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PARTE I - BIOLOGIA DAS ABELHAS

CAPÍTULO 1 - AS ABELHAS SEM FERRÃO

Abelhas sem ferrão, também chamadas de indígenas, constituem um grupo de abelhas que
apresentam como característica marcante o fato de possuírem o ferrão (órgão
de defesa) atrofiado, reunindo inúmeras espécies, que ocorrem diversamente
de região para região. Atualmente são conhecidas cerca de 400 espécies,
distribuídas em aproximadamente 40 gêneros, sendo que mais de 70% destas
espécies ocorrem na América do Sul, Central, do Norte e Ilhas do Caribe.

São abelhas típicas, brasileiras (nativas), diferentemente das Apis


mellifera [foto 1], espécies usualmente criadas para a produção de mel, as
quais foram importadas e introduzidas da Europa e África artificialmente no
Brasil ao longo da história pós-
descobrimento. Para se ter uma
idéia, as tão temidas abelhas
"africanas" (Apis mellifera foto 1: operária de
adansonii) chegaram ao Brasil Apis mellifera
só por volta da metade do
século passado, importadas por pesquisadores de São Paulo
e dispersadas rapidamente ao longo do continente americano.

Com relação à denominação "sem ferrão", enganam-


se aqueles que desprezam a capacidade de defesa de nossas
foto 2: ninho subterrâneo de abelhas indígenas. Embora não utilizem-se de tal órgão,
Paratrigona subnuda defendem suas colônias tanto de forma indireta, construindo
seus ninhos em locais de difícil acesso (no interior de paredes
grossas, topo de árvores altas, cavidades profundas [foto 2], ninhos abandonados de outros animais
agressivos), como também de maneira direta, atacando prontamente os inimigos que insistem em penetrar
seu território.

Quando animais maiores, como o homem, são considerados como elemento invasor, enroscam-se
em nossos cabelos e pêlos, beliscam com suas mandíbulas afiadas e ainda penetram nos ouvidos e
narinas, deixando o inimigo sob estado desconfortável, as vezes insuportável. Existe uma espécie
vulgarmente conhecida como "caga-fogo" (Oxytrigona tataira) que lança mão de um artifício bastante
doloroso. Quando em situação de ataque, ocorre liberação de substância cáustica a partir de suas
glândulas mandibulares, resultando em graves queimaduras quando em contato com a pele humana.

1.2 – Classificação zoológica


Zoologicamente falando, as abelhas sem ferrão são pertencentes à subfamília Meliponinae, e, por
isso, são denominadas de meliponíneos, a arte de se criar estas abelhas é chamada de meliponicultura e o
seu criador de meliponicultor. Acompanhe a chave abaixo até
chegarmos à superfamíla Apoidea, que engloba todos os tipos de
abelhas existentes no planeta. Entre parênteses estão algumas
características que agrupam os animais dentro da mesma
classificação:

a) Filo - Arthropoda (membros articulados);


b) Subfilo - Insecta (insetos);
c) Classe - Hexapoda (3 pares de patas);
d) Ordem - Hymenoptera (partenogênese*);
e) Subordem - Apocrita (1o segmento abdominal no tórax);
f) Superfamília - Apoidea.
fig.1: família Apidae e suas
quatro subfamílias

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A Superfamília Apoidea já separa as abelhas de outros insetos, muitos também sociais, como as
vespas (Vespoidea) e as formigas (Formicoidea). A grande característica dos Apoidea é basear sua
alimentação na coleta de néctar (fonte de energia) e pólen (fonte de proteína), embora ocorram algumas
exceções. Possui exatamente onze famílias: Melittidae, Colletidae, Halictidae, Oxaeidae, Andrenidae,
Megachilidae, Stenotritidae, Ctenoplectridae, Fidellidae, Anthophoridae e Apidae (pronuncia-se "Ápide").
Dentro desta última família, as abelhas caracterizam-se pela presença de uma estrutura especializada para
o transporte de pólen, a corbícula (mais detalhes no capítulo 3). Reúne
espécies desde hábitos sociais primitivos até os mais avançados. É
dividida em quatro subfamílias [figura 1]:

1) Euglossinae (abelhas das orquídeas) – abelhas solitárias;


2) Bombinae (mamangabas) - abelhas semi-sociais;
3) Apinae (ex.: Apis mellifera) - abelhas sociais;
4) Meliponinae (abelhas sem ferrão) - abelhas sociais.

Os meliponíneos estão subdividido em duas Tribos: Meliponini


e Trigonini. A primeira, formada por um único gênero, Melipona, tem foto 3 - Uruçu Nordestina
distribuição geográfica exclusiva na região Neotropical - América do (Melipona scutellaris)
Sul, América Central e Ilhas do Caribe. Dentre suas inúmeras
espécies, destacamos: Mandaçaia (Melipona quadrifasciata), Uruçu
(Melipona scutellaris [foto 3]), Jandaíra (Melipona subnitida), Guaraipo
(Melipona bicolor [foto 4]), Manduri (Melipona marginata), Tujuba
(Melipona rufiventris), Tiúba (Melipona compressipes), etc.

A Tribo Trigonini está distribuída em toda a área de ocorrência


da subfamília Meliponinae, ou seja, distribuída por todo o território
brasileiro, além de grande parte de toda a faixa tropical e subtropical do
planeta. Engloba uma série de diferentes gêneros com suas muitas
espécies, tais como: Jataí
(Tetragonisca angustula [foto
5]), Mirins (Plebeia sp., foto 4 - Guaraipo (Melipona bicolor)
Friesella, Paratrigona), Borá
(Tetragona clavipes), Irapuá ou Arapuá (Trigona spinipes),
Canudo (Scaptotrigona postica), Marmeladas (Frieseomelitta
sp.), Caga-fogo (Oxytrigona tataira), entre outras tantas.

Como já falado, nas demais abelhas da Superfamília


foto 5: entrada do ninho de Jataí
Apoidea, a alimentação das espécies baseia-se na coleta do
(Tetragonisca angustula) néctar (fonte de energia) e do pólen (fonte de proteína)
presente nas flores [foto 6]. Mas, como exceção à regra,
existem três espécies de meliponíneos (Trigona hypogea, Trigona crassipes e Trigona necrophaga) que
utilizam-se de carcaças animais em sua alimentação. E mais; algumas espécies, como Lestrimelitta limao,
vivem apenas roubando ou pilhando mel e pólen de outras
abelhas. São verdadeiros pesadelos na vida de outras
colônias e dos criadores.

