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NOVOS

ENCONTROS
COM JESUS
C her i Fu ller

NOVOS
ENCONTROS
COM JESUS

História de fé que aproximam


as mulheres do Salvador
©2016, Cheri Fuller
Originalmente publicado nos
EUA
EDITORA VIDA com o título Fresh Encounters
Rua Conde de Sarzedas, 246 – with Jesus: Stories of
Liberdade Faith to Draw Women Closer to
CEP 01512‑070 – São Paulo, SP Their Savior.
Tel.: 0 xx 11 2618 7000 Copyright da edição brasileira ©
atendimento@editoravida.com.br 2017, Editora Vida
www.editoravida.com.br Edição publicada com
autorização contratual de
Barbour Publishing, Inc. 1810
Barbour Drive,
Uhrichsville, Ohio, EUA
Todos os direitos desta tradução
em língua portuguesa reservados
por Editora Vida.
PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR
QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM
INDICAÇÃO DA FONTE.

Todos os grifos são do autor.


Scripture quotations taken from
Bíblia Sagrada,
Nova Versão Internacional, NVI
®.
Copyright © 1993, 2000, 2011
Biblica Inc.
Editor responsável: Marcelo Used by permission.
Smargiasse All rights reserved worldwide.
Editor-assistente: Gisele Romão Edição publicada por Editora
da Cruz Santiago Vida,
Tradução: Juliana Kümell de salvo indicação em contrário.
Oliveira
Revisão de tradução: Andrea
Filatro Todas as citações bíblicas e de
Revisão de provas: Josemar de terceiros foram
Souza Pinto adaptadas segundo o Acordo
Diagramação: Claudia Fatel Lino Ortográfico da
Capa: Arte Peniel Língua Portuguesa, assinado em
1990,
em vigor desde janeiro de 2009.

1. edição: jul. 2017

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Fuller, Cheri
Novos encontros com Jesus / Cheri Fuller ; tradução [Juliana
Kümmel de Oliveira]. -- São Paulo : Editora Vida, 2017.

Título original: Fresh Encounters with Jesus: Stories of Faith


to Draw Women Closer to Their Savior
ISBN 978-85-383-0350-3

16-00048 CDD-248.4
Índice para catálogo sistemático:
1. Jesus Cristo : Vida cristã : Cristianismo 248.4
Dedicado a
Jesus.
Este livro é para ti
e inteiramente sobre ti.
Sumário

Introdução: Contemplando Jesus

PARTE UM

Um novo encontro com Jesus na Palavra


1. A Palavra Viva
2. A prescrição dos Salmos
3. Uma visão que permanece

PARTE DOIS

Um novo encontro com Jesus no serviço


4. O pão da vida
5. A face de Jesus
6. Um coração esperançoso

PARTE TRÊS

Um novo encontro com Jesus nas provações


7. No colo de Deus
8. O Senhor que me vê
9. Acabei de ver Jesus!

PARTE QUATRO

Um novo encontro com Jesus nas experiências


extraordinárias
10. O Grande Médico
11. A estrada para Emaús
12. O lugar de encontro

PARTE CINCO

Um novo encontro com Jesus em seus sussurros


13. O Senhor, o nosso Reconciliador
14. O poder de sua palavra
15. O milagre de sua presença
Introdução
C O N T EMPLAN D O J ESUS
Contemplar Jesus é do que se trata o cristianismo.
Marque isso. Nós somos o que contemplamos […].
Adquirir uma visão do seu Criador pode ser
como começar uma nova vida.
MAX LUCADO

E
rgui o rosto para o ofuscante sol de verão. O meu marido, Holmes, e
eu estávamos tão entusiasmados quanto uma dupla de crianças antes
de uma festa de aniversário. Tínhamos ingressos para um agradável
passeio de barco; pelo menos, era isso que o folheto prometia: “O passeio
favorito no mar do Maine — desfrute de um passeio tranquilo de barco até a
ilha Monhegan — a experiência será o ponto alto das suas férias!”.
Como somos pessoas do interior, nem pensamos em conferir a previsão do
tempo para o mar. O sol estava brilhando. Ventava bastante, mas onde vivemos
são muitos os dias tomados pelos ventos, por isso não nos preocupamos.
“Vocês têm certeza de que desejam ir?”, perguntou-me a agente de
passagens no porto. “Amanhã será um dia melhor.”
Essa pergunta deveria ter sido entendida como uma pista, mas segui em
frente. “Hoje é a nossa única chance. Voaremos de volta para Oklahoma
amanhã”, disse a ela.
“O mar vai estar agitado. Eu poderia devolver o seu dinheiro”, a jovem
acrescentou. Peguei os ingressos mesmo assim, comprei café e sanduíches de
ovos do outro lado da rua, e Holmes e eu embarcamos no Balmy Days II
atracado no píer 8 com um grupo de pessoas corajosas, mas igualmente
ingênuas.
Antes de sairmos do porto, a jovem atrás de mim pegou um comprimido
para enjoo. Ela me ofereceu um. “Não fico enjoada no mar, mas obrigada
mesmo assim!”, respondi-lhe com um sorriso.
Na metade do caminho para a ilha, comecei a sentir o gosto do sanduíche de
ovos e a desejar que tivesse aceitado o remédio oferecido antes. “Não se
preocupem”, disse o primeiro imediato no interfone, “será mais tranquilo no
caminho de volta”.
Depois de uma hora, chegamos à ilha Monhegan. Caminha-mos pela
extensão de terra por algumas horas, passeamos por galerias de arte e fizemos
um piquenique em um monte com uma vista espetacular do oceano. Depois
voltamos novamente ao barco, esperando uma viagem tranquila de volta a
Boothbay.
Poucos minutos depois de sairmos do porto, o balanço suave se intensificou
até eu ser jogada de um lado para o outro enquanto me agarrava à amurada.
Enquanto me preparava para a próxima onda, o barco jogou-se para a frente e
quase caí da cadeira. O barco jogava e sacudia de um lado para o outro,
avançando contra o vento e as ondas.
Cada músculo do meu corpo se tencionou quando a água fria entrando na
porta da cabine respingou nos meus óculos escuros e encharcou os meus
cabelos. Cada onda ameaçadora poderia nos arrastar para as profundezas
geladas, pensava eu.
De repente, ouvi uma mulher no andar de cima gritando apavorada. O
homem grandão gemendo atrás de mim vomitou por todo o convés. A mulher à
minha frente ficou verde e se deitou — e ela era uma moradora experiente da
ilha.
O capitão precisou avançar mar adentro em uma tentativa inútil de encontrar
águas mais calmas. Enquanto as águas continuavam a bater contra o barco e
inundar a proa, olhei para os coletes salva-vidas imaginando se precisaríamos
usá-los. Um homem perto de mim notou o meu olhar e disse: “Eles não
ajudariam muito.
A água está a apenas 4 graus”. Olhei bem quando o livro Naufrágio do
primeiro imediato escorregou pelo corredor.
Percebi, então, que estava agarrando o banco como se eu estivesse no
comando do barco. À medida que a ansiedade aumentava, senti o que só
poderia descrever como uma “profunda ligação com Deus”. O medo, como
descobri, pode ser um grande instrumento para nos agarrarmos a Deus e é uma
forma poderosa para desfrutarmos de momentos de intimidade com ele.
Tu criaste este vento e estas ondas e poderias acalmá-los como fizeste
para os discípulos! Sentei-me em silêncio.
Eu experimentara dezenas de momentos na vida em que desejara que as
coisas se acalmassem e os problemas desaparecessem.
Mantive essa linha de diálogo com o Senhor por um tempo até ficar claro
que as ondas não estavam diminuindo. Na verdade, o barco estava subindo e
descendo ainda mais.
Então, como não estás acalmando as ondas, poderias falar comigo?
Acalma o meu coração e mostra-me o que queres que eu aprenda.
Esperei e escutei.
“Aproveite o passeio”, Deus parecia dizer.
Aproveitar o passeio?, perguntei. Certamente, eu ouvira errado.
No entanto, uma vez mais as palavras vieram: “Aproveite o passeio”.
O meu marido, percebi, estava aproveitando o passeio — mesmo
encharcado e com frio por causa das ondas que molhavam o convés superior
(mas ele também adora pular de aviões!).
Enquanto meditava nessas palavras, olhei ao redor do convés inferior para
ver quem mais parecia estar aproveitando o passeio.
Finalmente avistei um casal de idosos, altos e rosados, que aparentavam
estar em perfeita paz, como se estivessem participando de uma alegre
excursão de domingo.
Avancei lentamente até a parte de trás da cabine, segurando-me enquanto o
barco prosseguia seu ensaio para Uma tempestade perfeita.
“Parece que vocês estão realmente gostando disso tudo. Vocês não parecem
assustados nem enjoados. Qual é o segredo?”, perguntei ao casal de idosos.
“Apenas mantenha os olhos no horizonte. Não olhe para as ondas. Olhe o
mais distante que puder. Mantenha os olhos fixos no horizonte distante”,
disseram eles, apontando para um ponto ao longe.
De volta ao meu lugar, segui o conselho deles. E descobri algo incrível.
Uma sensação de paz relaxou a ansiedade, e comecei a desfrutar de Jesus
como o meu Príncipe da Paz de uma forma real. Era quase como se eu pudesse
vê-lo no convés sorrindo, deleitando-se com sua criação, reinando sobre toda
a excursão.
E, quando recebi uma nova visão de Jesus e mantive os olhos no horizonte,
senti sua paz naquela tarde. Não me importei que a ondas não se acalmassem.
Elas continuavam encrespadas, e o barco ainda subia e descia e sacudia
turbulentamente.
Mas alguma coisa em mim mudou. Desfrutei de uma calma tão estranha e
maravilhosa que saí para o convés e aproveitei os respingos da água do mar
no meu rosto. Notei como o sol brilhante se distribuía em diamantes na água e
como o dia estava deslumbrante.
Conversei com outros passageiros. Um ex-oficial naval contou-me sobre as
ondas de 45 pés que varreram o convés do navio da Marinha em que ele
estava na Segunda Guerra Mundial no Atlântico.
Para ele, essas ondas de 10 pés eram brincadeira de criança. “Tudo se trata
de perspectiva”, disse-me ele.
Deleitei-me com as gaivotas voando sobre nós no céu azul brilhante do
Maine e com os grupos de golfinhos pulando nas ondas agitadas perto do
barco. Por fim, retornamos ao píer 8 e, ao olhar para trás agora, o passeio
realmente foi o ponto alto da nossa viagem.
A vida cristã raramente é um calmo passeio em uma enseada.
É mais como uma excursão de aventura no oceano onde as ondas podem ser
imensas, a viagem tumultuada pelos ventos e incerta ou selvagem e difícil. As
coisas podem parecer avassaladoras.
Às vezes, queremos descer do barco, e ansiamos por águas mais calmas.
Mesmo assim Deus diz: “Olhe para mim, não para as ondas.
Fixe os olhos em Jesus — e não se esqueça de desfrutar do passeio!” (v.
Hebreus 12.2). O nosso passeio tumultuado de barco me faz lembrar de um
cartão que vi certa vez com um hipopótamo em um barco cercado por ondas
enormes. Dentro do cartão dizia:

Senhor, obrigado pela agitação,


Por chacoalhares o meu pequeno barco.
Por mandares ventos que parecem fortes demais
E ondas que ameaçam me emborcar.
Porque tudo isso me leva para os teus braços.
E vale a pena ficar molhado, Senhor,
por qualquer coisa que me leve a ti.

Ao ser levada para os braços de Jesus, descobri que realmente vale a pena
sofrer uns respingos e até mesmo passar por uma tempestade de vez em
quando.
Um novo encontro com Jesus Permanecer focado em Deus nos momentos de
estresse é parte essencial da jornada espiritual. Estrelas de destaque do
esporte como a tenista campeã Venus Wiliams e a ginasta Shannon Miller, que
conquistou o maior número de medalhas de ouro de todos os tempos em sua
modalidade (e é de minha cidade natal), foram motivo de pesquisa de
cientistas para tentar determinar por que elas vencem campeonatos contra
atletas tão talentosas e habilidosas quanto elas. Qual é o segredo? Não é
simplesmente que elas praticam muito ou deixam as distrações de lado para
aprimorar as habilidades. As outras atletas também fazem isso. É sua
capacidade de permanecer focadas sob estresse.
O foco dos atletas é um campeonato de tênis, uma medalha de ouro
olímpica, uma camisa amarela ou um grand slam no golfe.
A Bíblia nos diz que o prêmio máximo é “o prêmio celestial para o qual
Deus por meio de Cristo Jesus está nos chamando” (Filipenses 3.14, tradução
livre). Este versículo nos mostra qual deve ser o nosso foco — algo mais
importante do que vencer a Volta da França ou conquistar um campeonato
mundial: conhecer Jesus e segui-lo enquanto ele nos chama de glória em
glória.
Procurar por Deus em cada acontecimento — e encontrá-lo de uma forma
nova — nos mantém focados no nosso propósito de vida, não importa quão
pedregosa seja a jornada. Ver e encontrar Jesus não é apenas algo que
“queremos”, como cobertura na rosquinha; é algo de que precisamos, algo
vital para uma vida de fé.
A nossa visão espiritual fica embaçada com muita facilidade, enuviada
pelas decepções ou borrada pelas circunstâncias difíceis.
Às vezes, estamos tão focados em nós mesmos que não conseguimos ver
nada nem ninguém. Começamos a pensar que a vida cristã tem tudo que ver
conosco em vez de ter tudo que ver com Deus.
Muitas vezes, somos como os discípulos: mantemos os olhos fixos nos
desafios e nas ondas violentas que ameaçam afundar a nossa embarcação.
Gosto muito do que Anne Graham Lotz disse sobre isso: “Quando enfrentamos
grandes dificuldades, a nossa tendência é focar nas mãos de Deus — o que ele
não fez por nós e o que queremos que faça — em vez de focar na face de Deus
— simplesmente quem ele é. A nossa depressão pode se aprofundar com esse
tipo de preocupação. Geralmente, em meio a grandes problemas, nós paramos
um pouco antes da verdadeira bênção que Deus tem para nós, uma visão nova
de quem ele é”.1
Às vezes, a nossa visão de Deus é colorida por velhas atitudes e impressões
recebidas através do filtro das nossas experiências da infância ou da
intensidade da nossa dor atual, como veremos nos capítulos seguintes. E,
mesmo que sejamos cristãos há muito tempo, assim como um casamento pode
perder o sabor a ponto de cruzarmos com o nosso cônjuge dia após dia e mal
notá-lo, fazemos o mesmo com o Senhor. Nós perdemos a visão de sua
majestade, de sua rica misericórdia e de sua extraordinária bondade e temos
dificuldade de permanecer conectados. Podemos participar de cultos na igreja
regularmente e deixar de ver Jesus.
Oswald Chambers declarou: “Ser salvo e ver Jesus não são a mesma coisa.
Muitos são participantes da graça de Deus e nunca viram Jesus. Quando você
vê Jesus, nunca mais pode ser o mesmo, as outras coisas já não têm o apelo
que tinham […]. Se você tem uma visão de Jesus como ele é, as experiências
podem ir e vir, você permanecerá ‘vendo aquele que é invisível’ ”.2
Este livro trata de experimentar novos encontros com Jesus, vê-lo com mais
clareza e deixar que essa visão transforme a sua vida. A maioria de nós não
precisa de mais uma atividade na igreja, mais reuniões de comissão,
conferências ou software bíblico tanto quanto precisa de uma nova revelação
de Cristo. Porque, quando vemos Jesus e nos encontramos com ele, nós somos
transformados!
O nosso coração é renovado e recebemos energia para continuar no
caminho de Deus.
Em 2Coríntios 3.18, lemos: “E todos nós, que com a face descoberta
contemplamos a glória do Senhor, segundo a sua imagem estamos sendo
transformados com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o
Espírito”. Quando vemos Jesus, mesmo de relance, “Somos transfigurados
como o Messias, e nossa vida se torna cada vez mais deslumbrante e bela à
medida que Deus entra em nossa vida e nos torna como ele” (2Coríntios 3.18,
A Mensagem). Ver e encontrar realmente Jesus com certeza nos transforma —
transforma o nosso modo e viver, inclusive o nosso comportamento, os nossos
relacionamentos e os nossos objetivos.
Convido você a unir-se a mim para observarmos cinco trajetórias pelas
quais podemos ter um novo encontro com Jesus — nos momentos na Palavra,
no serviço, nas provações, nas experiências extraordinárias e nos
acontecimentos que acendem uma chama em nós; e, nos sussurros do Espírito
de Deus que levam a momentos de arrependimento, convido você a ouvi-lo
com mais clareza e, acima de tudo, a ver o nosso Salvador.
Essas trajetórias compõem as cinco seções deste livro. Em cada seção,
você lerá histórias de pessoas da Bíblia e contemporâneas, inclusive as
minhas próprias histórias, que apontarão para Cristo.
Cada capítulo não incluirá apenas uma história real, mas também pontos de
aplicação pessoal para encorajar você a ter um novo encontro com Jesus na
sua própria vida.
Antes de seguirmos, eis algumas formas de iniciarmos a jornada.
Reflita. Ao meditar nestas questões, escreva ou discuta as suas respostas
com alguém:

Qual foi a última vez que você teve um encontro real com Jesus? Como
isso afetou ou impactou a sua vida?
Qual é o maior empecilho para a sua jornada espiritual?
O que vem à sua mente quando você pensa em Deus?
Quando dificuldades ou tempestades atingem a sua vida, no que você
tende a focar?

Nas páginas seguintes, estudaremos formas não apenas de ver e encontrar


Jesus na nossa vida cotidiana, mas também de fixarmos os nossos olhos nele.
Peça. A Bíblia nos encoraja a pedir, buscar e bater (v. Mateus 7.7). Diga a
Deus que você deseja vê-lo como ele realmente é, em meio a circunstâncias
corriqueiras ou em meio ao caos e às mudanças na sua vida. Buscar a face de
Deus, não apenas fatos sobre Deus — buscar o próprio Deus, não o que ele
pode nos dar — não é algo trivial. Deus ama um investigador incansável! Ele
promete que aqueles que o buscarem o encontrarão: “‘[…] quando me
procurarem de todo o coração. Eu me deixarei ser encontrado por vocês’,
declara o Senhor” (Jeremias 29.13-14). Estou muito feliz por você ter se unido
a nós nesta jornada transformadora!

1 Lotz, Anne Graham. In: Couchman, Judith. One Holy Passion. Colorado Springs:
WaterBrook, 1998. p. 75,76.
2 Chambers, Oswald. My Utmost for His Highest. Westwood, NJ: Dodd, Mead & Company,
1935. p. 100.
P ART E U M

Um novo
encontro com
Jesus na Palavra
Capítulo 1
A Pa la vr a Viva

Pois a palavra de Deus é viva e eficaz.


Hebreus 4.12

S
entei-me na metade da terceira fi leira em uma sala de aula repleta de
calouros universitários que folheavam papéis e conversavam
nervosamente enquanto o professor mergulhava na aula de Religião I.
O dr. Anderson era conhecido como um dos melhores, um dos mais
inteligentes professores do departamento e eu mal podia esperar para ouvi-lo.
Embora eu tenha crescido em uma igreja tradicional e atendido a um
chamado ao altar aos 12 anos de idade, lutava com perguntas sobre fé e
cristianismo durante anos, e os incontáveis sermões que ouvira não abordavam
os meus principais questionamentos, como: O céu e o inferno existem
realmente? Deus é bom? Se ele existe e é bom, como posso realmente
conhecê-lo? Ele ouve as nossas orações e responde ou isso é apenas um
exercício religioso que devemos cumprir? A Bíblia é a verdade ou é apenas
um grande livro de histórias? Jesus é Deus ou foi apenas um grande homem
que devemos imitar?
Muitas vezes, eu iniciava com boas intenções a leitura diária da Bíblia
recomendada pelo pastor de jovens, principalmente depois de experiências
extraordinárias nos acampamentos de verão para jovens, mas depois de
poucas semanas elas ficavam secas e sem vida. Os objetivos do ensino médio
— a banda do colégio, os namorados, as aulas e o desejo de entrar na
universidade — clamavam pela minha atenção.
Agora posso realmente me aprofundar na Bíblia. Agora posso alcançar as
respostas para as minhas indagações, eu pensava, inclinando-me para a
frente na cadeira. O dr. Anderson nos cumprimentou, abriu suas anotações e
fez um esboço do semestre. Em seguida, em uma empolgante descrição e
caracterização, contou as histórias de Adão e Eva e Noé e o dilúvio do livro
de Gênesis.
Ficamos arrebatados com a vívida interpretação de narrativas familiares.
No final de uma hora e meia de aula, ele fechou o caderno e olhou com seus
penetrantes olhos azuis para mim e para os outros estudantes impressionados.
“O mais importante a ter em mente ao cursarem esta disciplina é que essas e
todas as histórias da Bíblia são meramente mitos que nos revelam o
significado da vida. Embora representem a verdade, essas histórias simbólicas
existiam em religiões antigas que antecedem a religião dos israelitas em
milhares de anos. Por meio de linguagem metafórica, esses mitos tornam
compreensível aquilo que está além das palavras. Eles representam
experiências espirituais, mas não podem ser aceitos literalmente. Esqueçam-se
de suas ideias preconcebidas sobre essas histórias nas aplicações infantis da
Bíblia nas escolas dominicais. Quero sacudir vocês e os tirar da sua
complacência”.
Não sei quanto aos outros alunos, mas eu definitivamente fui abalada na
minha complacência. Eu já me decepcionara com a forma pela qual Deus
cuidara das coisas quando o meu pai caíra morto por um ataque do coração, a
minha tia se afogara tragicamente e uma amiga próxima morrera em um
acidente. Agora, a cada palavra que o professor proferira naquele semestre,
outro tijolo da minha já abalada fé desmoronava. Com o passar das semanas,
quanto mais ele analisava e lecionava, mais eu questionava a realidade e a
verdade da Bíblia e de quem Deus é — ou era. Eu ainda ia à igreja algumas
vezes quando um amigo me convidava, mas silenciosamente desdenhava dos
“pregadores da Bíblia” que participavam de estudos bíblicos e noites de
missões.
Entretanto, Deus, que nos encontra bem onde estamos e nos busca porque
nos ama, mesmo quando ainda somos pecadores, viu o anseio no meu coração.
Ele viu a minha dor e confusão e o meu anseio por conhecê-lo, e começou a
trazer-me de volta para ele naquilo que eu mais gastava tempo — estudar
literatura. Ele também estava me aproximando dele por meio das dificuldades
e experiências da vida, mas essa é outra história.
Como eu estava me graduando em inglês, amava todos os cursos exigidos
para o título: literatura americana, poesia inglesa, drama europeu, Chaucer,
Skakespeare e outros. No segundo semestre da graduação em literatura
inglesa, inscrevi-me para o curso de poesia inglesa do século XVII, sem saber
que os “poetas metafísicos”, como eram chamados os autores, incluindo John
Donne, George Herbert, Henry Vaughan e outros, tinham paixão por Cristo, e a
poesia deles refletia seu relacionamento vibrante com ele. Simplesmente lendo
e estudando o que escreveram, Deus me trouxe para um pouco mais perto à
medida que eu lia versos como os seguintes:
Minha alma, há um país
muito além das estrelas,
Onde está uma sentinela alada
Habilidosa nas guerras:
Lá, acima de ruído e perigo,
Doce Paz assenta-se, coroado de sorrisos,
E Um nascido em uma estrebaria
Comanda as belas fileiras.
Henry Vaughan

Na minha busca pela verdade, também comecei a ler teólogos e filósofos, o


que me levou a Paul Tournier, um psiquiatra suíço que era um cristão
comprometido; a Dietrich Bonhoeffer, um pastor alemão aprisionado e depois
martirizado pelos nazistas por causa de sua fé; e Edith Schaeffer, cofundadora
da organização cristã L’Abri, bem como outros livros de escritores da L’Abri.
Silenciosamente, eu lia e meditava no que escreveram. E prossegui com a
minha graduação, tive o meu primeiro filho e depois mais um e, em seguida,
mudei-me do Texas para Tulsa, Oklahoma.

De olhos bem abertos


Certa tarde, sentei-me no sofá estampado, marrom e dourado, na sala de
estar da nossa pequena casa em Delaware Place, sem saber o que fazer.
Geralmente, durante a soneca dos meninos eu estudava para os exames orais,
mas poucas semanas antes eu subira ao palco, grávida de sete meses, e
recebera o meu diploma. Não havia mais nada para estudar. Eu fizera tudo o
que deveria me trazer felicidade, ou pelo menos era o que pensava. Eu me
casara depois da graduação. Nós tivéramos dois preciosos menininhos e mais
uma criança estava a caminho. Morávamos em uma bela casa de tijolos com
janelas brancas rodeada por uma cerca branca em uma rua agradável.
Finalmente eu pudera comprar as muito esperadas cortinas amarelas com
estampa rústica para o nosso quarto. Terminara o mestrado depois de trabalhar
nele por cinco anos, e Holmes estava indo bem no ramo de vestuário.
Tudo deveria estar bem. No entanto, aos 29 anos, encontrei-me perguntando,
como a velha canção de Peggy Lee, “Isso é tudo o que existe?”. Dentro de
mim, havia esse vazio que nenhuma das coisas e pessoas maravilhosas
conseguira preencher. Eu estava preocupada com os persistentes ataques de
asma do nosso filho e perturbada com muitos medos. Sem ter uma única amiga
na cidade para a qual havíamos nos mudado recentemente, eu me sentia
extremamente solitária. Estávamos tão ocupados com os nossos objetivos
pessoais que Holmes e eu ficáramos cada vez mais distantes, e os pequenos
ressentimentos diários se acumulavam criando barreiras entre nós que
pareciam a Grande Muralha da China. Enquanto eu estava trabalhando em um
objetivo, conseguira manter a solidão e o medo a distância. Eu podia esconder
as perdas e a dor mal resolvida. Mas uma escuridão que eu não podia mais
negar parecia estar invadindo o meu ser.
Então, naquela tarde, enquanto os meninos dormiam, vasculhei a estante de
livros procurando alguma coisa que valesse a pena ler. Nada parecia
interessante.
Finalmente, a minha mão alcançou uma tradução Phillips empoeirada do
Novo Testamento que o meu marido usara em uma aula da faculdade. Eu não
lia a Bíblia havia muito tempo, mas me sentei no sofá e comecei a ler no
silêncio enquanto a chuva batia na janela ao lado.
Comecei no livro de Mateus, o primeiro livro do Novo Testamento, e li
página após página, capítulo após capítulo, dia após dia, exatamente como lera
muitos outros livros antes. Terminei Mateus e segui para o livro de Marcos e
depois Lucas, sem perder um capítulo ou versículo.
Várias semanas depois, chegou a hora de investigar o livro de João.
“No início Deus revelou-se”, dizia o primeiro versículo. “Aquela revelação
pessoal, aquela palavra, estava com Deus, e era Deus, e ele existia com Deus
desde o princípio. Toda criação se deu por meio dele, e nada aconteceu sem
ele. Nele apareceu a vida, e esta vida era a luz da humanidade. A luz ainda
brilha na escuridão e a escuridão nunca a apagou” (João 1.1,2, tradução livre).
Ao ler aquelas palavras, as luzes se acenderam. Era como se escamas
caíssem dos meus olhos e eles fossem abertos de modo que agora eu podia
compreender a verdade.

Aquela palavra… que é Jesus.


Estava com Deus desde o início.
Ele criou tudo! Nada foi criado a não ser por ele!
Nele, em Jesus — está a vida, e a vida dele é a luz de toda a humanidade.

Eu estava impressionada pela verdade daquelas palavras ao perceber que


Jesus não estava apenas no passado, mas é agora a Palavra viva, está vivo em
sua Palavra, falando ao coração hoje como falava quando caminhou na terra.
Ele é a luz que veio ao mundo para nos trazer da escuridão para sua
maravilhosa luz.
Jesus está vivo! Eu estava tão entusiasmada que você pensaria que eu era
Maria e acabara de ver Jesus aparecer no túmulo vazio.
Meras palavras não podem expressar a explosão de verdade e luz que
entrou em mim. Ele não é um mito como o meu professor sugeriu.
Ele não é irrelevante como a cultura o retrata. Ele não é um Deus do
passado que chamou o mundo à existência e depois deixou a humanidade à
sua própria sorte . Ele é Emanuel, Deus conosco. Uma alegria irreprimível
encheu a minha mente e o meu coração, e a presença de Cristo parecia estar ao
meu redor e dentro de mim. Receber uma nova visão do Salvador
transformaria tudo na minha vida: o meu casamento, o meu pensamento e
perspectiva, os meus relacionamentos, a minha carreira e a minha missão na
vida.
Ao mesmo tempo que todo esse alegre despertamento acontecia, tive uma
sensação sóbria de culpa e pensei: Se tudo isso é verdade, se cada palavra da
Bíblia é verdadeira e autêntica e vem de Deus, como eu deveria estar
vivendo? Assim começou o processo de arrependimento. Um desejo novo de
ler a Palavra de Deus e seus mandamentos e de saber como eu deveria viver
me inundou, e dali em diante eu lia aquele pequeno Novo Testamento verde
como se ele contivesse todos os tesouros da vida em suas páginas — o que era
a mais pura verdade!
Alguns dias depois, eu estava dirigindo em uma rua de Tulsa com as
crianças, e sentia a presença de Deus ainda muito real e viva, quando uma voz
baixa e suave começou a responder às minhas perguntas, começando com
“Céu e inferno são reais e começam aqui — que caminho você está
seguindo? A vida eterna começa aqui, na terra.
A quem você entregará a sua vida?”. Na minha resposta: “Sou toda tua,
Senhor, cada parte de mim, o meu hoje e todos os meus amanhãs”, começamos
uma conversa que continua até hoje.
Os nossos problemas não desapareceram apenas por causa do meu renovo
espiritual. De fato, a asma do nosso filho piorou; eu tinha uma ativa criança de
5 anos, uma de 3 anos e uma recém nascida para cuidar; e, três semanas depois
de ela nascer, mudamo-nos para uma nova cidade onde eu não conhecia
ninguém.
Mas agora eu estava ciente de que não tinha mais que lidar com a
maternidade, a asma do meu filho, as dores de ouvido ou a catapora a das
crianças, ou a vida inteira sozinha, e isso fez toda a diferença.
E, embora as circunstâncias não tivessem mudado, era como se eu tivesse
tirado os óculos escuros. A grama parecia ter um verde-esmeralda, o céu era
de um azul mais vivo. Eu estava admirada e cheia de gratidão. Coisas que
encontrara centenas de vezes — as borboletas monarcas e o pôr do sol, uma
cesta de maçãs verdes e novos dias — agora eram surpreendentes para mim.
Eu estava assombrada pelo dom maravilhoso que eram os meus filhos e o meu
marido e sentia um novo amor por eles e pelas pessoas ao redor.
Acima de tudo, comecei a sentir um novo amor pela Bíblia.
Impressionada pela relevância dessa Palavra viva, eu levantava cedo todas
as manhãs para lê-la, página por página, capítulo por capítulo e linha por
linha. Ouvia Deus falar comigo nos versículos e descobri ser sempre verdade
que “a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de
dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e
medulas, e julga os pensamentos e as intenções do coração” (Hebreus 4.12).

