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Rio de Janeiro
Julho de 2011
i
Autorizo a reprodução parcial ou total desta tese por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo ou pesquisa, desde que
citada a fonte.
patriciaorfila@yahoo.com.br
ii
MODERNIDADES TARDIAS NO CERRADO: DISCURSOS E
PRÁTICAS NA HISTÓRIA DE PALMAS - TO
(1990-2010)
Aprovada por:
_____________________________________________
________________________________________________
Profª. Drª. Lise Sedrez (UFRJ)
______________________________________________
________________________________________________
Profª. Drª. Temis Gomes Parente (UFT)
________________________________________________
Dr. Valnei Pereira (USP)
Rio de Janeiro
Julho de 2011
iii
Reis, Patrícia Orfila Barros dos. Modernidades tardias no cerrado:
discursos e práticas na história de Palmas - TO (1990-2010)/ Reis,
Patrícia Orfila Barros dos. – Rio de Janeiro - Rio de Janeiro:
UFRJ/IFCS, 2011.xi, 227f .Orientadora: Andréa Casa Nova Maia.
Tese (doutorado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/ Programa de Pós-graduação em História Social, 2011, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em
História.
Referências Bibliográficas: f. 221-227.
1. História Social 2. Arquitetura. 3. Urbanismo. 4. Modernidade.
5. Modernismo. 6. Palmas.
I. Reis, Patrícia Orfila Barros dos. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de
Pós-graduação em História Social. III. Título.
iv
À memória de Jorge Luiz do Amaral
v
Com amor ao meu pai Antônio, à
minha mãe Luzimar e à minha família
em Belém e Macapá.
vi
“Cidade é materialidade, uma vez que ela é pedra, tijolo,
ferro, vidro, madeira, cimento, aço, plástico; ela é também
sociabilidade, pois é impensável refletir sobre a cidade sem
considerar as relações sociais, sem interação. A cidade é
sempre obra dos homens e se realiza com atuação da
coletividade, mesmo as cidades abandonadas mostram
através de suas ruínas, o registro do desejo, do sonho, da mão
humana. Mas a cidade é também sensibilidade, como já foi
dito, porque ao longo de toda história foi objeto de discursos
e imagens que traduziram sensações, expectativas, desejos,
medos, sonhos, utopias, razões e sentimento.” 1
Sandra Jatahy Pesavento
1
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Prefácio. In: NASCIMENTO, Dorval; Bitencourt, João. (Orgs.)
Dimensões do Urbano: múltiplas facetas da cidade. Chapecó, SC: ARGOS. 2008, p.10.
vii
RESUMO
Este trabalho tem a cidade como objeto de estudo da história social, com
interdisciplinaridade nas áreas da arquitetura e do urbanismo. Palmas é a mais nova
cidade planejada brasileira, tendo sido inaugurada em 1990 para ser capital do recém
criado Estado do Tocantins. O presente estudo tem por objetivo analisar a construção ex
nihilo de Palmas no período de 1990 a 2010, dentro do contexto do planejamento de
cidades que fizeram parte do processo de modernização do Brasil Central. As dimensões
de análise que interessam particularmente a este estudo são: a historicidade, as teorias e
práticas arquitetônicas e urbanísticas e os discursos políticos envolvidos no processo.
Seria Palmas a configuração de uma modernidade tardia permeada por discursos de
“modernidade e progresso”?
Rio de Janeiro
Julho de 2011
viii
ABSTRACT
The current work focuses on the city as the object of social history, through an
interdisciplinary approach from architecture and urbanism. Palmas is the most recent
state capital in Brazil, established in 1990 as the capital of the also newly created state
of Tocantins. The study analyzes the construction ex nihilo of Palmas between 1990 and
2010, within the context of city planning narratives that were part of the modernization
process in Central Brazil. The key concepts that specifically interest us in this study are:
historicity, architectural and urbanistic theories and practices, and political discourses.
Could Palmas be the setting of a late modernization experience in which discourses of
“modernity and progress” were embodied in the Brazilian Cerrado?
Rio de Janeiro
July 2011
ix
AGRADECIMENTOS
Em dezembro de 2005 vim de São Carlos (SP) de mudança para Palmas, após
tomar posse como professora da recente Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Agradeço à UFT pela oportunidade que ofereceu aos seus docentes, ao firmar convênio
com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O objetivo foi o
desenvolvimento do processo seletivo de um Doutorado Interinstitucional junto ao
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFSCS), por meio do Programa de Pós-
Graduação em História Social (PPGHIS). Agradeço, também, ao Colegiado do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da UFT por aprovar, sem restrições, o meu afastamento das
atividades profissionais durante o ano de 2008.
x
Roberto Conduru durante os difíceis anos iniciais da tese (2008 e 2009), pelas
informações valiosas que me permitiram delimitar o tema desta pesquisa; aos
professores do PPGHIS, pela interação acadêmica proporcionada pelas disciplinas
cursadas ao longo de 2008 e aos agradáveis encontros nos bares cariocas com a turma
do DINTER.
Sem dúvida alguma, o sucesso de uma tese depende e muito da relação entre o
orientador e orientando, por isso meu agradecimento especial à minha orientadora,
Andréa Casa Nova Maia, por acreditar que o tema da cidade na modernidade
republicana brasileira encontra em Palmas, capital do Tocantins, claros exemplos de
práticas, arquitetônicas e urbanísticas baseadas em discursos políticos de progresso e
modernidade (ainda que tardia). Pelas inúmeras conversas via internet, indicações
bibliográficas pontuais, como, por exemplo, a leitura de Peter Burke e sua defesa da
imagem como fonte histórica, muito útil, pois grande parte desta tese foi baseada em
material iconográfico; bem como seus preciosos conselhos sobre o tratamento e a
interpretação das fontes orais, baseadas nos depoimentos por mim coletados. O contato
com Andréa não foi apenas formal, com ela pude desenvolver além da amizade, também
o compromisso de futuras parcerias, entre o Laboratório de Imagem, Memória, Arte e
Metrópole (IMAM - UFRJ)2 – sob sua coordenação - e Núcleo de Estudos Urbanos e
das Cidades (NEUCIDADES - UFT)3, do qual faço parte desde 2006.
À Rosa Maria, que abriu seu lar em Copacabana e me acolheu durante o ano de
2008. Sinto-me privilegiada por ter convivido com pessoa tão generosa, cuja elegância
ímpar é resultado da inteligência refinada de uma mulher madura e independente. Por
tudo isso sempre será eterna fonte de inspiração.
2
IMAM – UFRJ (www.imam.historia.ufrj.br)
3
NEUCIDADES – UFT (www.neucidades.uft.edu.br)
xi
Em Palmas fiz novas amizades ao longo desses seis anos, um tempo em que a
confiança e o respeito foram construídos, sou grata aos momentos em que pude
desfrutar da presença da Mariela Oliveira, Betty Clara, Smaile Daniel, Elvio Quirino,
George Brito, Carlos Eduardo, Márcia de Camargo, Antonio Williamys e à família
Macharet, que me acolheu com muito carinho.
Aos amigos distantes, mas sempre presentes de alguma forma: à Karla Gomes,
minha irmã de jornada há mais de dez anos, companheira de uma vida, cuja
cumplicidade e respeito são irrepreensíveis. Obrigada pelo privilégio de acompanhar a
tua existência, o teu cuidado com a nossa amizade é admirável. Não há como se sentir
sozinha tendo uma amiga como tu e apesar de morarmos em cidades diferentes ao longo
desses anos, nossas trocas de e-mails e ligações foram fundamentais para o meu
conforto emocional; à Amarílis Tupiassú, por acreditar na sensibilidade latente que
existia em mim quando nos conhecemos e que nos momentos de convivência familiar
com os Tupiassú aflorou docemente, inspirada nas histórias envolventes dos habitantes
das matas amazônicas, de amuletos/muiraquitãs da sorte, da Luanda ainda pequenina
recitando Camões, Fernando Pessoa e Olavo Bilac, dos inúmeros almoços repletos de
diálogo, alegria e descoberta, dos passeios à feira do livro, palestras sobre literatura
portuguesa e dos conselhos acadêmicos e fraternos da mãe/amiga Lila. Este universo
inesquecível foi marcante, sendo fundamental para a minha formação moral e
intelectual – algo que só um grande amor é capaz de despertar; ao Japa (Renato Ishii) e
à nossa amizade saudosa, nascida em São Carlos por ocasião do mestrado e que se
alimenta via messenger diariamente. Tempos nostálgicos regados por alegres conversas,
cafés e bolos de iogurte – ou pequenas doses de destilados na companhia da nossa doce
Mariana, momentos incríveis; ao Ernani Vilela, pela surpresa que foi ganhar um novo
amigo por intermédio dessa tese, às nossas longas trocas de e-mail desde 2008, que
ultrapassaram as barreiras da formalidade, adentrando o fantástico mundo das idéias e
dos sentimentos humanos.
xii
Apesar de toda a distância, o apoio familiar foi imprescindível, por isso agradeço
à minha querida mãe, mediadora da família, o grande exemplo de desprendimento e
humildade compartilhado em nosso lar. Obrigada por representar o meu porto seguro, o
colo sempre disponível onde, sem receio, posso depositar minhas lágrimas, tendo a
certeza de que elas nunca serão lançadas contra mim; aos meus irmãos Fábio e André
pelo prazer da convivência em família nos ternos anos da infância e da adolescência,
embora as estradas da vida se bifurquem, levando cada um para destino específico,
quero que saibam que sempre poderão contar comigo; ao meu pai que aos dezoito anos
abriu mão da liberdade da juventude para cuidar da nossa família com todas as
dificuldades materiais inerentes a um jovem de família humilde. Diante de todas as
adversidades ele garantiu a melhor educação para os filhos e se hoje gozo de imensa
segurança e independência isso é fruto do exemplo deste grande homem.
