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PERFORMATIVIDADE DECOLONIAL

DE MACUNAÍMA: APORTE PARA


OBRA DE REFERÊNCIA
Míriam Gontijo de Moraes
miriam.Moraes@unirio.br
OBRAS DE REFERÊNCIA
• O termo obra de referência ou documento de referência é relativo às
expressões traduzidas do inglês – reference works e reference
sources. São definidas como “documento que fornece acesso rápido
à informação ou às fontes de informação sobre um assunto […]”
(CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 266). Essas obras são
majoritariamente de consulta e visam, principalmente, sanar
pequenas dúvidas e/ou remeter para obras que forneçam uma
explicação mais detalhada acerca de um tópico.
• A coleção é composta por obras de consulta, tais como:
dicionários,GLOSSÁRIOS, enciclopédias, tabela, catálogo, guia e etc.
GLOSSÁRIO
• Um glossário é uma lista alfabética de termos de um determinado
domínio de conhecimento com a definição destes termos.
Tradicionalmente um glossário aparece no final de um livro e inclui
termos citados que o livro introduz ao leitor ou são incomuns.
• na Idade Média e Renascença, reunião, na parte final de um
manuscrito ou enfeixada num volume próprio, sobre o sentido de
palavras antigas ou obscuras encontradas nos textos.
GLOSSÁRIO DECOLONIAL
• lista alfabética de termos identificados a partir de uma visão que
busca problematizar e fazer reflexões de natureza crítica no campo da
organização e representação da informação e do conhecimento em
relação ao eurocentrismo na representação do conhecimento em
toda a América Latina.
ESSA PESQUISA NO CONTEXTO DA ORC
• Dimensões ideológicas envolvidas nos processos de representação da
informação e do conhecimento também estão na agenda de
pesquisa.
• na década de 1930, autores como Butler, Shera, Nitecki e Egan
desenvolvem teorias sobre o papel social das bibliotecas, constituindo
a vertente “humanista” do campo (MOSTAFA, 1985). No campo da CI
a partir da década de 70 se desenvolveram estudos de denúncia das
dimensões ideológicas envolvidas nos processos de representação da
informação (ARAUJO,2013)
O PARADIGMA SOCIAL DE ESTUDO DA
INFORMAÇÃO
• Desde o estudo de Berman (1993) sobre a Lista de Cabeçalho de
Assuntos da Library of Congress (fundada em 1800) identificou-se
uma série de manifestações de etnocentrismo, machismo, racismo na
maneira como se busca prescrever formas de representar e classificar
documentos
• Após a realização da International Conference on Conceptions of
Library and Information Science, ocorrida em Tampere, Finlândia, em
1991, começou a tomar corpo um paradigma “social” de estudo da
informação, entendendo tal como construído por comunidades de
usuários, destacando a ideia de intersubjetividade
PARADIGMA SOCIAL E OBRAS DE REFERÊNCIA
• A construção de obras de referência, a exemplo de glossários e outros
trabalhos terminológicos, tem sido de grande importância para a área
de informação. No campo da Organização e Representação da
Informação e do Conhecimento, esses instrumentos terminológicos
para a recuperação de informação, também devem refletir a postura
crítica do paradigma social notadamente em relação ao
eurocentrismo na representação do conhecimento em toda a
América Latina
A PERSPECTIVA DECOLONIAL
• A diversidade cultural e linguística da América Latina é muito pouco
conhecida sobretudo quando se tem em mente o universo das línguas
e culturas ameríndias e africanas sobreviventes ao silenciamento
imposto pelos Estados, meios de comunicação e sistema educacional.
• Nesta perspectiva, a Ciência da Informação, especificamente a
Biblioteconomia, tem grande responsabilidade em contribuir para
romper com formas de silenciamento na Organização e
Representação do Conhecimento, por meio de obras de referência
que venham desmitificar preconceitos e contribuir para a quebra da
colonialidade que marcam a estrutura do poder, o modo de ser e o
modo de saber de uma comunidade nestas condições.
O PARADIGMA DECOLONIAL
• O termo Decolonial foi criado pelo Grupo Modernidade/Colonialidade
(MC), em 1998, com o propósito de marcar a diferença específica em
relação à proposta de análise de um processo histórico de
descolonização via libertação nacional, identificada como o
movimento Pós-colonialismo.
