Você está na página 1de 54

O gênero artigo de opinião no contexto do vestibular

Cláudia Valéria Doná Hila


Cindy Mayumi Okamoto Lucca
Everton Luis Paulino
Miriam Miglioli

1
SUMÁRIO

Apresentação
1.Introdução
2. O contexto de produção do artigo de opinião em real circulação
2.1 O conteúdo temático
2.2 A esfera de circulação
2.3 A finalidade
2.4 Interlocutores e papeis sociais
2.5 O suporte
2.6 As vozes
2.7 Quadro síntese das condições de produção do artigo de opinião
2.8 A estrutura composicional
2.9 Os tipos de argumentos
2.10 As marcas de estilo
3. O artigo de opinião na esfera do vestibular
3.1 O conteúdo temático
3.2 A finalidade
3.3 Os interlocutores
3.4 A esfera e o suporte
3.5 A estrutura composicional
3.6 As marcas de estilo
3.7 Os tipos de argumentos mais utilizados
4. Os critérios de avaliação da redação no Vestibular da UEM e no PAS-UEM
7. Texto com nota máxima
Referências

2
1.INTRODUÇÃO

Este livro vincula-se ao Projeto de Pesquisa Formação do professor de


língua portuguesa e práticas de linguagem em sala de aula: múltiplos olhares
(UEM) e apresenta resultados de pesquisa de alunos envolvidos no Projeto de
Iniciação à Docência - PIBID e do Mestrado Profissionalizante em Letras,
(PROFLETRAS) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), acerca do artigo
de opinião em situação de vestibular.
Desde 2008, tempo ainda recente, a prova de redação do vestibular da
UEM substituiu as chamadas tipologias textuais ou modalidades retóricas, a
narração e a dissertação, pelos gêneros discursivos, o que, obviamente, causou
um efeito retroativo nas escolas de ensino médio e no processo de formação
inicial dos professores de Letras, que tiveram que se adequar a essa mudança.
Essa substituição veio alicerçada de um lado, oficialmente, pela
publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), que elegem
os gêneros discursivos como unidades de ensino-aprendizagem; e, de outro,
pela concepção interacionista de linguagem, a qual consolida o caráter dialógico
e interacional da língua.
Todavia, essa mudança não trouxe para a comunidade envolvida com
este trabalho, tanto na formação inicial como na continuada de professores,
referências bibliográficas específicas para o trabalho com o artigo de opinião ou
qualquer outro gênero listado nos programas de redação do vestibular da
Universidade Estadual de Maringá (UEM) e no programa do Processo de
Avaliação Seriada – PAS desta instituição. É exatamente essa lacuna que este
livro pretende contribuir. Isso porque ao tomar os gêneros do discurso de outras
esferas e trazê-los para a esfera do vestibular há uma (re)adequação dos
gêneros diante da nova situação de interação. Assim escrever um artigo de
opinião para um jornal é diferente de escrever para uma prova de vestibular.
Bakhtin (2003) afirma que as esferas/campos de circulação de um gênero
do discurso não podem ser compreendidas apenas como depositárias dos vários
gêneros que a ela pertencem. Mais que isso, elas acabam por refratar no gênero
suas ideologias dominantes, suas forças coercitivas. Por isso, quando retiramos

3
um determinado gênero de sua esfera real de circulação, neste caso o artigo de
opinião da esfera do jornalismo e o levamos seja para a escola ou para a prova
de redação, o gênero adapta-se a essas influências e transforma-se. Não será
mais o mesmo, pois as representações do próprio produtor irão se modificar.
Exatamente por isso, este livre pretende contribuir com o estudo do gênero artigo
de opinião na esfera do vestibular.
Compreender como essa esfera (re)significa os gêneros do discurso é
fundamental, não apenas para auxiliar os próprios vestibulandos a participarem
dessa prática social, como também para ajudar os professores em formação
inicial e continuada a construírem materiais de ensino adequados à esse novo
contexto, já que os efeitos dos estudos bakhtinianos e a incorporação de seus
postulados no ensino ainda não se mostram plenamente introduzidos nas salas
de aula.
No caso do artigo de opinião, apesar de encontrarmos referências
teóricas sobre o gênero e várias pesquisas já realizadas, nenhuma delas
debruçou-se especificamente sobre o artigo de opinião escrito na esfera do
vestibular. Entendemos, portanto, ser importante a todos envolvidos com essa
questão compreenderem como esse gênero se configura para alcançar a nota
máxima e, também, quais são os motivos que levam os alunos a zerarem seus
textos.
O livro faz parte de uma série que contemplará os gêneros listados no
vestibular da UEM. É destinado tanto aos professores em geral, aos professores
em formação inicial, ao vestibulandos como aos alunos da pós-graduação e
comunidade externa.

4
2. O CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO ARTIGO DE OPINIÃO EM REAL
CIRCULAÇÃO

Todo gênero do discurso é entendido por Bakhtin (2003) como sendo um


enunciado concreto, pois tem vida própria, circula socialmente e está inserido
dentro do que se chama contexto de produção. Para o autor, o enunciado não
existe fora de um contexto de produção específico e, embora ele não tenha tido
preocupações de natureza didática, sua obra nos permite encontrar algumas
categorias fundamentais sobre as condições de produção de um enunciado.
Os signos, por natureza ideológicos, só emergem nos processos de
interação entre uma consciência individual e outra, o que quer dizer que a
formulação do discurso está relacionada às condições de produção engendradas
por determinado contexto (dizer algo, a alguém, em determinada situação, com
objetivos determinados). Nenhum ato humano pode ser compreendido, dessa
maneira, fora do contexto dialógico de seu tempo e, por isso, a “interação verbal
constitui assim a realidade fundamental da língua” (BAKHTIN/VOLOSHINOV,
1988, p.123).
Entender, pois, as características do contexto de produção do gênero
artigo de opinião é o primeiro passo para que o aluno efetivamente se aproprie
desse gênero. Adotando pressupostos da Análise Dialógica do Discurso, Hila
(2007) sumariza no quadro abaixo os elementos do contexto de produção
encontrados em Bakhtin:

CONTEXTO DE PRODUÇÃO EM BAKHTIN


1. Parceiros da interação = locutor e destinatário;
2. Objetivo da interação, querer-dizer do locutor;
3. A esfera onde ocorrerá a interação, que delimita o contexto da situação, com
suas marcas ideológicas, sociais e culturais;
4. O tema;
5. O gênero escolhido (e suas formas realizáveis);
Quadro 1. Condições de produção com base em Bakhtin. (HILA, 2007)

Já Bronckart (1997), tomando como base a obra bakhtiniana, mas


assumindo preocupações declaradamente didáticas, e tomando como base os
estudos do filósofo Habermas, afirma que a escrita é um processo decorrente de
5
várias representações que fazemos que vão além do texto que escrevemos. O
contexto de produção, no Interacionismo Sociodiscursivo, pode, então, ser
definido como “o conjunto dos parâmetros que podem exercer uma influência
sobre a forma como um texto é organizado” (BRONCKART, 1999, p.93). Esses
parâmetros, de forma bastante didática, são explicadas por Saito e Nascimento
(2005, p.14):
a. A esfera da comunicação: cenário ou formação social na qual o texto se
localiza (Mídia, Literatura, Família, Igreja, Escola, etc.). A esfera não é apenas o
lugar no qual os gêneros estão inseridos, mas confere-lhes uma função
socioideológica importante que se reflete nos diversos gênros que a compõem.
Além disso, os gêneros se atualizam cada vez que são retirados de uma esfera
e colocados em outra. Isso quer dizer que os gênros não são indiferentes às
características da esfera, ao contrário, eles carregam suas marcas.
b.A identidade social dos interlocutores: o lugar social de onde falam os parceiros
da interação, isto é, o texto além de ter um emissor que é a pessoa que produz
e um receptor a que recebe, também apresenta posições sociais por eles
desempenhadas (de aluno, de professor, de articulista, de um ativista etc.);
c.Finalidade: objetivo ou o intuito discurso da interação.
d.Concepção do referente: o conteúdo temático, o referente de que se fala
(daremos um exemplo ainda nessa seção).
e.Suporte material: as circunstâncias físicas em que o ato da interação se
desenrola (livro didático, out-door, jornal-online, oral ou escrito).
f.O conteúdo temático: aquilo que é dizível no gênero c
omo um todo.
g.A relação interdiscursiva: o modo como se dá o diálogo entre as vozes que
circulam no texto (que vozes são essas? da dona de casa? do vendedor? do
político? da criança?) que fala em certas passagens do discurso (das diferentes
esferas), as vozes que emergem e se confrontam no texto.
Assim, quando queremos estudar qualquer gênero do discurso, na
perspectiva interacionista, que é a presente nos documentos oficiais de
educação e mesmo no vestibular, precisamos inicialmente descrever todos
esses elementos do contexto do gênero em sua real circulação, para depois
compreendermos como o gênero se comporta em outra esfera social.

6
2.1 O conteúdo temático

Antes de explicarmos esse elemento, é importante esclarecermos a


diferença entre conteúdo temático e tema, na visão bakhiniana. O tema é um
elemento indissociável da enunciação, na qual o gênero está inserido. Isso quer
dizer que ele só tem significação se compreendermos a situação histórica
concreta que o determina, bem como as condições de sua recepção. Bakhtin e
Voloshinov (1989) afirmam que, por isso mesmo, o tema é único e irreptível.
Cada artigo produzido terá, assim, um tema em particular, daquela situação em
que foi produzido
Os recursos verbais, no caso do gênero que estamos estudando, ajudam
caracterizar o gênero, mas não o definem, pois ele se constituirá tanto pela ajuda
dos elementos semânticos da língua, como também pelos elementos de seu
contexto de produção.
Já o conteúdo temático pode ser compreendido como aquilo que é dizível
no gênero em geral. Assim, ao dizermos que o artigo de opinião trata de
questões controversas, estamos definindo o seu conteúdo temático geral. Mas
vamos explorar mais a questão do conteúdo temático do gênero.
Iniciemos com a explicação da etimologia da palavra “opinião”. A palavra
opinião vem do latim opinĭo, podendo ser definida como um juízo de valor que
emitimos sobre um tema que possa ser questionável. Já o artigo de opinião é
um gênero de cunho jornalístico e que pode definir a linha editorial de seu
suporte. Quando o transpomos para a sala de aula, intencionamos que o aluno
seja capaz de entender a opinião expressa e, ainda, se posicionar perante o
texto, ou seja, esperamos que o aluno possa emitir uma apreciação valorativa
perante o tema abordado.
Segundo Dolz e Schenwly (2004), o artigo de opinião pertence ao
agrupamento de gêneros da ordem do argumentar, porque volta-se ao domínio
social da discussão de temas controversos, exigindo sustentação de uma
posição e defesa de argumentos. Para Baltar (2007):
Um gênero textual constituído pela ordem tipológica do
argumentar, cria em seu interlocutor, um efeito de sentido que o
faça aderir ou refutar uma tese exposta, ou seja, um ator verbal
7
ou locutor, deixa, então, pistas da opção retórica de organização
de seu texto, lançando mão de operadores lógicos de
argumentação, apresentando a tese de forma que as
proposições mais impactantes tenham relevo sobre as menos
impactantes, conduzindo o seu interlocutor para uma conclusão
lógica derivada dos argumentos apresentados como verdades a
serem por ele validadas (p. 157).

Ohuschi (2011) atesta que o gênero artigo de opinião faz alusão a


questões controversas e polêmicas geradas por um tema, sendo elas de grande
importância social. Brakling (2000) afirma que a temática de um artigo de opinião
deve, necessariamente, por meio de uma questão, suscitar uma polêmica que
ocasione efeitos em determinados círculos sociais.
Uber (2008) explica que o artigo de opinião traz consigo temas polêmicos,
geralmente de cunho social, e que exigem uma posição por parte de seus
leitores/expectadores/ouvintes. Boff (2009) assevera que, nos artigos de opinião,
o tema é sempre atual e de ordem social, econômica, política ou cultural, sendo
ele relevante para os leitores.
Bonini (2002) esclarece que os temas do artigo de opinião tratam de
questões polêmicas, controversas e que, normalmente, são geradas a partir de
um fato acontecido e noticiado. Barbosa (2006) sustenta que os artigos de
opinião publicados em jornais, revistas e sites discutem questões polêmicas que
afetam um grande número de pessoas.
Rodrigues (2005), em relação ao conteúdo temático acrescenta que:
a. o horizonte temático e axiológico do gênero é orientado para a “a manifestação
da expressão valorativa a respeito de acontecimentos sociais que são notícia
jornalística”, ou uma reação-resposta a eles, e que dizem respeito ao campo de
atuação profissional do autor);
b.em relação ao conteúdo temático, é preciso que se leve em consideração os
aspectos linguísticos e extralinguísticos do texto, os quais, normalmente, são
compartilhados pelos participantes da interação.
Outro aspecto relevante sobre este elemento é que, normalmente as
chamadas questões polêmicas são orientadas por acontecimentos que tem um
cronotopos atual (momento histórico próximo), como, por exemplo, mudanças
8
governamentais, crises financeiras nacionais ou internacionais, reformas, datas
comemorativas, dentre outras. Na realidade, a escolha do tema mostra-se como
uma reação-resposta (cf. Bakhtin, 2003) dos enunciados da atualidade, no qual
o já-dito encontra no gênero uma responsividade ativa de seu autor, que gerará
novas formas de responsividade nos leitores.