Podemos traçar uma tabela bastante simplificada


para realçar algumas características básicas que permitem
distinguir as duas Tribos (veja no capítulo 8). Entretanto,
identificar uma espécie de abelha não é tarefa das mais
fáceis, que exige muito conhecimento na área. Portanto
para descobrir qual espécie estamos lidando, normalmente
se faz necessário consultar um especialista.

Aquele que está tendo sua primeira experiência foto 6 - Jataí coletando pólen em flor de laranjeira
com termos utilizados em pesquisas, deve observar que
sempre acompanhado do nome comum, também conhecido como nome vulgar, está normalmente entre
parênteses expresso o seu nome científico. O nome científico, sempre em itálico, não difere em relação a
qualquer parte do mundo, sendo universal, e representa respectivamente o gênero e a espécie nos quais
determinada abelha foi enquadrada quando da sua descoberta e catalogação no mundo científico.

Por outro lado, quando se trata do nome comum de uma abelha, este geralmente varia de região
para região, ou até mesmo dentro de uma mesma região. Por exemplo, muitas pessoas se referem a
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abelhas sem ferrão de pequeno porte como Jati, Jataí, ou Mosquito, etc.,
enquanto no norte e nordeste, chamam de uruçu diversas espécies maiores de
Melipona. Alguns nomes comuns são quase únicos para diversas regiões do
país, como "abelha-cachorro" para Trigona spinipes, outros são citados até em
músicas como "lambe-olhos", "torce-cabelos", "feiticeira", "vamo-embora", e
alguns possuem nomes bastante sugestivos como "caga-fogo" e "pau-de-velho"
[foto 7].

Dá para perceber que os nomes comuns são formados por palavras do


vocabulário português, como não poderia deixar de ser, porém não podemos
nos esquecer que, antes da colonização européia nas Américas, existiam os
habitantes nativos os quais se utilizavam com grande propriedade dos recursos
naturais para o desenvolvimento de suas comunidades ou tribos. Os índios já
tinham conhecimento dos benefícios ofertados pelas abelhas sem ferrão, e
existem documentos que comprovam a criação racional destas espécies por
algumas tribos, especialmente as que habitavam os Andes como os Maias.

Assim como foram atribuídos durante os séculos pos-descobrimento,


nomes comuns para os mais variados tipos de abelhas sem ferrão, no foto 7: entrada de colônia de
vocabulário indígena existe uma diversidade incrível na denominação dos Melipona laterallis
meliponíneos, da mesma forma variando de tribo para tribo. Um exemplo muito
interessante encontra-se no livro publicado em 2002 pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI - a partir do
projeto "Criação de Abelhas Nativas em Terras Indígenas". Trata-se de uma tabela que relaciona os nomes
de abelhas na língua materna dos índios Krahô (Tocantins) a nomes comumente utilizados:

língua materna dos Krahô na região do Tocantins


Puware Cupira
Penre Jataí
Cacar Tataíra
Inxi Tyc Re Tubi Mansa
Ûnxi Caprê Uruçu
Hikuti Tiuba
Capran Tethi Mandaçaia
Kôpti Mombuca
O Rop Europa
Cukrãhti Xupé
Cuhkrare Arapuá
Pertí Borá
Tom Limão
Harajakare Moça Branca

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PARTE I - BIOLOGIA DAS ABELHAS
CAPÍTULO 2 – POR QUÊ CRIÁ-LAS ?

2.1 - lazer do criador


A criação racional das abelhas sem ferrão, além de outras
razões que serão citadas posteriormente, desperta grande paixão
pelo prazer que o manejo periódico da criação proporciona ao
criador, ainda mais levando-se em consideração que esta atividade
não representa maiores riscos de acidentes com enxames, como
nos efeitos alérgicos provocados por picadas de Apis mellifera.
Também não devemos desprezar o valor decorativo que as
caixinhas de abelhas trazem ao ambiente, já que estas podem
conviver sem maiores problemas lado a lado com as pessoas da
casa, em uma varanda por exemplo [foto 8].
foto 8 - varanda decorada com caixas

2.2 - razão econômica


Além do lazer que o manejo das espécies de meliponíneos proporciona, a atividade pode
representar uma considerável fonte de renda, com a exploração racional para a obtenção do produto mais
importante e delicioso das abelhas; o mel. No Brasil, muitos meliponicultores sobrevivem exclusivamente da
venda do mel, ainda mais no nordeste do Brasil, onde predominam criações de abelhas sem ferrão que
chegam a produzir até 8 a 10 litros/colônia/ano, tais como a Jandaíra Nordestina (Melipona subnitida), a
Tiúba (Melipona compressipes) e a Uruçu Nordestina (Melipona scutellaris). Com relação a esta última
espécie, muitos apicultores do Recife, segundo o pesquisador Warwick Kerr, adicionam seu pólen ao mel de
Apis mellifera, na proporção de 1:9 (1 kg de pólen para 9 kg de mel), o que agrega um maior valor ao
produto final (o quilo desta mistura chaga a ser vendido por R$40,00 contra R$4,00 a R$6,00 pela mesma
quantidade de mel puro).

Algumas abelhas da tribo Trigonini, devido ao seu reduzido tamanho e conseqüente menor
produção de mel, ainda são encaradas como criações para simples lazer, como é o caso da Jataí, Mirins e
Canudo. Porém algumas espécies, com destaque para a Jataí, cada vez mais estão se tornando
promissoras em razão da pureza e paladar de seu mel, que por vezes alcança valores até 15 vezes superior
ao mel das Apis mellifera.

Outra opção interessante de incrementar os lucros se faz pela comercialização dos enxames para
os interessados em iniciar ou aumentar uma criação. Uma colônia de Jataí (Tetragonisca angustula) tem
sido comercializada por valores que variam de R$ 30,00 a R$ 50,00, enquanto espécies maiores, como a
Mandaçaia (Melipona quadrifasciata), são negociadas por até R$ 100,00 a R$200,00, chegando ao extremo
de valer R$350,00, como já verifiquei em colônias de Tiúba (Melipona compressipes) no nordeste. É muito
importante ter em mente que, por se tratar de uma espécie nativa, não devemos comercializar
colônias de abelhas sem ferrão sem autorização dos orgãos ambientais competentes. Como veremos
durante o curso, o criador pode lançar mão de técnicas de divisão artificial de suas famílias de abelhas, que
garantem o rápido crescimento do meliponário e a disponibilidade de colônias para comercialização.

