso I, houve uma repetição da determinação da lei


orgânica quanto ao patrulhamento ostensivo para proteção da população. Neste artigo,
importante notar que no inciso XI criou-se a obrigatoriedade genérica de condução de
pessoas em flagrante de qualquer delito ou ato “antissocial” à delegacia de polícia, não
apenas no âmbito da segurança de instalações, mas no patrulhamento ostensivo para a
garantia da incolumidade da população. Obviamente que a interpretação desse termo é
extremamente relativo e gera inúmeras controvérsias, não devendo sequer constar de
texto de lei.
39

Essa disposição normativa é importante pois se analisado sobre a perspectiva


sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro, a priori quem detém a obrigatoriedade da
condução são os órgãos policiais, especificamente na pessoa de seus agentes. Nos
termos do Art. 301 do Código de Processo Penal:

“Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão


prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. (BRASIL, Art. 301,
1941)”

Depreende-se dessa análise sistêmica e gramatical do regulamento que a


intenção do legislador municipal foi de fato ampliar a atribuição constitucional para uma
atribuição verdadeiramente policial, um mandamento coercitivo de condução foi
imposto, na medida em que o seu descumprimento enseja transgressão disciplinar da
norma municipal e apuração mediante órgão próprio correicional, conforme Art. 14
deste regulamento.

“Pelo exercício irregular de suas atribuições, o Guarda Municipal responderá


civil, penal e administrativamente e suas responsabilidades serão apuradas
através dos procedimentos determinados na Lei nº 525, de 25 de março de
2004 e alterações, que rege o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de
São José dos Pinhais. (SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, Art. 14, 2005b)”

Assim sendo, utilizando os procedimentos interpretativos gramatical, sistemático


e lógico, sem considerar a validade de normas superiores à Lei Orgânica do município,
resta clara a intenção ampliativa da criação dessas carreiras com finalidade precípua de
apoiar o poder público local nas diversas situações que ensejariam a atuação do
Estado enquanto unidade da federação mas que agora, conforme legislação própria,
estão atribuídas ao poder local.
40

4 EFEITOS PRÁTICOS DA CRIAÇÃO DA GM SJP

Conforme pesquisa de campo realizada pelo autor, a Guarda Municipal de São


José dos Pinhais foi criada com o intuito de prover segurança diretamente ao munícipe
de São José dos Pinhais com finalidade a precípua claramente diversa do mandamento
constitucional. Até o presente momento foram basicamente três grupos de formações
de agentes públicos realizadas pelo município para provimento dos cargos de guarda
municipal pela Secretaria Municipal de Segurança.
Na primeira turma de formação de guardas, em meados de 2006, os instrutores
eram majoritariamente ex militares, incluindo tanto policiais quanto bombeiros militares.
Grande parte do curso de formação, especialmente as partes práticas relacionadas às
matérias de técnicas policiais, como algemamento e abordagem a pessoas por
exemplo, foram ministradas por profissionais dos grupamentos especializados de
polícia militar, como o Batalhão de Operações Especiais. Consequentemente, os novos
profissionais tiveram como referência a atuação dessa corporação, ou seja, focada
primordialmente na atuação repressiva e ostensiva.
Na segunda turma de formação, em meados de 2010, por questões
administrativas, vários agentes realizaram a capacitação em outras guardas da região
metropolitana, como Araucária por exemplo. Entretanto, conforme relatado pelos
próprios agentes, o corpo docente na sua maioria também era composto por militares
ou ex militares. Assim sendo, o foco institucional da preparação dos agentes continuou
focado principalmente no “knowhow” da Polícia Militar, o que por obviedade instituiu
uma cultura organizacional policialesca e militarizada na corporação municipal.
Nos idos de 2011 e 2012 houve uma grande mudança política na cidade. Os
governos de orientação política mais ligadas às causas sociais ganharam espaço e
reconhecimento no cenário nacional e decorrente disso no cenário local não foi
diferente. Entraram no comando da cidade e no comando da Secretaria de Segurança
pessoas que enxergavam a segurança pública de uma maneira diferenciada.
Consequência disso foi o reflexo educacional na terceira turma de formação, da qual fiz
41

parte. Nessa formação, a exceção foram os policiais militares instrutores. O corpo