2.2 A esfera de circulação

A esfera de circulação do gênero é a jornalística. Esse campo


impõe acentos valorativos que podem gerar um artigo de opinião, na medida em
que filtra, interpreta, escolhe os fatos, os acontecimentos que farão parte do
universo temático discursivo do jornal, pois fornece a matéria-prima para o
articulista.
Segundo Rodrigues (2005) o trabalho de seleção e a própria divisão dos
cadernos, seções, rubricas, suplementos já denota um ato temático,
composicional e estilístico do jornal. Além disso, há uma seleção do jornal em
torno do que pode ou não fazer parte de cada seção ou caderno, não sendo,
portanto, escolhas neutras. Há, na verdade, toda uma imagem que a esfera quer
construir de liberdade e de vínculo com a verdade, o que, no entanto, é refutada
já pela própria seleção que cada jornal faz do que irá produzir.
No caso dos jornais que trazem o artigo de opinião há uma ancoragem
ideológica do próprio jornal em torno do que será dito que delimita, também, de
qual universo temático e de quais interlocutores o jornal quer atingir. Em países
como o Brasil, os meios de comunicação, coo o jornal, não é, a priori, mantido
pelo governo, entretanto a motivação pelo lucro entre em tensão com as
proteções constitucionais da liberdade de imprensa. Apesar de uma aparente
objetividade dessa esfera, é notório que acentos de valor emergem daqueles
que dela fazem parte, até porque ela mantém relação direta com relações de
capital e de poder.
Além disso, o próprio estatuto do jornal impresso, por exemplo, com o
desenvolvimento tecnológico perdeu um pouco sua relevância social, cedendo

9
lugar às informações divulgadas pelos tablets, smartphones e redes sociais, nem
sempre confiáveis.
De qualquer forma, trata-se de uma esfera pública importante, que dá
acesso ao público, em geral, do que ocorre no país e no mundo, podendo ser
um relevante instrumento de participação e inserção social.

2.3 A finalidade

Mais importante que nominalizar um gênero é reconhecer sua finalidade.


Este elemento, aliás, é o mais importante para se trabalhar a prática da leitura
como a prática da produção textual, pois será em função dele que os recursos
linguísticos e discursivos são escolhidos.
Para Bräkling (2000, p.226), o artigo de opinião é um gênero discursivo
que é usado para convencer o interlocutor sobre determinado posicionamento.
A autora entende que o artigo de opinião parte de uma questão controversa e
acrescenta que :

(...) é um gênero de discurso em que se busca convencer


o outro de uma determinada ideia, influenciá-lo,
transformar os seus valores por meio de um processo de
argumentação a favor de uma determinada posição
assumida pelo produtor e de refutação de possíveis
opiniões divergentes. É um processo que prevê uma
operação constante de sustentação das afirmações
realizadas, por meio da apresentação de dados
consistentes, que posam convencer o interlocutor.

Quanto à sua finalidade, diferentemente de outros gêneros jornalísticos


considerados neutros, não se orienta apenas pela apresentação de
acontecimentos da atualidade, mas principalmente pela apreciação valorativa
desses acontecimentos. Por isso mesmo, assume um caráter dialógico, no qual
o articulista (produtor do artigo) constrói seu acento de valor e esse promove
uma reação-resposta no leitor, seja de convencimento, seja de discordância.

10
Ohuschi (2011) aponta que o artigo de opinião tem como finalidade a
busca por um posicionamento frente a problemas sociais controversos, exigindo,
para tal, uma sustentação e uma tomada de posições no decorrer do texto,
demonstrando como essa finalidade do gênero direciona as estratégias
linguístico-discursivas que estruturam tanto a organização do texto como os
elementos linguísticos nele empregado.
Barbosa (2006) e Hila (2008), também defendem que a finalidade do
artigo de opinião é a de influenciar o pensamento dos destinatários (os leitores),
isto é, construir ou transformar (inverter, reforçar, enfraquecer) a posição desses
destinatários sobre uma questão controversa de interesse social e,
eventualmente, mudar o comportamento deles.

Brakling (2000) corrobora com essa definição, acrescendo a ela o caráter


persuasivo do gênero, na medida em que o produtor busca a concordância de
seus interlocutores com o ponto de vista expresso. Assim, a finalidade do artigo
de opinião pode ser definida pela:
a) tomada de posição frente ao tema e.
b) pela ii) tentativa de persuadir o(s) interlocutor(es) – no caso do texto
escrito, os leitores desse artigo. Não se trata, contudo, de uma finalidade
dupla: a persuasão, o convencimento do leitor é a finalidade implícita de
qualquer argumentação.

2.4 Interlocutores e papeis sociais

A autoria do artigo não é delegada a uma pessoa física, mas à “posição


de autoria inscrita no próprio gênero, que expressa seu acento valorativo em
relação a um assunto polêmico/controverso”. Como o autor, em jornais de
grande circulação, é um especialista sobre o assunto, a noção de autoria não
está vinculada apenas à notoriedade social e profissional do articulista, mas para
as funções que possuem prestígio social e midiático. Assim, esse autor é um
autor de elite, pois é alguém selecionado e autorizado pela empresa jornalística
para defender uma posição, o que lhe confere uma relação de superioridade com
o leitor.

11
Nos jornais de grande circulação, a posição social ocupada pelo
articulista é, normalmente, vinda do campo político, comercial, industrial e
administrativo, sendo comuns textos assinados por presidentes, donos de
associações, empresários, dentre outros (ocasionalmente aparecem articulistas
do campo científico). Exatamente por isso, o produtor assue o papel social , além
de articulista, de especialitsa em uma dada matéria ou assunto.
Porém, não podemos deixar de levar em conta a empresa jornalística,
pois mesmo sendo assinado por uma pessoa, a publicação do artigo passa por
aprovação prévia (o jornal seria, assim, um leitor e autor interposto entre o
articulista e os leitores). Isso quer dizer que há relativa coerção da empresa em
relação ao que será publicado.
O interlocutor do artigo são pessoas que, frequentemente, leem
determinado jornal ou revista e estão de alguma forma interessadas na questão
polêmica, seja porque as afeta diretamente, seja porque se interessam pela
discussão dos assuntos em pauta na sociedade. Por isso mesmo, assumem o
papel social de leitores engajados nos temas escolhidos pelos autores.
Uber (2008) ,ao definir o interlocutor do artigo de opinião, sustenta que o
leitor desse gênero é, geralmente, alguém que lê revistas e jornais os quais o
apresentam e que possui o interesse em ter ciência dos acontecimentos em
torno de seu meio. Esse indivíduo atribui importância às questões controversas,
já que elas, direta ou indiretamente, influenciam sua maneira de viver e ver o
mundo.
Rodrigues (2005) assevera que o artigo de opinião traz consigo leitores
que pertencem a um grupo privilegiado e de classe elitizada, uma vez que, nos
jornais os quais as classes populares possuem acesso, não há presença de
artigos de opinião.

2.5 O suporte

Em relação ao suporte, Ohuschi (2011) e Barbosa (2006) afirmam que


esse pode ser um jornal ou uma revista, sejam eles impressos ou virtuais, sendo
que Uber (2008) amplia as possibilidades de suporte do artigo também para o
rádio e a TV. Também hoje, há de se considerar os suportes digitais, na medida

12
que os jornais já possuem versão on-line (webjornalismo). Esse suporte digital,
aliás, modifica, inclusive, a propria maneira do leitor ler o jornal, na medida em
que se depara com links e hiperlinks, que não exigem mais uma leitura linear
como no jornal impresso.
Um ponto a ser ressaltado sobre o suporte é o fato desse agir sobre o
conteúdo ideológico do texto. Sendo um gênero primordialmente argumentativo,
o articulista geralmente assume a responsabilidade pelas opiniões vinculadas à
sua produção, contudo ele está inscrito e cerceado pelo posicionamento
ideológico do suporte do seu artigo. Assim, escrever um artigo em um jornal de
grande circulação nacional como a folha de São Paulo e escrever um artigo em
uma revista eletrônica voltada para jovens certamente refletirá posições
ideológicas tanto do suporte como nos interlocutores a que se destinam.

2.6 As vozes

A questão das vozes, aliás, tem grande relevância nesse gênero, pois o
articulista embora defenda seu posicionamento ancora-se, seja para concorda
com ele ou discordar, nas palavras de outros, que se transformam
dialogicamente para se transformarem em “palavra pessoal-alheia” (BAKHTIN,
2003, p. 405). O articulista busca nas vozes ou na palavra do outro argumentos
para dar credibilidade à sua posição ou mesmo para refutá-los.
Rodrigues (2005), analisando exemplares de artigos publicados na Folha
de são Paulo, esclarece que a posição do articulista se constrói pelo tratamento
que dá as diferentes vozes (outros acentos de valor) incorporadas ao seu texto.
A autora categoriza as vozes, no artigo, em dois movimentos, a partir da relação
dialógica com enunciados já ditos e com enunciados posteriores (modo de
orientação para o interlocutor).
O primeiro movimento é denominado de movimento dialógico de
assimilação, constituído pela incorporação de outras vozes ao discurso do autor,
avaliadas positivamente, para construção de seu ponto de vista e, consequente,
engajamento do leitor. O segundo, movimento dialógico de distanciamento que
se dá também pela incorporação de outras vozes ao texto, mas agora para
desqualificá-las.

13
Leite (2009), ao tratar sobre vozes explica que em todo enunciado e,
portanto, em todo gênero as vozes determinam o que é dito e podem ser
categorizadas em três tipos: voz do autor, vozes das personagens e vozes
sociais. A voz do autor, no artigo de opinião, é a do articulista, especialista que
está na origem da produção do texto e que a usa para tecer comentários, inserir
sua posição pessoal e sua avaliação do que e enunciado.
As vozes dos personagens seriam daqueles que participam da trama
narrativa, em gêneros da ordem do narrar. No caso do argumebtar, seriam as
vozes de autoridades, classes, testemunhos que são trazidas ao texto para
reforçar a posição do articulista.
Por fim as vozes sociais, que são aquelas representadas por grupos ou
instituições sociais, as quais são instâncias externas que também avaliam
ideologicamente o tema tratado. Por exemplo, a voz dos políticos, dos
estudantes, dos empresários, dos sindicatos, dos marginalizados. Elas podem
estar mais ou menos explícitas no texto, mas sempre contribuem para a
formação discursiva do objetivo do articulista.
Dessa forma, compreender o funcionamento as vozes no artigo de opinião
é, sobretudo, entender a própria arquitetônica do texto, ou seja, o modo como o
articulista constrói sua posição de modo a engajar totalmente o leitor em seu
propósito enunciativo.

2.7 Quadro síntese das condições de produção do artigo de opinião

A partir do estudo dos elementos a síntese dos elementos das condições


de produção do gênero em sua circulação real pode ser representada:

Quadro 1. Condições de produção do artigo de opinião em esfera de circulação


real
Esfera de circulação Jornalística
Produtor Articulista, especialista em um determinado tema de
Quem produz e papel caráter social, político ou econômico
social
Interlocutor Leitor interessado e/ou engajado no tema discutido
Para quem produz?
Finalidade Expressar uma opinião, argumentando e
Para que produz? convencendo o interlocutor.
Suporte Jornais e revistas impressas ou digitais.
14
Onde produz?
Vozes sociais Voz do autor
Vozes de assimilação da posição do autor
Vozes de distanciamento da voz do autor
Vozes sociais
Fonte: os autores.

2.8 A estrutura composicional

As pesquisas sobre a estrutura composicional do artigo de


opinião dividem-se em dois blocos. No primeiro encontram-se autores, como
Rodriges que, adotando a perspectiva dialógica, afirma que o artigo , em real
circulação, não fica preso a uma estrutura definida, apresenta negociação de
posições, mas sua construção composicional pode ser variada, a depender do
objetivo do próprio articulista. Por isso, ela reforça que, em uma perspectiva
dialógica, não é possível tentar enquadrar qualquer gênero a uma construção
composicional, ao contrário, será a análise das condições de produção do
gênero que levará a perceber estruturas mais ou menos prototípicas.
Exatamente por isso, destaca que, no caso do artigo assinado, a
recorrência está em três movimentos estabelecidos dialogicamente entre autor
e leitor:
a. O movimento de engajamento do leitor ao discurso do autor, caracterizado
pela incorporação de vozes que vão sustentar a posição do articulista;
b.O movimento de refutação da possível contra-palavra do leitor, caracterizado
pela incorporação de vozes que serão a contra-palavra ou o contra-argumento
em relação a posição do articulista;
c.O movimento de interpelação do leitor ao horizonte axiológico do autor, na qual
o leitor é convencid pelo ponto de vista do articulista.
No segundo bloco de pesquisadores, esão aqueles que didatizam o
gênero, quer estudando-o a partirde sua real circulação ou mesmo em situações
mais escolarizadas,os quais apresentaremos alguns.
Barbosa (2006), ao analisar artigos publicados na Folha de São Paulo,
para ilustrar uma sequência didática, aponta como elementos estruturantes do
artigo de opinião:
(a) contextualização da questão a ser discutida:
15
(b) explicitação da posição do articulista;
(c) movimentos argumentativos de comprovação, refutação e negociação.

Segundo Perfeito (2006, p. 744):

Contextualização e/ou apresentação da questão que está


sendo discutida. 2. Explicitação do posicionamento
assumido. 3. Utilização de argumentos para sustentar a
posição assumida. 4. Consideração de posição contrária e
antecipação de possíveis argumentos contrários à posição
assumida. 5. Utilização de argumentos que refutam a
posição contrária. 7 6. Retomada da posição assumida. 7.
Possibilidades de negociação. 8. Conclusão (ênfase ou
retomada da tese ou posicionamento defendido).