• Formado por intelectuais latino-americanos situados em diversas
universidades das Américas, o Grupo MC propõe a renovação crítica e
utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI.
• Para o Grupo MC, a colonialidade se reproduz em uma tripla
dimensão: a do poder, do saber e do ser.
A OBRA MACUNAÍMA DE MÁRIO DE
ANDRADE
• Temos na figura de Mário de Andrade a conexão com o paradigma
decolonial.
• Desenvolveu um trabalho de documentação sobre a história, o povo,
a cultura e especialmente a música do interior do Brasil, tanto em São
Paulo quanto no Nordeste brasileiro como também a Amazônia. “O
Turista Aprendiz” é o título do diário de viagem do escritor
modernista pela Amazônia no ano de 1927. Tal viagem foi
emblemática na consolidação do pensamento de Mário de Andrade
vinculado à temática nacional. A partir daí ele publicaria clássicos
como “Clã do Jabuti” (novembro de 1927) e “Macunaíma” (1928), nos
quais as referências à Amazônia são evidentes.
O GLOSSÁRIO DECOLONIAL DE MACUNAÍMA
• Proposta que pretende elaborar um instrumento terminológico
conforme a perspectiva decolonial no marco do movimento
modernista brasileiro e se vê diante da necessidade de romper com
esse cenário de silenciamento e subjugação de povos, etnias, classes
e, ou, identidades de grupo.
• O projeto está sendo desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-
graduação em Biblioteconomia, com o apoio da Fundação Carlos
Chagas(FAPERJ) de acordo com o Edital 036 de 2021.
O GLOSSÁRIO DECOLONIAL DE MACUNAÍMA
• Tem como referencial empírico o pensamento de um grupo modernista
brasileiro, notadamente registrado na obra Macunaíma de Mario de
Andrade, configurando um recorte de seu aspecto em conformidade à
visão decolonial na sua leitura de mundo e ressignificação da nossa cultura.
• Para evidenciar essa faceta do movimento modernista inaugurado em
1922, pretende-se, a partir da estratégia de análise de domínio, identificar
o campo semântico modernista brasileiro tendo como objeto essa obra
síntese do movimento , por ser um trabalho de documentação trabalhosa
de lendas, superstições, frases feitas, provérbios, modismos de linguagem
da paisagem brasileira e conter uma narrativa de projeção continental que
questiona as fronteiras das rígidas nacionalidades modernas impostas pelo
colonialismo europeu
Composição do Corpus para a análise
terminológica
• Identificar uma coleção homogênea e finita de textos sobre a obra
Macunaíma que nos sirva de corpus para a análise terminológica que
irá compor o Glossário da obra na perspectiva decolonial
• Fontes de Macunaíma identificadas:
• Etnoliteratura inspiradora de Macunaíma (os tupinólogos,
intelectuais que coletaram narrativas indígenas na segunda metade
do sec. XIX, Eles registraram por escrito histórias narradas oralmente
quase todas na primeira língua de comunicação interétnica entre os
brasileiros – o Nheengatu e as traduziram ao português)
OS TUPINÓLOGOS
• Couto de Magalhães (1837-1898), mineiro de Diamantina, nascido na
fazenda de gado de seu avô, em Diamantina (MG) onde passou sua
infância embalado por “lendas tocantes e poéticas, metade cristãs,
metade indígenas” contadas pelos vaqueiros. Formado em direito,
procurou “as cores do país” não só em arquivos e bibliotecas, mas
também em dez viagens por grotões do Brasil profundo, quando
ouviu “lendas tupi” que transcreveu em – O Selvagem – editado em
várias línguas: francês, inglês, alemão e italiano. Seu interesse
cresceu, quando foi nomeado presidente da Província do Pará pelo
Imperador Pedro II. (BESSA,2022)
OS TUPINÓLOGOS
• O geólogo canadense Charles Hartt (1840-1878), veio na missão
científica do naturalista Louis Agassiz, inventariar as riquezas da
Amazônia. Na parada do navio em Óbidos (PA) viu uma velha senhora
contando histórias em Nheengatu na calçada de sua casa, cercada por
crianças e jovens. Quando traduziram as histórias, fascinado,
aprendeu a língua e coletou mitos amazônicos com o jaboti como
personagem central. Descobriu que essa era a riqueza mais
importante da região: sua literatura repleta de sabedoria e a língua
usada para fazê-la circular. (BESSA,2022)
OS TUPINÓLOGOS
• o conde italiano Ermano Stradelli (1852-1926), nascido num castelo em Borgotaro. Sua intenção
era visitar a Amazônia durante algumas semanas. De noite, numa maloca no Rio Negro, deitado
em sua rede, ouviu os índios contarem histórias, o que o fez modificar seu plano ao se inteirar da
tradução. Passou o resto da vida no Amazonas até a sua morte em Manaus .Aprendeu a língua,
fez um dicionário Nheengatu-Português-Nheengatu, registrou as tradições, entre elas o Mito do
Jurupari e as “lendas dos Tariana” , entre uma e outra cuia de caxiri.