No Pará, algumas espécies com alto potencial para exploração como a Uruçu Cinzenta (Melipona
fasciculata) e a Uruçu Amarela (Melipona flavolineata) chegaram a produzir 5 litros divididos em três
colheitas durante um ano, sendo comercializado localmente entre R$10,00 e R$15,00, o que representa de
duas a três vezes mais daquilo que é oferecido pelo mel de Apis mellifera, espécie também criada na região

Apesar da carência de comprovações científicas em relação ao efeito terapêutico, o mel dos


meliponíneos também é utilizado em várias regiões do Brasil como remédio no combate à infecção dos
olhos (uma ou duas gotas diretamente no olho, lavando após 1 a 2 minutos) e garganta (tomar uma
colherada a cada meia hora e gargarejar com meio copo de água e 2 colheres de sopa de vinagre).

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2.3 - razão ecológica
Esta, sem dúvida, é a razão mais nobre sob o ponto de
vista da preservação de plantas nativas, muitas em processo
avançado de extinção, que se reflete até na própria perspectiva de
sobrevivência humana no planeta. Trata-se da polinização. Ao se
movimentar sobre as flores em busca do pólen [foto 9], as abelhas
campeiras fazem com que grãos de pólen caiam do estame, órgão
masculino da flor, em direção ao estigma que é parte integrante da
parte feminina ou ovário da flor. Desta forma promovem a
autofecundação de muitas plantas. Entretanto, esta não é a única
forma de fecundação das flores. É a fecundação cruzada que
constitui o mais importante processo de multiplicação, responsável foto 9: Mandaçaia (Melipona quadrifasciata)
pela diversidade genética entre as populações de vegetais. polinizando o margaridão (Tithonia diversifolia)

Ela ocorre quando a abelha campeira, impregnada com grãos de pólen em seus pêlos do corpo,
passa de uma flor para outra, deixando cair estes grãos misturados e promovendo a fecundação da parte
feminina com gametas masculinos de outra planta da mesma espécie, assegurando a sua multiplicação e
perpetuação.

Este tipo de cruzamento promove a manutenção da variabilidade genética, fato que impede uma
cultura de tornar-se mais sensível à epidemias, variações climáticas e incidência de pragas.

A diversidade vegetal nas florestas tropicais é mantida essencialmente por abelhas nativas,
responsáveis pela reprodução de 40 a 90% dos vegetais de fecundação cruzada, enquanto o restante é
polinizado por diversos outros agentes como vento, água, morcegos, aves, borboletas, coleópteros
(besouros) e outros insetos. As abelhas sem ferrão têm, certamente, papel sobremaneira importante na
polinização de diversas plantas, especialmente as nativas. O pesquisador David Roubik afirmou que 84%
das espécies visitadas por Meliponas são potencialmente beneficiadas pelos serviços de polinização
prestados por estas abelhas. O mesmo autor, em outro trabalho, ressaltou que 80% das árvores da floresta
amazônica dependem de abelhas para reproduzirem.

O meliponicultor ainda colhe, indiretamente, os efeitos da polinização: maiores e melhores frutos e


sementes, e a produção do mel das colônias, conseqüente desta atividade de coleta. Daí a grande
importância de se preservar estas abelhas, evitando-se o desmatamento desordenado, as queimadas, o
uso indiscriminado de agrotóxicos e o extrativismo irracional do mel.

2.4 - potencial econômico da polinização


Já se foi o tempo em que polinização era encarada como uma questão de benefício meramente
ambiental. Desde que apicultura é apicultura que os criadores já se utilizam do transporte de enxames para
regiões de expressiva florada com vistas a unir o útil ao agradável, ou seja, conseguir mel e fortalecer os
enxames, beneficiando por vezes o proprietário da área na produção de frutos e grãos. É a apicultura
migratória, que deve ser e está sendo extrapolada para a meliponicultura, e esta tem sido alvo de diversas
pesquisas espalhadas pelo Brasil para as mais diversas culturas (ver desafio).

Ocorre que em países do primeiro mundo, já existe um ramo comercial específico e dedicado a
explorar profissionalmente os benefícios dos insetos
polinizadores na agricultura mundial. Trata-se de uma vertente
promissora em termos de divisa, visto os impressionantes
resultados conseguidos em culturas polinizadas de forma
induzida, com a disposição de grande concentração destes
insetos ao redor das áreas cultivadas.

Isto já é realidade na Europa e EUA, e o Brasil deve estar apto


a entrar o mais rápido neste ramo do conhecimento, ainda mais
dispondo de privilegiada diversidade de agentes polinizadores,
entre os quais se destacam as abelhas sem ferrão [foto 10].
foto 10: Melipona seminigra

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Maiores detalhes do uso de insetos, em especial de abelhas, no mercado de polinização de culturas
agrícolas estão abordados na parte III, capítulo adicional nº 1.

Aliás, o Brasil foi o país que deu início ao programa conhecido hoje como "Iniciativa Internacional para a
Conservação e Uso Sustentável dos Polinizadores" (IPI), quando em setembro de 1996 pesquisadores
brasileiros apresentaram na reunião da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) a proposta de criação
de um programa que visasse:

1. monitorar o declínio dos polinizadores, suas causas e impacto nos serviços de polinização;
2. tratar da falta de informação taxonômica sobre os polinizadores;
3. tratar do valor econômico da polinização e o impacto do declínio desse serviço; e
4. promover a conservação, restauração e uso sustentável da diversidade de polinizadores na agricultura
e ecossistemas relacionados.

Tal proposta foi consolidada em 1999 com a publicação do documento "The S. Paulo Declaration on
Pollinators", posteriormente apresentada na reunião da CDB em maio de 2000. Os resultados estão
começando a surgir, tais como o site Webee com informações sobre a biodiversidade brasileira em abelhas
nativas, e o livro "Abelhas Brasileiras - Sistemática e Identificação" com apoio do Ministério do Meio
Ambiente (MMA).

2.5 - uma questão sócio-econômica


Quando nos reportamos às peculiaridades que envolvem a criação de abelhas sem ferrão, não
podemos de forma alguma deixar de observar os aspectos sociais e econômicos das populações, algumas
"populações tradicionais", que se dedicam a exploração de espécies de meliponíneos, bem como seus
produtos e subprodutos.