Uber (2008), por sua vez, define que a estrutura composicional do artigo
de opinião contém os itens apresentados a seguir, também expostos de maneira
semelhante por Barbosa (2006) como característicos do gênero:
1. Contextualização e/ou apresentação da questão que está sendo discutida;
2. Explicitação do posicionamento assumido;
3. Utilização de argumentos para sustentar a posição assumida;
4. Consideração de posição contrária e antecipação de possíveis argumentos
contrários à posição assumida;
5. Utilização de argumentos que refutam a posição contrária;
6. Retomada da posição assumida;
7. Possibilidades de negociação;
8. Conclusão (ênfase ou retomada da tese ou posicionamento defendido).
Quadro 2. Elementos estruturais do artigo de opinião. (UBER, 2008 e BARBOSA, 2006).

Boff (2009) propõe que o gênero artigo de opinião seja estruturado pelos
seguintes elementos:
a) situação-problema: aqui, o autor insere a questão que será debatida, a fim
de explicitar ao seu leitor sobre o que será apresentado nas demais partes do texto.
Além disso, visa-se contextualizar o assunto que será tratado mediante afirmações
gerais e/ou específicas. O autor, nesse momento de sua produção, também pode
destacar o objetivo de sua argumentação que virá a seguir, bem como a importância
de se discutir o tema em questão;
b) discussão: nesse período do texto, são expostos os argumentos e é
construída a opinião do autor sobre a questão analisada. Para tanto, geralmente, o
autor se utiliza de fatos concretos, dados e exemplos para, de fato, convencer seu
interlocutor de que seu ponto de vista é o mais adequado. Além disso, há
possibilidade de se encontrar sequências narrativas, descritivas, explicativas e entre
outras;

16
c) solução-avaliação: por fim, o autor explicita a sua resposta à questão
apresentada e pode reafirmar sua posição assumida ou redigir uma apreciação do
assunto abordado. Não é adequado um simples resumo ou mera paráfrase das
afirmações anteriores.

Quadro 3. Elementos estruturais do artigo de opinião. (BOFF, 2009)

Zanini (2017), analisando artigos em circulação real, traça a estrutura do


gênero, também comum a outros da ordem do argumentar em cinco partes:
a. apresentação do título, que destaca o objetivo do autor ante o fato a
ser discutido;
b. a introdução, que tem a função de apresentar o tema a ser discutido;
c. a expansão, que traz os argumentos e provas do pnto de vista do
articulista;
d. a conclusão, que visa ao fechamento das ideias compostas pelo ponto
d vista;
e. a assinatura do autor ou dos autores.
Dessa forma, ao se adotar uma perspectiva, mas dialógica, para se
pensar a estrutura composicional, não se pensa no artigo de opinião como uma
estrutura rígida, estável; mas, outros pesquisadores, a partir de outras
ancoragens teóricas estabeleceram parâmetros para se analisar o artigo de
opinião em sua circulação, no intuito tanto de estuda-lo, como também de
didatizá-lo para os contextos em que seu ensino se faz necessário;

2.9. Os tipos de argumentos

Em detrimento do fato de que a finalidade do artigo de opinião é a de


expor, defender um determinado ponto de vista sobre uma temática, quem redige
esse gênero precisa, necessariamente, utilizar artifícios para sustentar ou até
mesmo explicar a sua perspectiva sobre o tema, sendo a argumentação o
principal deles.
Para Abreu (2001), a argumentação é simplesmente o ato de convencer
e persuadir outrem de que o ponto de vista exposto é o mais coerente se
comparado às demais perspectivas sobre determinada temática. Por sua vez,
Fiorin (2015) define de modo muito semelhante o que seria a argumentação,
explicando que elas são proposições destinadas a fazer admitir uma dada tese,
ou seja, auxiliam na construção de um discurso voltado à persuasão. Como é
perceptível, a técnica argumentativa é um atributo intrínseco a esse gênero,

17
tendo em vista que não é necessária apenas a exposição de uma opinião acerca
de um tema polêmico e atual, mas também se devem apresentar os motivos
pelos quais levaram o autor a acreditar que a sua perspectiva é a mais coerente
e aceitável para tal temática.
Fiorin (2015), pautando-se em Parelman e Tyteca (2005), explica que
estes postulam que os argumentos são classificados em dois grupos: os de
ligação, que relacionam elementos distintos em uma relação solidária e os de
dissociação, que cindem elementos de um conjunto solidário. Tal relação de
ligação serve à elaboração de três tipos de argumentos: i) os quase lógicos; ii)
os que se fundam na estrutura do real; e iii) os que fundam a estrutura do real.

Os argumentos quase lógicos

De acordo com o estudioso, os argumentos quase lógicos remetem à


estrutura de um raciocínio lógico sem que suas conclusões sejam logicamente
necessárias, já que elas são apenas possíveis, plausíveis. São construídos com
base nos princípios: i) da não contradição; ii) da identidade; iii) da reciprocidade;
iv) da transitividade; v) da inclusão; vi) da divisão; e vii) da comparação de
quantidades.

Os argumentos fundados no princípio da identidade

Os argumentos fundados no princípio da identidade “em lógica, enuncia-


se com a proposição a=a” (FIORIN, 2015, p. 117) são aqueles em que o sujeito
e predicado remetem ao mesmo referente. Eles se dividem em: i) tautologia; ii)
definição; iii) comparação; iv) reciprocidade; v) transitividade; vi) inclusão e vii)
divisão; viii) o todo pela parte; ix) argumentum a pari; x) regra do precedente; xi)
argumentum a contrario; e xii) argumento dos inseparáveis.
Fiorin (2015) defende a tautologia como “juízos cujo predicado não
acrescenta nenhuma informação ao sujeito, […] (ele é) falsamente significativo.”
(FIORIN, 2015, p. 117) Na argumentação, porém, ela é usada com uma falsa
tautologia, pois sujeito e predicado tem significados e referentes diversos, o que
leva a considerá-la como um argumento quase lógico.
Já a definição pode ser compreendida como um estabelecimento de “uma
relação de equivalência que visa dar sentido a um dado termo.” (FIORIN, 2015,
p. 118) Esse recurso possui, na argumentação, uma finalidade de impor um
18
sentido e convencer o interlocutor de que é esse o que deve ser considerado. As
definições são classificadas em intencionais, as quais propõem as propriedades
essenciais ou acidentais que caracterizam um determinado objeto, e em
extensionais, que indicam as partes constitutivas desse objeto, os indivíduos de
um dado conjunto. Além disso, podem-se considerar, ao definir, os traços
qualificacionais ou os traços funcionais.
Em contraste, Abreu (2001) entende o argumento por definição de quatro
maneiras: i) lógicas; ii) expressivas; iii) normativas; e iv) etimológicas. As
definições lógicas se constituem pelo levantamento das características daquilo
que se quer definir e acrescenta as características que o difira de outros
objetos/seres que compartilhem aquelas primeiras características. As
expressivas, ao contrário, dependem não da lógica, mas do ponto de vista do
sujeito que as define, segundo critérios subjetivos e relativos a ele, não à
realidade lógica do objeto/ser. As normativas, por sua vez, possuem certo caráter
metalinguístico, uma vez que a definição é feita para explicitar o sentido que,
dentro de um determinado discurso ou enunciado, ela quer que o interlocutor
considere. Por fim, as etimológicas são os tipos de definições que se baseiam
na origem morfológica da palavra que se quer definir.
Por sua vez, a comparação, segundo Fiorin (2015), é um modo de definir
em que não se toma as características do objeto, mas se faz a aproximação
deste com outros mais conhecidos. Um ato comum na comparação é a
aproximação apenas de aspectos acidentais dos objetos, ignorando as
diferenças fundamentais entre eles.
Outro argumento também incluso nos argumentos fundados no princípio
da identidade é o de reciprocidade, o qual se baseia “num princípio de simetria,
numa equivalência: a está para b assim como b está para a.” (FIORIN, 2015, p.
125) Dessa maneira, qualquer argumento que interpelar a um determinado
sujeito a sua colocação no lugar de outro, refere-se a esse tipo de argumento.
O argumento de transitividade, para Fiorin (2015), é baseado em algo
provável, assim como em uma relação matemática transitiva em que a
consequência é necessária. Já a inclusão e a divisão ocorrem quando o autor
transfere as propriedades do todo para as partes ou vice-versa. Para melhor
explicar o desenrolar de ambos, o argumento de divisão é quando se atribui, ao

19
todo, uma propriedade pertencente a uma ou mais partes constitutivas. Em
contraste, a inclusão é quando se atribui uma propriedade do todo a uma ou mais
partes que o constituem. Eles são considerados argumentos quase lógicos,
porque são perpassados pelas concepções e juízos de valor de cada época.
Já o argumento por semelhança, argumentum a pari ou simili, ou até
mesmo regra da justiça, vale-se do princípio da identidade. Isso, pelo fato de
propor a semelhança de tratamento entre casos semelhantes, contradizendo a
lógica de “dois pesos, duas medidas”. Fiorin (2015) explana que, dependendo
do contexto, esse argumento pode ser entendido como conservador ou como um
argumento em defesa da igualdade. De modo semelhante, porém restrito à
comparação de ações realizadas por pessoas, Abreu (2001) aponta este
argumento como “pelo exemplo”, o qual, de certa forma, une tanto aquilo que é
apresentado por Fiorin (2015) como argumento por semelhança, como a regra
do precedente, a qual também supõe a identidade de duas situações e que
possui, como uma única diferença, o fato de que uma precedente estabelece o
tratamento daquela segunda.
Em contraste, o argumentum a contrario ou argumento pela oposição é a
situação inversa ao do argumento por semelhança, uma vez que há a defesa de
que se um contexto é visualizado sob uma forma específica, o contexto contrário
a esse deve ser considerado de maneira diversa.
Por fim, o argumento dos inseparáveis é aquele em que se relaciona, de
maneira indissociável, dois contextos, considerando uma ligação intrínseca entre
os dois.

Argumentos fundados no princípio da não contradição

Fiorin (2015) sustenta que o princípio da não contradição afirma que algo
“não pode ser e não ser ao mesmo tempo.” (p. 139) Além disso, calcado nos
estudos de Parelman e Tyteca, o estudioso assevera que é preciso diferenciar a
contradição e a incompatibilidade, explanando que a contradição é “a oposição
de uma ideia e de sua negação” (p. 139), enquanto a incompatibilidade se apoia
na noção de sistema em que duas proposições podem se negar logicamente e,
portanto, não podem coexistir, ou até mesmo não possuir relação entre si. Eles
se dividem em: autofagia e retorsão, reductio ad absurdum e em argumento
probabilístico.
20
O argumento de autofagia e retorsão visa explorar todas as
consequências de uma proposição, a fim de evidenciar a sua incompatibilidade.
Já o reductio ad absurdum (redução ao absurdo) ou reductioad
impossibilem (redução ao impossível) ou, então, o argumento apagógico, de
acordo com Fiorin (2015), trata da ação de tomar uma proposição como verdade
apenas com o intuito de tirar conclusões absurdas dela e revelar a sua falsidade.
Por sua vez, Abreu (2001) apresenta este argumento o caracterizando como
“ridículo”, propondo os mesmos princípios levantados por Fiorin (2015), mas de
outra maneira. Segundo esse autor, adota-se um argumento temporariamente e
se valendo da ironia, a fim de que se extraia dele todas as possibilidades de
conclusão, inclusive aquelas que o reduzirão a uma situação de ridículo, de
incoerência.
Por fim, o argumento probabilístico apela à maioria, ou seja, ao “clamor
popular”, ao “bom senso”, considerando a proposição da maioria
verdade/preferível em detrimento da minoria.

Argumentos fundados no princípio do terceiro excluído

Fiorin (2015) sustenta que o princípio do terceiro excluído admite apenas


a verdade ou a falsidade de uma proposição, sem a possibilidade de uma terceira
opção. Duas técnicas argumentativas que se enquadram nesse princípio é o
argumento do terceiro excluído e o dilema.
O argumento do terceiro excluído é aquele que considera duas posições
como as possibilidades exclusivamente existentes, sem considerar uma terceira,
e exige a escolha por um ou outro polo, os quais são tidos por incompatíveis.
Em contraste, o dilema apresenta uma disjunção entre duas teses, cada
uma com um desdobramento distinto, mas com uma conclusão idêntica, seja
qual for o desdobramento aceito. Para tanto, nesse argumento, há necessidade
de que: i) não haja alternativas além das apresentadas na disjunção; ii) a
dedução das alternativas seja legítima ou aceita como tal; iii) dos dois
desdobramentos, haja uma única conclusão.

Argumentos fundamentados na estrutura da realidade

Fiorin (2015), para abarcar os argumentos fundados na estrutura da


realidade, baseia-se em estudos de Parelman e Tyteca (2005:297-393), os quais
21
explicam que esses argumentos se fundamentam em relações existentes no
mundo objetivo: causalidade, sucessão, coexistência e hierarquização.

Implicação e concessão

Fiorin (2015, p. 149) assevera que a argumentação por causalidade


“opera com dois grandes esquemas: a implicação (se a, então b) e a concessão
(a, embora b).” Além disso, menciona a estudiosa Claude Zilberg (2006:196-97),
a qual aclara que a implicação consiste naquilo que é possível “fez, porque é
possível”/ “não fez, porque é impossível”, enquanto a concessão se respalda
naquilo que é impossível “fez, apesar de impossível” / “não fez, apesar de
possível”.