docente em sua maioria era composto por policiais civis e civis com um foco totalmente
crítico ao modelo de segurança vigente. Cito como exemplo a matéria de cultura da
paz, a qual incorporou o currículo dessa turma e foi vista com estranheza pela maioria
dos agentes que já compunham a instituição.
Nesse momento da instituição no campo operacional, as atividades
desenvolvidas pela corporação buscavam privilegiar uma abordagem diferenciada,
especialmente focada nos casos de sucesso de outros países. Nessa seara,
privilegiava-se o policiamento comunitário, a atividade preventiva em detrimento da
atividade repressiva, existiam ações específicas voltadas a grupamentos sociais
vulneráveis e a instituição, em consonância com as políticas nacionais, investia na
formação humanística de seus agentes. Foi nítida a mudança de atuação, conforme
relato unívoco dos agentes da instituição.
Entretanto, com as mudanças políticas normais decorrentes do próprio processo
democrático, o pensamento político mudou assim como a maneira de enxergar a
segurança. Os programas de atuação diferenciada foram extintos assim como o foco
operacional voltou a ser o que era realizado anteriormente, legado de uma cultura
organizacional enraizada aos moldes militares.
A instituição desde a sua criação teve como foco principal a atuação repressiva,
seja mediante o patrulhamento ostensivo, seja mediante atendimento das diversas
demandas que chegam via número de emergência. Fato é que nunca se cogitou utilizar
a guarda exclusivamente para os fins patrimoniais que foram estabelecidos
constitucionalmente.
Atualmente a instituição conta com um quadro de 173 agentes, distribuídos em
regionais que atendem os diversos bairros do município, englobando atendimentos
realizados via número de emergência (153 – nacionalmente padronizado) quanto
decorrentes do próprio patrulhamento. Além disso, conta com cinco grupamentos
especializados, sendo eles o ROMU (Rondas Ostensivas Municipais), grupamento
Ambiental, grupamento Maria da Penha, grupamento de Inteligência e grupamento de
Trânsito. A instituição já teve o comando da Defesa Civil municipal e teve um grupo
com cães os quais eram utilizados em operações especializas. Porém, por opções
42

políticas, atualmente a Defesa Civil municipal é comandada por outra Secretaria e o


grupamento com cães foi extinto.
O grupamento especializado ROMU atua basicamente nas situações de maior
vulto. Seus integrantes são dotados dos armamentos institucionais de maior poder de
fogo, tais como fuzil e carabina, e seu foco é atuação nas ocorrências que demandem
apoio às outras regionais ou uma atuação mais especializada. Por especializada
englobam-se inclusive atividades de Organização e Controle de Distúrbios, tais quais as
operações de “Choque” das polícias militares.
O grupamento ambiental foi instituído para principalmente suprir com apoio
armado as demandas da Secretaria de Meio Ambiente nas fiscalizações e atividades
correlatas. No dia a dia de serviço, todas as demandas que envolvam crimes
ambientais são repassadas a essa especializada.
O grupamento Maria da Penha atua especificamente no apoio ao Poder
Judiciário. Sua atuação consiste na visita e cumprimento de ordens de serviço
emanadas pela autoridade judiciária nas ações que envolvam violência doméstica. As
atuações em flagrante ou demandas de emergência que envolvam crimes contra a
mulher são atendidas pelas demais equipes.
O grupamento de Inteligência foi instituído desde a criação da corporação.
Juntamente com o grupamento de trânsito, suas atribuições foram delimitadas desde os
primórdios da instituição. Como é de praxe nas polícias militares, o “serviço reservado”
além de atuar na investigação da conduta profissional e privada de seus agentes, atua
como verdadeira polícia investigativa. Através das inúmeras demandas que chegam até
a corporação, esse grupamento realiza o trabalho investigativo e alimenta com
informações tanto a Polícia Civil quanto os grupamentos próprios, em ações que
envolvem abordagem e captura de indivíduos em flagrante delito.
O grupamento Trânsito foi criado desde o início com vistas a suprir o município
com agentes da autoridade de trânsito de locais. Todos os agentes da corporação
possuem o treinamento e são agentes de trânsito, porém as demandas específicas
dessa área são encaminhadas para essa especializada, como estacionamento
irregular, fiscalização no Aeroporto Afonso Pena e situações envolvendo crimes de
trânsito.
43

Como é de se imaginar, com viés estritamente repressivo, a plêiade de situações


que chegam à corporação é vasta. Compreendem crimes contra a pessoa, crimes
contra o patrimônio, crimes de trânsito, crimes ambientais, contravenções penais e
situações que exijam uma rápida resposta do Estado. Conforme se percebe na tabela 2
logo abaixo, são inúmeros atendimentos ao longo dos anos. As informações foram
obtidas pela pesquisa própria do autor, realizada diretamente no sistema de
gerenciamento de ocorrências. Nesse ponto cabe informar que o município contratou
uma empresa terceirizada para realizar a coordenação de todo o sistema de despacho
de ocorrências, o qual envolve desde o software utilizado na Central de Atendimento
até o próprio servidor Hardware que hospeda as informações.