xiii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 21
xiv
3.4.3. Palácio Araguaia: a história oficial do Tocantins retratada em painéis. .. 135
3.4.5. Projetos não executados do plano original da Praça dos Girassóis. ........ 155
xv
INDICE DE FOTOS
xvi
Foto 24: Palácio Araguaia (Sede do Executivo). Projeto: Ernani Vilela, Maria Luci da
Costa (Praça dos Girassóis). ......................................................................................... 137
Foto 25: Detalhe em autorrelevo mostrando a primeira missa realizada em Palmas, no
momento da instalação da Capital, em 20 de maio de 1989. Autor do Painel: Maurício
Mendes (1958-2004). ................................................................................................... 141
Foto 26: Painel 1- História do Antigo Norte de Goiás, Período Colonial (2002). ....... 143
Foto 27: Painel 2 - História do Tocantins, Período Republicano (2002). .................... 143
Foto 28: Painel 2: em destaque as referências ao governador do Tocantins (2002). ... 144
Foto 29: Deputado Siqueira Campos em emblemática greve de fome para aprovar o
projeto de criação do Tocantins (Painel de Maurício Bentes, 2002). ........................... 145
Foto 30: Deputado Siqueira Campos greve de fome para aprovar o projeto de criação do
Tocantins (Painel de Dj Oliveira, 2002). ...................................................................... 146
Foto 31: Estátua do Imperador Augusto 63 a. C. – 14 d. C. Pedra. Museu Gregoriano
Profano, Roma. ............................................................................................................. 149
Foto 32: Estátua de Siqueira Campos. ......................................................................... 149
Foto 33: Palácio Feliciano Machado Braga (Sede do Judiciário). ............................... 152
Foto 34: O Palácio Deputado João D´Abreu (Sede do Legislativo). .......................... 152
Foto 35: Secretaria Estadual (1990). ............................................................................ 153
Foto 36: Catedral de Palmas (Maquete em Exposição no Palácio Araguaia.) ............. 158
Foto 37: Fachada cega dos muros dos fundos das residências, na quadra 203N. ........ 166
Foto 38: Calçamento interrompido na Quadra 202N. .................................................. 169
Foto 39: Ausência de calçamento na Quadra 206N. .................................................... 169
Foto 40: Totem de indicação de avenida. ..................................................................... 172
Foto 41: Totem de indicação de quadra de 4,40mx0,80m de largura. ......................... 172
Foto 42: Condomínio residencial na Quadra 205N. .................................................... 184
Foto 43: Praça não utilizada, na Quadra 204N. ........................................................... 187
Foto 44: A Avenida Central do Núcleo Bandeirante .................................................... 190
Foto 45: Antigos moradores de Taquaralto .................................................................. 191
xvii
INDICE DE FIGURAS
xix
INDICE DE SIGLAS
xx
INTRODUÇÃO
21
A cidade-alma foi primeiramente matéria-prima dos poetas, cronistas,
romancistas, teólogos, filósofos que desenharam perspectivas românticas às novas
formas de apropriação dos espaços da modernidade. Podemos destacar no imenso rol
literário alguns nomes, como Edgar Allan Poe, com o poema “O Homem da multidão”,
em que expõe o fascínio diante do mistério que se esconde na multidão; Charles
Baudelaire que, nos poemas “Les petites vieilles” e “A une passante”, traz à tona o
burburinho urbano e a misteriosa moça que passa na diversidade de tipos humanos; já
Victor Hugo, em “Os Miseráveis”, “Notre Dame de Paris” e poemas selecionados,
destaca a grande cidade moderna mergulhada na cidade antiga, isso com certa dose de
nostalgia; Bertold Brecht, em “Perguntas de um trabalhador que lê”, questiona a
trajetória daqueles que, na história, permanecem nos bastidores das construções
humanas; Charles Dickens manifesta seu profundo conhecimento das ruas londrinas;
Honoré de Balzac e a influência das cidades, das metrópoles artificiais, sobretudo de
Paris, em La Comédie. Esses escritores e obras ilustram em que medida o imaginário
citadino permeia a vasta literatura, desvendando assim facetas da possível alma das
cidades.
Por outro lado, a cidade-corpo foi objeto de observação dos higienistas e dos
médicos, que lançaram “olhares profiláxicos” e propuseram “reformas urbanas”, como
se a cidade se assemelhasse a um grande organismo vivo, porém doente, necessitando
de intervenções cirúrgicas – o caso mais conhecido e um dos primeiros foi a Paris de
Haussmann do século XIX. No Brasil verificamos o caso do Rio de Janeiro e as
intervenções de Pereira Passos (1903) e, de certa maneira, as modificações ocorridas no
projeto de Aarão Reis para a Belo Horizonte de 1897.
Andréa Casa Nova Maia e Valnei Pereira nos apresentam Belo Horizonte e as
mutações urbanas ocorridas no projeto inicial, buscando elos históricos para refletir
sobre a cidade moderna e contemporânea, num momento em que as transformações
citadinas apresentam fortes associações com a ação política. Os autores reforçam a tese
de modernidade tardia brasileira e apresentam a antiga Belo Horizonte, tendo seus
espaços de sociabilização destruídos para a construção de mais uma avenida - como
prenúncio da “civilização” e do progresso.4
4
MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos: projetos em
perspectiva comparada. Revista de História Comparada. Pós-Graduação em História Comparada
22
Enfim, refere-se à cidade-modelo, criada pelos urbanistas, que pretenderam
investigar a urbe com auxilio da técnica e do “olhar científico”, ao longo do século XX.
Para Pechman5 (1994), os urbanistas seguem transformando a cidade, que passa de
problema a objeto de estudo. Com sua reflexão sobre urbanismo, os estudiosos anseiam
alcançar a síntese das múltiplas visões que convergem ao entendimento da figura
cidade. Ao transformar-se numa disciplina, o urbanismo conduz a uma ruptura
epistemológica, considerado seu objeto, pois aquilo que o urbanismo visa não é mais à
cidade curada (das epidemias), a cidade ordenada (das disciplinas), a cidade estetizada
(da arquitetura) ou a cidade reformada (das obras mecanicistas de engenharia e
topografia); o urbanismo visa à cidade modelo.
(PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume
3/Número 1 - Junho de 2009.
5
PECHMAN, Robert. Os olhares sobre a cidade. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994, p.7.
23
(Entre memória e história – a problemática dos lugares (1993), Peter Burke (A
Fabricação do Rei: A Construção da Imagem pública de Luís XIV, 1994 e Testemunha
Ocular – História e Imagem, 2004) e José Murilo Carvalho (Formação das almas. O
imaginário da república no Brasil, 1990).
O quarto capítulo se abre a uma reflexão crítica sobre a memória dos lugares
praticados, às apropriações e ressignificações plurais dos símbolos e emblemas
arquiteturais e urbanísticos, remontando questionamentos sobre as identidades que se
constroem no viver a cidade, com rememoração ao Flâneur e sua nova condição na
cidade contemporânea, a dimensão espacial do cotidiano e o papel da proximidade vista
a cidade de Palmas.
24
No âmbito de teses de doutoramento, dois trabalhos se destacam por tratar do
aspecto urbanístico e arquitetônico de Palmas. Comento por primeiro o da pesquisadora
Valéria da Silva, Girassóis de Pedra – Imagens e metáforas de uma cidade em busca do
tempo (2008). Este trabalho analisa o imaginário da cidade projetada e implantada,
constituída num tempo compacto e, ainda, como esse espaço se organiza no tempo
ausente, apresenta traços e encaixes na realidade do pós-modernismo. Brasília e Palmas,
segundo a autora, são cidades do tempo ausente que, diferente do de demais cidades não
planejadas ou projetadas, têm o seu espaço-tempo surgido simultaneamente. Destaco
depois a tese de Glauco Cocozza (2007), Paisagem e Urbanidade, os limites do projeto
urbano na conformação de lugares em Palmas que identifica a gênese urbana da Vila
União, unidade circunvizinha a Palmas onde o determinismo do plano confronta-se com
formas espontâneas de apropriação, e cria uma nova face na conformação de lugares na
cidade planejada.
6
Expressão em latim, muito apropriada dentro deste contexto, que significa “a partir do nada”. Termo
também utilizado por Yves Bruand, no livro Arquitetura Contemporânea no Brasil (1991), página 346,
em item que aborda a criação de novas cidades no Brasil.
25
George Francis recomendou a coleção sistemática de fotografias como “a melhor forma
possível de retratar nossas terras, prédios e maneiras de viver”.7
7
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p. 25.
8
SOUZA, Eneida Maria de. Modernidades Tardias. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
26
No andamento da pesquisa bibliográfica que antecedeu à concretização desta
tese, observamos quanto a escrita da história das cidades incita a compreensão humana e
quanto a elevação dos espaços de morar reflete a organização política e social dos
edificadores, sua concepção de memória atravessada pelos significados de poder e
domínio. Quando nos detivemos na escrita deste trabalho, levamos em conta essa
questão, daí esta tese vertida ao entendimento do Brasil que se expande, que busca
ocupar seu território continental. A fundação de uma cidade no vazio do Cerrado.
Palmas, na perspectiva do urbanismo dito moderno. A concretização de um projeto
talvez mais político que urbanístico. Este é o objetivo desta tese que, espera-se, seja
mais um passo à compreensão do urbanismo no Brasil.
27
CAPÍTULO 1 - Olhares sobre a cidade do sensível ao científico: a cidade-alma, a
cidade-corpo e a cidade-modelo.
O tema cidade e modernidade estão tão imbricados que é vago citar um sem
mencionar o outro. Cabe destacar que as análises desenvolvidas neste estudo estão
relacionadas à cidade capitalista (ou seja, aquela que se desenvolveu de meados do
século XVIII em diante), produto de profundas mudanças tecnológicas com a máquina a
paulatinamente substituir o trabalho humano. O fenômeno urbano tem como palco a
cidade, e, como a conhecemos hoje, um produto da modernidade por excelência, pois é
nela que se processam infinidades de experiências, modos de convívio. A cidade é uma
realidade múltipla, afirma Ítalo Calvino, apreendida segundo perspectivas várias, mas é
preciso estar atento, como nos mostra o personagem Marco Polo:“jamais se deve
confundir uma cidade com o discurso que a descreve”.9 Nos tópicos que se seguem,
trataremos dos conceitos de modernismo, modernidade, moderno e modernização,
conceitos que se entrelaçam e muitas vezes são confundidos. As definições servirão de
base para a compreensão da cidade moderna a partir de três olhares, que definimos da
seguinte maneira: a cidade-alma, a cidade-corpo e a cidade-modelo.
9
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. (Tradução: Diogo Mainardi). São Paulo: Companhia das
Letras, 1998, p. 59.
28
1.1. Modernismo não é modernidade
Definir o advento da modernidade não é uma das tarefas mais fáceis, como diria
Kenneth Frampton, em sua obra intitulada História Crítica da Arquitetura Moderna,
“tende-se a recuá-la, se não a renascença, pelo menos àquele momento de meados do
século XVIII em que uma nova visão da história levou os arquitetos a questionar os
cânones clássicos de Vitruvius e a documentar vestígios do mundo antigo a fim de
estabelecer uma base mais objetiva sobre a qual trabalhar.” 11
10
BAUDELAIRE. In: BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da
modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p. 357.
