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DOI: 10.4322/dae.2014.108
A partir dos anos 90 as iniciativas de Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA têm se multiplicado
em todo o mundo e também no Brasil, país de imenso capital natural. As perspectivas são promissoras
quanto aos ganhos nos esforços de conservação, bem como em direção a uma mudança de percepção
da sociedade acerca da importância dos serviços prestados pelos ecossistemas. Mas grandes são os
desafios na criação dos marcos regulatórios e da estrutura de governança para a implantação das
iniciativas. Os fundamentos e modalidades de PSA, além de comentários sobre experiências exitosas
para a área do Saneamento, notadamente para a manutenção da qualidade dos recursos hídricos,
serão alguns dos aspectos abordados nesta matéria.
Muitos avanços institucionais, Foi a partir das décadas 60 e zado pela ONU (UN, 2005; apud:
políticos e legais foram observa- 70 que os debates sobre a dico- UN, 2010), nos últimos 50 anos o
dos entre as conferências mun- tomia entre o crescimento econô- homem introduziu drásticas mo-
diais sobre o Meio Ambiente mico e a preservação ambiental dificações nos ecossistemas que
realizadas pela Organização das ocuparam o centro das atenções resultaram na perda de biodiver-
Nações Unidas (ONU) em Esto- mundiais, devido ao aumento da sidade e a redução da qualidade
colmo (1972) e no Rio de Janeiro degradação ambiental ocasio- e quantidade de cerca de dois ter-
(2012), com a inclusão da temá- nado pelo período de acelerada ços de 24 serviços ecossistêmicos.
tica ambiental na agenda das industrialização a partir do início Serviços ecossistêmicos são então
nações, instituições e cidadãos. do século XX. A destruição do ca- definidos neste relatório como os
Apesar dos avanços, o agrava- pital natural - base sobre a qual se benefícios que as pessoas obtêm
mento dos problemas ambientais erige a prosperidade econômica-, dos ecossistemas (um complexo
persistiu, configurado atualmente ocorreu neste período em níveis dinâmico de plantas, animais e
em três grandes crises globais: incomparavelmente superiores de comunidades de micro-orga-
mudanças climáticas, extinção de em relação a toda a História an- nismos e do ambiente não vivo
espécies nativas, degradação e es- terior. interagindo como uma unidade
gotamento dos recursos hídricos Segundo o relatório Avaliação funcional), sendo agrupados em 4
(Metzger, 2007). Ecossistêmica do Milênio organi- principais categorias, conforme a
Tabela 1.
A redução dos ecossistemas
Tabela 1 - Categorias de serviços dos ecossistemas mostra diminuição de 35% dos
Categoria Produtos ou benefícios obtidos manguezais, 40% das florestas
e 50% das áreas alagadas; 80%
Abastecimento Bens ou produtos obtidos dos ecossistemas - alimen-
tos, água doce, madeira, fibra, outros
dos estoques de peixe e 25 %
da superfície terrestre devido
Regulação / Controle Benefícios obtidos a partir de processos naturais - regula- a áreas cultivadas (Fonseca,
ção do clima, doenças, erosão, fluxo de água e polinização
(figura 1), proteção contra os riscos naturais, outros 2010). Este cenário demonstra
que os sistemas naturais estão
Cultural Benefícios não materiais obtidos dos ecossistemas
- recreação, valores espirituais, estéticos, paisagísti- se aproximando dos chamados
cos, patrimônio cultural, outros “pontos de ruptura” ou “tipping
Suporte São os serviços necessários a todas as demais cate-
point”, para os quais uma per-
gorias de Serviços ecossistêmicos (SE) - ciclagem de turbação adicional pode resultar
nutrientes, produção primária, formação do solo em queda abrupta e irreversível
Fonte: Adaptado de Millenium Ecosystem Assessment (2005) dos benefícios proporcionados
FOTO: MARGI MOSS/PROJETO BRASIL DAS ÁGUAS
cimento sobre a biodiversidade, tenderia, no futuro, ao decresci- dos ecossistemas pelo capital e
tanto no desenvolvimento de ba- mento. Valendo-se de princípios progresso técnico poupador de
ses de dados em biodiversidade da Termodinâmica, propôs a re- recursos naturais.
