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Capítulo Quatro – Clarividência.

Não conseguia dormir.

Shanti estava deitada na cama. Com os olhos bem aberto e um nó frio e apertado no estômago,
olhava desanimada para o teto de seu imenso quarto. Não tinha nenhuma intenção de cair no
sono, por mais que quisesse. A cama estava vazia e fria demais para que voltasse dormir.

Tinha cochilado um pouco, mas não sabia dizer por quanto tempo. Ao acordar e ver que seu
marido ainda não havia voltado, Shanti desanimou e afundou-se novamente na cama. Estava
tão acostumada em ter o aconchêgo do marido que, dificilmente em uma noite comum ela
teria despertado, sentido a falta de um calor humano.

Algo lhe dizia que a conversa lá embaixo estava interessante demais para que o marido se
encontrasse impedido de subir. De repente, a curiosidade tomou conta, e ela se viu tentada a
descer um pouco para saber como andava as coisas.   

Mas se conteve, lembrando-se que ele daqui a pouco estaria com ela. Pensando nisso, Shanti
olhou para o imenso anel que descansava em seu dedo e deu um grande sorriso. Não gostava
de ostentar jóias, mas aquela fazia questão de bem junto a si. Às vezes, de manhã, costumava se
sentar no jardim, e ficá-la admirando, pensando no quanto era feliz agora.

Muitas vezes, seus pensamentos acabavam declinando, com súbita curiosidade, como seria se
ela e seu irmão ainda estivessem no Egito. Não que ela estivesse com saudades, era apenas
uma criança quando fora embora de lá, de modo que não havia muitas lembranças para serem
guardadas. Mas seu irmão, Alexandre... esse sim tinha vivido um bocado de experiência no
Egito.

Um dia, em uma das inúmeras visitas do irmão ao convento, ela havia tocado no assunto.

- Não se lembra de nada? – havia perguntado.

- Tenho muitas lembranças, Shanti – respondeu-lhe na época – Nenhuma que eu possa chamar
de boa.

Então, o silêncio se depositou entre ambos durante alguns instante.

- Tive um sonho ontem Alexandre. Sonhei que você voltava para o Egito, levando um exército.

- E você não estava nele? – brincou seu irmão.

Ela negou com a cabeça.


- Não sei onde estava, mas não era ali, com certeza. – Shanti hesitou alguns segundos, antes de
perguntar – Acha que um dia voltará para o Egito, irmão? Sabe, às penso que sim.

O sorriso dele desapareceu no rosto.

- Você está louca. Não voltarei para lá – o ódio em sua voz era perceptível que Shanti se calou
na mesma hora.

Agora, via o quanto tinha sido tola ao fazer aquela pergunta. Era mais do que claro que seu
irmão pertencia a outro mundo, distante daquele que haviam deixado há doze anos. Ela já devia
saber que Alexandre jamais voltaria a ser um Egípcio.

Um movimento lá embaixo, e o que ela pensou ser um grito desprendeu de seus devaneios.
Reconhecia a voz do marido a distância, certa de que agora ele estava descordando de algo que
seu irmão estava lhe dizendo naquele instante. Curiosa demais para que continuasse a esperar,
ela se levantou, e, descalça, caminhou até o andar debaixo.

***

- Que droga!

Sentado no sofá, o rosto de Alexandre se contorceu ao ver o terceiro copo com vinho sendo
arremessado contra a lareira. As chamas aumentaram por alguns segundos, antes que tudo
voltasse ao silêncio.

- Se continuar com isso Terried, - disse Alxandre, enquanto examinava o homem que andava de
um lado a outro - vai acabar com toda a prataria do seu Castelo. – afirmou calmamente, quando
o cunhado já se preparava para atacar mais um.  

Terried lançou-lhe um olhar irritado, mas acabou aceitando a idéia. Pousou o copo.

- Não é o melhor momento para piadas.

- Não é piada. – ele falou, com calma – Eu realmente estava de olho no último copo que você
jogou. Era um bocado bonito.

Terried revirou os olhos, pedindo paciência. O rosto dele mostrava que Alexandre não receberia
tratamento diferente daqueles copos se não levasse a situação um pouco mais a sério.  

- Não posso acreditar nisso. – falou ele, passando os dedos pelos cabelos -   Simplesmente não
posso acreditar!
Alexandre não sabia o que fazer para acalmá-lo. Tinha esperado uma resposta negativa, mas
não imaginava que Terried fosse chegar a tanto. 

- Sinceramente, se soubesse de sua reação teria esperado até amanhã, Terried. Logo se vê que
ficou angustiado. Venha, - disse, levantando-se e indo até uma mesinha, servindo-se
novamente. Depois tirou mais um copo, e deu um sorriso – Se prometer não jogar outro copo
vou lhe servir uma bebida.

Terried deixou-se cair na cadeira mais próxima, ignorando ao comentário. Estavam ali há quase
duas horas discutindo, e há dez minutos tudo o que fazia era andar de um lado para o outro,
praguejar e lançar objetos ao fogo. Tinha o rosto vermelho de cólera.   

Alexandre se aproximou, estendendo o copo a ele.

- Tire isso da minha frente. – advertiu Terried. Mas Alexandre não fez menção de obedecer.

- Vamos, beba. Vai se sentir melhor.

- Me sentirei melhor quando esclarecer essa confusão uma vez por todas. Quero uma audiência
com o Rei, e não vou esperar muito. Ele terá que me ouvir, Alexandre.

Num gesto automático ele pegou o copo, levando-o aos lábios. Bebeu tudo em um único só
gole.

