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EDITORIAL

Heitor Pons Leite1 A nutrição adequada pode melhorar o prognóstico


dos neonatos prematuros
Adequate nutrition can improve the outcome of premature infants

1. Departamento de Pediatria, Escola Neste número da RBTI o artigo de revisão de Freitas et al.(1) traz uma visão pa-
Paulista de Medicina, Universidade norâmica da terapia nutricional em neonatos prematuros de muito baixo peso, com
Federal de São Paulo – UNIFESP – São especial enfoque no seu efeito protetor contra a sepse e a enterocolite necrosante. O
Paulo (SP), Brasil. tema é muito oportuno, pois, em que pese o grande progresso científico, há ainda
muito para se conhecer e entender nesta área.
No passado, os conceitos de que a administração de nutrientes nos primeiros
dias de vida poderia ser prejudicial e o retardo de crescimento não acarretaria maio-
res conseqüências levaram a condutas nutricionais inadequadas. Hoje está claro que
a nutrição deficiente neste período crítico não apenas aumenta a morbidade a curto
prazo, mas ao longo da vida.(2,3) Em relação ao desenvolvimento neurocognitivo, o
dano é maior quando as deficiências nutricionais incidem no início do período ne-
onatal, fase em que os aumentos de oferta de nutrientes são lentos e graduais. Uma
relação direta entre a oferta de nutrientes e o prognóstico foi primeiro detectada por
Stephens et al., que mostraram associação entre o aumento da oferta protéica pro-
téico-energética na primeira semana de vida e melhores escores de desenvolvimento
neuromotor das crianças aos 18 meses de idade.(3) Esta constatação vem fortalecer a
idéia de que a nutrição parenteral deve ser iniciada tão precocemente quanto possí-
vel, preferencialmente nas primeiras horas após o nascimento, conduta que já teve
segurança e efetividade bem demonstrada.(4)
Em 2005 a European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nu-
trition – ESPGHAN publicou um guia de terapia nutricional em pediatria,(5) cujas
recomendações por via digestiva para neonatos prematuros foram revistas e atuali-
zadas em 2010.(6) Contudo, sabemos que na prática estas recomendações não são
seguidas nas primeiras semanas de vida, em parte por inércia em aderir aos novos
protocolos. Um prematuro de 1 kg tem uma reserva calórica não protéica de 110
kcal de peso corporal.(7) Na ausência de substratos exógenos, esta reserva permite
sobreviver à inanição por apenas quatro dias, tempo que será ainda mais curto em
situações de hipermetabolismo como sepse e insuficiência respiratória. Logo, a sim-
ples noção de que uma nutrição deficiente durante o período neonatal, em especial
nos primeiros dias de vida, pode afetar decisivamente o prognóstico justifica plena-
mente a opinião expressa na literatura de que o nascimento de um prematuro deve
Conflitos de interesse: Nenhum.
ser encarado pelas equipes de unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal como
Autor correspondente: uma urgência nutricional.(8)
Heitor Pons Leite Embora haja consenso de que o objetivo da terapia nutricional é se obter um
Rua Loefgreen 1647 crescimento similar ao que ocorreria intrautero, o conhecimento atual sobre as reais
CEP: 04040-032 - São Paulo (SP), necessidades de nutrientes do prematuro é fragmentado e ainda não permite res-
Brasil. ponder questões importantes. A maior parte dos estudos refere-se aos prematuros
E-mail: heitorpons@gmail.com estáveis, conhecendo-se pouco sobre as particularidades metabólicas e o impacto de

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algumas doenças sobre as necessidades nutricionais.(9) Ziegler reduzir a incidência de sepse tardia.(15) A monitoração metabó-
identificou na oferta protéica insuficiente uma causa impor- lica e nutricional freqüente por uma equipe multidisciplinar de
tante da restrição ao crescimento.(10) Estima-se que ofertas pro- terapia nutricional é outra medida que pode melhorar a evolu-
téicas de 4 a 4.5 g/kg/dia em neonatos com peso até 1000g e ção nutricional de crianças internadas em UTI neonatal.
3,5 a 4g/kg/dia para os com peso de 1000 a 1800g satisfaçam Ao observarmos o fluxo dos novos conhecimentos, re-
as necessidades da maior parte dos prematuros.(7) Por outro conhecemos que uma maior atenção vem sendo dedicada à
lado, na fase aguda do estresse metabólico o risco de hiperali- nutrição do recém-nascido, que passa agora a ser considera-
mentação e suas consequências (hiperglicemia, hipocalemia, da como fator determinante da saúde na idade adulta. Há
hipofosfatemia, lesão hepática) não deve ser ignorado.(11) Em evidências fortes de que mecanismos epigenéticos, desenca-
relação ao efeito imunoprotetor, as dúvidas sobre a utilidade deados por fatores nutricionais em fases iniciais do desenvol-
de medidas coadjuvantes na prevenção e tratamento da sepse vimento, podem afetar processos fisiológicos e metabólicos e
neonatal, como a administração de selênio e de probióticos aumentar a susceptibilidade a doenças crônicas ao longo da
deverão ser respondidas por pesquisas clínicas em curso. vida.(16,17) Portanto, considerando-se a grande vulnerabilida-
Nesse contexto, a posse de informações de cunho prático de dos prematuros e os impactos negativos que uma nutri-
e de utilidade já comprovada permite destacar medidas que ção inadequada nesta fase pode causar no futuro da crian-
devem obrigatoriamente integrar as condutas clínicas na UTI ça é crucial conhecer melhor a biologia de seu crescimento
neonatal. Entre elas, o uso do leite materno ordenhado que, e suas necessidades nutricionais, para que possam ter a
entre outras vantagens óbvias, diminui o risco de enterocoli- perspectiva de uma vida saudável e produtiva na idade adulta.
te necrosante,(12) de sepse(13) e permite que o prematuro tolere Esperamos que os conhecimentos que advirão de pesquisas
mais cedo a nutrição plena por via digestiva.(14) A aplicação de experimentais, clínicas e epidemiológicas possam influir de
protocolos padronizados diminui o tempo para se alcançar a modo benéfico nas condutas clínicas e de saúde pública a
nutrição enteral plena sem aumentar a morbidade e pode ainda serem tomadas no futuro.

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