- como o organizado pelo Centro presentação do sistema econô- No entanto, a conservação
de Referência em Informação mico como aberto e não isolado concorre com as demais ativida-
Ambiental1 de Campinas (SP), in- da natureza, considerando não des produtivas potencialmente
ternacionalmente reconhecido-, só os recursos naturais e a ener- degradadoras, o que exige a
como também na formação e gia (inputs) consumidos durante definição de políticas ambien-
manutenção de coleções biológi- o processo produtivo, mas tam- tais específicas para a indução
cas, essencial para a modelagem bém os produtos e resíduos ge- dos esforços de conservação ou
ecológica, conforme ressalta a rados (outputs) (Cechin, 2010). conversão de áreas em ativida-
Profa. Dra Vera Lúcia Imperatriz- Embora severamente criticado e des sustentáveis.
-Fonseca, uma das entrevistadas pouco aceito pelo mainstream, As políticas ambientais postas
ao final desta matéria. suas ideias sinalizavam as pro- em prática internacionalmente
Uma grande mudança na fundas mudanças em curso têm se centrado em dois tipos
percepção mundial sobre a im- neste campo hoje. de instrumentos: i) mecanismos
portância dos serviços provisio- A atual crise ambiental está de regulação direta, também
nados pela natureza ocorreu a intrinsecamente ligada à mo- conhecidos como instrumentos
partir da publicação dos resul- dificação nos processos de de comando e controle (ICC),
tados pioneiros do economista ocupação e uso das terras e à na medida em que determinam
americano Roberto Costanza fragmentação de habitats na- uma intervenção direta sobre a
no artigo O valor dos serviços tivos (Metzger, 2007). A con- ação dos agentes econômicos;
ecossistêmicos do mundo e do servação de áreas naturais é ii) instrumentos econômicos
capital natural (1997). A equipe considerada uma das medidas (IE), que se caracterizam por
liderada por Costanza selecio- prioritárias para o equaciona- mecanismos de mercado que
nou 17 serviços dos ecossiste- mento desta crise, pelo estoque afetam o cálculo de custos e be-
mas de 16 biomas no mundo, de carbono que possuem e deixa nefícios do agente econômico
e chegou à estimativa de que o de ser emitido (Freitas e Cam- em relação ao meio ambiente,
valor econômico dos serviços phora, 2009), além da proteção influenciando suas decisões.
que fluem diretamente para a à biodiversidade e aos serviços Os tradicionais mecanismos
sociedade seria da ordem de de provisão de água e alimen- de comando e controle aplica-
US$ 33 trilhões. Isto equivalia, à tos, entre outros. Corroboram dos pelo Estado têm caráter pu-
época, 1,8 vezes o PIB mundial para esta tese alguns outros nitivo, impondo-se modificações
de cerca de U$ 18 trilhões. fatores: o atual estágio de inefi- ao comportamento dos agentes
Anteriormente, destacam-se ciência ecológica dos processos degradadores, o que exige um
as contribuições do economista produtivos quanto ao uso de alto dispêndio de recursos na
Nicholas Georgescu-Roegen nos recursos naturais e consumo de fiscalização do cumprimento
anos 70 para a formulação das energia, nos EUA, por exemplo, das obrigações. Os instrumen-
bases da linha teórica da Eco- apenas 6% do fluxo de materiais tos econômicos, ou instrumen-
nomia Ecológica, que estuda as consumido vira produto (Ro- tos de mercado, por outro lado,
relações entre os ecossistemas meiro, 2003; In: Lustosa et al., procuram internalizar os custos
e os sistemas econômicos (Cos- 2003); o tempo ainda requerido ambientais nas atividades eco-
tanza, 1994). Dentre as ideias para a ampla difusão de inova- nômicas como forma de influen-
revolucionárias preconizadas ções que promovam a diminui- ciar os agentes responsáveis
por Georgescu-Roegen estava a ção da pressão sobre o uso dos pelo dano ambiental a modifica-
de que a Economia seria englo- recursos naturais; a impossibili- rem o padrão de uso dos recur-
bada pela Ecologia, afirmando dade de substituição de certos sos naturais.
