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E-commerce em uma sociedade de consumo:

Alguns aspectos relevantes acerca da segurança


digital dos contratos eletrônicos à luz da
legislação brasileira 1

Wagner de Souza Berton2

Quando existe avanço tecnológico sem avanço social, surge


quase automaticamente, um aumento da miséria humana.
Michael Harrington

RESUMO
A evolução tecnológica traz inovações constantes na área da Informática, que é responsável
por uma verdadeira revolução na sociedade contemporânea, e isso numa velocidade incrível, pois em
apenas uma geração anterior, nem se cogitava a hipótese de se ter a Internet como ela é hoje, a ponto
de pessoas tornarem-se dependentes de ferramentas como Facebook ou Twitter 3. A informatização
facilitou a vida de grande parte da população de forma direta ou indireta, inclusive na seara
consumerista, pois se originaram formas de relações mais rápidas e dinâmicas, antes não previstas pelo
ordenamento, que, agora, tenta se adaptar à nova sociedade. Por outro lado, a Internet tornou o
consumidor ainda mais frágil na relação jurídica com o fornecedor. Considere-se aqui a fragilidade no
que tange ao acesso e fiscalização dos dados transmitidos pelo fornecedor, além da fragilidade diante
da própria linguagem técnica de que se utiliza a informática no ciberespaço. Estes fatores acabam por
estabelecer um novo paradigma de confiança no comércio eletrônico, vez que o consumidor se torna
mais vulnerável, ao passo que, o fornecedor se veste de um novo poder, o da desmaterialização,
justamente por ficar oculto, sem “rosto” na negociação. Destarte, é de conhecimento notório a
dificuldade do Direito em acompanhar essa dinâmica evolutiva, surgindo, com isso, inúmeras lacunas
que originam discussões no meio jurídico.
Palavras-chave: Direito. Consumidor. Internet. Sociedade da informação.

ABSTRACT
1
Exercício apresentado pelo mestrando Wagner de Souza Berton à disciplina de Privacidade e Protecção de
Dados Pessoais, no curso de Mestrado em Direitos Humanos – Universidade do Minho – Braga – Portugal.
2
Wagner de Souza Berton é Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e Mestrando em Direitos Humanos na Universidade do Minho em
Portugal na modalidade "sandwich", possui Graduação em Direito pela Faculdade Meridional - IMED, com
ênfase em Direito Empresarial. Integrante do Projeto de Pesquisa: Os desafios para a concretização de uma
educação voltada aos direitos humanos: Considerações, obstáculos, propostas; do Programa de Pós-graduação
em Direito - Mestrado e Doutorado da Unisc, coordenado pelo professor Pós-Doutor Clovis Gorczevski.
Atualmente é servidor público militar. Endereço eletrônico: wsberton@hotmail.com.
3
Também é uma rede social que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos.
A evolução tecnológica traz inovações constantes na área da Informática, que é responsável
por uma verdadeira revolução na sociedade contemporânea, e isso numa velocidade incrível, pois em
apenas uma geração anterior, nem se cogitava a hipótese de se ter a Internet como ela é hoje, a ponto
de pessoas tornarem-se dependentes de ferramentas como Facebook ou Twitter 4. A informatização
facilitou a vida de grande parte da população de forma direta ou indireta, inclusive na seara
consumerista, pois se originaram formas de relações mais rápidas e dinâmicas, antes não previstas pelo
ordenamento, que, agora, tenta se adaptar à nova sociedade. Por outro lado, a Internet tornou o
consumidor ainda mais frágil na relação jurídica com o fornecedor. Considere-se aqui a fragilidade no
que tange ao acesso e fiscalização dos dados transmitidos pelo fornecedor, além da fragilidade diante
da própria linguagem técnica de que se utiliza a informática no ciberespaço. Estes fatores acabam por
estabelecer um novo paradigma de confiança no comércio eletrônico, vez que o consumidor se torna
mais vulnerável, ao passo que, o fornecedor se veste de um novo poder, o da desmaterialização,
justamente por ficar oculto, sem “rosto” na negociação. Destarte, é de conhecimento notório a
dificuldade do Direito em acompanhar essa dinâmica evolutiva, surgindo, com isso, inúmeras lacunas
que originam discussões no meio jurídico.
Keywords: Right. Consumer. Internet. The information society.

1. Considerações iniciais: contextualizando e delimitando o tema

Diariamente a mídia divulga evoluções tecnológicas que afetam as mais diversas


áreas do conhecimento, como um novo exame médico; processadores mais potentes; baterias
mais eficientes e cada vez menores; novos meios de relações on-line5; enfim, uma infinidade
de novidades. A informatização facilitou a vida de todos de forma direta ou indireta, inclusive
na seara consumerista, pois se originaram formas de relações mais rápidas e dinâmicas,
inclusive ignorando limites de cunho geográfico, o que antes não era previsto pelo Direito,
que, agora, tenta se adaptar ao impacto tecnológico trazido pela globalização.
Por outro lado, a Internet tornou o consumidor ainda mais frágil na relação jurídica
com o fornecedor. Considere-se aqui a fragilidade no que tange ao acesso e fiscalização dos
dados transmitidos pelo fornecedor, além da fragilidade diante da própria linguagem técnica
que se utiliza a informática no ciberespaço.
Estes fatores acabam por estabelecer um novo paradigma de confiança no comércio
eletrônico, vez que o consumidor se torna mais vulnerável, ao passo que, o fornecedor se
veste de um novo poder, o da desmaterialização, justamente por ficar oculto, sem “rosto” na
negociação.

