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Bruno Martins
Geógrafo.UniversidadePortucalense,Porto 69
geogbruno@gmail.com
Fernando Rebelo
Professor Catedrático. Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
fsrebelo@ci.uc.pt
RESUMO
Palavras chave: Cabo Verde, São Vicente, Santo Antão, erosão, desertificação.
RÉSUMÉ
Ladésertificationestunequestioncomplexe,résultantdel’interactionentreenvironnementetactionhumaine.
Elleestdelocalisationetsolutiondifficile.Lesécosystèmessecssontparticulièrementvulnérablessousquelque
actuation de l’homme. Donc, une occupation du sol doit être bien étudiée et adaptée aux conditions spécifiques
de l’encadrement géographique. Aux îles du Cap Vert, en particulier São Vicente et Santo Antão, les indices de
pertedecapacitéproductivedessolssonttrèsvariés.L’agriculture,soitdejachère,soitd’irrigation,estconfrontée
avec des problèmes spécifiques de productivité, rapportés à la vulnérabilité des aires où elle s’insère et du
système productif. Dans cet article sont analysés quelques-uns de ces problèmes, aussi bien que quelques
solutionsayantcommefinalitélamitigationdurisquedepertecontinuéedeproductivitédusoletdedésertification.
ABSTRACT
Desertification is a complex process resulting from the interaction between environment and human action. It
isdifficultitsterritorialdefiningandsolutionaswell.Dryecosystemsareparticularlyvulnerabletoanyaction.
They require a studied land occupation adapted to the specific conditions of the geographical framework in
which they operate. In Cape Verde, and particularly in São Vicente and Santo Antão islands there are several
indications of loss of productive capacity of the soil. The dry and irrigated farming faces specific problems of
productivity,ontheintrinsicvulnerabilityoftheareaswheretheyoperateandofitsproductivesystem.Thisarticle
analyses some of these problems and some solutions in order to mitigate the risk of continuous loss of soil
productivityanddesertification.
Key words: Cape Verde, São Vicente, Santo Antão, erosion, desertification.
*
Comunicação apresentada ao V Encontro Nacional e I Congresso Internacional de Riscos.
RISCOS - Associação Portuguesa de Riscos, Prevenção e Segurança
Introdução
induzido por modos de vida baseados na agricultura vertente é entendida como uma ruptura no equilíbrio
e/ou na pecuária, mas também com ligações possíveis geobiofísico, que irá necessariamente influenciar a
ao crescimento urbano, com consequências produtividade e exigir estratégias de correcção.
ambientais e sociais importantes. O processo é Os métodos de avaliação da perda de
observável através do aparecimento de uma paisagem capacidade do solo e dos níveis de desertificação
de grande aridez, semelhante mesmo a um deserto, são muitos e adoptam diferentes metodologias. São
em áreas anteriormente verdes (A. WARREN e J. MAIZELS, influenciadospelopróprioconceitodedesertificação, 71
1992). As áreas desertificadas resultam de processos mas, geralmente, incluem as ravinas nos estádios mais
físicosduradouros,dedifícilrecuperação,taiscomo, avançados de desertificação (QUADRO I). Nos estádios
em áreas de sequeiro, a erosão dos solos, a primitivosdedesertificação,ossinaissãomaissubtis
degradação do coberto vegetal e dos recursos emaisfáceisdecorrigir.
vegetais, a invasão de areias e a formação de dunas, Os métodos de avaliação incluem, por um lado,
ou, em áreas de regadio, o alagamento e a salinização. sinais indicadores de ruptura do equilíbrio do
As situações de crise resultam de alguns anos de ecossistema e, por outro lado, balizadores dos níveis
seca consecutivos. Os danos causados pelas secas de severidade e recuperação.
são geralmente resolvidos com intervenções paliativas No entanto, mesmo os sinais que sugerem risco de
de curto prazo, ainda que se torne necessário repeti- desertificação, como a formação de ravinas, podem
las periodicamente ao longo dos anos. A assumir diferentes interpretações. Um dos mais
desertificação tem uma génese mais severa, ligada a interessanteséaquestãodasravinas,que,paramuitos
processos erosivos que contribuem para a perda de agricultores, aparecem como uma situação desejável.
humidade armazenada nos solos, reduzindo a sua As ravinas são preenchidas com pedras, que podem
disponibilidade para a vegetação, mesmo em anos funcionar como pequenos muros naturais que retêm
de maior pluviosidade. tanto o solo como a água, aumentando a produtividade
A única prova incontestável de desertificação para dos campos. Desempenham função semelhante a
uma determinada área seria a que proviesse de campos pequenas barragens de correcção torrencial
experimentais, em que todos os factores com influência construídas há dezenas de anos e que se podem
na produção, excepto os ambientais, fossem mantidos observar, por exemplo, em São Vicente (F. REBELO,
constantes por um período de tempo nunca inferior a 1999). Esta percepção diferenciada do problema dos
uma década para que abrangesse anos de seca e sinais de desertificação foi analisada por KIRKBY (1973)
anos pluviosos (A. WARREN e J. MAIZELS, 1992). no México e por nós em Cabo Verde.