Tabela 2 - Atendimento de ocorrências por tipo e ano, São José dos Pinhais
(selecionadas). (continua)

Tipo de Atendimento 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Furto 375 469 460 352 560 696 621 558 461 679

Homicídio 47 29 28 31 29 23 13 18 15 14

Receptação 5 5 7 19 68 40 44 34 28 31

Roubo 503 515 545 487 655 613 457 372 256 256

Tráfico de Entorpecentes 14 28 58 35 30 27 48 68 57 75

Porte de substância entorpecente 30 182 342 142 110 117 56 66 51 46

Vias de Fato 99 201 259 82 128 176 104 110 86 135

Crime Ambiental 1 26 17 19 50 86 59 97 65

Crime de Trânsito 7 12 17 16 11 19 7 12

Dano 94 141 91 76 99 174 148 142 142 122

Infração de Trânsito 99 1407 1854 1054 1142 1634 1789 2433 1734 1838

Orientação ao Cidadão 52 89 362 512 860 1167 1352 1790 1186


44

Tabela 2 - Atendimento de ocorrências por tipo e ano, São José dos Pinhais
(selecionadas). (conclusão)

Tipo de Atendimento 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Veículo Recuperado 198 225 210 226 297 277 167 190 89 110

Perturbação da Tranquilidade 210 2677 2937 1685 1880 2943 2797 2955 3728 4215

Policiamento Presença 607 6261 5103 4845 6865 7200 6986 7410 9045 9969

Policiamento Ambiental 190 336 379 234 427

Violência Doméstica 234 294 234 147 132 162 197 312 357 406

Fonte: Elaborado pelo autor, 2022.

Nota-se acima que a maioria dos atendimentos se referem à perturbação da


tranquilidade. Esse tipo de situação envolve os atendimentos nos quais há o
acionamento via Central de Comunicação (CECOM) e a viatura é despachada para tal.
Esse tipo de ocorrência envolve a maioria dos atendimentos como um todo. A
ocorrência descrita como policiamento/presença faz referência aos deslocamentos de
viatura em que após patrulhamento na via e contato com o/a solicitante, não há
constatação de irregularidade alguma e o sistema registra como policiamento no local.
As situações de Homicídio acima referem-se aos chamamentos para locais de crime,
onde após constatação de óbito, a corporação auxilia no isolamento de local de crime
até a chegada da polícia científica. As situações de Veículo Recuperado são situações
nas quais tanto no policiamento regular ou por meio de acionamento via Central,
veículos em via pública com alerta de furto ou roubo são localizados e nesses casos é
realizada a remoção até a delegacia regional do município para as providências
cabíveis. As ocorrências tipo Orientação ao Cidadão envolvem deslocamentos de
agentes os quais em contato com o/a solicitante, acabam percebendo a ausência de
flagrante ou necessidade de encaminhamento e acabam realizando mera orientação,
por exemplo em casos que deveriam ser judicializados. O tipo de ocorrência
Receptação envolve os flagrantes nos quais indivíduos são localizados com objetos de
45