- Vamos primeiro esperar até que o Conselho do Clã seja feito. – argumentou Alexandre –
Depois disso, poderá ter uma audiência com quem desejar.

- Porque me contou tudo isso? – Terried perguntou de repente.

- Porque está casado com minha irmã – a sinceridade pela resposta fez com que Terried
arqueasse a sobrancelha – Devo-lhe um voto de confiança por esse simples motivo.

- Obrigado. – agradeceu ele, um pouco mais calmo. Alexandre aproveitou-se disso:

- Devo dizer que fiquei tão surpreso quanto você. Primeiro, por ouvir toda essa história maluca
de Cavaleiros da Noite e ninguém nunca ter me contado por todos esses anos. Segundo –
apressou-se a dizer, ao ver que ele estava prestes a falar – Por saber que esses documentos de
Regis são uma farsa.

Viu-o estremecer ao repetir as palavras que dissera há poucos minutos. Sim, Alexandre também
tivera a mesma reação. Ao saber sobre um documento que procurava proteger homens como
Terried, e, segundo depois descobrir que esses documentos diziam exatamente ao contrário,
não soube o que pensar. 

- Terá que explicar tudo isso ao Conselho, amanhã – avisou Terried.

- Estou ciente do meu papel neste Conselho. Não se preocupe. Contarei e explicarei tudo aos
outros.

- As pessoas não mentiram quando disseram ser um dos preferidos de Guilherme – zombou
Terried, com desdém – Há mais alguma coisa que saiba?

Alexandre sorriu.

- Acho que terei que decepcioná-lo. – hesitou por um instante, pensativo – Sei também que
tudo isso que acabei de lhe contar dificultará sua situação com os ataques nas vilas. – Terried
fez uma cara de espanto – Achou que eu não saberia, não é mesmo? Não se fala em outra coisa,
Terried... Sabia que não iria me contar.

- Não queria que ficasse preocupado com Shanti.

- Eu sou o irmão dela. – o relembrou - Não me peça para não me preocupar. Ainda mais agora,
quando Guilherme pretende...

Teria continuado se um barulho do lado de fora não interrompesse a conversa. Por um


momento Alexandre e Terried se olharam, antes de entenderem do que se tratava.

- Shanti? – sussurrou.

Alexandre se recostou no sofá, colocando os braços atrás da cabeça, um pouco mais a vontade
agora. Em seguida, fingiu-se surpreso. 

- Segundo o que conheço, diria que está na porta, ouvindo tudo. – um sorriso brotou de seus
lábios, e gritou – Não é mesmo, Shanti?

***

Do lado de fora da biblioteca, Shanti contou...

Um... dois...
A porta se abriu e Alexandre foi o primeiro a sair. Observou-a. Não parecia irritado ao vê-la ali,
pelo contrário. Quando seus olhos a encararam, ele esboçou um leve sorriso.

- Acho que está em encrenca, moçinha. – disse. Atrás dele, Terried surgiu como uma sombra.
Sua expressão era a antítese do tom alegre que marcasse as feições de seu irmão. 

- Não estava espionando – respondeu ela no mesmo instante, tentando se defender. Mas
depois ficou em silêncio. O que importava se começa-se a dar explicações agora? Lhe pareceu
que seu marido a estrangulava em pensamento, e não parecia muito preocupado sobre o que
ela tinha a dizer. Então, simplesmente relaxou os ombros, esperando os sermões que ele
começaria a dar.

Mas para sua surpresa, ele se manteve em silêncio.

- Bem, Terried. Acho que terminamos nossa conversa. – anunciou Alexandre.

- Por enquanto. – Terried murmurou, ainda encostado na porta.

- Nos vemos amanhã.

- Não acha que está muito tarde para sair em busca de uma cama? – perguntou Shanti, ao vê-lo
se dirigir para a porta - Por favor irmão, durma em algum de nossos aposentos. O Rei ainda não
sabe de sua volta. Eu insisto, e não vou receber outra resposta que não seja aquela que quero
ouvir.

Ele a fitou como se estivesse surpreso com o convite. Ou havia sido pelo modo como ela falava?
Não importava. Claro que não deixaria que o irmão saísse no meio da noite à procura de um
local para dormir. Alexandre hesitou por um instante, mas acabou concordando. Então, virou-se
para Terried.

– Vê algum problema?

Ele negou com a cabeça.

- Muito bem. – Shanti se apressou em dizer, agarrando ao braço do irmão – Vou mostrar eu
mesma seus aposentos...

- Shanti, você fica. – Terried interrompeu calmamente. – A empregada o acompanhará.  –


depois, voltou-se para seu cunhado - Alexandre, diga boa noite a sua irmã. Talvez seja a última
vez que irá vê-la.
Um pouco surpresa ela observou quando seu irmão moveu a cabeça, em sinal positivo.
Perguntou-se então, o que haveria acontecido com toda aquela antipatia que os dois
demonstravam um pelo outro. 

- Boa noite irmã. Sentirei sua falta. – sem esperar para ver a reação dela, virou-se para olhar
Terried – Será que poderia preservar o rosto dela? Você sabe, é muito bonito.

- Também gosto do rosto – explicou, apontando para a face ruborizada de Shanti - Vou fazer o
possível.

Shanti olhou espantada para a cena diante de seus olhos. Em outra ocasião, então certamente
teria ficado contente por vê-los se dando tão bem. Isso é claro, se o assunto principal não fosse
ela, de uma maneira nada agradável.

