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ESTO017-17- Métodos Experimentais em Engenharia

Transferência de incertezas
em funções de uma variável

Edição: 2º Quadrimestre 2019

Objetivo:

• Apresentar a aplicação da propagação de incertezas para o caso de transferência de


incertezas de uma única variável x para a grandeza y, quando y=f(x).

1. Introdução

Inicialmente, suponha que um conjunto de pontos (xi,yi) foram medidos


experimentalmente, sendo o valor esperado (x0,y0) para uma grandeza y, função de uma
variável x. Suponha também que as médias dos resultados para x e para y sejam os valores
mais prováveis de (x0,y0) almejado. Cada ponto experimental (xi,yi) resultará provavelmente
em valores diferentes, que podem ser devido a variações ocorridas durante as medições, e
também devido às próprias incertezas associadas aos valores medidos de x e y. Na figura 1
estão duas formas de representar esse fato: a) através da dispersão dos pontos (xi,yi); e b)
em função das incertezas (σx0 e σy0) associadas aos valores x e y respectivamente.
Figura 1: Representação de pontos experimentais

a) pontos (xi,yi) obtidos b) valores mais prováveis (x0,y0) e seus intervalos (±σx0 e ±σy0)
2,0 Y 2,0 Y

+/- σy0
1,5 1,5 Y0
+/- σx0

1,0 1,0

0,5 0,5

X0
0,0 X 0,0 X
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0
Fonte: Próprios autores
Universidade Federal do ABC
ESTO017-17 – Métodos Experimentais em Engenharia

A figura 1b) possui a vantagem de indicar com mais clareza a melhor estimativa do
ponto almejado (x0,y0), bem como a região na qual se acredita que esse ponto se encontre.
Mesmo com uma única medição, este intervalo poderia ser avaliado, através da estimativa
de incerteza tipo B associada ao método experimental utilizado para obter os pontos.
Entretanto, nenhuma destas representações é prática. Imagine a dificuldade de uma
representação n-dimensional, no caso em que os pontos obtidos representem uma função de
várias variáveis, isto é, sejam multidimensionais do tipo (xi,yi,zi,wi,...). Uma solução para
tratar todas as incertezas associadas a essas variáveis é o “rebatimento” das incertezas de x,
z, w, etc) para a incerteza da grandeza de interesse y=f(x,z,w,...). Esse procedimento
consiste na base conceitual para o processo de propagação de incertezas, utilizado na
estimativa da incerteza combinada associada a uma grandeza de interesse.

2. Transferência de incerteza

Voltando ao caso bidimensional (xi,yi), podemos propor, a partir de alguma hipótese,


uma função que correlaciona y e x, qual seja y=f(x). Naturalmente, esta função f( ) deve ser
escolhida como a melhor estimativa para descrever a correlação entre as duas grandezas.
Por exemplo, podemos assumir uma correlação linear entre a tensão e a corrente elétricas
medidas nos terminais de uma resistência ôhmica (figura 2), que corresponde à conhecida
Lei de Ohm.
Assim, o valor muito provável para um determinado yi passa a ser yi=f(xi). Uma forma
de rebater a variação de xi em y é através da propagação de incertezas. Admite-se que o
resultado xi seja o valor verdadeiro (ou seja, isento de incerteza), atribuindo-se a y uma
incerteza maior dada por1:
2
2  dy  2
2
σ = σ +   σ x0
y y0 (1)
 dx 0

1
Considerando apenas os termos de ordem menos elevada na determinação da variância, e supondo não haver
correlação entre as razões de flutuação de xi e yi.

2
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 dy   dy 
onde   é uma estimativa2 da derivada   , já que a função y=f(x) não pode ser
 dx 0  dx 
completamente conhecida a priori.
Deve-se notar que a variância σ 2y será igual ao valor original da variância σ 2y0 , somado
2
 dy  2
a um termo que representa a incerteza transferida de x para y (ou seja, o termo   σ x0
 dx 0
à direita da equação (1)). Essa transferência (ou “rebatimento”) de incerteza é representada
na figura 3.