Causalidade

De acordo com Fiorin (2015), a argumentação por causalidade trata da


exposição das causas que levam a determinado fenômeno, um efeito produzido
pelo encadeamento de fatos ou por acontecimentos antecedentes. Há, para
efeitos discursivos e persuasivos, uma escolha feita pelo enunciador em relação
às causas para certo fenômeno, a fim de evidenciar um aspecto e sublimar outro.
Para tanto, podem-se tomar as causas imediatas ou as mais distantes, utilizar
as consequências em seu lugar ou usar uma causa como pretexto, argumento
que apresenta um falso motivo para um efeito específico.

Causas necessárias e suficientes

As causas necessárias e suficientes apresentam uma condição que é


imprescindível para ser X. Isso, com o intuito de asseverar que tudo o que for X
suprirá essa condição. Entretanto, elas não atribuem uma garantia para tudo o
que satisfaz essa condição, seja X.

Causalidade e sucessão

Por sua vez, no argumento de sucessão, Fiorin (2015) discorre que há


uma relação causal entre os fatos que são correlatos temporalmente. Além disso,
essa relação pode ser compreendida como “forçada”, visto que o consequente
não se estabelece necessariamente como um efeito do antecedente.

22
Os fatos

Há diversos fatos incontestáveis. Para efeito da argumentação, Fiorin


(2015) assegura que os números, tais como os dados estatísticos, por exemplo,
são vistos, geralmente, como os fatos mais objetivos e incontestáveis, embora,
em determinados contextos, como o econômico, possam ser passíveis de
contestação – seja do cálculo, seja da razão que os origina.

Argumento do sacrifício

Ainda nas relações de causa, o argumento do sacrifício consiste em


ressaltar o valor de determinada tese usando o sacrifício de alguém que ou tem
uma “convicção absoluta nela” ou possui “uma grande pureza de propósito.”
(FIORIN, 2015, p. 164) Neste caso, uma maneira de contra argumentar seria a
de justificar o sacrifício pelo privilégio.

Argumentum ad consequentiam

Também conhecido como argumento pragmático ou de consequência,


essa técnica consiste em justificar uma determinada ação considerando os
efeitos por ela produzidos. Essa se dá por proposições descritivas, avaliativas
ou até incitativas. Todavia, pelo fato de considerar a premissa de que os fins
justificam os meios, é preciso saber articular este tipo de argumento, já que ele
pode levar a justificativas extremas, ponto em que Abreu (2001) e Fiorin (2015)
concordam com relação ao aspecto melindroso deste argumento.

Argumentos fundados nas relações de sucessão

Segundo Fiorin (2015), os argumentos fundados nas relações de


sucessão são: o argumento do desperdício; o argumento da direção e o
argumento da ultrapassagem.
O argumento do desperdício se volta para ações iniciadas no passado
para argumentar em favor da sua continuidade, a fim de não desperdiçar os
esforços já empregados nela.
Já o argumento da direção ou argumento da rampa fatal é, segundo Fiorin
(2015), na maior parte das vezes, conservador. Ele se volta para o futuro e
argumenta contra determinada ação, tendo em vista as consequências

23
indesejáveis ou pela reação em cadeia que a opção por ela no presente
desencadeará no futuro.
O argumento da ultrapassagem também é voltado ao futuro; porém, esse
tipo de argumento propõe que determinada ação é uma etapa a ser vencida. Isso
se deve em consequência da ideia de que, assim, haverá continuidade de um
processo que será finalizado ou de um objetivo que será alcançado futuramente.

Argumentos de coexistência

Fiorin (2015) elucida que os argumentos de coexistência são aqueles que


correlacionam um atributo a sua essência ou um ato com a pessoa. Eles são
divididos em: argumentum ad hominem; argumentum tu quoque; argumento de
autoridade; argumentum ad ignorantiam e em argumentos a fortiori.
O argumentum ad hominem é um argumento que busca desqualificar o
opositor, colocando-o em uma posição de sujeito incompetente, não confiável ou
inconsequente. Para tanto, desqualifica-se todos os seus discursos ou atos para
que a confiabilidade do adversário seja questionada enquanto existente ou não.
Além disso, Fiorin (2015) explana que esse tipo de argumento apresenta três
variedades, a saber: i) o ataque pessoal direto; ii) o ataque pessoal indireto; iii)
a apresentação de contradições entre posições do oponente ou entre suas
palavras e ações. O primeiro diz respeito ao tratamento sobre qualquer aspecto
da pessoa do argumentador, seja com questões relacionadas ao seu caráter,
competência ou honestidade. Já a segunda variante visa ressaltar uma
característica do indivíduo oponente, a fim de demonstrar que o argumento dado
por esse sujeito carrega consigo uma carga tendenciosa, a qual é motivada por
preconceitos ou uma visão parcial sobre alguma temática. Por fim, a terceira
variante salienta as contradições entre o ponto de vista defendido pelo
adversário, na atualidade, com o que ele defendia em seu passado, seja por
meio de discursos ou ações.
Em oposição, o argumentum tu quoque é uma maneira de rebater a uma
crítica atacando o oponente a partir de um destaque de uma incoerência em
afirmações distintas e que foram feitas em momentos diferentes. Essa tática,
segundo Fiorin (2015), é uma boa forma para caracterizar o adversário como um
sujeito hipócrita, visto que a posição tomada por ele é paradoxal ou aquilo que
ele fez ou faz não condiz com o que ele condena.
24
Já o argumento de autoridade ou argumentum ad verecundiam é aquele
em que o articulista, a partir de seus conhecimentos prévios, baseia-se em uma
pessoa que é considerada autoridade na temática em questão, que pode ser si
próprio ou um terceiro, para sustentar o seu ponto de vista, uma vez que essa
autoridade possui reconhecimento, confiança e ciência sobre determinada
temática. Fiorin (2015) ressalta que existem dois tipos de autoridade: i) a da
ordem do saber (o perito ou especialista) e ii) a do domínio do poder (aquele que
exerce comando sobre os outros). A última, de acordo com o estudioso, é um
possível de alvo de desconfiança.
O argumentum ad ignorantiam, por sua vez, é uma tática utilizada para
finalizar uma discussão, impondo o êxito de um argumento em relação ao outro.
Fiorin (2015) explica que uma das formas para a obtenção disso é levar em
consideração que a tese oposta é, em suma, um fracasso, dado que não se tem
a comprovação da veracidade do ponto de vista que é levantado. Outra forma
de realização desse tipo de argumento é a exigência de que o oponente aceite
a alternativa levantada, simplesmente por não existir outra que seja considerada
mais viável.
Os argumentos a fortiori, conforme Fiorin (2015), podem ser enquadrados
em dois tipos: o argumentum a minore ad maius (=do menor para o maior) e o
argumentum a maiore ad minus (=do maior para o menor). O primeiro visa impor,
em paralelo, duas grandezas, afirmando que, se a menor pode ser admitida, sem
sombra de dúvidas a maior também deve ser admitida. Já o argumentum a
maiore ad minus leva em consideração o fato de que se a grandeza maior pode
ser admitida, a menor também pode se admitir.

Argumentos que fundamental a estrutura do real

Fiorin (2015) assevera que os argumentos enquadrados nessa categoria


são entendidos como formas de organização da realidade. Eles podem ser
divididos em indutivos, que são os que se criam uma generalização a partir de
um caso particular, ou em analógicos, que são os que se transpõem para outro
domínio.

25
Os argumentos indutivos

Uma tipologia de argumento indutivo é o argumento pelo exemplo, o qual


formula um princípio geral a partir de casos particulares ou da possibilidade de
acontecimento repetitivo de casos equivalentes. Tal ocorrência particular pode
ser compreendida como uma maneira de comprovação da tese.
Outro argumento indutivo é o argumento por ilustração, uma vez que,
nele, busca-se corroborar uma tese tida como aceita. Para tanto, transpõe-se a
tese em uma espécie de figurativização para lhe deixar mais concreta, tornando-
a, assim, sensível e possível de aboná-la.
O modelo, em conformidade com Fiorin (2015), é um sujeito ou um grupo
com o qual se visa estabelecer algum tipo de identificação, ou seja, esse
indivíduo ou grupo deve ser imitado. Em contraste, os antimodelos são aqueles
que carregam características que não devem ser seguidas e, por conseguinte,
devem ser evitadas.
Abreu (2001) também partilha do mesmo pensamento de Fiorin (2015),
tendo em vista a sua definição dada. Ele explana que esses dois argumentos
levam em conta as figuras públicas que tenham certa relevância para servirem
ou de modelo a ser seguido, ou de antimodelo, que é alguém cujas ações não
devem ser tomadas como exemplo. Assim, no último caso, tal estratégia leva o
interlocutor a evitar comportamento semelhante.

Argumentum a simili ou argumento por analogia

Esse tipo de argumento, embora carregue semelhanças com o argumento


por comparação, possui peculiaridades. Isso se deve, pois, nele, tem-se uma
comparação de relações que levam em consideração quatro termos, de acordo
com Fiorin (2015), a saber: a está para b, assim como c está para d. Dessa
forma, admite-se a tese em consequência de sua transposição de um espaço
para outro.
Para Abreu (2001), o argumento por analogia se caracteriza pela
utilização de um fato que, analogicamente, tem relação com a tese principal,
entendendo-a como tese de adesão inicial. Pode-se, neste caso, estabelecer a
analogia de maneira breve ou, por meio dela, determinar o seu ponto de vista
sem explicitá-lo quando for conveniente fazê-lo.

26
Como foi perceptível, há várias técnicas argumentativas que buscam
justificar os motivos pelos quais a tomada de um determinado ponto de vista é o
mais correto ou o mais coerente a se fazer. Essas técnicas foram identificadas
em todo o corpus analisado, sendo algumas delas mais recorrentes e outras
inexistentes ou pouco utilizadas pelos escritores dos textos, ou seja, os
candidatos a uma vaga na universidade.

2.10 As marcas de estilo

Antes de comentarmos as marcas de estilo do gênero em estudo,


salientemos que o conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo devem
ser vistas em conjunto no trabalho com o gênero na sala de aula.
O estilo de um gênero é composto pelas marcas linguística-discursivas
que o compõe. Isso quer dizer que, ao propor um gênero para a prática da leitura
ou da escrita, devemos destacar os elementos gramaticais e enunciativos que
fazem com que reconheçamos o gênero. E, esses elementos, pensando no
gênero na sua real circulação e na circulação do vestibular podem ser um pouco
diferentes.
Em relação à real circulação do artigo, Hila (2008), baseando seus
estudos em Barbosa (2006), Brakling (2000), Rodrigues (2005) e Melo (1994),
elencou, como marcas estilísticas do artigo de opinião:

1. Organização do discurso, quase sempre, na terceira pessoa; ou primeira do


plural.
2. Predomínio do presente do indicativo e do subjuntivo para a contextualização
do assunto e apresentação dos movimentos argumentativos.
3. Presença de vozes, tanto em relação ao jornal que é perpassado por seus
valores ideológicos, como também, às vezes, decorrentes da relação do autor
com sua esfera de atuação.;
4. Presença de citações.
5. Presença de operadores argumentativo.;
6. Presença de verbos ou grupos proposicionais introdutórios do discurso citado;
7. Utilização das aspas como estratégia de ironia.
8. Presença do discurso relatado indireto.
9. Utilização de indicadores modais do tipo “é preciso”;
10. Presença de modalizadores que indicam o acento valorativo do articulista..
Quadro 4. Marcas estilísticas do artigo de opinião (HILA, 2008).

27
Uber (2008), por sua vez, confere destaque especialmente aos
operadores argumentativos, que se fazem presentes principalmente nos
momentos de introdução e acréscimo de argumentos, na indicação de oposição
a uma afirmação anterior e na conclusão. A estudiosa também assegura que
cada articulista mantém uma característica peculiar para redigir o seu artigo e
que a construção desse discurso é, em sua maioria, feito em terceira pessoa.
Assim, para demarcar a sua intencionalidade, o sujeito faz uso de alguns tempos
verbais e advérbios, questionamentos, hipérboles, palavras enfáticas e de
modalizadores.
Boff (2009) explica que, variante o público o qual o artigo se destinará, o
articulista pode fazer uso de uma linguagem, denominada por ela, como
“comum”, o qual abarca um “conjunto de palavras, expressões e construções
mais usuais, com uma sintaxe acessível ao leitor comum” (p. 04) ou até ou por
uma linguagem mais cuidada, que abrange “um vocabulário mais preciso e raro,
com uma sintaxe mais elaborada que a comum” (p. 04).
Além disso, explana que, para abordar a problemática e os argumentos,
o tempo utilizado predominantemente pelo autor do texto é o presente do
indicativo. Entretanto, também se pode utilizar o pretérito quando se deseja
explicar ou apresentar dados ou evidências. a estudiosa afirma que tanto a
primeira quanto a terceira pessoa do discurso podem ser utilizadas para a
construção de um artigo de opinião. Evidencia-se, também, o uso de operadores
argumentativos (mas, entretanto, porém, portanto, além disso etc.) e dêiticos
(este, agora, hoje, neste momento, ultimamente, recentemente, ontem, há
alguns dias, antes de, de afora em diante), tendo em vista o intuito de manter a
coerência temática e a coesão do texto
Outro importante elemento constitutivo do artigo em circulação real é a
presença de algumas figuras de linguagem como a ironia, especialmente,
segundo Rodrigues (2004) quando se quer tralhar como o movimento dialógico
de distanciamento, pois o objetivo , neste caso, é desautorizar o ponto de vista
do outro. Nesse caso, como recursos de estilo observam-se as figuras de
linguagem, o uso de expressões negativas e uso das aspas.
O discurso relatado indireto é bem mais presente nos artigos que os
diretos, isso porque a finalidade deste gênero se volta mais para a análise e

28
comentário. Para Bakhtin/Voloshinov (1996) esse tipo de discurso revela a
transmissão analítica do discurso de outrem. A forma de manifestar a apreciação
valorativa de quem escreve, nos últimos anos, vem sendo posta nos artigos pela
1ª. pessoa do plural ou do singular, pela assinatura e pelo pé biográfico. Dessa
maneira os artigos tendem a colocar uma posição explícita de autoria que,
conforme Rodrigues (2004) é, na realidade, uma grande máscara interpelativa
de outas vozes sociais.
A questão das vozes, na perspectiva dialógica dalinguagem inaugurada
por Bakhtin, traz à tona o conceito de polifonia que se apresenta quando “o autor
pode fazer falar várias vozes ao longo de seu texto” (CHARAUDEAU e
MAINGUENEAU, 2004, p. 384), indicando o dialogismo entre as diferentes vozes
da sociedade. Na realidade, a constituição do conceito de polifonia textual vai
além do próprio artigo de opinião, passando a ser uma característica
apresentada em todos os gêneros discursivos.
No caso do artigo de opinião, a questão a citação de discursos alheios é
quase sempre muito presente, mas, Linhares (2010) ressalta que não se possível
evidenciar estilos estáveis desse gênero, pois cada articulista traz também seu
estilo individual de escrita e este, sem dúvida, se sobrepõe ao próprio estilo do
gênero.