ainda que o processo econômico recursos naturais e serviços A partir dos anos 90 vários
1
Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA) - http://www.cria.org.br/
mecanismos baseados no mer- quem será a parte recebedora. Na carbono). Na questão da gestão,
cado surgiram para a indução literatura sobre PSA encontram-se os esquemas de PSA podem ser
de ações conservacionistas, den- definições de “serviços ambien- administrados por diversas insti-
tre eles, o chamado Pagamento tais” as atividades realizadas pelo tuições: 1) administração pública
por Serviços Ambientais (PSA)2, homem que contribuem para a em seus diferentes níveis (fede-
que consiste na compensação manutenção dos benefícios provi- ral, estadual e municipal), sendo
de agentes que detém algum sionados pelo ambiente (Chomitz a gestão de recursos financeiros
ativo ambiental pela sua preser- et al., 1999; apud Wunder et al., usualmente delegada a fundos em
vação. 2008). Há também a definição de âmbito nacional ou internacional;
Para os especialistas que de- “serviço ambiental” como um dos 2) órgãos e agências internacio-
senvolveram os primeiros con- muitos serviços prestados pelos nais, que lideraram as experiên-
ceitos de PSA tais instrumentos ecossistemas (provisão de alimen- cias pioneiras em PSA e também
poderiam ser mais eficientes na tos, madeira etc) e “serviços ecos- assumindo a gestão de fundos; 3)
conservação das florestas e tra- sistêmicos” como o conjunto dos terceiro setor, com forte atuação
zer resultados mais rápidos se serviços não separáveis em partes das ONGs internacionais. Na ta-
comparados aos mecanismos (Hercowitz e Whately, 2008). bela 2 estão apresentados os me-
de comando e controle, quando Segundo Wunder et al. (2008) canismos de gestão das principais
objetivam a criação de uma si- as fontes de recursos são fatores fontes de recursos .
tuação “ganha-ganha”, trazendo críticos na implantação de siste- Os programas de PSA podem
benefícios tanto para quem ga- mas de PSA. As principais fontes ser públicos ou privados e, de
rante a provisão dos serviços dos de recursos para a operacionaliza- forma geral, englobam os ser-
ecossistemas como para quem os ção de esquemas de PSA seriam viços de captação de carbono,
demanda (Andrade, 2007). O mo- os Tributos (impostos, taxas e co- conservação da biodiversidade,
delo PSA complementa o modelo branças), os Acordos e Mercados conservação de recursos hídricos
poluidor-pagador, dando foco ao (para situações em que os bens e conservação da beleza cênica
fornecimento do serviço sob o comercializados representem ser- (Wunder et al., 2008). Segundo
princípio do provedor-recebedor, viços ambientais bem definidos Landell-Mills e Porras (2002)
segundo o qual o usuário paga como o mercado de créditos de apud Hercowitz e Whately (2008)
e o conservacionista recebe. Na
figura 4 estão exemplificadas em
um esquema básico de PSA as
figuras do Comprador (Benefi- Comprador
ciário; Governo– representando
Benificiário Governo
todos os usuários da sociedade)
e do Provedor (Provedor-recebe-
dor; por exemplo, o Agricultor). Unidade
Intermediário
A implantação do mecanismo (ex. Fundo)
Administrativa
(ex. governo local)
de PSA tem como pré-condições
o caráter voluntário da transação, Política
a identificação de que ao menos ambiental
um serviço ambiental esteja be-
neficiando algum agente interes- Provedor (ex. agricultor)
2
O ICMS Ecológico e o IPTU Verde são modalidades que não se enquadram na definição de PSA em sentido estrito, mas são igualmente instrumen-
tos que promovem a conservação do meio ambiente por meio de incentivos econômicos, assim como o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de
Conservação), que traz em seu bojo vários instrumentos para a preservação e conservação das Unidades de Conservação entre eles, a compensação
ambiental obrigatória nos processos de licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental negativo não-mitigável. (Geluda e
Young, 2005; apud:Mattos, et al., 2009).
3
Este fundo seria “formado por: i) recursos da cadeia do petróleo (até 40% do montante que cabe à MMA); ii) dotações consignadas na Lei Orçamentária
Anual da União e em seus créditos adicionais; iii) recursos decorrentes de acordos, ajustes, contratos e convênios celebrados com órgãos e entidades da
administração pública federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal; iv) doações realizadas por pessoas físicas ou por entidades nacionais e inter-
nacionais, públicas ou privadas; v) empréstimos de instituições financeiras nacionais ou internacionais; vi) reversão dos saldos anuais não aplicados; e
vii) rendimentos que venham a auferir como remuneração decorrente de aplicação do seu patrimônio” (Santos et al., 2012).