11
FRAMPTON, Kenneth. História critica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997,
p. 9.
12
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Unesp,
1991, p.11.
29
é o esforço intelectual dos pensadores iluministas do século XVIII em colocar a ciência,
a racionalidade e a objetividade a serviço do próprio homem.13
Marshall Berman afirma que esta nova ordem que se impõe e que foi definida
como modernidade representa “agitação e turbulência, aturdimento psíquico e
embriaguez, expansão das possibilidades de experiência e destruição das barreiras
morais e dos compromissos pessoais, auto-expansão e autodesordem, fantasmas na rua e
na alma.” 15
Quando se trata do termo ‘modernismo’, Giulio Carlo Argan defende que este
conceito se refere às correntes artísticas das últimas décadas do século XIX. Para o
autor, a experiência urbana na formação da dinâmica cultural de diversos movimentos
modernistas foi uma reação à profunda crise da organização, do empobrecimento e do
13
SOMEKH, Nadia. A cidade vertical e o urbanismo modernizador. São Paulo: Studio Nobel: Editora
da Universidade de São Paulo: FAPESP, 1997, p. 36.
14
ARANTES, Otília & Paulo Eduardo. Um ponto cego no projeto moderno de Jurgen Habermas. São
Paulo, Brasiliense, 1992.
15
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986, p. 18.
16
Marshall Berman, op. cit., p. 391.
17
MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos: projetos em
perspectiva comparada. Revista de História Comparada. Pós-Graduação em História Comparada
(PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume
3/Número 1 - Junho de 2009, p. 3.
30
congestionamento urbano, em que toda uma tendência de prática e pensamento
modernista foi diretamente moldada.18
É desta forma que podemos analisar o caso de Palmas, a sua criação ex nihilo,
que aconteceu no final do século XX, encarando o modernismo apenas como “forma” e
a modernidade como “tardia”, tendo em vista a localização da nova capital (distante dos
grandes centros urbanos), o contexto de atraso cultural, político e econômico no qual
surge o Tocantins. O símbolo de modernidade que foi incutido a Palmas é resultado de
uma estratégia política regional, de um certo ponto de vista até previsível, de um grupo
fundador, que utilizou o signo arquitetônico e urbanístico de Brasília como fonte de
inspiração.
18
Apud SOMEKH, Nadia. A cidade vertical e o urbanismo modernizador. São Paulo: Studio Nobel:
Editora da Universidade de São Paulo: FAPESP, 1997, p. 36.
19
MACIEL, Carlos Alberto. Modernidade ainda que tardia. MDC – Revista de Arquitetura e
Urbanismo, Belo Horizonte/Brasília, n.1, p. 4-5.
31
Para o pesquisador Hugo Segawa, não há definição unívoca de modernidade. Se
na Europa o problema é objeto de entendimento diverso, o conceito de moderno no
Brasil é ainda mais controverso, precisamente pela necessidade de examiná-lo sob uma
ótica apropriada à realidade local – sem descurar de sua entropia com um meio mais
amplo.20
Chico Buarque22
20
SEGAWA, H. Arquiteturas no Brasil: 1900-1990. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1997, p. 16.
21
MACIEL, Carlos Alberto. Modernidade ainda que tardia. MDC – Revista de Arquitetura e
Urbanismo, Belo Horizonte/Brasília, n.1, p. 4-5.
22
BUARQUE, Chico. As Vitrines. Composição de Chico Buarque.
32
As Vitrines, música de Chico Buarque espelha o cenário onde o flâneur é o
personagem principal da cidade e que na visão de Walter Benjamim, surge no universo
parisiense do século XIX, nos versos do poeta Baudelaire.
A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos prédios,
sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes. Para ele,
os letreiros esmaltados e brilhantes das firmas são um adorno de parede tão
bom ou melhor que a pintura a óleo no salão do burguês; muros são a
escrivaninha onde apóia o bloco de apontamentos; bancas de jornais são suas
bibliotecas, e os terraços dos cafés, as sacadas de onde, após o trabalho,
observa o ambiente. 23
23
BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas III: Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo.
Editora Brasiliense, 1989. p. 35
24
Walter Benjamim, op. cit; p. 42.
33
Uma embriaguez apodera-se daquele que, por um longo tempo, caminha a
esmo pelas ruas. A cada passo, o andar adquire um poder crescente; as
seduções das lojas, dos bistrôs e das mulheres sorridentes vão diminuindo,
cada vez mais irresistível torna-se o magnetismo da próxima esquina, de uma
longínqua massa de folhagem, de um nome de rua.25
Para Marshall Berman, Baudelaire “pôde ver-se não só como expectador, mas
como participante e protagonista dessa tarefa em curso; seus escritos parisienses
expressam o drama e o trauma aí implicados. Baudelaire nos mostra algo que nenhum
escritor pode ver com tanta clareza: como a modernização simultaneamente inspira e
força a modernização da alma dos seus cidadãos.” 26
A cidade de Paris experimenta no período que vai de 1853 a 1869 uma série de
mudanças significativas em sua aparência. Os Grands Travaux de Paris promovidos por
Napoleão III foram realizados quando a cidade atingia um milhão de habitantes. As
intervenções foram formuladas e colocadas em prática em um tempo bastante curto, por
Georges Eugène Haussmann (1809-1891) administrador do Sena no período de 1853 a
1869 (Figura 1).
25
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/Imesp, 2007 [1935], p.
462.
26
Marshall Berman, op. cit; p. 168.
27
BURITO, Iranilson; ARAÚJO, Silvera; Martins, José. Ruídos, marcas e caminhos na escrita da
cidade moderna: apontamentos de um balanço historiográfico. Portal Vitruvius. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp533.asp. Acesso em: 09 de Fev de 2010.
34
Figura 1: Mapa das intervenções de Haussmann em Paris. Em traço cheio as ruas; em quadriculado, as novas
expansões, em tracejado, os novos parques e jardins.
Fonte: LAMAS (2007), p. 213.
35
Leonardo Benévolo, em História da Arquitetura Moderna, no capitulo em que
menciona o plano de Haussmann, ressalta que o mais importante com relação às
intervenções em Paris foi o fato de ter sido “o primeiro exemplar de uma ação
suficientemente ampla e enérgica para acompanhar o passo das transformações que
ocorrem em uma grande cidade moderna, e para regulá-las com determinação ao invés
de sofrê-las passivamente.” 28As justificativas de Haussmann para a execução das obras
na grande Paris eram relacionadas diretamente às deficiências da cidade antiga em
suportar o crescimento populacional.
O ‘retalhamento’ da cidade de Paris foi iniciado pelo seu núcleo medieval, que
foi cortado em todos os sentidos, destruindo antigos bairros e inibindo focos de antigas
revoltas. A prática foi baseada na abertura de ruas largas e retilíneas que tornavam a
cidade mais fluída entre suas diferentes partes. Haussmann evitou destruir os
monumentos mais relevantes, valorizando-os como centro das novas perspectivas
viárias.
28
BENÉVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004, p.
106.
29
Leonardo Benévolo, op. cit., p. 96.
30
Marshall Berman, op. cit; p. 102.
36
imperial de Napoleão III, estava implantando uma vasta rede de bulevares no
coração da velha cidade medieval. Napoleão e Haussmann conceberam as
novas vias e artérias como um sistema circulatório urbano. Tais imagens,
lugar-comum hoje, eram altamente revolucionárias para a vida urbana do
século XIX. Os novos bulevares permitiram ao tráfego fluir pelo centro da
cidade e mover-se em linha reta, de um extremo a outro – um
empreendimento quixotesco e virtualmente inimaginável, até então.31
A proposta da abertura de grandes avenidas não foi apenas uma solução para
resolver o problema da circulação de Paris, também foram levados em consideração
interesses militares de Napoleão III nas intervenções urbanas, conforme nos mostra
Benévolo:
A experiência urbanística de Paris foi a mais notória, pelo fato de ter sido a
primeira de um plano regulador em grande escala para uma cidade moderna, plano
31
Marshall Berman, op.cit,. p. 171.
32
Leonardo Benévolo, op. cit., p. 96.
37
surgido a partir de uma nova ordem econômica, idealizado e traduzido para a realidade,
com controle administrativo, financeiro, técnico e formal.
33
Arquiteto, urbanista e pintor francês de origem suíça, responsável por trazer ao Brasil os princípios que
nortearam o movimento moderno na arquitetura e no urbanismo, considerado um dos mais importantes
arquitetos do século XX. A influência de Le Corbusier na formação do pensamento urbano-arquitetônico
moderno foi muito grande, estendendo-se da Europa ao Brasil e ao Japão, marcando profundamente
arquitetos como Niemeyer, Reidy ou Lúcio Costa, em realizações como Brasília. (Lamas, 2000, p. 356).
34
Nadia Somekh, op. cit; p. 39.
38
1.3. As cidades-capitais planejadas ou reformadas para a modernidade
republicana brasileira
Rio de Janeiro em 1900 era habitado por 746.749 habitantes – sua população
aumentou 271% em relação à de 1872; São Paulo, nesse mesmo período, teve
um aumento populacional da ordem de 870%, com 239.820 habitantes na
virada do século; Belém quase duplicou sua população de 53150 habitantes
em 1872 para 96.560 em 1900.35
“Se uma cidade quiser se anunciar àqueles que nela chegam, surpreendendo-
os pelo charme e esplendor de suas construções, precisará, pois, de alguns
relevos que a realcem e sobre os quais ela possa erguer as obras de
arquitetura das quais se orgulhe.”37
Rio de Janeiro, Recife, Santos, São Paulo, Manaus, Salvador, Fortaleza, Belém e
várias cidades do Rio Grande do Sul contaram com empresas que instalaram e operaram
sistemas de drenagem, abastecimento de água e esgoto urbanos, companhias de gás,
serviços de eletricidade e transporte urbano.
37
SALGUEIRO, Heliana Angotti. O pensamento francês na fundação de Belo Horizonte: das
representações às práticas. In: SALGUEIRO Heliana Angotti (Org.). Cidades Capitais do Século XIX.
São Paulo: EDUSP, 2001, p. 136.
38
DINIZ, Anamaria. Goiânia de Attilio Correa Lima (1932 -1935) – ideal estético e realidade
política. Dissertação de mestrado, Brasília, 2007; p. 30.