29
3. O gênero artigo de opinião em situação de vestibular

Como vimos nas seções anteriores, os elementos que caracterizam o


gênero artigo de opinião, em sua real circulação, nem sempre são unânimes
entre pesquisadores e estáveis, ainda mais quando adotamos uma perspectiva
de estudo mais dialógica para estudo do gênero. Além disso, os gêneros nascem
de necessidades de interação contextualizadas e reais e, por isso mesmo,
adaptam-se a elas.
Quando são levados para a escola ou para o vestibular sofrem um
processo de escolarização, que visa sua didatização, o que faz, também, com
que se alterem suas características. Não se trata mais, portanto, do mesmo
gênero, já que as situações de produção são outras. A função comunicativa
inicial do gênero, em sua real circulação, modifica-se em razão da didatização,
o que pode contribuir para seu processo de gramaticalização na escola.
Nesse processo, o trabalho fica muito mais norteado pela sua estrutura
do gênero pelo conteúdo, até porque esta é uma dimensão mais fácil de ser
ensinável, especialmente na escola. As aulas, então, tratam de expor as
características do gênero par posteriormente o aluno escrever, sem que, para
isso, os alunos efetivamente tenham o que dizer, já que, em muitos casos, são
situações imaginárias que não os colocam diante de necessidades reais de
comunicação. No caso do artigo de opinião é muito comum ensiná-lo como se
fosse uma dissertação, ressaltando-se mais suas características
compocisionais.
Claro está que, mesmo com a didatização do gênero (inevitável), é
possível fazer um bom trabalho, de modo que o aluno se aproprie das dimensões
também discursivas do gênero, o que vai depender de um projeto voltado à uma
necessidade real da sala, do aluno e, também, de um adequado trabalho com a
prática da leitura Ressaltamos que em relação à prática da leitura será
necessário que o professor trabalhe a temática com textos de diferentes esferas
de circulação, a fim de que o aluno apreenda diferentes posições valorativas
sobre o mesmo fato e consiga estabelecer seu ponto de vista.. Sugere-se que o
trabalho amplie as esferas normalmente utilizadas como a jornalística, trazendo,

30
por exemplo, esferas acadêmicas da sociologia, da filosofia, do direito, entre
outras. Dessa forma, será possível o trabalho para além do senso comum.
Em um projeto de iniciação científica, desenvolvido em 2017, Lucca e
Paulino (2017 ), tiveram como objetivo caracterizar o gênero artigo de opinião
em situação de vestibular. Para isso, analisaram ao analisaram 50 redações que
obtiveram nota máxima ou quase máxima do vestibular de verão da Uem de
2014 , com o intuito de caracterizar esse gênero.É sobre isso que se tratam as
próximas seções.

3.1 O conteúdo temático

Ao considerar o que é postulado por estudiosos do artigo de opinião, tais


como Brakling (2000), Bonini (2002), Rodrigues (2004),Barbosa (2006), Uber
(2008), Boff (2009) e Ohuschi (2011),os quais asseveram que o gênero, ao se
tratar de sua circulação social, é introduzido por um tema atual e polêmico, que
envolve um coletivo e exige um posicionamento do autor diante dele,
observamos a aplicação dessa temática também no concurso vestibular.
Como comprovação, tal tema é evidenciado logo no comando de
produção do gênero, o qual solicitava para que o(a) candidato(a) manifestasse
sua opinião acerca dos rolezinhos nos shopping centers, ou seja, se ele(a) era a
favor ou contra a essa prática nesses locais:
GÊNERO TEXTUAL 2 – ARTIGO DE OPINIÃO Na condição de frequentador/cliente
de shopping-centers, redija um texto, em até quinze linhas, no qual você manifeste
sua opinião a favor ou contra a prática do rolezinho nesses tipos de estabelecimento.
Você deverá dar um título ao seu artigo de opinião e assiná-lo, usando os nomes
Carlos ou Eva.
Quadro 5. Proposta do vestibular de inverno 2014. Fonte: Comissão Central do
Vestibular Unificado da UEM.

Trata-se, portanto, de um tema atual que envolve um grupo, uma vez que
engloba os praticantes desse ato, os lojistas e os demais indivíduos os quais
usufruem dos shopping-centers e, sobretudo de uma temática polêmica que
exige o posicionamento do escritor, visto que, para muitos, os praticantes do
rolezinho são negativos ao ambiente encontrado no shopping-center e, por
consequência disso, devem ser banidos do estabelecimento; por outro lado,
muitos acreditam que os rolezeiros não são prejudiciais ao local e que há uma

31
certa segregação ocasionada pelos demais frequentadores dos shopping-
centers, o que não é correto, sob a ótica desses defensores.

3.2 A finalidade

Percebemos que a finalidade no concurso vestibular se mantém com o que é


defendido por Brakling (2000),Barbosa (2006) e Ohuschi (2011), já que os escritores
dos 50 artigos buscaram convencer o seu leitor de que o seu ponto de vista - seja ele a
favor ou contra ao rolezinho - era o mais coerente e correto possível, embora a produção
desses textos também vise à aquisição de uma vaga na universidade. Para tanto,
primeiramente, esses autores 26 necessitaram se posicionar frente a esse tema, para,
depois, defenderem a sua tese utilizando-se de reações-resposta, por meio de contra-
argumentos e de argumentos, auxiliando o seu interlocutor na formação de sua opinião
ou influenciando-o na mudança de uma posição já formada, assim como pode ser visto
no fragmento da redação nº 27:

“Como frequentadora de shopping, defendo a prática dos rolezinhos, pois o shopping


sempre foi considerado um ambiente de consumo, lazer e diversão frequentado pela
elite, só que é importante lembrar que não existe restrições a qual público deve
frequentar. Os jovens que participam dos rolezinhos querem manifestar seu direito de
frequentar um local como qualquer outra pessoa independente da classe social. [...]”
Quadro 6: fragmento da redação 27.

3.3 Os interlocutores

No que concerne aos interlocutores dos artigos de opinião analisados,


percebemos que não há conformidade com o que Rodrigues (2005), Barbosa
(2006), Hila (2008) e Uber (2008) afirmam. Esse fato ocorre, pois como se trata
de um concurso vestibular, a posição assumida daquele que redige o artigo de
opinião é a de um concorrente a uma vaga na universidade, enquanto a posição
de seu interlocutor é a de corretor. Mesmo que se coloque um locutor virtual no
comando como “articulista” o candidato, na realidade, se assume como alguém
que pleiteia uma vaga na universidade.
Embora o comando de produção solicite ao candidato que ele assuma a
posição de um frequentador de shopping-centers, essa posição é, muitas vezes,
reprimida pela conjuntura em que o indivíduo se encontra - a de situação de
vestibular -, tornando-a algo que não é real, ou seja, em outras palavras, que
não condiz com o que existiria se os textos fossem, de fato, produzidos em um

32
contexto real de produção. Comprova-se assim, o que Bakhtin (2003) explica
sobre o fato de o gênero adaptar-se à situação e à esfera no qual se insere. E
mais, conforme o filósofo, o destinatário exerce o maior controle sobre aquilo que
é dito o que também se comprova, pois, no caso do vestibular, toda orientação
valorativa do vestibulando é orientada pela imagem que ele faz do corretor de
redação e não pela posição social que ele deveria assumir.
Ao nosso ver, o fato de o vestibulando não ser um especialista e nem se
dirigir a um destinatário próximo daquele que efetivamente lê jornais, acaba por
aproximar muito esse gênero da relação dialógica expressa na dissertação
escolar. Além disso, diferentemente do articulista, o vestibulando não é uma
autoridade ou um especialista sobre o assunto que avalia, nem tão pouco
escolheu o próprio tema.

3.4 A esfera e o suporte

Em detrimento dos artigos de opinião que foram estudados serem


produzidos em um concurso vestibular, a esfera a qual eles permeiam não é a
jornalística, assim como Melo (1994), Rodrigues (2005) e Ohuschi (2011)
sustentam. A sua esfera é a do vestibular, tendo em vista que esse gênero não
terá nenhuma circulação real quando finalizado.
Hila (2007), ao analisar as condições de produção de redações
produzidas em situação de vestibular, explica que essa esfera, sob uma
perspectiva histórica, produz a chamada pedagogia do exame, atrelada a
relações de força e poder que o próprio Vestibular exerce sobre as escolas,
orientando inclusive os conteúdos programáticos. Isso explica o porquê de os
alunos, apesar do comando especificar destinatários próprios de um jornal, não
consigam assumir isso no texto, quer por meio do discurso ou mesmo dos
argumentos que se utilizam, até porque, como já ressaltamos, não são
especialistas sobre o assunto e, por isso mesmo, trazem ou o que tem
internalizado em seu conhecimento de mundo ou se apoderam das vozes
presentes nos textos de apoio, o que demonstra a força coercitiva dessa esfera:
A pedagogia redação-vestibular desenvolvida nas universidades públicas, não
obstante as evoluções político-sociais e científicas, as sucessivas reformas

33
educativas, os novos anseios e até algumas práticas autônomas, na suas bases
burocráticas, continua fortemente gerida pelos interesses do Estado e por
aqueles que detém os recursos, no caso, os professores que elaboram as
provas. Paralelamente a esse aspecto, é mister ressalte-se que as bases
filosóficas, de orientação preponderantemente lógica (ainda vigentes em muitas
provas) (HILA,2007, p.841).
A autora ainda assevera que essa esfera acaba por gerar estruturas
estereotipadas no discurso porque é movida por imagem normativa do
destinatário, o que faz com que muitos textos apresentem ideias de senso
comum. O vestibulando não consegue fazer uma representação histórica-social
de outro leitor que não o corretor. O fato de que os textos foram escritos em uma
situação de vestibular também altera o seu suporte, dado que os artigos
encontram-se na folha do caderno da versão definitiva da prova, e não em jornais
ou revistas, sejam eles impressos ou virtuais, o que faz com que não haja relação
alguma entre suporte e o conteúdo do texto, diferentemente do artigo de opinião
em seu suporte real.

3.5 A estrutura composicional

A análise das redações permitiu-nos levantar a recorrência de elementos


estruturais e linguísticos nas produções, assim como dos tipos de argumentos
levantados por Abreu (2001) 28 e Fiorin (2015). Quanto à estrutura
composicional do artigo de opinião, os elementos estruturais concernentes ao
gênero em sua situação real de produção, assim como é postulado por
estudiosos como Uber (2008) e Barbosa (2006), foram percebidos durante a
análise, como pode ser visualizado na tabela a seguir.

Elementos Recorrências nas redações analisadas


Título 49
Contextualização 29
Explicitação da tese 27
Argumentos 48
Contra-argumentos 31

34
Retomada da tese 19
Negociacão 32
Conclusão 41
Assinatura 48
Quadro 7: elementos estruturaria encontrados nas redações
Notamos que, apesar de não serem previstos em nenhuma das
discussões levantadas pelos teóricos da área, o título e a assinatura são dois
elementos que foram atendidos por quase todas as 50 redações, tendo apenas
uma delas não apresentado o título. Eles fizeram-se presentes em uma
grandiosa parcela dos textos, visto que se exigiu a existência de ambos no
comando de produção. A contextualização e a presença da tese nos textos foram
muito comuns, assim como pode ser visualizado no fragmento retirado da
redação nº 47, onde o(a) autor(a) contextualiza e posiciona-se diante da temática
em questão:

“Os shoppings são locais de lazer, compras e diversão muito visitados pelo amplo
espaço e segurança oferecidos, por isso defendo a proibição de rolezinhos nesse
ambiente. [...]”