Quando Alexandre entrou em um dos corredores com a empregada que, mais tarde Shanti
prometeu a si mesma que a mataria, ouviu Terried abrir novamente a porta da biblioteca,
segurando-a para que ela passa-se primeiro. Depois, fechou-a, em seguida trancando. Quando
se virou, o rosto dele era de impassível indiferença.  

Ele havia ascendido à lareira, certamente pelos métodos pouco convencionais. Mas nem o calor
das chamas era suficiente para acalmar o frio que sentia em seu estômago. Disse a si mesma
que não havia motivos para isso, mas ou ver o olhar fulminante de Terried, não mais estava
certa disso.

- Meu amor, eu lhe disse qual seria sua punição se a pegá-se atrás da porta? – perguntou ele,
com uma pontada de divertimento em sua voz.

No mesmo instante, toda a preocupação de Shanti se dissolveu.

- Não disse que teria punição – mantendo o sorriso, ela foi ágil o suficiente para pular quando
Terried tentou agarrá-la pelo braço – Se tivesse dito, não teria feito o que fiz.

- Claro – respondeu ele, avançando enquanto ela recuava – Imagino que a culpa tenha sido
minha não é? No que se refere a você, nunca sou claro. 

Shanti deu uma sonora gargalhada quando se colocou atrás da mesa. Lançou um olhar para a
porta, calculando a distância. Se fosse rápida o suficiente...

- Nem pense nisso, meu amor. – cortou ele, no mesmo instante em que observava o olhar dela
direcionado para a porta - Seria suicídio. Acho melhor aceitar seu castigo de uma vez por
todas...

Ela sorriu, e deu de ombros.


- Acho que não tenho muitas opções.

Então, com a maior calma de que era conhecida, contornou a mesa, e se postou em frente a ele.
Tentou segurar o sorriso diante do olhar ameaçador, mas fracassou inutilmente.

- Está muito feliz para quem vai receber uma punição. – percebeu ele, cruzando os braços sobre
o peito em uma atitude autoritária.

- Sei que o meu carrasco vai me aplicar uma penitência leve. – brincou ela

E então, diante daquelas palavras, ele a puxou para si, aprisionando em um abraço forte e
apertado.

- Sua xereta – disse, beijando-lhe a testa – O que foi que ouviu da conversa?

- Nada muito importante.

Viu-o arquear uma sobrancelha.

- Shanti, não sou idiota.

- Ouvi tudo desde dez minutos atrás – declarou finalmente. Na realidade, tinha perdido uma
parte ou outra graças à sólida e grossa porta de madeira que a impedira de ouvir direito.

Não houve réplica por parte de Terried. Num gesto mais do que comum entre ambos, ele lhe
acariciou os cabelos, mas as feições de seu marido subitamente endureceram, pensativo, longe
dali. Na verdade, Shanti perguntou a si mesma se aquele gesto, era, na realidade, involuntário.

- No que está pensando? – pergunto ela, curiosa, enquanto se deixava levar pela carícia.

- Estou pensando – Terried respondeu, em voz baixa, ao mesmo tempo em que sua mão agora
corria pelo pescoço dela. Um calafrio atingiu todo o corpo de Shanti – Sobre quando serei
bombardeado com suas perguntas.

- Ah. Não tenho nenhuma.

A mão dele parou de repente. Houve um grande silêncio, em que a resposta dela o deixara
confuso. Afastou-se devagar, observando aos olhos acinzentados.  

- Sem perguntas?
Ela abanou a cabeça, e viu que ele pedia uma explicação.

- Bem... – começou a dizer - Você me fez uma promessa em nossa noite de núpcias, está
lembrado? Disse que jamais esconderia as coisas de mim. Então, apenas espero que cumpra
isso. Se não quiser dizer, eu entenderei – e tentarei descobrir de qualquer forma,  pensou ela,
mas achou melhor guardar aquele pensamento apenas para si.

Ele respirou fundo, como se a possibilidade de contar a ela fosse uma árdua tarefa.

- Prometi que não esconderia nada de você. E é isso que eu vou fazer. Venha, - disse ele,
apontando para o sofá - sente-se. Acho que temos um pouco para conversar.   

Shanti obedeceu no mesmo instante, como uma criança que recebe a promessa de ganhar um
doce se a mesma tivesse um bom comportamento. Tinha se saído vitoriosa. Sentando-se no
imenso sofá de veludo, confortável, ela tratou de prestar atenção. Durante alguns segundos
ficou apenas ouvindo o crepitar da lareira, soando em seus ouvidos impacientes. Então, ele
começara a narrar-lhe os fatos.

Terried havia lhe contado tudo, disso ela não podia duvidar. Horas tinham se passado na
companhia dele, escutando tudo silenciosamente. Algum tempo depois dele ter terminado, ela
perguntou.

- É isso?

- Como assim: “É isso”?  

- Não há mais?

Claramente desconfiada de que ele não havia lhe contado tudo, Terried perguntou:

- O que mais haveria de ter?

Shanti não respondeu de imediato, ficando em um incômodo silêncio. Em sua mente, ela se
fazia a mesma pergunta. O que mais haveria de ter? – pensou ela – Porque tinha a estranha
sensação que Terried lhe escondia algo mais? De repente, sem entender, a imagem do armário
trancado surgiu, como se para unicamente confirmar suas suspeitas.

- Está fazendo de novo. – Terried quebrou o silêncio.

- Fazendo o quê?

- Divagando. – respondeu ele – Não respondeu a minha pergunta querida, e sei que tem um
bocado de coisas passando por essa sua cabeçinha agora.      
Ela desviou o olhar, como se assim pudesse desmentir suas palavras. Queria, ao menos, que
seus pensamentos não fossem assim tão transparentes a ponto dele percebê-las.

