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Apocalipse agora

Em entrevista à Revista de História, a pesquisadora Elaine Pagels, professora da Universidade de Princeton, fala sobre as teorias
apocalípticas ontem e hoje

Alexandre Leitão

1/10/2012


Representação do Apocalipse em miniatura do século XIII: autoria incerta do livro que inspira gerações.

Tempos de guerra e de crise costumam fortalecer movimentos místicos. No horizonte despontam as terríveis profecias do Juízo Final. Dois mil
anos depois de escrito, o Livro do Apocalipse mantém-se renovado em inúmeros corações e mentes. Como explicar tal mistério?
Foi com essa inquietação que a historiadora Elaine Pagels, uma das mais respeitadas conhecedoras de escritos sagrados, decidiu pesquisar o
também chamado Livro das Revelações. Em seu livro recém-lançado (Revelations: Visions, Prophecy, and Politics in the Book of Revelation,
ainda sem tradução), elaexplica que não há apenas um, mas vários textos do Apocalipse, que seu autor provavelmente não era apóstolo de
Cristo e que as imagens demoníacas ali descritas tinham inspirações bem terrenas.
Nesta entrevista, a professora da Universidade de Princeton (Estados Unidos) dessacraliza os textos religiosos, compreendidos em seu contexto
histórico e político.

REVISTA DE HISTÓRIA O que chamou sua atenção para o Livro do Apocalipse?


ELAINE PAGELS Começou em 2002, quando o presidente dos
Estados Unidos [George W. Bush] defendeu a invasão do Iraque utilizando a expressão “Eixo do Mal”. Foi assim que promoveu a guerra: não por
uma decisão estratégica, mas por uma decisão moral. Quase uma missão religiosa. Eu pensei: por que ainda tem gente lendo esse velho livro, e
lendo desse jeito?
RH De que outra forma ele pode ser lido?
EP O Apocalipse é sobre sonhos e visões. Sugere que, quando o mundo está complicado e confuso, as pessoas podem sentir que tudo está fora de
controle, mas tudo vai ficar bem: a justiça de Deus vai prevalecer e haverá um novo mundo. É um livro sobre esperança, para pessoas que estão
ansiosas diante de uma circunstância caótica.
RH Isso dizia respeito à época em que foi escrito?
EP Certamente. O autor vivia no período subsequente ao da terrível guerra dos judeus contra Roma no século I. Ele queria persuadir seus
companheiros judeus, que acreditavam em Jesus, de que a opressão romana estava destruindo o povo inteiro. E persuadi-los de que nem tudo
estava perdido; a justiça divina seria feita. As imagens são muito específicas daquele tempo. O Império Romano como a Besta, cujo número
representa o nome de Nero [37-68], que acreditavam ser o pior imperador que se pode ter. Para os leitores da época, isso era de um simbolismo
transparente. Todo mundo sabia que a Besta e a Meretriz representavam o Império Romano.
RH O homem que escreveu o Apocalipse não é o mesmo que escreveu OEvangelho segundo João?
EP A maioria dos estudiosos acha que não é a mesma pessoa. O autor do Apocalipse retrata os doze apóstolos como se eles já tivessem morrido.
Eles também têm seus nomes nos doze portões da cidade, e o autor nunca disse que era um deles.
RH Por que o livro só entrou no Novo Testamento dois séculos depois de escrito?
EP Isso me fascinou: mesmo depois que o imperador Constantino [272-337] se tornou cristão, o bispo Atanásio de Alexandria [ca. 295-373] não
usou o Apocalipse durante 25 anos. Só depois, quando o filho de Constantino [imperador em sucessão ao pai] opôs-se a ele e o exilou, é que
decidiu incluir o livro no Novo Testamento. Estava tão zangado e furioso que aquela foi sua forma de contra-atacar: “Como pode esse imperador
não ser o Anticristo? Ele é obviamente a Besta”.
RH Houve outras leituras do Apocalipse na história do cristianismo?
EP A Bíblia original de Martinho Lutero [1483-1546], quando ele dividiu o mundo cristão, tinha imagens feitas por um amigo seu, chamado Lucas
Cranach. E as ilustrações do Apocalipse retratam a Meretriz da Babilônia como sendo o papa de Roma. Ao mesmo tempo, o primeiro biógrafo
católico de Lutero retratou-o como a Besta de sete cabeças. Essas imagens de sonho e pesadelo são tão abertas que qualquer um pode usá-las, a
qualquer tempo. Para alguns católicos do século XVI, a Grande Meretriz era a rainha Elizabeth I [1553-1603].
RH As versões do livro encontradas no século XX são diferentes?
EP Sim, elas falam sobre achar acesso direto a Deus, e não sobre o fim do mundo. Provavelmente foram feitas para cristãos em um nível
avançado, como monges e pessoas engajadas na prática espiritual. Acho que foram suprimidas pela Igreja mais tarde, porque sugeriam que os
homens podiam achar Deus por conta própria.
RH Imagens apocalípticas costumam ganhar força em tempos de guerra?
EP São muito úteis. Na Segunda Guerra Mundial [1939-1945], alguns diziam que Hitler era o Anticristo, enquanto os nazistas diziam que ele
estava trazendo o reino de Cristo. O Apocalipse foi usado na Primeira Guerra Mundial [1914-1918], na Guerra Civil Americana [1861-1865],
sempre por pessoas dos dois lados. Ele permite interpretar qualquer conflito como um conflito entre o Bem e o Mal. E o único modo como
podemos lidar com as pessoas do Mal é conquistando-as ou destruindo-as.
RH Até ateus e agnósticos se identificam com essas ideias?
EP Ah, sim. Uma vez, ouvindo o biólogo Edmund Wilson, da Universidade de Harvard, falar sobre mudanças climáticas e a destruição do sistema
ecológico, eu brinquei que aquilo soava como o Livro do Apocalipse. Ele disse: “Ah, sim, eu sou um batista”. Ao falar sobre ecologia, era como
se fosse um sermão batista.
RH Como o Apocalipse alimenta o fanatismo atual, em seitas cristãs e vertentes do movimento islâmico?
EP Nos Estados Unidos, uma grande quantidade de cristãos acha que o fim do mundo está chegando. Isso é preocupante. No Corão há imagens da
batalha final, do julgamento final. Alguns muçulmanos leem isso como uma batalha entre eles e os não muçulmanos. Outros interpretam como
uma guerra do espírito, não uma guerra de verdade.
RH O Apocalipse já foi usado em favor da ética?
EP Sim, como quando Martin Luther King Jr. [1929-1968] luta contra a injustiça racial. Ele e vários cristãos afro-americanos usaram a linguagem
do Apocalipse. Falam sobre a promessa de um mundo que vai reverter as injustiças. As pessoas hoje oprimidas serão felizes.

Fonte Revista História – 01/10/2012


Elaine Pagels, professora da Universidade de Princeton

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