roubo e furto e são encaminhados em flagrante por estarem com esses objetos. As
ocorrências tipo Furto e Roubo envolvem atendimentos de patrulhamento com vistas à
localização de suspeitos que realizaram tais crimes, não se limitando apenas a
encaminhamentos em flagrante, ou também a mera constatação e lavratura de boletim
de ocorrência. As ocorrências de crime ambiental envolvem situações descritas na lei
específica. Majoritariamente são relacionadas a queimadas irregulares ou corte de
árvores protegidas. Os apoios à secretaria especializada nesses casos não são
registrados nesse tipo de atendimento. As ocorrências de Violência Doméstica
capituladas na tabela englobam os atendimentos diversos que envolvem as regionais,
tais como violência física ou psicológica. Os atendimentos do grupamento especializado
nessa área são registrados em relatórios específicos.
O sistema de segurança municipal não é integrado com o da Polícia Militar.
Ocorre que muitas vezes tanto a corporação estadual quanto a municipal são
deslocadas para o atendimento da mesma ocorrência, gerando uma sobreposição de
esforços. Porém, via de regra quem chega primeiro no atendimento acaba tornando-se
o titular da ocorrência, qualquer que seja o tipo de atendimento demandado.
Decorrente desses atendimentos estão por exemplo a apreensão de armas de
fogo, as quais são apreendidas principalmente em decorrência do porte ilegal.
Conforme a tabela 03 logo abaixo, é possível perceber o quantitativo de armas tiradas
de circulação das ruas exclusivamente pelo atendimento da Guarda Municipal.

Tabela 3 - Número de armas apreendidas por tipo e ano, São José dos Pinhais
(selecionadas) (continua)

2018 2019 2020 2021 2022

Total / Tipo 36 39 22 31 20

Arma caseira 0 1 0 0 0

Carabina 0 0 0 0 1

Espingarda 8 9 5 8 2
46

Tabela 3 - Número de armas apreendidas por tipo e ano, São José dos Pinhais
(selecionadas) (conclusão)

2018 2019 2020 2021 2022

Total / Tipo 36 39 22 31 20

Garrucha 5 2 0 1 0

Pistola 5 5 8 9 8

Revólver 17 22 9 13 9

Sub-metralhadora 1 0 0 0 0

Fonte: Elaborado pelo autor, 2022.

Conforme se observa na tabela acima, a Guarda Municipal retira de circulação


grande quantidade de armas de fogo as quais em sua maioria são revólveres em baixas
condições de uso. As informações acima estão selecionadas desde 2018, porém há
outras apreensões nos anos anteriores que não foram capituladas pelo sistema, motivo
pelo qual não estão informadas acima. Referente ao ano de 2022, os dados acima são
de apreensões realizadas até agosto do corrente ano.
Nota-se, observando a tabela 2 e 3, que a quantidade de atendimentos policiais
executados por essa corporação municipal é extremamente expressivo. Há também
outro tipo de atendimento estritamente não policial que não está capitulado acima mas
que está estritamente relacionado à corporação e que até o presente momento é
exercido com exclusividade - o atendimento focado nos próprios públicos municipais.
São José dos Pinhais possui três parques públicos municipais que são atendidos
pelo patrulhamento esporádico e fixo dos agentes de segurança. O maior parque é o
que leva o mesmo nome da cidade, São José, atendido por agentes deslocados
exclusivamente para esse local. As escolas, CMEI, Unidades de Saúde e qualquer
próprio público que necessite vigilância regular são guarnecidos com sistemas de
alarme monitorados pela central da Guarda Municipal. Caso haja algum disparo nesses
47

locais, a viatura é despachada pela CECOM para averiguação. Nota-se


inequivocamente a grande amplitude de atendimentos que são demandados a GM.
48

5 O ESTUDO DE CASO DAS GUARDAS MUNICIPAIS DA GRANDE PORTO


ALEGRE

Enquanto realizava a pesquisa de revisão bibliográfica para a presente


monografia localizei um interessante trabalho de Rosado (2021), a sua dissertação na
qual o autor aborda a evolução da maneira de trabalho de três Guardas Municipais da
Região Metropolitana de Porto Alegre. São elas a GM de São Leopoldo, Novo
Hamburgo e Canoas. Marino Rosado também é guarda municipal de carreira e ao
traçar um paralelo histórico da evolução dessas três corporações acabou evidenciando
que, em que pese a distância geográfica, na verdade a realidade da GM Brasil afora é
muito parecida.
Para tal, o autor inicia sua fala afirmando que as gestões municipais foram
aumentando suas atribuições, muitas vezes concorrendo com outras instituições de
segurança pública. Afirma ainda que as justificativas para as rondas ostensivas das
guardas se justificam na medida em que enquanto cuidam do patrimônio, ao deslocar
entre os próprios públicos, ao se depararem com um flagrante, poderiam prender
qualquer um em flagrante com a justificativa do artigo 301 do Código de Processo
Penal. Tal artigo aponta que qualquer um do povo pode prender qualquer um que
esteja em flagrante delito, conforme já foi reportado em tópico precedente, justificativa
que também escutei por muito tempo em minha corporação.
Outra justificativa apontada pelo autor e que é utilizada pelos gestores
municipais é que como a função constitucional da guarda é a proteção de bens,
serviços e instalações municipais, o maior bem de um município é sua população.
Estritamente falando, em termos de direito penal, poderia se extrapolar esse conceito e
afirmar que o bem jurídico tutelado, nos moldes do Código Penal, seria a integridade
física e a vida do munícipe. Assim como a primeira justificativa, também escutei muito
essa argumentação, usada também quando a instituição é interpelada sobre a
inconstitucionalidade das rondas ostensivas.
49