- Shanti, no que está pensando? – ele devolveu a pergunta.

Estou pensando porque tenho certeza que não me contou toda a história. Estou pensando, de
repente, porque tem um armário trancado no seu quarto. Estou me perguntando por que está
mentindo.

- Estou pensando no desjejum. – apressou-se em dirigir-se para a saída, mas o marido lhe
alcançou em questão de segundos, e a fez se virar.   

- Terried, preciso avisar a cozinheira que temos um convidado a mais.

- Acho que isso pode esperar. – foram as únicas palavras dele, antes que os lábios dele
encostassem nos dela.

- Terried, por favor... – ela falava entre um beijo e outro – Eu, preciso...

Mas esqueceu o que iria dizer quando os lábios dele se apoderaram com fúria dos seus. Às
vezes, o modo como ele rapidamente a fazia entrar em um estado desnorteante que chegava a
incomodá-la. E, sabendo disso, Terried usava esse método como uma fácil escapatória de sair
pela tangente.

Ele afastou apenas um pouco, o suficiente para que ela visse seu olhar apaixonado, ao mesmo
tempo um pouco possessivo e decididamente um tanto arrogante por saber no estado que
poderia deixá-la. Mas qualquer magia que poderia acontecer em seguida, foi logo quebrada
pelo o barulho de alguém que batia na porta.

Irritado, ele mandou que entrassem. O rosto da criada surgiu na porta.

- Lorde Alexandre pediu para avisar que aprecia as acomodações. E, pediu para avisar... se... a
irmã... estiver viva até amanhã, ela deseja vê-la antes do Conselho dos Clãs.

Terried arqueou uma sobrancelha. Mais tarde, teria uma conversa com seu cunhado.

- Diga a ele que sua irmã viverá.  – avisou ele, enquanto dirigia a empregada para a saída.
Dispensando-a, fechou a porta e se encostou nela, cansado. Depois, sussurrou em voz baixa –
Apesar de não me faltar motivos para querer estrangulá-la sempre que mete esse narizinho
aonde não é chamada. 

Shanti arqueou a sobrancelha.


- Está dizendo que eu deveria ficar aqui, sentada, como uma dondoca sem agir?

Decididamente qualquer “Magia” de minutos atrás havia se apavorado. Terried fechou os olhos,
num gesto de cansaço.

- Essa não seria você, não é mesmo? – ele perguntou, ela não sabendo se a pergunta era mais
um reprovação do que um elogio - Mas há de convir Shanti, que, ao mínimo, uma mulher
sensata ficaria apavorada. Sabe o problema que isso pode vir a se tornar, não sabe? – disse, e
abriu os olhos para voltar a encará-la.  

Por um momento, era como se toda a preocupação do mundo estivesse sobre aqueles olhos.
Queria acalmá-lo, mas, do jeito que estava, achou que não conseguiria muito sucesso.

- É claro que sei. Não sou idiota.

- Me desculpe, amor. – pediu ele no mesmo instante, abraçando-a, como se assim pudesse
acalmar as próprias preocupações diante do problema - O que quero dizer, ou melhor, o que
estou dizendo, é que tome cuidado a partir de agora, está bem? Você é minha esposa, e eu sou
um bruxo. Não quero que nada lhe aconteça.

Shanti se deixou apertar mais no abraço, e, querendo acabar com seus temores, sussurrou em
seu ouvido.

- Ficarei aqui hoje. Não sairei do castelo.

- Nada de cavalgada matinais?

Ela assentiu.  

- Obrigado – agradeceu, seriamente – Acho que agora poderei ir mais tranqüilo.

- Precisa dormir um pouco.

- Preciso treinar alguns soldados. – disse, ignorando a sugestão ao mesmo tempo em que já se
levantava - Tenho que colocar a cabeça no lugar.

- Mas você passou a noite inteira em claro! – insistiu ela.

Terried lhe deu um sorriso de gratidão.   


- Acredite, meu anjo: Eu não conseguirei dormir.... por um bom tempo, pensou ele, preocupado.
– Lembre-se querida: Você me prometeu ficar no castelo. Nada de cavalgar pelos campos hoje.
- Dando um beijo na testa da esposa, saiu dos aposentos rapidamente, antes que ela pudesse
notar a real preocupação dele naquele instante.

Terried não parou e nem olhou pra trás até chegar a outro cômodo dos aposentos reais. Olhou
surpreso ao ver que a porta de seu aposento particular se encontrava entreaberta; certamente
mais um empregado que havia desobedecido a suas ordens sobre entrar naquele espaço sem
sua permissão. Ali ele costumava usar quando precisava ficar sozinho para pensar com alguma
clareza, e, mais do que nunca, era exatamente do que necessitava naquele instante.

Fora exatamente como pensava. Irritado, ele parou na porta cruzando os braços sobre o peito
em uma atitude arrogante. Alguns dos móveis estavam arrastados para um canto da sala,
proporcionando um maior espaço para que a empregada limpasse sem a perturbação de
esbarrar em algum deles. O sol da manhã irrompia pela janela por cima do carpete grosso e
marrom estendido pela metade, a outra parte enrolada e jogada para o lado, desviando-se
assim do caminho da criada.

Uma das razões – além da privacidade – que não o permitia liberar a permissão para terceiros, é
que, sempre depois de uma limpeza que a mulher insistia em fazer, Terried quase sempre
costumava levar mais de duas horas para achar algo. Quantas vezes ele precisaria dizer à
criadagem que a entrada ali não era permitida? – perguntou a si próprio, ao observar a jovem
arrumando uma pilha de livros, e, no instante seguinte, deixando cair outra atrás de si levada
pelo susto ao quando o viu parado na porta. Rapidamente ela se agachou para recolher os
objetos.        