Embora não sejam necessariamente explicitadas em todas as produções,


as redações apresentaram tanto as marcas da temática e do contexto, quanto
do posicionamento do autor diante dessa temática, seja marcado pela tese
explícita e/ou pelo tom dos argumentos utilizados por ele para tratar do tema.
Outros dois elementos estruturais que são elencados pelos estudiosos do
gênero em sua situação real de uso e que são atendidos quase que
integralmente nas redações analisadas, foram a presença da argumentação,
imprescindível à finalidade do gênero, que é a de opinar acerca de uma temática,
e a conclusão, essencial a qualquer texto escrito.
Segundo Uber (2008) e Barbosa (2006), a conclusão é comumente
construída pela retomada ou ênfase do posicionamento assumido. Nas
produções, porém, foram notadas outras duas formas de concluir o texto:
utilizando-se da apresentação de uma solução para a problemática, nomeada
“possibilidade de negociação” pelos autores, como exemplificado no quadro 8,
ou ainda com a possibilidade de retomada de tese ao concluir o artigo, como se
vê na redação 6:

35
“[...] Em um país que busca a redução da desigualdade de classes, haveria de surgir
políticas de apoio aos rolezinhos, para que além da desigualdade econômica, a
desigualdade social também seja reduzida. [...]”

A possibilidade de retomada da tese na conclusão do texto foi bastante


recorrente nas produções analisadas, muito provável pela internalização do
gênero dissertação, amplamente trabalhado na escola, tendo sido feita seguida
de argumentação ou de reiteração do posicionamento defendido. Tanto as
propostas de negociação como a retomada da tese assumida vieram marcadas
em dois momentos do texto: ou no próprio corpo entre um argumento e outro ou,
como apontado, na conclusão.
A antecipação e o contra-argumento, recursos discursivos bastante
significativos na elaboração do gênero, também tiveram destaque na escritura
dos artigos. Embora não tenham sido utilizados na grande maioria das
produções, sua recorrência foi expressiva, o que permite reiterar a opinião dos
autores quanto a este ser um elemento prototípico do gênero artigo de opinião,
mesmo em situação de produção avaliativa com suporte limitado a poucos
linhas.
Em síntese, foi possível notarmos que todos os elementos estruturais do
artigo de opinião apontados pelos autores, sobretudo Uber (2008) e Barbosa
(2006), mantiveram-se na escritura do gênero na situação de produção do
vestibular. Ademais, há ainda o acréscimo de dois novos elementos conforme o
solicitado pelo comando da instituição, o título e a assinatura. A solicitação pela
assinatura é curiosa e compreensível quando consideramos a mudança na
esfera de circulação do texto. Dentro da esfera jornalística, o artigo de opinião é
o gênero com maior carga argumentativa e pessoal, o que permite dizer que
explicitar o seu produtor é um ato discursivo que lhe confere responsabilidade
pela opinião apresentada. Assim, solicitar a assinatura na prova é possivelmente
compreendido como uma forma de traduzir linguisticamente esse traço sutil do
gênero.

36
3.6 As marcas de estilo
No que diz respeito ao estilo linguístico do gênero artigo de opinião,
pudemos levantar os elementos a seguir, de acordo com a sua ocorrência nas
redações:
Elementos do estilo Recorrências nas redações
Uso da primeira pessoa do singular 42
Uso da terceira pessoa 08
Presente do indicativo 15
Presente do subjuntivo 10
Formas do pretérito 25
Formas do futuro 10
Presença de citações indiretas (vozes) 46
Presença de modalizadores do tipo “é 35
preciso”
Presença de operadores argumentativos 50
explícitos
Presença de expressões de juízo e valor 47
indicando posição do autor
Quadro 8: elementos do estilo presentes nas redações.

As marcas de estilo apresentadas nas redações analisadas variaram


dentro dos elementos que os autores propõem como característicos ao gênero.
Desses, os que mais se destacaram foram: o uso da primeira pessoa, a presença
de vozes, por meio de citações e argumentos de autoridade e o uso de
operadores argumentativos.
O uso da primeira pessoa, tanto do singular quanto do plural, foi
recorrente na marcação da posição e da opinião do autor, apresentando
argumentos ou relatando situações relacionadas à sua posição social de
frequentador de shopping-centers. A terceira pessoa, seja ela do singular ou a
do plural, por sua vez, foi notada em poucas redações, notadamente em trechos
que o autor discorria sobre a temática ou opinava sobre os rolezinhos e seus
participantes. Nesse uso intercalado, notamos que os produtores instauraram
um distanciamento entre o “eu” que fala, com sua posição social correspondente,

37
e o “eles” de quem se fala, cuja posição é marcada como sendo a de jovens de
periferia com uma realidade social distinta.
Ainda de acordo com Hila (2008), o artigo de opinião costuma apresentar
marcas tanto do presente do indicativo quanto do subjuntivo, a fim de demarcar
a introdução de argumentos. Contudo, o que percebemos foi que o uso das
formas no pretérito se sobressaiu ao das formas de presente do subjuntivo.
Dessa forma, os produtores utilizaram-se do presente do indicativo em situações
de argumentação e explicitação da tese; de formas como pretérito para
contextualizar ou relatar situações, e de formas do futuro para introduzir
propostas de negociação.
Um outro ponto que acreditamos ser pertinente salientar é a presença dos
operadores argumentativos e das formas de modalizar o discurso, dois
elementos também bastante significativos para a elaboração do gênero. Tanto
um, quanto outro foram encontrados em grande parte das redações dos
candidatos. Expressões valorativas que denotam juízos de valor também
diferenciam essas redações, como por exemplo: “considero absurda a proibição”
(redação 5); “acredito fortemente”(redação 34); “triste a posição daqueles
que..”(redação 18), entre outras.

3.7 Os tipos de argumentos que mais foram usados

A argumentação, característica essencial do gênero artigo de opinião é


notada em todas 50 redações analisadas, valeu-se dos seguintes argumentos
levantados com base em Abreu (2001) e Fiorin (2015).

Tipos de argumentos Recorrências nas redações


A pari 21
Causalidade 16
Ad consequentiam 15
Autoridade 41
Comparação 09
Ad hominem 09
Definição 08
Fato 05
38
Ilustração 04
Reciprocidade 03
Recurso aos valores 02
Ad ignorantiam 01
Ad populum 01
Ironia 01
Autofagia 01
Quadro 9: tipos de argumentos presentes nas redações

A argumentação por causalidade, uma das mais presentes nas redações,


trata-se, segundo Fiorin (2015), de expor as causas que levam a determinado
fenômeno, um efeito produzido pelo encadeamento de fatos ou acontecimentos
antecedentes. Há, para efeitos discursivos e persuasivos, uma escolha do
enunciador em relação as causas para certo fenômeno à fim de evidenciar um
aspecto e sublimar outro. Para isso, pode-se tomar causas imediatas ou mais
distantes, tomar as consequências em seu lugar ou usar uma causa como
pretexto, argumento que apresenta um falso motivo para determinado efeito. No
caso das produções dos candidatos, os argumentos com base na relação de
causa e consequência se concentraram na exposição das causas sociais que
levaram os jovens a se manifestarem na forma de rolezinhos.
Em sua grande maioria, esse tipo de argumento foi utilizado para compor
uma argumentação em defesa do direito ao rolezinho ou como forma de propor
uma forma de negociação para a situação. É o caso do contra-argumento a
seguir: “Contudo, os participantes desses movimentos procuram integrar-se às
práticas das camadas mais altas e ocupar posição de destaque, o que lhe são
atribuídas pela ascenção (sic) monetária de suas classes.” (redação 25).
O uso do argumento a pari, o mais utilizado, está relacionado, nas
produções, ao discurso dos “direitos iguais para todos”. É a forma que os
candidatos utilizam para argumentar tanto contra o movimento, justificando o
direito comum de respeito ao espaço do outro, quanto a favor, apresentando que
os jovens de periferia possuem os mesmos direitos que os frequentadores das
classes mais altas de estarem naquele ambiente. Esse argumento, também
nomeado de simili, argumento por semelhança ou até mesmo regra da justiça,

39
se vale do princípio da identidade, visto que propõe a semelhança de tratamento
entre casos semelhantes, contradizendo a lógica de “dois pesos, duas medidas”.
O uso do argumento ad consequentiam, também conhecido por
argumento pragmático ou de consequência, é aquele no qual a defesa utiliza
como justificativa os efeitos produzidos por determinada ação (FIORIN, 2015).
Nas redações analisadas, esse argumento evidencia, sobretudo posições
contrárias aos rolezinhos que explicitam as consequências negativas desse
movimento, sejam elas individuais, efeitos produzidos contra o próprio autor, ou
coletivas, quando os efeitos dos rolezinhos afetam o grupo social ao qual ele
pertence.
O uso do argumento ad hominem, por sua vez, apela para a
desvalorização da figura do outro como recurso argumentativo para valorizar sua
posição. No contexto em questão, o outro desvalorizado por esse argumento
foram os frequentadores dos rolezinhos, os jovens da periferia, cuja imagem foi
construída como sem cultura, sem educação e sem respeito ao patrimônio
privado. É um recurso interessante, apesar de ter sido pouco utilizado, pois
entendemos que revela bastante da posição social do produtor e do seu
posicionamento diante da temática.
Acreditamos que, de todos os argumentos utilizados, a ocorrência maior
da argumentação pautada nas relações de causa e consequência demonstram
como o artigo de opinião em situação de vestibular se aproxima da estrutura da
dissertação. De fato, por ambos os textos serem de caráter argumentativo, há a
confusão (notada, sobretudo, nas atividades que desenvolvemos no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) durante a produção dos dois
textos. Além disso, o uso do argumento a pari indica para uma argumentação
ainda oriunda do senso comum, em que se vale de situações e preceitos
genéricos para avaliar e justificar posicionamentos e ações. Isso posto, parece-
nos que os vestibulandos continuam escrevendo dissertações, embora o
comando explicite o gênero artigo de opinião.
Ao nosso ver, as produções não apresentam marcações discursivas,
estruturais ou estilísticas satisfatórias para a classificação das produções como
artigos de opinião, nem prototípicos, nem reconfigurados pelo contexto de
produção. Em vez disso, o que percebemos é a redação de dissertações

40
escolares reestruturadas e atendendo a alguns elementos obrigatórios,
expressos no comando de produção da prova. Isso se deve, acreditamos, ao
fato de que não há, por parte dos candidatos, a consideração da finalidade e de
papeis sociais distintos durante a escritura, descaracterizando expressivamente
o gênero artigo de opinião.

Algumas conclusões das análises dos textos

A configuração a qual os artigos de opinião são submetidos, em situação


de vestibular, é diferente de quando esse gênero circula em sua esfera real. Isso
se deve, pois, embora tenha sido mantida a temática de cunho polêmico e
controverso e a finalidade desse gênero, que é a de defender um determinado
posicionamento diante desse tema, quem escreve o texto, para quem se
escreve, onde se escreve e, principalmente, onde circulará esse texto, não
equivalem às condições prototípicas do artigo de opinião, exigindo, portanto,
uma adaptação dele para esse novo contexto. Dessa forma, como foi
perceptível, a estrutura desse gênero é flexível quanto ao comando de produção
da prova, tal como ocorreu em nosso corpus, os quais apresentaram, além dos
itens propostos por estudiosos como Barbosa (2006) e Uber (2008), título e
assinatura.
Todavia, essa estrutura também é recorrente nas dissertações escolares,
o que não é, portanto, um item que utilizaríamos para diferenciar o artigo de
opinião da dissertação escolar. Além disso, é necessário reforçar que cada
candidato utilizou uma maneira peculiar ao redigir o seu texto, dispondo-se ou
não de todos os elementos que são visivelmente encontrados em outras
situações das quais esse gênero pode ser submetido. Outro fato é que o
vestibulando não se coloca como articulista, não define um papel social
normalmente presente nos artigos de circulação e nem se dirige a um público
leitor de jornais, mas escreve dentro de uma esfera para ser avaliado para uma
banca, o que o distancia e muito do gênero previsto na prova.
Na realidade, em nossas oficinas desenvolvidas no Programa de Bolsas
de Iniciação à Docência (Pibid), nas quais preparamos alunos da rede para a
redação, isso se verifica com quase todos os gêneros, à exceção de algumas

41
cartas. Nos demais, dificilmente o aluno consegue assumir posições sociais
diferentes a de aluno, ou mesmo quando assume, não consegue mobilizar
recursos argumentativos e linguísticos coerentes a essa posição social, o que
confirma que a esfera Vestibular, coercitiva por natureza, dificulta o trabalho com
alguns gêneros do discurso. Isso pode explicar o porquê de exames como o
ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), utilizado por muitas universidades,
valha-se das tipologias textuais e não dos gêneros discursivos, pois, adaptar os
gêneros a uma esfera cujas relações de poder são muito fortes, acaba por
apagar as próprias finalidades deles, o que nos leva a repensar até que ponto a
inserção dos gêneros discursivos nessa esfera é realmente relevante, na medida
em que as melhores redações nos provam que são, na verdade, boas
dissertações escolares.
É necessário reforçar que, embora os artigos de opinião, em sua grande
maioria, tenham sido constituídos de argumentos ou até mesmo de contra-
argumentos, a sustentabilidade dos argumentos utilizados, em muitos casos,
não ultrapassou o senso comum, o que contradiz com o fato de que o articulista
deve dominar a temática a qual está submetido a opinar. Essa incongruência
desconfigura, em parte, o gênero em questão e, em muitos casos, evidencia que
os candidatos não sabem ao certo discernir o gênero artigo de opinião da
tipologia textual dissertação-argumentativa. Por fim, essa pesquisa nos
comprova que as reações-respostas dos melhores candidatos não evidenciam a
internalização do gênero artigo de opinião, mas o camuflam, o que não deixa de
ser uma resposta àqueles que são responsáveis pelos programas de redação
nos diferentes vestibulares do país.

