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INTRODUÇÃO

Não oportunizar experiências motoras, limita à criança com Paralisia Cerebral (PC), o que

interfere em seu desenvolvimento global, e a interação com o todo à sua volta, seja no ambiente,

sociedade, ou tarefa1,2. O tratamento de crianças com PC visa estabelecer ou restabelecer a

função do movimento e promover experiências motoras adequadas, a partir do estímulo ao

desenvolvimento da capacidade funcional dessas crianças 3,4,5. Consideram-se que estratégias

terapêuticas apropriadas e individualizadas se caracterizam por promover o potencial funcional

máximo da criança4.

Na Terapia Assistida por Animas (TAA) utiliza-se o animal como parte integrante e

principal do tratamento, com o objetivo de proporcionar o bem-estar e a melhora psíquica, social,

cognitiva e física do ser humano6,7. Pressupõem-se que o amor e a amizade entre animal e ser

humano proporciona benefícios à saúde e melhora da qualidade de vida, independente da faixa

etária4. Uma vez que a intervenção fisioterapêutica ocorre por período prolongado, a

desmotivação ao tratamento poderá estar presente em consequência de resultados limitados,

que se adquiri lentamente8,9.

Tornar a fisioterapia mais agradável, a partir de experiências motoras e afetivas pela

interação com o animal está associado a ganhos de desenvolvimento, socialização, estímulo

cognitivo, sensibilidade, esquema corporal, preensão e coordenação motora, facilitando

aquisição da funcionalidade nas atividades de vida diária, lazer, bem-estar, disponibilidade

ininterrupta de afeto, diminuição da dor e da ansiedade, amizade incondicional, contato físico,

interação social, benefícios psicológicos e físicos10,11,12. Dessa maneira, buscou-se investigar o

efeito da TAA sobre o equilíbrio, a funcionalidade e a simetria postural de uma criança com PC.

Espera-se que a TAA apresente relação positiva com as variáveis supracitadas.


MÉTODOS

Este relato de caso caracteriza-se como um ensaio clínico, com intervenção

fisioterapêutica com base na TAA em uma criança com diagnóstico de PC, com nível de Gross

Motor Function Classification System (GMFCS) III (Palisano 1997).

Amostra do Estudo

Inclui-se no estudo uma criança do sexo feminino, selecionada de forma não

probabilística intencional, residente na região da Grande Florianópolis, em acompanhamento

fisioterapêutico por no mínimo seis meses, sem incompatibilidade a presença de cães (reação

alérgica, fobias ou distúrbios cognitivos incompatíveis a TAA), não ter realizado intervenção

utilizando a TAA e diante de aprovação dos responsáveis, permitindo o contato do animal com a

criança.

Instrumentos de Avaliação

Para caracterizar a amostra foi utilizada uma ficha de anamnese destinada ao

responsável pela criança e incluiu itens referentes a dados pessoais, dados gestacionais,

neonatais e em relação a saúde atual da criança. Para o nível de habilidades motoras finas e

grosseiras, utilizou-se o Gross Motor Function Classification System (GMFCS), que compreende

cinco níveis e retratam, em ordem decrescente, o nível de independência e funcionalidade das

crianças com PC13. Ainda, aplicou-se a Parte I -Habilidades Funcionais do Pediatric Evaluation of

Disability Inventory (PEDI), que corresponde as atividades de vida diária14 e a Escala do

Equilíbrio Pediátrica (EEP) para avaliação do equilíbrio corporal15,16.

O GMFCS se classifica de acordo com a idade da criança e as distinções entre os níveis

de função motora são baseadas nas limitações funcionais, na necessidade de tecnologia

assistiva a partir da necessidade de aparelhos auxiliares de locomoção (tais como andadores,


muletas e bengalas) e cadeira de rodas, e, em menor grau, pela qualidade de movimento. O

nível I indica que a criança é capaz de se locomover sem restrições, porém com limitações para

atividade motora mais complexa como correr e pular; no nível II a criança apresenta limitações

de marcha em ambiente externo (marcha comunitária); no nível III, as crianças necessitam de

apoio para locomoção e apresentam limitações na marcha comunitária; no nível IV há uma

necessidade de equipamentos de tecnologia assistiva para mobilidade (cadeira de rodas); e, no

nível V a criança apresenta restrição grave de movimentação, mesmo com tecnologias mais

avançadas13. Pode-se sugerir que haja um bom grau de estabilidade ao longo dos anos, uma

vez que a criança geralmente permanece no mesmo nível de classificação ao longo do

tempo10,17,18.