- Me... me desculpe – a cor avermelhada deu lugar a palidez, e ela começou a gaguejar, mas
calou-se com o gesto que ele fez. Não queria ser rude, mas, ao mesmo tempo, não estava com
paciência para não sê-lo naquele instante.

- Saia – ordenou para a mulher, com visível mau humor em sua voz para que não restasse a
menor sombra de dúvida que ele não deveria ser incomodado até o final da tarde.

Realmente, não foi preciso que uma segunda ordem. Por mais que a presença de sua esposa
diminuísse o papel que ele possuía de um “tirano arrogante”, boa parte da criadagem ainda o
temia como se Terried pudesse devorá-los com os olhos a qualquer instante. A empregada saiu
apressada, de cabeça baixa, e, sem que ele percebesse, fez o sinal da cruz.

O ar que circulava pelos corredores era denso e frio, e Terried esfregou as mãos para obter um
pouco de calor. Irritou-se consigo mesmo por sempre se esquecer de usar a varinha para
impedir de uma vez por todas que alguém entrasse ali. Um feitiço ou dois então nem mesmo
um gigante seria suficiente para perturbar sua paz.   

Fechou a porta, com cuidado pousando a varinha sobre uma pequena escrivaninha da carvalho,
em seguida sentando-se em frente a ela. O pouco sorriso que ainda restava de sua conversa
com a esposa tinha desaparecido de seus lábios, e agora, era a preocupação que emanava de
um rosto atormentado pelos problemas que estava passando. 
Naquele momento, algumas palavras de baixo escalão passaram em sua mente, e certamente
aquelas eram as perfeitas para descreverem a situação do seu problema. Ele balançou a cabeça,
absorto nos próprios pensamentos... Primeiro, dias antes de seu casamento, começara os
ataques. A princípio fora apenas dois, e Terried estava certo de que a coisa poderia parar por aí.
Mas agora, tinha a notícia infeliz que mais uma vila havia sido atacada. Mais uma... dentre outras
seis.

Xingou com veemência o maldito elemento daqueles ataques. Terried nunca tinha ficado tanto
tempo sem uma saída lógica, e, mais do que nunca, ele estava absorto em encontrar o sujeito
que vinha aterrorizando todo mundo. Dois dias atrás antes da chegada de seu cunhado, um
alerta por um dos soldados fez com que ele e alguns homens de seu clã chegassem poucos
minutos depois de um dos ataques. As imagens daquele dia ficariam gravadas para sempre em
um canto obscuro de sua mente. Nem as mulheres e crianças haviam sido poupadas daquele
massacre horrendo.

Ele procurou por rastros, qualquer coisa que o levasse imediatamente ao culpado. O ódio era
tanto que não esperaria um julgamento caso o encontrasse. Mataria-o ali mesmo. Mas, pouco
surpreso, não havia marcas de pegadas ou de patas de algum animal, galhos ao chão ou outros
indícios que provasse a culpa de alguém. Não... não havia qualquer rastro que ele e seus
homens pudessem seguir. Eram como fantasmas espreito nas sombras, pronto para o próximo
ataque.

Terried abriu a gaveta e escolheu uma das cinco penas; pingou a ponta no último tubo de tinta
que ainda lhe restava e começou a escrever. Mal tinha começado, quando sua mão ficou imóvel
e a tinta pingou duas vezes no papel umedecido. O borrão se alastrou pela borda, manchando a
folha.

Isso lhe deu algo o que pensar. Por um momento, e só por um instante, uma pessoa lhe veio à
mente. O rosto de um homem se materializou, um fantasma que há muito tempo ele havia
bloqueado de seus pensamentos. Via-o sorrindo para ele, vitorioso, como se pudesse adivinhar
que, naquele instante, Terried estivesse pensando nele.

A idéia era sem cabimento. Tanto tempo havia se passado desde a última vez que vira aquele
homem, e, ao mesmo tempo, Terried não poderia afirmar com certeza que ele poderia ser o
causador de tantos problemas.

Então, concentrou-se na sua carta que tinha planejado escrever desde que terminara sua
conversa com a esposa.

“Preciso falar com você depois do Conselho. Tente não parecer muito surpreso com o que
Alexandre lhe contar... conversaremos sobre isto mais tarde.”

Depois, ele parou, mas só por um instante, decidindo o que escreveria a seguir. Como um
fantasma o rosto olhou para ele novamente, sorrindo, em tom de desafio. Ele hesitou, mas a
mão logo em seguida já rabiscava a próxima linha. 

“Acho que... sei quem possa ser o autor dos últimos ataques. Posso estar ficando louco, mas
andei examinando os campos e o que eu vi se parece muito com o que... os Cavaleiros da Noite
costumavam executar antes de se juntar a Cora.”
 Terried estremeceu. Deveria mesmo estar ficando louco. Como se tivesse vida própria, o rosto
em sua mente sorriu com desdém, de um modo que confirmou sua teoria. A mão sustentou no
ar. Desistindo, rabiscou por cima o que já havia escrito e amassou o papel com um pouco mais
de força do que pretendia. Em seguida, atirou-a contra a lareira.

Era absurda demais a simples idéia que os Cavaleiros da Noite, uma lenda morta tivessem
ressurgido. “Os”? Não... Terried tinha certeza que se tratava apenas de um.

