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ISSN 1413-3555

Vol.
Rev.8 No.
bras.3,fisioter.
2004 Vol. 8, No. 3 (2004), 239-245 Desenvolvimento Motor de Lactentes Pré-termo 239
©Revista Brasileira de Fisioterapia

DESENVOLVIMENTO MOTOR DE LACTENTES PRÉ-TERMO


PARTICIPANTES DE UM PROGRAMA DE INTERVENÇÃO
FISIOTERAPÊUTICA PRECOCE

Formiga, C. K. M. R.,1 Pedrazzani, E. S.2 e Tudella, E.3


1
Fisioterapeuta, Mestre em Educação Especial pela UFSCar, Profa. da Universidade Estadual de Goiás, UEG
2
Enfermeira, Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Educação Especial da UFSCar, SP
3
Fisioterapeuta, Professora Doutora do Departamento de Fisioterapia da UFSCar, SP
Correspondência para: Cibelle Kayenne Martins Roberto Formiga, Rua Guimarães Natal, no 40, Edifício Savassi,
ap. 501, CEP 74633-050, Setor Vila Nova, Goiânia, GO, e-mail: cibellekayenne@uol.com.br
Recebido em: 3/3/2004 – Aceito em: 8/9/2004

RESUMO
O objetivo do presente estudo foi avaliar a evolução do desenvolvimento motor de lactentes pré-termo participantes de um programa
de intervenção precoce com e sem treinamentos dos pais. Participaram do estudo 8 lactentes pré-termo (idade gestacional média
de 32 semanas e idade cronológica média de 3 meses e 6 dias) e suas famílias. Os participantes foram divididos em dois grupos:
4 lactentes participaram do grupo intervenção com orientação e treinamento dos pais (grupo experimental – GE) e 4 lactentes
participaram do grupo intervenção sem orientação e treinamento dos pais (grupo-controle – GC). Os bebês foram avaliados pela
Alberta Infant Motor Scale durante quatro meses, considerando os comportamentos motores nas seguintes subescalas: prona, supina,
sentada e em pé. Os resultados demonstraram que os bebês do GE obtiveram melhor evolução dos comportamentos avaliados em
relação ao GC. Pode-se afirmar que a participação dos pais, associada ao programa de intervenção fisioterapêutica aplicado, beneficiou
significativamente o desenvolvimento motor dos bebês estudados.
Palavras-chave: desenvolvimento motor, lactente pré-termo, fisioterapia, intervenção precoce.

ABSTRACT
This study presents an evaluation of the motor development evolution of preterm infants who participated of an early intervention
program with and without the training of their parents. Eight preterm infants and their families participated of this study. They
were divided into two groups: 4 in the intervention group, with orientation and parents training (experimental group – EG), and
4 infants in the intervention group without orientation and parents training (control group – CG). The infants were assessed through
Alberta Infant Motor Scale during four months, considering their motor behaviors in the following subscales: prone, supine, sitting
and standing. The results demonstrated that the EG obtained a better evolution of the appraised behaviors when compared to the
CG. It can be affirmed that the participation of the parents, associated with the intervention program applied, was effective in the
motor development of infants in this study.
Key words: motor development, preterm infant, physical therapy, early intervention.

INTRODUÇÃO médico-científicos na Neonatologia possibilitaram maior sobre-


vida de neonatos de risco e, entre eles, os lactentes pré-termo.2,3
Nos últimos anos tem crescido o interesse de profissionais O aumento do número desses lactentes provocou o interesse
e pesquisadores que atuam na área da saúde em favorecer as dos pesquisadores em investigar o desenvolvimento motor
condições de vida da criança, procurando garantir boa adaptação dessas crianças,4 a integração com o ambiente ao longo de
no decorrer de seu desenvolvimento.1 Paralelamente, os avanços sua trajetória de desenvolvimento,5 a relação pais–filhos no
240 Formiga, C. K. M. R., Pedrazzani, E. S. e Tudella, E. Rev. bras. fisioter.