Um novo encontro com Jesus


Deus se revela na Bíblia e por meio de Cristo, a Palavra eterna.
Jesus é a face de Deus, a imagem visível do Deus invisível. João 1.14
diz: “Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua
glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade”.
De Gênesis a Apocalipse, o Senhor apresenta inúmeros vislumbres de si
próprio. As histórias da Bíblia não são apenas belas histórias, não são mitos
que representam a verdade, mas são “verdadeira verdade”,1 como diz Edith
Schaeffer, de forma que podemos conhecer Deus e vir a amá-lo e adorá-lo e
render a ele a nossa vida. Eis algumas formas de conhecê-lo melhor:
Abandone ideias falsas sobre Deus recebidas da cultura. Eu tinha ideias
estranhas sobre Deus recebidas do meu professor de religião. Assim como eu,
você pode ter adquirido ideias falsas sobre ele de filmes, arte ou educação.
Deus tem sido tratado de forma abundante, mas distorcida nos filmes, e às
vezes as representações são blasfemas. Com frequência, ele é retratado mais
como uma caricatura do que como o Criador do Universo. No filme Os Dez
Mandamentos da década de 1950, Deus é uma estrondosa voz desencarnada.
No famoso afresco de Michelangelo no teto da Capela Sistina, Criação de
Adão, Deus é um homem forte de barba branca.
Na comédia da década de 1970 Alguém lá em cima gosta de mim, ele é uma
deidade sarcástica e bem-humorada com um charuto. No filme dos anos 1990
Dogma, Deus é uma estrela do rock de voz rouca.
A canção de Bette Midler, vencedora de um Grammy, “From a Distance”
[De certa distância] dá a entender que Deus nos observa a distância, mas não
tem poder ou envolvimento na nossa vida. Uma das encarnações mais recentes
de Deus foi no filme Todo Poderoso, no qual Deus aparece humanizado como
um dignificado poder elevado que às vezes se apresenta como zelador. “Você
acha que é fácil ser o Homem Lá de Cima?”, Deus pergunta a Bruce, o
repórter de televisão que está culpando Deus por seus problemas. “Então tente
você controlar o mundo.”
Reflita sobre filmes, livros e canções que influenciaram as suas ideias
sobre Deus. Como essas histórias se enquadram nas
histórias da Palavra, no relacionamento dele com seu povo e na maneira
com que a Bíblia retrata Deus? Elas representam a bondade e misericórdia de
Deus e demonstram seu convite para que as pessoas entrem em um novo
relacionamento com ele por meio de Jesus Cristo?
Leia o evangelho de João com o propósito de “contemplar o Senhor”.
Assim como o corpo precisa ser nutrido com alimentos saudáveis, a sua
vida espiritual também precisa de suprimento. Por meio de sua Palavra, Jesus
pode revelar-se, falar, guiar e encorajar você. João é um livro excelente da
Bíblia para começar a aprofundar-se porque ele contém as verdades mais
básicas e ao mesmo tempo mais profundas sobre Jesus Cristo. Leia o livro de
João se você nunca leu a Bíblia ou se é um novo convertido.
E, mesmo que você já tenha lido toda a Bíblia antes, o meu estímulo é para
que leia este livro maravilhoso do Novo Testamento, não tanto com o
propósito de cobrir determinado número de capítulos em uma semana ou de
versículos em uma única sentada, mas para “contemplar o Senhor” como
descreveu Madame Guyon, uma cristã francesa do século XVI. Ao ler, pause
por um momento em vez de seguir rapidamente para o versículo seguinte.
Sente-se na presença do Senhor “contemplando-o” e desfrute da Escritura para
acalmar a mente:

O modo de fazer isso é na verdade bem simples. Primeiro, leia uma passagem
das Escrituras. Uma vez que sinta a presença de Deus, o conteúdo do que você
leu deixa de ser importante.
As Escrituras serviram a seu propósito; aquietaram a sua mente; levaram você a
Deus […]. O maior desejo do Senhor é revelar-se a nós e, para fazer isso, ele
nos concede graça abundante. O Senhor nos dá a experiência de desfrutar da
presença dele. Ele nos toca, e seu toque é tão maravilhoso que, mais do que
nunca, somos interiormente levados a ele.2

Ao agir assim, você não apenas descobre verdades maravilhosas na


Palavra, mas também descobre novamente Jesus Cristo, a Palavra Viva.

1 Schaeffer, Edith. God’s Definition of Faith. In: Couchman, Judith. One Holy Passion.
Colorado Springs: WaterBrook, 1998. p. 154.
2 Guyon, Madame. In: Foster, Richard; Smith, James Bryan. Devotional Classics. San
Francisco: HarperSanFrancisco, 1993. p. 321-323.
Capítulo 2
A PR ESC R I Ç ÃO D O S S ALMO S
Cristo é pleno e sufi ciente para todas as pessoas […].
Ele é uma vestimenta de justiça para cobri-las e adorná-las;
um Médico para curá-las; um Conselheiro para aconselhá-las;
um Capitão para defendê-las […] um Marido para protegê-las;
um Pai para supri-las; uma Fundação para apoiá-las.
JOHN SPENCER1

V
ocê está no comando”, disse Bill ao filho de 13 anos, Barrett ,
“ numa fria manhã de fevereiro enquanto abraçava os quatro filhos.
“Não, mamãe está no comando, mas vou ajudá-la”, respondeu
Barrett com um sorriso.
“Vou a Nova York a trabalho e voltarei domingo à noite. Vamos orar
juntos”, disse ele, reunindo as crianças e a esposa, Pam, ao seu redor. “Não
quero me atrasar para o voo.”
Ocupada ensinando os quatro fi lhos em casa, Pam mal percebeu que não
recebera nenhuma ligação de Bill. Grávida de três meses do quinto filho, ela
estava aliviada por se sentir melhor depois de semanas de náuseas e exaustão.
O marido não ligou como ele geralmente fazia quando estava viajando. Não se
preocupe; ele estará em casa no domingo, Pam pensou. Então eles teriam um
jantar especial em família para surpreendê-lo. Que celebração seria! Até
mesmo o mais novo dos quatro filhos ajudou a preparar a comida e a mesa de
jantar.
Cinco horas e nada. Seis horas. A comida esfriou, e o papai não voltara
para casa.
Esse é um comportamento tão atípico de Bill! , pensou Pam.
Votado como o “Mais Confiável” no ensino médio, ele sempre fora o pai
cristão perfeito e se mantinha religiosamente pontual, ligando sempre para
saber como estavam as coisas.
Talvez o voo tenha atrasado. Uma ligação para a companhia aérea informou
que o avião aterrissara no horário. Contudo, depois de horas de espera, ele
não havia chegado. Quando Pam contatou o hotel de Nova York onde ele
ficara, a segurança encontrou suas roupas de corrida no quarto. Ela continuou
ligando para o hotel, mas Bill não foi mais visto nem voltou para pegar as
roupas. Pam olhava para o teto durante uma longa noite de insônia com os
piores cenários passando pela mente.
No dia seguinte, o departamento de polícia local listou Bill como
desaparecido. Mesmo depois de uma busca completa por um investigador
particular, nenhuma evidência ou sinal de traição apareceu.
Bil , marido de Pam havia dezesseis anos, desaparecera.
No decorrer do ano seguinte, Pam e seus filhos lutaram contra uma dor
esmagadora. Ela não conseguia comer e passou a enfrentar uma gravidez de
risco. Seu quinto filho, Harrison, nasceu seis meses após o desaparecimento
do marido. Bill a deixou sem dinheiro e com uma grande dívida sobre a qual
nunca contara, e ela enfrentou o peso de entrar no mercado de trabalho. Pam
amava seu papel como mãe e dona de casa, e perder isso para voltar ao
trabalho representou outro golpe para ela.
No entanto, a coisa mais difícil que eles enfrentaram foram as perguntas sem
resposta. Será que Bill tinha morrido? Alguma coisa terrível teria
acontecido a ele? Como vamos sobreviver sem ele?
Um ano depois, quando Pam e as crianças viram o pai novamente, não foi
em volta da mesa de jantar ou liderando-os em oração — mas no noticiário de
TV, algemado e cercado por policiais.
A imagem dele estava estampada em jornais locais e estaduais. Ele fora
preso em outro estado, passando-se por um viúvo cuja esposa e filho haviam
morrido em um acidente de carro. Embora Bill tivesse sido acusado de crimes
de terceiro grau por abandono de menores, Pam solicitou que as acusações
fossem retiradas para que a família não fosse arrastada para a corte e para a
mídia. Ele não tinha desejo de se unir novamente à família. Não queria ver as
crianças, nem o quinto filho nascido em sua ausência. Só queria o divórcio.
À medida que o horror do que acontecera se consolidava, a sensação
avassaladora de abandono, traição e raiva atingia Pam em ondas. Ele mentiu
para mim. Confiei minha vida a ele. Não consigo acreditar que isso
aconteceu. Como posso seguir em frente? Às vezes, suas emoções a
imobilizavam, e ela ficava no quarto com janelas e cortinas fechadas,
chorando.
Um dia uma conhecida bateu na porta de Pam, ignorando o sinal de Por
Favor, Não Perturbe.
“Ela não está recebendo visitas”, disse a vizinha que atendeu à porta.
“Preciso falar com Pam”, disse Angie. Poucos dias antes de Bill deixá-la,
as duas mulheres haviam se encontrado em uma pista de boliche durante uma
festa de aniversário. Pam sabia que o marido de Angie a deixara por outra
mulher.
“Como você pode parecer tão bem?”, perguntou Pam.
“Um pastor de Fort Worth compartilhou algumas coisas comigo, e a verdade
me libertou”, disse ela.
Naquele dia, quando Angie se sentou ao lado dela na cama, Pam não
imaginava sobre qual verdade ela estava falando. “Hoje a minha professora do
estudo bíblico agradeceu a Deus por ele ter estado à sua frente e atrás de você
e por ele ter um curso traçado, sabendo que você carregaria este fardo.”
“Deus sabia disso? Deus preparou isso para mim?” Por um lado, essa ideia
era confortadora, mas, por outro, atingiu Pam de surpresa. Mesmo que eu
sobreviva a tudo isso, isso não é o que quero.
Como você, Deus, pode se dizer amoroso e ter planejado derrubar tudo
isso em cima de mim? , ela o acusava silenciosamente.
“Sei que o pastor estaria disposto a conversar se você quiser”, disse Angie
ao sair.
Pam sabia que precisava de alguém para ajudá-la a entender a situação, mas
não confiava em psiquiatras e psicólogos. Um deles dissera que ela deveria
ser hospitalizada poucos meses depois de o marido tê-la deixado, mas as
crianças haviam acabado de perder pai, e ela não permitiria que eles
perdessem a mãe também.
Quando uma amiga graciosamente lhe enviou uma nota de 100 dólares para
consultar com um psicólogo de renome, ele lhe fez a mesma pergunta
repetidamente: “O que aconteceu? O que aconteceu?”. O profissional não
ofereceu nenhuma esperança real e ficou o tempo todo olhando para o relógio
como se estivesse ansioso para que a consulta terminasse.
Certa noite, Pam foi ao estudo bíblico esperando falar com aquele pastor
que nunca encontrara. No final da aula, reuniu coragem e perguntou se ele
poderia conversar com ela.
Quando eles sentaram em um banco do lado de fora do prédio, Pam
despejou tudo o que acontecera. “Sinto como se estivesse morrendo. Posso me
arrumar, mas não tenho esperança dentro de mim. Se o que a vida tem é
pobreza e trabalho e essa dor avassaladora, não sei por que eu iria querer
viver.” Depois esperou em silêncio pela resposta do pastor.
“Em primeiro lugar, já que o seu marido se foi e eu não o conheço, ele terá
de prestar contas a Deus. Mas há dois caminhos que você pode seguir: você
pode continuar enxergando os pecados dele através de um microscópio,
analisando-os e catalogando-os repetidamente, ou pode dizer: ‘Deus, embora
eu não tenha feito Bill partir, de alguma maneira eu fiz coisas erradas.
Abra os meus olhos para que eu possa enxergar o meu pecado e as minhas
fraquezas, e permita-me lidar com isso, confessá-los e louvá-lo por me
perdoar de toda injustiça; então, ajude-me a perdoar Bill’ ”.
“Veja, nós lutamos diante do Senhor de uma forma diferente do mundo.
Precisamos reconhecer que Deus diz que habita nos louvores de seu povo. Se
Deus habita nos louvores de seu povo, você convida a presença e o poder dele
na sua vida e nas suas circunstâncias hoje, louvando-o. Como está a sua
adoração?”
“Adoração? Você não entende! Estou apenas sobrevivendo.
Não estou com ânimo de louvor.”
“Se as circunstâncias encobriram sua visão de Deus, então você precisa
corrigir isso. Quero que você leia os últimos sete salmos e deixe que eles
sejam a sua oração. Pense nisso como uma prescrição médica a tomar todos os
dias. Ore os versículos desses salmos em voz alta para Deus, porque, ao
declarar que esta é a verdade, não importa quais sejam as circunstâncias, a sua
fé será fortalecida”, acrescentou ele.
“Não vou sentir vontade. Mal consigo erguer a voz para cantar um hino na
igreja.”
“Quando você pede a seus filhos que façam alguma tarefa, deixa que eles
desobedeçam se não sentirem vontade?”, ele perguntou.
“ ‘Alegrem-se sempre’ é um mandamento — Deus está dizendo: Você,
alegre-se sempre. Você, ore continuamente. É hora de reconhecer que o
Criador do Universo que está sendo o seu Marido e Provedor e o Pai dos seus
filhos é digno de seu louvor. E, ao louvá-lo, você será abençoada.”
Essas instruções soaram duras para uma mulher com o coração tão ferido.
Mas, na manhã seguinte, Pam cerrou os dentes e recitou os últimos sete salmos
em voz alta para Deus, primeiro em um só tom, por pura obediência, sem
nenhuma emoção.
“Eu te exaltarei, meu Deus e meu rei; bendirei o teu nome para todo o
sempre! Todos os dias te bendirei e louvarei o teu nome para todo o sempre!
[…]. O Senhor é misericordioso e compassivo, paciente e transbordante de
amor. O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas
criaturas” (Salmos 145.1,2,8,9).
Lágrimas rolaram quando continuei: “O Senhor ampara todos os que caem e
levanta todos os que estão prostrados. […] O
Senhor está perto de todos os que o invocam, […] ouve-os gritar por
socorro e os salva. O Senhor cuida de todos os que o amam”
(Salmos 145.14,18-20). Ler os salmos em voz alta para Deus dia após dia
ensinou-lhe mais sobre Deus, e ela sentiu que o Senhor a estava encorajando e,
contra toda a razão, dando-lhe esperança.
“Senhor, a minha vida realmente é impossível para mim; estou
completamente empobrecida, mas vou louvar-te e vou dar o passo seguinte”,
orou Pam muitas vezes ao enfrentar os deveres desenfreados de ser mãe
solteira de cinco filhos e fazer malabarismos no trabalho para pagar as contas.
Ela começou a ver e conhecer Deus de uma nova forma. E ele começou a
mostrar-lhe a majestade de sua Palavra e a revelar esta verdade:

“Pois o seu Criador é o seu marido,


o Senhor dos Exércitos é o seu nome,
o Santo de Israel é seu Redentor;
ele é chamado o Deus de toda a terra.
O Senhor chamará você de volta
como se você fosse uma
mulher abandonada e aflita de espírito,
uma mulher que se casou nova
apenas para ser rejeitada”, diz o seu Deus.
Isaías 54.5,6

Pam não sabia o que significava Deus ser um marido para ela e um pai para
seus filhos órfãos, mas pediu que ele lhe mostrasse isso e que cobrisse o
abismo entre sua mente e seu coração.
A resposta veio em pequenos vislumbres e momentos. Um dia seu filho de
12 anos estava jogando basquete do lado de fora da casa.
Ao olhar pela janela, Pam viu que ele estava chorando e secando as
lágrimas na manga da camiseta. Ele precisa do pai, mas o pai não está aqui.
Ele nunca estará. Uma sensação de impotência caiu sobre ela ao perceber que
não havia como erradicar a dor dos filhos.
Pam se voltou para Deus e perguntou: “Senhor, o que significa que tu serás
pai para o órfão?”.
“Eu não disse que serei. Eu disse que sou um pai para seu filho.”
Deus estava dizendo: “Eu sou”, não “Eu serei” nem “Eu era”.
Não é no tempo futuro, mas naquele momento e em todos os momentos em
que um pai for necessário. Deus é o Pai dos meus filhos.
Ele é o meu Marido. A luz brilhou ao receber uma nova revelação de seu
Salvador.
Sim, ela teria de aceitar essa verdade pela fé porque Bill deixara um grande
espaço a ser preenchido. Sendo um pai generoso e envolvido, ele andava de
bicicleta com as crianças em vez de jogar golfe no domingo. Ele brincava com
os pequenos, fazia passatempos, era generoso ao suprir suas necessidades.
Como alguém poderia preencher os vazios que ele deixara?
Entretanto, quando Pam aceitou a verdade da paternidade de Deus pela fé,
vez após outra, o Senhor se revelou de diversas maneiras, como no caso do
ortodontista que doou milhares de dólares pelo serviço ortodôntico nos dentes
de seus filhos. Ou na alegria que enchia a casa deles de tal forma que as
pessoas que chegavam diziam: “Amo entrar em sua casa. Quero que a minha
casa seja assim também”. Ou quando alguém de forma anônima pagava o custo
elevado de uma escola cristã para os filhos, e mães e pais ajudavam Pam a
carregar o fardo e a nutrir as crianças. E ainda havia o tio Gil , irmão de Pam,
que os incluía nas férias e preenchia o vazio na vida das crianças indo pescar,
andando de bicicleta e brincando com elas.
Nada mudou tanto Pam como o poder da verdade de Deus, nem o psicólogo,
nem as palavras bem-intencionadas das pessoas que tentavam consolá-la.
Principalmente nos momentos que ameaçavam esmagá-la. Poucos meses mais
tarde, o divórcio foi entregue a ela. Tarde daquela noite, ela se sentiu
envolvida pela dor ao ler as palavras que divorciavam Bill da vida deles para
sempre. A escuridão ao redor a pressionou. A vida parecia desfazer-se, e ela
foi tentada a permanecer mais uma vez no passado, pensando: O que
aconteceu? Como posso simplesmente me esquecer de dezesseis anos da
minha vida? Como posso simplesmente seguir em frente?
Ela puxou a Bíblia para si, e seus olhos pousaram sobre versículos que
sublinhara muito antes: “Esqueçam o que se foi; não vivam no passado. Vejam,
estou fazendo uma coisa nova! Ela já está surgindo! Vocês não a reconhecem?
Até no deserto vou abrir um caminho e riachos no ermo” (Isaías 43.18,19).
Por meio destes versículos, Pam sentiu a compaixão e o conforto do Senhor
envolvendo seu coração, uma sensação extraordinária de seu amor surgindo
mesmo quando estava envolvida por sua dor.
Por muitos anos, Deus tem cuidado de Pam e de seus filhos, e ele nunca
falhou. Sempre que eles têm uma necessidade, Deus supre.
Ele é o Marido dela. Ele é o Pai de seus filhos. Isso não significa que a vida
tenha sido fácil ou seja fácil agora. E, embora não fosse como ela planejara,
Pam está agradecida. Durante provações, ela muitas vezes orou: “Seja o que
for que eu deva enxergar e aprender sobre ti por meio da falta de emprego ou
desta dificuldade, mostra-me. Obrigada até mesmo por ser uma mãe solteira e
ter a chance de desfrutar de ti como Marido e Pai. Se for a tua vontade que
sejas o meu marido durante toda a minha vida, Senhor, estarei satisfeita. Tu és
fiel”.

Um novo encontro com Jesus


Quer você seja uma mulher solteira, quer casada, a Bíblia diz que o seu
Redentor, Jesus, aquele que a libertou do reino das trevas para seu reino de
luz, é o seu Noivo, e você é sua amada. Quando você entregou a sua vida a
Cristo, foi como se estivesse no altar dizendo “Aceito”. Há diversas
referências a essa verdade. Em Jeremias 31, Deus diz que amou seu povo
como um marido ama sua esposa. Ele disse em Oseias 2.16 que, em um dia
futuro, seu povo o chamaria de Marido em vez de Senhor. Da mesma forma
que um marido proporciona segurança para a esposa, Deus prometeu no salmo
146 que ele conduziria o órfão e a viúva em segurança.
Ele é para sempre fi el e, quer sejamos esquecidas por um marido, um pai
ou uma mãe, quer estejamos sozinhas ou cercadas de pessoas amadas, as
Escrituras dizem que “o Senhor me acolherá”
(Salmos 27.10).
Raio-X de Salmos. Assim como Pam, para experimentar uma experiência
transformadora na Palavra de Deus, faça do salmo 144
até o 150 a sua oração a Deus pela manhã e à noite por trinta dias, e veja
que novas revelações você receberá. Não leia apenas os versículos desses
salmos. Ore-os em voz alta a Deus enquanto o adora, sinta vontade ou não de
fazer isso. Descobri que essa é uma prescrição certa para a depressão e a
ansiedade e para momentos em que estou sobrecarregada. Ao longo do tempo,
o poder da Palavra de Deus erguerá os seus olhos do problema para o Deus
que é. O poder da Palavra transformará o seu coração e a sua vida.
Deixe que as Escrituras preencham o espaço entre a sua mente e o seu
coração. Pode ser difícil relacionar-se com a ideia de ver o Senhor como o
seu Marido e o Pai dos seus filhos, por isso a encorajo a examinar os
seguintes versículos e neles meditar. Ao mesmo tempo, peça que o Espírito
Santo preencha o espaço entre a sua mente e o seu coração para que estas
verdades sejam absorvidas:

O Senhor […] sustém o órfão e a viúva (Salmos 146.9).


Pois o seu Criador é o seu marido, o Senhor dos Exércitos é o seu nome, o
Santo de Israel é seu Redentor (Isaías 54.5).
Assim como o noivo se regozija por sua noiva, assim o seu Deus se regozija por
você (Isaías 62.5).
“Voltem, filhos rebeldes! Pois eu sou o Senhor de vocês”, declara o Senhor [aos
filhos de Israel] (Jeremias 3.14).

1 Spencer, John. In: Draper, Edythe. Draper’s Book of Quotations for the Christian World.
Wheaton: Tyndale, 1992. #347.
Capítulo 3
U MA VI SÃO Q UE PER MAN EC E
Antes era a bênção,
Agora é o Senhor;
Antes era o sentimento,
Agora é sua Palavra.
Antes seus dons eu desejava,
Agora o doador dos dons;
Antes eu buscava a cura,
Agora somente a ele.
A. B. SIMPSON1

V
enha ver-me quando puder, querido. Estou sempre pronta para
“ entreter o meu amado Robert”, dizia o bilhete que Hannah
encontrou no bolso do casaco do marido enquanto separava as
roupas deles no dia anual de limpar o armário. Com o coração partido, jogou a
carta de amor da amante do marido no fogo e refletiu sobre o que poderia ter
dado tão errado no casamento deles. A descoberta da infidelidade do marido
foi devastadora, mesmo assim Hannah Whitall Smith não sucumbiu ao
desespero. Como acontecera muitas vezes quando ondas de tragédia ou
decepção passaram sobre sua vida, ela se voltou para Cristo. Naquela noite,
secou as lágrimas e respondeu à carta de uma amiga da Inglaterra, solteira e
deprimida, que perguntava como poderia enfrentar a solidão de sua vida de
solteira:

No meu caso, decidi simplesmente que ficaria satisfeita somente com Cristo.
Desisti de buscar qualquer sentimento de satisfação. Eu disse: “Senhor, tu és
suficiente para mim, tu somente, sem nenhum dos teus dons ou bênçãos. Tenho
a ti e estou feliz. Estarei feliz. Escolho estar feliz. Estou feliz”. Disse isso pela
fé. Ainda preciso repetir essa decisão pela fé com frequência. Preciso fazer
isso justamente nesta noite, pois não estou muito bem e sinto o que penso que
você chamaria de “abatimento”. Mas não faz diferença como me sinto. Deus é
exatamente o mesmo; ele está comigo, e eu sou dele e estou satisfeita.2
Essa não foi a primeira vez que a dor tocou a vida de Hannah. Ela perdeu
quatro de seus filhos para a morte. Seu marido sofreu diversos colapsos e
envolveu-se em um escândalo de adultério que lhe trouxe humilhação nacional
e destruiu seu ministério. Ele abandonou a fé, e seu comportamento imoral era
um espinho constante na carne de Hannah. Seus três filhos adultos rejeitaram o
cristianismo e abraçaram filosofias liberais daqueles dias. Uma filha
abandonou o marido e os filhos por um amante; a outra casou-se com um dos
ateus mais ousados da época. Hannah sofreu reveses financeiros, afastamento
da família quacre e da igreja em que crescera, problemas familiares e
dificuldades. Certamente tudo isso seria suficiente para torná-la uma mulher
cristã deprimida e derrotada.
Contudo, em vez de esses desafios a balarem a f é d e Hannah e silenciarem
seus escritos e pregações poderosos, eles foram uma porta para uma
dependência mais íntima de Deus. Ela permaneceu até o fim da vida uma
esposa, mãe e avó fiel. Escreveu o clássico O segredo do cristão para uma
vida feliz 3 e outras obras que encorajaram a jornada espiritual de milhões de
cristãos. Como essa mulher pôde suportar tais provações e viver uma vida
abundante e de superação?
Hannah Whitall Smith foi sustentada por uma visão do amor fiel de Cristo
— um amor despertado em uma revelação transformadora muitos anos antes.
Por causa da experiência, ela sabia como encontrar alegria nesse Deus de todo
o conforto, independentemente do que acontecesse.
Hannah era uma quacre por direito nato, nascida em 1832 em uma amorosa
família da Filadélfia, Pensilvânia. Seu pai, John Whitall, era proprietário de
uma grande fábrica de vidro em Nova Jersey, e sua mãe, Mary, proporcionava
um ambiente onde a animada Hannah e seus três irmãos cresceram e
floresceram. Ela teve uma infância feliz, que descreveu como “uma cena
encantada cheia de sol e flores”.4 Na adolescência, não desejava nada além
disso, e somente uma coisa manchava sua alegria: um vazio doloroso no
coração.
Ela sabia que não estava preparada para a eternidade e achava que nunca
estaria.5
Uma investigadora incansável de espírito aventureiro, Hannah lutava com o
conflito entre as rígidas exigências da piedade quacre e seu desejo de
experimentar, aprender e celebrar a vida e Deus.
Aos 19 anos, começou uma nova vida ao se casar com Robert Pearsall
Smith, também quacre por direito de nascença. Depois de um namoro
apropriado, eles se estabeleceram em Germantown, Pensilvânia.
Embora Hannah questionasse as crenças de sua religião quacre (ela se
sentia muito rebelde e queria ser “boa”, mas parecia nunca se enquadrar no
modelo quacre), queria ter um relacionamento mais próximo com um Deus
vivo. Desejava alegria e paz, mas não tinha a menor ideia do que significava
“colocar a confiança em Jesus”. Em vão tentava exercitar a justiça e a
salvação de sua alma por seus próprios esforços.6
Na adolescência e no início dos 20 anos de idade, Hannah sentia como se
estivesse em um estado espiritual sem esperança, inteiramente separada de
Deus, como um barco afundando.7 Ela crescera acreditando que Deus estava,
de forma egoísta, “interessado em sua própria honra e glória […] tão
absorvido pensando em si mesmo e em sua própria justiça a ponto de não ter
amor ou misericórdia de pobres pecadores que o haviam ofendido”.8 Ela
pensava que, se Deus era tão bom, como ele poderia ter feito pessoas tão
inclinadas ao mal. Se ele era tão poderoso, por que não concedia o poder para
que as pessoas vivessem na luz em vez de nas trevas.
A imagem de um Deus severo e ríspido que desenvolvera nas solenes
reuniões quacres não era de um Deus no qual se podia crer ou confiar.
“Milhares de perguntas surgem de todos os lados”, ela disse e concluiu:
“Sou uma cética!”9
Esse estado de espírito perturbado e na escuridão persistiu por mais de dois
anos. Sua alma ansiava por Deus, mas ela não conseguia encontrá-lo. O ensino
quacre que recebera a conduzira a muito autoexame e egocentrismo. Mas,
embora se empenhasse por organizar as emoções na alma e ter a atitude
correta para com Deus, isso apenas tornava mais miserável sua vida religiosa.
Foi a morte de sua primeira filha aos 5 anos de idade, a amada Nellie, que
causou uma reviravolta na vida espiritual de Hannah.
Depois da morte de Nellie, Hannah lutou não apenas com a dor, mas
também com uma sensação ainda maior de distanciamento de Deus. Ela não
conseguia suportar a ideia de que sua querida filha tinha “partido sozinha para
um universo sem Deus” e, mesmo assim, para onde quer que se voltasse, não
via nenhum raio de luz.10
Certo dia, por volta do meio-dia, Hannah saiu para uma reunião religiosa
em uma das regiões mais movimentadas da cidade.
Enquanto esperava que o pregador começasse a falar, de repente “um olho
interior […] abriu-se na minha alma, e parece que vi que afinal Deus era um
fato — o mais básico dos fatos — e a única coisa a fazer era descobrir tudo
sobre ele”.11
A partir dali, Hannah não conseguiu descansar até conhecê-lo e perceber
que a Bíblia era o livro de que precisava. Quando foi para a praia com a
família poucas semanas mais tarde, levou apenas a Bíblia e a determinação de
encontrar Deus. Todos os dias, sentada debaixo do guarda-sol, ela lia o livro
de Romanos, onde
descobriu que “Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos
pecadores” (5.8). Ali ela teve o primeiro vislumbre de Deus revelado na face
de Jesus Cristo. A visão da grande generosidade de Deus a tornou
“radiantemente feliz”,12 ao entender que todas as pessoas eram pecadoras e,
portanto, todas mereciam punição. Mas Cristo levara os nossos pecados sobre
si mesmo e suportara a punição em nosso lugar. Ele nos perdoara e nos
libertara. Ela não precisava tentar ser justa ou piedosa. Cristo pagara o preço
e oferecera a ela a justiça que era dele.
“Tudo acontecia fora de si mesma e não precisava haver busca interior nem
uma lista de sentimentos interiores para acertar as contas com Deus”, disse
ela.13 Nesses momentos na Palavra, o extravagante amor de Deus não apenas
curou e confortou sua dor, mas também trouxe salvação à sua alma. Ela
recebeu perdão dos pecados; “as coisas velhas ficaram para trás”, e o novo
surgiu ao ser restaurada a um relacionamento correto com o Salvador.14
Agora Hannah sabia que Deus não era um Ser distante, inacessível,15 mas
um Deus inteiramente perfeito, amoroso e generoso, a quem ela podia louvar e
adorar. Todo o seu medo desaparecera.
Ele a amava, ele a perdoava… e tudo estava bem entre eles.
Por causa dessa luz que a iluminara,16 a partir daquele momento seu desejo
era viver uma vida entregue a Cristo. As verdades do Novo Testamento
passaram a ser sua âncora, todas as dúvidas se dissiparam, e sua alegria se
tornou a alegria de conhecer Cristo como Redentor.17
Hannah não amava nada tanto quanto compartilhar as verdades que
descobrira na Palavra de Deus com qualquer pessoa que encontrasse. Com
isso, surgiu um fardo terrível pelos pecados daqueles que estavam perdidos e
seriam separados de Deus pela eternidade. Como Deus conseguia suportar
isso? Ela sentia tal dor pelas pessoas perdidas e desesperadas que, quando
saía para as ruas de Filadélfia para eventos ou compromissos de pregação,
começou a usar um pesado véu preto sobre o rosto para evitar olhar na face
dos pecadores. Ela “imaginava essas faces perdidas em fogo infernal para
sempre” se estivessem sem Cristo.18
Um dia o peso foi demais para suportar, e ela clamou a Deus por um “raio
de luz, alguma iluminação” sobre o assunto.19 Naquela tarde, enquanto
atravessava a cidade em um bonde para pregar, seus olhos foram cobertos
pelo véu. Contudo, quando ela olhou além do véu para pagar a passagem ao
condutor, vislumbrou o rosto cansado e triste de dois homens sentados perto
dela. Seu coração partiu-se por eles, e mais uma vez ela silenciosamente
clamou a Deus para saber como, em sua misericórdia, ele podia condenar
almas como a daqueles dois homens à condenação eterna.
A voz do Espírito respondeu: “Não é minha vontade que nenhum se perca,
mas que todos cheguem à vida eterna”. Pela segunda vez na vida, nasceu uma
luz gloriosa. Deus não era egoísta, derramando seu amor apenas sobre algumas
de suas criaturas.
Ele era amor em sua própria essência. O amor era a própria lei de seu ser.
Se ela podia amar os filhos quer eles fossem bons quer maus, então Deus
também deveria ter algo como o amor de mãe, apenas infinitamente mais
amplo e superior ao dela.
Ela também percebeu que o amor de Deus não estava apenas disponível
para algumas de suas criaturas, como era ensinado pela maioria das doutrinas
religiosas de sua época, mas que os pecadores que ela encontrara na rua e no
bonde também eram preciosos filhos de Deus.20
Nos anos que se seguiram até sua morte, aqueles vislumbres iniciais do
amor de Cristo aqui e agora foram suficientes para cativar o coração de
Hannah e inspirar livros e mensagens que impactaram milhões de pessoas até
mesmo no século XXI. Sua visão de Jesus ajudou-a a “segurar firme em um
magnífico fundamento da verdade que nada foi capaz de abalar, e esse
fundamento é que Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo […]
o grande fato central do amor de Deus e do perdão de Deus”,21 em que sua
alma podia descansar para sempre.

