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Introdução
Sempre que enunciamos, partimos de um tempo e de um lugar histórico, os
quais se fundem e atuam diretamente sobre o processo de produção, de circulação e de
recepção dos discursos, o que insere todo enunciado em um tempoespaço histórico
particular. Nessa direção, pressupõe-se que a relação espaçotemporal exerce uma função
modeladora sobre a constituição dos enunciados, assim como constrói e revela,
cronotopicamente, visões particulares de mundo.
2 O cronotopo bakhtiniano
Nas tirinhas dos dias 10, 11 e 28 de abril de 2020, há uma referência direta
às declarações de Bolsonaro que questionam a relevância do isolamento horizontal2 e,
inclusive, a real gravidade da doença. Essa dialogicidade interna bivocal só é recuperada
porque há uma situação extraverbal compartilhada pelos interlocutores, assim como
uma carga de valores que inserem o texto numa posição diante do mundo, atravessada
pela dimensão tempoespacial.
É possível notar a presença de vozes que revelam posições valorativas
divergentes. Ao apoiar-se no discurso do outro, através de uma atitude responsiva, na
tirinha, assume-se um horizonte social marcado por apreciações contrárias às do
referente. Ressalta-se que as axiologias são diversas, construídas na dinâmica
tempoespacial, e são compartilhadas por diferentes grupos sociais que participam da
rede discursiva, e que constroem uma posição axiológica cronotopicamente situada.
Os posicionamentos valorativos representados são constituídos a partir de
um tempo histórico e de um lugar de fala específicos, os quais se fundem, construindo o
enunciado e se revelando cronotopicamente. A dimensão cronotópica atua, então,
diretamente sobre a responsividade dos enunciados/textos, uma vez que os sujeitos,
historicamente situados, atuam responsivamente e de maneira ativa, de forma a
recuperar e a estabelecer as relações dialógicas instauradas, sendo o enunciado o elo
entre essas relações.
Considerações finais
Com o objetivo de analisar o potencial do cronotopo como ferramenta
conceitual para a análise de enunciados/textos (multissemióticos), elegemos quatro
enunciados concretos do perfil tirinhas do Armandinho. Ao tomarmos a teoria dialógica
como referencial teórico-metodológico, foi possível perscrutar possibilidades de
significação, estabelecendo relações dialógicas entre as apreciações valorativas e as
dimensões tempoespaciais dos enunciados analisados.
No corpus investigado, é nítida a influência do cronotopo sobre a
construção discursiva. Nota-se que, em um mesmo enunciado, é possível recuperar, e
até mesmo validar (ou não) a representação de diferentes posicionamentos valorativos, e
diferentes cronotopos, a partir de uma rede dialógica, ancorados em um tempo histórico
e em um lugar social, os quais se fundem e se revelam cronotopicamente no enunciado,
construindo-o.
No que concerne à análise aqui empreendida, os enunciados só puderam ser
elaborados a partir de uma posição cronotópica específica, irrepetível, que modela os
enunciados, mas que se relaciona com cronotopos anteriores e com cronotopos futuros.
É possível, inclusive, a existência de diferentes cronotopos em um mesmo enunciado,
assim como os interlocutores acionam sempre novos cronotopos.
Os enunciados analisados não se sustentam fora dos seus contextos, de suas
situações de produção e de circulação, das dimensões de tempo e de espaço, das
Referências