processo de aprendizagem e a adaptação psicossocial.6,7,8 Entre não apresentar patologias ortopédicas e neurológicas asso-
os estudos sobre o desenvolvimento motor do lactente pré- ciadas (incluindo hemorragia periventricular graus III e IV)
termo, destacam-se pesquisas que enfatizam a investigação e as mães deveriam aceitar a participação no estudo. Os
dos fatores de risco e proteção9,10 e trabalhos sobre a imple- lactentes foram divididos em dois grupos: GC (grupo-con-
mentação de medidas preventivas da área de intervenção trole) e GE (grupo experimental), de acordo com o encami-
precoce.11,12,13 nhamento para a intervenção, ou seja, o primeiro lactente
Muitos autores enfatizam os benefícios proporcionados encaminhado entrava na composição do GC e o segundo
pela intervenção precoce em bebês de risco.12,14,15 No entanto, no GE e, assim, sucessivamente. Características do GC (médias):
algumas controvérsias têm surgido em relação às definições IG = 31,25 sem. (± 2,36); peso ao nascer = 1.563 g (± 407);
da clientela desses serviços16 e aos dados inconsistentes da Apgar no 1o e no 5o minuto = 4,7 e 7,5. Características do
eficácia da intervenção em algumas pesquisas com metodologia GE (médias): IG = 32,5 sem. (± 3); peso ao nascer = 1.797 g (±
pouco definida.17 O critério para o sucesso de um programa 412); Apgar no 1o e no 5o minuto = 6,2 e 7,7.
de intervenção precoce estaria intimamente relacionado ao
contexto de quem participa e das metas estabelecidas.18 Material
A intervenção fisioterapêutica precoce apresenta bons 1. Termo de consentimento livre e esclarecido; 2. roteiro
resultados, mas, na prática, muitos bebês são encaminhados de anamnese; 3. ficha de registro da Alberta Infant Motor
tardiamente às instituições, geralmente apresentando algum Scale (AIMS),3 em que foram anotadas as aquisições motoras
tipo de deficiência, restringindo a intervenção, que não pode do lactente ao longo do estudo em quatro posturas: supino,
alcançar o objetivo de prevenção das alterações patológicas prono, sentado e em pé. Lista das principais aquisições: em
no desenvolvimento.14 A intervenção é considerada precoce supino – flexão fisiológica dos membros, cabeça roda em
antes que os padrões de postura e movimentos anormais direção à linha média, mantém a cabeça na linha média, leva
tenham sido instalados, sendo os primeiros quatro meses as mãos à linha média, eleva os membros inferiores do apoio,
de idade a época essencial para iniciar o programa.11,19 toca os joelhos e pés, rola com e sem rotação; em prono –
Os profissionais que trabalham com o desenvolvimento flexão fisiológica dos membros, eleva a cabeça assime-
infantil estão reconhecendo cada vez mais a importância de tricamente a 45º e mantém, apoio de antebraços, elevação
considerar durante o tratamento a interação entre aspectos do tronco superior, alcance, pivoteio, rola para supino;
biológicos (organismo), fatores de aprendizado ou experiência sentado – mantém a cabeça na linha média: senta com apoio
(ambiente) e exigência específica da tarefa.20 Para melhor dos braços, tracionado para sentar: senta sem apoio dos
abordagem ao intervir na criança, é necessária uma análise braços; coluna alinhada: senta com dissociação de tronco;
coletiva das variações do desenvolvimento dentro de uma em pé – flexão do quadril e joelho, cabeça na linha do corpo,
perspectiva “sócio-ecológica”.21 Assim, o atendimento indivi- quadris alinhados com os ombros. Os equipamentos utilizados
dualizado da criança possibilita a identificação de risco em para a aplicação do programa de intervenção são do Setor
particular e a avaliação da família possibilita a contex- de Fisioterapia em Neuropediatria da UFSCar: sala de inter-
tualização e a definição de estratégias de intervenção que venção (tablado de madeira e colchonete, rolo e bolas de
podem contribuir para o êxito dos programas de intervenção.18 tratamento e brinquedos adequados para lactentes). Para a