4
Prioridades citadas no PL 792/2007: “i) a conservação e melhoramento dos recursos hídricos; ii) a conservação e preservação da vegetação nativa,
da vida silvestre e do ambiente natural em áreas de elevada diversidade biológica; iii) conservação, recuperação ou preservação das Unidades de
Conservação e Terras Indígenas; iv) recuperação e conservação dos solos e recomposição da cobertura vegetal de áreas degradadas, por meio do
plantio exclusivo de espécies nativas ou em sistema agroflorestal; e v) captura e retenção de carbono nos solos por meio da adoção de práticas
sustentáveis de manejo de sistemas agrícolas, agroflorestais e silvipastoris” (Santos et. al., 2012).
Entrevistas
Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca
significam no modelo da eco- nar (Farley & Costanza, 2010).
nomia ambiental incentivaram A Declaração de Heredia sobre
o desenvolvimento de uma ci- os pagamentos dos serviços dos
ência integradora e análises de ecossistemas recomendou as di-
custo benefício. Nos anos 2000, retrizes a serem utilizadas para
o Millennium Ecosystem Asses- esta finalidade. De um modo
sment evidenciou um panorama geral, entretanto, os concei-
global de perda de biodiversi- tos de capital natural, serviços
dade e da importância dos ser- ecossistêmicos, biodiversidade
viços ecossistêmicos como o e pagamento por estes serviços
ponto de atuação que transmitia não são conhecidos pela maior
valores científicos de modo ob- parte da população brasileira.
jetivo aos tomadores de decisão. O grande dilema entre a distri-
O crescimento rápido da popu- buição de áreas para a conser-
lação e externalidades como as vação ambiental e a agricultura
alterações globais contribuíram no Brasil ilustram bem este pro-
1. Segundo o economista in- para que esta abordagem fosse blema.
diano Pavan Sukhdev, co- aceita. Convém lembrar também que
ordenador do estudo The Avaliações globais do estado cerca de 2 bilhões de pessoas,
Economics of Ecosystems and de comprometimento dos recur- da população atual de 7 bilhões
Biodiversity (TEEB), o cenário sos naturais foram apresentadas de habitantes da Terra, vivem
de “invisibilidade” econômica em 2009 e no ano Internacional exclusivamente da exploração
da natureza seria uma das da Biodiversidade, 2010. Em destes recursos, que são finitos.
causas da desvalorização e 2012 foi criado pela ONU o IP-
destruição do capital natural. BES, que é o Painel Internacio- 2. Os mecanismos de paga-
Os estudos de valoração dos nal de Biodiversidade e serviços mento por serviços ambientais
serviços ambientais têm con- de ecossistemas, e que deverá seriam instrumentos eficazes
tribuído para mudanças nesse funcionar como o IPCC. O pa- para a reversão do agrava-
sentido? gamento pelos serviços ambien- mento da crise ambiental?
O conceito dos serviços de tais foi abordado de dois modos Seriam instrumentos eficazes.
ecossistemas surgiu nos anos diferentes no início da utilização A valoração recente dos servi-
80, quando os ecólogos cha- deste conceito. ços da polinização e sua impor-
maram a atenção para natureza A abordagem da economia tância econômica (em média
dos recursos naturais, insubs- ambiental para o pagamento 10% do valor do rendimento
tituíveis, e que precisavam ser destes serviços tentou moldar das culturas globais) têm pro-
usados com cuidados pela cres- os serviços ecossistêmicos no movido estudos mais profundos
cente população humana. No modelo do Mercado, com ênfase e metanálises necessárias para
início da década de 90 surge o na eficiência. a tomada de decisão na ques-
conceito de capital natural e A abordagem da economia tão da segurança alimentar, por
logo em seguida a necessidade ecológica tentou moldar as ins- exemplo.