4
Também é uma rede social que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos.
5
On-line significa "estar disponível ao vivo". Em um site, significa acesso a uma página de Internet em tempo
real. Na comunicação instantânea, significa estar pronto para a transmissão de dados, também em tempo real.
Neste ínterim, aborda-se neste simples trabalho, alguns aspectos relevantes acerca da
relação de consumo que se dá em ambiente digital através do chamado contrato eletrônico e,
por conseguinte, acaba por gerar o comércio eletrônico (e-commerce).

2. A relação de consumo
A relação de consumo tem, obrigatoriamente, duas partes envolvidas na relação
jurídica, quais sejam, fornecedor e consumidor, tendo por objeto um produto ou serviço.
Segundo o Código de Defesa do Consumidor - CDC, em seu art. 2º, consumidor é “toda
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Para explicar o conceito de consumidor, surgiram duas correntes doutrinárias, são elas:
a corrente finalista e a maximalista. Para a corrente finalista, consumidor possui um
entendimento restrito, de modo que apenas aquele que adquire um produto ou serviço para
uso particular, em caráter não profissional, sem almejar lucro com o produto ou bem
adquirido, é que seria protegido pelo CDC. Desta forma, excluem-se os profissionais que
adquirem um bem ou serviço no intuito de empregá-lo para gerar vantagem econômica, pois
se entende que o consumidor stricto sensu é a parte mais vulnerável/fraca na relação,
demandando maior proteção jurídica.
Já para a corrente maximalista, consumidor é toda pessoa, física ou jurídica, que
adquire um bem ou serviço, com ou sem o intuito de lucro. Para tanto, basta retirar o objeto
do mercado e consumi-lo para ser sujeito de direitos consumeristas. Observe que aqui, o
conceito torna mais abrangente a figura de consumidor, vez que basta ser o “destinatário
fático” do produto ou serviço. No que tange a estas definições, Sheila Leal (2009, p. 99) faz
uma observação pertinente:

O conceito de consumidor não pode ser visto como um conceito unívoco, pois pode
ocorrer de determinada empresa, em relações de consumo diferenciadas, ora ocupar
a posição de fornecedor, ora ocupar a posição de consumidor. Por exemplo: o lojista,
ao contratar com outra empresa a confecção de programas de computador para
controle do estoque do seu estabelecimento, ocupa a posição de consumidor, pois se
coloca na situação de destinatário fático do serviço. O mesmo lojista, ao revender os
produtos que comercializa, estará na posição de fornecedor.

Ainda nas palavras de Sheila Leal, (2009, p. 100):

A interpretação restritiva do conceito de consumidor, como pretendem os adeptos da


corrente finalista, acabaria por excluir do âmbito de proteção do Código de Defesa
do Consumidor inúmeras relações ocorridas na Internet, o que aumentaria a
insegurança jurídica dos usuários da rede.
Segundo o princípio da vulnerabilidade do consumidor, há a presunção de que este seja
a parte mais fraca da relação. Neste sentido, a professora Cláudia Lima Marques (2002)
classifica em três aspectos o princípio da vulnerabilidade, são eles: a técnica, a jurídica e a
fática.
A vulnerabilidade técnica diz respeito à falta de conhecimentos técnicos do
consumidor em relação ao produto ou serviço, que podem levá-lo a erro quanto às
características ou o fim a que se destina o objeto contratual.
A vulnerabilidade jurídica decorre da falta de recursos ou conhecimentos jurídicos para
fazer frente ao fornecedor. Esta se presume ao consumidor não-profissional e ao consumidor
pessoa física.
A vulnerabilidade fática tem relação com a situação econômica que o fornecedor acaba
impondo ao consumidor, seja pelo fato de possuir grande poder econômico ou pelo fato da
essencialidade de seu serviço/produto a todos com quem contrata.
O conceito que melhor está adequado com a Constituição Federal e com os princípios
jurídicos é sem dúvida, a corrente maximalista, pois abarca a ideia de que todos os
consumidores estão expostos ao poder econômico dos fornecedores em geral, confirmando,
por conseguinte, a vulnerabilidade e a hipossuficiência desse sujeito.
Inclusive a jurisprudência nacional vem seguindo este caminho, onde a Ministra
Fátima Nancy Andrigui, ao proferir seu voto no julgamento do Recurso Especial nº. 476.428-
SC, j. 19.04.2005, considerou como consumidora uma empresa de Hotelaria que demandou
uma distribuidora de gás, pelo fato de não conseguir utilizar as sobras de gás que ficavam no
recipiente, trazendo desta forma prejuízos à reclamante. São as palavras da Ministra:

[...] não se pode olvidar que a vulnerabilidade não se define tão somente pela
capacidade econômica, nível de informação/cultura ou valor do contrato em exame.
Todos esses elementos podem estar presentes e o comprador ainda ser vulnerável
pela dependência do produto; pela natureza adesiva do contrato imposto; pelo
monopólio da produção do bem ou sua qualidade insuperável; pela extremada
necessidade do bem ou serviço; pelas exigências da modernidade atinentes à
atividade, dentre outros fatores.