Um novo encontro com Jesus


Encontrar-se com Jesus é algo maravilhoso. Mas o que é surpreendente
sobre Hannah Whitall Smith é que ela não perdeu sua visão do amor de Cristo
mesmo tendo suportado “sofrimentos, privações e tristezas” (2Coríntios 6.4).
Entre os volumes que escreveu, ela compartilhou alguns dos segredos que
sustentaram viva sua visão de Cristo e a levaram a uma vida cristã feliz — e
eles têm grande aplicação para nós hoje: Viva a vida sobre asas. Hannah
Whitall Smith cria que a nossa alma fora criada para “subir com asas como
águias” e que nunca poderia se satisfazer com nada menos do que
voar.22 Tentamos buscar ajuda em coisas exteriores, como mudanças nas
circunstâncias, mudança de cônjuge ou mudanças na nossa situação financeira,
para nos livrar das coisas que nos frustram e nos derrotam. Entretanto, nenhum
refúgio terreno pode verdadeiramente nos libertar como ansiamos. Em vez
disso, devemos lançar qualquer cuidado sobre o Senhor e viver a vida que
“está escondida com Cristo em Deus” (Colossenses 3.3) nas asas da entrega e
da confiança.23 Ela ensinava que é assim que somos levadas à “clara
atmosfera de sua presença”, acima de decepções, frustrações, perseguições,
inimigos, amigos provocadores e desafios de toda sorte.24
Concentre-se nos fatos em vez de nos sentimentos. A nossa vida espiritual
pode ser revitalizada quando o velho egocentrismo infrutífero é substituído
por centralizar a nossa vida na gloriosa Boa-Nova declarada na Bíblia, assim
como fez Hannah. Hannah perseverou com fé inabalável porque cria na
Palavra de Deus, e a Palavra, não seus sentimentos, era seu fundamento. Ela
nos encoraja a não basearmos a nossa fé na emoção, mas na natureza e no
caráter de Cristo e em suas promessas inabaláveis. Não fixamos mais os
nossos pensamentos em Como me sinto? , mas em O que Deus diz em sua
Palavra?
Reconheça que nada pode separar você do amor de Deus. Sem os nossos
desafios e obstáculos, as nossas asas não teriam utilidade e acabariam por
murchar e perder o poder de voar, ensinava Hannah.
E, mesmo assim, não importa o que aconteça, nenhuma prisão ou parede
terrena pode nos afastar de Deus. Ela acreditava, assim como Paulo, que nada
pode nos separar do amor de Deus. O apóstolo escreveu:

Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios,
nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem
profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do
amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Romanos 8.38,39).

Respire profundamente e receba esta verdade incrível: Nada pode separar


você do amor de Deus por você em Cristo. Nada. Nunca!
Portanto, “Deus é sufi ciente! Deus é sufi ciente para o tempo; Deus é sufi
ciente para a eternidade. DEUS É SUFICIENTE!”25
Ao subirmos com as nossas asas acima do desafio atual tendo esse tipo de
certeza, podemos louvar a Deus diante de qualquer abalo terreno ou problema,
pois, como disse Hannah, “A única criatura que consegue cantar é a criatura
que voa”.26

1 Spencer, John. In: Draper, Edythe. Draper’s Book of Quotations for the Christian World.
Wheaton: Tyndale, 1992. #347.
2 Carta de Hannah Whitall Smith para Priscilla Mounsey, 1o de janeiro de 1882. In: Henry,
Marie. Hannah Whitall Smith. Minneapolis: Bethany House, 1984. p. 104.
3 São Paulo: Editora Vida, 2013.
4 Smith, Hannah Whitall. The Unselfishness of God. Princeton, NJ: Littlebrook, 1987. p.
21.
5 Idem, p. 23.
6 Smith, Hannah Whitall. The Unselfishness of God. Princeton, NJ: Littlebrook, 1987. p.
131.
7 Henry, Marie. Hannah Whitall Smith. Minneapolis: Bethany House, 1984. p. 30.
8 Smith, Hannah Whitall. The Unselfishness of God. Princeton, NJ: Littlebrook, 1987. p.
11.
9 Smith, Hannah Whitall. The Unselfishness of God. Princeton, NJ: Littlebrook, 1987. p.
141.
10 Idem, p. 151.
11 Idem, p. 152.
12 Smith, Hannah Whitall. The Unselfishness of God. Princeton, NJ: Littlebrook, 1987. p.
151.
13 Idem, p. 153.
14 Henry, Marie. Hannah Whitall Smith. Minneapolis: Bethany House, 1984. p. 34.
15 Smith, Hannah Whitall. The Unselfishness of God. Princeton, NJ: Littlebrook, 1987. p.
137.
16 Smith, Hannah Whitall. The Unselfishness of God. Princeton, NJ: Littlebrook, 1987. p.
163, 170.
17 Smith, Hannah Whitall. God is Enough. New York: Ballantine/Epiphany Books, 1992. p.
26.
18 Henry, Marie. Hannah Whitall Smith. Minneapolis: Bethany House, 1984. p. 43.
19 Idem, p. 34.
20 Henry, Marie. Hannah Whitall Smith. Minneapolis: Bethany House, 1984. p. 46.
21 Smith, Hannah Whitall. The Unselfishness of God. Princeton, NJ: Littlebrook, 1987. p.
164,165.
22 Smith, Hannah Whitall. O segredo do cristão para uma vida feliz. São Paulo:
Editora Vida, 2013. p. 123.
23 Idem, p. 131.
24 Idem, p. 135.
25 Smith, Hannah Whitall. God Is Enough. New York: Ballantine/Epiphany Books, 1992. p.
274.
26 Idem, p. 247.
P ART E D O I S

Um novo
encontro com
Jesus no serviço
Capítulo 4
O PÃO D A VI D A
Uma forma de satisfazer a fome dos nossos irmãos
é repartir com eles aquilo que temos.
MADRE TERESA

A
luz da manhã brilhou na janela do escritório enquanto eu me
debruçava sobre as anotações das mensagens para uma viagem
internacional. Em poucos dias, o meu marido, Holmes, e eu
estaríamos partindo e eu tinha muitos preparativos pela frente.
Quanto mais eu trabalhava, mais o sentimento de inadequação aumentava.
As mulheres que virão a este retiro são missionárias, pessoas com anos de
experiência ministerial e extenso conhecimento de Deus e da Bíblia, eu
pensava. (Você precisa entender que alguns dos meus heróis são missionários,
como Amy Carmichael, Lott ie Moon, Isobel Kuhn e Gladys Aylward, e fi co
assombrada com sua fé e coragem.) O que tenho para compartilhar que elas
já não saibam?
Eu deveria estar sentada aos pés delas enquanto elas ensinam!
“Oh, Senhor, ajuda-me!”, clamei.
Os meus pensamentos foram direcionados de volta à passagem de João 6
que eu acabara de ler:

Depois disso, Jesus navegou pelo mar da Galileia (também chamado de


Tiberíades). Uma imensa multidão o seguia, atraída pelos milagres que o tinham
visto realizar entre os doentes.
Quando chegou ao outro lado, ele subiu a uma colina e sentou-se, cercado por
seus discípulos. A festa da Páscoa, celebrada anualmente pelos judeus, se
aproximava.
Jesus percebeu que uma grande multidão estava se aproximando e comentou
com Filipe: “Onde poderíamos comprar pão para alimentar toda essa gente?”.
Ele queria apenas testar a fé de Filipe, porque já sabia o que fazer.
Filipe respondeu: “Duzentas moedas de prata não seriam suficientes para que
cada um ganhe apenas um pedaço de pão”.
Um dos discípulos — André, irmão de Simão Pedro — disse: “Há um menino
aqui com cinco pedaços de pão e dois peixes. Mas para uma multidão como esta
isso é como uma gota num balde”.
Jesus disse: “Façam o povo se assentar”. A grama verde formava um belo tapete
natural, e eles se acomodaram ali, cerca de cinco mil pessoas. Então, Jesus
tomou o pão e, tendo dado graças, mandou que fosse distribuído. Em seguida,
fez o mesmo com os peixes. Todos comeram à vontade.
Depois que o povo comeu até se fartar, ele disse aos discípulos: “Ajuntem as
sobras, para que nada seja desperdiçado”. Eles obedeceram e encheram doze
cestos grandes com as sobras dos cinco pedaços de pão (1-13, A Mensagem).

Conforme eu lia essas palavras, Deus disse: “Assim como fez o menininho,
ofereça o pão que você tem. Entregue-o a mim, e eu o abençoarei e o
multiplicarei para alimentar todos aqueles a quem você deve falar na
Tailândia”.
Então, empilhei as anotações e os esboços da mensagem, ofereci-os e orei
fervorosamente: “Jesus, toma o que eu trago, distribui e multiplica da forma
maravilhosa que somente tu podes fazer em cada mensagem, oportunidade e
necessidade que encontrarmos”.
Continuei preparando a mensagem, mas percebia que algo havia mudado. O
meu foco se desviara, da minha inadequação para a capacidade de Cristo.
Depois de vinte horas de voo, chegamos ao aeroporto de Bangcoc.
Então, depois de mais uma hora na fila da alfândega e do passaporte,
levados de um lugar a outro por pessoas conversando em um tailandês que não
conseguíamos entender, procuramos e procuramos pelo pastor irlandês que
deveria nos buscar. Já passava da meia-noite e estávamos exaustos
vasculhando o mar de rostos.
Finalmente, dirigi-me a um casal de aparência inglesa ou americana e
perguntei se eram eles que iriam nos levar. Não eram eles, mas eles
telefonaram para o escritório da Associação Missionária Internacional
(Overseas Missionary Fellowship, OMF) e descobriram que o homem
designado para nos buscar não viria, por isso deveríamos pegar um táxi até o
hotel e voltar ao aeroporto pela manhã para pegar o voo até Chiang Mai).
Eu estava irritada e cansada, reclamando interiormente que as coisas não
haviam saído conforme o planejado na nossa primeira noite. Parecia que meu
“pão” já estava afundando. No entanto, durante o voo em direção ao norte,
para Chiang Mai, no pequeno avião depois de vinte e quatro horas de viagem,
fui encorajada pelos versículos da minha leitura matinal: “E Deus é poderoso
para fazer que toda a graça lhes seja acrescentada, para que em todas as
coisas, em todo o tempo, tendo tudo o que é necessário, vocês transbordem em
toda boa obra” (2Coríntios 9.8) e “O serviço ministerial que vocês estão
realizando não está apenas suprindo as necessidades do povo de Deus, mas
também transbordando em muitas expressões de gratidão a Deus” (2Coríntios
9.12).
Fomos recebidos na quente e úmida Chiang Mai com sorrisos e boas-vindas
calorosos de Larry e Paula Dinkins e de Judy Clark, a esposa do pastor, que
nos entregou um buquê de lindas flores.
Era a estação das chuvas e, mesmo quando não estava chovendo, Holmes e
eu tínhamos a aparência de quem se molhara na chuva porque começávamos a
suar assim que colocávamos os pés para fora no calor.
No caminho montanha acima até o local da conferência, paramos na Casa
Ágape, um orfanato para portadores de aids/HIV, a fim de orarmos pelos
bebês e pelas crianças pequenas. Vimos a graça de Deus em abundância nos
olhos brilhantes das crianças e na doação sacrificial dos voluntários.
Naquele final de semana, falei a mulheres da Suécia, Zimbábue, Irlanda,
Austrália, Inglaterra, Estados Unidos, França, Suíça, Alemanha, Mianmar,
Índia, Tailândia, Nova Zelândia e outros países — missionárias maravilhosas
de diversas organizações missionários transculturais, Tradutores da Bíblia e
outras organizações.
Nos últimos momentos antes de uma mensagem, uma história diferente me
vinha à mente, uma pequena mudança de direção ou do texto das Escrituras em
que eu não pensara antes. Pão novo!
Naquele final de semana, descobri que missionários são exatamente como
eu e você: eles ficam desanimados e cansados, necessitando do pão de Cristo
e de seu refrigério para a alma. Quando o final de semana chegava ao fim,
acordei às 6 seis horas da manhã de domingo fortemente adoecida por causa
de uma bactéria intestinal.
Cólicas, febre alta e uma forte dor de cabeça me enfraqueceram.
De alguma forma, eu me arrastei ao último momento de adoração e entrei no
carro para a viagem até a cidade, onde, naquela noite, deveria falar por duas
horas no culto da noite da Igreja Internacional de Chiang Mai.
Como consegui “pregar” (como dizem os missionários, embora eu possa
assegurar que não sou uma pregadora) por dois cultos, um seguido do outro,
doente como estava, foi um mistério para mim, mas, embora me sentisse muito
doente, Deus deu graça e força no momento em que me levantei da cadeira e
ele distribuiu muito “pão”. Depois eu ficava nauseada e tinha diarreia
novamente.
Na manhã de terça-feira, Paula Dinkins, a missionária que nos hospedava,
levou-me para falar a um grupo de mães cristãs tailandesas. O meu coração se
compadeceu ao ver aquelas mães, de onde quer que fossem, sobrecarregadas
pelos cuidados para com a família e ansiosas por ouvir como deveriam orar
por seus filhos e filhas.
Essas mães tailandesas estavam desesperadamente preocupadas para que os
filhos recebessem uma boa educação e ansiosas quanto às más amizades, ao
materialismo e às drogas. Elas absorveram cada versículo e palavra de
esperança e, depois, oramos juntas por seus filhos.
Naquela noite, homens e mulheres tailandeses de ascendência chinesa se
reuniram — professores, médicos, um advogado, um publicitário e outros
profissionais — e falei com o auxílio de um tradutor brilhante, Wan, um ph.D
da Universidade de Colúmbia.
Esses intelectuais asiáticos foram muito enfáticos quanto ao desejo de
ajudar seus filhos a serem bem-sucedidos e a crescer como cristãos.
Na noite seguinte, eu disse a Holmes: “Querido, terminei pelo menos as
grandes reuniões” e suspirei aliviada.
Contudo, pouco depois de retornarmos da escola, o telefone tocou. Era
Avis, a diretora da Casa Ágape, dizendo-nos que o pequeno Mac, um bebê de
5 meses por quem oráramos na semana anterior, havia morrido. Ela me pediu
para falar no funeral.
Senhor, nunca falei em um funeral. Há muitos ministros que poderiam
fazer um serviço melhor.
“Esta é uma grande oportunidade ministerial”, disse Paula, insistindo para
que eu dissesse sim. Como missionários que estavam no campo há mais de
vinte e um anos, Paula e Larry viam tudo em seu caminho como oportunidades
ministeriais e não queriam ouvir saber de eu dizer não a essa oportunidade.
Quando finalmente adormeci naquela noite, as palavras não haviam vindo.
Mas, no meio da noite, fui despertada e coloquei-me de joelhos para orar no
escuro enquanto a chuva caía no telhado.
De repente, as palavras que Deus queria que eu compartilhasse no culto em
memória de Mac fluíram da minha mente para o papel.
Quando entramos no orfanato na manhã seguinte, uma multidão de
tailandeses, holandeses e britânicos e de voluntários da Casa Ágape se
colocou solenemente ao redor do berço do bebê.
Em uma delicada colcha azul-claro estava o corpo do bebê por quem
tínhamos orado na sexta-feira anterior, o pequeno Mac, vestindo uma roupa
branca bordada e meias de bebê. Acima de sua cabeça no berço, estava uma
cesta das mais belas rosas cor de rosa que eu já vira.
Depois de cantarmos “Quão grande és tu” e “Deus faz tudo lindo em seu
tempo”, falei algumas palavras enquanto o marido de Avis traduzia. Em
seguida, cantamos alguns hinos ao mesmo tempo que cada pessoa pegava uma
rosa de outra cesta e a colocava cuidadosamente sobre o corpo de Mac. A sala
quente e úmida estava cheia com o som de choro e de vozes de criança, pois
os voluntários e as babás estavam com outros bebês e crianças pequenas no
colo.
Eles também haviam trazido suas rosas e as colocaram no berço do bebê.
Somente depois do culto, quando me falaram que o grupo de oito voluntários
recém chegados da Holanda não era formado por cristãos, foi que entendi por
que o Espírito Santo me deu uma apresentação tão clara do evangelho para
compartilhar. Mais uma vez Jesus distribuiu pão.
Começando a pensar um pouco mais como missionária, não fiquei tão
surpresa quando surgiu outra “oportunidade ministerial”
naquela quinta-feira à tarde. A esposa do chefe de polícia de Chiang Mai
me convidou para um almoço na casa dela no dia seguinte. Ela havia
convidado suas amigas budistas e queria que eu falasse a elas em particular
sobre um assunto que escolheria. O problema é que ela não me disse
antecipadamente que assunto seria!
“Senhor, o que tens em mente? Prepara o meu coração e ajuda-me a
descansar em ti e escutar a tua voz”, orei naquela noite.
No dia seguinte, fui levada a uma casa grande e muito elegante, um lugar
muito mais refinado do que qualquer outro em que estivera na Tailândia; era
um “Almoço de Despedida” planejado por Tuk, a esposa do chefe de polícia
(na Tailândia, o chefe de polícia é tão importante quanto o prefeito de uma
cidade). Ao redor da mesa, estavam mulheres tailandesas do consulado
americano e do escritório do consulado geral.
Depois de um almoço suntuoso, Tuk disse: “Conte-nos como os nossos
filhos podem ser bem-sucedidos na escola; compartilhe conosco sobre como
podemos ser boas mães”. Embora fossem budistas convictas, aquelas mulheres
desejavam tanto ter filhos bem-sucedidos que estavam com o coração aberto e
dispostas a ouvir uma mulher cristã da América compartilhar novas ideias e
conceitos com elas.
Depois da mensagem, sem tempo para intervalo, fomos levados ao
aeroporto de Chiang Mai para iniciar o longo trecho até Bangcoc, onde
passaríamos a noite e depois embarcaríamos para Tóquio e, depois de vinte e
quatro horas de viagem, chegaríamos à cidade de Oklahoma.
Ao recostar a cabeça no encosto da poltrona do avião, pensei em todas as
vezes que o pão havia sido distribuído — e quem era a fonte disso tudo.
Certa vez, quando os judeus estavam conversando com Jesus, eles disseram
que Moisés era quem havia dado pão do céu a seus ancestrais para comerem
no deserto e o desafiaram a mostrar-lhes um sinal milagroso. Mas Jesus sabia
qual era a verdadeira fonte do pão que os israelitas haviam recebido ao sair
do Egito: “Digo a verdade: Não foi Moisés quem deu a vocês pão do céu, mas
é meu Pai quem dá a vocês o verdadeiro pão do céu” (João 6.32). Assim foi
na Tailândia.
O Pão da Vida se manifestou e alimentou muitas pessoas.
Eu vira Jesus, que disse: “Eu sou o pão da vida. Aquele que vem a mim
nunca terá fome; aquele que crê em mim nunca terá sede” (João 6.35). Receber
essa visão nova de Jesus como o Pão da Vida mudou a minha perspectiva
sobre falar, servir e ministrar.
Não foi uma lição apenas para essa viagem, mas para toda a vida.
Agora, sempre que sou convidada a falar ou servir, seja perto de casa, seja
a centenas de quilômetros, sei que devo entregar tudo o que sou a Jesus e
simplesmente levar o pão que ele me dá, pedindo e confiando que ele pegará,
multiplicará e distribuirá para suprir as necessidades de cada coração. E ele
nunca falha!

Um novo encontro com Jesus


Quando servimos a outras pessoas, compartilhamos o evangelho ou
oferecemos ajuda e esperança, temos uma oportunidade de nos unirmos a Jesus
no que ele está fazendo — aproximando pessoas dele e expandindo seu Reino.
Eis algumas maneiras de ver e desfrutar de Jesus na sua vida cotidiana:
Aproveite oportunidades ministeriais onde elas surgirem. Procure
acontecimentos inesperados, interrupções na sua agenda e convites para servir.
Quando respondemos com um coração de servo e oferecemos ao Senhor tudo
o que temos e somos, ele pode pegar a nossa pequena oferta e multiplicá-la.
Ou como disse certa vez a minha amiga Fern Nichols: “Nós obedecemos
minimamente, e Deus faz a parte importante”.
Não importa se você está servindo aos pobres, falando a outras pessoas,
ensinando um grupo de crianças, liderando um ministério de mulheres, amando
os vizinhos ou a família ou trabalhando em um emprego profissional, lembre-
se de quem é sua fonte de vida e leve as pessoas a Cristo. Quando as pessoas
forem abençoadas, dê o crédito a Deus. É tudo plano do Senhor, que nos
permite participar com ele fazendo a nossa parte. Jesus disse: “É isto que o
meu Pai quer: que quem vir o Filho, acreditar nele e no que ele faz e tornar-se
seu seguidor entre na vida verdadeira, a vida eterna. Minha tarefa é mantê-los
vivos e intactos até o fim dos tempos” (João 6.40, A Mensagem). Pergunte ao
Senhor: “Qual é a minha parte?”.
Esforçar-nos é fazer as coisas com base nas nossas próprias forças,
preocupando-nos em agradar as pessoas com o nosso desempenho. Trabalhar
enquanto descansamos é nos preparar e nos render a Deus, deixando que ele
faça a obra por meio de nós. E, ao trabalhar descansando em vez de nos
esforçando, veremos mais e mais Jesus, porque será ele que estará fazendo
mais do que podemos pedir ou pensar (v. Efésios 3.20,21).
Muitos dos nossos esforços não produzem resultados duradouros. Mas o
que o Senhor Jesus faz por meio de nós, o pão que recebemos dele e
oferecemos aos outros, nutre a “vida eterna” deles.
Ao simplesmente fazer a nossa parte, podemos confiar os resultados a Deus.
E, ao convidarmos Cristo para nos usar, grandes coisas podem acontecer.
Deus está sempre fazendo grandes coisas, tenhamos ou não tempo de percebê-
las!
Capítulo 5
A FAC E D E J ESUS
A forma mais elevada de louvor é o som de pés
consagrados buscando o perdido e desamparado.
BILLY GRAHAM1

R
ichard Drake forçou os olhos enquanto olhava as culturas de células
cancerosas sob o potente microscópio em seu laboratório no centro
de pesquisa. Como sempre, alguns dos tratamentos experimentais
estavam dando certo e outros não. Apesar da importância de seus estudos, sua
mente continuava retornando à reunião congregacional no dia anterior. Havia
um grande contraste entre a precisão de seu trabalho no laboratório e a
confusão de lidar com as pessoas e os problemas da igreja.
A reunião se arrastara por horas com a discussão de um novo projeto de
construção, conversas sobre a direção da igreja e algumas acusações sérias
contra lideranças da igreja. Uma vez que Richard
estava inundado de trabalho do comitê da universidade, ele se recusara a
participar de comitês semelhantes na igreja.
Contudo, a esposa de Richard, Michele, estava muito envolvida em comitês
da igreja, e suas frustrações acumuladas invadiam a rotina diária normal deles.
As diferenças entre membros da igreja tinham finalmente chegado ao limite na
reunião da congregação, motivando Richard e Michele a deixarem aquela
igreja. Embates políticos dentro da igreja eram a parte do cristianismo de que
Richard menos gostava, e ele presenciara alguns dos piores momentos com
pessoas que acreditava serem cristãos de primeira linha.
Na verdade, havia muitas coisas difíceis de engolir na religião organizada.
Onde está Deus em tudo isso? , ele pensava. Por que estou envolvido nessas
batalhas?
A mente de Richard entrou em modo de questionamento crítico, como às
vezes acontecia na igreja, até que a memória vívida de uma experiência que
vivera num inverno frio vários anos antes interrompeu seus pensamentos.
Era 1993 e Richard estava pesquisando tratamentos para HIV, o vírus que
causa a aids. Junto com muitos outros pesquisadores, ele tentava encontrar
uma solução para a trágica epidemia. Naquela época, o progresso no
tratamento era lento e as estratégias de tratamento que mais tarde se mostraram
eficazes em países desenvolvidos só surgiram depois de 1996. Uma vez que
todo o conhecimento que adquirira sobre o HIV advinha de pesquisas e de
experiências estéreis de laboratório, Richard começou a perceber que nunca
vira o lado humano da doença. Em um esforço por ajudar de uma forma mais
pessoal, uniu-se a uma equipe de cuidados multitarefa (RAIN — Regional
Aids Interfaith Network) para ajudar pessoas com aids que haviam sido
isoladas pelos familiares e comunidade. Desamparados e à beira da morte,
eles precisavam desesperadamente de auxílio. As equipes providenciavam
alimentação, transporte para consultas médicas, visitas a hospitais e o que
fosse necessário para suprir suas necessidades.
Naquele dia em particular, eles estavam no apartamento de John. John era o
primeiro parceiro de cuidados com o qual a equipe de John tivera contato, e
ele não era um homem fácil de ser ajudado. Estava deprimido e alienado da
família. Muitos de seus amigos haviam morrido da doença. Solitário e
agressivo, às vezes a raiva de John respingava na equipe. Mas Richard
aprendera em seu treinamento na RAIN a não buscar recompensa ou
reconhecimento para si no ministério, de modo que a personalidade adversa
de John não era um problema. De fato, ele começara a gostar de John, e a
equipe fez tudo o que podia para ajudá-lo. A rede do RAIN lhes deu muito
treinamento, mas não preparou Richard para o que estava prestes a acontecer.
Depois do Natal, John entrou em um estado crítico por pneumonia. Durante
duas semanas, ele entrou e saiu do hospital, mas surpreendentemente melhorou
o suficiente para ir para casa. Entretanto, a saúde de John decaiu bastante e,
sem plano de saúde e com a conta bancária drenada pelas hospitalizações, em
pouco tempo ele precisou se mudar para a casa de um amigo.
A equipe do RAIN se ofereceu para ajudar John a limpar o apartamento.
John estava deitado no sofá e tão fraco que a única coisa que podia fazer era
olhar enquanto a equipe limpava, empacotava e tirava os móveis. O homem
alto e independente que um dia ele fora estava se esvaindo. Richard gostaria
que John estivesse mal-humorado como costumava ser, mas ele não parecia ter
energia nem para falar.
Finalmente tudo no apartamento fora levado, com exceção do sofá onde
John estava deitado. Como ele não tinha força para andar até o carro, eles o
enrolaram em cobertas, criando uma maca provisória.
Cada uma das quatro pessoas segurou uma ponta do cobertor, e Richard
ficou na parte da frente perto do peito de John. Protegido ali dentro, com os
braços cruzados no peito, a equipe o ergueu e dirigiu-se para as escadas.
Little Rock, no Arkansas, é bastante montanhosa, e o dia estava gelado.
Richard se surpreendeu em como John parecia pesado e a equipe se esforçava
e suava descendo as escadas, tentando fazê-lo com o maior cuidado possível
para não o derrubar. Entretanto, enquanto carregavam John do apartamento até
o carro, eles escorregaram nos degraus cobertos pelo gelo e quase o deixaram
cair. Ao tentar equilibrar John, de repente parecia que Richard estava vendo
tudo em câmera lenta. Os barulhos de fundo desapareceram, e tudo parecia
silencioso, quieto e surreal.
Ao olhar para John, que tinha ambos os braços, com as veias aparentes,
pendendo do cobertor e as pernas juntas como um crucifixo, algo incrível
aconteceu. John olhou para Richard com uma expressão que sempre ficará
marcada em sua memória. Não era um olhar de dor ou medo, mas de completa
paz e amor, algo que Richard nunca vira no rosto de ninguém.
De repente, já não parecia mais John. Foi outro rosto que John viu. Meu
Deus, o que acabou de acontecer?, pensou ele. Instantes depois, a equipe
readquiriu o controle. Tudo voltou à velocidade normal; os ruídos invadiram
novamente. Eles desceram o restante do caminho com John enrolado nos
cobertores e o depositaram em segurança na parte traseira da perua.
Quando chegaram à casa do amigo, levaram John para dentro.
Eles o deitaram, e havia um retrato de Cristo em cima da cama.
Não inteiramente uma coincidência, pensou Richard. Cedo no dia seguinte,
John foi levado novamente ao hospital por seu amigo e ali morreu naquela
noite.
Richard não conseguia tirar da cabeça a imagem que vira quando olhara
para o rosto de John. Ela continuava intrigando-o e, por mais que analisasse,
não conseguia chegar a nenhuma conclusão. Seria apenas a intensidade e o
estresse da mudança de John?, questionava sua mente de cientista. Haveria
alguma explicação bioquímica para o que eu vi?
No culto em memória de John, ele começou a contar ao pastor o que
acontecera. O pastor também era um dos quatro membros da equipe que
carregara John até o carro e estava na frente, ao lado esquerdo de John. Ele
interrompeu Richard antes que este terminasse a descrição. “Sei o que você
quer dizer, Richard. Eu também vi. A face de Cristo.”
Fora exatamente isso que Richard vira olhando para ele daquela maca
improvisada que segurava o corpo moribundo de John — a face de Jesus.
Naquele instante, duas partes de sua vida — fé e ciência — fundiram-se em
um momento sagrado e silencioso. Ele vira um vislumbre de Cristo na face
daquele homem moribundo, a mesma face de todas as pessoas em sofrimento.
Richard continuou seu trabalho, mas a pesquisa sobre HIV/
aids começou a mudar dramaticamente. Novos tratamentos eficazes contra o
HIV foram desenvolvidos e prescritos mais cedo, o que não apenas passou a
fazer uma diferença dramática na qualidade de vida, mas também aumentou a
taxa de sobrevivência.
Richard e a equipe da RAIN cuidaram de outras pessoas com aids. Cada
pessoa era diferente. Mas Richard nunca se esqueceu de John e da imagem que
vira enquanto o carregava.
Como o discípulo Tomé, Richard tem uma tendência a questionar e duvidar.
Sendo um cientista que se empenha em desvendar os mistérios do nosso
sistema biológico, é difícil desligar a análise crítica quando ele vai para a
igreja. E, quer esteja questionando a doutrina, frustrado com discussões
insignificantes e disputas de poder nos comitês da igreja, quer desiludido com
um ministro que caiu em pecado, é a visão daquele dia de inverno que o
sustenta, o leva de volta para Deus e de alguma forma renova sua fé. Ela lhe
garante que o nosso Senhor está realmente vivo e vem até nós de muitas
formas diferentes.
Richard não estava buscando uma bênção ao servir a alguém que estava
sofrendo. Mas ele experimentou algo que teve um profundo impacto pessoal.
E, ao longo dos anos, usufruiu do encorajamento recebido daquele vislumbre
do que é invisível quando o Senhor se fez evidente para ele.
Não deveria nos surpreender que alguém possa encontrar o Senhor enquanto
serve a uma pessoa que sofre ou está doente.
Jesus disse:

Quando o Filho do homem vier em sua glória, com todos os anjos, ele se
assentará em seu trono na glória celestial. Todas as nações serão reunidas diante
dele, e ele separará umas das outras como o pastor separa as ovelhas dos bodes.
E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda.
Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: “Venham, benditos de meu Pai!
Recebam como herança o Reino que foi preparado para vocês desde a criação
do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês
me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de
roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive
preso, e vocês me visitaram”.
Então os justos lhe responderão: “Senhor, quando te vimos com fome e te
demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como
estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te
vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?”.
O Rei responderá: “Digo a verdade: O que vocês fizeram a alguns dos meus
menores irmãos, a mim o fizeram”. (Mateus 25.31-40).