de uma valoração global dos tituições econômicas às carac- A conscientização de que a
recursos naturais (Costanza et terísticas físicas dos serviços perda da biodiversidade é irre-
al, 1997). Nesta ocasião, a de- dos ecossistemas, priorizando parável também do ponto de
manda de um maior conheci- a sustentabilidade ecológica e a vista econômico e dos proble-
mento ecológico sobre o manejo distribuição justa e requerendo mas causados pela utilização
dos recursos naturais e o que uma abordagem multidiscipli- excessiva dos serviços ecossis-
têmicos no antropoceno5 é fun- dos ecossistemas, (ou seja, não para enfrentar as consequências
damental para as formulações permitir que a degradação seja ambientais e sociais do aqueci-
de políticas públicas. tão grande que o ecossistema mento global, que já pode ser
não possa voltar ao estado ori- constatado em todo país, e clama
3. Do ponto de vista científico ginal cessada a perturbação), por projetos de restauração.
quais seriam os atuais avanços também nas decisões políticas. • Educação em todos os níveis
e lacunas no conhecimento • Uma grande lacuna vem com sobre os conceitos de biodiver-
relacionado aos serviços dos a falta de conhecimento sobre sidade e aplicação das metas de
ecossistemas? biodiversidade de grande parte Aichi6.
Os avanços são relacionados à do país, e da falta de incentivo
discussão do tema em algumas para a formação e implemen- ................................................................
áreas políticas e empresariais, tação de coleções biológicas
mas ainda de modo muito tí- regionais e digitalização dos Vera Lúcia Imperatriz Fonseca
mido considerando-se o quadro acervos existentes, incompatí- é Bióloga, professora da Univer-
global. vel com a importância do país sidade de São Paulo (USP), coor-
Lacunas: megadiverso. A modelagem eco- denadora do Grupo de Pesquisa
• Planejamento ambiental e a lógica é uma ferramenta eficaz, Serviços de Ecossistemas do
gestão baseada nos serviços dos mas necessita do livre acesso Instituto de Estudos Avançados
ecossistemas, que já ocorre em aos acervos das coleções bioló- da USP (IEA-USP) e professora
países como a Grã Bretanha, é gicas, inexistentes para grande visitante sênior da CAPES na
um modelo muito bom. parte dos nossos ecossistemas. Universidade Federal Rural do
• Precisamos trabalhar mais • Não temos no Brasil políticas Semi-Árido (UFERSA), no Rio
com os conceitos de resiliência públicas e dotação orçamentária Grande do Norte (RN).
Arnaldo Jardim
safios para a sua implantação? ir além, sinalizar mudanças cul-
Na organização do Projeto de lei turais, comportamentais, mas de
nº 792/2007 sobre Pagamento uma forma em que se tenha claro
por Serviços Ambientais (PSA), também o caminho a percorrer.
procuramos que o processo seja o Nós temos um problema na nossa
mais interativo possível. Quando legislação ambiental, ela é man-
se faz uma legislação e essa fica datária, mas em muitas vezes não
artificial, passa a haver uma difi- estabelece os instrumentos neces-
culdade imensa de fazer com que sários. Voltarei a uma experiência
seja cumprida. recente sobre a Política Nacional
Uma legislação não pode ser de Resíduos. O projeto estava
somente um retrato da realidade, parado há 19 anos e muitos ten-
porque ela vira conservadora, e taram aprová-la, sem sucesso.