Estudos realizados com bebês de risco13,15,22 afirmam que filmagem utilizaram-se: câmera VHS-C e tripé.
os programas de intervenção centrados apenas na criança
(child-focused intervention) têm demonstrado menor eficácia Procedimentos
quando comparados às intervenções centradas na família O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa
(family-focused intervention). Com base nesses pressupostos, da UFSCar, e os pais que concordaram em participar assi-
o presente trabalho propõe avaliar a evolução do desen- naram o termo de consentimento livre e esclarecido. Também
volvimento motor de lactentes pré-termo participantes de foi preenchido o roteiro de anamnese com os dados referentes
um programa de intervenção precoce com e sem o treinamento à gestação, ao parto e ao pós-parto. Os pais comprometidos
dos pais. com o estudo levavam os lactentes uma vez por semana até
o Setor de Fisioterapia em Neuropediatria para a realização
MATERIAL E MÉTODOS da intervenção. Os lactentes foram avaliados no primeiro
encontro e mensalmente durante quatro meses, totalizando
Sujeitos 5 avaliações, por meio da AIMS nas posturas prona, supina,
Oito lactentes pré-termo de ambos os sexos, com idade sentado e em pé, conforme proposto pelas normas de
gestacional (IG) média de 32 semanas (± 2,58); idade crono- aplicação da escala. Durante a avaliação, os lactentes eram
lógica média no início do estudo de 3 meses e 6 dias (± 25,56); colocados sobre o colchonete com o mínimo de vestimenta
e idade corrigida média no início de 1 mês e 4 dias (± 35,16). possível. A atividade não era facilitada pelo pesquisador,
Critérios de inclusão: lactentes com IG < 37 semanas, peso podendo o bebê ser estimulado com brinquedos para
de nascimento < 2.500 g, ter passado pela UTI neonatal, mudanças ou aquisições de posturas específicas. Os registros
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das observações foram feitos por meio de filmagem, com 0,05, o valor de F para que a hipótese fosse aceita deveria
duração de 15 a 20 minutos para cada lactente, e anotação ser menor que 9,28.
das pontuações na ficha da AIMS. Para cada comportamento
motor apresentado atribuía-se 1 ponto e ao final era obtido RESULTADOS
o escore total (escore bruto da escala) dentro da janela motora
da criança. Em relação à análise de regressão, o modelo de regressão
Para os lactentes do GE, foram realizadas três etapas linear foi o que melhor representou os resultados das 4 subes-
durante a primeira sessão de treino: a) avaliação do repertório calas e do escore total da AIMS (Figura 1). Esse comportamento
motor para registro dos dados de linha de base, a fim de delinear dos dados pode ser observado no gráfico normativo dessa
o que seria treinado pelos pais; b) intervenção neuro-sensório- escala, em que a curva apresenta tendência de crescimento
motora, que consistia na aplicação de estímulos psicomotores, linear, passando a ser logarítmica a partir do 10o mês.
técnicas de facilitação do desenvolvimento motor24 e estímulo Na subescala prona, o GE apresentou um número de
das coordenações sensório-motoras e do tônus postural,11,19 aquisições motoras estatisticamente superior ao GC, sendo
a síntese do programa de intervenção pode ser observada no 1,03 e 1,88, respectivamente, na Tabela 1 (resultados da análise
trabalho de Formiga;13 c) treino dos pais em relação aos dados de regressão). Na subescala supina, o desenvolvimento do GE
obtidos na observação da linha de base, oferecendo explicações ao longo dos meses de estudo apresentou significância estatística
e orientações por escrito do que deveria ser realizado durante superior ao registrado pelo GC, sendo que o valor da constante
a semana, de acordo com as posturas adquiridas pela criança de regressão “a” para o GE foi de 1,6, enquanto o valor para
