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RESUMO
Dossiê temático
Thematic dossier / Dossier temático
Renato Crivelli O artigo aborda o desenvolvimento da institu-
Doutor em Ciência da Informação cionalização dos arquivos pessoais no cenário
pelo Programa de Pós-Graduação em arquivístico brasileiro por meio da análise de
Ciência da Informação da Universidade
Estadual Paulista (Unesp). Professor processos de três instituições custodiadoras:
do Departamento de Arquivologia da IEB, Cpdoc e Mast. Foram analisados processos
Universidade Federal do Estado do Rio administrativos de incorporação de acervos da
de Janeiro (Unirio), Brasil. data de suas fundações até 1999, no sentido de
crivellirenato86@gmail.com
captar a forma de seleção praticada pelas insti-
tuições antes das publicações de suas políticas
Maria Leandra Bizello de acervo.
Doutora em Multimeios pela
Universidade Estadual de Campinas Palavras-chave: arquivos pessoais; institucionali-
(Unicamp), com pós-doutorado zação; centros de documentação.
em Ciência da Informação pela
Universidade do Porto, Portugal.
Professora do Departamento de Ciência ABSTRACT
da Informação da Unesp, Brasil.
mleandra23@gmail.com The article covers the development of insti-
tutionalization of personal archives in the
Brazilian archival scenario by means of the
analysis of processes from three custodial insti-
tutions: IEB, Cpdoc and Mast. Administrative
processes of collection incorporation were an-
alyzed from the date of their foundations until
1999, with the aim of capturing the method of
the selection practiced by the institutions be-
fore their collection policies were published.
Keywords: personal archives; institutionaliza-
tion; manuscripts repository.
RESUMEN
El artículo aborda el desarrollo de la institu-
cionalización de archivos personales en el es-
cenario archivístico brasileño por medio del
análisis de los procesos de tres instituciones
de custodia: IEB, Cpdoc e Mast. Se analizaron
los procesos administrativos de incorporación
de archivos personales desde las fechas de sus
fundaciones hasta 1999, a fin de capturar la for-
ma de selección practicada por las institucio-
nes antes de la publicación de sus políticas de
colección.
Palabras clave: archivos personales; institucionali-
zación; centros de documentación.
Introdução
1 Não há aqui qualquer descrédito às análises desenvolvidas pela autora neste capítulo de
seu livro. Apenas é interesse para nossa leitura, nesse momento, dedicar mais atenção à for-
ma do texto do que ao conteúdo.
Passados mais de dez anos, desde a sua finalização em 1988 e a sua publicação
em 1991, este livro é uma obra datada. [...] fazendo com que seu conteúdo de
alguma forma tivesse ficado ‘congelado’ dentro da bibliografia e do saber ar-
quivístico anteriores aos anos 1990. (2006, p. 17).
4 Com exceção de alguns poucos casos pontuais, como a dissertação de mestrado defendida
por Priscila Fraiz, em 1994, junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, com o título A construção de um eu autobiográfico: o arquivo pri-
vado de Gustavo Capanema, convertido em artigo publicado na mencionada edição de 1998 da
Estudos Históricos. Durante a década de 1980, constatamos a ocorrência de dois textos publi-
cados por Ana Maria de Almeida Camargo, intitulados “O público e o privado: contribuição
para o debate em torno da caracterização de documentos e arquivos” e “Arquivos pessoais:
uma proposta de descrição”, ambos publicados em 1988, no volume nove da revista Arquivo:
Boletim Histórico e Informativo, do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
5 Os textos são organizados em dois blocos denominados “Escrita de si/escrita da história”,
destinado a reunir aqueles que objetivem debater os arquivos pessoais como espaços de me-
mórias – individuais e coletivas – e fontes para o fazer historiográfico, e “O espaço do arqui-
vo”, voltado a questões mais propriamente arquivísticas, como a classificação, a diplomática,
a legitimidade dos arquivos pessoais no ambiente do arquivo e, sobretudo, as decorrências da
incursão de arquivos pessoais no espaço público.
6 Dos 13 nomes relacionados na publicação, cinco são de pessoas com carreira profissio-
nal dedicada aos estudos e à organização de arquivos, mesmo que suas formações acadêmi-
cas provenham de outras áreas: Ana Maria de Almeida Camargo, Heloísa Liberalli Bellotto,
Ariane Ducrot, Terry Cook e Maria Madalena Arruda de Moura Machado Garcia.