A grande maioria dos criadores brasileiros estão localizados nas regiões norte e nordeste do Brasil,
e se caracterizam como pequenos proprietários de terras, vivendo sob regime de produção de subsistência,
muitos deles ribeirinhos que vivem na região amazônica. Em
pesquisa realizada pelo INPA em 2000 a 2001 no Estado do
Amazonas, foram levantados dados referentes a 50 criadores de
meliponíneos, totalizando 1018 colônias de abelhas na maioria das
espécies Melipona compressipes manaosensis [foto 11], M.
seminigra merrillae, M. lateralis, M. rufiventris paraensi e M. crinita.
Todas representam espécies ainda abundantes na região
amazônica e com potencial melífero comprovado. Sabe-se que
uma colônia destas espécies produz em de 4 a 5 litros por ano,
podendo-se alcançar resultados mais satisfatórios mediante a
adoção de técnicas racionais de criação e melhoramento genético.
De acordo com os resultados obtidos, cada meliponicultor possui
em média 20 colônias em sua propriedade.
foto 11 : Japurá (M. compressipes manaosensis)
Em razão das características destas populações, as quais
não têm acesso à programas de educação ambiental e assistência
rural, muitos não possuem consciência nem conhecimento técnico para manejar as colônias de forma
racional, tanto no acesso destas na natureza como na exploração do potencial melífero da espécie e na
extração de outros produtos de alto valor nutricional e comercial. Tal condição exposta acarreta em ações
destrutivas causada por pessoas que são hábeis em encontrar ninhos, porém não possuem condições (aqui
inclui-se a falta de dinheiro, ensino e assistência) para criá-las em caixas racionais. São conhecidos como
meleiros que retiram os ninhos de forma bruta e destruidora, deixando os restos da família espalhadas no
chão constituindo presa fácil para a ação posterior das formigas e outros inimigos naturais.

Segundo o pesquisador Warwick Kerr, em Uberlândia, a ação dos meleiros eliminou, no mínimo,
quatro espécies a saber: Melipona rufiventris, M. bicolor, M. marginata e Cephalotrigona femorata. Um dos
meleiros informou ao pesquisador que, em 20 anos, somente ele retirou 200 colônias de 90 hectares de
floresta. Outra ação de grande impacto descrita é a retirada de ninhos subterrâneos de mandaçaia-do-chão,
pela queima de uma área na parte da tarde, onde os meleiros, agachados, procuram ver contra o horizonte
o voejar das abelhas que, desta maneira, indicam onde estão os seus ninhos. Foram relatados casos em
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que numa área de 100 x 100m, encontrou-se cerca de 10 colônias de Melipona quinquefasciata. Esta
espécie constrói ninhos de até 3 metros de profundidade.

Além destas questões ainda existe como causa de destruição de colônias a busca sem critérios das
serrarias por árvores antigas, justamente as que possuem ocos adequados para serem ocupados por
ninhos de abelhas, e ainda, como já citado, o uso indiscriminado de agrotóxicos,
conforme relato do Dr. Kerr, que cita a diminuição da população de pelo menos
sete espécies de meliponíneos em razão de pulverizações de “Malation” contra
o mosquito transmissor da dengue (Aedes aegypty) em Uberlândia e Goiânia,
entre outras cidades.

Porém muitas das ações nocivas elencadas neste capítulo estão em


ritmo de diminuição, graças ao trabalho de pesquisadores como os do INPA,
EMBRAPA [foto 12], USP, entre outros tantos que se dedicam ao trabalho de
conscientizar as populações tradicionais quanto à importância de se preservar
estas abelhas, bem como sobre as suas possíveis utilizações dentro de técnicas
que visam a exploração racional e ferramenta de melhoria das condições de
vida das famílias dos homens e, por que não, das abelhas.

Com relação à derrubada ilegal de árvores, muito já se tem feito no


foto 12 - trabalho de extensão
sentido de explorar os recursos vegetais em conformidade com planos de conduzida pelo pesquisador
manejo. Neste aspecto, em encontro realizado pelo Conselho Nacional de Meio da EMBRAPA Giorgio Venturieri
Ambiente (CONAMA), tive a oportunidade de conversar com o Prof. Paulo em comunidades do Pará
Nogueira Neto, ocasião em que se levantou a possibilidade de estes planos de
manejo, futuramente, causarem uma seleção artificial de árvores "ocadas", uma vez que quando no
processo de corte conclui-se pela existência de ôco, é recomendado a não derrubada daquele indivíduo.
Caso isto venha a ocorrer, será de grande valia para a multiplicação natural dos meliponíneos.

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PARTE I - BIOLOGIA DAS ABELHAS
CAPÍTULO 3 – O CORPO DAS ABELHAS

3.1 - morfologia externa


As características externas presentes no corpo das abelhas sem ferrão seguem praticamente a
mesmo padrão morfológico encontrado nas abelhas de mel (Apis mellifera), dividindo-se, para efeito de
estudo, em três principais partes: cabeça, tórax e abdômen.

A cabeça é a parte que mais pode servir para diferenciar os


machos das operárias. Isto porque, nos machos, possui forma mais
arredondada além de olhos maiores. Na cabeça localizam-se [foto 13]:

1º) dois olhos compostos - órgão responsável pela visão em todas as


direções e para grandes distâncias, utilizado na localização de flores, por
exemplo;

2º) três ocelos ou olhos simples - utilizados para a visão de perto, por
exemplo na orientação da abelha no interior da colônia e de flores;

3º) um par de antenas - é o elemento de maior sensibilidade na abelha,


guiando-a em diversas atividades dentro e fora da colônia. São
compostas por diversos artículos [figura 2], estrutura que também pode
auxiliar na diferenciação dos sexos, uma vez que os machos possuem um
a mais que as fêmeas;
foto 13 - cabeça de Oxytrigona tataira:
4) o aparelho bucal : 1-ocelos; 2-olhos compostos; 3-antenas;
4-maxilar; 5-língua; 6-palpo labial

a) língua - tem função de uma bomba de sucção e varia no tamanho


de acordo com a espécie;

b) palpos labiais - é um órgão sensorial, como as antenas, e de


comunicação entre as abelhas;

c) maxilares e mandíbula - importantes elementos de manipulação


fig. 2 : antena e seus artículos dos materiais de construção da colônia e de defesa contra invasores;

O tórax é dividido em três partes (pró, meso e metatórax), em


cada uma delas se inserindo um par de apêndices locomotores
respectivamente (dianteiro, mediano e posterior). É no tórax que estão
também inseridos os dois pares de asas, ficando o anterior, maior,
fixado ao mesotórax e o par posterior, menor, ao metatórax. As asas
são estruturas por demais utilizadas nos trabalhos de identificação de
espécies, mediante a análise da nervura (ou venação), a qual possui
função de irrigar com hemolinfa (sangue), visto que cada espécie
fig. 3 : 8-coxa; 6 e 7-trocanter; 5-corbícula;
4-fêmur; 3-tíbia; 2-tarso; 1-pretarso
apresenta um "desenho" característico desta rede de vasos.