4. OS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DA REDAÇÃO NO VESTIBULAR E NO


PAS
Todas as informações aqui expostas são retiradas do Manual do
Candidato do PAS e do Vestibular da UEM publicadas a cada novo concurso,
porém mantendo-se os mesmos critérios de avaliação e de pontuação de cada
exame.
Inicialmente, no vestibular, apenas serão avaliadas as redações dos
candidatos que comparecerem a todas as provas e que não obtiverem nota zero
em qualquer uma das seguintes situações: - na Prova de Conhecimentos Gerais;
42
- em Língua Portuguesa e Literaturas em Língua Portuguesa; - em Língua
Estrangeira; - em qualquer uma das matérias que compõem a Prova de
Conhecimentos Específicos. No caso do PAS, todas as redações são avaliadas
até o ano desta publicação.
A avaliação da Redação é realizada por bancas de professores das áreas
de Língua Portuguesa, de Linguística e de Literatura, prévia e especificamente
preparados para o processo. Para garantir a objetividade no processo de
avaliação, utilizam-se planilhas elaboradas por especialistas. A prova pode
trazer dois ou mais gêneros para serem desenvolvidos, mas tem sido frequente
nos dois exames a produção de dois gêneros discursivos.
O total de pontos de cada gênero, considerando-se dois, é de 60,
totalizando 120 pontos. Mas a redação poderá ser zerada se:
- Fugir ao tema;
- Fugir ao gênero proposto e ao comando de produção;
- Apresentar elevada desestruturação de ideias e da gramática padrão.
Os critérios de avaliação de cada gênero estão divididos entre
CONTEÚDO (30 pontos) e FORMA (30 pontos), divididos em subitens
avaliativos.
Quanto ao conteúdo objetiva-se avaliar a capacidade de o candidato produzir
determinado gênero textual, a partir da leitura da temática proposta no(s) texto(s)
oferecido(s) como estímulo e apoio, bem como atender às condições de
produção estabelecidas no comando de cada gênero. Quanto à forma, objetiva-
se avaliar a organização composicional típica do gênero textual solicitado, a
coesão e a coerência em função da materialização das ideias e o desempenho
linguístico em consonância com a variedade linguística, mas sempre observando
a modalidade culta da língua escrita. Esses dois itens são subdividos em:

Quadro 9. Itens de avaliação da redação


CONTEÚDO – 30 FORMA 30

Tema: Avalia-se o desenvolvimento Organização textual: Avalia-se a


da temática pertinente a cada gênero estrutura organizacional típica do
textual solicitado, observando os gênero textual solicitado,
níveis de exauribilidade do tema, a considerando os mecanismos de
partir de textos oferecidos como coesão e de coerência necessários
estímulo e apoio à produção escrita.
43
Em outras palavras, esse item analisa para a sua materialização ou
como o candidato desenvolve o textualização.
conteúdo do gênero proposto.

Atendimento ao comando: avalia-se Desempenho linguístico: avalia-se


o atendimento às condições de o desempenho linguístico a partir da
produção expressas no comando de modalidade culta da língua escrita,
cada gênero textual. Analisa-se se o observando os níveis de construção
candidato ao produzir o gênero de parágrafos, frases, períodos,
solicitado trabalha todas as suas orações, palavras e seus elementos
condições de produção ou seja, constituintes (ortografia, pontuação,
escreve realmente o gênero proposto, regência, concordância etc.).
cumpre a finalidade, marca (se
solicitado no comando) interlocutor e
posição social, suporte,

Fonte: Manual do Candidato, Inverno, UEM, 2015.

5.ANÁLISE DE TEXTO COM NOTA MÁXIMA


A fim de demonstrar como os elementos do gênero artigo de opinião se
adequam à situação avaliativa e exemplificar como o candidato pode elaborar o
seu texto, apresenta-se a análise de uma redação com pontuação máxima, na
edição do vestibular de inverno de 2014. O tema da proposta, como já
apresentado anteriormente, foi a prática de “rolezinhos” em shopping centers. A
proposta completa, acompanhada dos textos de apoio, foi a seguinte:

REDAÇÃO
Os textos a seguir abordam o tema da prática do rolezinho em shopping-
centers. Tomando-os como apoio, redija os gêneros textuais solicitados.

TEXTO 1
Rolezinho é a ocupação de um templo de consumo
Rosana Pinheiro-Machado*

O rolezinho é a ocupação de um templo de consumo. O objetivo é


justamente o consumo. Tudo começou como distração e diversão: se arrumar,
sair, se vestir bem. Existe toda uma relação com as marcas e com o consumo,
num processo de afirmação social e apropriação de espaços urbanos.
Os lojistas e os frequentadores de shoppings se sentem ameaçados
porque o shopping sempre foi uma redoma, um lugar das elites e das camadas
médias. De repente, essa paz e essa fronteira foram abaladas e, no fundo, se
teme ver o que antes não se via: a periferia negra, a pobreza e a desigualdade.
44
A proibição dos rolezinhos por parte dos administradores de shoppings é
uma atitude completamente errada. Como estabelecer critérios que não sejam
preconceituosos? Não se pode negar o direito de ir e vir. Será que, se diversos
jovens das elites brancas marcassem encontro, algum shopping iria proibir? Isso
é apartheid.
A atitude da Polícia Militar também não é correta quando usa a força
policial e a violência para agir contra osmais fracos. Não se pode agir com
brutalidade, pois trata-se de um movimento social. De modo geral, existe um
rancor, não apenas da Polícia, mas de grande parte da sociedade brasileira.
Embora muitos acreditem que os rolezinhos podem acabar em arrastões
e violência, esse movimento está se tornando cada vez mais político como forma
de protesto e ocupação de espaço. Os jovens da periferia sempre foram a
shoppings e nunca assaltaram.
*Rosana Pinheiro-Machado é antropóloga e professora da Universidade
de Oxford, na Inglaterra.
Texto adaptado de <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
noticias/2014/01/18/rolezinho-e-a-ocupacao-de-um-templo-deconsumo-diz-
antropologa.htm > . Acesso em 20/03/2014.

TEXTO 2
Tal como são, os ‘rolezinhos’ atentam contra direitos coletivos
Mauro Rodrigues Penteado*

Por mais que nos solidarizemos com nossa juventude humilde que busca
espaços para se relacionar e dar vazão ao seu amor e alegria, não é possível
apoiá-la nessa onda recente de ‘rolezinhos’ marcados em shopping-centers e
outros locais privados com destinação específica.
É triste a ausência de opção de lazer para nossos jovens de camadas
mais pobres. No entanto, os ‘rolezinhos’, tal como vêm sendo marcados, atentam
contra os direitos individuais e coletivos assegurados pela Constituição Federal.
Isso sem falar no direito também constitucionalmente garantido à propriedade e
à livre iniciativa. Daí porque estão corretas as liminares concedidas pelo
Judiciário aos shoppings, as quais estabeleceram multas aos participantes.
Os shoppings são empreendimentos privados abertos ao público
especificamente para compras, lazer, diversão, passeio. A maioria deles tem
cinemas e praças de alimentação. Nenhum deles tem ainda uma praça de
‘rolezinho’, modalidade de diversão muitas vezes conturbada, promovida por
jovens infratores. Essa atividade fere o legítimo direito de pais, mães e filhos a
um lazer sossegado e seguro que se crê encontrar no ambiente privado e
protegido dos shoppings.
Se o poder público não disponibiliza, como deveria, espaços próprios para
o saudável congraçamento e encontro entre jovens, nem por isso os brilhantes
moços que os organizam deixam de ter alternativas interessantes. E todas elas
são garantidas pela Constituição.
A lei garante que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em
locais abertos ao público, independentemente de autorização, bastando prévio
aviso à autoridade”. Ora, por que não fazer uns ‘rolezinhos’ no sambódromo ou
em outros locais públicos? Os convocados pela internet não vão faltar. Meninos
e meninas levam o som, comidinhas e bebidinhas (sem álcool, de preferência,
45
senão tumultua e nem namoro acontece). Aí a festa ‘rola’ de forma ‘legal’, no
duplo sentido. Juridicamente, basta os organizadores enviarem cópia da
convocação à Prefeitura e à Secretaria de Segurança.
*Mauro Rodrigues Penteado é advogado, árbitro e professor de direito
comercial da USP.
Texto adaptado de <www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1397335-
opiniao-tal-como-sao-os-rolezinhos-atentam-contra-direitoscoletivos.shtml>.
Acesso em 20/03/2014.

GÊNERO TEXTUAL 2 – ARTIGO DE OPINIÃO


Na condição de frequentador/cliente de shopping-centers, redija um texto, em
até quinze linhas, no qual você manifeste sua opinião a favor ou contra a prática
do rolezinho nesses tipos de estabelecimento. Você deverá dar um título ao seu
artigo de opinião e assiná-lo, usando os nomes Carlos ou Eva.

Nessa edição, os elaboradores ainda não haviam adicionado o excerto


intitulado “contexto de produção” ao comando das provas de redação. Dos
elementos do gênero, nota-se que o comando determina o papel social a ser
adotado pelo candidato, ou seja, deveria produzir o texto como um
“frequentador/cliente de shopping-centers”; determina também o tema, com
possibilidade de posicionamento favorável ou contrário pelo candidato e alguns
elementos da organização do texto, o título obrigatório e a assinatura obrigatória
com um dos nomes fictícios para não caracterizar identificação do candidato.
Uma das redações produzidas foi esta a seguir, cujo critério para a
seleção foi apenas trazer maior quantidade de elementos do gênero artigo de
opinião e de forma mais clara.
Quadro 10. Redação com nota máxima no Vestibular de Inverno de 2014.
Rolezinhos e o direito ao lazer
Analisado como movimento social por uns e baderna por outros, o
rolezinho é o encontro de jovens da classe baixa em shoppings. Porém, por
mais que os participantes busquem afirmar seu espaço na sociedade,
considero essa prática inconstitucional, conturbadora. Os shoppings são
conhecidos como locais seguros e protegidos, destinados a compras e lazer.
Entretanto, a presença de rolezinhos promove a insegurança e desordem, o
que pode afetar o comércio dos estabelecimentos.
Além disso, os rolezinhos são contra, digo, contrários aos direitos da
Constituição, sejam individuais sejam coletivos. É justo que o lazer seja
negado a qualquer uma dessas partes? Absolutamente não. Contudo, o
espaço dos shoppings deve ser respeitado e a comunidade, o Governo e os
46
participantes devem procurar realizar alternativas de lazer para os jovens da
classe baixa. Diante disso, é lamentável que deva ser combatido o evento
rolezinho, mas configura-se como uma medida necessária e cautelosa para o
bom funcionamento dos shoppings. A partir da busca de outras opções de
atividades para os participantes, o direito ao lazer será garantido a todos.
Carlos

ANÁLISE

I. As condições de produção
O único elemento das condições de produção determinado pelo comando
da prova de redação foi o papel social do produtor do texto. Nota-se que o
candidato que produziu essa redação não explicitou seu papel social de
frequentador de shopping center ou outro indício desse lugar social. Via de regra,
orienta-se os candidatos para que explicitem esse papel social (podendo,
inclusive, agregar outros, como “frequentador de shopping center e advogado”,
“frequentador de shopping center e psicólogo”, desde que façam sentido com a
argumentação) nos gêneros pertinentes, incluindo-se o artigo de opinião nesses
gêneros
A título de exemplo, o texto de apoio 2 da prova de redação traz a
assinatura do seu produtor e, ao final, o seu lugar social, ou seja, de que campo
da sociedade ele participa e qual a sua propriedade para tratar do tema. Sendo
Mauro Rodrigues Penteado da esfera jurídica, convidado a opinar sobre os
rolezinhos, seu papel social proveniente dessa área permeia toda a sua
argumentação assegurada em aspectos jurídicos que sustentam sua opinião da
ilegalidade dos rolezinhos. No caso do artigo produzido no vestibular, a
argumentação segue a mesma linha, porém a única indicação de seu produtor é
assinatura com o nome fictício Carlos, sem seu papel social.
A finalidade do artigo produzido atende àquela prototípica do gênero: todo
o texto opina e argumenta em defesa de um ponto de vista sobre o tema
apontado pelo comando, o que será explicitado no tópico dessa análise referente
à organização textual e estilo linguístico. Os demais elementos das condições
de produção (papel social do interlocutor, suporte e esfera de circulação) não
foram mencionados no comando, portanto não foram referidos no texto. O papel
47
social simulado dos interlocutores não foi descrito, delimitando apenas os
interlocutores reais, ou seja, os corretores da banca. Assim também com o
suporte, não foi mencionado nenhum suporte fictício, restando apenas a folha de
redação. A esfera de circulação, por fim, foi a real, acadêmica em situação de
avaliação.
Os comandos da prova de vestibular, como dito, passaram a incorporar
elementos simulados das condições de produção como forma de orientar os
candidatos e aproximar o gênero de sua esfera de circulação real. No caso em
que esses são apontados no comando, sugere-se ao candidato que tenha-os
mente ao produzir seu texto. Se, por exemplo, no comando dessa prova fosse
simulado que os leitores do artigo seriam os colegas de sala ou que o suporte
seria uma revista de circulação nacional, o candidato deveria adequar seu
discurso, como vocabulário e argumentos, a cada situação específica. Um texto
que circula no jornal escolar e aquele que circula nacionalmente não costuma
ser produzido da mesma forma. O mesmo com o papel social do produtor. Se
quem escreve é um advogado, seus argumentos devem ser condizentes com
esse papel.
Quanto ao tema, o escolhido pela equipe de elaboração da prova foi de
caráter polêmico, um tema que foi bastante debatido pela esfera jornalística em
2014, o que condiz com o que até aqui foi mencionado acerca do conteúdo
temática do gênero. O candidato respeitou o tema e posicionou-se diante dele,
uma vez que o comando solicitava adotar uma posição contrária ou favorável.
Esse é outro aspecto que deve ser atentado pelo candidato: se o comando
solicita uma posição, ele deve-se posicionar. Um erro comum que deve ser
evitado é a tentativa de defender os dois lados da problemática. Nessa redação,
o candidato deixou clara sua posição contrária no trecho “considero essa prática
inconstitucional, conturbadora”. Ele só mencionou a posição favorável aos
rolezinhos para rebatê-la, para argumentar o porquê de não concordar com o
movimento.