Então, rapidamente pegou outra folha. Dessa vez concentrado, passou a escrever para o
destinatário rezando para que a carta chegasse antes que o Conselho fosse realizado. Pois
precisava, mais do que tudo, que a carta chegasse a tempo.

Minutos atrás quando Terried conversava com sua esposa, sentiu-se mal por mentir a ela e
omitir boa parte de sua conversa. Mas então lembrou-se que há anos vinha fazendo isso, e um
pouco da culpa se dissipou. Há anos Terried vivia sobre uma omição grave, que escondia o seu
passado.

Por isso, ele precisava... precisava e esperava, que Mestre ainda se lembrasse de um segredo
que os dois vinham guardando por tempo. E esperava, com toda força, que estivesse certo
quanto a uma coisa:

Os Cavaleiros da Noite estavam mortos. Mortos e enterrados.

***

“Pelo amor de Deus, Harry! Não faça isso!”, ressoou aquela voz novamente.

 Silêncio.

“Eu preciso... precisamos tentar. Só mais uma vez”.

Queria que aquele diálogo em sua mente parasse. Que cessasse... Por Deus, então estava
enlouquecendo. Antes, era sua clarividência, agora isso. O que mais poderia vir a seguir?

“É perigoso demais. Se fizer isso é capaz de piorar as coisas.”

“Não vejo como ficar pior.”

Ele queria dormir, mas as vozes atrapalhavam. Praguejou baixinho, pois aquelas duas pessoas
perturbavam seu sono. Será que o espaço de um soldado não poderia ser respeitado apenas
por algumas horas?
“Como vai encontrá-lo? Como vai saber quem é o verdadeiro Alexandre?”  – sussurrou aquela
voz de mulher.

“Ele só precisa abrir os olhos. Abra os olhos, Alexandre. Abra agora.”

Aquele diálogo estava levando um tom mais sério, estranho demais para ele. Tinha ouvido o
seu nome ser pronunciado, e, como se fosse um feitiço, ele obedeceu aquele pedido suplicante.

Abriu os olhos.

Não era a realidade. Se fosse, então não conseguiria explicar o fato de ter acordado em uma
floresta, no meio da noite. Os olhos levaram um tempo para se adaptarem a escuridão.

Estava sonhando. Devia ter pegado no sono, e agora estava tendo um sonho ridículo no meio
de uma floresta qualquer. Vestido apenas da cintura pra baixo, Alexandre desejou que, ao
mínino em seu próximo sonho, ele traria uma roupa extra.

Os pés descalços afundaram na terra úmida, fria e ainda molhada, sinal de que estivera
chovendo. Podia sentir seus pés pinicarem e os músculos do peito nu se retesar contra o vento
forte que arrastava as folhas como se fossem plumas. Ele se encolheu, esfregando os próprios
ombros. O silêncio se quebrou quando ele ouviu um pio de uma coruja, e o farfalhar das copas.
Um súbito arrepio estremeceu todo o seu corpo. Era real demais para que fosse um simples
sonho.

Tinha ouvido falar das pessoas que, ao dormirem, costumavam acordar em outros lugares. Mas
do Castelo de Terried até a floresta mais próxima, então ele no mínimo teria que haver
percorrido uma enorme distância, e duvidava que ninguém naquele lugar tivesse estranhado a
presença de um homem seminu e descalço rondando a fortaleza.

“Siga a direita.”

 Ele arqueou a sobrancelha. Estava fantasiando vozes em sua cabeça.

“Está errado, Alexandre. Isso não é um sonho... É só seguir a sua direita”

 Claro, porque não entrar no jogo? Se estivesse mesmo dormindo, então facilmente poderia
acordar assim que desejasse. E até lá, não haveria problemas em seguir as ordens de sua
consciência...

Direita. Ele começou a andar, e os pés se afundaram ainda mais na terra fofa. Podia sentir os
dedos mãos congelarem pelo frio e o rosto se contorceu em uma feia careta. Não havia nem
mesmo meia lua no céu para que se guiasse. Se ao menos fosse um bruxo como seu cunhado
poderia usar a varinha para esses fins triviais. Mas agora, teria que tatear em meio ao escuro, e
duas vezes já havia tropeçado. Ainda bem – ou pelo menos assim ele esperava – que tudo
aquilo não passava de algo irreal.

Ele andou... e andou... Alexandre não soube dizer quanto tempo havia se passado até que os
pés começaram a protestar.

 - Direita não é? Não estou achando isso engraçado – retrucou em voz alta, como se alguém
pudesse lhe ouvir.

Mas a voz em sua mente não voltou a protestar. Não quando, ao virar o rosto ele percebeu um
feixe de luz. 

Tirou a última folha da sua frente, e quase caiu para trás diante da sua visão.

Era um cenário de guerra.

Parecia o fim dos tempos. O céu escuro tempestuoso e negro pairava sobre um campo
desolado por corpos. Milhares deles. Caídos... mutilados.

Alexandre viu pontos de queimadas, e levou apenas um ou dois segundo para sentir o cheiro se
alastrar. Um campo de batalha se estendia até o infinito, e não havia um lugar se quer em que
homens estivessem lutando com homens.

Sentiu as pernas fracas, e por um instante uma forte vertigem o assolou. Precisou se apoiar em
um tronco para que não caísse de uma vez. Sua fraqueza instantânea não era por medo – era
um soldado, e inúmeras vezes tinha visto uma cena assim. Mas o mal estar, decididamente era
por ver que estava no território próximo ao Castelo de Terried, e que, a metros a frente, se
encontrava outro Alexandre.