O CDC traz o conceito de fornecedor em seu artigo 3º, como sendo:

toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem


como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição
ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O conceito de fornecedor é bastante amplo, envolvendo o fabricante originário, o


intermediário e o comerciante de modo que, esta atividade decorra de forma profissional e
com habitualidade. Para Paulo Antonio Nevares Alves e Priscilla Pacheco Nevares Alves
(2008, p. 75), na definição de fornecedor:

inclui-se todo o grupo de fornecedores da mesma marca, inclusive a filial brasileira


do grupo, e do mesmo grupo multinacional, bem como, toda a cadeia de
fornecedores, que apõem a marca e com isto se beneficiam da publicidade e da
marca globalizada.

Conforme o entendimento de Sheila Leal (2009, p. 103), pode se dizer que:


“fornecedor nos contratos eletrônicos via Internet é todo ente que provisione o mercado de
consumo de produtos ou serviços, por meio eletrônico, através da rede mundial de
computadores”.
Entre a relação jurídica composta pelo consumidor de um lado, e do fornecedor do
outro, há o objeto de interesse das partes, que pode ser um produto ou serviço. O §1º do artigo
3º do CDC dispõe que “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. A
legislação pátria sempre buscou definir “bens”, tanto que o fez no Código Civil, nos arts. 79 a
103, classificando-os em: bens considerados em si mesmos; bens reciprocamente
considerados; bens públicos. Todavia, a legislação consumerista inova ao trazer em seu bojo a
palavra “produto”.
O professor José Geraldo Brito Filomeno (2008), faz todo um arrazoado acerca
daquelas palavras em relação ao CDC, onde, em suma, o ideal seria que o legislador
substituísse a palavra “produtos” de seu art. 3º por “bens”, pois este é muito mais abrangente
do que aquele.
Importante destacar, que os bens imateriais também são objetos de consumo consoante
a legislação. São bens imateriais aqueles intangíveis, que escapam ao tato, sendo exemplo o
software e as obras intelectuais, que tanto são objeto de relações jurídicas na Internet.
Igualmente merece destaque, os produtos que são ofertados gratuitamente, pois em que pese o
fornecedor não obter lucro de forma direta, este está buscando concretizar negócios jurídicos
de forma indireta, e por isso, passível de responsabilização em caso de vício ou fato do
produto.
No que tange aos serviços como objeto contratual, dispõe o §2º do art. 3º do CDC:
“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes
das relações de caráter trabalhista”.
Aqui, a definição também é ampla, de modo que toda atividade prestada pelo
fornecedor ao consumidor, com intuito de lucro será entendida como serviço para a legislação
consumerista. Pode-se perceber, que mesmo a relação de consumo ocorrendo em meio virtual,
através de um contrato eletrônico, as partes ficarão atreladas ao Código de Defesa do
Consumidor. Aliás, neste sentido é o art. 13 do PL 1.589/99 da OAB de São Paulo, onde:
“aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de proteção e defesa do consumidor”.
Contudo, ainda restam obscuridades relativas aos contratos eletrônicos, como suas
características, sua classificação, suas formas, etc.

3. Dimensões dos contratos eletrônicos

Antes de adentrar-se no tema ora em foco, faz-se pertinente delimitar o conceito de


contrato nos termos do Código Civil, para após analisar o contrato que se dá com a grande
propulsão das tecnologias, em especial a Internet, para assim, haver um melhor entendimento
da presente pesquisa.
Na ordem civil, o instituto do contrato é entendido por Orlando Gomes (1994, p. 4)
como sendo: “uma espécie de negócio jurídico, que se distingue na formação, por exigir a
presença pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral ou
plurilateral”. Deste entendimento, pode-se perceber que em um contrato, há ao menos duas
manifestações de vontades, inexistindo desta forma, contrato de uma pessoa só, pois
evidentemente impossível ter-se um negócio jurídico consigo mesmo, neste sentido também é
o disposto no art. 117 do Código Civil.
Para ser válido o contrato, as partes devem ter capacidade civil, negociarem acerca de
um objeto lícito, possível, determinado ou determinável e, ainda, observarem uma forma
prescrita ou não defesa em lei, sob pena de o contrato ser inexistente, inválido ou ineficaz.
Quando o contrato for celebrado nos moldes do parágrafo anterior, este fará lei entre as
partes contratantes, ou seja, serão obrigatórios às partes os direitos e deveres nele expressos,
por força do princípio pacta sunt servanda. O referido princípio, por sua vez, era absoluto
tempos atrás, aspecto este que vem sendo relativizado para adequar-se aos direitos e garantias
do consumidor, como ocorre no art. 157 do Código Civil, que traz a teoria da lesão e nos arts.
478 a 480 (onerosidade excessiva).
Nas palavras de Maria Helena Diniz (1996, p. 9), percebe-se o cunho subjetivo na
noção de contrato, vez que decorre do acordo de vontades, assim, contrato é: “o acordo entre
a manifestação de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a
estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir,
modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”.
O contrato deve estar em conformidade com a ordem jurídica, algo que sempre deve
ser observado, mesmo que em ambiente virtual, onde as pessoas puderam relacionar-se em
meio artificial, proporcionando novas formas de acordos de vontade, dispensando desta forma
documentos físicos, ou seja, aqueles que encontram suporte em algo tangível. Disto decorre a
formação de contratos atípicos, algo perfeitamente possível, pois o novo Código Civil dispõe
no art. 425: “É lícito as partes estipular contratos atípicos, observados as normas gerais
fixadas neste Código”.
Sobre novas formas de acordos de vontades, Carlos Alberto Bittar (1991, p. 6), aduz
que: “Sobreleva realçar, nesse aspecto, a ascensão dos contratos não-regulamentados, ou
atípicos, dada a diversidade de negócios engendrados e executados, ante a expansão
possibilitada pela tecnologia, em especial, de comunicações”.
Deveras, o formato dos contratos em muito se alterou para conseguir abarcar todas as
formas de acordos presentes atualmente, dado é a dinamicidade da sociedade da informação,
que exige contratos específicos para relações sociais em constante evolução, por isto que o
Código Civil, como comentado, não veda contratos inominados, salvo quando a lei impõe
forma especial. São exemplos de contratos especializados: as holdings, os consórcios,
factoring, leasing, etc.
Com a evolução tecnológica influenciando o modo de contratação das partes, até
mesmo o documento de papel vem sendo substituído, algo antes impensável em uma
sociedade que teve o século XX como o século do papiro. Nesta senda, Fábio Ulhoa Coelho,
faz uma reflexão sobre a influência das tecnologias em relação aos contratos:

estamos tão acostumados com o uso do papel para suportar informações que não
ficamos seguros diante do novo suporte. O Código de Hamurabi foi escrito numa
pedra e talvez seus contemporâneos desconfiassem da perenidade das regras, se lhes
fossem apresentadas escritas num papiro. (Apud LAWAND, 2003, p. 21).

É neste cenário que surge o contrato eletrônico, que terá por objeto os mais diversos
tipos de contratações de forma completa ou parcial, ou seja, pode o consumidor apenas aceitar
uma oferta ou pagá-la por meio digital, pode o fornecedor cumprir a obrigação pela própria
Internet, etc., ou todas estas etapas podem se dar pela grande rede como assevera Ricardo L.
Lorenzetti: “Uma vez constatado que o meio digital é utilizado para celebrar, cumprir ou
executar um acordo, estaremos diante de um contrato eletrônico.” (2004, p. 287).
Para Sheila do Rocio Leal, pode se entender por contrato eletrônico: “aquele em que o
computador é utilizado como meio de manifestação e de instrumentalização da vontade das
partes”. (2009, p. 79). No entanto, Silvânio Covas faz uma crítica quanto a este conceito,
pois: “o hardware6 simplesmente dá base para operacionalizar o software, sendo que este,
sim, vai oferecer o ambiente para o aperfeiçoamento do contrato.” (Apud MATTOS, 2009, p.
33).
Em outras palavras, o computador, considerado tão somente enquanto hardware é
incapaz de fazer qualquer processamento, por isso, o conceito ideal deve envolver também a
parte lógica do computador. Neste diapasão, entende-se adequado o conceito de Paulo
Antonio Nevares Alves e Priscilla Pacheco Nevares Alves (2008, p. 27), onde: “contrato
eletrônico é aquele formado, concluído e aperfeiçoado através de transmissão eletrônica de
dados”. O contrato eletrônico pode ser entendido como o contrato clássico numa forma
evoluída, vez que o acordo de vontades é o mesmo, só que expressado por meios eletrônicos,
assim:

(…) nas compras realizadas através da Internet, estabelece-se um contrato


eletrônico, entre o empresário titular do estabelecimento virtual (vendedor) e o
internauta (comprador). O primeiro exterioriza a oferta e o último a aceitação
através de informações intercambiais por via telefônica. Os computadores dos
contratantes põem-se em rede e o encontro de vontades que concretiza o contrato se
dá pela troca de informações por processamento eletrônico de dados. Em razão de
registrar as vontades dos contratantes, em meio magnético, o contrato eletrônico
suscita algumas questões jurídicas próprias. (MELLO Apud LAWAND, 2003, p.
86).

Percebe-se então, que basicamente os contratos eletrônicos são bilaterais ou


sinalagmáticos, por decorrer do acordo de duas vontades numa compra e venda de produtos
ou serviços. Podem ser onerosos, já que envolvem negociações que trarão vantagens para
ambas as partes. São consensuais, pois formam-se com a simples proposta e aceitação. Trata-
se de um contrato não solene, já que não necessita de qualquer formalidade especial para ter
como objeto bens disponíveis. Ainda, são instantâneos quando realizados de forma on-line.
Se faz pertinente para uma melhor compreensão do instituto em comento, a
classificação dos contratos eletrônicos conforme a doutrina. Assim, apresenta-se uma
classificação conforme Pereira dos Santos e Mariza Dalapieve Rossi (apud LEAL, 2009, p.
82-89):
 Contratos eletrônicos intersistêmicos:
A principal característica deste tipo de contrato é a relação comercial que se dá num
sistema fechado de comunicação, via programas de computador, previamente programados
para determinadas transações.
Geralmente são utilizados entre empresas nas relações comerciais de atacado, onde,
previamente às transações comerciais, pactuam-se os direitos e obrigações inerentes às partes.
6
É a parte física do computador, ou seja, é o conjunto de componentes eletrônicos, circuitos integrados e placas.
Em seguida, há a programação dos computadores de acordo com o disposto no contrato e, a
partir daí, as máquinas operam de forma automática, sem intervenção humana.

Assim, quando todas as entidades da cadeia comercial estão interligadas a um


sistema EDI7, a passagem de um produto pela leitora óptica da caixa registradora de
um supermecado emite um comando eletrônico para o sistema de compras que, por
sua vez, emite um comando para o sistema de vendas do fornecedor daquele
produto. Este também em razão de prévia programação emite comando de respostas
ao primeiro e, em dele recebendo a ordem de fornecimento eletrônica, emite
comandos aos sistemas de controle de faturamento e de entregas, os quais emitirão
os respectivos comandos para o sistema de contas a apagar do supermercado, e para
os sistemas de fornecimento de empresa transportadora e seguradora, e assim
sucessivamente, os sistemas aplicativos das diferentes entidades se intercomunicarão
até que todas as operações envolvendo o fornecimento, pagamento e entrega do
produto estejam consumadas. (LEAL, 2009, p. 115).