O abdômen, sob o ponto de vista


externo, não apresenta elementos de destaque.
É formado por inúmeros anéis (7 a 8) ligados por
membranas, responsáveis pela plena
movimentação do mesmo.

As patas estão individualmente divididas


nas seguintes partes [figura 3]. Exclusivamente,
no 3º par (posterior) de pernas, mais
precisamente entre a tíbia e o tarso, está
presente uma espécie de escova de pêlos foto 14 - diferença entre o 3º par posterior de macho (1) e operária (2) de
longos, a corbícula [foto 14], responsável pelo Uruçu - detalhe da presença da corbícula na fêmea.

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armazenamento de pólen e resina colhidos pela abelha campeira ou forrageadora. É uma espécie de
"cesta" de transporte utilizada para levar tais recursos coletados na natureza para o interior dos ninhos.

3.2 - morfologia interna


Com relação à semelhança externa com Apis
mellifera, o mesmo podemos afirmar quanto ao estudo
morfológico interno dos meliponíneos [figura 4].
Falaremos muito sobre determinadas glândulas os
compostos produzidos por elas, os feromônios. Antes
de prosseguir, porém, vamos definir exatamente o
significado destas duas palavras:

1º) glândulas - são estruturas internas, formadas por


fig 4: morfologia interna um conjunto de células, que produzem e secretam
substâncias importantes como enzimas e feromônios
ou feromonas; As principais glândulas presentes no corpo
das abelhas sem ferrão estão relacionadas na figura 5.

2º) feromônios - substâncias químicas de função


comunicativa entre os indivíduos, gerada e secretada
através de glândulas espalhadas pelo corpo das abelhas,
importantes na regulação das tarefas que envolvem a
família.

Na cabeça das abelhas estão localizadas


glândulas de vital importância para a manutenção da fig 5: 1-intramandibular; 2-mandibular; 3-hiporafingeana;
4-salivar da cabeça; 5-salivar do tórax; 6-cerígena; 7-tergal;
ordem social dentro da colônia. São glândulas 8-de Koshevnikow; 9-de Dufour; 10-tarsais
encontradas na cabeça das abelhas: intramandibular;
mandibular; hipofaringeana; salivar da cabeça.

Destaque para a glândula mandibular, responsável pela produção de feromônios que, na rainha
(Feromônio Mandibular Real - FMR), controla diversas funções de acordo com o estágio de vida da mesma,
tais como o vôo nupcial e o ritual de postura de ovos. O feromônio mandibular, nas operárias, é atuante na
comunicação e nos trabalhos realizados na colônia. Em algumas espécies serve para outros fins, como
observado em Oxytrigona tataira (caga-fogo) a qual produz substância cáustica utilizada como eficiente
arma de defesa.

Nos machos, tal feromônio é utilizado na comunicação, na coordenação de aglomerações em


presença de rainhas virgens e nos trabalhos, quando estes os executam (vale lembrar que, diferentemente
das Apis mellifera, os machos das abelhas sem ferrão executam certos serviços dentro da colônia). As
glândulas hipofaringeanas são importantes secretoras de substâncias que inibem o desenvolvimento de
microorganismos no mel como, por exemplo, a enzima glucose-oxidade, mas isso é assunto para o último
capítulo.

No tórax, não há grandes órgãos ou estruturas internas, salvo o esôfago e alguns pares de
espiráculos, estruturas responsáveis pela respiração das abelhas. Não são encontradas muitas glândulas,
salvo algumas ramificações das salivares existentes também na cabeça.

Já no abdômen, estão inseridos a maior parte dos órgãos vitais da abelha, com destaque para:

1º) coração - é alongado e fica na parte dorsal, por onde passa a hemolinfa (sangue) incolor e fria,
distribuída pelo restante do corpo através dos vasos ramificados;

2º) papo ou vesícula - onde a abelha armazena o néctar das flores, no transporte deste para suas colônias.
Existe uma válvula de controle de passagem deste néctar, passando apenas o que será aproveitado na
alimentação imediata da abelha;

3º) tubos de Malpighi - são órgãos numerosos e filamentosos, espalhados por todo o abdômen,
responsáveis pela excreção das abelhas (semelhante à função dos rins nos homens).
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4º) aparelho reprodutor nas fêmeas - composto de dois ovários, que ocupam boa parte da cavidade
abdominal, compostos por inúmeros ovaríolos, ligados por um par de ovidutos até a porção da vagina. Na
operária o aparelho não é desenvolvido, o que impossibilita esta casta de produzir ovos fecundados. A
rainha, alem de possuir estes órgãos funcionais, apresenta uma estrutura em forma de bolsa, denominada
espermateca, ligada à vagina e responsável pelo armazenamento dos espermatozóides do macho, que
servirá pela sua vida reprodutiva inteira e garantirá a possibilidade de produzir ininterruptamente ovos
fecundados. A vagina é unida também a uma região denominada "Bursa Copulatrix", onde a parte capsular
do pênis do zangão fica aderida após a cópula no vôo nupcial.

No abdômen, também localizam-se diversas glândulas importantes, tais como as glândulas de


Dufour e de Koshevnikow, mais as glândulas de cera ou cerígenas, localizadas no dorso em meliponíneos
(em Apis mellifera fica na parte ventral). A glândula de Koshevnikow está relacionadas com secreção de
substâncias antibióticas, enquanto a última, como o próprio nome diz, à produção de cera. Com relação à
glândula de Dufour, ainda não há estudos que comprovem sua função, mas tudo indica que está
relacionada à marcações territoriais, sendo que seu tamanho é bem maior nos meliponíneos que em Apis
mellifera. Ainda no abdômen, entretanto presente apenas na rainha, estão as glândulas de Nasanov,
responsáveis pela liberação do feromônio sexual que atrai os machos para a cópula durante o vôo nupcial.