Era um sonho... Só poderia ser um sonho – pensou com convicção, enquanto viu a si mesmo,
lutando contra um oponente que levou apenas alguns segundos para perceber de quem se
tratava. Os olhos arregalados fitaram surpresos.

Alexandre lutava contra Terried.

Horrorizado com o que estava acontecendo diante de seus olhos, ele observava enquanto outro
“eu” de si mesmo dava golpes ágeis e certeiros. Num dado momento se enfrentavam, e no
outro espada e escudo estavam jogados ao lado, Terried ajoelhado e a lâmina apontada para o
seu pescoço.

- Então, Terried – a voz era a mesma, até mesma a expressão vitoriosa que Alexandre conhecia
bem de si mesmo – Porque não fecha os olhos e morre com o pouco de honra que ainda lhe
resta? Não parece muito confiante sem sua varinha agora.
- Se vai me matar, então terá que fazer isso olhando nos meus olhos, jovem. Quero ter certeza
que saiba quem está matando.

Morte? Alexandre... ou melhor, ele mesmo, ia executá-lo? Observou a cena, estupefato. Uma
parte de si, esquecendo de toda aquela maluquice se impulsionou a agir para defender o
homem que se preparava para receber o golpe certeiro. Uma reação espontânea, logo
quebrada por outra visão.

Foi então que viu outra pessoa também observando aquela cena. Poucos centímetros mais
baixos, de cabelos pretos e olhos verdes, o menino do outro lado do campo era o único que
não estava lutando. Pelo contrário. De repente ele virou o rosto, e parecia que estava...

Encarando-o. Sim, era exatamente isso o que fazia. Enquanto todos a sua volta estavam lutando,
dois olhos azuis observavam-no com profundo pesar. Então, ele pode me ver, pensou  Ao
menos, alguém naquele sonho maluco podia lhe enxergar.

Deu dois passos para avançar, mas logo ouvi o grito dele, de alerta.

- Saía daí! Saia daí agora!

O menino passou a correr a seu encontro, e antes que pudesse tomar uma atitude, uma flecha
direcionada bem em sua direção passou raspando em seu braço no momento em que o jovem
empurrou-o para o outro lado, caindo por cima dele.  Alexandre soltou um gemido de dor.

Em um segundo o menino já se levantava, correndo para outra direção.

- Ei, espere! – gritou Alexandre. Olhou para o braço e viu o filete de sangue escorrer. Praguejou,
enquanto se apoiava na outra mão para se erguer e seguir aquele rapaz, que, observando-o,
viu-o correr em direção a uma enorme pilastra que serviria de proteção.

Conseguiu ao alcançá-lo no mesmo instante. O jovem rapaz olhou satisfeito quando o viu atrás
de si, e Alexandre percebeu que era exatamente isso que ele queria. Atrás de si, um batalhão
tentava invadir a fortaleza. Atônito, observou ao menino que examinava a cena lá fora.  Se
aquele garoto não o tivesse salvado sua vida, então...

- Obrigado, rapaz. Eu...

- Fique quieto – ordenou ele bruscamente.

Alexandre franziu o cenho diante daquele rapaz duas vezes menor que o mandou se calar. Só
naquele instante, então, viu que havia uma enorme diferença que não se destacava em
aparência física.
- Seus trajes são esquisitos – comentou, reparando numa espécie de calça mais justa, com
bolsos, e uma camiseta vermelha pouco comum. Também carregava algo em seu pulso nada
parecido com que vira antes – Seu jeito de falar também é.¹

O jovem revirou os olhos, ignorando ao comentário.

- Quem é você?

Percebeu que ele estava relutante em lhe dar seu nome. Apoiando-se mais contra os destroços
do que Alexandre supôs que fosse uma antiga torre do castelo, ele espiou para o caos que se
sucedia lá fora.

- E então? Não vai me dizer seu nome?

Ele virou o rosto para observá-lo.

- Você faz perguntas demais. Isso é assim tão importante?

- Ao mínimo tenho o direito de saber o nome de quem devo a vida.

Certamente seria mais fácil se Alexandre se mantivesse em silêncio, como ordenado. Algo lhe
dizia que não tinha tanta certeza se queria mesmo ouvir a resposta, uma vez que nada ali fazia
sentido algum. O garoto olhou mais uma vez para o caos antes de se voltar para ele, e respirar
fundo, pensando por um longo momento.

- Quer mesmo um nome? – Alexandre assentiu,– Bom, então me chame de Potter. Harry Potter.

- Eu sei que estou sonhando, Potter. Mas é a primeira vez que tenho um sonho tão real.  

- Isso não é um sonho. Isso vai acontecer.

A clarividência. Isso não é um sonho... Ele não estava sonhando. Estava tendo um visão.

- Isto não pode estar acontecendo. Não é assim eu funciona. – pensou alto, ao mesmo tempo
que o jovem encarava-o, visivelmente confuso.

- Do que está falando?

- Minha clarividência.
- Sua clarividência está mudando. – informou ele -  Ela ficara cada vez mais forte com o passar
do tempo. Você não só está tendo visões e pintando-as. Você participa delas também.

- E você é real?

O jovem, em reposta, tocou o seu braço machucado e Alexandre se afastou bruscamente, sem
deixar de soltar um gemido de dor.

- Sou mais real do que possa imaginar.

- Isso eu já percebi. – retrucou ele, com um olhar irritado - Bastava ter dito um “sim”, e eu teria
acreditado.

Mas não era verdade. Dificilmente ele acreditaria. Já era demais pedir que acreditasse que tudo
aquilo era uma visão do futuro.