O sistema EDI é basicamente uma integração de protocolos de comunicação


programados para proporcionar transferências de dados a fim de estabelecer transações
comerciais entre as partes, tudo de forma automatizada. Logo, são tarefas que podem ser
programadas: ordens de compra, aceitação ou rejeição da ordem, notas de despacho de
mercadorias, geração de faturas, etc.

O uso do EDI diminui o problema de sobrecarga de informações manipuladas por


pessoas através da ‘papelada’. Com o aumento da velocidade de transmissão e o
processamento da informação surge o interesse de se trabalhar com uma maior
quantidade de dados, o que, principalmente no meio empresarial, pode proporcionar
grandes espaços para aumento de produtividade e competitividade, e
conseqüentemente, de lucro. (LAWAND, 2003, p. 102).

 Contratos eletrônicos interpessoais:


Este é o modelo de contrato que corresponde ao modelo clássico de contratação, vez
que há negociação entre as partes desde a oferta, aceitação e instrumentalização do acordo,
via meios eletrônicos. As formas mais utilizadas para a realização deste contrato são os chats,
videoconferência e precipuamente por correio eletrônico (e-mail).
Pode se fazer uma analogia entre o serviço de correio eletrônico ao tradicional serviço
de cartas, em que se recebe uma correspondência, após se abre a mesma para a leitura,
podendo eliminá-la, arquivá-la, respondê-la ou encaminhá-la para terceiro. Nos contratos
eletrônicos interpessoais:

O computador oferece meio de comunicação para o acordo de vontades das duas


partes; necessariamente decorre da interação humana nos dois pólos de relação.
Podendo ser simultâneos – quando as partes estão ao mesmo tempo conectadas na
rede. Ou não simultâneos em que existe lapso temporal entre a declaração de
vontade de uma parte e a recepção desta pela outra parte. (ALVES, P. A. N.;
ALVES, P. P. N., 2008, p. 114).

7
Electronic data interchange – Intercâmbio eletrônico de dados.
Para Lawand (2003), este tipo de contrato é classificado como contrato eletrônico on-
line, que também pode ser off-line. No primeiro caso, a oferta, a aceitação e a execução do
contrato ocorrem pela Internet, em tempo real, ao passo que, no segundo caso, somente a
execução ocorre fora da Rede. Assim, no contrato eletrônico on-line, há a oferta de um
software via Internet, por exemplo, o consumidor aceita a oferta e o fornecedor entrega o
bem, tudo dentro da Rede. Porém, pode ocorrer a oferta e a aceitação de um bem tangível na
Rede e sua entrega ocorrer de forma tradicional, fora da Internet, configurando um contrato
eletrônico off-line.
 Contratos eletrônicos interativos:
Este modelo é o que melhor representa a Internet, devido sua presença em massa em
praticamente todos os sites, ofertando permanentemente produtos ou serviços. O contrato
eletrônico interativo decorre da interação entre o usuário e um software previamente
programado para oferecer o produto, demonstrando suas características, seus modelos, suas
imagens, formas de pagamento, endereço de entrega, etc.
O sistema é programado pelo fornecedor para oferecer o bem e receber a aceitação do
consumidor, além dos atos burocráticos da transação, como cadastrar os dados pessoais e
disponibilizar as condições de pagamento, entre outros. Na grande maioria das vezes, estes
contratos são de adesão, onde o consumidor apenas marca uma caixa de opção, indicando que
está de acordo com os termos da transação, formulados unilateralmente pelo fornecedor que
permanece desmaterializado, oculto, sem “rosto”.
O conceito de contrato de adesão está disposto no art. 54 do CDC:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela
autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos
ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo.

Esta forma de contratação também é denominada de contrato por clique (LAWAND,


2003) ou contrato-tipo (ALVES, P. A. N.; ALVES, P. P. N., 2008), pois os termos do negócio
são aceitos através do mouse na tela do computador, geralmente através de uma caixa de texto
onde consta “eu concordo”. Logo, ao clicar sobre o “botão eletrônico”, haverá a manifestação
da vontade por parte do usuário no sentido de concordar com as cláusulas apresentadas.
Como neste tipo de contrato as cláusulas são elaboradas apenas por uma parte
(fornecedor), cabe ao consumidor: “apenas aderir incondicionalmente, sem que haja
possibilidade de discussão” (ALVES, P. A. N.; ALVES, P. P. N., 2008, p.115) ou rejeitar a
oferta. Nesta senda, Silvio de Salvo Venosa (Apud LAWAND, 2003, p. 19) expõe que:
Na sociedade de consumo, a contratação de massa faz girar nossa vida negocial. O
fenômeno da massificação congrega um conjunto de muitos indivíduos anônimos.
Dentro dessa nova realidade, o contrato negociado não encontra guarida. Hoje,
deparamos com certo automatismo contratual que deixa imperceptível o mecanismo
da vontade, antes um baluarte do contrato. Modernamente, cada vez mais o
indivíduo encontra-se contratando com um ente despersonalizado. A figura do
contratante que oferta bens e serviços às massas geralmente é desconhecida. Com o
inadimplemento é que o contratante individual lesado procura identificá-lo. Desde a
compra de um ingresso para o cinema até a aquisição de bens por meio de uma
máquina de refrigerantes ou por meio de processamento de dados, com utilização de
linhas telefônicas, a automatização aperfeiçoa-se e mostra-se crescente na vida
social.