Para desenvolver sua pesquisa Rosado estabeleceu um questionário de


perguntas e respostas para captar as percepções dos agentes e gestores municipais,
principalmente após a entrada em vigor do Estatuto das Guardas Municipais.
Entrevistou ainda os agentes políticos à frente das Secretarias.
O autor aborda o fato da crescente criminalidade evidenciada na grande Porto
Alegre na década de 80, em que os municípios que dispunham de receitas para
subsidiar as instalações de Batalhões de Polícia Militar e Delegacias de Polícia as
utilizavam para essa aplicação. No entanto, aqueles municípios que não dispunham de
tais verbas, por baixa arrecadação ou outras prioridades, ficavam à mercê da
criminalidade. Tal fato não é exclusividade da realidade Rio Grandense, visto que em
São José dos Pinhais, na década de 90, a cidade era popularmente conhecida como
“terra da bala”. Por óbvio que nenhum político, principalmente os mandantes
municipais, gostariam de carregar essa pecha em suas cidades.
Na Grande Porto Alegre conforme explica, os prefeitos, com o clamor popular
pela segurança pública e utilizando-se do argumento da proteção ao patrimônio público
(postes, calçada entre outros), criaram Guardas Municipais para fazer as “rondas de
quarteirão” aos moldes de como se fazia no governo militar, ao redor de prédios e
escolas municipais.
Outra atribuição que segundo o autor foi atribuída à GM nessa região e que não
era estritamente prevista era a condução de presos à delegacia e o apoio na condução
coercitiva de pessoas com sofrimento psíquico pelos serviços de saúde e assistência
social. Em SJP participei de inúmeras detenções e conduções coercitivas em flagrante
até a delegacia, inclusive apoio à Delegacia de Polícia para escolta de presos ao
atendimento médico, principalmente pela falta de efetivo policial nesse local. Também
em SJP é de praxe o apoio a outros órgãos municipais como o SAMU, situação na qual
se utiliza, quando necessária, a intervenção, o dispositivo eletrônico incapacitante
(TASER ou SPARK) na defesa da incolumidade do agente municipal que presta o apoio
ou de outro servidor. Na realidade, nesses casos o que ocorre é que realizamos
efetivamente a função do órgão dessa repartição de saúde e acabamos imobilizando o
paciente por possuir um equipamento mais efetivo do que o uso bruto da força. Por
óbvio, essa função não nos é legalmente determinada.
50

Rosado aponta outra situação que também percebo em SJP. Citando Rolim
(2004), mostra que a própria fragilidade conceitual da missão organizacional e o déficit
de pessoal especializado com visões diferentes da realidade favorecem a reprodução
das estratégias comprovadamente ineficazes das polícias estaduais. Afirma também
que quando há uma instabilidade institucional, devido à ausência de um plano de
carreira fixo e eficaz que propicie a estabilidade de permanência da função, contribui
para a fragilidade da cadeia de comando e a própria viabilidade a longo prazo, ficando
susceptível a vulnerabilidade político partidária que influencia todas as esferas de poder
e principalmente, nesse caso, a municipal.
O autor também cita a influência que outras Guardas Municipais em nível
nacional exercem na cultura organizacional das demais instituições em outras
localidades. Aponta Rosado a GM de São Paulo como grande influenciadora das
demais organizações, principalmente pela própria origem preceder a das demais e pela
forte imagem que essas instituições possuem em seu estado. Em São José dos Pinhais
posso afirmar que inúmeros agentes se espelham no comportamento adotado pelas
corporações militares Brasil afora, principalmente São Paulo. O fardamento
institucional, a nomenclatura das especializadas (por exemplo ROMU, que possui
origem na guarda paulista) até a própria maneira de se conduzir a ocorrência, estas
características ficaram fortemente enraizadas na mentalidade desses servidores, talvez
pela ausência de um referencial diferente ou da própria dificuldade em encontrar um
parâmetro nacional que seja inequivocamente modelo de exemplo a ser seguido.
Derradeiramente, conclui Rosado que a gestão municipal optou naquela
realidade gaúcha pelo policiamento reativo/repressivo, em detrimento à prevenção
primária, com um consequente distanciamento das comunidades. Em SJP, conforme
apontado no texto, posso afirmar que as opções foram as mesmas.
51