na AIMS. A duração total da sessão não ultrapassava 60 mi- o GC foi de 0,75 (Tabela 1). Na subescala sentada, o ganho
nutos, tendo em vista a idade cronológica da criança. O tempo do GE foi significativamente superior ao encontrado para o
total do atendimento era redistribuído de acordo com a avaliação GC, com os respectivos valores para a constante “a”: 1,83 e
da pesquisadora e as dúvidas apresentadas pelos pais. Nas 0,63. Na subescala em pé observa-se discreta superioridade
semanas subseqüentes, os dados do desenvolvimento do bebê na evolução do GE em relação ao GC, porém, essa diferença
(dados de linha de base) foram observados juntamente com não foi estatisticamente significativa (0,48 e 0,38, respec-
a demonstração pelos pais dos comportamentos destinados tivamente).
para o treino em domicílio. Constata-se que os dois grupos apresentaram bons
Para os lactentes do GC, o procedimento foi semelhante valores de regressão para todas as análises efetuadas com
ao do GE, excluindo-se apenas a terceira etapa, referente ao R² > 0,5 e F > 9,27, exceto para a subescala sentada para
treino dos pais. Neste grupo, a pesquisadora distribuía o tempo o GC que obteve valor de R² = 0,447. Esse resultado deve-
total para observação de linha de base e realização da inter- se ao fato de que apenas um lactente não apresentou evolução
venção precoce com a presença dos pais. Para minimizar os na postura sentada da 3a para a 5a avaliação. Embora não
erros de mensuração da AIMS, foi necessário o estudo de haja muita representatividade da regressão para essas subescala
fidedignidade realizado por três pesquisadores, obtendo-se no GC, é possível fazer inferências nos resultados das demais
um resultado de 84,4%. subescalas.
Na Tabela 1, os valores de “a” apresentados estão rela-
Análise Estatística cionados com a taxa de crescimento do número de compor-
Foram calculadas as médias de comportamento adquiridas tamentos dos lactentes ao longo do período de tratamento,
pelos lactentes (GC e GE) em cada avaliação ao longo do enquanto os valores de “b” podem ser associados ao reper-
programa de intervenção. Para a análise do desenvolvimento tório inicial apresentado pelos lactentes, indicando o nível de
motor, foi efetuada regressão dos escores brutos dos lactentes homogeneidade dos grupos. Dessa maneira, pode-se afirmar
versus tempo (meses) para os itens da AIMS, pois esse método que, com exceção da subescala em pé, os lactentes do GE
é capaz de avaliar a evolução ao longo do tempo, comparando apresentaram valores significativamente mais elevados de
os valores obtidos pela criança a cada mês e a tendência evolução quando comparados ao GC. Isso pode ser afirmado
apresentada por esse comportamento. A análise de regressão com base na análise dos valores para os intervalos de con-
foi realizada utilizando-se o Toolbox Statistics do Software fiança para a constante “a” (amin e amax). Analisando a constante
Matlab 6.1. Além dos coeficientes de regressão, foram obtidos “b”, verifica-se que, para os valores obtidos das subescalas
os intervalos de confiança dos coeficientes de regressão (95%) prona, em pé e escore total, o grau de homogeneidade foi
e as estatísticas R2 e F. A primeira (R2) indica o grau de ajuste estatisticamente significativo. A Figura 2 confirma esse resultado
das variáveis ao modelo de regressão. A segunda estatística, para o escore total da AIMS, em que foi comparado (gráfico
F (Fisher-Snedecor), testou a hipótese de que todos os box-plot) o desempenho total do GC e do GE no início e no
coeficientes da regressão são iguais a zero, ou seja, que não final da intervenção. Verifica-se também, por meio dessa figura,
há correlação alguma entre os dados. Considerando o tamanho que, no final do tratamento, o GE apresentou desempenho
das amostras do presente estudo e nível de significância de significativamente superior ao do GC.
242 Formiga, C. K. M. R., Pedrazzani, E. S. e Tudella, E. Rev. bras. fisioter.