Um novo encontro com Jesus


Como você e eu temos um novo vislumbre de Jesus? Madre Teresa disse
que é a Jesus que servimos nos pobres; então, ao nos aproximar deles e uns
dos outros, nos aproximamos de Cristo.2
Richard e sua equipe apenas estenderam a mão a um homem, e seus esforços
podem parecer como uma gota d’água no oceano em relação ao problema
mundial da aids. Madre Teresa sentia da mesma forma. “Escolhi uma pessoa”,
disse ela. “Talvez, se eu não tivesse escolhido aquela única pessoa, não teria
escolhido as outras. O trabalho todo é apenas uma gota no oceano. Mas, se não
colocarmos a gota, o oceano terá uma gota a menos. O mesmo vale para você
[…]. Apenas comece […] um a um.”3
Eis algumas formas de começar, um a um, a ter uma nova visão de Jesus
servindo aos outros e especialmente “aos menores irmãos”.
Cuide dos de casa e peça a Deus para expandir o seu coração.
“O amor inicia cuidando dos que estão mais perto — os de casa.
Vamos nos questionar se estamos cientes de que talvez o nosso marido, a
nossa esposa, os nossos filhos ou os nossos pais vivem isolados de outras
pessoas, não se sentem amados o suficiente, mesmo vivendo conosco.”4 Mas
ao amar os que estão perto, não deixe de olhar ao redor para os que estão
doentes, lutando com vícios, os que são pobres ou solitários e dos quais você
poderia cuidar, ser amigo, ou unir-se a outros para ministrar a eles. Peça para
o Senhor expandir seu coração além dos limites da sua própria família e
enchê-lo de amor pelos quebrantados e necessitados. É realizando o serviço
de Jesus e permitindo que ele ame os outros através de nós que desfrutamos
dele de novas maneiras.
Peça para Deus dar disposição a você: “Senhor, permite-me ser as tuas
mãos e os teus pés. Mostra-me o que está no teu coração em relação aos que
estão ao meu redor, e dá-me um coração de servo, um coração rendido e olhos
para ver as pessoas da forma que tu as vê”.
Esteja aberta a formas diferentes pelas quais o Senhor Jesus pode
revelar-se a você. No clássico de J. B. Phillips, Your God Is Too Small [Seu
Deus é pequeno demais], ele diz: “Nunca poderemos ter uma concepção
grande demais de Deus e, quanto mais conhecimento científico […] e mais
avanços, maior se torna a nossa noção de sua vasta e complicada
sabedoria”.5 A nossa vida espiritual é limitada quando colocamos Deus em
uma caixa, esperando desfrutar dele apenas na igreja ou em uma atividade
designada a alimentar a nossa própria alma. Podemos esperar sentir sua
presença quando ouvimos um CD de adoração inspirador, participamos de
uma conferência especial ou adoramos em um concerto cristão extravagante.
Mas a minha amiga Kay vê Jesus na face das crianças na pracinha do
hospital que estão lutando contra o câncer. Ao ajudar essas crianças a criarem
projetos de arte para desviarem a mente dos tratamentos dolorosos, ela
encontra Deus de formas surpreendentes e inesquecíveis. O meu amigo Tony,
que é voluntário em um café da manhã diário para pessoas sem lar, encontra
Jesus inúmeras vezes ao
servir panquecas com salsicha e entregar cestas de alimento. Mary Ann vê
vislumbres do amor de Cristo nas mães adotivas com que trabalha no Child
S.H.A.R.E., um ministério que providencia lares para crianças abandonadas.
Em que lugares inesperados você pode ver Jesus no seu mundo?
Quais coisas você vê na sua comunidade que quebram o seu coração ou nas
quais você não consegue parar de pensar? Talvez possa ser enquanto você
trabalha com crianças. Jesus colocou uma criancinha nos braços e disse:
“Quem recebe uma destas crianças em meu nome, está me recebendo” (Marcos
9.37). Poderia ser em uma viagem missionária ou em um lar de doentes. O que
quer que seja, isso pode ser a chave para onde Deus está conduzindo você a
fim de servir aos outros e no processo ter uma nova visão do Rei dos reis, que
pegou a toalha para servir aos discípulos e derramou sua vida para que nós —
e o mundo inteiro — não pereçamos, mas tenhamos vida eterna.

1 Graham, Billy. In: Water, Mark (Org.). Th e New Encyclopedia of Christian Quotations.
Grand Rapids: Baker, 2000. p. 939.
2 Mother Teresa. Total Surrender. Ann Arbor: Servant, 1985. p. 118.
3 Mother Teresa. Words of Love, Works of Peace. San Francisco: Ignatius, 1996. p. 35.
4 Mother Teresa. In My Own Words. Liguori, MO: Liguori, 1989. p. 52.
5 Phillips, J. B. Your God Is Too Small. New York: Macmillan, 1961. p. 120. [Seu Deus é
pequeno demais. São Paulo: Mundo Cristão, 1997.]
Capítulo 6
U M C O R AÇ ÃO ESPER AN Ç O SO
Aqueles que continuam falando sobre o sol enquanto
caminham sob um céu nebuloso são os mensageiros
da esperança, os verdadeiros santos dos nossos dias.
HENRI J. NOUWEN1

S
imeão gostaria que suas pernas cansadas o levassem mais rápido ao
pátio do templo. Uma sensação de urgência o consumia. Ele acenava
aos que paravam para chamar seu nome por respeito, mas não parava
para passar o tempo. Não tinha certeza do que o esperava à frente, mas aquele
seria um dia importante. Ele reconhecera o poderoso, mas gentil toque do
Espírito Santo (v. Lucas 2.27). Era vital que estivesse presente nos pátios do
templo, e ele se apressava para obedecer àquele chamado.
Ao chegar, Simeão se curvou para recuperar o fôlego. Quando seu coração
se acalmou, ele se ergueu e observou o templo. Era nesse lugar que se sentia
mais em casa. Ele passara a vida estudando a lei e servindo a Deus. Amava
compartilhar as histórias dos grandes feitos do Senhor e a rica história da fé
judaica com os mais jovens que clamavam por ouvi-lo. Ele era um profeta, um
homem de Deus, e o templo era seu santuário — não um simples prédio, mas
um lugar consagrado. Era ali que ele podia entregar a Deus o que dele
recebera com tanta generosidade. Era ali que ele adorava dia após dia. Muitos
escutavam quando ele falava, mas Simeão não buscava a aprovação humana.
Seu único desejo era agradar e servir a Deus.
À medida que Simeão subia os degraus, sua dificuldade de respirar
aumentava. Ele sabia que estava nos estágios finais da vida. Era avançado em
anos, e seu corpo estava cansado. A única coisa que faltava antes de
prosseguir para a recompensa eterna era o cumprimento de uma promessa.
Anos atrás, o Espírito Santo lhe revelara que ele não morreria antes de ter
visto o Messias (v. Lucas 2.26).
Uma brisa fez o manto roçar em seus tornozelos, e seus pensamentos
passaram da curiosidade para a expectativa. Talvez fosse em um dia como
hoje que ele veria o Rei dos reis. Ele usaria uma coroa? Seria um guerreiro
com coragem para conduzir seu povo à vitória?
Seus pensamentos foram interrompidos quando o portão se abriu e um casal
entrou no pátio. O homem estava vestido como um trabalhador, um artesão. Ele
segurava nas mãos uma gaiola grosseira com duas pombas que sacudiam uma
contra a outra enquanto ele caminhava. Sua jovem esposa andava a seu lado
com um bebezinho aconchegado nos braços. Simeão acenou a cabeça.
Hoje deve ser o 14o dia depois do nascimento da criança. De acordo com a
lei, dois pombos ou duas pombas seriam suficientes para a oferta de
purificação quando uma família não pudesse pagar por um cordeiro.
Quando a mãe olhou em sua direção e os olhos dos dois se encontraram,
algo na alma de Simeão se agitou. Ele estendeu os braços, e a mãe
carinhosamente lhe entregou o bebê. Simeão olhou a criança. De repente anos
de conhecimento intelectual foram substituídos por uma sensação de assombro
ao olhar no rosto da criança. Ele não tinha certeza como soubera, mas cada
fibra de seu ser confirmava o que seu coração lhe dissera.
Simeão estudara sobre ele, falara aos outros sobre sua vinda, encorajara
outros judeus para que colocassem a esperança nele. Mas, agora, ao olhar nos
olhos da criança, a verdade penetrava sua alma.
Aquele era o Messias!
Um bebezinho! Como podia ser? “Onde ele nasceu?”, perguntou.
“Belém”, respondeu o pai solenemente.
“Belém!” Exatamente como Isaías profetizara! Simeão levantou o bebê no
ar, e o louvor irrompeu das profundezas de sua alma.
Sua alegria era como uma fonte de água transbordante ao cantar: “Ó
Soberano, como prometeste, agora podes despedir em paz o teu servo. Pois os
meus olhos já viram a tua salvação, que preparaste à vista de todos os povos:
luz para revelação aos gentios e para a glória de Israel, teu povo” (Lucas
2.29-32). Simeão se regozijou diante de Deus como se tivesse sido renovado.
Ele aconchegou a criança contra o peito diante do jovem casal.
Os olhos da mãe estavam úmidos ao sorrir por entre as lágrimas.
O rosto do pai brilhava com humildade diante das palavras ditas pelo
profeta (v. Lucas 2.33). Simeão estendeu as mãos e abençoou a jovem família,
com o coração cheio de alegria, mas pesado, na medida em que a realidade
das Escrituras impressas em sua mente se tornavam claras.
“Jovem mãe”, disse ele, colocando a criança de volta nos braços dela.
“Este menino está destinado a causar a queda e o erguimento de muitos em
Israel.” Ele compartilhou a dura verdade do futuro do Prometido. “Quanto a
você, uma espada atravessará a sua alma”, disse ele com tristeza (Lucas
2.34,35). O casal assentiu solenemente como se as palavras revelassem o que
eles já sabiam no coração.
Não muito distante dali, o som de uma mulher adorando a Deus encheu o ar.
Ela se erguera para ver Simeão enquanto este se regozijava com a criança nos
braços, mas seus louvores continuaram fluindo. “É Ana”, disse Simeão ao
casal. “Ela é profetisa, uma mulher justa.”
O marido de Ana morrera jovem, e ela era viúva havia oitenta e quatro
anos.2 Ela poderia ter se afastado de Deus em sua dor quando a “morte
assolou sua casa, mas ela não enterrou a esperança em um túmulo […]. No
lugar do que Deus tirou, ele deu mais de si mesmo. Ana se devotou àquele que
prometera ser um marido para a viúva e, em sua longa viuvez, ela era
incansável na adoração”.3
Ana dedicara a vida a orar pelos outros, clamando dia e noite a Deus. Era
magra, pois jejuava constantemente.4 A visão de Ana ajoelhada adorando e
orando no pátio do templo era tão familiar como o sol que brilhava todas as
manhãs.
Ela hesitou por um momento e então caminhou em direção a Simeão.
“Poderia ser?”, perguntou ela. Seu rosto enrugado contemplou a criança, com
esperança nos olhos. Como Simeão, a mente de Ana estava saturada com
profecias do Antigo Testamento e promessas relacionadas à vinda da “semente
da mulher para ferir a cabeça da serpente”.5
Simeão acenou a cabeça. “Sim, Ana, aconteceu”, disse ele.
“O Messias está aqui!”
Depois de contemplar o rosto do Cristo menino, desfrutando, por uns
poucos e preciosos momentos, da bondade de Deus em enviar seu Filho, ela se
virou e correu. Suas costas estavam curvadas pela idade, mas seus passos
eram rápidos enquanto ela espalhava a notícia aos que se haviam reunido no
pátio.
“A redenção de Israel chegou!”, clamava ela (v. Lucas 2.38).
“O Messias está aqui!” Embora seus olhos estivessem fracos pela idade,
eles brilharam por causa daqueles poucos instantes em que contemplara Jesus,
e lágrimas de alegria escorriam por seu rosto.
Esses dois servos piedosos, Simeão e Ana, não desempenharam um grande
papel nas páginas da história bíblica. Alguns até podem chamá-los de
“coadjuvantes”, entretanto Deus os escolheu para serem testemunhas. Eles
foram escolhidos para confirmar o que fora falado gerações atrás. Não por
acaso estavam no lugar certo, na hora certa. Eles estavam esperando em Deus
e, quando ele os chamou, ouviram sua voz.
O coração de Simeão e de Ana estava fixo em algo que eles não conseguiam
ver. Eles tinham uma atitude de adoração enquanto esperavam o tempo de
Deus. Até o momento em que Simeão viu o bebê Jesus, ele vivia apenas pela
fé. A alegria que expressou ao cantar louvores no pátio do templo era a alegria
de um homem que vira a promessa cumprida diante dos olhos. Até ver Jesus,
sua mente estava cheia de conhecimento sobre o Escolhido, mas ver
p. 31.
Jesus em carne era o cumprimento de tudo o que ele acreditava e esperava.
Simeão estava tão satisfeito com a visão de Jesus que experimentou paz
completa. Um olhar lhe dera tudo aquilo de que precisava para seguir para a
recompensa celestial.
Ana também vivera uma vida de serviço fiel e devoção. Ao enviuvar na
juventude, ela ficou “desolada” e talvez tenha enfrentado uma “existência
longa, solitária e triste”.6 Entretanto, Ana entregou todo o seu ser a Deus, indo
ao templo fielmente, dia após dia, ano após ano, para orar pela vinda do
Messias. Quando o milagre aconteceu e ele foi levado ao templo por sua mãe
e seu pai, a fé de Ana, assim como a de Simeão, foi recompensada.

Um novo encontro com Jesus


Você já serviu a Deus fielmente enquanto esperava pela realização de suas
promessas e, entretanto, tudo o que viu foram expectativas adiadas? Você já
experimentou uma esperança que, quando adiada, fez o coração adoecer? (v.
Provérbios 13.12). Às vezes, é difícil permanecer firme quando as
circunstâncias diárias contradizem as promessas de Deus. Simeão e Ana foram
capazes de aguardar com esperança, pois estavam com os olhos fixos somente
em Deus. Uma vez que ambos eram idosos e a promessa tardava, eles
poderiam ter ficado decepcionados com Deus e desprezado o toque do
Espírito Santo quando o jovem casal entrou no pátio do templo.
O rei que Simeão e Ana esperavam era um guerreiro, não um bebê nos
braços de uma jovem. Por sua aparência, percebe-se que o casal que foi ao
templo naquele dia era pobre. Mas, como Simeão e Ana viviam uma vida de
expectativa, reconheceram as respostas improváveis que somente Deus
poderia ter enviado. Nós também podemos receber as promessas se fizermos o
seguinte: Viva esperançosamente, em conexão com o Espírito. Quando
buscamos Deus, aprendemos a reconhecer a voz do Espírito Santo. Tornamo-
nos sensíveis aos alertas e estamos disponíveis quando Deus nos chama para
testemunhar sua obra. Podemos encontrar conforto quando estamos cansados
ou impacientes para ver as promessas cumpridas. O Espírito Santo pode nos
mostrar coisas que outros podem não ver nem entender, exatamente como
quando prometeu a Simeão que ele veria o Messias antes de morrer. Mas
provavelmente não ouviremos essa voz, a não ser que nos preparemos para
isso buscando Deus. O Senhor se torna real, e o nosso coração se enche de
esperança quando Deus proporciona uma visão nova de si mesmo nos nossos
momentos de silêncio com ele. Assim como fez com Simeão e Ana, Deus
despertará a alegria na nossa alma quando o conhecimento sobre ele se
transformar em um relacionamento com ele. Isso pode ser como vê-lo pela
primeira vez.
Quando olhamos ansiosamente para Deus, podemos encontrá-lo em
momentos inesperados e mesmo em lugares onde já estivemos centenas de
vezes. A Bíblia compartilha muitas promessas que estão centradas na nossa
vida diária, mas também podemos olhar além para a promessa eterna que ele
deu a cada um de nós.
Ele está voltando. Essa é uma grande esperança. Assim como o Espírito
Santo prometeu a Simeão que o Messias certamente viria, nós recebemos a
promessa de que o nosso Salvador voltará para aqueles que o esperam.
Que estejamos entre os que dizem: “Este é o nosso Deus; nós confiamos
nele, e ele nos salvou. Este é o Senhor, nós confiamos nele; exultemos e
alegremo-nos, pois ele nos salvou” (Isaías 25.9).
Esperança. É uma atitude do coração.
Seja um missionário. Ana não apenas esperava coisas boas de Deus, mas,
quando a promessa se realizou, ela compartilhou essa esperança com outros ao
redor. Explodindo de alegria, ela não guardou a maravilhosa notícia para si
mesma. De fato, Ana se tornou “a primeira mulher a anunciar a Encarnação a
todos os que esperavam o Redentor em Jerusalém”, uma verdadeira
missionária.7 Nós também temos a oportunidade de compartilhar a promessa
com quem está perto de nós. E, embora alguns sejam chamados para outras
nações, você não precisa deixar o país para compartilhar as boas-novas de
Deus.
Se você encontrou Cristo, fale sobre sua salvação e glória com as pessoas
que você encontra, assim como fi zeram Ana e Simeão. Todos os dias, ao
levantar-se, diga: “Senhor, coloca no meu caminho aqueles que estão
procurando por ti, aqueles que querem te conhecer — pródigos que se
desviaram, ovelhas perdidas que precisam de ti. Ajuda-me a enxergar a minha
empresa como um campo missionário, a minha escola como um lugar cheio de
pessoas com um vazio em forma de Deus em seu interior. Dá-me as tuas
palavras gentis para compartilhar a esperança que há em mim!”. Ao
intercedermos pelos outros e falar sobre a realidade de Cristo, talvez sejamos
testemunhas quando um de nossos amados ou amigos tiver a oportunidade de
olhar a face do Salvador e enxergá-lo pela primeira vez. p. 31.

1 Nouwen, Henri. In: Water, Mark (Org.). Th e New Encyclopedia of Christian Quotations.
Grand Rapids: Baker, 2000. p. 494.
2 Cf. nota de rodapé de Lucas 2.37 da Nova Versão Internacional.
3 Lockyer, Herbert. All the Women of the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1961. p. 30.
4 Idem, p. 30.
5 Lockyer, Herbert. All the Women of the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1961. p. 31.
6 Lockyer, Herbert. All the Women of the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1961. p. 30.
7 Lockyer, Herbert. All the Women of the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1961. p. 31.
P ART E T R ÊS

Um novo
encontro com
Jesus nas
provações
Capítulo 7
N O C O LO D E D EUS
Se aceitarmos como verdadeiro que todo o Poder
por trás deste surpreendente Universo é aquele atributo
que Cristo podia apenas descrever como “Pai”,
a vida inteira será transfigurada.
J. B. PHILLIPS1

O
s últimos raios de sol estavam se pondo, e eu estava sentado na sala
de estar da casa de uma amiga com outras sete mulheres. Havíamos
orado pelos jovens da nossa cidade, pelos nossos próprios
adolescentes e filhos na universidade, pelo casamento tumultuado de uma das
mulheres e por vários outros assuntos. Todas as outras mulheres agora se
sentiam com o coração leve, mas eu ainda estava sobrecarregada por questões
financeiras, prazos de entrega no trabalho e uma dificuldade específica que a
nossa fi lha estava enfrentando. Sentada ao meu lado, Susan percebeu o meu
peso e disse: “Apenas suba no colo de Deus. Deixe que ele coloque os braços
ao seu redor e a abrace”.
Que coisa estranha, pensei. Subir no colo de Deus? Não importa quanto eu
tentasse, simplesmente não conseguia imaginar aquela imagem de Deus nem
me visualizar fazendo isso. Soava maravilhoso, mas eu não tinha um modelo
para o tipo de Deus no qual poderia me aconchegar. Eu poderia imaginar um
Deus todo-poderoso a quem podia esforçar-me por agradar ou servir. Mas
subir em seu colo e apenas ficar ali? Permitir-me descansar em seus braços
quando estivesse tendo um dia muito ruim?
Quando o grupo se separou momentos depois, corremos para as nossas
camionetes e para as atividades da noite, mas aquelas palavras estranhas
continuavam passando pela minha mente: Suba no colo de Deus. À medida
que os meses se passavam, o meu dilema continuava. Eu podia relacionar-me
com um Deus a quem podia obedecer e agradar — mas aconchegar-me em seu
colo?
Quando eu lia a Bíblia diariamente, orava e estava com o coração alegre o
suficiente para encorajar os outros ao redor, era mais fácil aproximar-me de
Deus. No entanto, quando eu me sentia negativa ou triste, era mais difícil
receber seu amor confortador.
E, se alguma coisa ruim ou terrivelmente estressante acontecia, era como se
Deus tivesse me abandonado.
Comecei a perceber gradualmente que a forma pela qual eu via Deus estava
ligada a como eu me relacionara com o meu pai e o meu padrasto. Papai
demonstrava amor suprindo necessidades e nos protegendo. Ele tinha uma
mente brilhante, e eu o admirava e amava — ele era o nosso herói! Na
verdade, ele era conhecido na família como o “Presidente”. Papai era alto,
moreno e bonito, um advogado por profissão e um dos dez melhores jogadores
de brigde da nação que competia internacionalmente como parte da equipe
americana. Era reservado e nada efusivo. Quieto e pouco expressivo.
O tipo forte e silencioso que não expressa afirmação ou elogio com muita
facilidade.
Eu me esforçava por agradar a papai e ser notada por ele, agindo da
“melhor” maneira que conseguia. Mas chamar sua atenção no meio de seis
crianças era difícil, rodeada por três notáveis e belas irmãs mais velhas
(chamadas “as meninas grandes”), pela minha querida, pela irmãzinha menor
favorita de todos e pelo tão esperado filho único e homônimo de papai,
George F. Heath Jr.
Ele tinha expectativas elevadas para as realizações dos filhos (“Você deve
fazer tudo como uma Heath; Você é esperta porque é uma Heath”), mas ele não
era um pai em direção ao qual se podia correr, pular em seu colo e sentir seus
braços ao redor. Ou talvez porque fôssemos um grande grupo de seis crianças
com idades próximas, ele podia achar difícil abraçar todos.
Papai esperava obediência e, como eu já havia visto sua fúria quando
estava bravo, queria evitar sua irritação a todo custo. E, quando ele morreu no
meio da noite de um ataque do coração, fiquei com a profunda sensação de
abandono que uma filha experimenta quando perde o pai muito cedo, seja por
morte, seja por divórcio.
Com o novo casamento da minha mãe menos de dois anos depois com o meu
padrasto, o filtro pelo qual eu via Deus ficou ainda mais borrado. O meu
padrasto era mais marido da minha mãe do que o meu pai, e um de seus
primeiros atos memoráveis foi pegar o pequeno terrier que meu pai dera a
Marilyn, a minha irmãzinha, e a mim e levá-lo a uma estrada deserta para
abandoná-lo enquanto estávamos na escola. Nunca mais vimos o nosso amado
“Sr. Pup”.
Ao perceber como os meus filtros de pai borravam a imagem de Deus
(como se eu o enxergasse através de óculos escuros), comecei a encarar com
seriedade questões paternais na minha vida. Iniciei o processo de abandonar
as minhas visões erradas de Deus, pedindo a ele que se revelasse de forma
nova para mim. Também encontrei apoio em um pequeno grupo durante um
tempo e consultei um conselheiro perspicaz algumas vezes. Com o passar do
tempo, comecei a me livrar das distorções de Deus, a perdoar o meu pai e o
meu padrasto e a focar no que Deus dissera sobre ele em sua Palavra.
Ao buscar Deus dessas formas simples, pela fé, e não porque tinha muitos
sentimentos, o que eu conhecia sobre ele com a mente passou para o coração.
Comecei a sentir os braços amorosos do meu Pai celestial que haviam estado
ali o tempo todo, esperando para me receber em seus braços nos momentos
bons e nos ruins.
Senti que ele me aceitava como eu era, mesmo que estivesse cansada ou
agitada. Eu não precisava trabalhar para ele nem me esforçar para agradá-lo.
Eu não precisava ter um bom desempenho, nem secar as lágrimas, nem colocar
uma máscara bonita para Deus. Eu podia apenas ser e desfrutar dele como
confortador e refúgio. E que boa notícia saber que Deus não iria me deixar no
meio da noite ou quando as coisas ficassem difíceis, mas prometera nunca me
abandonar nem me esquecer (v. Hebreus 13.5).
Ao ver de forma nova aquele que me criara e me amava, encontrei
libertação na oração e um senso mais profundo de sua presença.
Percebi que ele não me amava menos quando eu estava quebrantada ou
triste. Na verdade, a Bíblia diz que ele está próximo dos quebrantados de
coração (v. Salmos 34.18) e muito próximo dos de espírito abatido. E ele é o
Pai que nos conforta em todas as dificuldades (v. 2Coríntios 1.3,4). Descobri
que seus braços estão prontos para nos consolar e nos abraçar quando estamos
abatidos pelas circunstâncias da vida, pois Deus diz: “Assim como uma mãe
consola seu filho, também eu os consolarei” (Isaías 66.13).
Como vivemos em um mundo caído, não importa quão bons sejam os nossos
pais terrenos, eles são imperfeitos e com frequência não representam bem
Deus. Deus não era como o meu pai ou o meu padrasto e ele também não é
exatamente como seu pai. Ele é o Pai perfeito (v. Mateus 5.48). Seu amor não
está disponível para nós apenas quando estamos à altura de duras e elevadas
exigências. E não precisamos de feitos para conquistar seu amor.
Deus é a completa expressão de amor (v. 1João 4.16), infinitamente
paciente e eternamente fiel. Nós já temos a atenção do Senhor; não precisamos
fazer malabarismos para conquistá-la! Ele escolheu você quando planejou a
criação (v. Efésios 1.11) e é desejo dele derramar amor sobre você,
simplesmente porque você é filho ou filha dele, e ele é seu Pai (v. 1 João 3.1).
Martinho Lutero, o pai da Reforma, compreendeu esse conceito de um Deus
que nos conforta como uma criança no colo da mãe e descreveu a oração como
“a escalada do coração humano até o coração de Deus”. Mas muitos de nós
não experimentam Deus verdadeiramente como o “Deus de toda consolação”
(2Coríntios 1.3) por causa das falhas dos nossos pais.
O que podemos fazer com estes filtros borrados através dos quais
enxergamos Deus? A primeira coisa é compreendê-los e, então, resolvê-los.
Jack Frost, autor de Experiencing the Father’s Embrace [Desfrutando do
abraço do Pai] , diz que, até que as questões paternais sejam resolvidas por
meio de “uma experiência reveladora do amor do Pai celestial”, uma pessoa
pode ser cristã há muitos anos, mas achar difícil desfrutar do amor afetuoso de
Deus por nós.
Ele descreve os pais em seis categorias:2
O pai passivo pode até estar em casa, mas não está realmente em “casa” no
que diz respeito a estar emocionalmente disponível e aberto. Ele se sente
desconfortável ao expressar emoções, abraços, beijos e palavras de amor.
Embora ele, na verdade, não rejeite seus filhos, também não os acolhe. Se
você teve um pai passivo, o seu relacionamento com Deus pode ser
caracterizado por disciplina e dever, não pela alegria e pela sensação de ser
amada.
O pai voltado para o desempenho expressa amor por seus filhos, mas esse
amor geralmente está ligado ao cumprimento de expectativas elevadas e
exigências de obediência e sucesso perfeitos. Críticas frequentes que não são
temperadas com amor e elogio resultam em crianças deprimidas, que se
sentem fracassadas e se relacionam com Deus com base no desempenho.
O pai ausente é aquele que não está fisicamente em casa por morte,
divórcio, encarceramento ou abandono (isso inclui 50% de todas as crianças
dos Estados Unidos). Crianças com o pai ausente podem ter infelicidade em
dobro com um padrasto que não supre suas necessidades emocionais ou que
não é de confiança. Em seu relacionamento com Deus, mesmo quando cristãos
adultos, temem que Deus possa não estar presente para eles.
Pais autoritários se preocupam mais com a lei do que com o amor; exigem
que os filhos sigam todas as regras e podem usar o medo, a culpa ou a
intimidação para controlá-los. Se você foi criado por um pai autoritário, pode
ver Deus como um xerife ou um chefe que deve ser temido e obedecido em vez
de alguém de quem possa desfrutar.
O bom pai. Quando temos bons pais que protegem e proporcionam tudo
aquilo de que precisamos, tendemos a depender do nosso pai terreno em vez
de depender de Deus. E se as nossas expectativas a respeito do nosso “bom
pai” forem muito elevadas, podemos ficar decepcionados quando ele falhar
em cumprir alguma promessa feita em algum momento da vida.
O pai abusivo. Qualquer tipo de abuso — verbal, emocional, físico ou
sexual — gera uma ferida profunda no coração de um filho. Além de ter de
lutar com a culpa, a vergonha e a baixa auto estima, mulheres que sofreram
abuso acabam temendo e desconfiando de Deus, de ministros do sexo
masculino e de homens em geral. E sob todas essas emoções perturbadoras há
uma fervente raiva para com Deus.
Você deve estar pensando que os pais simplesmente não têm como escapar
desses perfis. De certa forma, você está certa; vivemos em um mundo
imperfeito, e nenhum pai poderá suprir todas as necessidades e ser o pai
perfeito. Somente Deus pode ocupar esse lugar! Mas a boa notícia é que os
rombos resultantes da paternidade imperfeita ou das perdas na vida podem ser
usados para nos atrair para os braços de Deus.