não pode ser só a nossa Utopia, Nós conseguimos a aprovação ao
porque ela se torna irrealizável. transformar o que era divergência
1. Qual é o atual estágio de tra- O desafio do legislador é sempre em consenso. Construído à custa
mitação do PL e os principais de- achar um ponto de equilíbrio para de muita conversa, de muito apro-
5
Antropoceno - Definição proposta pelos cientistas para classificar o atual momento do planeta como uma nova época geológica molda-
da pelo ser humano, caracterizada pelas mudanças climáticas, a acidificação dos oceanos, a erosão dos solos e as ameaças à biodiversidade
Fonte: http://www.iea.usp.br/iea/boletim/contato168.html
6
As Metas de Aichi foram estabelecidas na COP 10 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) em 2010 pelos 193 países-membros, na cidade de
Nagoya, capital da província de Aichi, Japão. Fonte: http://www.mma.gov.br/informma/item/8605-o-conabio-e-as-metas-de-aichi
em 2005 e 2006, com a criação dos impactos ambientais, sociais levado adiante. Mas aqui estamos
dos projetos: Oásis – São Paulo e econômicos dos programas, falando de projetos de grande
(São Paulo-SP), Conservador das demonstrando para toda a socie- escala que terão créditos de car-
Águas (Extrema-MG) e Ecocrédito dade que o investimento realizado bono negociados na bolsa de
(Montes Claros-MG). A partir da em PSA tem retorno substancial valores, de interesse de grandes
implantação dessas 3 iniciativas para a população. Nesses casos, empresas e dos governos de di-
em campo com os primeiros pa- os serviços ambientais não são versos países do mundo. Isso é
gamentos, muitos outros projetos vistos como algo abstrato e de muito diferente de um projeto de
foram sendo criados. Esse cres- responsabilidade apenas de pes- PSA com foco em pequenos e mé-
cimento é comprovado pelo es- quisadores e ambientalistas, mas dios proprietários rurais de uma
tudo liderado pelo Ministério do sim, como algo essencial para a ou duas bacias hidrográficas, que
Meio Ambiente (MMA) através manutenção e melhoria da quali- é a maioria dos casos hoje no
do Diálogo Setorial Brasil-União dade de vida de todos. Brasil. Além de considerarmos
Européia sobre PSA onde foram a questão de escala nessa dis-
registrados em 2012 aproxima- 2. Como a questão da “Adi- cussão sobre adicionalidade, há
damente 180 iniciativas que se cionalidade”7 tem sido abor- de ser considerados também os
denominam PSA em todo o país. dada nas discussões acerca da diferentes serviços negociados.
Porém, apesar do interesse pelo implantação dos programas de Quando falamos de PSA-Água,
tema e aumento do número de PSA? por exemplo, a adicionalidade
projetos no Brasil, os debates A adicionalidade tem sido mo- tem um sentido, enquanto que se
durante o congresso mostram tivo de profundos debates entre estivermos discutindo um PSA-
que são poucos os projetos que os diversos setores da sociedade -Biodiversidade a adicionalidade
estão na etapa de implantação, no Brasil não só pela questão pode ter outro significado/inter-
ou seja, com os contratos e paga- conceitual e metodológica do pretação totalmente diferente. Se
mentos em andamento e esses, PSA, mas também por conta das uma determinada prefeitura ou
tem dificuldades de sistematizar últimas alterações no Código Flo- organização não-governamental
seus resultados e monitorar seus restal brasileiro e do trâmite do identifica uma bacia hidrográfica
impactos. Mas isso não deve ser PL 792/2007 que institui a Po- potencial para implementação de
visto de maneira negativa, pelo lítica Nacional de PSA. O ponto um PSA com o objetivo de manter
contrário, é um processo natural de entrave nessa discussão é que as florestas já existentes para con-
de aprendizado e que para se for- quando discutimos PSA de ma- servar a biodiversidade existente
talecer e ganhar escala, depende neira geral, estamos falando de e evitar o carreamento de sedi-
da criação de políticas públicas e diferentes serviços ambientais mentos para um córrego, rio ou
engajamento dos usuários-paga- como água, carbono, biodiversi- nascente, não necessariamente
dores dos serviços ambientais. dade, beleza cênica, dentre ou- deve ser comprovada adicionali-
Em outros países da América tros, que tem suas especificidades dade, mas sim, a manutenção da
Latina, como Costa Rica e Mé- e que algumas vezes, precisam área fornecedora de serviços am-
xico, por exemplo, essas dificul- ser discutidos de forma separada, bientais. Nesses casos, a recupe-
dades iniciais já foram superadas incluindo a questão de adiciona- ração de áreas degradadas (que
e seus Programas Federais e Es- lidade. aqui são minoria) é algo que é
taduais estão sendo ampliados Esse conceito surge com os desejável, mas não essencial a im-
e expandidos. Mas isso só está projetos de carbono fomentados plantação do projeto. Além disso,
sendo possível, graças ao pro- pelo Protocolo de Kyoto, sendo estamos falando de um espaço
cesso transparente de monitora- a adicionalidade pré-requisito de tempo determinado. Projetos
mento dos resultados e avaliação básico para que um projeto seja de PSA utilizam contratos de 1
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Adicionalidade –“Critério estabelecido pelo artigo 12 do Protocolo de Quioto, ao qual estão submetidos os projetos desenvolvidos através do
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Sob este critério, uma atividade deve, comprovadamente, resultar na redução de emissões de Gases
de Efeito Estufa ou no aumento de remoções de CO2 de forma adicional ao que ocorreria na ausência de uma atividade de projeto. Tal critério
tem como objetivo avaliar se a atividade proporciona uma redução real, mensurável e de longo prazo para a mitigação das mudanças climáticas”.