O teste PEDI possui três dimensões: autocuidado, mobilidade e função social. A escala

de autocuidado abrange alimentação, higiene pessoal, o uso de toalete, vestuário e controle

esfincteriano. Os itens funcionais de mobilidade informam sobre transferências, locomoção em

ambiente externo e interno e o uso de escadas. A dimensão função social reflete as questões

relativas à comunicação, resolução de problemas, interação com os colegas, entre outros.

Estudos consideram ser um teste válido e confiável para ser aplicado em crianças com PC no

Brasil19-21.

A Escala do Equilíbrio Pediátrica (EEP) foi desenvolvida a partir da modificação de 14

itens da Escala de Equilíbrio de Berg com o intuito de aprimorar a mesma para a população

infantil. Para a versão pediátrica foi alterada a ordem dos itens, deixando-a em uma sequência

funcional, reduzindo o tempo de manutenção das posturas estáticas, além das instruções e

equipamento utilizados serem modificados15,16. O objetivo é avaliar a capacidade funcional do

equilíbrio de crianças em idade escolar de cinco a 15 anos com déficit motor de leve a

moderado. A pontuação varia de zero a quatro, onde a pontuação máxima é 56, sendo que
quanto maior a pontuação, melhor o equilíbrio. Para crianças brasileiras, realizou-se a tradução e

adaptação cultural16.

E para avaliação do alinhamento postural utilizou-se a fotogrametria: uma câmera digital

fotográfica da marca SANYO, modelo VPC-HD2000, posicionada sobre um tripé a uma altura de

85 cm a uma distância de 200 cm. Para a calibração da imagem utilizou-se um fio de prumo de

100 cm, posicionado verticalmente, como referência. A análise da postura realizou-se através do

software para avaliação postural (SAPO) validado por Ferreira et al (2010)22. Para esta, solicitou-

se a criança que permanecesse em posição ortostática, com os braços ao longo do corpo e pés

posicionados de maneira confortável. Os pontos anatômicos foram fixados por marcadores

esféricos, e os ângulos analisados no plano coronal foram: simetria da cabeça, simetria de

ombros, simetria pélvica, simetria do trocanter, simetria dos joelhos, simetria maleolar, e simetria

corporal, analisados ao traçar uma linha horizontal unindo o ponto anatômico marcado a direita

ao correspondente à esquerda, observando dessa forma a inclinação encontrada, sendo que

valores angulares positivos correspondem à direção anti-horária; e no plano sagital: o ângulo

cervical, ângulo dos ombros, e ângulo corporal23 (Figura 1).

FIGURA 1

Procedimentos de Coleta de dados

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da

Universidade do Estado de Santa Catarina, CAAE xxxxxxxxxx e o (a) responsável pela criança

assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Primeiramente foram coletadas as informações referentes a avaliação inicial (Av1):

preenchimento da ficha de identificação, classificação pelo GMFCS, aplicação do questionário

PEDI, seguido da EEP. Posteriormente houve a interação do paciente com o cão terapeuta, para

que pudesse ocorrer confiança no animal e no terapeuta.


Com base na Av1, foi desenvolvido um protocolo de atendimento, de acordo com as

potencialidades e limitações da criança (Tabela 1). Totalizou-se 20 sessões de intervenção, duas

vezes por semana, com média de 40 a 50 minutos de duração cada uma e imediatamente após

o tratamento, foi realizada a avaliação final (Av2).

TABELA 1

Os atendimentos ocorreram da seguinte forma: 1º intervenção da semana: dois exercícios

que objetivem a melhora do controle postural e melhora do equilíbrio estático e dinâmico e dois

exercícios que objetivem aumento da coordenação motora; 2º intervenção da semana: dois

exercícios que objetivem a estimulação das reações de proteção, posições e transferências, de

sentado, quatro apoios, ajoelhado, sem ajoelhado, cócoras e o ortostatismo e dois exercícios

que objetivem a estimulação da simetria corporal. A proporção de exercícios ocorreu de forma

estimada, já que foi avaliada de forma específica para a paciente, objetivando nas dificuldades,

com tudo nota-se ainda que uma mesma atividade, está vinculada a vários objetivos.