Um novo encontro com Jesus


Como você vê Deus? Como um policial ou um juiz severo e inflexível?
Como alguém que, tal qual o seu pai, vive criticando os seus erros ou pode
abandoná-lo, a menos que você tome jeito e faça o que é certo? A palavra
“pai” lhe traz sentimentos positivos ou negativos? Nunca escaparemos de certa
sensação de frustração até começarmos a ver como Deus realmente é e quais
são seus propósitos.3 Eis algumas formas de começarmos: Faça um desenho
de “Deus e eu”. A fim de ter mais clareza ao seu relacionamento, faça um
desenho que reflita como você se sente em relação a Deus, como você se
relaciona com ele e como ele se sente em relação a você. Use de honestidade
ao retratar visualmente o seu relacionamento com Deus. Depois compartilhe o
desenho com uma amiga ou mentor espiritual. Peça que a pessoa faça seu
próprio desenho de “Deus e eu” e compartilhe com você. Você pode aprender
muito sobre como orar por um amigo quando compreende o passado dessa
pessoa.
Leve a sua visão errônea de Deus para a cruz. 4 Que tipo de filtro colore a
sua visão de Deus? Revise as categorias de pai nos parágrafos anteriores.
Depois compare aquela visão com a forma com que a Bíblia descreve Deus.
(Ótimos lugares para começar são os salmos 23, 103, 139, 145 e 146.) Se a
sua perspectiva de Deus não se alinha com a verdade das Escrituras, deixe-a
na cruz. Peça que o Espírito de Deus limpe o seu filtro para que possa ver o
amor fi el do Deus infinito que deseja ter intimidade com você. Ore: “Senhor,
quero conhecer-te como realmente és. Quero aproximar-me do teu coração e
ter um relacionamento amoroso, íntimo e de confiança contigo. Limpa o meu
filtro. Cura as feridas no meu coração causadas pelas ‘falhas paternais’ que
vivi. Que em todas as situações a minha visão de ti e do teu caráter perfeito
cresça mais e mais e que eu seja transformada nesse processo”.
Não importa quão adequado ou inadequado tenham sido os nossos pais
terrenos, não precisamos ficar presos à percepção de Deus que carregamos
desde a infância. Podemos ser libertados pelo poder da cruz. Podemos
conhecer o nosso Pai celestial por meio de seu Filho, Jesus, que entregou a
vida por nós e que é a representação exata do Pai (v. Hebreus 1.3). E podemos
desfrutar dele para sempre!

1 Phillips, J. B. Your God Is Too Small. New York: Macmillan, 1961. p. 88. [Seu Deus é
pequeno demais. São Paulo: Mundo Cristão, 1997.]
2 Frost, Jack. Come Home to the Father, Charisma, October 2002. p. 98-100.
3 Phillips. J. B. Your God Is Too Small. New York: Macmillan, 1961. p. 33. [Seu Deus é
pequeno demais. São Paulo: Mundo Cristão, 1997.]
4 Sou grata pelas palavras de Paula e John Sandford e pela fi ta cassete How we see
God [Como vemos Deus], que trouxe mais revelação sobre este assunto.
Capítulo 8
O SEN H O R Q UE ME VÊ
Deus olha para você de tal forma como se não
houvesse ninguém mais no mundo para ele olhar.
CHARLES SPURGEON1

A
filha de 13 anos acenou dando adeus aos pais parada no pórtico da
casa de sua avó no Canadá, muito longe do Brasil, onde fora criada.
Lágrimas desceram-lhe pelo rosto e um nó se formava no estômago,
um nó tão apertado que não se desfez por muitos anos.
Terri era uma “criança missionária” que crescera com seus seis irmãos em
uma região verde e viçosa de criação de gado e madeira no sul do Brasil,
onde seus pais serviram a maior parte da vida.
No início da adolescência, ela, uma irmã e um irmão foram deixados no
Canadá com uma avó idosa, enquanto seus pais voltavam para o Brasil — de
volta ao serviço e ministério que sempre fora prioridade. Por toda a infância,
Terri sentiu falta da segurança de sentir-se amada e aceita incondicionalmente.
Ela experimentava pouca simpatia e afeição, uma vez que seus pais tinham
padrões elevados de desempenho. A disciplina de infrações menores era dura
e severa e, infelizmente, havia poucos sinais de perdão ou afirmação. Assim,
Terri e seus irmãos cresceram considerando Deus severo, exigente e distante,
alguém que devia ser temido, não abraçado. Alguém para ser obedecido, mas
nunca desfrutado. Esperava-se que todos eles crescessem e se tornassem
missionários, e Terri desejava corresponder a essa expectativa. Ela
frequentava a igreja fielmente e chegou até a trabalhar para uma organização
missionária após seu casamento. Ela estava satisfeita em ser uma “boa” cristã.
Até que uma tragédia aconteceu.
“Não sei o que faria se alguma coisa acontecesse ao meu marido”, Terri
comentara casualmente com uma amiga numa tarde de agosto. “Ele me ajuda
tanto que fiquei mimada.”
Naquele dia, Terri chegou em casa a tempo apenas de dar um beijo em Bob
antes que ele saísse para o emprego noturno. Mas às 4 horas da manhã alguma
coisa a despertou. Ela procurou o marido.
Ele não estava lá. De repente, ela estava completamente desperta, com o
coração disparado. Ele deveria ter voltado para casa às 3 horas.
As horas que se seguiram foram um borrão de perguntas indefinidas junto à
teimosa autoafirmação de que Deus não permitiria que nada acontecesse a
Bob. Afinal, eles tinham servido em uma organização missionária e, depois de
sete anos, haviam sentido que Deus os estava conduzindo a reavaliar seu lugar
no serviço. Enquanto isso, Bob trabalhava no turno da noite como técnico em
eletrônica em uma empresa de computadores e planejava voltar a estudar em
setembro. Para economizar, ele ia ao trabalho de motocicleta.
À medida que a noite se transformava em amanhecer e plena luz do dia, o
medo lentamente paralisava todo o seu ser.
Seis horas. Sete horas. Onde ele está?
“Ó Senhor, estou desesperada”, ela gritou. “Por favor, permite-me saber
onde Bobby está.”
Ao ligar o rádio em busca de conforto, estava sendo transmitido um boletim
sobre o trânsito. Então ela ouviu: “Um motociclista ferido está sendo atendido
no Centro Médico USC”.
Perguntas sem resposta atropelavam-se, girando em sua mente.
Tremendo, ela telefonou para o hospital.
“Sim, há um Bob Geary aqui”, falou arrastadamente a recepcionista. “Mas
não posso dar nenhuma informação. Você precisa ligar mais tarde.”
Lutando para segurar as lágrimas, Terri vestiu e alimentou as crianças e
providenciou alguém para cuidar delas a fim de que pudesse ir ao hospital.
“Sra. Geary”, disse bruscamente o médico na sala de espera do pronto-
socorro, “a coluna vertebral do seu marido foi severamente ferida. Ele está
paralisado dos ombros para baixo. E, se ele sobreviver, nunca mais poderá
caminhar”.
Se ele sobreviver? Paralisado? Nunca mais caminhar? Descrença,
confusão, choque e raiva a inundaram. Ele está errado! Deus não deixaria
isso acontecer!
Terri foi conduzida à sala de espera da Unidade de Tratamento Intensivo até
ter permissão de ver Bob. Os amigos ficaram silenciosamente a seu lado, e ela
foi encorajada por suas orações fervorosas.
Nas horas que se seguiram, a história foi se encaixando com notícias dos
jornais, noticiários de TV e o relato limitado de Bob: ele saíra do trabalho às
2 horas. Na metade do caminho, na autoestrada, teve tempo apenas de ver um
caminhão de 18 rodas caindo de uma passagem elevada. Para evitar morrer
esmagado, ele saltou da motocicleta. A motocicleta desapareceu sob o
caminhão, e Bob bateu no calçamento, quebrando, no processo, o pescoço.
Passaram vários dias até que Terri percebesse que, caso seu marido se
recuperasse, ele ficaria tetraplégico. Ela não tinha a menor ideia do que isso
significava para sua vida e sua família. Em seu estado de torpor, não
conseguia saber quão profunda seriam a raiva, a depressão, a autopiedade e a
tristeza que ela sentiria.
A vida fora quebrada para sempre.
Quando eles deixaram o hospital, muitos meses mais tarde, Terri e Bob
uniram-se ao solitário mundo dos deficientes. Um mundo cheio de frustrações,
discriminação e estigma, totalmente estranho para eles. A invasão diária de
enfermeiras que cuidavam das necessidades pessoais e infecções de Bob, o
cuidado constante para com ele e as três crianças, além da obrigação de
assumir o papel de mãe e pai somada ao cansaço extremo, tudo isso se tornou
uma fonte de desespero. E ela temia o futuro.
Lutando com os desafios da vida com um marido tetraplégico, Terri
preferiria não se levantar da cama pela manhã. Ela ansiava por dias
despreocupados e desejava escapar para algum lugar e simplesmente
encontrar descanso.
Certo dia, ela leu a história de Hagar em Gênesis 16. Grávida do primeiro
filho de Abraão, ela fora maltratada por Sarai, por isso fugira. Hagar correu o
mais que pôde, mas um anjo enviado por Deus a alcançou perto de uma fonte
no deserto, ao lado da estrada para Sur. Quando o anjo perguntou de onde
Hagar estava vindo e para onde estava indo, ela respondeu: “Estou fugindo de
Sarai, a minha senhora” (v. 8).
Terri pensou: É isso o que quero fazer — fugir — fugir para longe do
cuidado sem fim, das dificuldades financeiras, do cansaço e do peso
constantes que carrego vinte e quatro horas por dia, todos os dias.
Ela se sentia abandonada por um Deus distante e difícil de alcançar e
geralmente estava zangada com ele. Sua mente conhecia todas as coisas certas
sobre Deus, mas seu coração sentia como se ele estivesse a quilômetros de
distância. Assim como um ioiô que não conseguia encontrar um lugar de
descanso, um dia ela achava que tudo ficaria bem; no dia seguinte, ela estava
acabada, com a cabeça girando descontroladamente — brava consigo mesma,
com Bob e, acima de tudo, com Deus.
Bastava a atendente faltar ou alguma outra necessidade importante não ser
suprida para disparar o ressentimento dela.
Por que nós? Por que tantos problemas extras? Por que essa estúpida
cadeira de rodas?, Terri reclamava interiormente. Às vezes, ela odiava aquela
cadeira e tudo o que o equipamento representava.
E, como Hagar, apenas queria encontrar um lugar para se esconder e
descansar.
Enquanto Terri refletia sobre a história, as palavras do anjo a Hagar a
atingiram — volte para a sua senhora e submeta-se a ela.
O anjo deixou-a com a promessa de que Deus aumentaria seus descendentes
até que fossem numerosos demais para contar.
“Tu és o Deus que me vê” e “Teria eu visto Aquele que me vê?”, Hagar
indagou (v. 13).
Naquele momento, Terri percebeu que Deus também a via, da mesma forma
que via Hagar no deserto. Ela não era uma cidadã de segunda classe ou que
fora esquecida por Deus. Ele se lembrava dela e lhe providenciaria
reavivamento e cuidado.
Ao ver Jesus como Aquele para quem correr em vez de alguém de quem
fugir — como seu refúgio nas batalhas diárias em vez de um adversário
tentando puni-la —, o coração de Terri começou a ser transformado.
Em vez de ficar amargurada e viver em estado morto de sobrevivência,
Terri começou uma jornada de conhecer Deus em meio aos desafios. Ela
percebeu que tinha uma escolha a fazer. Ela podia tratar Deus como um vilão
cruel, apertando os dentes furiosamente enquanto atravessava o dia tropeçando
sozinha, ou podia apoiar-se naquele que ansiava por confortá-la, ajudá-la e
dar-lhe paz. Não era algo que aconteceria da noite para o dia. O processo de
aprender a depender do “Deus de toda graça” se mostrou excruciantemente
lento. Por mais difícil que fosse para Terri se render, em cada grito de
rendição seu coração declarava: Ok, Senhor Jesus, aceito a tua vontade para
mim hoje. Eu sou fraca… E me agarro na tua força.
Quando Terri se ofereceu dessa forma a Deus, ele se aproximou com sua
força. Por meio de telefonemas encorajadores e almoços com amigos gentis
que a ouviam sem julgar, bilhetes no correio, oportunos programas de rádio ou
simplesmente tempo para estar a sós com ele, Deus revelou sua presença e seu
amor.
Embora haja momentos em que Terri precise render-se novamente a Deus,
ela descobriu que o segredo para desfrutar da força divina está em confiar
nele diariamente nas lutas que surgem. Um dia de cada vez.
Deus não era mais alguém distante e inalcançável. Ele não a abandonara
nem a deixara em outro país enquanto seguia com seu ministério. Ele sabia
exatamente onde ela estava. Terri finalmente começou a experimentar a
realidade de Salmos 73.28: “Mas, para mim, bom é estar perto de Deus; fiz do
Soberano Senhor o meu refúgio; proclamarei todos os teus feitos”.
Deus graciosamente levou Bob muito além das expectativas médicas. Por
fim, ele aprendeu a alimentar-se e a conduzir sua cadeira de rodas elétrica,
bem como uma van customizada.
Ele dedicou incontáveis horas de conselhos técnicos a organizações
missionárias e se tornou um “guru” da computação, oferecendo sua
experiência a muitos que não podiam arcar com os custos de reparo de seus
computadores. Agora ele está lutando contra uma leucemia aguda.
“Entretanto, mesmo com as lutas, ao olhar para trás, eu não desejaria voltar
a ser apenas uma boa cristã, sem realmente conhecer Deus”, diz Terri depois
de vinte anos. Uma após outra, as batalhas que ela e o marido experimentaram
se tornaram a porta para uma visão nova de Jesus, para ver que ele é sua força
quando ela é fraca, seu provedor quando a família tem necessidades, seu
descanso quando está cansada. Ela conhece seu Senhor de uma forma íntima
por causa de todos os desafios e dificuldades. E ela sabe que Aquele que a vê
a ama com um amor eterno.
Talvez, como Terri, o seu sentimento seja como se Deus tivesse ignorado
você ou estivesse muito ocupado para se importar com a dor na sua vida. A
verdade é que “Deus olha para você como se não houvesse ninguém mais no
mundo para ele olhar”, disse Charles Spurgeon. “Se eu tiver tantas pessoas
como há aqui para observar, é claro que a minha atenção será dividida. Mas a
mente infinita de Deus é capaz de alcançar um milhão de objetos de uma só
vez e ainda focar em cada um deles como se não houvesse nada além daquele
[…]. Deus olha para você com todo o seu olhar, com toda a sua visão — você
— você — Você — VOCÊ! Você é o objeto particular da atenção divina neste
exato momento.”2
Percebamos ou não, somos um livro aberto para Deus, e ele conhece todos
os nossos pensamentos (às vezes, isso pode ser assustador!). Ele conta os
cabelos da nossa cabeça. E não há lugar para onde possamos fugir de seu
Espírito ou ficar fora de sua vista. Se subirmos ao céu, ele está lá. Se
descermos ao subterrâneo, ele está lá. Se pudéssemos voar nas asas do
amanhecer até o distante horizonte, ele estaria lá nos esperando! Nunca
estamos fora de sua vista (v. Salmos 139, A Mensagem).
Um novo encontro com Jesus
Se Deus pode nos ver, ele pode nos ouvir também. Ele ouve as nossas
orações e, mesmo que não consigamos pronunciar uma só palavra, ele entende
as nossas lágrimas e suspiros. Se é no meio da noite e não há ninguém por
perto para cuidar de nós, Deus está ali conosco. Ele não está cochilando nem
dormindo mesmo que o resto do mundo esteja (v. Salmos 121.4). Que boa
notícia — não estamos sozinhos. Não somos esquecidos. Somos conhecidos e
amados pelo Senhor! Eis algumas formas de termos um novo vislumbre desse
aspecto de Deus: Reflita sobre momentos em que você se sentiu invisível,
diminuída, esquecida. O que desperta a sensação de que Deus abandonou
você ou está muito ocupado com seu trabalho no Universo para se importar
com seus problemas? Para Terri, foi uma tragédia que alterou sua vida e sua
família. Para outra pessoa, pode ser um divórcio, a perda de uma pessoa
amada, um revés financeiro ou uma demissão do emprego. Leve essas
experiências passadas ou presentes a Deus e diga-lhe que você quer recuperar
a sua visão espiritual e o senso da presença dele. Em seguida, medite em todo
o salmo 139, em Mateus 10.29,30 e em Atos 17.28.
Não importa quão difícil seja a situação que estejamos atravessando, o
Senhor nos guiará sempre com seu olhar, nos sustentará com sua mão protetora
e nos guardará de todo mal. “O Deus de toda a graça, que os chamou para a
sua glória eterna em Cristo Jesus, depois de terem sofrido por pouco tempo, os
restaurará, os confirmará, os fortalecerá e os porá sobre firmes alicerces”
(1Pedro 5.10).
Busque a face de Deus em meio às dificuldades. Qual foi a última vez em
que você olhou para Jesus em meio a um problema difícil de enfrentar? Com
frequência, pedimos: “Senhor, conserta isso. Transforma esse problema. Faze
algo com essa confusão em que me meti!”. Isso está certo, mas há uma
diferença real quando fazemos a oração que transforma a vida: “Senhor, não
entendo essa situação e sinto-me incapaz de mudá-la. Mas quero te ver e te
encontrar. Tu me ensinarias o que queres que eu aprenda sobre ti? Tu me
chamarias para perto e me mostrarias as lições de vida especiais e as
revelações da tua graça que desejas que eu experimente?”.
Quando penso nos desafios e lutas que mais me fizeram crescer, o ponto de
transformação foi com frequência quando o meu foco mudou do problema ou
situação difícil para a atitude de pedir, buscar e estar aberta a algo que o
Senhor queria revelar a mim. Tradução: ter uma visão nova de Jesus que foca
em seu caráter e sua suficiência — em quem ele é em vez de em como eu
gostaria que as coisas fossem — fez toda a diferença.

1 Spurgeon, Charles. In: Wiersbe, Warren W. (Org.). God’s Omniscience, Classic Sermons
on the Att ributes of God. Grand Rapids: Kregel, 1989. p. 127.
2 Spurgeon, Charles. In: Wiersbe, Warren W. (Org.). God’s Omniscience, Classic Sermons
on the Attributes of God. Grand Rapids: Kregel, 1989. p. 127,128.
Capítulo 9
A C AB EI D E VER J ESUS!
O homem que viu a Jesus não pode ser amedrontado […].
Nada pode mudar o homem que o viu;
ele permanece “como quem vê o que é invisível”.
OSWALD CHAMBERS

M
arta puxou o áspero xale marrom sobre a cabeça enquanto
arrumava as frutas em uma bandeja de madeira, tirou água do
poço para encher as jarras e realizou as incontáveis tarefas
necessárias à preparação de uma refeição para seu amigo mais querido, Jesus.
Ela parou um momento para olhar pela janela e esquadrinhar a estrada à
espera dos visitantes. Jesus e seus discípulos, a caminho de Jerusalém,
chegariam ao vilarejo em pouco tempo. Como sempre, Marta, sua irmã, Maria,
e o irmão, Lázaro, os receberiam calorosamente em sua casa. Ela queria que
tudo estivesse perfeito e pronto para a chegada dos queridos amigos.
Jesus teve relacionamentos diferentes com pessoas diferentes durante seu
tempo na terra, dependendo da fome que tinham dele e dos propósitos de
Deus. As multidões ouviam seus ensinos e ficavam desesperadas pelo “pão”
que ele oferecia; incontáveis pessoas foram curadas por seu toque e libertadas
de espíritos opressores.
Mas as multidões não tinham um relacionamento íntimo com o Messias da
mesma forma que os discípulos tinham. Quando eles passavam tempo com
Jesus viajando e comendo, ele compartilhava com eles seus ensinamentos e
parábolas. Além disso, ele lhes contava os segredos e os princípios por trás
das histórias.
No entanto, havia algo de muito especial no relacionamento de Jesus com
Marta, Maria e Lázaro. Juntamente com João, eles eram algumas das pessoas
favoritas de Jesus, aqueles que estavam mais perto dele e a quem ele mais
amava. Isso foi o que tornou mais surpreendente o fato de Jesus não ter
reagido rapidamente quando as irmãs mandaram uma mensagem urgente
dizendo: “Senhor, aquele a quem amas está doente” (João 11.3).
Elas simplesmente sabiam que Jesus viria, já que ele e os discípulos
estavam a poucos quilômetros em Jerusalém. Por causa de sua poderosa
capacidade para curar e de sua afeição por Lázaro, elas não tinham dúvida de
que em pouco tempo veriam Jesus subindo a estrada poeirenta para Betânia e
de que Lázaro ficaria bem novamente.
Por dias, Marta se esforçou ao máximo por seu irmão doente, torcendo as
mãos de preocupação e olhando o tempo todo pela janela. Com certeza, Jesus
recebera a mensagem. Nada poderia impedi-lo de vir. Mas o Mestre amado
não apareceu. E nada que elas fizessem parecia ajudar. Nem canja quente nem
ervas medicinais revigoraram Lázaro.
Finalmente, as duas irmãs viram a cor desaparecer do rosto do irmão e sua
vida dissipar-se perante os olhos delas, o corpo ficar frio e endurecer. Marta e
Maria desabaram em um dilúvio de lágrimas.
Além da dor, havia as perguntas dolorosas: “Por que o nosso amigo Jesus
não veio? Tudo teria sido diferente se ele estivesse aqui! Bastava uma
palavra, um toque, e Lázaro se recuperaria. Por que ele não se importou o
suficiente a ponto de nos ajudar?”.
As irmãs não enxergavam o quadro completo. Elas não sabiam que, quando
Jesus recebera a mensagem, ele dissera: “Essa doença não acabará em morte;
é para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por meio
dela” (João 11.4).
Depois de esperar dois dias, Jesus disse aos discípulos: “Vamos voltar para
a Judeia” (João 11.7). Eles tentaram convencê-lo a não ir porque os judeus
queriam matá-lo, mas não conseguiram detê-lo.
“Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou até lá para acordá-lo”, anunciou
Jesus (João 11.11).
Quando Jesus finalmente se dirigiu a Betânia, Lázaro estava morto havia
quatro dias. A essa altura, muitos judeus já estavam lá, confortando Maria e
Marta e lamentando com elas. Marta ouviu falar que Jesus estava vindo e
correu para encontrar-se com ele enquanto a irmã ficou em casa chorando.
Marta, como sempre, não mediu palavras. Alguns podem dizer que ela foi
ousada ou arrogante ao repreender o Salvador, mas tenho algumas palavras a
dizer em favor dessa mulher. Geralmente, ela sai com má reputação: afinal,
Marta é a esquentada, dizem. Ela provavelmente não teve tempo de ler a Torá.
Ela foi a irmã de quem Jesus chamou a atenção quando disse: “Marta! Marta!
Você está preocupada e inquieta com muitas coisas” (Lucas 10.41), ao mesmo
tempo que destacou a devoção da irmã, Maria, como a coisa mais importante.
(E é, por sinal!) Maria era a irmã mais espiritual, e suas prioridades estavam
corretas. Isso não se aplica às de sua ocupada e prática irmã, Marta!
Contudo, vamos olhar mais uma vez para Marta. Primeiro, ela pediu ajuda.
Ela não hesitou em mandar uma mensagem de socorro para Jesus, dizendo que
precisava de sua ajuda.
Em segundo lugar, ela foi honesta. Quando Jesus não chegou a tempo, ela
declarou francamente: “Se o senhor estivesse aqui, meu irmão não teria
morrido. Mesmo agora, sei que tudo que o senhor pedir a Deus será
concedido” (João 11.21,22, A Mensagem). Marta ainda não sabia que Aquele
que estava de pé diante dela tinha o poder de levantar seu irmão dentre os
mortos. Assim como a maioria das pessoas que caminhavam e falavam com
Cristo, ela não compreendia claramente quem ele era. Mesmo assim, tinha fé e
confiança irreprimível em seu Senhor. E não fugiu dele quando estava
devastada pela perda do irmão — ao contrário, Marta correu para ele. De
fato, ela se encontrou com Jesus na estrada antes mesmo de ele ter entrado no
vilarejo.
“Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra,
viverá; e quem vive e crê em mim, não morrerá eternamente. Você crê nisso?”,
Jesus perguntou (João 11.25,26).
“Sim, Senhor”, ela respondeu, “eu tenho crido que tu és o Cristo, o Filho de
Deus que devia vir ao mundo” (João 11.27).
Não é uma resposta ruim para alguém que ainda não vira a glória dele! Mas
Jesus devia estar querendo dizer que seu irmão ressuscitaria na ressurreição
do fim dos tempos.
Momentos mais tarde, depois de ter sido avisada de que Jesus chegara,
Maria correu até ele, caiu a seus pés e ecoou as palavras de Marta: “Senhor,
se estivesses aqui meu irmão não teria morrido”
(João 11.32).
“Ao ver chorando Maria e os judeus que a acompanhavam, Jesus agitou-se
no espírito e perturbou-se. ‘Onde o colocaram?’, perguntou ele” (João
11.33,34). Então Jesus chorou. Ele não chorou porque Lázaro tinha morrido ou
porque estava triste por seus amigos e por Marta e Maria. Ele chorou porque a
resposta estava entre eles, mas eles não enxergavam.
“Bem, se ele o amasse tanto assim, por que o deixou morrer?
Afinal, ele abriu os olhos de um cego”, disseram alguns críticos na multidão
(João 11.37, A Mensagem). Ninguém poderia ter imaginado o que aconteceria
em seguida. Aquele que tinha as chaves da morte realizou um milagre incrível,
surpreendente. Quando Jesus deu a ordem para removerem a pedra da entrada
do túmulo, Marta, sempre realista, protestou: “Senhor, ele já cheira mal, pois
já faz quatro dias” (João 11.39).
Olhando-a nos olhos Jesus perguntou: “Não falei que, se você cresse, veria
a glória de Deus?” (João 11.40).
“Depois de dizer isso, Jesus bradou em alta voz: ‘Lázaro, venha para fora!’,
O morto saiu, com as mãos e os pés envolvidos em faixas de linho e o rosto
envolto num pano. Disse-lhes Jesus: ‘Tirem as faixas dele e deixem-no ir’ ”
(João 11.43,44).
Lágrimas de alegria jorraram dos olhos de Marta e Maria quando elas
viram o irmão vivo. Temor encheu o coração delas ao verem a majestade e a
glória que brilhou diante de seus olhos.
Como sabemos que Marta foi transformada por essa experiência? A
próxima e última vez em que Marta é mencionada na Bíblia acontece no jantar
em sua casa para honrar Jesus e celebrar a ressurreição de Lázaro. Com os
convidados agrupados ao redor da mesa, a irmã Maria ungiu os pés de Jesus
com um perfume caro. Marta ainda estava servindo e não foi menos produtiva
nem hospitaleira, mas seu espírito havia mudado.
Não lemos nada a respeito de ela estar distraída com tarefas nem
mentalmente ansiosa ou correndo de um lado para o outro.
O lado prático de Marta não respondeu à generosa demonstração de
generosidade de Maria, dizendo: “Não, Maria! Precisamos do dinheiro para o
armazém!” —, embora provavelmente ela tenha contribuído para a compra do
precioso nardo. Ela não tomou o partido de Judas, dizendo que os pobres
necessitavam mais da oferta. Seu coração estava de acordo com aquela
generosa demonstração de adoração.1 Seu foco era Jesus, e a visão de sua
glória a transformara para sempre.