39
Heliana Salgueiro, op. cit; p.136 e 137.
40
1.3.1. Belo Horizonte
40
Heliana Salgueiro, op. cit; p.142.
41
Idem.
41
Figura 2: Plano de Washington de L´Enfant – 1791.
Fonte: DINIZ, Anamaria (2007), p. 33.
42
JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna. BH Horizontes Históricos, Eliana
F. Dutra (org.), BH, 1996, p. 57.
42
Figura 3: Plano de Belo Horizonte de Aarão Reis (1893).
Fonte: DINIZ, Anamaria (2007), p. 33
43
Foto 2: Belo Horizonte: imagem de postal de 1955.
Fonte: SEGAWA (1997), p. 20.
Ficou evidente, no caso de Belo Horizonte, nos trechos dos relatórios técnicos
sobre o planejamento da nova capital, a contraposição entre o antigo e o novo. “Negam-
se as velharias tanto quanto se afirmam as novidades.”43 Nessa representação, a lógica
do efeito visual do conjunto e de suas partes conta mais do que a memória de um
passado considerado atrasado, cuja imagem deve ser apagada.
De acordo com Heliana Salgueiro, existem pelo menos três cidades sucessivas
em Belo Horizonte: a do final do século XIX e começo do XX no traçado central, onde
sobraram casas isoladas e edifícios públicos; depois a Belo Horizonte que acolheu o
modernismo lírico da Pampulha, diferente do Movimento Moderno europeu e
43
Heliana Salgueiro, op. cit; p. 159.
44
coexistente com o surto de art déco; e a Belo Horizonte atual, com as imagens da cidade
que sobe e se justapõe, sem controle, às outras. 44
Nesta mesma direção analítica sobre os três tempos de Belo Horizonte, Andréa
Maia e Valnei Pereira destacam os processos conformadores da geografia cultural e de
poder para a Belo Horizonte atual, que, segundo eles está ancorada numa sucessão
mítica entre o plano e a política. Parecem atualizar os outrora simbólicos Plano Original
da Nova Capital, de Aarão Reis, de 1897 e Plano da Pampulha, de Juscelino
Kubitscheck de 1943. Os Planos da Linha Verde e da Transferência do Governo
Estadual de Aécio Neves, de 2007, mimetizam essas experiências, a expensas dos seus
altos custos sociais, das suas imposições antidemocráticas e dos novos sentidos que
produzem sobre o viver urbano.45
Belo Horizonte foi pensada para ser uma capital administrativa e outro fato
notório é que no espaço planejado não havia uma área prevista para alojar a população
mais pobre, que, como em todos os casos de cidades construídas a partir do nada,
representam um grande contingente de trabalhadores e imigrantes.
44
Heliana Salgueiro, op. cit; p. 161.
45
MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos: projetos em
perspectiva comparada. Revista de História Comparada. Pós-Graduação em História Comparada
(PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume
3/Número 1 - Junho de 2009.
46
Heliana Salgueiro, op. cit; p. 164.
47
Ibid; p. 166.
45
Em capítulos posteriores esse processo de densificação periférica e o imenso
vazio central que se conforma em cidades planejadas serão mostrados também nos casos
de Goiânia, Brasília, e, sobretudo, no caso de Palmas.
48
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 334.
46
urbanista Hugo Segawa: “conciliar a erradicação das epidemias que varreram a cidade
ao longo do século 19, afastar a população pobre de setores estratégicos para a expansão
urbana e conferir à paisagem uma estética arquitetônica de padrão europeu
caracterizaram iniciativas para a modelagem de um Brasil condizente com o figurino de
uma nação civilizada.”49
49
Hugo Segawa, op. cit., p. 21.
50
Yves Bruand, op. cit; p. 334.
51
Idem.
47
arquitetura de padrão superior. Foram derrubados todos os prédios próximos aos Arcos
da Lapa e o Morro do Senado, com o objetivo de liberar passagem para a Avenida Mem
de Sá. Para a abertura da Avenida Passos foi demolido o Largo de São Domingos. Após
a conclusão do alargamento da rua da Vala (Rua Uruguaiana atualmente) em 1906, que
custou a demolição de todo o casario de um dos lados da rua, esta passou a abrigar as
melhores lojas do início do século.
52
Anamaria Diniz, op. cit., p. 37.
48
Outro nome que surge no cenário do urbanismo carioca em 1927 é o do arquiteto
Donnat Alfred Agache53 (1875 – 1959), profissional de renome do urbanismo francês
desde 1910. Em junho de 1927 desembarcou na cidade do Rio de Janeiro para realizar
cinco conferências, a pedido do prefeito Antonio Prado Junior, que tinha como objetivo
sensibilizar a sociedade civil sobre a necessidade de elaborar um Plano Piloto da Capital
do país (realizado entre 1928 e 1930). As cinco conferências tinham como temática os
princípios do urbanismo, as realizações de um plano para a cidade e a difusão do
urbanismo francês. Agache utilizou nesse projeto princípios clássicos, como o traçado
de quarteirões para a definição do espaço, utilizando todas as ferramentas do urbanismo
barroco-hausmanniano, constituído por avenidas, boulevards, praças e traçado
geométrico (Figura 4).
53
Donnat Alfred Agache pertence ao conjunto de arquitetos que iniciam a divulgação do urbanismo como
prática e ciência de estudo e intervenção nas cidades. Co-fundador, em 1914, da Societé Française dês
Urbanistes, a sua atividade desenvolve-se quer como autor de numerosos planos, sendo chamado
diretamente por Governos de países com problemas de ordenamento urbano, quer como vencedor de
concursos internacionais (Camberra, 1913), quer ainda como teórico e animador de debates sobre a
higiene urbana e a jovem disciplina urbanística (Lamas, 2000).
49
Figura 4: Jardins Projetados na Ponta do Calabouço (Aquarela) e croqui da Praça do Castelo,
Centro de Negócios (Rio de Janeiro).
Fonte: LAMAS, José (2000), p. 277.
50
Figura 5: D. A. Agache: Plano do Rio de Janeiro.
Fonte: LAMAS, José (2000, p.275).
54
LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho das cidades. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000, p. 278.
51
No entanto, o Plano Agache não foi executado e aconteceu devido à falta de
continuidade administrativa muito comum no Brasil. O sucessor do prefeito Antônio
Prado Júnior não quis levar à frente os planos do seu predecessor. Mas ainda que o
Plano Agache não tenha sido efetivado, o aprendizado que os arquitetos brasileiros
tiveram com o plano foi considerado, por muitos autores, como a prévia lição de uma
ciência bastante nova para eles, que antecedeu e de certa forma preparou os jovens para
a vinda de Le Corbusier ao Brasil, cujos princípios do urbanismo e da arquitetura
modernista foram mais absorvidos.
52
Foi nessa visita que ele desenhou os famosos croquis para o Rio de Janeiro, em que uma
gigantesca estrutura arquitetônica repousa na majestosa paisagem natural (Figura 6).
55
LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho das cidades. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000, p. 276.
56
Lúcio Costa nasceu em Toulon em 1902, filho de almirante em missão militar na Europa. Viveu na
França até os dez anos e, após uma breve passagem pelo Brasil, embarcou para a Inglaterra, ainda em
função do trabalho do pai. Lá freqüentou a Royal Grammar School. Deixando a Marinha em 1914, o
militar proporcionou nova viagem a família, agora incluindo a Suiça. Retomando ao Brasil em 1916 em
razão da guerra, Lúcio Costa entrou no ano seguinte na secção de pintura da Escola Nacional de Belas
Artes e transferiu-se no meio do curso para a de arquitetura, na qual diplomou em 1922. Colaborou no
importante escritório de Heitor de Mello e realizou por sua conta uma viagem de estudos à Itália em
1926/27, antes de se fixar definitivamente no Rio de Janeiro (Durand, 1991).
57
Oscar de Almeida Soares, nascido no Rio em 1907, neto, por parte de mãe, de um ministro do Supremo
Tribunal Federal e de uma grande proprietária de terras e escravos. Seu pai, que trazia Soares no nome de
batismo, ficou órfão aos cinco anos e foi criado por um tio, o engenheiro Carlos Conrado Niemeyer, de
quem Oscar adorou o sobrenome. Após um secundário em escola religiosa, Niemeyer cursou arquitetura
53
O terreno destinado à implantação do prédio do Ministério da Educação e Saúde
(MES) era longe do mar e no centro da cidade e isso não agradou Le Corbusier, que o
qualificou posteriormente como “terreno sujo dentro do bairro de negócios”. Isso fez
com que ele próprio indicasse outro terreno perto do aeroporto e próximo ao mar.
Porém, não sendo possível acatar a vontade do arquiteto, o prédio foi edificado no
primeiro local proposto.
na ENBA entre 1929 e 1934. Construída na lógica carismática do talento, a carreira de Niemeyer
começou com a participação no projeto do MES, capitalizando a versão de um desempenho surpreendente
(Durand, 1991).
54
Figura 8: Segundo anteprojeto para o Ministério da Educação e Saúde.
Rio e Janeiro (Terreno utilizado), 1936.
Fonte: BRUAND (1991), p. 85.
58
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p 88.
55
Foto 3: Edifício do Ministério da Educação e Saúde.
Rio e Janeiro (prédio executado pela equipe
brasileira). 1936 a 1943
Fonte: BRUAND (1991), p. 88.
56
A importância da participação de Le Corbusier na concepção desse projeto não
pode ser negada. No entanto, o projeto revelou o talento da equipe brasileira em
conjugar os novos saberes introduzidos pelo mestre a uma solução peculiar que exigia o
projeto do ministério.
Em 1937, quando o projeto ficou pronto, Costa enviou uma cópia das plantas
a Le Corbusier em Paris e recebeu uma saudação elogiosa. Interrompidos os
contatos durante a guerra, só depois dela Le Corbusier ficou sabendo, através
de fotografias, que o prédio fora construído. Ficou agastado com os
brasileiros, reclamando remuneração pelos projetos desenvolvidos em 1936
(que, em seu entender, não poderia estar incluída no pagamento das
conferências) e um reconhecimento mais claro de sua condição de autor. Em
represália, Le Corbusier publicou em suas Obras completas uma série de
croquis do prédio. Costa percebeu que eles haviam sido feitos a partir das
fotos do prédio pronto e respondeu com uma carta enérgica.60
59
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 89.