Nas patas estão inseridas diversas glândulas tarsais, responsáveis pelas chamadas "estradas de
cheiro" que são marcações com feromônio corporal (FC) utilizado pelas abelhas campeiras ao longo do
trecho que identifica a localização de recursos florais. Adiante, apresentaremos todos artifícios utilizados
pelas abelhas sem ferrão para comunicarem entre si.

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PARTE I - BIOLOGIA DAS ABELHAS
CAPÍTULO 4 – ORGANIZAÇÃO SOCIAL

4.1 – membros da sociedade

As abelhas sem ferrão são verdadeiramente insetos sociais avançados, apresentando todos os
quatro requisitos característicos de uma sociedade avançada de insetos:

1º)cooperação e comunicação entre indivíduos;


2º)ocorrência de castas sociais com divisão de tarefas (rainha, operárias e zangões);
3º)sobreposição de pelo menos duas gerações (a rainha convive com suas filhas);
4º)estocagem de alimento (mel e pólen).
As colônias, em situações normais, possuem uma rainha com função de reproduzir e comandar o
funcionamento da família, várias gerações de operárias, que fazem tarefas domésticas e externas, além dos
machos, cujo numero vai depender da condição geral da
população no que diz respeito ao seu desenvolvimento.

Os machos de meliponíneos, diferentemente dos


zangões de Apis mellifera, também exercem pequenos trabalhos
dentro da colônia, como a desidratação do néctar, incubação de
favos de cria, manipulação do cerume, defesa do ninho, etc. O
pesquisador português Pedro Cappas, descobriu que alguns
machos de Mandaçaia (Melipona quadrifasciata) também
possuíam corbícula nas patas traseiras, e carregavam pólen. foto 15 - machos de Jataí aglomerados
Entretanto, é importante salientar que, sem operárias, não há próximo a uma caixa.
hipótese qualquer de viabilidade de uma família de abelhas.

Muitas vezes ocorrem surtos de produção de machos


em uma família, ou mesmo a agregação ao redor de uma
caixa [foto 15] ou outro abrigo [foto 16]. Tal fenômeno, em
diversas ocasiões, reflete a existência de uma rainha virgem
prestes a realizar o seu vôo nupcial. Já tive a oportunidade de
observar em Jataí, uma aglomeração de machos pousados
em folhas próximas a uma colônia que enxameara dias antes.
Vôo nupcial e enxameação são assuntos para os próximos
capítulos.

foto 16 - aglomeração de machos de Jandaíra As operárias


de meliponíneos vivem,
em média, de 30 a 60 dias, isto contando apenas sua fase adulta,
após a saída dos favos, sendo quase brancas ao emergirem,
escurecendo (pigmentação) com o passar do tempo. O período que
engloba as fases de ovo - larva - pupa, varia de espécie para espécie,
mas, em média, dura em torno de 36 dias. Após emergirem, ou seja,
durante a vida adulta, desempenham diversas funções [foto 17]
dentro do ninho, seguindo relativamente a seguinte ordem:

faxineiras - nutrizes - arquitetas - soldados – campeiras foto 17 - operária de Friesella schrottkyi


carregando detrito para fora da colônia

(confira a seguir uma síntese das funções das operárias de uma colônia).

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função número de operárias idade
manipulação de cera e cerume 40 - 65 % 0 - 35 dias
armazenamento de pólen 20 - 35 % 5 - 25 dias
limpeza e transporte de detritos 5 - 20 % 10 - 35 dias
recepção e desidratação do néctar 25 - 30 % 20 - 45 dias
guarda – soldado 2-7% 30 - 40 dias
forrageamento - procura por alimentos 30 - 40 % 20 - 60 dias
Adaptação de tabela apresentada por Simões & Bego (1991) apud Velthuis et al.
(1997) em pesquisa com três colônias de Scaptotrigona postica.

A rainha apresenta o abdômen bem dilatado, podendo ser


localizada facilmente a olho nu [foto 18]. Normalmente, ela habita a área
de cria, realizando a postura por entre os favos. Não existem dados
exatos sobre a duração média da vida de uma rainha, mas não deve ser
muito diferente do observado em Apis mellifera que é de 5 a 6 anos em
média. Tudo indica que as rainhas de espécies da tribo Trigonini são de
nascimento mais difícil, porém mais duradouras, comparadas às rainhas
da tribo Meliponini.

Conforme toda sociedade humana, as abelhas também "sobem"


ou "descem" de posição social dentro da colônia. Exemplificando; não é
muito raro observar operárias conquistarem o comando de famílias,
principalmente quando a rainha-mãe está velha ou doente, situação em
que a mesma deixa de exercer o controle sobre os demais membros da
sociedade e, geralmente, é "deposta do seu trono". Dá-se o nome a estas
operárias de "obreiras-rainha". Por outro lado, algumas rainhas virgens,
ao nascerem de seus favos, exercem papel inexpressivo dentro da
colônia, sendo pouco percebida pelas demais operárias. Com o passar do
tempo, esta rainha pode se tornar ativa e ir "subindo" dentro da
sociedade, entrando para a elite, podendo até chegar ao posto de rainha-
mãe da colônia.
foto 18 – rainha de:
A razão de tudo o que foi apresentado acima, se baseia na ação (a) Mandaçaia; (b) Jataí; (c) Guaraipo
e reação dos feromônios que circulam pela colônia e são produzidos
pelas diversas glândulas do corpo das abelhas, tais como os que foram descritos no capítulo anterior
(feromônio mandibular e feromônio corporal). Estas substâncias têm sua composição química alterada
diversas vezes, dependendo da condição de vida momentânea do inseto. As respostas dos membros da
colônia, frente à ação destas substâncias, será destacado ainda quando falarmos do desenvolvimento de
rainhas e dos meios de comunicação entre as abelhas.

4.2 - meios de comunicação

Como toda sociedade que se preza, é indispensável haver entendimento e comunicação entre
seus membros, para que a ordem social seja mantida em favor da comunidade. Nas abelhas, isto não é
diferente. Uma das tarefas mais importantes para as abelhas é a coleta de néctar e pólen, naturais da
vegetação, ou qualquer outro alimento disponível no ambiente (ex.: xarope nos alimentadores artificiais).