6 CONCLUSÃO

Conforme foi apontado ao longo do texto, as atribuições da GM muitas vezes


extrapolam tanto as determinações constitucionais quanto infralegais. Os indicativos
sociais apontam para uma crescente sensação de medo, oriundo principalmente da
ausência do Estado e de uma carência nas políticas sociais de longo prazo.
Nesse cenário de insegurança, o poder público local utilizou do aparato à sua
disposição para a instituição de forças de segurança locais para o cumprimento das
atribuições precípuas do Estado enquanto unidade autônoma da federação.
Controvérsias à parte, foi possível observar que houve considerável redução da
criminalidade principalmente nos pequenos e médios municípios, tal qual estudo
estatístico mostrado no tópico 2.2.
Nessa perspectiva de usurpar ou não as atribuições constitucionais de outros
órgãos de segurança pública, recente decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça)
acabou por sedimentar ainda mais o entendimento que vem prevalecendo nas cortes
superiores. No caso analisado pela corte, foi valorada a legalidade ou não da
abordagem em fundada suspeita, nos moldes permitidos pela Art. 244 do CPP. Nessa
situação, um cidadão em via pública jamais poderia ser abordado por agentes
municipais que considerassem uma situação de fundada suspeita, local diferente das
determinações permitidas pelo Estatuto da categoria (bens, serviços e instalações). Na
fundamentação do Recurso Especial 1.977.119, o ministro Rogerio Schietti Cruz
(SEXTA..., 2022) analisou e sinalizou pela ilegalidade da produção de provas e pela
temeridade de se possuir um órgão de segurança sem o controle correicional exercido
pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público.
Entretanto, aponto que a instituição de uma corregedoria própria é obrigação
trazida pelo próprio Estatuto do Desarmamento para concessão do porte de arma
institucional, e tanto o Poder Judiciário quanto o MP atuam ativamente na fiscalização
da corporação, principalmente nos grandes centros urbanos.
Trago como exemplo a minha própria experiência como guarda de carreira e
membro da Corregedoria da GM SJP. Inúmeras vezes encaminhei cópias de processos
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disciplinares e informação acerca de apurações, tanto para o Poder Judiciário quanto


para o Ministério Público.
Fato é que as Guardas Municipais são órgãos que se sedimentaram como
importante fator contributivo para a consecução das políticas de segurança local,
principalmente relacionadas à atividade ostensiva. Não apenas isso, foi possível
perceber também que de maneira integrada, nos moldes previstos do estatuto orgânico
nacional, auxiliam inclusive no alcance das políticas urbanas e ambientais locais.
Em São José dos Pinhais, objeto do estudo, essa corporação concretiza os
anseios locais pela melhora dos índices de criminalidade. Apesar do retrocesso quanto
às atividades de prevenção primária e estreitamento com a comunidade, a GM realiza
efetivamente as atribuições constitucionais, as atribuições do estatuto orgânico federal,
auxilia o poder local na fiscalização ambiental, participa integrativamente com o Poder
Judiciário nas demandas das populações vulnerárias (especificamente as vítimas de
violência doméstica) e também realiza atividades de inteligência e investigação em
parceria com a polícia judiciária local.
Na ausência da contratação de servidores para o cumprimento específico de
cada uma dessas demandas, a GM cumpre o papel de “tapa-buracos” da
administração. Não resta dúvidas de que essa acumulação de funções a longo prazo
tende a ser prejudicial, tanto pela falta de foco institucional quanto pela própria
acomodação gerada para aqueles que deveriam prover de fato políticas públicas
efetivas, de qualidade e de longo prazo. Resta lembrar, tal qual delimitado pelo Estatuto
federal da categoria e como apontado pelos diversos autores citados nesse trabalho, o
melhor locus para essa instituição é na atribuição primária da segurança pública,
preventiva e comunitária, sob pena de sobreposição de esforços e ineficiência
institucional.
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