Em suma, no comércio eletrônico, tem se realizada a oferta no momento em que o


fornecedor disponibiliza a informação na Internet, ficando ao acesso de possíveis
consumidores. A aceitação ocorre quando, o consumidor expressamente declara sua vontade
de contratar e esta chega até ao fornecedor, tudo por meio da grande Rede e na forma de
bytes. Esta forma de contratar pela Internet, num futuro próximo será a regra e não mais a
exceção, e isto cada dia está mais perto.
Cabe sublinhar também, aspectos pertinentes ao ciberespaço no que tange ao comércio
virtual, haja vista a complexidade existente neste ambiente, ao qual muitos juristas evitam se
pronunciar.

4. Notas acerca do comércio virtual

O ordenamento jurídico brasileiro já consegue dar validade e eficácia aos contratos


eletrônicos, porém, foi possível perceber que a rede mundial de computadores garante
peculiaridades distintas ao comércio que se dá por meio dela, o que gera reiteradamente
dúvidas quanto a aplicação da jurisdição, e isso não corre só no Brasil, é um fenômeno
mundial.
É neste ambiente que se tem o comércio eletrônico, podendo ser entendido como a
transação de produtos e serviços via Internet. O e-commerce difere-se do comércio clássico
por, via de regra, não ter as partes presentes 8 fisicamente nos atos de oferta, aceite e
pagamento do produto/serviço, pois tem a característica de ser à distância. Entretanto, mesmo
o comércio eletrônico ser à distância, ainda assim se difere das demais formas de contratação
não presenciais existentes, como observa Analice Castor de Mattos:

Diferente dos outros meios de contratação à distância, como telefone, televisão,


correio, catálogos etc., a Internet propicia ao fornecedor novas formas de marketing
agressivo (com imagens interativas, links, sons) com acentuado poder de persuasão
24 (vinte e quatro) horas ininterruptas e a custos reduzidos. (2009, p. 32).
8
Vale lembrar que as partes poderão transacionar em tempo real, de forma presente na Rede de computadores,
contudo, tal modo não é o mais utilizado.
Por isto que se torna importante a educação do consumidor virtual comentada alhures,
já que o usuário pode ser facilmente levado a erro diante de uma publicidade enganosa ou
abusiva, contratando obrigações não queridas com poucos cliques do mouse. O que corrobora
ainda mais para a insegurança na Internet é a dificuldade de se obter elementos probatórios
aptos a demonstrar a veracidade das operações eletrônicas. Neste aspecto, já existem
tecnologias capazes de conferir validade aos documentos eletrônicos, é o caso da encriptação
e do certificado digital, tecnologias estas que vêm sendo utilizadas por alguns tribunais,
merecendo destaque o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
Entende-se por documento eletrônico “a informação gerada, enviada, recebida,
armazenada ou comunicada por meios eletrônicos, ópticos, opto-eletrônicos ou similares9”.
O art. 9 da Lei Modelo da UNCITRAL10 confere a mesma validade destinada aos
documentos físicos para os documentos eletrônicos, não se aplicando “nenhuma norma
jurídica que seja óbice à admissibilidade de mensagens eletrônicas como meio de prova (…)
pelo simples fato de serem mensagens eletrônicas”.
Sua força probante está diretamente relacionada à confiabilidade da forma em que a
mensagem é gerada, armazenada e transmitida e à confiabilidade da forma em que seja
conservada a informação11. Percebe-se a importância do devido registro da informação,
principalmente por parte do fornecedor, que deve assegurar a conservação integra dos dados
para eventual disponibilização futura ao consumidor e, até mesmo para fins de prova judicial,
já que verificado os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, poderá haver a inversão do ônus da
prova. Este é o entendimento de Guilherme Magalhães Martins:

Logo, o dever do fornecedor de possibilitar ao consumidor “perenizar” a informação


ou o dado eletrônico tem por objetivo evitar (caso já celebrado o contrato) ou, pelo
menos, minimizar os danos decorrentes da retirada súbita de uma oferta do site,
mudando as regras do jogo, em ofensa ao princípio da vinculação da oferta. (2010,
p. 64).

Em seguida, o mesmo autor justifica esta atitude:

A razão de ser de tal medida é a dificuldade por parte do consumidor em produzir


aquela prova, de modo que, sem aquela providência judicial, não teria como ver
reconhecido o seu direito. (2010, p. 64).

Ainda, no intuito de garantir maior segurança jurídica aos usuários da Rede, Patrícia
Peck (2002, p. 91), expõe que:
9
Art. 2º, I, do Projeto de Lei nº. 4.906 de 2001.
10
Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional - A UNCITRAL busca uma padronização
da legislação comercial em nível internacional, tendo inclusive proposto o modelo de lei de comércio eletrônico
aos países membros. O Brasil faz parte da UNCITRAL.
11
Art. 9, “1”, “a” da Lei Modelo da UNCITRAL.
No âmbito do Direito Digital os requisitos para se garantir a segurança das relações
comerciais realizadas eletronicamente são a informação, a transparência, o emprego
padronizado da assinatura eletrônica de duas chaves assimétricas (...) e o uso de
seguros específicos para transações online com pagamento de prêmio.