Um novo encontro com Jesus


Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida e, quando temos um encontro com
ele e o vemos como ele é, não podemos deixar de ser transformados como
Marta foi. Permita-me encorajar você: Não mergulhe na culpa se você é mais
Marta do que Maria.
Talvez você se sinta como uma cristã de segunda classe se não é como a
quieta e contemplativa Maria, que largou tudo para se sentar aos pés de Jesus.
Talvez você se sinta culpada por ser mais como Marta, sempre ocupada e
distraída fazendo muitas coisas.
Se Deus designou você para conduzir um ministério infantil ou uma empresa
e sempre há tantas coisas por fazer que você nunca consegue fazer tudo, ele
compreende. Se você é mãe solteira e equilibra múltiplas tarefas e
responsabilidades, Deus sabe como seu tempo é apertado. O serviço de Marta
era honrável e, quando fazemos nosso trabalho como para o Senhor, com o
foco nele, ele recebe isso como adoração.
Você não precisa ser uma pessoa que não é nem tentar mudar a sua essência
para ser alguém mais contemplativo e espiritual.
É ao ver e encontrar-se com Jesus que a transformação acontece. O Senhor
encontrou Marta onde ela estava, em meio à sua vida, em meio à sua dor pela
perda do irmão, e revelou-se a ela. E, assim como ele conhecia os anseios do
coração dela, ele conhece os anseios do seu coração e encontrará você quando
você os colocar diante dele.
Assim como Maria, ofereça todo o seu ser Àquele que entregou a vida
para podermos desfrutar de novidade de vida na terra e vida eterna com ele.
Quando você entregar todo o seu ser em completo e alegre abandono, a sua
vida, embora exteriormente ocupada, se tornará uma “oração viva”,2 e você
estará cada vez mais consciente da presença do Senhor. Entregue-se mais uma
vez, ou pela primeira vez completamente, Àquele que criou e ama você com
amor eterno. “Desespero-me quando tento transformar a mim mesma e
corrigir-me”, disse Corrie ten Boom. “Eu não consigo e nunca conseguirei,
mas, se eu me entregar Àquele que me criou, experimento milagres!”3

1 Lockyer, Herbert. All the Women of the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1961. p. 90,91.
2 Kelly, Thomas. In: Foster, Richard; Smith, James Bryan. Devotional Classics. San
Francisco: HarperSanFrancisco, 1993. p. 208.
3 Boom, Corrie ten. Reflections of His Glory. Grand Rapids: Zondervan, 1999. p. 21, 23.
P ART E Q UAT R O

Um novo encontro
com Jesus nas
experiências
extraordinárias
Capítulo 10
O GR AN D E M ÉD I C O
Devemos perceber que o propósito supremo de Deus ao realizar
milagres é revelar a si mesmo. A cura é um testemunho do
milagre de sua Pessoa […] sabendo que Deus é o maior
milagre que pode resultar das nossas orações de intercessão.
DICK EASTMAN1

N
ão mais uma vez. Não neste final de semana, pensei enquanto os
nossos meninos entravam correndo de suas brincadeiras de sábado
no quintal de casa. Ao ouvir o nosso filho de 6 anos chiando alto a
cada respiração, corri para a cozinha em busca de sua medicação.
Asma. Quando afligia o nosso filho, era como se uma grande nuvem negra
pairasse sobre a nossa casa. A asma nos mandara ao pronto-socorro depois de
dirigirmos seis horas até o rancho dos meus pais no Texas para um final de
semana divertido.
Hospitalizações
haviam arruinado o Natal e impedido o nosso filho de começar o primeiro
ano escolar junto com as outras crianças. Como explicou o médico, controlar
um ataque de asma era como impedir uma bola de descer morro abaixo — era
preciso detê-la antes que descesse muito a ladeira.
Mais do que nunca, queríamos impedir um ataque dessa vez.
Holmes planejara uma viagem de pai e filho para Dallas que incluía um
parque de diversões, e eles partiriam na manhã seguinte. As malas estavam
prontas e os dois estavam entusiasmados. Mas agora isso…
A respiração curta e um violento acesso de tosse me fizeram agir com mais
rapidez enquanto eu reunia o inalador, líquidos e medicações que o médico
prescrevera para usar em ataques agudos. Se tudo isso falhar, decidi, vamos
telefonar para o médico e ir ao consultório ou ao pronto-socorro.
E, em algum momento, eu sabia que oraríamos por ele, talvez mais como
último recurso do que como primeiro.
Dessa vez foi diferente. Enquanto Holmes e eu conversávamos sobre a
condição do nosso filho e a viagem especial que eles planejaram, percebemos
que talvez estivéssemos fazendo as coisas de trás para frente. O médico, as
prescrições e o auxílio profissional eram todos importantes. Mas por que não
clamar a Deus primeiro?
Eu havia lido em algum lugar nos últimos dias que Deus é o nosso Grande
Médico, mas nunca levara isso a sério nem ouvira nenhum ensino sobre isso.
Eu nunca vira Deus curar alguém, por isso estava um tanto cética. Todavia, a
ideia soou como uma ótima alternativa a tudo o que já havíamos feito inúmeras
vezes.
Então, inspirada por uma fé e uma esperança do tamanho de uma semente de
mostarda, ajoelhamo-nos ao lado da cama do nosso filho e pedimos a Deus
que nos desse sabedoria e nos mostrasse como orar. Mas as dúvidas e as
perguntas começaram a distrair a minha linha de pensamento. Aqui estou eu
pedindo a Deus para curar o nosso filho, para tocar seu corpo físico e
reverter essa condição, mas de fato não sei o que a Bíblia diz sobre isso.
Quando ele cura e como devemos nos aproximar dele? Sei que, quando
estava na terra, Jesus curava as pessoas com apenas um toque ou uma
palavra, mas ele faz isso ainda hoje?
Éramos cristãos novatos, entusiasmados quanto a crescer na fé, mas nunca
ouvíramos nenhum ensino sobre cura no púlpito nem nas aulas da escola
dominical. Agora, enquanto os meus pensamentos retornavam à Bíblia, uma
forte curiosidade substituiu a ansiedade costumeira que eu sentia quando nosso
filho estava doente. O que a Bíblia diz sobre a cura?
Quando contei a Holmes no que estava pensando, ele disse que as mesmas
indagações estavam passando por sua mente. Como naquela hora já havia
anoitecido e as livrarias estavam fechadas, vasculhamos a casa à procura de
livros que pudessem ter um capítulo sobre cura e oração. Conferi as
prateleiras da sala de estar e um armário na garagem, onde encontrei um
estudo que era exatamente o que procurávamos: O que a Bíblia diz sobre a
cura. Eu o comprara meses antes, mas, como andava muito ocupada, acabara
guardando-o sem ler uma única página.
Agora abri o livro com ansiedade. A tosse do nosso filho cedera e ele
adormecera temporariamente, de modo que colocamos as nossas Bíblias na
mesa da cozinha, enchemos uma xícara de café e mergulhamos nos versículos
sugeridos, como Isaías 53.4,5: “Certamente ele tomou sobre si as nossas
enfermidades e sobre si levou as nossas doenças […]. Mas ele foi traspassado
por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas
iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas
fomos curados”; Salmos 30.2: “Senhor meu Deus, a ti clamei por socorro, e tu
me curaste”; Jeremias 17.14; Mateus 4.23, e outros versículos do Antigo e do
Novo Testamentos.
A cada versículo, o meu coração sentia uma onda de esperança. Tudo o que
estávamos lendo sugeria que Deus pode de fato curar as pessoas — espiritual,
emocional e fisicamente. Na verdade, descobri em Êxodo 15.26 que um de
seus nomes é Jeová Rafá, o Senhor que cura. Encontramos textos específicos
para orar em tempos de enfermidade e começamos a perceber que o momento
certo era responsabilidade de Deus, mas que ele nos convidava a lançar os
nossos fardos e enfermidades sobre ele e a buscá-lo em questões de saúde.
Ao longo daquela noite, continuamos trabalhando no estudo bíblico de 100
páginas enquanto os nossos dois filhos mais novos jantavam e brincavam ao
nosso lado na cozinha. Mais tarde, depois de termos lido uma história para as
crianças e as colocado na cama, reabastecemos as nossas xícaras de café e
voltamos para a Bíblia a fim de terminar a pesquisa. Havia alguma coisa na
Bíblia, um pedaço do quebra-cabeça que Deus queria nos ensinar e do qual
realmente precisávamos. Mas eu não fazia ideia do que seria.
Por volta das 3 horas da manhã, lemos um dos últimos versículos do estudo
de uma passagem no livro de Tiago, capítulo 5. O versículo dizia que, quando
alguém estava doente, os cristãos deviam chamar os presbíteros da igreja para
orar por ele e ungi-lo com óleo em nome do Senhor. Eu nunca havia notado
esse versículo.
Presbíteros orando pelos doentes? Ungindo com óleo? A igreja da qual
participávamos não fazia isso. Eu ouvira o pregador ensinar na escola
dominical para casais que Deus costumava fazer coisas poderosas e que Jesus
em seu ministério terreno curava as pessoas, mas isso era numa época remota
que já havia passado.
Embora a passagem soasse estranha aos meus ouvidos tradicionais, parecia
apontar para essa unção como parte da prescrição de Deus. O nosso coração
alegrou-se ao lermos o versículo seguinte: “A oração feita com fé curará o
doente; o Senhor o levantará”
(Tiago 5.15).
“Holmes, é isso”, disse eu cada vez mais entusiasmada. “É a peça que
faltava que o nosso filho nunca recebeu. Nós precisamos de presbíteros,
alguém que realmente creia que Deus é poderoso, para vir orar por ele e fazer
o que dizem esses versículos.”
Ao pensarmos sobre isso, lembrei-me de dois pastores de outra igreja local
que havíamos visitado recentemente. Embora fossem jovens, eles eram os
líderes daquela igreja.
“Steve e Jeff! Aposto que eles oram por pessoas doentes. Por que não
telefonamos para eles agora mesmo?”, eu disse com um senso de urgência.
“Não sei; estamos no meio da noite. Iríamos acordá-los”, disse Holmes.
“Mas médicos estão de plantão no meio da noite; então, talvez presbíteros
também estejam, se alguém estiver doente. Porque, se ele não melhorar durante
a noite, teremos de levá-lo para o pronto-socorro. Vamos ver se consigo
encontrar um número de telefone.”
Poucos minutos depois, eu estava com Steve ao telefone ex-plicando a
situação. Ele estava sonolento, mas ouviu pacientemente enquanto eu lhe
contava sobre o ataque de asma do nosso filho e o que acabáramos de
descobrir na Bíblia. “Você e Jeff viriam orar pelo nosso filho? Tiago diz para
‘chamar os presbíteros da igreja’ e vocês são os únicos que conhecemos que
fazem isso…
É a única coisa que nunca foi feita por ele e sabemos que faria a diferença”.
“Vou dizer o seguinte”, propôs Steve. “Começarei a orar agora, e vocês
todos tentem dormir um pouco. Estaremos aí em pouco tempo.”
Estávamos tão entusiasmados que não conseguimos dormir.
Em vez disso, ficamos acordados o resto da noite, conversando e esperando
a chegada dos dois pastores. A minha expectativa era igual à de uma criança
na véspera de Natal.
Às 5 e meia da manhã, ouvimos uma leve batida na porta, e lá estavam Jeff
e Steve com um violão, uma Bíblia e um pequeno frasco de óleo.
Agradecemos a eles por terem vindo e fomos para a sala de estar, onde o
nosso filho descansava no sofá.
“Gostaríamos de orar por você e pedir a Deus para que fique bem. Pode
ser?”, perguntou Jeff ao nosso garoto.
“Claro”.
“Vamos tocar na sua testa com um pouquinho de óleo, exatamente como a
Bíblia diz”, explicou Jeff. Quando os dois homens começaram a orar, não
aconteceu nada imediatamente. Mas uma profunda sensação de paz permeou
todo o ambiente e sentimos como se tivéssemos sido envolvidos pelo conforto
de Deus.
Enquanto eles continuavam orando, o nosso filho relaxou e ficou bem
parado. Então, gritou de repente: “Mãe, pegue um balde.
Vou vomitar!”. Em poucos minutos, o muco grosso que estivera obstruindo
seus brônquios saiu — exatamente o que acontecia quando ele recebia
injeções de adrenalina no pronto-socorro. Só que dessa vez não eram injeções
doloridas que causavam o aumento de adrenalina — era o poder de Deus.
A respiração do garoto desacelerou, e o chiado gradualmente cessou. Em
pouco tempo, ele se sentou e a cor rosada voltou a suas bochechas. Steve
começou a tocar violão e nos conduziu em cânticos enquanto o sol nascia. A
presença de Deus encheu a sala e inundou o nosso coração de alegria. Olhei
para o nosso filho. Seus olhos azuis estavam brilhando e suas bochechas
estavam coradas como se ele tivesse acabado de entrar depois de brincar no
parque em vez de ter passado a noite lutando contra um ataque de asma.
Um sorriso espalhou-se em seu rosto quando ele disse: “Pai, já estou com
as malas prontas. Quando saímos para nossa viagem?”.
Quando os pastores foram embora, o nosso filho me perguntou: “Você viu,
mãe? Você viu o anjo ao meu lado quando Jeff e Steve estavam orando? Ele
era muito brilhante, todo branco. Você devia ter visto!”.
Nós não víramos nada, a não ser o sol entrando pelas janelas e o nosso filho
que estivera doente, mas que agora estava bem. Mas isso era suficiente para
nos mostrar o poder e o amor de Deus.
Mais tarde, naquela manhã, o nosso menininho e seu pai acenaram adeus
enquanto saíam da garagem na camionete vermelha, exatamente como haviam
planejado. Depois de partirem, vesti os nossos dois filhos em suas melhores
roupas de domingo e fomos para a igreja.
Quando a minha voz se uniu às outras vozes no culto daquela manhã, havia
um derramamento irreprimível de gratidão do meu coração ao nosso
maravilhoso, glorioso Salvador e Grande Médico enquanto cantávamos
“Bendita certeza, Jesus é meu, ó que amostra da glória divina […]. Esta é a
minha história, esta é a minha canção, louvando o meu Salvador todo o dia!”.
A minha alegria era tanta que eu não conseguia conter o louvor ao perceber
que o mesmo Espírito que levantara Jesus dos mortos podia realmente trazer
vida e saúde ao nosso corpo mortal. Que ele não parara de fazer o que fizera
na terra: trazer boas-novas aos aflitos (v. Isaías 61.1). O milagre que
testemunháramos era maravilhoso, mas ver Deus se revelar a nós talvez seja
um milagre ainda maior.

Um novo encontro com Jesus


Naquele dia, descobri que o poder de Deus para curar não está preso ao
passado distante dos tempos da Bíblia, mas também pode se manifestar no
nosso tempo por meio de crentes compassivos.
Nunca mais enxerguei a cura e o nosso Senhor da mesma maneira depois
dessa experiência. Percebi que Deus nos recebe em seu trono de graça não
apenas por causa dos nossos problemas, mas também quando enfrentamos
enfermidades físicas. Comecei a descobrir que Jesus pode curar pessoas de
lembranças debilitantes, feridas do passado e traumas emocionais e que,
quando clamamos por cura, não estamos pedindo algo estranho ao Senhor,
porque parte de sua essência é o Ser Divino que cura. A cura é parte do fluir
de seu amor por seu povo.
Não apenas a minha fé cresceu exponencialmente como resultado de ver
Jesus como o Grande Médico, mas o meu marido e eu começamos a ver a
oração de cura como parte da vida cristã normal. Jesus sentia um peso pelos
doentes e pelos que sofrem e ele disse aos que o seguiam que curassem
também (v. Mateus 10.7,8).
Deus começou a nos dar oportunidades de orar por pessoas que estavam
doentes e também nos permitiu testemunhar a cura de Deus na vida delas —
não por causa de alguma coisa em nós, mas por causa de quem Deus é e do
nosso desejo humilde de sermos seus canais para um mundo que sofre. O
idoso cuja perna piorou depois da cirurgia. Uma amiga com câncer de mama.
Uma mulher na igreja que tinha enxaquecas debilitantes. Um bebê que nasceu
prematuro, e assim por diante ao longo dos anos.
Amo como a versão A Mensagem interpreta Tiago 5.13-15: “Vocês estão
sofrendo? Orem. Sentem-se bem? Comecem a cantar. Estão doentes? Chamem
os líderes da igreja para orar por vocês e ungi-los em nome do Senhor. A
oração confiante irá curá-los”.
Chega um momento em que todos precisam que Jesus os coloque de pé
novamente. Podemos fazer parte de sua obra agindo da seguinte forma:
Estando dispostos a ser um veículo da cura misericordiosa aos outros.
“Deus alegremente emprega uma infinita variedade de meios para trazer cura e
bem-estar a seu povo”, diz Richard Foster. “Somos agradecidos pelos amigos
de Deus, os médicos, que com habilidade e compaixão ajudam o nosso corpo
a lutar contra doenças e enfermidades […]. Também celebramos o crescente
exército de mulheres, homens e crianças que estão aprendendo a levar o poder
de cura de Cristo aos outros para a glória de Deus e o bem de todos os
envolvidos”.2
Quem você conhece que está lutando contra uma enfermidade física por
quem poderia orar fielmente todos os dias? Coloque os nomes em um cartão
em sua Bíblia para lembrar-se de orar por eles. Ao visitar alguém no hospital,
tente perguntar gentilmente: “Posso orar por você agora?”, em vez de dizer:
“Vou colocar você nas minhas orações”. Poucas pessoas recusam esse convite.
Estude a Palavra d e Deus e peça para o Espírito Santo ensinar você a orar
eficazmente pelas pessoas próximas que estão sofrendo.
Procure, leia e medite nestes versículos: Gênesis 20.17; 2Crônicas 7.14;
20.1-37; Salmos 107.19,20; 147.3; Provérbios 3.8; Mateus 10.7,8; Lucas 9.11;
João 9.1-27; Atos 9.34 e Tiago 5.13-18. Anote ao lado de cada passagem o
que você aprendeu sobre cura ali.
À medida que aprender a banhar suas orações nas Escrituras, você
experimentará milagres na sua vida e na vida daqueles por quem ora. E, como
Jesus Cristo está à destra do Pai intercedendo por nós dia e noite, quando você
ora pelos outros, está se unindo a ele em seu trabalho de tempo integral, o que
naturalmente traz nova intimidade.
Não conhecemos o tempo de Deus nem sabemos ao certo se uma pessoa vai
receber restauração e saúde na terra ou no céu (onde todos receberemos
corpos novos e perfeitos), mas podemos nos colocar diante do Senhor e assim
fazer o que ele nos encarregou de fazer, de modo que estaremos sob a
influência e o poder de seu poderoso sopro”.3 Agindo assim, você receberá
uma visão nova de Cristo, como ele cura corpo, mente e emoções, seus e de
outras pessoas.

1 Eastman, Dick. Love on Its Knees. Old Tappan, NJ: Revell, Chosen, 1989. p. 140,141.
2 Foster, Richard. Prayer: Finding the Heart’s True Home. San Francisco: Harper Collins,
1992. p. 203. [Oração: o refúgio da alma. Campinas, SP: Cristã Unida, 1996.]
3 Autor desconhecido.
Capítulo 11
A EST R AD A PAR A E MAÚS
Se você quer se decepcionar, olhe para os outros. Se quer
ficar desanimado, olhe para si mesmo. Se quer ser
encorajado […] olhe para Jesus Cristo.
ERICH SAUER

A
dupla caminhava pela estrada poeirenta. A caminhada de onze
quilômetros até Emaús tomaria a maior parte da tarde, mas os dois
homens tinham tanto para conversar que o tempo passou
rapidamente. Desatentos ao que acontecia ao redor, os homens mergulharam
em uma profunda conversa sobre os acontecimentos assombrosos da última
semana.
“Ainda espero ouvir a voz dele”, Cleopas disse. “Eu daria qualquer coisa
para ter mais uma chance de falar com ele ou ouvi-lo ensinar. Deveríamos ter
lutado! Se tivéssemos nos unido para resgatá-lo antes que fosse tarde
demais… Talvez pudéssemos ter feito algo.” Ele olhou pela estrada como se
procurasse o Mestre.
O outro discípulo acenou concordando. “Não surpreende que os soldados
zombem de nós. Eles dizem que a igreja vai desaparecer agora que Jesus está
morto.”
“Se ele estiver morto”, respondeu Cleopas. Isso iniciou uma conversa
intensa enquanto os dois lutavam com as notícias recebidas naquela manhã.
Joana e Maria, a mãe de Tiago, e Maria Madalena haviam entrado na casa,
falando todas ao mesmo tempo.
Elas haviam acabado de voltar do túmulo e, ao chegar lá, descobriram que a
grande pedra havia sido rolada. Correndo para dentro, encontraram apenas os
lençóis. Alguém roubara o corpo de Jesus!
De repente, dois homens com vestes brancas brilhantes falaram com elas.
“Por que procuram pelo que vive entre os mortos?”, um deles perguntou. As
mulheres disseram que os homens eram anjos. Mas o que elas sabiam a
respeito de anjos?
“Talvez as mulheres tenham tido apenas um sonho”, disse Cleopas, chutando
uma pedra com a sandália.
O companheiro abanou a cabeça. “Um sonho? As mulheres não estavam
dormindo! Por que elas diriam isso, a não ser que tivessem visto com os
próprios olhos? Essas mulheres são confiáveis.
Talvez elas tenham mesmo visto os homens. Talvez eles fossem anjos
enviados por Deus.”
Cleopas riu, contrariado. “E talvez os soldados tenham escondido o corpo”,
disse ele. “Não caia na armadilha deles. É exatamente isso o que esperam que
façamos. Os soldados querem zombar de nós e fazer que pareçamos tolos!
Jesus disse que ressuscitaria no terceiro dia. Eles perceberam todos os olhos
no túmulo naquele momento. Você pode estar certo de que nos deixarão saber
onde colocaram o corpo — quando estiverem prontos para nos causar mais
vergonha.”
“Mas e se…”, o outro discípulo hesitou, franzindo as sobrancelhas enquanto
encarava o amigo. “Cleopas, por que Jesus disse que levantaria do túmulo em
três dias? Lembro claramente de suas palavras. Talvez houvesse anjos no
túmulo. Pode ser que simplesmente não tenhamos escutado. Quem serão os
tolos então?”
Cleopas deu de ombros. “Jesus está morto.” Ele abaixou a cabeça, olhando
para os pés enquanto a poeira girava ao redor das sandálias. “Eu os vi
colocando o corpo dele no túmulo.”
Os dois caminhavam lentamente enquanto discutiam. De repente, um
estranho uniu-se a eles e os três prosseguiram viagem.
Cleopas observou o homem e franziu a testa. “Devíamos estar tão absortos
na conversa que não o vimos atrás de nós”, disse ele.
O homem lhes perguntou: “Sobre o que vocês estão discutindo enquanto
caminham?” (Lucas 24.17). “Eles pararam, cheios de tristeza, como se
tivessem perdido o melhor amigo” (Lucas 24.17, A Mensagem).
“Você é o único visitante em Jerusalém que não sabe das coisas que ali
aconteceram nestes dias?”, perguntou Cleopas (Lucas 24.18).
O homem replicou: “Que coisas?” (Lucas 24.19).
Ambos tentaram explicar. Era difícil expressar em palavras, e ainda mais
difícil deixar claro para um homem que não tinha a mínima noção do
acontecimento trágico e violento. Os discípulos jogaram as mãos para o alto.
“Precisamos começar do início”, disse ele. “Jesus, o Nazareno, era um homem
de Deus e acreditávamos nele. Ele era um profeta que operava milagres e
ensinava verdades que nunca havíamos ouvido. Ele era estimado por Deus e
por todas as pessoas. Então os chefes dos sacerdotes e os líderes o traíram, o
sentenciaram à morte e o crucificaram. Tínhamos esperança que ele era o
Prometido, aquele que libertaria Israel. Pensávamos que ele acabaria com a
opressão dos romanos e estabeleceria um grande reino. Agora está tudo
acabado. Já é o terceiro dia desde que isso aconteceu” (v. Lucas 24.19-24, A
Mensagem).
Cleopas entrou na conversa. “Algumas das mulheres entre nós nos deram um
susto hoje. Foram de manhã bem cedo ao sepulcro e não acharam o corpo
dele. Voltaram e nos contaram ter tido uma visão de anjos, que disseram que
ele está vivo. Alguns dos nossos amigos foram ao túmulo para verificar e o
encontraram vazio, como as mulheres disseram, mas não viram Jesus”
(v.Lucas 24.22-24).
O estranho parou no meio da estrada. “ ‘Vocês não entendem?’, suspirou
Jesus. ‘Como demoram para crer! Por que não acreditam em tudo que os
profetas disseram? Não percebem que tudo isso tinha de acontecer, que o
Messias tinha de sofrer antes de entrar na glória?’ ” (Lucas 24.25,26, A
Mensagem).
Os dois homens não sabiam como responder. Talvez ele fosse um mestre da
lei. De qualquer forma, o estranho prosseguiu com eles e continuaram
caminhando pela estrada poeirenta.
“Vamos iniciar com Moisés”, disse ele, enquanto os homens escutavam
ansiosamente. Ele explicou as Escrituras de uma forma nova e, conforme
caminhavam, discutiu os livros dos profetas e apontou referências à morte e
ressurreição do Messias.
Os sons do vilarejo lembraram aos homens que Emaús estava logo à frente.
Crianças brincavam, e o cheiro de peixe cozinhando sobre brasas espalhava-
se pelo ar. Cleopas chamou o homem quando ele se virou para seguir caminho
como se estivesse deixando-os.
“Fique e jante conosco”, pediu ele. “Já é quase noite. O dia já se foi”
(Lucas 24.29, A Mensagem). E ele entrou em Emaús com eles.
Eles atravessaram as ruas da cidade, cumprimentando os que os
reconheciam, ansiosos por retomar a discussão. Quando chegaram, Cleopas
foi apresentar o estranho aos amigos, e percebeu que nem mesmo sabia quem
era ele. Ele riu, juntando as mãos. “Falamos tanto sobre o Messias que nem
mesmo perguntei seu nome”, disse ele.
O homem apenas riu. Então eles se sentaram à mesa, o estranho pegou o
pão, o abençoou e partiu. Em seguida, deu um pedaço de pão a eles, dizendo:
“Paz seja com vocês”. Os farelos caíram na mesa, e Cleopas e o outro
discípulo olharam admirados. De repente seus olhos se abriram e eles o
reconheceram enquanto a luz brilhava em seu coração.
“Jesus?”, perguntou ele. “Será que é você, meu Senhor?” Cleopas deixou o
pão de lado, ergueu-se da mesa e dançou de alegria pela sala, indo em direção
ao Messias. O outro discípulo saltou para pegar a mão de Jesus, mas de
repente ele se fora.
“Como não o reconhecemos?”, perguntavam eles em voz alta.
Começaram a falar entusiasmados, tentando explicar o que acontecera. “O
nosso coração não ardia como fogo enquanto ele conversava conosco na
estrada e explicava as Escrituras?”, disseram eles.
“Precisamos encontrá-lo!”
Enquanto corriam porta a fora a fim de alcançar Jesus, a alma deles foi
iluminada como por chamas. Não importava que o sol estava se pondo. Não
importava se eles estavam com fome e cansados.
Eles haviam visto o Salvador! Eles tinham boas notícias para compartilhar
e não queriam perder mais nenhum minuto. Acenando adeus aos amigos
assombrados, eles correram pela estrada. Precisavam chegar a Jerusalém e
contar aos discípulos o que acontecera.
Cleopas saltava pelo ar enquanto corria, gritando sem se importar com
quem ouvisse para que todos os que escutassem soubessem da boa notícia.
“Ele está vivo!”, dizia ele, jogando a cabeça para trás e rindo de alegria.
“Jesus está vivo!”
Em pouco tempo, os dois encontraram os onze apóstolos e seus amigos
reunidos atrás de portas fechadas em Jerusalém, temendo o que os líderes dos
judeus poderiam fazer em seguida.
“O Senhor ressuscitou! Realmente aconteceu!”, Cleopas e o outro discípulo
gritaram enquanto entravam porta adentro. E começaram a contar tudo sobre a
experiência na estrada e como reconheceram Jesus ao partir o pão.

Um novo encontro com Jesus


Quando Jesus encontrou os dois discípulos na estrada, eles estavam
carrancudos e derrotados. Eles não haviam esperado por ele na Galileia como
o anjo instruíra. Alguns haviam voltado para casa.
A maioria dos apóstolos estava escondida em um cenáculo em Jerusalém
atrás de portas trancadas, por medo e desespero. Cleopas e seu companheiro
decidiram seguir para Emaús. Entretanto, Jesus apareceu e caminhou ao lado
dos dois homens. Ele apareceu no cenáculo trancado e revelou-se a seus
seguidores. E ele ainda está aparecendo para você e para mim. Podemos ter
um novo encontro com Jesus quando percebemos as seguintes verdades: Ele
está vivo e em nosso meio. Talvez como os dois homens na estrada poeirenta
para Emaús, você sabe o que é perder as esperanças. Sente como se tudo
tivesse falhado. Sabe que seus recursos humanos acabaram e que você está por
um fio. Essa história nos mostra que, quando estamos mais desamparados,
quando as circunstâncias parecem impossíveis e nos sentimos mais
desanimados, ali está Jesus. Quando todas as portas se fecharam na vida
profissional, quando o casamento parece completamente sem vida e o nosso
filho adolescente se mostra mais incorrigível ainda, Cristo está no nosso meio.
Ele nos encontra na nossa preocupação assim como encontrou os discípulos
abatidos.
E ele é especialista em ressurreições.
Contudo, frequentemente não nos apercebemos da presença de Jesus porque
estamos absortos na nossa dor. Da mesma forma que Cleopas e seu amigo,
com o rosto abatido, enxergaram apenas a poeira da estrada e não perceberam
a presença do rei ressuscitado ao lado deles, nós não percebemos seu amor e
suas bênçãos.
Esquecemo-nos das promessas que ele nos fez nas Escrituras e só
conseguimos enxergar as circunstâncias amedrontadoras. Porém, ainda assim,
em sua graça, Jesus vem e nos encontra em meio à nossa dor ou desânimo.
Quando olhamos para nós mesmos, continuamos desanimados e em
desespero. Quando olhamos para os outros esperando que nos salvem,
acabamos decepcionados com o fracasso deles.
Mas, quando olhamos para Jesus, o nosso coração é estranhamente aquecido
e renovado, exatamente como aconteceu com os dois homens em Emaús.
Podemos experimentar Cristo na comunhão. Assim como Jesus se revelou
naqueles momentos de intimidade quando partiu, abençoou e deu o pão aos
dois homens em Emaús, ele nos convida a nos aproximarmos dele na mesa da
comunhão. Não devemos participar do suco da uva e do pão como de um ritual
vazio ou apenas como lembrança de um acontecimento ocorrido dois mil anos
atrás. Devemos receber a comunhão dos elementos em expectativa da presença
de Jesus na nossa vida e no corpo de cristãos com quem temos comunhão.
Comunhão é muito mais do que revisitar um acontecimento histórico. É uma
oportunidade de ligação e intimidade com o nosso Salvador. Portanto,
devemos aproximar-nos com expectativa e reverência, e com o coração
preparado que perdoa, adora e louva.
Como disse Paulo: “Examinem suas motivações, testem o coração e venham
para a ceia com santo temor” (1Coríntios 11.28, A Mensagem). Na próxima
vez em que você for tomar a ceia, pergunte-se: O que eu faria se a presença
literal de Cristo entrasse neste ambiente? Como eu me prepararia para
encontrá-lo?
“Alimente-se de Cristo”, disse Phillips Brooks, “e então vá viver a sua
vida, e é Cristo em você que vive a sua vida, que ajuda os pobres, que diz a
verdade, que luta as batalhas e que conquista a coroa”.1

1 Brooks, Phillips. In: Draper, Edythe. Draper’s Book of Quotations for the Christian
World. Wheaton: Tyndale, 1992. #6352.
Capítulo 12
O LUG AR D E EN C O N T R O
Quando encontrarmos Cristo, voltaremos
à vida. Com fé que brota da profundidade da nossa alegria,
correremos para as latas de lixo a fi m de recuperar os sonhos e as esperanças
que jogamos fora no nosso desespero. Ansiosamente os puxaremos para fora,
tiraremos a poeira e descobriremos com alegre surpresa que eles
não estão apenas intactos, mas gloriosamente aprimorados […].
E nos voltaremos para Cristo com novo brilho nos olhos,
mostrando-lhe os nossos sonhos, agradecidos e sem palavras.
JIM MCGUIGGAN1