Entre os objetos utilizados no tratamento, utilizou-se um colete no cão, onde continha

velcros fazendo com que os objetos ficassem junto ao colete, a criança podia inseri-los e retirar,

pegando e devolvendo em diferentes alturas e diferentes posições (Figura 2).

FIGURA 2

Tanto nas avaliações inicial e final, como durante a intervenção fisioterapêutica uma

profissional adestradora de animais se manteve presente. Outros cuidados foram seguidos para

todos os momentos de interação da criança com o cão terapeuta: carteira de vacinação e

vermifugação adequados, visita ao veterinário regular, higienização diária, além de ser dotado de

temperamento condizente e adestramento básico para a prática de TAA.


Análise de dados

Para a caracterização das variáveis analisadas foi utilizada estatística descritiva com

distribuição de média dos parâmetros, variância, e frequência, os quais estão representados por

meio de tabelas para melhor visualização dos dados.

RESULTADOS

Neste estudo relatamos o caso de uma criança do sexo feminino, com XXXXXX de

idade, com diagnóstico clínico de PC atáxica e GMFCS nível III.

De acordo com a EEP o escore total na Av1 foi de 31 e na Av2 de 39, com diferença

nos seguintes itens: transferência de uma cadeira com apoio de braço para uma cadeira sem

apoio de braço; com os pés separados e com os olhos fechados por 10 segundos; com os pés

juntos sem apoio; alternando o pé no degrau/apoio, repetindo quatro vezes; alcançar a frente

com braço estendido, o mais longe possível, sem mover os pés.

Em relação ao PEDI, comparando-se a Av1 e a Av2, observou-se melhora: na área

referente as habilidades funcionais, notou-se aumento de 73,9% para 82,1%; na área de

autocuidado; na área de mobilidade apresentou escores inicial de 40% e final de 66%; e na área

de função social demonstrou melhora de 50,7% para 60,1%.

Na Tabela 2 estão representados os resultados quanto à avaliação da simetria corporal na

Av1 e na Av2.

TABELA 2

DISCUSSÃO
Considera-se que a motivação é aumentada com a interação animal, sendo descritos

benefícios fisiológicos e psicológicos relacionados ao vínculo entre o animal e o ser humano 24.

Sugere-se a influência da TAA na cognição, amplitude de movimento, força e equilíbrio 25, além

de aspectos emocionais, identificados pelo afeto, expressão facial e verbalizações 24. Para

crianças, a presença do animal, integrado ao cenário da terapia, tende a expandir seu potencial

de desempenho6. Segundo Reed et al (2012)26, o uso da TAA para crianças com transtorno do

espectro autista, repercute no aumento do interesse e motivação em relação à continuidade da

terapia, com melhora da interação social. Esses achados colaboram com os achados de Potechi

(2011)27, crianças com PC apresentaram melhor desempenho nas atividades motoras após a

TAA em diferentes posturas e durante o movimento ativo, realizando atividades sem auxílio e

com maior alinhamento postural, e, portanto, promovendo maior independência funcional. No

presente estudo notou-se melhora do equilíbrio, da funcionalidade e da simetria corporal.

Em relação aos resultados obtidos pelo questionário PEDI, os escores de autocuidado,

mobilidade e função social demonstraram melhora, caracterizando uma maior independência nas

atividades de vida diária pós-intervenção. A associação do efeito da TAA com aspectos motores

são reconhecidos28,29, assim como alterações musculoesqueléticas, comumente, estão

presentes em crianças com PC30. Destacam-se a melhora do controle da cabeça e tronco, equilíbrio

corporal, reações de proteção, ortostatismo, melhora da coordenação motora e da marcha29-31. Neste

estudo, caracterizou-se a avaliação postural inicial pela inclinação cervical à direita, elevação do

ombro direito, espinha ilíaca do lado esquerdo mais elevado, valgismo de joelho, flexão do joelho

esquerdo e anteversão pélvica; quando comparada à avaliação final, demonstrou-se haver

ganho de simetria pélvica, maleolar e corporal, com diminuição da base de sustentação, que

pode estar associado aos ganhos no alinhamento postural, bem como na avaliação do equilíbrio.