15 10
Controle Controle
Experimental 9 Experimental
Evol. controle Evol. controle
Evol. experimental 8 Evol. experimental

7
10
6
Escore

Escore
5

4
5
3

1
0 0
0 1 2 3 4 5 6 0 1 2 3 4 5 6
Mês avaliado Mês avaliado
a) Prona b) Supina
12 5
Controle Controle
Experimental Experimental
Evol. controle Evol. controle
10 Evol. experimental
4 Evol. experimental

8
3
Escore

Escore

2
4

2 1

0 0
0 1 2 3 4 5 6 0 1 2 3 4 5 6
Mês avaliado Mês avaliado
c) Sentada d) Em pé

Figura 1. Evolução dos comportamentos dos lactentes dos grupos-controle e experimental ao longo do estudo nas 4 subescalas da AIMS:
a) prona; b) supina; c) sentada; e d) em pé.

40

35

30

25
Escores

20

15

10

0
Controle inicial Experimental inicial Controle final Experimental final

Figura 2. Box plot de comparação do desempenho dos grupos-controle e experimental na avaliação inicial e final pela AIMS.
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Tabela 1. Resultados da análise de regressão para a AIMS.

Posturas Grupos R2 F a b amin amáx bmin bmáx Forma


Controle 0,738 50,7 1,03 0,475 0,72 1,33 –0,53 1,48 Linear
Prona
Experimental 0,608 27,9 1,88 –0,425 1,13 2,62 –2,90 2,05 Linear
Controle 0,777 62,8 0,75 0,800 0,55 0,95 0,14 1,46 Linear
Supina
Experimental 0,833 89,7 1,60 0,150 1,25 1,95 –1,03 1,33 Linear
Controle 0,447 14,6 0,63 –0,325 0,28 0,97 –1,47 0,82 Linear
Sentada
Experimental 0,610 28,1 1,83 –1,625 1,10 2,55 –4,02 0,77 Linear
Controle 0,574 24,3 0,38 0,775 0,22 0,54 0,24 1,31 Linear
Em pé
Experimental 0,697 41,4 0,48 1,025 0,32 0,63 0,51 1,54 Linear
Controle 0,718 45,9 2,78 1,725 1,91 3,64 –1,13 4,58 Linear
Total
Experimental 0,736 50,1 5,78 –0,88 4,06 7,49 –6,56 4,81 Linear