As abelhas melíferas (Apis mellifera) utilizam-se de um método interessante e eficaz, para indicar
a localização de recursos alimentares. As operárias, ao regressarem ao ninho, executam uma dança
giratória que, dependendo da forma como é feita, indica com precisão a distância e a direção da fonte
descoberta para as demais obreiras.

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Em meliponíneos, não se observa qualquer tipo de dança como meio de comunicação. Entretanto,
as espécies lançam mão de outras maneiras, não menos eficazes, de indicar a presença e a intensidade de
recursos, naturais ou não. Os padrões de comunicação variam entre as espécies, sendo que algumas
podem utilizar mais de um tipo. Abaixo, estão os três tipos básicos de comunicação utilizados pelas abelhas
sem ferrão:

1º) cheiro + som - A campeira retorna à colônia, impregnada com o cheiro das flores visitadas e produz som
característico. Outras campeiras também absorvem o cheiro e saem, ao acaso, a procura da fonte visitada.
Encontrado, por exemplo, em Frieseomelitta sp.

2º) cheiro + som + corrida + marcações - A campeira, também impregnada com cheiro das flores, produz
som característico e corre em ziguezague dentro da colônia. Ao voltar para a coleta no campo, conduz um
grupo de outras campeiras marcando com feromônio mandibular ou fecal, em vários pontos da vegetação,
uma trilha de cheiro, guiando estas e outras abelhas ao local do alimento. Encontrado, por exemplo, em
Scaptotrigona postica.

3º) cheiro + som + corrida + trilha aérea - A campeira, repetindo os mesmos passos iniciais (cheiro, som e
corrida), recruta outras abelhas a sair da colônia, guiando-as através também de uma trilha de cheiro,
porém aérea. A abelha guia, conhecedora do caminho, voa em forma de hélice e liberta pela glândula tergal
o feromônio corporal, constituindo assim uma larga estrada aérea em forma de tubo. As abelhas recrutas
voam exatamente no interior deste tubo, que pode variar de diâmetro de acordo com a espécie e com o
tempo (em ventos fortes, as guias aumentam o diâmetro do tubo). Pedro Cappas (por e-mail) já detalhou um
tubo de Mandaçaia (Melipona quadrifasciata) com diâmetro médio de 1 metro. Este sistema de
comunicação é utilizado por abelhas da tribo Meliponini e grande parte das Trigonini, sendo que algumas a
utilizam com mais eficácia. Sabe-se que Jataí (Tetragonisca angustula) e Mirins (Plebeia sp., Friesella,
Paratrigona) sofrem mais em presença de ventos fortes para manter suas trilhas aéreas.

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PARTE I - BIOLOGIA DAS ABELHAS
CAPÍTULO 5 – ESTRUTURA DOS NINHOS

5.1 - materiais de construção


O homem e sua ação depredatória já conseguiu banir definitivamente uma inestimável quantidade
de espécies animais e vegetais da Terra. As conseqüências destes atos nocivos, não deixaram de agir
sobre as espécies de abelhas sem ferrão, fazendo com que muitas não possam ser encontradas mais na
natureza ou estejam em processo avançado de extinção.

Apesar da rápida devastação das paisagens naturais de nosso planeta, ainda podemos localizar
inúmeros locais onde as abelhas sem ferrão constróem suas moradias. Seus ninhos naturais podem se
desenvolver no interior de ocos de árvores, cupinzeiros e formigueiros abandonados, cavidades
subterrâneas, postes, paredes, muros, caixas de força, armários, pedreiras, caixas-isca, ou qualquer outro
local onde encontrem quesitos necessários para sua proteção e desenvolvimento.

Na construção e manutenção do espaço dos ninhos, as abelhas lançam mão de diversos "materiais
de construção". São eles :

1º) a cera pura,


2º) o cerume (mistura de cera + resina),
3º) a resina (comparada à própolis das abelhas melíferas),
4º) batume ou geoprópolis (resina + barro).

A cera no seu estado puro, é produzida pelas glândulas cerígenas que estão ativas na fase mais
jovem da abelhas, na qual estas realizam trabalhos de construção (arquitetas). Espécies, como as Jataís e
algumas Mirins, armazenam esta substâncias no seu estado puro, em pequenos depósitos. Alguns autores
também denominam de cera o cerume, que será explicado a seguir, causando alguma confusão a respeito.
O cerume é resultado da mistura da cera pura com a resina coletada
pelas campeiras. É utilizado por certas espécies na formação do invólucro
que cerca toda a área dos favos de cria, e do canudo de entrada de
espécies da tribo Trigonini [foto 19].

Semelhante à própolis utilizada por Apis mellifera, a resina


também é produto da coleta de abelhas forrageadoras de feridas e
exudações de plantas resinosas. Serve para os mesmos fins de vedação
do ninho e defesa da colônia. Quando abrimos a tampa de uma caixa
racional de meliponíneos, percebemos que a mesma está "lacrada" junto
foto 19 - canudo de cerume em Jataí
à caixa por uma camada de resina bem viscosa e pegajosa. Pouco ainda
se sabe da composição química e efeitos terapêuticos da resina dos
meliponíneos, mas já é comprovado que esta substância varia de acordo com a espécie em questão, o local
do ninho, e com a época do ano, uma vez que é o conjunto de vegetais visitados para coleta desta resina
que determinará os elementos químicos que a compõe. O último
material abordado é elaborado através da mistura da resina com barro,
e chama-se batume. Serve na construção da entrada das espécies da
tribo Meliponini e também na delimitação do espaço interno do ninho.

5.2 - elementos de um ninho


Os ninhos naturais das abelhas sem ferrão tem formato muito
variado, uma vez que são construídos de maneira a ajustarem-se
perfeitamente ao espaço escolhido para tal. Embora a arquitetura varie
de acordo com a necessidade, os elementos que os constituem
apresentam-se padronizados em quase todas as espécies de abelhas
sem ferrão, salvo exceções que serão comentadas. Siga os detalhes de
cada elemento, identificando-o junto a [figura 6]:
figura 6 - espaço interno de um ninho

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1º) entrada da colônia - as abelhas sem ferrão constróem seus orifícios
de entrada variando bastante quanto a sua forma, material de construção
e medidas. Conforme já mencionado, a entrada das espécies da tribo
Trigonini seguem o padrão de um canudo feito de cerume [foto 20],
embora hajam diversas exceções [foto 21], enquanto que as da tribo
Meliponini arquitetam-na utilizando o batume como material [foto 22]. A
entrada da maioria absoluta das colônia tem conexão direta com a área
de cria, através da qual a família desvia o excesso de calor produzido
principalmente pelas abelhas mais jovens através da ventilação de suas
asas. Não existe evidência de resfriamento evaporativo por meio da água
transportada até a colônia.