Tais campos não existem nas ilhas de Cabo Verde. Osefeitosdaerosãosãoparticularmenteintensosem
As estatísticas ligadas à produção agrícola são ecossistemas secos, com natural impacto na
escassas e de fiabilidade duvidosa, alguns inquéritos produtividadedossolos.Éfrequenteossolosencontrarem-
feitos à população sugerem interpretação dúbia e se sem qualquer tipo de cobertura vegetal e os campos
algumas provas históricas suscitam interpretação agrícolastornam-seextremamentevulneráveisduranteo
diferenciada. O declínio da produção, por exemplo, período de sementeira, no curto período das chuvas.
pode reflectir alteração de mercado, aplicação de O papel da erosão hídrica dos solos é, então,
técnicas diferentes ou atribuir-se ao processo de importante na dinâmica das vertentes e no risco de
desertificação. A própria análise feita a partir da perda de solo.
observação directa de determinadas características Os danos causados pelo impacto da chuva
ambientais deve ser muito cautelosa. dependem da morfologia e das características dos
No entanto, embora a quantificação e a definição solos. Envolvem três processos:
rigorosa das áreas sujeitas ao processo de .i o impacto da chuva, que desagrega os solos;
desertificação sejam difíceis de definir, numerosas i
. o encharcamento, que projecta no sentido
áreas têm sofrido danos severos com natural perda descendente as partículas dos solos;
de produtividade e devem ser alvo de processos de ii. a escorrência que arrasta partículas, como
combate à desertificação. lodos, argilas e matéria orgânica.
A escorrência é distribuída por toda a superfície,
Erosão e paisagem geralmente a partir de áreas desprovidas de vegetação
e posteriormente colectada em depressões. As áreas
A perda do potencial produtivo do solo pode desprovidas de coberto vegetal absorvem pouca
ocorrer de duas formas: perda lenta dos nutrientes e humidade, remetendo-a para áreas onde a água é
perda da camada superficial dos solos por erosão, recebida e onde geralmente a vegetação se desenvolve.
esta ultima facilmente observável a partir da formação A forma como este processo ocorre é variável,
de ravinas. Geralmente, a observação de ravinas numa dependendo das características geomorfológicas,
RISCOS - Associação Portuguesa de Riscos, Prevenção e Segurança
O que propomos na definição de land-region é Áreas de planícies com areias sob acção eólica
uma classificação sintética da paisagem que inclui Os solos são profundos e de textura arenosa. As
elementos morfológicos, edáficos e de vegetação, infiltrações superam a escorrência. Presença
resultando de um trabalho realizado a partir da ocasional de água subterrânea em profundidade. A
observação no terreno feita em São Vicente. Tem como presença da vegetação depende dos valores de
objectivo uma classificação da paisagem incluindo precipitação e do uso e ocupação do solo.
o contexto erosivo.
Ravinamentos intensos,
Vertentes com crosta dura
desabamentos, movimentos Pouca
siliciosa
em massa
Planaltos com crosta Presença de ravinas Perdas de solos,
siliciosa espaçadas formação de pavimentos
Ravinamentos e lavagem
Cones de dejecção aluviais Perdas de solo
intensos
Incipiente dependendo da
Áreas de planícies com
ocupação e uso do solo e Formação de dunas
areias sob acção eólica
precipitação
Ravinamentos intensos,
Áreas de sopé Perdas de solo
lavagem, depósitos grosseiros
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Fig. 2 – Mapa do uso da terra, erosão e sedimentação baseado em fotografias aéreas de 2004 com verificação no
terreno – Secção final da ribeira de Julião (São Vicente).
Legenda: 1 – Planaltos com crosta siliciosa de perfil concavo. Solos pedregosos delgados com afloramentos rochosos; 2 – vertentes com
crosta dura siliciosa de perfil côncavo, ravinas pouco espaçadas. Solos pedregosos delgados com afloramentos rochosos; 3 – escarpa;
4 – encaixes profundos; 5 – vegetação; 6 – ravinas; 7 – cones de dejecção aluviais com ravinamento; 8 – habitações / cidade; 9 –
estradas; 10 – areias de acção eólica subterrânea profunda ocasional. Solos profundos arenosos com cobertura vegetal espaçada.
territorium 16
Conclusão
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