Fonte: http://www.ipam.org.br/saiba-mais/glossariotermo/Adicionalidade/2
a 30 anos, sendo que a maioria ção ou pagamentos pelos servi- que realizar um trabalho de PSA
está utilizando contratos de 4 a ços ambientas prestados, podem com esses proprietários da bacia
5 anos. Como comprovar adicio- se dar através de compensações e que eles utilizam para captação,
nalidade em um espaço de tempo acesso a serviços de interesse da através de um PSA.
tão curto? comunidade envolvida. 4. Há especialistas que ava-
E aqui neste ponto entramos 3. Os PSA são, por definição, liam os mecanismos de PSA
num ponto importantíssimo da voluntários. Há algum funda- como soluções temporárias
discussão. Se adicionalidade é mento na preocupação mani- para a preservação dos ecossis-
algo considerado como pré-re- festada por alguns setores da temas e dos seus serviços. Qual
quisito, os principais proprietá- sociedade (usuários dos serviços é a sua opinião?
rios rurais a serem contratados ambientais) de que se tornem Os últimos estudos e publica-
em um determinado projeto obrigatórios? ções referentes a projetos já esta-
serão os que desmataram e não Essa é uma preocupação uni- belecidos na América Latina e no
cumpriram a lei florestal até camente do setor privado, com Brasil evidenciam alguns pontos
hoje, enquanto que os proprietá- medo que o PSA se torne mais um importantes a serem considera-
rios rurais que cumpriram a lei “imposto” a pagar. Nesse sentido, dos nessa questão. O primeiro
e que muitas vezes fizeram mais acreditamos que empresas de ponto e a chave para o sucesso
do que a lei exigia, são descon- energia e eletricidade, por exem- de um PSA é a simplicidade no
siderados ou deixados de lado, plo, devem sim reconhecer os seu planejamento e execução.
gerando incentivos perversos. produtores rurais que fornecem Isso significa que todas as fases
Em uma visita ao projeto Oásis- a matéria-prima ou serviço que do projeto devem estar muito
-Apucarana (Apucarana-PR) um essas empresas utilizam ou re- bem embasadas, mas que devem
proprietário rural falou: “até hoje vendem. Hoje, por exemplo, uma primar pela simplicidade na me-
só se via incentivos, acesso a empresa como a Sabesp retira a todologia de campo e monitora-
crédito e projetos, para aqueles água para tratamento e abaste- mento, não só para reduzir custos
que desmataram e precisavam cimento da população de graça. de transação, mas também para
recuperar suas áreas. Com o PSA Além disso, esse trabalho com os que os proprietários envolvidos
finalmente eu que sempre pro- proprietários rurais através do possam entender claramente o
tegi a floresta e minhas nascen- PSA, pode ser um investimento que está sendo negociado, por
tes sou premiado e reconhecido”. estratégico para a empresa, que quanto está sendo negociado e
Esse proprietário é modelo no além de ganhar aliados, terá uma como isso será monitorado du-
projeto e um dos que recebe o quantidade e qualidade de água rante todo o projeto. Além de
maior pagamento pelos serviços disponível muito melhor do que evitar altos custos com consulto-
ambientais prestados. inicialmente. É um investimento res e infinitas horas de campo na
Com isso, acreditamos que no seu próprio negócio e não fase de diagnóstico, engaja o pro-
cada caso deve ser tratado com mais um imposto. Isso só é rea- prietário contratado que se sente
cuidado e que o conceito de adi- lidade se o pagador for de outra parte do projeto e não apenas um
cionalidade deve ser considerado região e, de fato, não tiver nada recebedor de uma bolsa ou auxí-
com cautela nos projetos de PSA. a ver com a área do projeto. Um lio do governo.