60
DURAND, José Carlos. Le Corbusier no Brasil: Negociação Política e Renovação Arquitetônica.
Contribuição à História Social da Arquitetura Brasileira. RBCS. Ano 6, julho de 1991, p. 11.
61
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p 81.
57
As contribuições de Le Corbusier aos arquitetos brasileiros podem ser
destacadas em três pontos básicos: o seu método de trabalho (particularmente a
aplicação dos cinco pontos da nova arquitetura: utilização de pilotis, terraço-jardim,
planta livre, fachada livre e janelas na horizontal), há também a preocupação com os
problemas formais e a valorização dos elementos locais.
58
A experiência transmitida por Le Corbusier, nas seis semanas de trabalho
intensivo desenvolvido com a equipe, influenciou profundamente os jovens
brasileiros que dela faziam parte, modificando-os profundamente com esse
breve contato. Desse trabalho resultou o celebre edifício do Ministério da
Educação e Saúde, concluído em 1943, marco da transformação decisiva da
arquitetura contemporânea no Brasil.62
Para Durand, vinte anos depois do projeto para o MES, a frágil resistência do
academicismo estava vencida, ou seja, havia consenso para se acatar o ‘modernismo’.
Segundo ele, “com Brasília, o legado Corbusiano foi posto inteiramente em ação, pois
além dos palácios onde Niemeyer realizou à vontade a plástica das curvas, esteve
presente a possibilidade de um desenho urbano inteiramente conforme aos princípios da
Carta de Atenas63. Só que, já estando construídas as fronteiras sociais do campo, não
havia necessidade de chamar outra vez Le Corbusier.” 64
62
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p 81.
63
A Carta de Atenas foi o documento escrito por Le Corbusier, na quarta conferência do CIAM realizado
na Grécia em 1933 e que definiu as quatro funções básicas do planejamento urbano: moradia, trabalho,
lazer e circulação.
64
DURAND, José Carlos. Le Corbusier no Brasil: Negociação Política e Renovação Arquitetônica.
Contribuição à História Social da Arquitetura Brasileira. RBCS. Ano 6, julho de 1991, p. 11.
65
HOLSTON, James. A Cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia. São Paulo: Cia. das
Letras, 1993, p. 37
59
planos determinarão a estrutura de cada um dos setores atribuídos às quatro
funções-chave e fixarão a localização respectiva dentro do conjunto.66
A descrição da cidade criada por Le Corbusier nos remete à urbe Utopia, obra de
Thomas More, guardando as devidas circunstâncias temporais que as separam e
afastando o anacronismo, uma descreve um ambiente medieval, o caminho da perfeição
através da política; a outra a cidade moderna, apoiada em questões puramente técnicas,
conforme Le Corbusier costumava destacar em seus textos, ambas trazendo a lume a
proposta de cidade ideal.
66
LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho das cidades. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000.
67
LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins, 1992, p. 84.
68
Le Corbusier, op. cit; p.156.
60
1.5 Do litoral para o oeste do país: Goiânia, Brasília e Palmas.
Trinta anos mais tarde surge Brasília, após concurso público realizado em 1957,
cujo vencedor foi o arquiteto Lúcio Costa. A nova capital Federal foi a meta-síntese do
governo do presidente Juscelino Kubitschek. O período em que Juscelino Kubitschek
foi presidente (1956 -1961) ocorreu sob um clima de liberdades políticas, o que
colaborou para o empreendimento de metas de governo bem definidas e com isso
conquistou a opinião pública.
69
Attilio Corrêa Lima (1901 – 1943) foi um arquiteto e urbanista brasileiro responsável pelo Plano
Urbanístico de Goiânia, Plano Urbanístico de Volta Redonda, Plano de Reurbanização de Niterói, Plano
de Reurbanização de Recife e da Estação de Hidro-aviões do Aeroporto Santos Dummont.
70
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Brasília: a meta-síntese. Disponível em: < http://www.cpdoc.fgv.br>.
Acesso em 20 de janeiro de 2009.
61
No campo da política nacional, o país continuou caminhando rumo ao processo
de interiorização, que foi iniciado por Getúlio Vargas e, neste sentido, continuada por
Juscelino com a construção de Brasília, centralizando a Capital Federal e ocupando o
Planalto Central brasileiro.
Mais difícil ainda é compreender que o Plano de Palmas (1990), trinta anos
depois de Brasília, adotou um modelo semelhante, tendo sido baseado em princípios e
concepções do urbanismo modernista, só que em estado já “inercial”, com a experiência
de Brasília já sendo alvo de grande polêmica (econômica, política e urbanística),
71
Peter Hall é um urbanista e geógrafo inglês, professor de Planejamento e Regeneração no The Bartlett
University College de Londres, e Presidente do Town and Country Planning Association e da Regional
Studies Association. É uma autoridade de renome internacional sobre a evolução econômica, demográfica,
cultural e questões de gestão com que defrontam cidades ao redor do globo. Sua obra arquitetônica foi
influenciada, sobretudo, por Le Corbusier, e encontrou eco em trabalhos como o projeto de Oscar
Niemeyer para Pampulha, em Belo Horizonte (1942), com a sua organização espacial livre e busca por
inovações estruturais. Notabilizou-se por integrar arquitetura e planejamento urbano, baseando-se em
estudos sobre a origem e o desenvolvimento das cidades brasileiras.
62
colocando o modernismo como um movimento superado. Ou será que poderíamos
chamá-lo de tardio?
A justificada da mudança para uma nova sede tinha nos discursos políticos dos
gestores muitas semelhanças, eles afirmavam que a atual localização dessas capitais já
não abarcava as atividades necessárias ao exercício administrativo. Sustentavam que a
expansão da cidade encontrava barreiras geográficas, na maioria das vezes colocando a
localização e as características físicas do lugar como justificativa para a construção do
novo.
72
PENNA, J. O. de Meira. Quando mudam as capitais. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 19.
63
O fator localização é similar nos casos aqui citados (Belo Horizonte, Goiânia,
Brasília e Palmas), sobretudo porque tais cidades poderiam ter aproveitado
aglomerações já existentes para constituir a nova sede, mas não o fizeram. No entanto,
os gestores justificam as suas escolhas baseados nas possíveis rivalidades que surgiriam
entre as eventuais cidades concorrentes e, portanto, a solução radical seria a criação ex
nihilo, pois a mesma ofereceria muito mais vantagens.
73
Yves Bruand, op. cit., p.346.
64
Em Goiás, quando ocorreu a transferência para a nova sede, na cidade de
Goiânia, os argumentos mudancistas, também, partiam da noção de modernidade que
ora se impunha no cenário da política nacional, a partir de 1930. É o que Gustavo
Coelho destaca nessa afirmação:
74
COELHO, Gustavo Neiva. A modernidade do Art Déco na construção de Goiânia. Goiânia: Ed. Do
Autor, 1997; p. 17.
75
Gustavo Neiva Coelho, op. cit, p. 18.
76
Yves Bruand, op. cit., p. 352.
77
Idem, p. 352.
65
Trechos do relatório de Pedro Ludovico a Getúlio Vargas tornam evidentes os
problemas da antiga cidade que poderiam atrapalhar o discurso estadonovista, baseado
na noção de modernidade, empreendido pelos gestores na construção dessas cidades.
Uma nova capital seria o símbolo que levaria o Estado a sair do marasmo
político e econômico, além de representar o ‘novo tempo’ que se estruturava
nos horizontes nacionais. Era a parte do ‘novo Brasil’; do tempo novo, do
Estado Novo. Uma nova capital seria sobretudo a imagem do progresso.79
78
MACIEL, Dulce P. Goiânia (1933-1963): estado e capital na produção da cidade. Tese (Doutorado).
Niterói: Universidade Federal Fluminense, Faculdade de História,1996. p.71.
79
Gustavo Neiva Coelho, op. cit., p. 43.
66
A escolha gerou inúmeros conflitos entre os prefeitos das cidades que pleiteavam
a condição, o status de capital e o de governador do estado Tocantins. O fato passou
inclusive a gerar desconfiança entre os recém-chegados ao estado. É o que percebemos
no depoimento da moradora de Palmas, Luciélia de Aquino Ramos, pioneira desde
1989:
Além de todos os pontos citados neste capítulo existe um que não podemos
deixar de citar: todo processo de fundação e todos os discursos fundadores são
contrários à ideia de ‘continuidade histórica’. É a partir daí que o mito-fundador ganha
forças.
80
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010. Perfil: Luciélia de Aquino Ramos, Luara, como é conhecida, nasceu dia 05 de julho
de 1962 em Itumbiara (Goiás), formou-se em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiânia - UFG,
especialista em Português pela Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO, mestranda em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília - UnB, veio para Palmas em 1990 acompanhando
o marido Cesamar Lázaro da Silveira, que foi assessor do gabinete da governadoria, Chefe da Casa Civil
do Estado e faleceu quando ocupava a função de Advogado Geral do Município. Após o falecimento do
cônjuge no ano de 1996 ela permaneceu na capital onde desenvolveu inúmeros trabalhos como servidora
pública estadual e municipal nas áreas da educação e cultura. Em 2003 ingressou no trabalho de docência
Superior nas Faculdades Objetivo de Palmas – FAPAL e IEPO, em 2005 ingressou como professora na
Universidade Federal do Tocantins na qual atua até a presente data - 2011. No ano de 2006 assumiu a
Coordenação do Curso de Comunicação Social Publicidade e Propaganda das Faculdades Objetivo de
Palmas FAPAL e IEPO, atuando como Coordenadora até a presente data no IEPO, e como professora nos
Cursos de Comunicação Social Publicidade e Propaganda, Curso de Administração e Curso Ciências
Contábeis.
67
CAPITULO 2 – Modernidades tardias no cerrado
E, que dizer sobre a criação ex nihilo de Palmas, a capital do mais novo estado
brasileiro? Que pensar sobre a propaganda de modernidade que essa cidade, em seu
contexto regional, disseminou para todo o país quando se mostrou como o novo el
dourado brasileiro? E mais, por quê, findando o século XX, o planejamento seguiu uma
concepção modernista, cuja funcionalidade já havia sido duramente questionada na
concepção de Brasília?
81
PENNA, J. O. de Meira. Quando mudam as capitais. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 20.
68
ligados ao antigo norte do Estado de Goiás reelaboraram e reafirmaram elementos da
tradição, baseados num passado mítico, a fim de legitimar o movimento pela criação do
Tocantins. Vejamos alguns deles.