Entende-se por informação12 e transparência13, o fácil acesso do consumidor a dados


relativos à empresa, como seu CNPJ, o endereço de sua sede, seu responsável, meios de
contato, dados referentes aos produtos/serviços, se há seguro on-line, qual a tecnologia de
segurança que o site disponibiliza, enfim, todos os dados relacionados ao fornecedor, de
forma a evitar sua desmaterialização, já que a omissão de informações ao consumidor é algo
totalmente vedado segundo o CDC.
Disto decorre também o dever de segurança que deve estar presente na relação virtual,
haja vista que o CDC expressamente dispõe que: “Art. 6º, I – a proteção da vida, saúde e
segurança, contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos e nocivos”.
Portanto, o fornecedor deve proporcionar ao internauta um ambiente virtual seguro,
protegendo seu site com tecnologia de certificação digital por exemplo, garantindo que os
dados disponibilizados pelo consumidor estejam acessíveis somente por este e o fornecedor, e
para mais ninguém, neste ínterim é o disposto no art. 5º do PL nº. 1.589/99 que regula o
comércio eletrônico: “Art. 5º - O ofertante somente poderá solicitar do destinatário
informações de caráter privado necessárias à efetivação do negócio oferecido, devendo
mantê-las em sigilo, salvo se prévia e expressamente autorizado a divulgá-las ou cedê-las
pelo respectivo titular”.
É sabido, porém, que o avanço tecnológico constante proporciona aos crakers novos
meios de fraude, o que torna impossível um sistema de segurança garantir total proteção ao
consumidor virtual, diante disto, entra em cena o princípio da assunção dos riscos por parte do
fornecedor, de forma que este não pode eximir-se da responsabilidade de reparar possíveis
danos.
Esta obrigação se denomina de responsabilidade objetiva por parte do fornecedor,
dever este expresso no art. 14 do CDC, sempre que “a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem14”.
O fornecedor só não será responsável quando incidir uma das excludentes previstas no
mesmo art. 14, §3º, como ocorreu no caso da Empresa Interglobal Passagens e Turismo Ltda.
versus Banco Itaú, onde ocorreu fraude on-line pelo fato de o consumidor ter delegado a
12
CDC, art. 6º, III e 46.
13
CDC, art. 4º, IV.
14
Redação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.
terceiros o cadastro da senha eletrônica para acesso em sua conta virtual (homebanking),
restando ao Banco Itaú a impossibilidade de proteger a conta financeira do consumidor. No
caso em comento, foi o próprio consumidor que deu causa à fraude e não o fornecedor que
deixou de prestar segurança à transação eletrônica. Segue a ementa do recurso de apelação:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO BANCÁRIO. CADASTRAMENTO


DE SENHA. FRAUDE VIA ON LINE. NÃO COMPROVAÇÃO. EXCLUDENTE
DO DEVER DE INDENIZAR. CULPA DA VÍTIMA. INTELIGÊNCIA DO ART.
14, § 3º DO CDC. MEIO ELETRÔNICO. BOA-FÉ. PRINCÍPIO DA
CONFIANÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO
1. A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor não é absoluta,
sofrendo mitigação, pois o legislador exime o fornecedor de quaisquer obrigações,
caso comprove que, tendo prestado o serviço, o defeito inexistiu ou existiu a culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiros (art. 14, § 3º, CDC).
2. Uma vez que o Diretor da empresa autorizou sua empregada a cadastrar a senha
eletrônica, delegou-lhe poderes para movimentar a conta corrente, fugindo do
controle da instituição financeira os lançamentos efetuados, uma vez que a senha é a
"chave" eletrônica que dá acesso a todas as transações bancárias do meio virtual.
3. O comércio eletrônico da sociedade de massa e de consumo não pode prescindir
do princípio da confiança, consectário do princípio da boa-fé, sendo que o Código
de Defesa do Consumidor consagrou a fides, significando o hábito de firmeza e de
coerência de quem sabe honrar os compromissos assumidos, atitude de lealdade e de
fidelidade, que reina nas relações travadas entre pessoas honradas, no respeitoso
cumprimento das expectativas reciprocamente confiadas, não somente no momento
da celebração do negócio jurídico mas, principalmente, na fase de execução do
contrato, como sói acontecer no caso de crédito rotativo em conta corrente.
(Apelação nº 324.698-8, do foro central da comarca da região metropolitana de
Curitiba - 20ª Vara Cível - Apelante: Banco Itaú S.A. - Apelada: Interglobal
Passagens e Turismo Ltda - Relator: Des. Wilde de Lima Pugliese).

Para regular esta questão de senha digital, ou ainda, assinatura digital, foi editada a
Medida Provisória 2.200/2001 que instituiu a infra-estrutura das Chaves Públicas Brasileiras -
ICP-Brasil, que visa: “Art. 1º - (...) garantir a autenticidade, a integridade e a validade
jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações
habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações
eletrônicas seguras”.
Analice Castor de Mattos define chave pública como uma “assinatura particular
digital, para uso exclusivo do titular, e previamente registrada junto a um dos órgãos
legitimados pelo Comitê Gestor, para que possa ser feito um controle da validade das
mesmas.” (2009, p. 47).
A assinatura digital garante a titularidade da informação à determinada pessoa, sendo
que é uma das melhores ferramentas de proteção na Internet, já que contém um par de chaves:
a pública e privada, como explica Paulo Antonio Alves e Priscilla Alves:

A chave pública fica na rede disponibilizada para todos, ao passo que a privada é de
conhecimento e utilização exclusivos do proponente. Antes de enviar a sua
mensagem, o proponente a criptografa com a sua chave privada. A mensagem é
transformada em um código único, de modo que o conteúdo da mensagem é
utilizado como uma das variáveis que irá compor o número final. (...) Uma vez
assinada, a mensagem é enviada ao destinatário. Este, ao recebê-la, tem de lhe
aplicar a chave pública do remetente para decodificá-la e ter acesso ao seu conteúdo.
(2008, p. 105).