Dificilmente teremos uma regra case que exemplifica isso, é o da Outro ponto importante é ter
geral para todos os projetos, mas Saneatins que abastece Palmas muito claro qual o objetivo da
acreditamos que no Brasil hoje já (TO). Os dados de monitoramento iniciativa de PSA que está sendo
existem diversos cases de sucesso deles indicam que nos últimos 20 iniciada. Para que o PSA tenha
que devem servir de exemplo para anos eles perderam aproximada- resultados concretos é impor-
os projetos que estão na sua fase mente 80% do volume de água tante ter clareza de qual é o pro-
de planejamento e que um dos na sua área de captação, basica- blema que queremos resolver e
pontos fundamentais nessa fase mente devido ao desmatamento e o que queremos mudar. Esse é
de planejamento é proporcionar ocupação irregular das beiradas um dos pontos fracos dos pro-
a participação de todos princi- de rio para agricultura de subsis- jetos que conhecemos no Brasil.
palmente dos menos favorecidos tência. Realizaram estudo e para A grande maioria dos projetos
economicamente e socialmente, captar água do lago existente na surgem de uma ou mais entida-
acreditando ainda, que a premia- cidade sairia muito mais caro do des que planejam todo o projeto
e chegam para os proprietários necessário ter clareza de que o uma ferramenta multidisciplinar,
rurais e/ou comunidades tradi- PSA não é a solução para tudo talvez seja ela o princípio do ca-
cionais com o projeto pratica- e que não se aplica em todos os minho para um desenvolvimento
mente pronto apresentando o lugares e situações. Há casos em sustentável viável que aproxima
PSA como uma alternativa para que o PSA não contribuirá para a a população urbana da rural e
esses atores. Porém, na maioria solução do problema, pelo con- comunidades tradicionais, pela
das vezes, salvo raras exceções, trário, se implantado ele pode relação que os serviços ambien-
esses atores não são envolvidos agravar um problema já exis- tais criam entre esses atores.
na parte fundamental do projeto tente, resultando em maiores Nesse sentido, o pagamento em
que é o seu planejamento, para desmatamentos e degradação dinheiro não se torna a principal
contribuir na tomada de decisão socioambiental. Nesse sentido, estrutura do esquema, mas sim, a
da estratégia a ser adotada e na também é importante ter clareza relação entre os atores e o reco-
metodologia geral do projeto. de que em determinadas situa- nhecimento de boas práticas que
Isso é uma prática básica nos ções o PSA é algo imediato e de favorecem a toda a sociedade.
PSAs comunitários do Peru, Ve- curto prazo, para frear uma prá-
nezuela, Costa Rica, México e Bo- tica predatória, enquanto que ................................................................
lívia, mas muito pouco praticado em outras situações o PSA deve
no Brasil. O Programa Bolsa ser planejado em médio e longo Carlos Augusto Krieck é bió-
Floresta da Fundação Amazonas prazo, fortalecendo a relação en- logo pela Universidade Regional
Sustentável (FAS) e o Projeto de tre usuário-pagador e provedor- de Blumenau e Mestre em Eco-
Carbono com a comunidade in- -recebedor. logia e Conservação pela Uni-
dígena Suruí, são experiências De qualquer maneira, o PSA tem versidade Federal do Paraná.
que consideram o planejamento se mostrado como uma excelente Atualmente é Assessor para
participativo na sua metodologia ferramenta de gestão territorial, Serviços Ambientais e Biodiver-
e que alcançaram excelentes re- agregando aliados e abrindo o sidade do Vitae Civilis Instituto
sultados nesse sentido. diálogo entre diferentes setores para o Desenvolvimento, Meio
Por fim e o mais importante, é da sociedade. Por se tratar de Ambiente e Paz.
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Autores: Célia Massako Onishi, Administradora de Empresas pela Faculdade de Economia e Administração da USP, Mestranda em Desenvolvimento
Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp e Coordenadora de Projetos do Instituto Samuel Murgel Branco. Endereço eletrônico: celia.oni-
shi@ismb.org.br; Rosana Filomena Vazoller, Bióloga, Conselheira do Instituto Samuel Murgel Branco (http://lattes.cnpq.br/0357556525507074);
Bastiaan Philip Reydon, Professor livre docente do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental do Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas (NEA/IE/Unicamp), assessor de Sustentabilidade da Agência de Inovação - Unicamp e consultor do Banco Internacional de Reconstrução
e Desenvolvimento (Banco Mundial) e da FAO. Endereço eletrônico: basrey@eco.unicamp.br