82
A Casa do Estudante do Norte Goiano (CENOG) foi fundada em Goiânia, dia 15 de maio de 1960 e
extinta por decisão judicial em 17 de maio de 1979. Era uma sociedade civil, sem fins lucrativos e que
surgiu da necessidade de apoiar os estudantes do norte que estavam morando no sul de Goiás.
83
A Comissão de Estado dos Problemas do Norte Goiano (CONORTE) foi uma sociedade civil, sem fins
lucrativos, com sede em Brasília e subcomissões em Araguaina, Gurupi, Porto Nacional e Goiânia.
Patrocinava congressos, seminários, reuniões públicas e campanhas cívicas e foi considerada por muitos
como sucessora da Cenog. Teve grande importância no processo de criação do Estado do Tocantins.
69
O Decreto Real de 18 de março de 1809, promulgado por D. João IV, autorizou
a divisão administrativa da Província de Goyaz (conhecida como São João das Duas
Barras, onde hoje se localiza a cidade de Marabá, antigo território goiano), com
objetivos claramente mercantilistas, e Joaquim Theotônio Segurado84 foi nomeado
desembargador e Ouvidor-Geral responsável pela administração e desenvolvimento da
Comarca do Norte e o capitão-general Sampaio, pela Comarca do Sul. Teothônio
Segurado era contrário ao movimento pela independência política do Brasil, além do
que, tinha divergências com o capitão-general Sampaio, responsável pela Comarca do
Sul. Diante deste cenário se uniu a alguns padres em defesa da separação do norte
goiano, isso entre 1821 e 1823. A divergência entre os membros do grupo pela mudança
da capital do governo da cidade de Cavalcante para a cidade de Natividade, a posição
contraria de Teothônio em relação à independência do Brasil, o retorno deste em 1823 à
corte de Lisboa, resultaram no arrefecimento da luta divisionista da região naquele
período.
84
Joaquim Theotônio Segurado (1775 - 1831) chegou ao Brasil em 1800 e, em 1803, foi nomeado
ouvidor-geral da Capitania de Goiás pelo príncipe regente Dom João VI. Foi promovido ao cargo de
desembargador da relação do Rio de Janeiro em 1805 e desembargador da relação da Bahia em 1808. Em
1809 foi nomeado desembargador da recém-criada comarca de São João das Duas Barras. A criação da
comarca tinha como objetivo facilitar a administração do imenso território. Em 1815 foi fundada a vila de
São João da Palma, tendo Joaquim Theotônio Segurado se tornado o seu primeiro ouvidor.
85
COSTA, Célio. O Estado do Tocantins: uma geopolítica de desenvolvimento. Goiânia: Líder, 1985.
70
Transamazônica), solo rico em recursos minerais inexplorados e um crescimento
expressivo no setor da agropecuária.86
86
OLIVEIRA, Rosy de. O movimento separatista do Tocantins e a CONORTE (1981-1988).
Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Ciência Política, do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas: Biblioteca do IFCH, 1998, p. 4.
71
Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, a fusão de
emendas, criando o Estado do Tocantins, dessa vez votada e aprovada.
‘Cuo ivi ore retama’ – esta terra é nossa” foi a expressão utilizada pelos
vitoriosos, na Assembléia Nacional Constituinte, do movimento separatista do Norte de
Goiás em favor da criação do Estado do Tocantins.
87
CAVALCANTE, Maria do Espirito Santo Rosa. Tocantins: o movimento separatista do Norte de
Goiás (1821-1988). São Paulo: A. Garibaldi, Ed. da UCG, 1999, p. 143.
88
Humberto Cerqueira, op. cit., p. 16.
72
2.3 A criação de Palmas
“No fim do século passado, foi Belo Horizonte, hoje com dois milhões de
habitantes. Depois, no final dos anos 30, veio Goiânia, ocupada agora por 1
milhão de pessoas. Nos anos 50, Brasília surgiu no Planalto Central como a
maior aventura desse tipo. Neste momento, toda a febre envolvida no
nascimento de um Estado e de uma capital está concentrada no cerrado do
Tocantins, em Palmas mais precisamente.” 89
A pedra fundamental de construção da cidade de Palmas foi lançada em vinte de
maio de 1989, data criteriosamente escolhida, dia do lançamento do Primeiro Manifesto
à Nação pela Criação do Estado do Tocantins em 1956, proferido por Feliciano
Machado Braga, em Porto Nacional. Esta data ficou conhecida como a data de fundação
de Palmas.
89
FERRAZ, Silvio. A última fronteira – Setenta mil brasileiros vivem a aventura de Palmas, a
capital a poeira e das oportunidades. Revista Veja; p. 46/47/48/49. 04 de ago. 1993.
90
LIRA, Elizeu Ribeiro. A Gênese de Palmas. Porto Nacional: Mimeo. Unesp, 1995, p. 224
73
Em Miracema do Tocantins foram abertos concursos para preencher vagas de
professores, policiais, juízes, atraindo uma intensa corrente migratória,
aproximadamente cinco mil pessoas de todas as partes do país foram para Miracema em
busca de emprego público. No inicio de 1989, a cidade tinha aproximadamente 15 mil
habitantes, no final do mesmo ano chegou a 45 mil. Houve crescimento acelerado, sem
que Miracema estivesse com infraestrutura adequada. No ano seguinte, em primeiro de
janeiro de 1990 se deu a transferência da capital provisória de Miracema do Norte para
Palmas, a 93 km de distancia uma da outra.91 Miracema do Norte era uma cidadezinha
da margem esquerda do Rio Tocantins; tinha infraestrutura incipiente e problemas de
alagamento nos períodos chuvosos - como consequência das enchentes do Rio
Tocantins.
91
Elizeu Lira, op. cit., 1995, p. 227.
74
Foto 6: Vista da Avenida Theotônio Segurado (1991).
Fonte: Acervo da Secretaria da Cultura (2003)
92
REVISTA VEJA. A pátria da burocracia. Miracema, capital provisória do Tocantins, gera uma
corrente migratória de funcionários e amarga os problemas das cidades grandes. Cidades. 06 de set.
1989, p.73.
75
93
capital da República.” Campos se baseou em antecedentes históricos capazes de
legitimar a proposta de criar uma nova cidade no meio do cerrado brasileiro, conforme
afirma Lúcia Maria Moraes:
93
Idem.
94
MORAES, Lúcia Maria. A segregação planejada: Goiânia, Brasília e Palmas. Goiania, GO: Ed. da
UCG, 2006. 268 p.
95
Idem.
76
cidade, princípios esses que serão executados, com a finalidade de perpetuar a imagem
do governador.
96
Luiz Fernando Cruvinel Teixeira graduou-se em 1968, em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
de Brasília. Fez pós-graduações em Estudos Tropicais para Arquitetura e Meio-ambiente e posteriormente
em Planejamento Urbano e Regional, ambos na Architectural Association School of Architecture –
Londres-Inglaterra. Foi Professor Universitário no período entre 1974 e 1978 e formulador da criação do
Instituto de Desenvolvimento Urbano de Goiás – INDUR, órgão que administrou a política urbana no
Estado de Goiás. É co-autor do projeto urbano da cidade de Palmas, Capital do Estado do Tocantins,
realizado em de 1989, fato esse reconhecido pelo Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil -
IAB, em 111º Reunião, realizada na cidade do Rio de Janeiro, por indicação do Departamento do Estado
do Tocantins, quando foi outorgado o Diploma de Mérito do IAB 80 Anos, em reconhecimento aos
serviços prestados à Arquitetura, Urbanismo e à Construção. GRUPOQUATRO. Arquiteto: Biografia de
Luiz Fernando Cruvinel Teixeira. Disponível em: http://www.grupoquatro.com.br/site. Acesso em: 13 de
maio de 2009.
97
Walfredo Antunes de Oliveira Filho, nasceu em são Paulo em 1948, cursou a Faculdade de Arquitetura
do Mackenzie e formou-se arquiteto na Universidade Católica de Goiás (1974). Fez cursos de paisagismo
(1975) e transporte urbano (1976) na Bélgica e defendeu trabalho de mestrado em planejamento urbano e
regional na London School of Economics (1981). Foi presidente do Instituto de Planejamento Municipal
da Prefeitura de Goiânia (IPLAN) em 1973, secretário municipal de Coordenação Executiva de Goiânia
(1981 -83), coordenador do programa para o entorno do Distrito Federal da Superintendência do
Desenvolvimento do Centro – Oeste (Sudeco), coordenador do programa COM/BIRD para o Centro –
Oeste, coordenador para os projetos especiais do programa Pólo Noroeste da Sudeco. É coautor do Plano
Urbanístico de Palmas, cidade onde reside atualmente e é docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Tocantins (SEGAWA, p. 103, 1991).
98
O GrupoQuatro contou com a assessoria de mais alguns membros no período da construção de Palmas,
além dos arquitetos já citados, são eles: Ernani Vilela, Manoel Balbino de Carvalho Neto, Maria Luci da
Costa, Amélia L. R. de Souza, Jaime Borges, Maria Ester de Souza, Roberto Lacombe, Tânia C. Martins
Gomes, Geórgia Vand-de-Wiel, Juan Carlos Franchelich, Mônica Tormin Crosara, Thirza Pacheco Di
Moura, Marcos Ferreira Pinto.
99
GrupoQuatro, op. cit.
79
Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), que exigiu que houvesse um concurso público,
o que acarretou na escolha do Plano Piloto de Lúcio Costa.
Olha, essa é uma questão mista, na verdade não podemos negar o passado
modernista que tivemos, principalmente quando estudei na Universidade de
Brasília, vivendo toda aquela discussão desde 1963, então, mesmo que o
modernismo tivesse sob os olhares do mundo já naquela época, essa questão
não era muito discutida ainda no Brasil, a não ser nos meios acadêmicos. Mas
se você vê um pouco o modernismo exagerado como acontece em Brasília,
mas relacionado às funções urbanas específicas, das espacialidades, nós
procuramos sair disso em Palmas porque misturamos um pouco as atividades
na cidade, é claro que essa mistura é muito complicada, não é fácil você
propor uma mistura.100
100
CRUVINEL, Luiz Fernando. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas:
2009.