- Lembre-se: - a voz do garoto parecia distante, ao mesmo tempo em que um segundo grito de
guerra ressoou lá fora. - Daqui a uma semana. Uma semana, Alexandre, quando o sol estiver se
pondo. Terá que ser rápido.

- O que vai acontecer?    

Fitou-o por um longo momento antes de dizer:

- Só tente estar lá, no castelo de seu cunhado. No pátio externo da parte de trás.

- Não vou fazer coisa algum se não...

- Sua irmã vai morrer. – declarou Potter.

O silêncio fez com o que o choque das palavras fosse maior. Se isso fosse realmente sua
clarividência em forma de um garoto de cabelos pretos desajeitados, então...

Shanti. Sua irmã, morta...

- Escute – o menino agora sacudia seus ombros, tentando chamar atenção, mas Alexandre
estava paralisado demais para que pudesse ouvir alguma coisa – Ela vai morrer se não estiver lá.
Daqui a uma semana... uma semana, a noite. Esteja lá, ou ela morrerá.  Está me ouvindo, por
acaso?

Ele queria responder, mas faltou-lhe voz. Então, assentiu.


- Ótimo. Eu queria poder lhe explicar tudo, mas pode ser perigoso. Não sei até onde é
permitido. Só fiz isso uma única vez em toda minha vida.

- Fez o quê? – perguntou ele, não entendendo. 

- Viajar no passado. Fiz para salvar meu padrinho. Prometi que jamais faria novamente.

Ele bem que poderia dizer algo que fizesse algum sentido, pensou Alexandre.  

- Se sua irmã não morrer, - o menino voltou a repetir - Então tenho quase certeza que não
precisara recorrer a esta guerra insana. Vai causar sofrimento há muitas pessoas se fizer isso.

- Eu? – Alexandre arregalou os olhos, surpreso – Está dizendo que eu causarei tudo isso? – e
apontou para lá fora, onde no mínimo uma centena de soldados lutavam mortiferamente entre
si. – Não acha que está exagerando um pouco as coisas rapaz?

- Já disse que é difícil de explicar. Mas comece essa guerra, e ela não terá fim por séculos. Por
favor, não se esqueça... Dentro de sete dias, a meia noite, você ouvira um grito no pátio externo.
Tem que estar lá antes que isso aconteça.

- Eu estarei... o-obrigado...

- Não me agradeça ainda. – Potter passava os dedos entre a cabeleira negra e rebelde. Por um
segundo, Alexandre se lembrou do adolescente que era, e que tinha uma incrível semelhança
com aquele rapaz - Espero que realmente tenha conseguido, se não terei grandes problemas no
meu tempo.

Aquela última palavra despertou sua atenção.

- Seu tempo? Você é do futuro?

- Ah, por favor, não me olhe assim! Não sou eu quem vê coisas... – mas alguma coisa em sua
voz fez com que a afirmação soasse pouco convincente. – Alexandre, tente não esquecer. Você
vai sofrer muito se deixar que isso aconteça. Não só por Shanti...

- Quem vai matá-la?  - interrompeu-o bruscamente.

Pelo rosto dele, sabia que já esperava aquele tipo de pergunta.  

- Isso eu não posso dizer.


- Não pode ou não quer?

- As duas coisas. Posso ser do futuro, mas não significa que eu tenha todas as respostas.

Estava tendo um visão, e de uma coisa estava certo: Precisava tirar o máximo de informações.

- Ao menos pode me dizer porque eu estou lutando com o meu cunhado? – perguntou, e
apontou para ou outro Alexandre, que se encontrava em uma sangrenta batalha com Terried. O
jovem Harry Potter avaliou aquela cena por um instante. Depois, voltou-se para ele.  

- Acho que terá que descobrir por si só.

- É ele, não é? Ele vai matar a própria esposa...

- Por favor, tente não tirar conclusões precipitadas. Acredite, se tivesse todas as respostas, então
eu não estaria aqui hoje.

Alexandre não podia acreditar em tudo que ouvia. Sua irmã morta... um garoto do futuro, e o
cunhado que assassinaria a própria mulher. Harry pareceu ler seus pensamentos. 

- Vá com calma, Alexandre. Não sei quem é o culpado.  

 “Harry, você precisa ir. Agora... o vira tempo”

- O que é um vira tempo? – perguntou, de repente.

- Como disse?

- Há uma voz na minha cabeça. Ela diz que você precisa ir.  Falou sobre um “vira tempo”. – sem
conseguir explicar, sentiu-se como um grande idiota dizendo aquelas palavras. Mas Harry Potter
ao contrário, estava curioso.   

- Tem certeza de que foi isso mesmo que ouviu?

- Sim.

- Então eu terei que ir.


- Não, eu...   – mas o garoto já se levantava - Estou tendo visões, jovem. Porque não fica e me
diz exatamente o que vai acontecer?

- Não é assim tão simples. – replicou Harry, já saindo do esconderijo – Posso fazer grandes
estragos. Não é bom alterar o passado. – e apontou para o outro Alexandre.

Ele acompanhou na direção, e seus olhos se deparam com a visão de si mesmo lutando agora
contra Scott ², um de seus amigos . Seu espanto era total.

- Porque... – mas já sabia que o garoto não estaria mais lá ao virar o rosto novamente. Nem se
deu ao trabalho de terminar sua pergunta.

No entanto, uma coisa sabia que não precisava perguntar. Tinha gravado desde a primeira vez
que o menino dissera:

Seu nome, Harry Potter. Estava certo que não esqueceria assim tão facilmente...

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