revista Estudos Históricos de 1998 não ignorou esse movimento. Nela, a his-
toriadora Ângela de Castro Gomes publicou o texto “Nas malhas do feitiço:
o historiador e os encantos dos arquivos privados”, no qual enfatiza que:
A descoberta dos arquivos privados pelos historiadores em geral está, por con-
seguinte, associada a uma significativa transformação do campo historiográ-
fico, onde emergem novos objetos e fontes para a pesquisa, a qual, por sua vez,
tem que renovar sua prática, incorporando novas metodologias, o que não se
faz sem uma profunda renovação teórica, marcada pelo abandono de ortodo-
xias e pela aceitação da pluralidade de escolhas. Isto é, por uma situação de
marcante e clara diversidade de abordagens no “fazer história”. (Gomes, 1998,
p. 122)
A história cultural que, grosso modo, vai sendo proposta a partir desse longo es-
forço de reflexão e aprendizado, se quer distinta porque recusa fundamental-
mente a “expulsão” do indivíduo da história, abandonando quaisquer modelos
de corte estruturalista que não valorizem as vivências dos próprios atores his-
tóricos, postulados como sujeitos de suas ações. Ao fazê-lo, essa história cultu-
ral também rejeita as oposições entre coletivo e individual e entre quantitativo
e qualitativo, assumindo um enfoque que trabalha com ambos os termos, mas
que, em função da reação que representa, inova ao postular a dignidade teó-
rica do individual e a fecundidade metodológica do qualitativo. Por repensar
modelos macro-históricos e por considerar a “experiência” dos homens em seu
tempo e lugar como crucial para o entendimento dos processos sociais, essa
história cultural floresceu em grande parte associada a uma mudança na esca-
la de trabalho do historiador, vale dizer, associada à micro-história. (Gomes,
1998, p. 123, grifos da autora)
8 Embora esse instrumento tenha sido previsto já na Lei de Arquivos, sua primeira ins-
crição aconteceu apenas em 2004, com a declaração do arquivo pessoal de Alexandre José
Barbosa Lima Sobrinho. Desde então, foram também declarados como de interesse pú-
blico e social os arquivos pessoais de Glauber Rocha, Darcy Ribeiro, Berta Gleizer Ribeiro,
Oscar Niemeyer, Abdias Nascimento, Cezar Lattes, Paulo Freire e Dom Lucas Moreira Neves
(Conarq, 2020).
A este propósito, tomo a liberdade de fazer uma segunda sugestão, para a qual
desejaria chamar a atenção esclarecida do conselho, a saber: que o mesmo estude
a possibilidade de incorporar ao seu patrimônio o magnífico acervo constituído
em vida por esse eminente escritor e homem público, composto de biblioteca
com cerca de 15 mil ou 16 mil volumes, arquivo e fichários, preciosas coleções
de desenhos, gravuras, imagens, ex-votos, quadros e esculturas. O conjunto se
encontra ainda intacto e zelosamente custodiado por sua família na própria
casa em que residiu, constituindo um elemento inestimável para o estudo não
apenas da formação do líder do modernismo, mas de todo este movimento. Lá
se encontram amostras dos traços que definiram a fisionomia espiritual de am-
bos, desde os folhetos populares e os ex-votos ingênuos até as revistas francesas
de vanguarda e as edições originais dos surrealistas, ao lado de obras de gran-
des artistas europeus e brasileiros, como Picasso, Lhote, Derain, Portinari, Di
Cavalcanti, Segall, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Guignard etc.13
12 IEB. Fundo IEB. Processo Rusp n. 67.1.107.31.8, f. 9-10. Gestão de acervos informacionais:
compra do acervo Mário de Andrade. 1967.
13 IEB. Fundo IEB. Processo Rusp n. 67.1.107.31.8, f. 9-10. Gestão de acervos informacionais:
compra do acervo Mário de Andrade. 1967.
32 FGV. Cpdoc. Fundo Avap. gv acgv 1973.07.14. Carta de Alzira Vargas do Amaral Peixoto a
Luís Simões Lopes. Rio de Janeiro, 14 de julho de 1973.
33 Ainda na carta de doação, Alzira Vargas enfatiza a existência de outros arquivos pessoais
relevantes para a pesquisa histórica: “À guisa de sugestão, mais do que uma decorrência desta
entrega, lembro que existem separados em todo o país ou guardados em arcas familiares cen-
tenas de papéis importantes para a reconstituição histórica de um período altamente valioso
na vida de nosso Brasil, rico em acontecimentos e repleto de vultos eminentes” (FGV. Cpdoc.
Fundo Avap. gv acgv 1973.07.14).
34 Dados obtidos pelos autores junto à sala de consulta do Cpdoc.
Das três instituições analisadas aqui, o Mast é aquela que apresenta uma
relação mais próxima com a proposta memorial dos centros de documen-
tação. Enquanto IEB e Cpdoc são criados fundamentalmente para prover
elementos que alimentem o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas, o
Mast surge com a função de, além de congregar fontes de informação e de-
senvolver pesquisa histórica, ser um espaço de memória para as ciências
exatas e da terra no Brasil e de divulgação científica.
Conclusões
Fontes
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Aprovado em 8/9/2020