101
Pedro Lopes em 1993 junto com o arquiteto Edson Eloy, ex gerente de projetos do GrupoQuatro,
abriram uma empresa, a Modulor Arquitetura Para a Vida LTDA, que existe até hoje e é administrada por
Lopes. Com a criação desta empresa, o escritório foi chamado para participar de alguns projetos do
Estado, o primeiro projeto foi a Escola Técnica de Segundo Grau. O segundo grande projeto foi o prédio
do Tribunal Regional Eleitoral. Executaram alguns projetos na área do urbanismo, como quadras
residenciais em Palmas, de acordo com os preceitos estabelecidos na Lei de Zoneamento e do Plano
Diretor do GrupoQuatro.
102
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
80
Palmas, por ter sido criada “do nada” carece de alguns valores que vão se
montando aos poucos nos espaços populacionais de fundação e crescimento
espontâneos. Não possui um centro histórico, por exemplo, o que a maioria das cidades
de nascimento espontâneo tem. Essa capital foi intencionalmente gerada e não nasceu
de “parto normal”; a intenção política da sua criação lhe confere características
espaciais e culturais muito peculiares, o que já ocorrera com Brasília:
Nas cidades antigas, nascidas ‘mais organicamente’, podemos ver ruelas, becos
sem saída, ruas que se estreitam e depois se alargam, quarteirões de formas e tamanhos
variados, mistura de usos (residencial, comercial, institucional etc.). Existe alguma
paisagem em Palmas que se assemelhe a essa descrição? Não. É fácil perceber em
Palmas a racionalização pré-concebida do espaço.
103
Yves Bruand, op cit; p. 362.
81
se existiam outras opções, nós estávamos trabalhando com a Carta de Atenas
e com os princípios de Le Corbusier para o desenho urbano.104
Cruvinel justifica a ideia inicial do plano sem deixar de fora o que foi
considerado primordial: as exigências do próprio governador do Tocantins em relação
ao planejamento da cidade. Veja, no trecho que se segue, da matéria com Fernando
Cruvinel, no Jornal do Tocantins de 20 de maio de 1998:
No primeiro instante, nós tivemos como base para este projeto os sonhos de
Siqueira Campos. Usamos 10 princípios básicos a serem alcançados dentro
de um desenho que é a imposição do homem sobre a natureza, mas de uma
forma menos agressiva possível, para preservar essa natureza. Nós queríamos
que Palmas tivesse uma malha viária moderna para atender às exigências da
tecnologia e, ao mesmo tempo, que tivesse as características da cidade
tradicional do Tocantins.
104
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
105
GrupoQuatro, op. cit.
82
chegam, surpreendendo-os pelo charme e esplendor de suas construções, precisará, pois,
de alguns relevos que a realcem e sobre os quais ela possa erguer as obras de arquitetura
das quais se orgulhe”. Charles Fourier também via grandes vantagens oferecidas pela
“vista de uma bela linha de colinas ou de montanhas”, preferível às regiões planas [...]
que não suscitam formas.” Tanto o sentido de utilidade quanto o de beleza são
destacados por Reynaud e Fourier e retomados por Aarão Reis, nos textos que se
referem ao sítio, ao traçado e às edificações de Belo Horizonte.106
Em Palmas, o principio adotado foi o mesmo: “as avenidas Leste/Oeste foram
desenhadas para permitir visuais do Lago e da Serra do Lajeado, elementos geográficos
referenciais da paisagem da cidade”. Essa diretriz definiu a característica geral da
cidade, bem como a dimensão das quadras de 600 x 700 metros, cujo perfil tornou-se
dominante na conformação da paisagem e motivo de desconforto para o pedestre, que
terá que percorrer enormes distâncias em clima inóspito. O segundo princípio adotado
foi:
Proteger, preservar e restaurar o ambiente natural. Os fundos de vale dos
ribeirões que nascem na Serra do Lajeado e atravessam transversalmente a
área urbanizável serão transformados em parques lineares, que preservarão
suas matas de galeria. São os principais elementos definidores do desenho da
cidade.107
106
Heliana Salgueiro, op. cit; p. 146 e 147.
107
GrupoQuatro, op. cit.
108
LIRA, Elizeu Ribeiro. A Gênese de Palmas. Porto Nacional: Mimeo. Unesp, 1995, p. 278.
83
Minimizar o impacto do microclima, com técnicas bioclimáticas inseridas no
Desenho Urbano. Palmas será implantada na cota 212 metros. O clima é
muito quente variando entre seco e úmido dependendo das estações. Foram
estabelecidos os seguintes princípios bioclimáticos para formulação do
desenho urbano: aproveitar a direção dos ventos dominantes através das
Avenidas Leste/Oeste, garantindo a circulação da brisa pela cidade;
Estabelecer um tecido urbano disperso, aberto e extenso; Controlar a
insolação dos espaços públicos com sombreamento; Proteger o pedestre do
sol e das chuvas com marquises e varandas; Os edifícios públicos deverão ser
implantados longitudinalmente sobre o eixo Leste/Oeste. 109
O sexto princípio foi o que mais sofreu alterações, ele trata da expansão
ordenada da superfície. Basta lembrar que os muitos artigos publicados sobre Palmas
ressaltam o problema da especulação imobiliária, dos onerosos vazios urbanos e da
segregação socioespacial decorrente de ambos fatores, desde os primeiros dias de vida
da cidade. Veja.
85
Figura 10: Lago de Palmas, vista de dentro de um barco.
Fonte: CORIOLANO (2011).
111
GrupoQuatro, op. cit.
86
Garantir à população a acessibilidade ao lago. A cidade deverá permitir
acesso ao lago a toda população. As perspectivas das Avenidas Leste/Oeste
não poderão ser interrompidas por construções na orla do lago.112
112
Idem.
113
Idem.
114
GrupoQuatro, op. cit.
87
De acordo com Andréa Maia e Valnei Pereira, as racionalidades que orientam as
práticas urbanas neste novo século (aqui incluímos particularmente o caso de Palmas)
constituem assim desafio e campo fecundo sobre o passado e o futuro das nossas
cidades. As novas tendências do planejamento urbano e do urbanismo contemporâneo
orientam-se pela reprodução de modelos e experiências anacrônicas que nos remetem à
perpetuação de práticas historicamente esgotadas e excludentes protagonizadas
incessantemente em metrópoles por atualizações e mutações culturais rápidas. Trata-se
de um “novo velho projeto”.115
115
MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos: projetos em
perspectiva comparada. Revista de História Comparada. Pós-Graduação em História Comparada
(PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume
3/Número 1 - Junho de 2009, p. 03.
116
Elizeu Lira, op. cit., p. 230.
117
ANHEIM, Rudolf. O Poder do Centro. Lisboa: Edições 70, 1990, p. 17.
88
Arnheim demonstra dois sistemas visuais, que são princípios de composição,
que regem a proporcionalidade e organização do espaço. Este sistema deriva da nossa
maneira de recepcionar o mundo e está presentes na arquitetura, pintura e na escultura
de todas as épocas, são eles: o cêntrico e o excêntrico.
118
Rudolf Anheim, op. cit., p. 149 -150.
119
Ibid; p. 31.
120
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas:
Papirus, 1994, p. 61.
89
É costume dizer que a França é um país centralizado. E exatamente isso o
que ela é no plano político, pelo menos a partir do século XVII. Apesar dos
recentes esforços de regionalização, ela continua a ser um país centralizado
no plano administrativo (tendo sido, inicialmente, o ideal da Revolução
Francesa operar a divisão das circunscrições administrativas segundo o
modelo pura e rigidamente geométrico). Ela continua a sê-lo no espírito dos
franceses, por causa, notadamente, da organização de suas redes rodoviária e
ferroviária, concebidas ambas, pelo menos no inicio, como duas teias de
aranha cujo centro Paris ocuparia.121
121
Marc Augé, op. cit; p. 62.
90
Figura 12: Mapa do Brasil, em destaque a localização da cidade de Palmas – TO.
Fonte: Catálogo DETUR TOCANTINS dez/1990.
91
Figura 13: Macro Malha Viária de Palmas – TO.
Fonte: GrupoQuatro (2009).
92
sobretudo em decorrência das mudanças no seu plano inicial, após a saída do arquiteto
Attilio Correa Lima do projeto. (Figuras 14, 15 e 16).
Há uma ligação intrínseca entre Palmas e Brasília, podemos mesmo dizer que
uma intensa relação estabelece-se em pares, ao mesmo tempo, opostos e
complementares, tanto no ideário, como no estabelecimento material da
cidade, na sua estrutura, nas imagens, nas formas. A relação entre as duas
cidades dá-se entre repetição e rompimento, a semelhança de alguns
elementos chega a produzir uma ilusão: Palmas é uma cópia de Brasília numa
escala regional, como comparece em inúmeras percepções que vão do senso
comum as elaborações cientificas. 122
122
SILVA, Valéria Cristina Pereira da. Girassóis de Pedra – Imagens e metáforas de uma cidade em
busca do tempo. Tese de Doutorado. Universidade Est. Paulista Júlio de Mesquita Filho/Pr.Prudent –
Geografia. São Paulo: Biblioteca Depositaria - FCT/UNESP, 2008; p. 60.
94
Nos três casos, monumentais avenidas destacam o centro do poder. Em Palmas,
a principal praça da cidade, a Praça dos Girassóis, está localizada no cruzamento dos
dois grandes eixos da cidade, a Av. Theotônio Segurado123 e a Av. Juscelino Kubistchek
(Foto 09); em Brasília o Eixo Monumental engloba as principais obras públicas (Foto
10) e em Goiânia, a Av. Goiás marca o centro cívico da cidade (Foto 11).
123
Vinte anos depois da criação de Palmas a Câmara Municipal decidiu pela mudança de nome e a
Avenida Theotônio Segurado passou a se chamar avenida Governador Siqueira Campos (2009), alguns
meses depois por ordem judiciária, a avenida retornou ao seu nome original: Theotônio Segurado.
124
Costa apud Gorovitz, op. cit., p. 25.
95
Foto 9: Avenida Juscelino Kubistchek.
Fonte: Acervo Casa da Cultura (Autor: Mitt, janeiro de 1996).
125
SEGAWA, H. Modernidade Pragmática. Revista Projeto, n° 191, Nov 1995. p.106.
126
SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo: Nobel, 1936, p. 15.
97
O ‘personalismo’ de Siqueira Campos esteve presente em várias decisões acerca
do urbanismo e da arquitetura de Palmas, personalismo que submete a equipe de
técnicos, escolhida por ele mesmo, para elaborar os projetos a partir das suas
designações subjetivas.
127
Yves Bruand, op. cit., p. 348.
128
Ibid. p; 350.
129
COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivencia. São Paulo: Editora UNB/Empresa das Artes,
1995; p. 284.