DISCUSSÃO as aquisições motoras. Nos primeiros meses de vida, o maior


número de aquisições motoras do bebê ocorre nas posturas
A avaliação dos lactentes pela AIMS constituiu um bom prona e supina, em razão de os lactentes ainda não terem
instrumento para analisar a seqüência de aquisições motoras adquirido o controle postural do tronco em posturas verticais,
e foi importante para direcionar tanto o programa de intervenção como nas posturas sentada e em pé. Além disso, as primeiras
quanto o treino destinado aos pais do GE. Além disso, a AIMS experiências motoras dos lactentes quando colocados em
permite que o terapeuta e a família tenham um feedback visual prona estão relacionadas ao controle cervical para a exploração
de como evoluem os comportamentos da criança ao longo do do ambiente, para depois se apoiarem nos antebraços e nas
programa de intervenção, podendo verificar em que postura mãos, a fim de melhor observar o ambiente ao seu redor e
a criança está mais ou menos desenvolvida.13,23 para o deslocamento do plano de apoio. Apesar dessas
Os resultados da avaliação dos lactentes demonstraram experiências serem de fundamental importância para a
que ambos os grupos apresentaram evolução, especialmente formação das curvaturas da coluna vertebral do lactente,
nas subescalas prona e supina. Mais especificamente, os muitos pais demonstram receio em colocar seus filhos na
lactentes do GE adquiriram maior número de compor- postura prona, em virtude do risco de o bebê ser asfixiado
tamentos no mesmo período que o GC. Acrescenta-se enquanto dorme. Soma-se a esse aspecto a questão de o
também a evolução do GE dentro da subescala sentada e lactente pré-termo apresentar maior hipotonia cervical, o que
em pé. Esse resultado pode estar relacionado ao fato de leva os pais a evitarem essa postura no berço ou na cama.
que os pais desse grupo foram orientados e incentivados As principais aquisições do lactente na postura supina estão
a estimularem seus filhos a adotarem determinados com- relacionadas ao desenvolvimento das coordenações sensório-
portamentos, como a adoção das posturas sentada e em pé motoras, em que a criança inicialmente aprende a direcionar
com apoio, durante as brincadeiras e no decorrer das ati- a cabeça em direção a um objeto ou pessoa que chamou sua
vidades de rotina da criança. atenção, iniciando a localização sonora horizontalmente.
Em relação à análise comparativa entre o GC e o GE, Apesar de ser uma postura freqüentemente utilizada pelos
pelo cálculo das médias de aquisições e pelo método de pais para posicionarem seus filhos, a maioria dos lactentes
regressão, verifica-se que as subescalas prona, supina e sentada do estudo apresentava, no início do programa de intervenção,
para o número total de comportamentos apresentaram dife- dificuldades de orientação visual e auditiva e pouca
renças estatisticamente significativas, sendo que apenas a organização do corpo na linha média. Assim, a intervenção
subescala em pé não apresentou diferença estatisticamente centralizou-se nesses objetivos, pois acredita-se que a
significativa. É importante destacar que, embora tivessem formação das coordenações sensório-motoras facilita as
nascido prematuramente, os bebês eram considerados normais aquisições posteriores de posturas e movimentos, bem como
e, portanto, atingiram os ganhos esperados para suas respec- a normalização do tônus muscular.11,19
tivas idades, especialmente o GE. Os resultados obtidos pelos lactentes do GE podem estar
Os resultados obtidos pelos lactentes do GC podem ser relacionados tanto à evolução biomecânica ao longo do estudo
atribuídos tanto à evolução biomecânica ao longo dos meses quanto à orientação e treinamento oferecidos aos pais. Sendo
de intervenção quanto ao programa de intervenção, facilitando assim, os pais foram encorajados a colocarem seus filhos
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por mais tempo nas posturas avaliadas e a estimularem a sobre o desenvolvimento do bebê e da ecologia do desen-
realização de atividades com a criança nessas posturas. Quanto volvimento.
ao receio da colocação na postura prona, os pais foram
orientados a colocarem seu filho para dormir em decúbito REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
lateral, especialmente nos momentos em que estes se
afastarem do berço da criança. 1. Bordin MBM, Linhares MBM, Jorge SM. Aspectos cognitivos
Em relação aos aspectos maturacionais do organismo e comportamentais na média meninice de crianças nascidas pré-
termo e com muito baixo peso. Psic: Teor e Pesq 2001; 17(1):
e das experiências, a maturação é caracterizada por uma 49-57.
ordem fixa de progressão, na qual o ritmo pode variar, mas
2. Kleberg A, Westrup B, Stjernqvist K, Lagercrantz H. Indications
a seqüência do surgimento das características geralmente
of improved cognitive development one year of age among infant
não varia. Nesse caso, a seqüência do aparecimento das born very prematurely who received care based on the Newborns
habilidades motoras pode ser considerada fixa, mas o ritmo Individualized Developmental Care and Assessment Program
de cada criança vai depender das influências ambientais de (NIDCAP). Early Hum Dev 2002; 68: 83-91.
aprendizado e experiência.20 3. Oliveira LN, Lima MCMP, Gonçalves VMG. Acompanhamento
Quando comparados os resultados do GC e do GE no de lactentes de baixo peso ao nascimento. Aquisição de
início e no final da intervenção, verifica-se também significativa linguagem. Arq Neuropsiquiatr 2003; 61(3-B): 802-807.
diferença quantitativa, expressivamente superior no GE em 4. Mancini MC, Paixão ML, Silva TT, Magalhães LC, Barbosa
relação ao GC (principalmente para as subescalas prona, supina VM. Comparação das habilidades motoras de crianças
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específico, tende a facilitar o desenvolvimento em estágios 6. Martins IMB. Crianças nascidas pré-termo e muito baixo peso,
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mento e mediação materna. [dissertação]. Ribeirão Preto (SP):
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pais–criança, os resultados são mais favoráveis, garantindo
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a continuidade do tratamento em casa.13,22 Nesse aspecto, bebê prematuro. Psicol: Teor Prát 2002; 4(2): 15-24.
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se apta, tranqüila e segura para trabalhar com a criança. De
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