Figura 2. Exemplo de correlação linear entre y e x: tensão e corrente elétricas numa resistência ôhmica

Tensão medida sobre uma resistência, para


várias correntes.
16 A reta pontilhada indica V=1,3.Corrente
14
12
10
Tensão (V)

8
6
4
2
0
0 2 4 6 8 10
Corrente (A)

2
Estimativa baseada no modelo escolhido (ou identificado). Por exemplo, no exemplo da tensão, esta
derivada seria o valor da resistência R, pois v=Ri, de acordo com a Lei de Ohm. Se R possui um valor
provável, então este é o valor a ser usado. O mesmo acontece caso R seja identificado por algum método
numérico, como o dos “mínimos quadrados” (no gráfico da figura 2, tem-se R=1,3ohms).

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Figura 3: Incerteza em x transferida ("rebatida") para y

2,0 Y
1,8
1,6
Y0
1,4 +/- σy
1,2
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
X0
0,0 X
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0

Podemos demonstrar a equação (1) definindo uma variável α = y - f(x), onde x e y são
valores medidos. Nota-se que a variável α representa a diferença entre o valor de y medido,
e o valor estimado obtido através da função f(x), para um certo valor de x medido. Se as
incertezas em x e y são estatisticamente independentes, tem-se que a incerteza em α pode
ser calculada através de:
2
 ∂α   ∂α 
2

σ =   σ x2 +   σ 2y
2
(2)
 ∂x   ∂y 
α

que resulta em:

2 2
 df(x)  2  dy  2
2
σ =
α  σ x0 + σ 2y0 = σ y0
2
+   σ x0 (3)
 dx   dx 0

 df(x)   dy   dy 
já que   =   , ou seja, é uma estimativa da derivada  
 dx   dx 0  dx 

Indica-se agora x por x*, supondo-se a condição de σx = 0 (ou seja, a condição de


isenção de incerteza em x). Sendo y* a variável correspondente a x*, tem-se da definição
acima de α, que:
y* = f(x*)+ α (5)
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Assim, calculando-se a incerteza em y* a partir de propagação de incertezas, tem-se


que:

2 2
 ∂y   ∂y   ∂y 
σ =   σ x2 +   σ α2 =   σ α2 ,
2
visto que σx = 0
 ∂x   ∂α   ∂α 
y*

 ∂y 
ou seja, σy* = σα pois   = 1
 ∂α 

Desta forma, a incerteza em y* será igual à incerteza em α, resultando:


2
 dy  2
σ = σ α = σ +   σ x0
2
y
2
y0 (6)
 dx 0
Deve-se notar que a variável y* é a própria variável y, mas com uma incerteza
aumentada, devido à transferência da incerteza da variável x.
Conforme foi dito anteriormente, na prática, a dependência entre x e y pode não ser
conhecida inicialmente, quando as medidas dessas grandezas são feitas experimentalmente.
 dy 
Nesse caso, a derivada   deve ser estimada através de algum método simples, a fim de
 dx 
se implementar a transferência de incerteza.
Deve-se notar também que tratamento similar pode ser feito para funções
multidimensionais, transferindo-se as incertezas de várias variáveis para a grandeza de
interesse.

3. Bibliografia

[1] Vuolo, J.H. Fundamentos da Teoria de Erros, Ed. Edgard Blücher, 2ª.Ed., São Paulo,
1996. Cap.8.
[2] Taylor, J.R. Introdução à análise de erros- o estudo de incertezas em medições físicas.
Bookman Cia. Ed. Ltda. 2ª.Ed, Porto Alegre, 2012.Cap.8.

4. Autores

Apostila elaborada pelos Profs. D. Zanetti de Florio, J.C. Teixeira e D. Consonni.

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