É
estranho como o mundo para no instante de uma grande perda,
congelando cores, visões e sons ao redor. Depois de todos esses
anos, ainda me lembro de estar na aula de ginástica e ouvir o clique
agudo do sistema de emergência pública que antecedeu o anúncio que acabaria
para sempre com a inocência dos Estados Unidos e a minha: “O presidente
Kennedy foi assassinado”. Todos nós sofremos essas tristezas coletivas,
como o momento em que a nave espacial Challenge explodiu. Eu assisti à
cobertura na tevê, desejando que os astronautas tivessem sobrevivido à
explosão, esperando que um paraquedas aparecesse. Houve outros momentos:
o atentado na cidade de Oklahoma, a morte da princesa Diana, os atentados do
Onze de Setembro.
Um desses momentos foi quando Flo Perkins morreu.
Quem foi Flo Perkins? Ela nunca se encontrara com um presidente. Ela não
era astronauta. Sua morte não foi anunciada nos noticiários da tevê. Mas em
uma pequena casa de estuque em uma parte esquecida da cidade de Oklahoma,
Flo Perkins viveu uma vida heroica…
1926. Um vento do oeste soprou poeira nas ruas de uma pequena cidade do
Texas enquanto uma menina de 10 anos, Floria, corria apressada para o
restaurante onde trabalhava. Sua trança escura balançou ao subir em uma caixa
de leite para secar e separar a prataria. Os olhos amendoados brilhavam
enquanto ela olhava as pessoas que chegavam ao restaurante para comer. As
mulheres usavam vestidos elegantes e esmalte vermelho brilhante. Os homens
vestiam ternos e chapéus de feltro. Crianças giravam nas cadeiras, mal
notando a comida requintada servida diante deles.
Flo suspirava, apoiando-se no armário de carvalho que acomodava a
prataria. Fechando os olhos, ela tentou imaginar que vestia belas roupas e se
sentava no restaurante para comer. Com um suspiro, pegou uma faca e a poliu
até poder ver seu reflexo no cabo.
Na sala de jantar, um homem com cabelos castanhos riu das palhaçadas da
filha. Flo parou. O meu pai deve ser assim.
Verdade seja dita, ela não tinha a menor informação sobre seu pai.
Nascida em Oklahoma em 1916, Flo tinha 4 anos quando seus pais se
divorciaram. Desde então sua vida fora como andar na corda bamba.
Ela e a mãe mudavam de um estado para outro, de uma cidade poeirenta a
outra, de um restaurante para o seguinte, com pessoas de todos os tamanhos e
formas entrando e saindo de sua vida.
Depois do trabalho, ela correu de volta à triste pensão onde sua mãe havia
alugado um quarto e caiu na cama afundada. Flo estava exausta. E não tão
somente por causa de trabalhar longas horas para ajudar a pagar o aluguel e
colocar comida na mesa. Ela estava exausta das mudanças constantes, de
nunca ter tempo para fazer amigos antes de sua mãe a arrastar atrás de algum
novo arco-íris.
Não que eu tivesse tido tempo de brincar com um amigo se encontrasse
algum, pensou Flo enquanto olhava para o teto rachado.
Era o anseio mais que o trabalho que a cansava. Às vezes, ela desejava
ansiosamente por alguma coisa… normal. Ela amaria estar cercada pelas
mesmas coisas, pelos mesmos rostos e pelos mesmos cenários todos os dias.
Não precisava ser chique, nem ser uma casa elegante de dois andares, nem um
carro novo e brilhante.
A Flo de 10 anos ansiava pela mesma porta da frente para retornar todas as
noites. A mesma mesa da cozinha para comer os pratos familiares. Uma mãe
tricotando ao lado do fogo e um pai cochilando sobre o jornal. A verdade é
que, não importa quanto tentasse, ela mal conseguia se lembrar do rosto dele.
Nas raras ocasiões em que conseguia ir à escola, ela se esforçava em sua
grafia, na esperança de algum dia poder escrever uma carta para ele. Mas
para onde eu a mandaria? Não sei nem mesmo onde ele mora, pensava Flo,
lutando para manter o fino cobertor sobre si enquanto o vento soprava pela
janela aberta.
Os domingos eram os piores — dias em que os sinos da igreja badalavam e
as famílias caminhavam de braços dados. Flo nunca estivera em uma igreja e
não fazia ideia de por que razão as pessoas iam até lá. Ela só sabia que dentro
dela havia um desejo profundo de fazer parte de uma família para a qual
aqueles sinos badalassem.
Sem sono, embora exausta, Flo deixou que a mente vagasse para o
passado… para uma pequena cidade em Utah onde ela e sua mãe viveram por
um tempo no pé de montanhas nevadas. Ela ainda podia sentir o cheiro do ar
limpo e refrescante e ver a majestade das montanhas todas as manhãs. Aquela
cidade fora a mais difícil de deixar, mas seu coração encontrou conforto nas
estrelas sobre o deserto enquanto as duas dirigiam pelas estradas poeirentas
no calor sufocante. Ela também se lembrava de uma cidade do Texas onde
tivera uma professora excepcional que despertara nela o amor pelos livros e a
ajudara a aprender a ler.
Flo ouviu a escada estalando antes de sua mãe entrar no quarto.
“Você ainda está acordada?”, perguntou a mãe.
“Sim, senhora.”
“Então pode levantar e me ajudar a empacotar as coisas. Ouvi que há
trabalho no oeste do Texas.”
Flo não mostrou nenhuma expressão ao puxar a mala suja de debaixo da
cama.
Em dezembro de 1928, elas chegaram à cidade de Oklahoma.
Alta para a idade, Flo parecia ter mais de 12 anos. “Chega de escola para
você”, a mãe informou. “Precisamos de dinheiro para sobreviver, e você
precisa ajudar a consegui-lo.”
Flo mentiu sobre a idade para ganhar um dólar por dia lavando louças. Dois
anos depois, aos 14 anos, ela conseguiu um emprego na Kress, uma grande
loja de departamento no centro de Oklahoma.
Ela mentiu sobre a idade, e seu empregador pensou que tivesse 18
anos. Um dia, enquanto verificava o estoque, uma mulher que trabalhava ao
lado de Flo contou a ela sobre o grande amor de sua vida — Jesus. Flo
escutou atentamente enquanto ela descrevia Jesus como seu Noivo. A fértil
imaginação de Flo capturou a imagem e imaginou como Deus poderia ser
como Filho e Marido.
Flo ficou tão intrigada com Jesus que pegou uma Bíblia emprestada para ler
sobre ele, mas não conseguia compreender as palavras. Naquela noite, do lado
de fora da janela da pensão, ela ouviu cânticos. Sempre curiosa, procurou a
origem do som. A música vinha de uma pequena missão não muito distante de
onde ela vivia.
Não havia sino badalando, e Flo não tinha uma família ao redor, mas foi
sozinha até a missão.
No domingo seguinte, ela participou de uma reunião na missão e conheceu
um jovem chamado Oscar Perkins. Oscar a levou até em casa e descreveu sua
experiência de conversão. Uma semana depois, ele lhe propôs casamento.
Assim como os demais, Oscar pensou que Flo fosse mais velha.
Ela não tinha ideia do que era o amor, mas Oscar parecia um tipo gentil, e
ela estava faminta por uma família própria. Em 17 de agosto de 1930, aos 14
anos e vestida com a melhor roupa de domingo, compareceu diante do juiz de
paz e fez seus votos a Oscar.
Era o segundo ano da Grande Depressão, e Oscar e Flo eram extremamente
pobres, mas tinham a companhia um do outro.
Não houve bolo de casamento nem recepção luxuosa. Não houve lua de mel
nem chá de noiva. Mas, para a jovem Flo, foi o melhor dia de sua vida.
A vida era simples. Da forma que ela a compreendia, Jesus lhe trouxera um
marido. Por causa dele, ela nunca mais teria de ficar sozinha de novo. Com um
coração cheio de gratidão, no mesmo dia em que Flo disse “sim” a Oscar, ela
curvou o coração diante do Juiz do céu e disse “sim” a Jesus. No mesmo dia,
ela se tornou noiva de dois noivos.
Flo aprendera o suficiente na missão para saber que, quando fizera aquele
voto a Jesus, ela fora transportada das trevas de seu passado para a luz e
novidade de vida. Ela leu em 2Coríntios 5.17
que, quando alguém se entrega a Cristo, passa a ser uma nova pessoa.
Ela entregou tudo — passado e futuro — no altar diante de Jesus e sentiu
uma plenitude que nunca conhecera em seus solitários catorze anos de vida.
Flo sabia muito pouco sobre a vida cristã, mas ficou emocionada quando
Oscar começou a lhe ensinar a Bíblia. Eles moravam perto do rio em um
casebre que sempre inundava. Mas era o casebre deles, e Flo nunca
resmungava nem reclamava. Mesmo que trabalhasse longas horas, ela
levantava cedo pela manhã para dar louvores a Deus.
Por fim, Oscar comprou um pequeno pedaço de terra, o mais longe da zona
de enchente que conseguiu encontrar. Lá ele construiu uma pequena casa de
estuque de três cômodos com um banheiro na rua. Uma casa que é minha! Vou
entrar pela mesma porta da frente todas as noites! Vou colocar comida na
mesma mesa da cozinha! Transbordante de alegria, Flo derramou o coração
em adoração a Jesus.
Foi naquela casa que Oscar e Flo criaram quatro filhos e depois vários
netos. Era à luz do lampião que Flo os ajudava com o dever de casa todas as
noites enquanto Oscar cochilava. Anos mais tarde, eles acrescentaram um
banheiro e um quarto extra e transformaram a cozinha original em uma sala de
jantar.
Todas as manhãs às 5h30, Flo se ajoelhava próximo à janela leste, que
chamava de seu lugar secreto, onde encontrava o Noivo de seu coração. Ela
bebia em sua presença e encontrava um refúgio para a alma. Ela encontrou
Alguém que a ouvia quando lançava sobre ele o peso de criar quatro filhos e
da longa batalha de Oscar contra o câncer. Em Jesus, Flo encontrou
estabilidade e alegria durante cada estação da vida. Ele era sua fonte de
sanidade quando a vida parecia fora de controle. Foi para ele que ela correu
quando Oscar deu seu último suspiro.
Era com tanta frequência que Flo iniciava o dia no seu lugar secreto que a
pequena casa cinza de estuque se tornou um verdadeiro farol. Ao conceder a
Flo o maior desejo de seu coração — um lugar familiar onde acordar todas as
manhãs —, Deus permitiu que ela ministrasse a gerações de crianças da
vizinhança durante os cinquenta anos que viveu na casa que o amor construiu.
Ela os alimentava com sabedoria, além de bolachas, biscoitos e picolés.
Era uma vizinhança difícil, e muitas das famílias eram tão temporárias como a
sua fora no passado. Ela entendia a fome dos corações, e eles reconheciam
isso. Além de alimentos, cobertores e orações por sustento, Flo doava
dinheiro, Bíblias e o maior de todos os presentes — Jesus — aos necessitados
que encontrava.
E mais do que tudo — Flo orava em seu lugar secreto. Ela orava em favor
de cada menina e de cada menino que moravam em seu bairro, e continuava a
orar por eles depois que cresciam e se mudavam da vizinhança. Jovens
convertidos no Movimento Jesus da década de 1970 chegaram até sua porta e
encontraram sabedoria.
Flo ensinava na escola dominical e ensinava os outros a fazerem o que ela
mesma fazia diariamente por sessenta anos — ir à presença de Jesus e
conversar com ele.
Flo me ensinou a orar. Para Flo, orar era tão simples quanto respirar. Ela
orou pelos ossos quebrados e pelo coração machucado dos meus filhos. Suas
orações me sustentaram quando a minha mãe morreu. Ela orou pela minha
carreira como escritora e pavimentou o caminho nos céus para todos os livros
que eu iria escrever. Sua pequena casa de estuque era um refúgio para muitos.
E seu lugar secreto foi o lugar onde se iniciou a minha vida de oração.
É por isso que a notícia da morte de Flo Perkins está para sempre congelada
na minha memória junto com a morte de presidentes, astronautas e membros da
realeza. Em um dia frio de dezembro em que aconteceu seu funeral, reuni-me
com a família e amigos perto de seu lugar secreto. Cantamos e compartilhamos
o que ela significara na nossa vida. Eu estava chocada com o impacto que ela
causara em tantas vidas. Ela não tinha fama nem fortuna na terra, mas eu sabia
sem sombra de dúvida que todo o céu se regozijou quando ela chegou em casa.
Hoje Flo Perkins foi reunida aos seus dois noivos — Jesus e Oscar.
Ela tem uma casa por toda a eternidade.
Seu lugar secreto é agora face a face com o Senhor.

Um novo encontro com Jesus


Assim como Flo, todos nós precisamos de um encontro diário com Jesus
para seguir no caminho de Deus com consistência através de cada estação e
desafio da vida. A vida dela me faz lembrar de Salmos 25.4,5: “Mostra-me,
Senhor, os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas; guia-me com a tua
verdade e ensina-me, pois tu és Deus, meu Salvador, e a minha esperança está
em ti o tempo todo”.
Eis algumas formas de aplicar isso à sua vida: Inicie o dia com Jesus.
Oficiais navais costumavam manter o navio no curso verificando um “ponto
fixo” nas estrelas. Fixando-se nas primeiras estrelas da noite e nas últimas
estrelas antes do romper do dia, eles navegavam e faziam correções no curso.2
Se não fixarmos a nossa mente em Jesus para buscá-lo diariamente, é fácil
ficarmos à deriva e voltar a velhos hábitos em vez de andar em novidade de
vida.
No entanto, se, assim como Flo, fixarmos o coração em estar com o Noivo e
ter o nosso próprio “ponto fixo celestial”, poderemos
permanecer em sua presença o dia inteiro. Onde ou quando é o seu lugar
secreto não é o principal: o que importa é dispor o coração para buscar o
Senhor de modo que a tirania do que é urgente não consuma esse tempo
precioso.
Experimente uma transformação. Flo Perkins experimentou uma
transformação radical quando disse sim a Jesus e foi tirada de uma vida de
pobreza para riquezas eternas e permanentes. Essa transformação não
aconteceu da noite para o dia; aconteceu dia após dia enquanto ela trilhava
com ele pelos caminhos da vida.
Para cada um de nós, cristãos, o verdadeiro teste da fé recém-descoberta
também é a transformação. “Fé em Jesus, fé verdadeira, aceitando-o em toda a
sua deidade, uma entrega completa a ele produz uma mudança incrível — uma
transformação por completo”, diz Jim Craddock, fundador do Ministério
Scope. “Fé sem entrega é uma vida sem vida. Cristãos que são confrontados
pelo fato indiscutível de que Jesus de fato tem direito sobre a vida deles são
transformados permanente e indelevelmente.”3
Você tem o desejo insaciável de conhecer Cristo e seu livro, a Bíblia? Você
está experimentando uma transformação à medida que caminha e conversa com
ele na sua vida diária? Escreva uma oração expressando o desejo do seu
coração de conhecer o Senhor, e, caso o seu amor por ele tenha esfriado ou
diminuído por causa dos cuidados e ocupações da vida, peça a ele que avive a
sua fome e sede por realmente “conhecer Cristo, [e] o poder da sua
ressurreição” (Filipenses 3.10).

1 McGuiggan, Jim. Jesus: Hero of My Soul. West Monroe, LA: Howard, 1998. p. 133,134.
2 Riggs, Charlie. Practicing His Presence. Ashville, NC: Billy Graham
Evangelistic Association, 1995. p. 5,6.
3 Craddock, Jim. Update. Oklahoma City: Scope Ministries, August 2003. p. 1.
P ART E C I N C O

Um novo
encontro com
Jesus em seus
sussurros
Capítulo 13
O SEN H O R , O N O SSO
R EC O N C I LI AD O R
Reconciliação não é fraqueza nem covardia. Exige
coragem, nobreza, generosidade, às vezes até heroísmo,
passar por cima de si mesmo em vez de por cima do adversário.
PAPA PAULO VI1

S
entada no jato da empresa aérea Southwest, prestes a decolar do
Aeroporto Will Rogers World na cidade de Oklahoma, olhei pela
janela para Holmes e os nossos três filhos acenando adeus do portão
de embarque. Na manhã do dia seguinte, mamãe faria uma biópsia no pulmão
para diagnosticar se tinha câncer ou não. Esperávamos de todo o coração que
o resultado fosse negativo.
Com apenas 59 anos, mamãe era vibrante e ativa e desfrutava de cada dia
em seu rancho no leste do Texas. Poucos dias antes, ela
terminara de plantar seu jardim e de podar as amadas pereiras no quintal.
Ela gostava de passar tempo com os parentes, viajar e cozinhar para a família
e os amigos. Mas uma tosse persistente sugara sua energia por meses e causara
infecções respiratórias. Depois de tentar inúmeras medicações, o especialista
achou que deveriam fazer uma biópsia para descartar o câncer.
“Ore para que o que quer que seja, Deus me cure”, pedira mamãe ao
telefone no dia anterior.
“Com certeza, mamãe, temos orado por você todos os dias.
Vamos nos ver assim que o avião pousar em Love Field e eu chegar ao
hospital.”
Mais tarde, naquele dia, o meu avião tomou altura e vi o mais brilhante pôr
do sol estendido no horizonte de Oklahoma. Vívidas faixas de roxo, vermelho
e dourado misturavam-se ao límpido azul do céu e a cascatas de nuvens
brancas. Parecia que o Senhor tinha guardado a melhor parte de suas
pinceladas criativas para o final desse dia. Olhei pela janela enquanto pedia a
Deus para dar sabedoria aos médicos e para curar mamãe. Quando terminei a
minha ladainha de pedidos e sentei em silêncio, ouvi o Espírito dizer: É
o pôr do sol da vida da sua mãe. Esteja ao lado dela. Não continue
negando.
Naturalmente, quero estar presente para ela. Mamãe sempre esteve
presente para mim, respondi em silêncio, enquanto a minha mente retornava
àqueles tempos. Cada aniversário, cada doença, depois da escola… Mamãe
estava lá. Levando-nos à igreja, sorrindo da plateia em cada show de talentos,
desfile e formatura. Ela estivera lá para organizar o meu casamento e me
ajudar depois do nascimento de cada um dos meus bebês. É claro que quero
estar presente para mamãe. Mas “pôr do sol” certamente é uma referência a
seus últimos anos de vida, Senhor. Não, ela está no pôr do sol de sua vida
agora.
Não era isso o que eu esperava ouvir depois de orar por mamãe na noite da
véspera da cirurgia. Eu pensava que ela certamente poderia se recuperar dessa
enfermidade. O Senhor podia fazer isso!
Curar mamãe não seria um problema para o Senhor. E há tantas coisas
que ela quer fazer na terra antes de ir para casa. Assim como fizeste a
Ezequias, não poderias dar mais alguns anos a ela? E, por favor, peço-te
que a ajudes a se recuperar rapidamente desta cirurgia.
Sei que você quer que a sua mãe fique bem, mas tenho uma tarefa de
oração diferente para você, senti o Senhor sussurrar. Quero que você ore pela
reconciliação entre a sua irmã Marta e a sua mãe antes de ela ir para o céu.
Antes de ela ir para o céu? Engoli em seco. Isso parecia muito iminente e
final. O meu coração afundou e lágrimas rolaram pelo rosto, pois eu nem
conseguia imaginar a possibilidade de viver sem mamãe. Desde que o meu pai
morrera aos 47 anos de idade, mamãe expressava tanto amor maternal como
paternal por todos nós. Ela era a matriarca do nosso grande clã Heath, o eixo
da nossa família, quem reunia os seis filhos, seus cônjuges e vinte netos para
grandes almoços ao ar livre e feriados em seu rancho no Texas. Ela também
era a minha irmã em Cristo e a minha grande amiga.
Mas as instruções foram claras. De alguma forma, eu deveria mudar o foco
da oração: em vez da cura de um corpo, agora o foco era a cura de um
relacionamento.
Reconciliação. Isso, sim, seria um milagre. Embora amassem uma à outra,
Marta e mamãe mantinham um relacionamento tumultuoso desde que consigo
me lembrar. Sempre que estavam juntas, elas pareciam magoar uma à outra, e
Marta não conseguia superar os danos do passado e toda censura que sentira
receber de mamãe.
Senhor, obrigada por me guiares a orar pela reconciliação porque deve
ser o teu plano, mas isso é realmente difícil. Ajuda-me a entregar mamãe a ti
e manter os meus olhos em ti, confiando que agirás e trarás perdão a ambos
os corações.
Na manhã seguinte à cirurgia, recebemos o veredito: um câncer
extremamente violento se espalhara de algum órgão e agora estava afetando os
pulmões. No corredor do lado de fora do quarto, o médico nos deu a
informação como uma sentença de morte. Mas a pior notícia era que ela teria
de um a seis meses de vida.
“Ela não pode fazer quimioterapia? Radiação? Certamente há algo que pode
ser feito para parar o crescimento do câncer”, questionamos. “Neste ponto,
simplesmente não irá ajudar. Se tivéssemos descoberto nos estágios iniciais,
seria diferente, mas é tarde demais. Podemos tentar alguns tratamentos com
radiação para diminuir o crescimento antes que se espalhe para o cérebro, mas
não sou otimista quanto ao resultado”, respondeu o médico.
Tarde demais? Nunca é tarde demais para Deus. Reunimo-nos como
família e dobramos as nossas orações por mamãe. A igreja dela e outras
igrejas oraram. O pastor dela foi ao hospital e orou por ela muitas vezes.
Inúmeros amigos foram visitá-la e disseram: “Fique boa logo!”, unindo suas
orações ao grande número de intercessões que subiam ao céu em favor de
mamãe. Deus ouvia o nome dela repetidamente.
E todos os dias eu continuava orando pela reconciliação entre Marta e
mamãe.
“Senhor, enche-as de perdão”, eu orava. “Derruba as barreiras e amolece o
coração de cada uma delas. Restaura o relacionamento delas e leva-as à
reconciliação.”
As minhas esperanças aumentaram quando soube que Marta estava vindo à
cidade para ver mamãe novamente. Quando a vi caminhando pelo corredor
dirigindo-se ao quarto de mamãe no hospital alguns dias mais tarde, pensei:
Este é o dia. Mas, quando ela partiu de volta a Houston vinte e quatro horas
depois, não havia sinal de paz entre essas duas pessoas de gênio forte que eu
tanto amava. O meu coração se condoeu.
Naquele momento, confessei: “Senhor, sabes que estou desanimada. Dá-me
fé para continuar orando e crendo que tu podes fazer isto”.
A segunda visita de Marta, quando todos nos reunimos no feriado de Quatro
de Julho no rancho, não foi melhor. Com irmãs, irmãos, cônjuges e primos por
todos os lados, elas quase não tiveram tempo sozinhas para conversar. No
final do feriado, aquele grande rancor não havia se movido nenhum centímetro.
E, apesar dos tratamentos de radiação no Hospital Baylor, um tratamento
alternativo em outro estado e superdoses de vitaminas, a saúde de mamãe
decaiu rápida e constantemente. No início de setembro, apenas quatro meses
depois do diagnóstico, o médico nos informou que ela tinha apenas poucas
semanas de vida. O tempo estava se esgotando.
Oh, há tantas coisas por trás da cena que nós, que vemos através de um
vidro escuro, não percebemos. O que eu não sabia é que, antes de Marta voltar
para Dallas da última vez, Deus estivera trabalhando no seu coração. Há um
longo tempo ela estava consciente de quanta amargura nutria em relação a
mamãe. Mas ela não iria — ou não conseguia — fazer nada a respeito. Marta
ressentia-se da “religiosidade” de mamãe, como ela chamava, e achava que
era mamãe quem deveria finalmente lhe dizer: “Ok, falhei com você naquela
área”, mas o pedido de desculpas nunca veio. Mamãe achava que sua segunda
filha era cabeça-dura, e Marta sentia ser constantemente criticada em vez de
apoiada.
Ao mesmo tempo, Marta não tinha sucesso em permanecer sóbria. Ela bebia
de forma séria e contumaz e estava lenta e certamente morrendo de alcoolismo
da mesma forma que o nosso tio morrera. Ela frequentara os Alcoólicos
Anônimos por vários anos, mas nunca conseguira dar os doze passos. Contudo,
recentemente, a palavra “perdão” parecia brotar em todo lugar aonde ia. Como
no dia em que a madrinha de Marta listara para ela o quinto passo: admitir a
Deus e a alguma outra pessoa a natureza exata de seus erros.
Quando a sessão terminara e ela estava saindo pela porta, a mulher falou
uma palavra: “Perdão, Marta, perdão”, quase implorando.
Então, enquanto Marta dirigia por centenas de quilômetros de sua casa até o
hospital pela última vez, ela foi com a intenção de finalmente descobrir um
caminho para o perdão. Ela desejava perdoar e sabia do que precisava para
fazer isso. Mas o que estava cada vez mais claro era que ela não tinha a
capacidade de perdoar.
“Do fundo do meu coração”, confidenciou ela a mim no corredor do lado de
fora do quarto de mamãe na noite em que ela chegou, “quero perdoá-la, mas
não consigo me livrar do veneno da amargura que carreguei por toda a vida.
Quanto mais tento, mais percebo que preciso de Deus para fazer isso. Não
preciso de uma pequena ajuda de Deus. Eu preciso que Deus me dê o perdão
que eu preciso dar à mamãe”.
Naquela mesma noite, mamãe entrou em coma, e agora a reconciliação
parecia ainda mais impossível. Eu sabia que, nas semanas anteriores, mamãe
tivera muitas conversas com Deus, arrependendo-se de muitas coisas, até
mesmo uma atitude ruim contra um vizinho difícil. Ela pedira perdão e
perdoara todas as pessoas que Deus lhe trouxera à mente, inclusive sua filha
Marta.
Mas agora que elas não podiam nem conversar, como Marta poderia fazer
as pazes com ela?
Por três noites seguidas, o médico nos disse: “Esta provavelmente será a
noite em que ela morrerá. Seus pulmões e seu coração simplesmente não têm
capacidade de continuar funcionando”. Mas de alguma forma ela se mantinha
viva. Enquanto mamãe resistia, crescia a expectativa de Marta de que de
alguma forma ela conseguiria aquele perdão antes de mamãe morrer.
Na vigília da terceira noite, as cinco irmãs estávamos ao redor da cama de
mamãe. Às 2 horas, todas nós, exceto Marta, havíamos pegado no sono,
exaustas pelas longas noites no hospital. Completamente desperta no quarto
escuro, ela se ajoelhou perto da cabeceira da cama de mamãe e segurou sua
mão. Marta tivera a ideia de deixar que Deus passasse com ela, por todas as
páginas de sua vida, cada uma das coisas que a aborrecera em mamãe, cada
punição injusta, cada erro cometido. Ela pediria a Deus para capacitá-la a
perdoar mamãe por uma a uma daquelas coisas porque sabia que com certeza
não podia fazer isso sozinha.
Então, ao se ajoelhar em um travesseiro no chão frio do hospital, segurando
o pulso de mamãe e sentindo seus batimentos enfraquecendo, Marta e o Senhor
juntos marcharam de volta àqueles momentos ruins, páginas e páginas das
vinhetas de sua vida. Aquela vez em que ela foi punida por não ter ido ao
piquenique escolar no domingo. As vezes em que apanhou e sentiu que não
merecia.
Todas as vezes em que não recebeu o amor que desejava.
Enquanto o Espírito trazia cada experiência dolorosa à tela de sua mente,
ela dizia: “Senhor, perdoa isso por mim”, e a memória seguinte e a próxima.
Ela continuou a pedir: “Deixa que o teu perdão flua em mim por isso”; desde
sua infância e adolescência, até aquele momento em que o pulso de mamãe
parou de bater, cada ferida foi perdoada. Enquanto a vida de Marta passava
diante de si, cada ressentimento contra mamãe fora liberado. Aquele nó no
meio de seu ser se fora e uma sensação de alívio a cobrira. Deus fizera por ela
o que ela não podia fazer por si mesma — perdoar.
Naquele exato momento de morte e libertação, enquanto o resto de nós
dormia, ela viu a indescritível presença de anjos ao redor da cama cuidando
carinhosamente de mamãe e acompanhando-a enquanto sua alma se elevava em
direção ao céu. Que grande presente foi esse!
Mas ainda maior do que ver anjos foi perceber que, com as correntes da
amargura quebradas, ela conquistou a habilidade de ver e se lembrar de todas
as coisas boas de sua infância, os momentos felizes com mamãe e papai, os
piqueniques no lago White Rock e os passeios em família para tomar sorvete.
Memórias maravilhosas inundaram sua mente com mamãe sentada em sua
máquina Singer de pedal, costurando belos vestidos para suas cinco filhinhas.
Ela se lembrou dela cozinhando grandes jantares e recordou até o gosto
delicioso de sua comida. Ela se lembrou de como a mãe saíra da lama da
pobreza da Grande Depressão e de sua dura criação em Houston com uma
determinação de Scarlett O’Hara [personagem principal do clássico filme E o
vento levou]. E, quando as escamas da falta de perdão caíram de seus olhos,
ela também foi capaz de ver a bondade e a fidelidade de Deus pela primeira
vez em anos.
Na manhã seguinte, quando o sol se ergueu, o Espírito de Deus falou ao meu
coração: “Ela combateu o bom combate, ela terminou a corrida […] agora o
prêmio a espera, a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, lhe dará
naquele dia” (v. 2Timóteo 4.7,8).
Mamãe estava em casa. Eu sempre sentiria falta dela, mas, em meio à minha
tristeza, saber que ela agora estava no céu vendo Jesus face a face como um
dia me dissera que iria estar, e saber que a minha irmã estava livre da
amargura, tudo isso trouxe muito conforto.
O perdão começou a remodelar a vida da minha irmã nos anos que se
seguiram e foi a porta para sua recuperação do alcoolismo.
Com exceção de um passo errado um ano depois, ela tem permanecido
sóbria um dia de cada vez, pela graça de Deus, por vinte anos.
No processo, ela estendeu a mão a um incrível número de mulheres presas
em seu próprio vício do álcool, suas próprias amarguras e dores. Ao
compartilhar sua experiência do poder e do perdão de Deus inúmeras vezes,
ela as ajuda a caminharem não apenas pelos doze passos da liberdade, mas
para os braços de Jesus.
Um novo encontro com Jesus
Ao ouvir a minha irmã compartilhar como Deus trouxe perdão na noite da
morte da nossa mãe, vi Jesus de uma forma completamente nova como
Reconciliador. Eu queria que ele curasse o exterior, mas ele conhecia as
necessidades maiores do coração.
Mamãe recebeu a cura completa no céu e Marta recebeu uma cura profunda
em sua alma. Ela enfrentou outras lutas, mas não estava mais presa pela falta
de perdão e pela amargura.
Tive um vislumbre de quão profundamente o Senhor se importa com os
nossos relacionamentos familiares na terra. O perdão de pecados realizado
por Jesus na cruz não apenas traz reconciliação entre nós e o Pai, mas também
nos reconcilia uns com os outros. “Pois ele é a nossa paz” (Efésios 2.14),
dizem as Escrituras, e ele rompe as barreiras da divisão, a barreira da
hostilidade que se ergue nos nossos relacionamentos mais difíceis. Seu perdão
proporciona um caminho para restaurar os dias que o gafanhoto comeu em
todos os mal-entendidos, fracassos e dores que nós, humanos, causamos uns
aos outros. Ele veio aproximar o coração dos filhos e dos pais e voltar o
coração das filhas para suas mães, veio para libertar os cativos da amargura e
do ressentimento para que todos sejam livres para amar como Deus nos ama.
Eis como podemos nos unir a ele em sua missão: Seja uma reconciliadora. A
palavra “reconciliação” significa restaurar a harmonia, a comunhão ou a
amizade. Como fi lhas de Deus, Jesus nos deu o ministério da reconciliação
(v. 2Coríntios 5.18), e a principal maneira de fazermos parte desse processo é
orar, abrindo caminho para que o poder de Deus venha e alcance todos os
relacionamentos. Você conhece alguém que tem um relacionamento rompido?
Alguém que precise de libertação da falta de perdão e da amargura? Peça para
Deus mostrar como ele quer que você ore e para ele dirigir os seus
pensamentos em direção a qualquer coisa que esteja causando o conflito.
Fique a sós com Deus com o objetivo de repassar as páginas da sua
história de vida. Ao passar tempo a sós com Deus, reflita sobre as
experiências dolorosas e sobre as pessoas que as causaram. Entregue-as uma a
uma a ele, pedindo que ele cure aquelas que estão além da sua capacidade de
consertar. Ao fazer isso, você pode clamar ao nosso Reconciliador para que a
conduza ao perdão e à restauração dos relacionamentos rompidos. Talvez,
assim como Marta, você tenha dado lugar ao ressentimento porque os outros
erraram com você. Talvez a sua mãe ou outra pessoa tenha magoado você ou
negligenciado suprir suas necessidades. Apegar-se à falta de perdão roubará a
sua paz, a sua alegria e, acima de tudo, a sua liberdade. Mas o perdão pode
transformar a sua vida da mesma forma que transformou a vida da minha irmã.
A raiz da palavra “perdão” é a palavra grega para “graça”, e graça é o que
Cristo nos oferece quando nos voltamos para ele e tomamos a decisão de
perdoar — graça misturada com amor, graça que traz restauração e integridade
à nossa vida.