• Outro que não resistiu aos encantos das narrativas orais foi o botânico mineiro João Barbosa
Rodrigues (1842-1909), filho de um comerciante português. Professor do Colégio Pedro II, no Rio
de Janeiro, mudou para Manaus em 1872, contratado para criar o Museu Botânico. Aprendeu o
Nheeengatu e nessa língua coletou cantigas e contos avaliados por ele como “flores da
imaginação de um povo” publicadas no Poranduba Amazonense. Quando perguntava o nome de
uma planta dele desconhecida, respondiam com uma história na qual a planta era descrita.
Percebeu que em sociedades orais, histórias constituíam as enciclopédias populares.
(BESSA,2022)
OS TUPINÓLOGOS
• Temos ainda Brandão de Amorim (1865-1926) nascido em Manaus,
filho de um comerciante português criador da companhia que fez a
navegação direta de Liverpool a Manaus. Ele publicou 35 narrativas
do alto Rio Negro em edição bilingue, sem mencionar que haviam
sido recolhidas por Maximiano José Roberto, índio descendente dos
Manaú e dos Tariana do rio Uaupés. (BESSA,2022)
OS SUL AMERICANISTAS
• Dentre as inúmeras fontes em que Mário de Andrade se documentou
para a construção de Macunaíma, destaca-se o livro de Capistrano de
Abreu, “Língua dos Caxinauás” resultado dos seus estudos sobre as
línguas indígenas brasileiras (Kaxinawás e Bacaeris), em
conformidade com o movimento sul-americanista, que reuniu um
grupo de especialistas sobre a cultura e línguas sul-americanas de
1890 a 1929 (época das viagens dos etnógrafos alemães à região
Amazônica) e o contexto do domínio europeu no conhecimento
etnográfico e de linguística dos povos americanos.
OS SUL AMERICANISTAS
• Capistrano de Abreu como sul-americanista foi interlocutor da
etnografia alemã da qual se destacava Theodor Koch-Grünberg,
importante fonte de Mário de Andrade. Um grande número de
lendas e narrativas indígenas foi colhido no segundo volume da obras
de Koch Grumberg. A obra de Capistrano fornece o tema central do
capítulo 4 (Boiuna Luna) e do capítulo 13 (A Piolhenta do Jigue)
OS SUL AMERICANISTAS
• Destaque para Theodor Kock Grunberg (1872-1924), etnólogo
alemão, que ouviu as narrativas dos índios de Roraima, em suas
viagens pelo norte do Brasil e pela Venezuela entre 1911 e 1913. Ele
coletou milhares de objetos de arte indígena hoje em museus de
Berlim, Hamburgo e Leipzig. Gravou num fonógrafo músicas e cantos
Makuxi, Taurepang, Wapishana, Ingarikó e Patamona. Tirou
fotografias, ouviu histórias e deixou tudo isso registrado no livro “De
Roraima ao Orenoco”, publicado em cinco tomos na Alemanha em
1916-1917.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
• Revisitar Macunaíma na perspectiva decolonial é refletir sobre as
contribuições da obra para a superação da modernidade colonial, que
se propõe a pensar a modernidade/colonialidade de forma crítica,
desde posições e de acordo com as múltiplas experiências de sujeitos
que sofrem de distintas formas a colonialidade do poder, do saber e
do ser
CONSIDERAÇÕES FINAIS
• Essa obra de referência pretende contribuir para a documentação do
Inventário Nacional da Diversidade Linguística, sob gestão do então
Ministério da Cultura, como instrumento de identificação,
documentação, reconhecimento e valorização das línguas portadoras
de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, instituído pelo Decreto nº 7.387,
de 9 de Dezembro de 2010
GRATA PELA ATENÇÃO !

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