Aliado à segurança jurídica em meio virtual, Analice Castor de Mattos destaca outros
aspectos:

Faz-se imprescindível, também, que o contrato virtual indique seus serviços e


armazenamento de dados, com uma política de privacidade, a qual deve: dispor
claramente sobre o tratamento e armazenamento do contrato e das informações
apresentadas pelo aceitante; apresentar instruções para o arquivamento do contrato
pelo aceitante; indicar os sistemas de segurança aplicados; prestar informações sobre
responsabilidade de ambas as partes; formas de pagamento; esclarecer sobre o
direito de arrependimento, os meios de rescisão e de resolução. (2009, p. 39-40).

O dever de informação é uma extensão do princípio da boa-fé contratual e do direito à


educação, que está diretamente relacionado “com a finalidade ou adequação do produto (ou
serviço) ao consumidor e os riscos decorrentes desse produto.” (PAESANI, 2009, p. 80).
Logo, a fim de diminuir os riscos de uma possível indenização, cumpre ao fornecedor
“detalhar, ao máximo, as obrigações contratuais, de tal modo que as partes saibam de
antemão quais as regras do jogo. Contudo, por mais que um contrato seja detalhado, é
impossível prever todo e qualquer problema que possa surgir no futuro entre as partes.”
(PAESANI, 2009, p. 81).
Cumpre consignar, no caso de ocorrer qualquer problema no futuro, a responsabilidade
recai sobre aquele que vendeu o bem, como por exemplo, no caso de não entrega do bem,
defeitos no produto, etc., ainda, todos que estiverem inseridos na cadeia produtiva serão co-
responsáveis pelos vícios e fatos do produto/serviço, conforme preceitua o CDC em diversas
passagens. Uma situação peculiar no comércio eletrônico é o que ocorre com o Shopping
Virtual, sistema de comércio muito presente na Rede que equivale ao Shopping físico, onde:

Nenhum consumidor vai procurar a administração de um shopping center do mundo


real para reclamar de um produto adquirido em uma de suas lojas – ele irá direto à
loja em que efetuou a venda. Mas os shopping virtuais deslocam a atenção dos
consumidores para a marca desse shopping, não para as outras marcas contidas nele,
tornando-o o centro das reclamações e ações do consumidor. (PECK, 2002, p. 95).

Disto decorrem duas situações diferentes: 1ª) No site do shopping virtual há um link
que direciona o usuário ao site da loja; 2ª) Quando a própria loja está inserida no site do
shopping virtual. No primeiro caso, o shopping virtual não terá qualquer responsabilidade por
danos de responsabilidade da loja, uma vez que simplesmente disponibilizou um link da
mesma em seu site. Diferentemente ocorre no segundo caso, onde o site traz um link em sua
página inicial que direciona o internauta à loja de interesse, e isso dentro de seu site, no
mesmo domínio. Isto se dá geralmente por pop-up15, que fica interligada ao site do shopping
virtual, trazendo com isso a responsabilidade solidária deste.

5. Considerações finais

O consumidor moderno cada vez mais procura a Internet para realizar transações
comerciais, e isso ocorre por diversos fatores, como por exemplo, o consumidor pode desejar
otimizar seu tempo disponível, manter a privacidade no seu computador, realizar pesquisas de
preços de forma mais ampla, enfim, há vários motivos que justificam o crescimento do
número de internautas. Por conseguinte, é importante analisar esta relação jurídica que se dá
em ambiente virtual, bem como a forma de realizar a contratação, que devido suas
peculiaridades, por vezes, escapam da previsão fática existente na legislação pátria.
Muito embora a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, o Código
Civil brasileiro e os princípios gerais da teoria geral dos contratos sejam sempre aplicados a
todas as relações jurídicas, o comércio eletrônico possui peculiaridades distintas da clássica
relação de consumo, o que gera grandes controvérsias na doutrina e nos julgados, como por
exemplo, no que concerne aos requisitos de validade e eficácia dos contratos eletrônicos.
Certo é que, cada vez mais este tema surgirá não só nos meios acadêmicos, mas no
noticiário mundial, haja vista que este parece ser o futuro do comércio. Desta forma, é salutar
a pesquisa científica neste ramo, como forma de explicar as características técnicas que a
informática traz em seu bojo, mas sempre focando na defesa dos direitos e garantias do
consumidor que cada vez mais está inserido numa sociedade de consumo.

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1996.

FILOMENO. José Geraldo Brito. Curso fundamental de direito do consumidor. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2008.
15
Pop-up é uma janela extra que abre no navegador quando se acessa uma página web ou quando se clica em um
link.
GOMES, Orlando. Contratos. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

HOESCHL, Hugo Cesar. Elementos de Direito Digital. Disponível em


<http://www.i3g.org.br/editora/livros/elementosdedireitodigital.pdf>. Acessado em
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