1 Pope Paul VI. In: Draper, Edythe. Draper’s Book of Quotations for the Christian World.
Wheaton: Tyndale, 1992. #9438.
Capítulo 14
O PO D ER D A SUA PALAVR A
Quando Jesus profere uma palavra, ele abre
tanto sua boca que inclui todo o céu e a terra, mesmo
que essa palavra não passe de um sussurro.
MARTINHO LUTERO1

M
aria passou pela entrada das barracas do mercado que
reclamavam por suas moedas. Antigamente, os cheiros da agitada
cidade de Magdala a provocavam, mas agora a nauseavam. Ela se
apressava, esperando chegar em casa antes que…
Não! Ela não iria pensar nisso. Se ela se concentrasse nas tarefas do dia,
talvez os inimigos de sua mente lhe dessem uma folga. Entretanto, ontem
mesmo ela se encontrara mais uma vez nas trevas.
Maria fechou os olhos e tentou apagar da memória os olhares horrorizados
dos espectadores inocentes que olhavam para ela. Ela abriu caminho com mais
ímpeto, tentando chegar em casa antes que…
Casa! Maria apressou o passo quando viu a porta familiar. Ela praticamente
correu pela porta, mas parou no santuário sombrio.
Há muito tempo, ordenara aos servos que bloqueassem a luz indesejada. Ela
quase passou por cima de uma jovem serva que estava na entrada. A garota
olhou ansiosa para o rosto de Maria e abriu um sorriso quando viu os olhos de
sua senhora.
Sanidade, pensou Maria, franzindo o rosto. É isso o que ela esperava ver
no meu rosto. Nem os meus próprios servos sabem o que encontrarão de um
dia para o outro. Ela sabia que oscilava entre severos altos e baixos,
períodos em que era pega pelo pânico ou desespero, mas não tinha como
impedir o terrível tormento que afligia sua alma. Maria entregou as compras
para a jovem e foi para seu quarto. Deitou-se e puxou as cobertas luxuosas,
cobrindo todo o corpo. Talvez se conseguir dormir, eu seja poupada.
Lágrimas rolaram por seu rosto e ensoparam o lençol. As vozes indesejadas
penetraram seus pensamentos e ela se encolheu, indefesa contra a angústia que
vinha sobre ela como ondas poderosas.
“O que está acontecendo comigo?”, sussurrou Maria e então escorregou
para as trevas e o medo. Sentiu mãos agarrando-a e gritou de terror. Tentou
libertar-se, mas alguma coisa sufocante a estrangulava enquanto ela se
contorcia. Ajude-me, gritava ela em silêncio, articulando as palavras.
“Maria! Maria! Por favor, sou eu.” A voz gentil penetrou seu mundo de
trevas, e Maria arqueou-se para um lado e para o outro, debatendo-se e
esforçando-se com todo o seu ser para encontrar aquele lugar seguro de que
precisava desesperadamente. “Maria, você está enrolada em seus lençóis. Por
favor, para de lutar comigo.
Deixe-me ajudar você”, disse a voz.
Maria olhou para o rosto de sua amiga de longa data, Lídia. Ela estava
empoleirada à beira da cama e segurava as mãos de Maria contra o rosto. A
jovem serva estava atrás dela e tremia.
“Saia da cama”, disse Lídia. “O seu cabelo está todo bagunçado e você se
arranhou por completo. Menina, por favor, pare de lutar comigo e me deixe
ajudar você”, ordenou ela. A serva pegou um braço e Lídia o outro, e as duas
ajudaram Maria a sair da cama e a sentar em uma cadeira. A serva pegou uma
escova e começou a escovar os longos e desgrenhados cabelos de Maria.
Profundamente triste por ver os olhos brilhantes e as bochechas encovadas de
sua amiga que um dia fora atraente, Lídia derramou água em um pano limpo e
limpou os arranhões no rosto de Maria. “Você se machucou”, disse ela.
“Estava tendo um pesadelo?”, perguntou.
“Você sabe que não é um pesadelo”, disse Maria. Ela arrancou o pano e o
jogou no chão. “Estou fora de mim”, disse ela, envergonhada e escondendo o
rosto com as mãos. “Não sei o que fazer. Não posso continuar vivendo assim.”
“Ela não come há dias”, disse a jovem serva. Sua voz tremia de medo. “Eu
trago a comida, e ela a deixa ao lado da cama sem comer.
Não sabemos mais o que fazer. Por isso a chamei.”
Maria ergueu os olhos, surpresa com a coragem da jovem, e viu devoção
nos olhos da serva.
“Estou feliz que tenha me chamado. Precisamos levar Maria a um médico.
Ela está doente”, disse Lídia.
Maria empurrou gentilmente a amiga. “Não, Lídia. É mais do que isso.
Alguma coisa possuiu a minha mente. Às vezes, sinto como se alguma coisa —
ou alguém — estivesse me atormentando, tentando me destruir.” Maria segurou
a manga de Lídia. “Não suporto mais isso”, disse ela. “Não sei o que fazer.”
Lídia se sentou em silêncio, olhando fixamente para a amiga.
Maria sabia que ela estava chocada com sua aparência. Ela não suportava
mais olhar para sua imagem porque a mulher de olhos fundos e desolados era
muito diferente de quem costumava ser. Ela viu o desamparo nos olhos da
amiga.
“Posso dar uma sugestão?”, perguntou a jovem serva. “Ouvi falar de um
mestre que também cura as pessoas.” Ela sorriu e de repente a jovem pareceu
bonita. “Ele curou muitos”, ela continuou.
“Seus ensinos são profundos e os milagres, ainda maiores. Ele agitou os
religiosos da comunidade, que não sabem o que fazer com ele — ou com as
multidões que o seguem como um mestre. Ele ministra tanto a ricos como a
pobres. Ele cura os doentes e os coxos.”
Ela parou. “A boa notícia é que ouvi dizer que ele está em Cafarnaum, a
apenas 5 quilômetros daqui. Poderíamos chegar lá em uma hora se saíssemos
agora.”
Lídia zombou. “Um mestre religioso? A minha amiga precisa de um médico,
não de um santo viajante. Por favor. Aprecio o que você fez por Maria, mas
está indo além dos limites.”
A jovem serva sussurrou: “Há poucos dias Jesus curou uma mulher que
sofria como a minha senhora. Seu nome é Joana”.
“Joana, a esposa de Cuza?”, Maria perguntou. Ela ouvira rumores. Eles
diziam que ela era louca. Alguma coisa brilhou na alma de Maria. Ela enrolou
o xale ao redor do rosto para esconder os arranhados profundos. “Vamos
agora mesmo”, ela disse e logo saiu correndo do quarto.
Maria, Lídia e a serva dirigiram-se a Cafarnaum. Elas viajaram ao longo da
costa da Galileia, e Maria parava todos que encontrava para perguntar se
sabiam onde elas podiam achar o Mestre. Lídia implorara para que ela desse
meia-volta e voltasse para casa, mas não deixaria sua amiga para trás. De
repente, Maria parou e protegeu os olhos para olhar a distância. Uma multidão
estava reunida na margem. “Lá!”, disse ela. “Acho que é o Mestre. Preciso ir
até ele.”
Ela agarrou a mão de Lídia e saiu correndo.
Um homem estava no convés de um pequeno barco de pesca com 12 homens
ao redor enquanto ele ensinava. “Sinto muito”, disse o homem. “Preciso ir,
mas volto amanhã.” Ele sorriu para a multidão na margem, e eles começaram a
rir. Não muito longe, três homens fariseus estavam de pé, com o rosto franzido
de desaprovação, perdidos na multidão desordenada.
“Espere”, Maria gritou. Ela abriu caminho entre homens e mulheres,
tentando chegar até o Mestre. Lídia agarrou-se ao manto de Maria, mas Maria
se livrou da mão da amiga e correu. “Por favor, espere por mim”, disse ela.
Cercado por seus seguidores, o Mestre se virou e olhou para sua alma.
Maria cambaleou quando as trevas tentaram jogá-la ao chão. O pânico tomou
seu coração. Ela precisava ir agora. Por que fora tão tola para pensar que um
simples mestre poderia ajudá-la?
Ela se virou e tropeçou enquanto as pessoas iam embora.
A serva correu para seu lado e colocou os braços ao redor de sua cintura.
“Vou ajudar você a abrir caminho até o Mestre”, disse ela. “Por favor, não
desista.” A menina agitou os braços no ar.
“Jesus, a minha senhora precisa de um milagre!” Maria cambaleava sob o
peso da insanidade que ameaçava envolvê-la. Então ela ouviu a voz.
O manto do Mestre estava úmido onde ele descera na praia.
“Deixe-a”, disse ele calmamente. “Vocês não têm autoridade.”
Maria fechou os olhos, mergulhando na escuridão. “Deixem-na! Voltem para
onde vieram, espíritos vis do abismo”, disse novamente o Mestre, tocando-a.
Por sete vezes, ela sentiu a luz cortante enquanto o poder de suas palavras
repreendia os demônios atormentadores. Em seguida, a paz cobriu seu corpo e
sua mente, assim como a água que ia e vinha na areia sob seus pés.
Maria abriu os olhos, e a luz dourada do sol revelou o Mestre sorrindo para
ela. “Você está curada, minha irmã”, disse ele. A sanidade retornou e a cor
rosada voltou a suas bochechas enquanto ela era restaurada.2 Maria caiu de
joelhos na areia e chorou de alegria.
*****
Agora, meses já haviam se passado. A casa de Maria estava aberta, e a luz
banhava cada cômodo. Nas semanas após seu miraculoso encontro com Jesus,
ela se sentara a seus pés. Ela descobrira que o Mestre era o tão esperado
Messias e passou a segui-lo alegremente de cidade em cidade. Ela e outras
mulheres de posses, como Joana e Suzana, repartiam dinheiro e gastavam seu
tempo ministrando a ele e a seus discípulos. A hostilidade contra Jesus
aumentara e por fim os líderes religiosos prenderam seu amigo querido.
Ela estivera no Pretório quando os impiedosos fariseus exigiram o sangue
do Salvador que era tão precioso para ela. Ela ouvira, muito triste, quando
Pilatos lera a sentença de morte. Ela chorou amargamente enquanto Jesus era
arrastado do palácio, cuspido e maltratado pela multidão.3
E agora ela se ajoelhava sob a rude cruz. “Jesus”, sussurrou, quebrantada
demais para olhar para o Messias. O sangue pingava aos pés dela. A maioria
dos discípulos o abandonara, desaparecendo na noite para se salvarem; os
soldados romanos estavam próximos, com as espadas prontas para matar
qualquer um que tentasse ajudar Jesus. Maria sabia que sua lealdade ao
Mestre
poderia custar-lhe tudo — sua reputação e sua própria vida —, mas não se
importava.
Em sua hora mais escura, Jesus lhe dera vida. Portanto, na hora mais escura
dele, ela permaneceria ao pé da cruz cruel, não importava o custo.
“Amo você, Jesus”, sussurrou ela, o coração despedaçado de amor por
Aquele que a libertara.
No terceiro dia depois da morte de Jesus, Maria Madalena foi a primeira a
chegar ao túmulo no jardim onde o corpo de Jesus fora colocado depois que
ela, José e Nicodemos o haviam preparado para o sepultamento. Quando o
primeiro raio da manhã rompeu, ela cautelosamente olhou para dentro do
túmulo. Dois anjos vestidos de branco estavam sentados onde o corpo de
Jesus fora colocado.
“Mulher, por que você chora?”, perguntaram os anjos a Maria.
Tremendo, ela respondeu: “Eles levaram o meu Mestre e não sei onde o
colocaram”. Então ela se virou e viu Jesus de pé, mas não o reconheceu.
Jesus lhe disse: “Mulher, por que está chorando? Por quem você está
procurando?”.
Pensando que ele era apenas o jardineiro, ela disse: “Senhor, se o levou,
diga-me onde o colocou para que eu possa levá-lo e cuidar dele”.
“Maria”, disse Jesus.
O som gentil e familiar de sua voz tocou-lhe o coração, e ela se virou para
ele e disse em hebraico: “Raboni!”, que quer dizer “Mestre!”.
“Não me detenha, pois ainda não subi para o Pai. Vá aos meus irmãos e lhes
diga: ‘Vou subir ao meu Pai e seu Pai, ao meu Deus e seu Deus’.”
Maria Madalena saiu correndo do túmulo, contando a notícia a todos os
discípulos que encontrou: “Eu vi o Senhor! Eu vi o Senhor!”, e compartilhou
tudo o que ele lhe dissera.4

Um novo encontro com Jesus


Muitas pessoas no mundo de hoje, assim como Maria Madalena, estão
atormentadas — e sejam demônios ou não, Jesus pode mudar a vida delas para
sempre. Não podemos dizer à pessoa deprimida ou desesperada simplesmente
“Controle-se”, “Anime-se; as coisas vão melhorar”, ou “Melhore de atitude e
decida ser feliz”, assim como a serva e a amiga de Maria não poderiam dizer
a ela para escapar das trevas da maldição insana e esperar que ela
conseguisse fazer isso sozinha.
Maria não tinha poder contra os espíritos atormentadores que a afligiam e
precisava de um salvador e libertador cujo poder fosse maior que o do
inimigo. A Bíblia não nos diz se Maria herdou geneticamente uma doença
mental, se um acontecimento dramático o precipitou ou se ela sofria de um
desequilíbrio químico, mas sabemos que, com poucas palavras de Jesus,
Maria foi libertada para sempre amar e servir ao Messias. A cura de Maria
não veio por autoanálise; veio de um encontro com o Senhor vivo. E ele está
disponível e é poderoso para derrotar os poderes das trevas na nossa vida
hoje se simplesmente formos a ele e nos submetermos à sua autoridade.
Quando você estiver deprimida ou oprimida, permita que as palavras de
Jesus nutram e curem a sua alma. Convide seu Espírito para ajudar você em
sua fraqueza e para mostrar pelo que orar, uma vez que o próprio Espírito
intercede por você com gemidos que
as palavras não podem expressar (v. Romanos 8.26). Não espere até sentir
vontade de pedir ajuda aos outros — busque outros cristãos para adoração,
comunhão e auxílio em tempo de necessidade.
Ao mesmo tempo, não despreze o valor do cuidado médico e/ou
aconselhamento psicológico além das soluções espirituais. Deus usa as
pessoas em diferentes profissões, bem como na igreja, para trazer alívio e
cura.
Passe tempo com Jesus. “Maria Madalena teve o impagável privilégio de
fazer parte da equipe que viajava com Jesus”, diz Vickey Banks em Sharing
His Secrets [Compartilhando seus segredos].
Maria não experimentou apenas um encontro poderoso com Cristo; ela
recebeu libertação e cura e, então, correu em busca de sua própria felicidade.
Ela estava disposta a perder a vida por Aquele que lhe dera vida. E ela deu a
Jesus “seu tempo, seu dinheiro e sua resoluta devoção. E tudo isso aconteceu
durante as viagens diárias juntos”.
Da mesma forma, leva tempo para desenvolver um relacionamento próximo
com Jesus, para realmente conhecê-lo, não apenas saber sobre ele. Leva tempo
para silenciar outras vozes e ruídos que clamam pela nossa atenção e aprender
a ouvir sua voz, de modo que ela se torne familiar para nós, em vez de apenas
ouvirmos o que outras pessoas dizem sobre ele. Tantas vezes oramos e
fazemos pedidos fervorosos a ele e depois corremos para cuidar da nossa lista
de afazeres do dia em vez de esperar em Deus. Mas, como diz Banks, “Leva
tempo. A intimidade com Deus acontece como resultado de diariamente
decidirmos caminhar e falar com ele”.5 Descobri que o nosso tempo e a nossa
devoção sempre valem a pena,
como afirmam as Escrituras: “Pois quem quiser salvar a sua vida, a
perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará” (Mateus
16.25). “Os necessitados o verão e se alegrarão; a vocês que buscam a Deus,
vida ao seu coração! O Senhor ouve o pobre e não despreza o seu povo
aprisionado” (Salmos 69.32,33).

1 Luther, Martin. In: Draper, Edythe. Draper’s Book of Quotations for the Christian World.
Wheaton: Tyndale, 1992. #6493.
2 Lockyer, Herbert. All the Women of the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1961. p. 101.
3 Idem, p. 101,102.
4 Adaptado de João 20.11-18.
5 Banks, Vickey. Sharing His Secrets: Intimate Insights from the Women Who Knew Jesus.
Sisters, OR: Multnomah, 2001. p. 182,183.
Capítulo 15
O MI LAG R E D E SUA PR ESEN Ç A
O objetivo de Deus é o processo — que eu o veja caminhando
sobre as ondas, sem nenhum porto à vista, sem nenhum
sucesso, sem nenhum objetivo; apenas a absoluta certeza
de que tudo está bem porque o vejo andando sobre o mar.
É o processo, não o fim, que está glorificando a Deus.
OSWALD CHAMBERS

E
sta noite, um grande grupo de jovens holandeses será colocado em
" um trem e mandado embora”, Corrie ten Boom ouviu alguém dizer
na fi la da sopa.
“Talvez eles sejam enviados para uma fábrica, outro campo de concentração
ou talvez para a morte”, outra mulher sussurrou.
Enquanto Corrie orava pelos meninos e meninas, Deus lhe mostrou o que
fazer.
Naquela noite, ela rastejou pela janela do banheiro e se escondeu nas
sombras onde pensava que os prisioneiros poderiam passar. Estava tudo
silencioso, exceto pelo som das botas dos guardas no cascalho que se
aproximavam. Ela ouviu gemidos vindos dos barracões enquanto os holofotes
das torres varriam o pátio da prisão. Mesmo sabendo que apanharia até perder
os sentidos ou até a morte se fosse descoberta pelos guardas, ela não recuou.
Ajoelhou-se no escuro e pediu que Deus lhe desse uma palavra individual
para cada pessoa que estava sendo transportada.
Então, Corrie sussurrava uma mensagem pessoal para cada um dos 250
jovens que passaram por ela no escuro: “Jesus é Vencedor”.
“Não tema, apenas creia”.
“Sob você, estão braços eternos”.
Depois da guerra, um daqueles jovens lhe disse que todos aqueles
transportados naquela noite sobreviveram, exceto um,1 e que Deus usara
poderosamente as palavras de Corrie para lhes trazer paz não apenas naquela
noite, mas nos desafios, bombardeios e perigos que eles mais tarde
enfrentaram.
Esse estilo de vida de falar e ouvir Jesus era uma parte vital da preparação
de Corrie para o sofrimento que ela enfrentaria em Ravensbruck, chamado de
o “Campo de Concentração Sem Retorno”
quando ela e sua irmã, Betsie, foram aprisionadas pelos nazistas por
esconder e ajudar judeus.
Na prisão, a oração era seu salva-vidas e, vez após outra, ouvir a voz de
seu Senhor literalmente trouxe vida a Corrie, à sua irmã Betsie e a muitas
outras mulheres. Uma dessas vezes foi quando elas chegaram ao campo de
concentração de Ravensbruck. Os prisioneiros entregavam todos os seus bens
e tinham de caminhar nus para os chuveiros antes de receberem roupas da
prisão. Entregar as roupas já era duro o suficiente, mas Corrie sabia que não
poderia viver sem sua Bíblia. Ao pedir ao Senhor que lhe desse coragem, ele
lhe deu a ideia de enrolar sua pequena Bíblia na roupa de baixo de lã e
escondê-la em um canto do banheiro infestado de insetos. Depois do banho,
ela enfiou a Bíblia e as roupas de baixo por baixo do vestido da prisão.
Poucos momentos depois, ela passou pela estação de inspeção, mas não foi
barrada. Cada prisioneiro na frente e atrás dela foi revistado, inclusive sua
irmã, mas Corrie passou sem ser tocada, e sua Bíblia não foi descoberta pelos
guardas.
Diariamente as mulheres enfrentavam sofrimentos, tormentos e crueldade.
Mas aquela pequena Bíblia levou vida a centenas nos barracões de
Ravensbruck quando Corrie e Betsie liam a Palavra de Deus duas vezes por
dia em voz alta. Corrie já estava na casa dos 50 anos e Betsie era vários anos
mais velha quando as duas entraram no campo de concentração e elas
suportaram várias atrocidades, assim como todos em Ravensbruck. Elas
ficavam do lado de fora no ar congelante, sem casaco ou capa, antes do raiar
do dia para a chamada todos os dias. Elas realizavam um trabalho exaustivo e
não tinham nada próprio — exceto a amada Bíblia.
Todavia, ao ensinar as mulheres e encorajá-las por meio de estudos bíblicos
e cultos, muitas delas alcançaram um relacionamento pessoal com Cristo.
Embora vivessem perto da morte, o rio da vida fluía por meio delas.
“Eram cultos como nenhum outro […] no Barracão 28”, escreveu Corrie em
Refúgio secreto. Por causa da quantidade desmedida de pulgas, os guardas
não entravam nos barracões.

Um único culto noturno podia incluir um recital do Magnificat em latim por um


grupo de católicas romanas, um hino sussurrado por algumas luteranas e um
cântico entoado em voz baixa por mulheres ortodoxas. A cada momento, a
multidão ao redor aumentava, amontoando-se nas plataformas próximas,
pendurando-se sobre as beiradas até que a estrutura rangia e sacudia.
Por último, eu ou Betsie abriríamos a Bíblia. Como somente as holandesas
podiam entender o texto em holandês, nós traduzíamos em voz alta para o
alemão. E então ouvíamos as palavras de vida repassadas pelos corredores em
francês, polonês, russo, tcheco e novamente em holandês. Eram pequenas
prévias do céu, essas noites sob a luz da lâmpada […]. E eu saberia mais uma vez
que nas trevas a verdade de Deus brilha mais claramente.2

Com o passar do tempo, Betsie ficou cada vez mais fraca até cair muito
doente. Certa manhã, ela e Corrie caminhavam pelo pátio da prisão para orar
às 4h30 da manhã como faziam com frequência antes da chamada. O cheiro de
morte ardia nas narinas.
Trevas e desespero pairavam como um manto sobre o campo.
Ambas estavam enfraquecidas pela desnutrição e doença, e elas não
ficavam isentas do desânimo. Como seguirei em frente sem a minha irmã e a
sabedoria que ela compartilha comigo?, Corrie pensava enquanto apertava
os braços ao redor de Betsie. E, quanto ao sonho de Betsie de construir uma
casa na Holanda onde as pessoas poderão reconstruir a vida depois dos
campos de concentração e sua visão das nossas viagens pelo mundo para
contar às pessoas o que Deus nos ensinou na prisão? Será que sairemos
desse horror e voltaremos à Holanda?
Enquanto caminhavam no frio, elas sentiram a presença de Jesus como se
ele estivesse ali e lhes falasse em voz alta. Betsie dizia alguma coisa, depois
Corrie dizia alguma coisa e então o Senhor
dizia alguma coisa — e as duas irmãs ouviam o que ele dizia. Foi um
milagre maravilhoso e inexplicável.3
Ouvir o Senhor falar dessa forma deu a Corrie uma nova visão de Jesus que
a fez erguer os olhos do sofrimento e dos horrores de Ravensbruck para a
glória do céu e a nossa esperança eterna: “Vimos então que, mesmo que tudo
fosse terrível, podíamos descansar no fato de que Deus não tinha problemas,
somente planos.
Nunca há pânico no céu! Você somente pode se agarrar a essa realidade
pela fé, porque parecia então, e muitas vezes parece agora, que o Diabo é o
vencedor. Mas Deus é fiel, e seus planos nunca falham!
Ele conhece o futuro. Ele conhece o caminho”.4
Nada mudara nas circunstâncias das duas irmãs. Tudo era tão terrível que
Corrie pensava que não seria possível ficar ainda pior. Elas ainda eram
prisioneiras de pessoas treinadas em crueldade e não viam nenhum sinal
exterior de esperança naquele lugar desesperador. Entretanto, as duas
experimentaram uma profunda paz quando Jesus falou com elas. Cantando em
voz baixa hinos de louvor, as irmãs voltaram ao barracão para fortalecer e
confortar as mulheres com o conforto que haviam recebido.
Em pouco tempo, as pernas de Betsy ficaram paralisadas e seu corpo ficou
tão fraco que Corrie precisou levá-la à enfermaria. Depois de apenas dois
dias ali, ela morreu, e seu corpo foi descartado com centenas de outros
corpos.
Em uma surpreendente reviravolta nos acontecimentos, apenas poucos dias
depois da morte de Betsie, no ano-novo de 1945, Corrie foi libertada de
Ravensbruck. Ela descobriu depois que Deus usou um erro nos registros da
prisão para libertá-la e, no final da semana, em que ela foi libertada foi dada
uma ordem para que todas as mulheres de sua idade e mais velhas fossem
mortas.5
Corrie estava fraca, suja e faminta, entretanto no trem de volta à Holanda,
depois de ser libertada, ela fez um voto a Deus de que “levaria a mensagem de
seu amor onde quer que ele quisesse que ela fosse”.6 Ela envelhecera e sua
saúde estava fraca pela devastação do campo de concentração, mas seu
espírito estava fortalecido e ela se entregou novamente a Jesus para ir onde
quer que ele a dirigisse e para fazer o que quer que ele desejasse.
Por mais de trinta anos depois da Segunda Guerra Mundial, Corrie foi uma
“andarilha pelo Senhor” em mais de 60 países e em todos os continentes. Ela
ouviu o chamamento de Deus e, então, não importava se sua ordem fosse ir
para a África, América do Sul ou Ásia, ela obedecia e falava às pessoas em
igrejas, prisões, hospitais e faculdades. Acreditava de todo o coração em
Jeremias 33.3, que ela chamava de “número de telefone particular de Deus”,
que diz: “Clame a mim e eu responderei e direi a vocês coisas grandiosas e
insondáveis que você não conhece”. Deus falou; Corrie ouviu. Por isso,
milhares ouviram a mensagem do amor e do perdão de Deus por meio de
reuniões, um filme, livros e transmissões de rádio e televisão.

Um novo encontro com Jesus


Ver Jesus é vital para o cristão, acreditava Corrie ten Boom, porque “não
estamos prontos para a batalha até termos visto o Senhor, pois Jesus é a
resposta para todos os problemas”.7 Ela encarara a morte no campo de
concentração nazista. Ela vira o inimigo bem de perto.

Eu vi a mim e vi o Diabo, e o Diabo era muito mais forte do que eu. Mas
também vi Jesus, e Jesus era muito mais forte que o Maligno. Porque eu estava
do lado de Jesus, eu era mais do que vencedora! Nunca devemos nos esquecer
de que Jesus é sempre vencedor e de que apenas precisamos ter um
relacionamento correto com ele; então sua vida vitoriosa flui em nós e toca os
outros. A nossa expectativa nunca é frustrada no Senhor. Aleluia, que grande é o
nosso Salvador!8

Que situação torna difícil para você ser vencedora? Você está em um
relacionamento correto com Jesus para que a sua vida vitoriosa possa fluir por
meio de você e tocar os outros?
Tenha a perspectiva de Deus. Mais do que tudo, a vida de Corrie ten Boom
nos faz lembrar como é vital ver as coisas da perspectiva de Deus. Se
olharmos apenas os problemas e tragédias, afundamos no desespero. Mas, se
olharmos para o Senhor e adquirirmos sua perspectiva, isso fará toda a
diferença.9 Corrie não dizia isso da boca para fora, pois ela passara por
dificuldades maiores do que podemos imaginar. Entretanto, nenhum dos
desafios manchou a visão clara que ela nutria da completa fidelidade de Deus,
de sua misericórdia e, especialmente, dele como seu refúgio secreto nos
melhores e piores momentos.
Como mantemos esse tipo de foco quando tudo parece fora de controle? Da
mesma forma que Corrie fez, escondendo no nosso coração as palavras das
Escrituras, tais como 2Coríntios 4.17,18, que diz: “os nossos sofrimentos
leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa
mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas
no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno”.
Peça ao Senhor uma palavra da Bíblia, tanto para você como para
encorajar outras pessoas. Talvez você sinta como se fossem sempre os outros
dizendo: “Deus falou comigo” ou “Deus me revelou esta grande ideia”. Jesus
disse que suas ovelhas ouviriam sua voz, fossem elas uma mulher holandesa
em um campo de concentração ou você e eu. Que convite maravilhoso
recebemos! O Senhor dos céus e da terra quer falar conosco e direcionar a
nossa vida. E, quando você o buscar, ele dará uma palavra de encorajamento
para um amigo, filho ou alguém que você encontre na rua.
Como ouvimos a voz de Deus em meio ao ambiente barulhento da terra? F.
B. Meyer sugeriu: “Fique em silêncio por um tempo curto, sentado diante de
Deus em meditação, e peça para o Espírito Santo revelar a verdade da
habitação de Cristo. Peça para Deus se agradar de revelar a você quais são as
riquezas da glória de seu mistério (v. Colossenses 1.27)”.10 Se conseguirmos
estabelecer um tempo para nos aquietarmos como parte do nosso estilo de
vida, então, quando surgir uma dificuldade em que realmente precisarmos
ouvir algo de Deus, estaremos sintonizadas com ele.
Deus está pronto, esperando para se revelar a você. Todo o céu está
esperando ansiosamente para que você peça uma nova visão de Jesus que
mudará a sua vida. Tudo o que você precisa fazer é acordar de manhã e dizer:
“Hoje quero te ver mais claramente.
Quero te conhecer mais”.
Se você pedir um novo encontro todos os dias, Deus se revelará nas coisas
corriqueiras da vida — por meio de sua Palavra e por meio de pessoas que
encontramos que apontam para ele, por seus sussurros e por sua criação, por
um sonho sobrenatural e pelo mais humilde dos serviços, por experiências
extraordinárias e pelos vales e desafios mais profundos. De fato, muitas vezes
é na necessidade extrema e na lama da vida que enxergamos melhor Deus. Nos
lugares mais escuros, sua luz brilha mais. E ele não faz distinção de pessoas
— o que ele fez por todas as pessoas em seu livro, ele fará por você.

1 Carlson, Carole C. Corrie ten Boom: Her Life, Her Faith. Old Tappan, NJ: Revell, 1983.
p. 116-121.
2 Boom, Corrie ten. The Hiding Place. New York: Bantam, 1971. p. 201. [O
refúgio secreto. Belo Horizonte: Betânia, 2000.]
3 Boom, Corrie ten. Reflections of His Glory. Grand Rapids: Zondervan, 1999. p. 92.
4 Idem, p. 92.
5 Boom, Corrie ten. Reflections of His Glory. Grand Rapids: Zondervan, 1999. p. 11.
6 Carlson, Carole C. Corrie ten Boom: Her Life, Her Faith. Old Tappan, NJ: Revell, 1983.
p. 121.
7 Boom, Corrie ten. Reflections of His Glory. Grand Rapids: Zondervan, 1999. p. 92.
8 Boom, Corrie ten. Reflections of His Glory. Grand Rapids: Zondervan, 1999. p. 100,101.
9 Idem, p. 91,92.
10 Meyer, F. B. The Secret Guidance. Chicago: Moody, 1997. p. 43.

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