II. Organização textual e os tipos de argumentos


A redação do candidato claramente atende aos elementos
organizacionais do gênero artigo de opinião. O candidato iniciou sua produção

48
pelo título, elemento característico e, como determinado no comando,
obrigatório, nomeando seu texto de “Rolezinhos e direito ao lazer”. Em seguida,
iniciou o primeiro parágrafo com uma breve e objetiva contextualização sobre a
temática, também elemento prototípico do gênero e a forma mais indicada para
iniciar o texto.

Analisado como movimento social por uns e baderna por outros, o rolezinho é
o encontro de jovens da classe baixa em shoppings.

Após a contextualização, o candidato explicitou a tese de seu artigo, ou


seja, qual é a sua posição e sua opinião sobre o tema. Dois aspectos se
destacam nesse trecho: primeiro, o candidato antecipou um argumento contrário
ao seu (a visão dos rolezinhos como afirmação social) para se posicionar e,
segundo, ele delimitou quais seriam seus dois argumentos principais a serem
desenvolvidos ao longo do texto, a inconstitucionalidade da prática e a
perturbação da ordem do local. Delimitar quais serão os argumentos é uma boa
estratégia para marcar a tese e iniciar o texto, uma vez que reforça a tese, serve
de gancho para a composição das ideias e auxilia no planejamento do texto.

Porém, por mais que os participantes busquem afirmar seu espaço na


sociedade, considero essa prática inconstitucional, conturbadora.

O primeiro argumento, aquele que diz respeito à perturbação da ordem,


inicia-se como uma afirmação sobre como os shopping centers são sem os
rolezinhos, em seguida apresenta outra afirmação, sobre como os rolezinhos
afetam a ordem desses locais, concluindo o argumento com os efeitos que essa
prática pode causar. Esse é um tipo de argumento reconhecido por Fiorin (2015),
que o chama de argumentum ad consequentiam, termo em latim para os
argumentos que trazem as consequências de determinada ação para sustentar
porque essas ações devem ser praticadas ou evitadas. Nesse caso, as
consequências negativas para os lojistas é o primeiro argumento contra os
rolezinhos. No entanto, nota-se, aqui a ausência de uma comprovação, exemplo
ou justificativa que sustente o argumento. A comprovação é essencial na

49
argumentação e sugere-se aos candidatos que a façam na produção do artigo e
demais gêneros argumentativos.

Os shoppings são conhecidos como locais seguros e protegidos,


destinados a compras e lazer. Entretanto, a presença de rolezinhos promove
a insegurança e desordem, o que pode afetar o comércio dos
estabelecimentos.

O segundo argumento, o da inconstitucionalidade, inicia-se também como


uma afirmação, apontando que essas práticas ferem direitos previstos na
Constituição. A seguir, o candidato antecipa um argumento contrário na forma
de questionamento, responde-o e contra-argumenta, rebatendo a posição
contrária (de que não são direitos apenas dos frequentadores de shopping) com
tentativa de conciliação, outro elemento típico do gênero. Nesse argumento, o
candidato admite a necessidade dos direitos das duas partes serem respeitados,
mas conferindo ao Estado e aos integrantes do movimento a responsabilidade
de garantir esses direitos. Em outras palavras, ele exime dos shoppings e de
seus frequentadores a responsabilidade de abrir um espaço, entendido como
exclusivo, para que os jovens de classe baixa tenham seu direito ao lazer
assegurado.

Além disso, os rolezinhos são contra, digo, contrários aos direitos da


Constituição, sejam individuais sejam coletivos. É justo que o lazer seja
negado a qualquer uma dessas partes? Absolutamente não. Contudo, o
espaço dos shoppings deve ser respeitado e a comunidade, o Governo e os
participantes devem procurar realizar alternativas de lazer para os jovens da
classe baixa.

Sobre a tentativa de conciliação ou proposta de solução, deve-se tomar


cuidado. O candidato não deve confundir o artigo de opinião com o texto
dissertativo-argumentativo. Além de outros elementos linguísticos que os
diferem, o artigo de opinião apresenta a possibilidade de utilização de
argumentos diversificados pelo produtor e também da contra-argumentação. No
caso do texto dissertativo-argumentativo, é comum que os argumentos sejam
limitados às causas e às consequências de determinado tema. A proposta de
solução no texto dissertativo-argumentativo deve ser concreta, ou seja, o

50
produtor deve apresentar soluções reais para a problemática. Já no artigo de
opinião, a tentativa de conciliação é um recurso argumentativo para atenuar a
diferença de posições, como no caso apresentado, em que o candidato propõe
uma solução apenas para reforçar seu argumento e eximir um grupo social da
responsabilidade sobre os problemas enfrentados pelas classes mais baixas.
O candidato conclui o seu texto retomando toda a sua argumentação. Ele
demonstra solidariedade aos problemas enfrentados pelos jovens de classe
social mais baixa, mas reforça sua posição contrária. Por fim, retoma sua
proposta de conciliação para concluir o seu artigo, valendo-se da máxima dos
direitos iguais.

Diante disso, é lamentável que deva ser combatido o evento rolezinho,


mas configura-se como uma medida necessária e cautelosa para o bom
funcionamento dos shoppings. A partir da busca de outras opções de
atividades para os participantes, o direito ao lazer será garantido a todos.

Em síntese, nota-se que o candidato organiza seu texto seguindo a ordem


contextualização, explicitação de tese, primeiro argumento, segundo argumento,
contra-argumentação, tentativa de conciliação e retomada de posicionamento,
tanto da tese quanto da conciliação. Os tipos de argumentos podem ser outros,
como a exemplificação de uma situação, a analogia de uma situação a partir de
outra, a comparação de duas situações, o argumento de autoridade, citando
autor ou sujeito com propriedade na área para sustentar sua opinião, dentre
outros (cf. Fiorin, 2015).
O uso de contra-argumento é uma estratégia comum e característica dos
artigos de opinião, sendo sugerida aos candidatos como elemento essencial na
produção do artigo. Sua utilização nesse texto, aliada à tentativa de conciliação
e a demonstração de solidariedade, de defesa dos direitos iguais, reforçam a
argumentação e a finalidade do gênero, uma vez que rebatem os argumentos
em defesa dos rolezinhos e buscam convencer o interlocutor do texto do
posicionamento do produtor e de as opiniões expressas são coerentes e devem
ser tomadas como verdade.

III. Os elementos linguístico-discursivos

51
Dos elementos linguísticos apontados por Hila (2008), quatro deles se
destacam na redação selecionada. Dois deles são o discurso em terceira pessoa
e o uso do tempo verbal do presente do indicativo. Ao longo de todo o artigo, o
candidato utilizou a primeira pessoa do singular apenas na explicitação da sua
tese. No restante do texto, predomina o uso da terceira pessoa flexionada no
presente do indicativo, como nas afirmações “os shoppings são conhecidos
como locais seguros e protegidos, destinados a compras e lazer” e “os rolezinhos
são contra, digo, contrários aos direitos da Constituição, sejam individuais sejam
coletivos”.
Em Projeto de Iniciação Científica realizado com base nos cinquenta
melhores artigos de opinião produzidos na prova de redação do vestibular,
entretanto, notou-se a presença numerosa de textos com predomínio da primeira
pessoa do singular e maior ainda o número de produções em que a primeira e a
terceira pessoa são utilizadas de forma equivalente. A utilização de formas
verbais pretéritas também foi grande. Portanto, fica à escolha do candidato a
pessoa do discurso e o tempo verbal que predominará no texto, de acordo com
o grau de pessoalidade que ele deseja imprimir ao artigo e o tipo de argumento
que será construído.
Uma marca linguística bastante característica foi a presença de
operadores argumentativos para introduzir argumentos e organizar o texto. Na
redação, destacam-se os operadores argumentativos oposição de ideias
contrárias, como “porém”, “entretanto”, “contudo” e “mas”. Há também a
presença do operador argumentativo “além disso”, que soma o segundo
argumento ao primeiro. Os operadores argumentativos são variados e sua
utilização varia conforme o nível de argumentação do produtor. Seu uso, porém,
é indispensável na produção de um bom artigo.
Outro traço argumentativo linguístico-discursivo é a presença dos
modalizadores. Na redação do candidato nota-se o uso do modalizador “é
lamentável”, forma que demonstra subjetividade, uma avaliação do produtor
acerca da situação ou fato a que se refere o modalizador. O uso do verbo “dever”,
em duas passagens do texto, também caracteriza modalização do discurso pelo
produtor, indicando a necessidade, a obrigatoriedade de que certa ação ou
situação aconteça como proposto. Também a modalização varia conforma as

52
escolhas linguísticas do produtor do texto e seu desejo de demonstrar
apreciação, opinião acerca de fatos e situações, sendo outras possibilidades as
formas “é preciso”, “é necessário” e similares, além de formas adverbiais como
“possivelmente”, ”provavelmente”, “necessariamente”, “felizmente”,
“naturalmente” e similares.
Outros elementos, como a presença de citação, de discurso relatado
indireto e de verbos introdutórios de discurso relatado não foram utilizados nesse
artigo em razão, novamente, das escolhas do candidato. Como esse não
argumentou a partir, por exemplo, do argumento de autoridade, não houve
citação, assim como não houve discurso relatado pelo produtor não ter elaborado
um argumento como o de ilustração ou de analogia em que relatasse uma
situação pessoal. A ausência de figuras de linguagem, sobretudo a ironia, é
motivada pela didatização do gênero pela esfera avaliativa, a qual aproxima as
características do artigo de opinião àquelas do texto dissertativo-argumentativo.

REFERÊNCIAS

ABREU, A.S. A arte de argumentar. Gerenciando razão e emoção. São Paulo:


Saraiva, 2001.
BAKHTIN, M. (1952-3). Os gêneros do discurso. In: _________.Estética da
criação verbal. São Paulo: Martins Fontes: 1992, p.261-306.
________________; VOLOSHINOV, V.. A interação verbal. In: BAKHTIN, M.;
VOLOSHINOV, V.N. Marxismo e filosofia da linguagem. 6ª. ed. São Paulo:
Hucitec, 1992, p. 110-117.
BALTAR, M. In. GUIMARÃES, A. M. M; MACHADO, A. R; COUTINHO, A. (orgs).
O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e
metodológicas. Campinas: Mercado das Letras, 200.7

BRÄKLING, K. L. Trabalhando com o artigo de opinião: revisitando o eu no


exercício da palavra do outro. In: ROJO, R.(Org.) A prática da linguagem na
sala de aula:praticando os PCN’s. Campinas: Mercado de Letras, 2000, p.221-
247.

53
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa / Secretaria de
Educação Fundamental. – Brasília: 1997, 144p.
BOFF, O. M. B.; KÖCHE, V. S.; MARINELLO, A. F. O gênero textual artigo de
opinião: um meio de interação. ReVEL, vol. 7, n. 13, 2009.
FIORIN, J.L. Argumentação. 1º ed. São Paulo: Contexto: 2015.
HILA, C.V.D. As representações do contexto de produção da redação do
vestibular. In: Anais do 4º. Siget- Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros
Textuais. Tubarão, 2005, p. 837- 857.
_______________. As representações do contexto de produção da redação do
vestibular. In: Anais do IV Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros
Textuais. Santa Catarina, 2007, p. 837-852.
_______________.Gênero artigo de opinião: diagnóstico e intervenção na
formação inicial de professores de Português. In: Trabalhos em Linguística
Aplicada. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 47(1), Jan/Jun. 2008,
p. 183-201.
Leite, Ângela Maria Ribeiro Vilas Boas 2009. Os mecanismos enunciativos no
estudo de contos brasileiros em livros didáticos para o ensino médio. Belo
Horizonte, 222f. Tese (Programa de Pós Graduação em Estudos Linguísticos).
Universidade Federal de Minas Gerais.
NASCIMENTO, E.L.; SAITO, C.L.N.Texto, discurso e gênero. In: SANTOS, A.R.;
RITTER, L. C.(Orgs.) O trabalho com a escrita no ensino fundamental.
Maringá: EDUEM, 2005, p. 11- 41.
OHUSCHI, M.;BARBOSA, F.S. O gênero artigo de opinião: da teoria à prática
em sala de aula. In: Acta Scientiarum, Maringá, v. 33, n. 2, p. 303-314, 201.
RODRIGUES, R.H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica de Bakhtin.
In: MEURER, J.L.; BONINI,A; MOTTA-ROTH, D. Gêneros, teoria, métodos e
debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005, p.152-183.
SALES, A. Argumentação e raciocínio: uma revisão teórica. In: III Simpósio
de Educação Matemática de Nova Andradina, 2011, Nova Andradina. III
Simpósio de Educação Matemática de Nova Andradina. Nova Andradina: UEMS,
2011.
UBER, T. de J.B. Artigo de opinião: estudos sobre um gênero discursivo. In: os
desafios da escola pública paranaense no PDE. Paraná, 2014.

54

Você também pode gostar