Algumas famílias arquitetam uma entrada principal falsa, que


induz o invasor a penetrar em uma câmara vazia, e outra real que conduz
as abelhas ao ninho
verdadeiro. Este tipo foto 21 - entrada de Arapuá
(Trigona spinipes)
de entrada já foi
descrito em Partamona
testacea e pode estar relacionado com a proteção do
ninho, induzindo o invasor a crer que o ninho está
abandonado. Ao final do dia, diversas espécies lacram a
entrada de seus ninhos com vistas à proteção contra
inimigos noturnos.

foto 20 - entrada de Scaptotrigona (1) e Jataí (2)

2º) área de cria - é o ninho propriamente dito,


onde são construídos os favos de incubação dos ovos e
desenvolvimento das larvas. Em Apis mellifera, as
operárias constróem seus favos orientados na vertical,
destinados tanto para o armazenamento de alimento
como para a postura da rainha e desenvolvimento das
larvas. Os favos de cria dos meliponíneos são
normalmente dispostos horizontalmente na forma de foto 22 - entrada de Uruçu (1) e Jandaíra (2)
discos empilhados [foto 23]. Separando os vários discos
existem pequenos "pilares" que determinam a altura (o espaço
abelha) dentro da qual transita a rainha na tarefa da postura, além de
outras abelhas responsáveis pelo reparo e construção dos favos ou
células de cria. Como exceção à regra, existem algumas espécies que
apresentam favos em espiral, cria em formato de cachos [foto 24], e
uma espécie africana
(Dactylurina staudingeri) que
possui favos verticais tal como
ocorre em Apis mellifera.

3º) invólucro - trata-se de uma


foto 23 - discos horizontais de favos
empilhados. estrutura de aspecto folheado
[foto 25], responsável pela
manutenção de uma temperatura adequada, propícia ao
desenvolvimento larval das futuras abelhas e zangões. Alguns
pesquisadores consideram o invólucro como uma adaptação
arquitetural que ajuda a reter o calor das abelhas imaturas e foto 24 - favos em cacho de Hypotrigona sp.
operárias entre os favos, também amortecendo a flutuação de
temperatura na colônia, mantendo-a entre valores de 34ºC e 36ºC. Em uma pesquisa, David Roubik
constatou uma superioridade de 2ºC a 3ºC na temperatura da área de cria em relação ao espaço na colônia
fora do invólucro. Entretanto, sabe-se que as abelhas sem ferrão possuem menor habilidade em regular a
temperatura no ninho, comparada à Apis mellifera. Tal deficiência, principalmente em baixas temperaturas,
explica o porquê de os meliponíneos terem se espalhado restritos à faixa tropical e subtropical do planeta
(mais detalhes biogeográficos no capítulo 8).

Em determinadas situações, é normal encontrar colônias que não se utilizam desta estrutura de
proteção, como em locais onde o ninho apresenta bom isolamento térmico em relação ao ambiente externo.
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Já tive a oportunidade de capturar uma colônia de Mirim emerina (Plebeia emerina), estabelecida
em uma cavidade dentro de uma parede lateral de uma casa. Não havia na ocasião a presença de
invólucro. Meses depois de estar acondicionada em uma caixa
racional, a colônia construiu uma camada de invólucro bastante
espessa, fato que levou-me à conclusão de que as abelhas não
encontraram na caixa racional a mesma situação de conforto térmico
semelhante àquela vivida quando do abrigo na grossa parede.

4º) potes de alimento - No estoque de provimentos, os meliponíneos


armazenam seus alimentos (mel e pólen) em potes geralmente
ovalados, construídos com cerume [foto 26]. Existem os potes que
guardam somente mel, mais escuros, e os que armazenam pólen.
Ficam localizados ao redor ou acima dos favos de cria, externa ou
internamente à camada de invólucro, dependendo do espaço foto 25 – aspecto folheado do ivólucro em Jataí
disponível na colônia.

Com relação ao pólen, dentro destes potes, as próprias


abelhas inoculam certos tipos de bactérias e enzimas de suas
glândulas salivares, responsáveis pela fermentação e
transformação da estrutura química deste alimento, tornando a
absorção e aproveitamento dos nutrientes mais eficiente. Estas
bactérias, do gênero Bacillus, também produzem substâncias
antibióticas que ajudam na durabilidade do pólen estocado.

Por esta razão, devemos acondicionar pólen de


meliponíneos em refrigeração moderada, não expondo-o ao
congelamento que pode ser fatal para estas bactérias
benéficas. Cada espécie possui um padrão próprio de
fermentação, especificidade esta que sugere evitar a
foto 26 - potes de cerume de Manduri do Mato Grosso transferência de potes de pólen entre colônias de espécies
distintas.

5º) delimitações do ninho - são as paredes, teto e piso que


delimitam e protegem o espaço interno de uma colônia. São
construídas com batume, sendo que algumas espécies ainda
combinam à resina e ao barro, materiais diversos como restos
de casulo, lascas de madeira, insetos mortos, restos de carcaça
animal e excrementos de vertebrados. Estes últimos dois
materiais, são utilizados por inúmeras espécies, com destaque
para Arapuá (Trigona spinipes), Mandaçaia (Melipona
quadrifasciata) e Uruçu (Melipona scutellaris). O mel destes e
de outros meliponíneos de hábitos não muito higiênicos, por
vezes, pode apresentar risco de contaminação e devem passar
por processos que visem garantir a qualidade do produto final. foto 27 ; batume (1); favos (2); potes (3)
Diversos autores têm destacado a Jataí (Tetragonisca
angustula), como espécie das mais higiênicas, superando mesmo as Apis mellifera. Alguns ninhos, sujeitos
a inundações, possuem em seu piso orifícios ou galerias de drenagem da água, elemento que pode ser
constatado principalmente em ninhos subterrâneos [foto 27].

6º) depósito de detritos - está presente na parte inferior do ninho sendo de caráter provisório, ou seja, sofre
constante renovação uma vez que as operárias de função faxineira retiram o lixo produzido pela colônia
repetidamente durante o dia (ver foto 17 - cap 4.1).

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