No teste de equilíbrio (EEP) observou-se variação entre o início e o final da intervenção de

oito pontos. Entre eles, destacam-se a evolução de transferir-se segundo orientações verbais
e/ou supervisão, com segurança e uso mínimo das mãos; permanecer em pé sem apoio com os

olhos fechados, por três segundos; em pé sem apoio com os pés juntos, permanecendo por 30

segundos com supervisão; colocação alternada do pé no apoio enquanto permanece de pé sem

apoio, realizando quatro toques sem ajuda, com supervisão; e alcançar a frente com o braço

estendido permanecendo em pé. A estabilização e o alinhamento da cabeça e do tronco podem

interferir na melhora do alinhamento corporal, e, portanto, proporcionar evolução na habilidade

funcional. Para a manutenção do equilíbrio corporal a criança com PC enfrenta diversas

dificuldades, sendo estas principalmente associadas ao alinhamento corporal31. Além disso, a

ativação muscular, é considerada fator coadjuvante para a correta estabilidade corporal, pela

dificuldade de manter determinada postura, posicionamento e mobilidade articular 31,32. Corrobora

Allegretti et al (2007)33 que analisou o efeito do treino de equilíbrio em crianças com PC, como

conduta terapêutica, no ajuste postural a nas atividades funcionais em ortostatismo, utilizando

quatro crianças e avaliando-as pela escala de equilíbrio de Berg e pela escala Gross Motor

Function Measure e demonstrou os benefícios treino de equilíbrio para melhora do ajuste

postural, melhora funcional e do equilíbrio33.

CONCLUSÃO

Entre os benefícios da TAA em crianças com PC estão os aspectos motores, no

presente estudo observamos melhora do equilíbrio, da funcionalidade e da simetria corporal.

Dessa maneira, diante dos resultados obtidos, a intervenção associada ao animal apresenta um

potencial efeito positivo sobre o controle postural, e, portanto, a habilidade funcional de crianças

com PC.
Figura 1 - a) ângulo de simetria cervical; b) ângulo de simetria de ombro; c) ângulo de simetria
corporal.
Figura 2- Colete do cão
Tabela 1 - Condutas propostas na TAA para alcançar objetivos do tratamento
Objetivos do tratamento Condutas para a TAA
Melhorar controle postural Escovar o cão em diferentes posições; jogar a bola; ficar na posição
de gatas igual ao cão;
Melhorar o equilíbrio Escovar o cão em diferentes posições; levar o cão para passear em
estático e dinâmico terrenos instáveis, com e sem obstáculos; pegar objeto que estava
no colete do cão e deixar em outro lugar (descarga de peso
sentado); elevar um dos membros inferiores e fazer o cão passar
por baixo; passar pelo bambolê igual ao cão (engatinhar);
Estimular reações de Jogar e receber a bola para o terapeuta, enquanto o cão tenta
proteção pegar; andar sobre uma linha, acompanhado pelo cão;
Estimular posições e Escovar o cão em diferentes posições; vestir o colete no cão; jogar
transferências de sentado, bola para o cão; a criança se apóia no cão para adquirir a postura;
quatro apoios, ajoelhado, elevar um dos membros inferiores para o cão passar por baixo;
semiajoelhado, cócoras e o imitar a marcha do cão (engatinhar), executar diferentes posturas
ortostatismo. junto com o cão (quatro apoios, cócoras, rolar, caminhando para
trás).
Aprimorar simetria Corporal Pular obstáculos junto com o cão, utilizando os dois pés; pegar
objetos com as duas mãos em diferentes posições; tirar e colocar os
itens no colete do cão, entregando e retirando os objetos de
diferentes alturas.
Melhorar a coordenação Escovar o cão em diferentes posições; vestir o colete e brincar com
motora os objetos colados no colete; jogar a bola para o cão; colocar
enfeites no pelo.
Tabela 2 - Resultados das avaliações posturais (inicial – Av1 e final – Av2)
Av1 Av2
Plano Coronal
Assimetria Cabeça 0,3 0,9
Assimetria Ombro -0,2 -1,6
Assimetria Pélvica 5,9 0,9
Assimetria Joelho 3,1 -3,7
Assimetria Maleolar 3,3 2,6
Assimetria Corporal 0,4 1,4
Plano Sagital
Ângulo S. Cervical D – 39,4 E – 18,4 D – 36,9 E – 28,3
Ângulo S. Ombro D – 86,9 E – 121,8 D – 97,5 E – 151,6
Ângulo S. Corporal D – 6,8 E – 6,9 D – 5 E – 6,1

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