98
Monumental, que é constituído pelos seguintes edifícios: Catedral, Palácio do Itamaraty,
Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal, Panteão da Pátria, Memorial JK, Praça
dos Três Poderes, Palácio do Planalto, Palácio da Justiça e Ministérios.
130
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 02 de
fevereiro de 2011. Perfil: Fábio nasceu em Alcântara, Maranhão, dia 24 de setembro de 1970, é graduado
em filosofia pela Universidade Federal do Maranhão (1993), possui mestrado em Filosofia Política pela
Universidade Federal de Goiás (2000) e foi aprovado em concurso público na Universidade Federal do
Tocantins e por este motivo veio morar em Palmas em 2003.
131
Idem.
132
Idem.
99
por Attilio, no plano de Goiânia, (19390) são fontes anteriores e precursoras do que
ocorreu em Palmas em 1990. No entanto, Teixeira e Antunes, os autores do plano de
Palmas, afirmam que não se basearam nos princípios de cidades planejadas
anteriormente, como Goiânia e Brasília, para a produção do plano da capital do
Tocantins133. Mas a realidade nos mostra claras semelhanças entre os traçados das três
cidades. No caso do planejamento de Goiânia, que foi considerado uma grande
manifestação do urbanismo brasileiro do inicio do século XX, podemos destacar a
intenção de monumentalização.
Goiânia, que o autor de seu plano queria que fosse monumental, racional e
humana, surge afinal de contas como uma etapa marcante na evolução do
urbanismo no Brasil, embora ainda se esteja longe do coroamento que é o
gigantesco empreendimento de Brasília.134
133
Hugo Segawa, op. cit; p. 94.
134
Yves Bruand, op cit. p. 352.
135
Tania Daher, op. cit; p. 283.
136
Lucio Costa; op. cit, p. 284.
100
Figura 17: Desenho de Lúcio Costa 1957.
Fonte: COSTA, Lúcio (1995).
Será que Palmas não seria uma ‘reedição’ em pequena escala de Capital Federal?
O desenho da capital do Tocantins também foi resultado do cruzamento simplificado de
dois eixos em cruz, que reproduz em escala monumental a intenção de um Estado
centralizador, racionalista, hierárquico, controlador (Figura 18).
Figura 18: As vias principais de Palmas e, na parte central, a Praça dos Girassóis (1989).
Fonte: Revista Projeto (1991), p. 96.
101
Os três desenhos (de Palmas, Goiânia e Brasília) dão grande destaque à
monumentalização das grandes vias que convergem para os centros cívicos, a
localização de prédios institucionais privilegiados pela topografia, a ênfase nas visuais
proporcionadas pela posição dos prédios e pela largura e cumprimento das avenidas. Ou
seja, a aproximação urbanística dos casos analisados demonstra que Palmas reviveu,
mesmo que tardiamente, uma experiência com muitos pontos similares à Goiânia e
Brasília, cuja ideologia se pautou em um discurso de modernização do interior do país,
continuação de uma modernidade já em ampla decadência, conduzida por discursos
desenvolvimentistas ou de abertura de novas fronteiras.
102
CAPÍTULO 3 - A tentativa de “formação das almas tocantinenses”
Em outras palavras, quer-se dizer que Goiás é uma totalidade de que se extraiu
uma parte, Tocantins. E Tocantins é parte ainda inelutavelmente dependente de seu todo,
Goiás. Este se projeta naquele, assim como o extraído alimenta-se de seivas daquele.
Observando-se os dois estados, a relação entre as duas unidades federativas ainda é de
implicação mútua. (Figura 19).
103
autonomia. Em termos culturais, se a grande maioria da constituição de um povo
tocantinense está voltada a Goiás, não se pode apontar uma identidade cultural própria a
Tocantins. A literatura produzida nesse período, sobre o processo de emancipação
política do novo estado, é um caso, é rica em aforismos que remetem à tutela de Goiás.
Veja-se um caso: (Figura 20).
137
Ou mesmo no slogan “Estou goiano, mais sou tocantinense” . Tema da festa
de confraternização da Conorte, realizada em 08 de novembro de 1986, em Goiânia,
para a qual foram convidados os candidatos dos diversos partidos das eleições de 15 de
novembro de 1986 comprometidos com a idéia de criação do Estado do Tocantins.
137
CAVALCANTE, Maria do Espírito Santo Rosa. O discurso autonomista do Tocantins. Goiânia: Ed.
UCG, 2003, p. 126.
104
em um grupo, em uma comunidade, ou até em uma nação, são importantes para se
compreender esse grupo humano, ou a sociedade como um todo.138
Seria uma grande ilusão imaginar que a cada problema histórico corresponde
um tipo único de documentos, especializado para esse uso... Que historiador
das religiões se contentaria em consultar os tratados de teologia ou as
recolhas de hinos? Ele sabe bem que sobre as crenças e as sensibilidades
mortas, as imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos santuários, a
disposição e o mobiliário das tumbas, têm pelo menos tanto para lhe dizer
quanto muitos escritos.139
A afirmação de Marx aparece aqui mais para acender reflexões que por gratuita
ironia, a fim de que se demonstre como Palmas representa uma tentativa de ‘repetição’
de Brasília, ficando quase explícito um paralelo entre Siqueira Campos e Juscelino
138
ALBERTI, Verena. Fontes orais: Histórias dentro da história. In.__________. Fontes Históricas. 2.
ed. São Paulo: Contexto, 2006. 302p.
139
LE GOFF, Jacques, 1924. História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão ... [et al.]
-- Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990. p. 466.
140
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. p. 8.
105
Kubistchek. As práticas que serão analisadas neste sentido configuram o que
Hobsbawm e Ranger definiram como ‘tradições inventadas’.
141
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz & Terra,
1997; p. 9.
142
MIGUEL, Luis Felipe. Em Torno do Conceito de Mito Político (Uma Análise a partir da
Campanha Eleitoral Brasileira de 1994). Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Unicamp, em março de 1997.
143
ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito. Tradução de Manuela Torres. Lisboa: Perspectiva, 1963.
106
O mito é camuflagem, fábula narrativa com poder mobilizador e integrador,
prédica, profética e fuga do tempo presente que invocam a ressurreição do
tempo da pureza e da harmonia originais. O mito se inscreve no sonho de
permanência, se pretende imutável, pois sua capacidade criativa é limitada
por um conjunto de códigos que deve se repetir, indiferente à temporalidade e
ao contexto histórico. Apesar da sucessão narrativa de imagens criadas em
torno dele, funciona como conservadora solução imaginária de conflitos e
contradições.144
Marilene Chaui entende o mito não só no sentido etimológico do termo (mythos
– narração pública de feitos lendários de uma comunidade), mas também em sentido
antropológico, como uma espécie de narrativa utilizada para explicar, entender, ou ainda
justificar determinada realidade, solução imaginária para tensões, conflitos e
contradições “que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da
realidade.” 145
144
SILVA, Fernando Teixeira. Livros: Brasil - Mito fundador e sociedade autoritária em.Violência
patropi. 30/09/2000 Disponível em:
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1488. Acesso em: 02 de fev. 2010.
145
CHAUI, Marilena. Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritária , 200, p. 9.
146
CASSIRER, Ernest. Linguagem e Mito. Tradução de J. Guinsburg; Miriam Schnaiderman. São
Paulo: Perspectiva, 2006, p. 19.
147
CARVALHO, José Murilo. Formação das almas. O imaginário da república no Brasil. Companhia
das Letras. 1990.
107
Ian Watt destaca que mito é “uma história tradicional largamente conhecida no
âmbito da cultura, que é creditada como uma crença histórica ou quase histórica, e que
encarna ou simboliza alguns valores básicos de uma sociedade”.148 Neste sentido, a
imagem de Siqueira é posta na liderança dentro do processo de luta pela separação do
norte de Goiás, considerada pobre e atrasada quando comparada ao sul do Goiás,
embora os movimentos a favor da separação tivessem vindo também de diversas
lideranças políticas e estudantis, não apenas de uma única pessoa.
O discurso político mítico parte de uma visão elitista, a elite promove o mito,
sabe aonde quer chegar com ele e a que fins levará, ao contrário da massa que adere ao
mito, inconsciente desses fins.
O povo aparece como elemento passivo nesse processo, que o moderno gestor
modela através do mito. A ‘massa’ aparece como objeto e não sujeito da história, um
objeto que o mito pode modelar. O recurso ao mito seria, então, essencial para garantir a
submissão das massas, submissão que é vista como condição básica ao funcionamento
da sociedade.149 A imagem de Siqueira foi construída para representar o pioneiro-
construtor do novo Estado e essa imagem foi impregnada no imaginário popular, a
ponto de muitos o denominarem o criador do Tocantins.
Para Miguel, o mito é fruto, menos ou mais refletido, de uma estratégia política.
O emissor do discurso o escolhe confiando em sua utilidade. Mas não é correto reduzi-
lo à "demagogia", e não apenas porque não é necessário (embora seja possível) que seu
veiculador o vivencie como "mistificação". O mito é também um produto coletivo; cabe
estudar as condições de sua apropriação individual (ou por um grupo). O discurso
mítico está inserido em um meio social no qual já existe.
148
WATT, Ian. Mitos do Individualismo Moderno: Fausto, Dom Quixote, Dom Juan, Robinson Crusoe.
Tradução de Mario Pontes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 16.
149
Luis Felipe Miguel, op. cit, 1997.
108
ressignificação a cada momento da história de um povo. Para argumentar, a autora lança
mão de alguns mitos brasileiros, como a crença generalizada de que o Brasil é um dom
de Deus e da Natureza, que tem um povo pacífico, ordeiro, generoso, alegre e sensual,
mesmo quando sofredor, ou ainda que é um país sem preconceitos.150
150
CHAUI, Marilena. Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritária. 2001, p. 8.
151
ACAMPORA, Alexandre. Escritos de Jornal. Palmas: Pró Design Comunicação, Palmas, p. 169.
109
3.3. Creatio ex nihilo
O excerto que inicia esse tópico demonstra a forma como o governo procurava
motivar os que chegavam ao novo estado. E a aura de otimismo que os textos oficiais
empregavam ia formulando um cenário propício a construção do ‘novo’.
Assim que o estado foi criado, rápidas decisões foram tomadas à escolha da
localização da nova capital. As cidades de Araguaína, Gurupi e Porto Nacional
possuíam certa liderança na economia do Estado e disputavam a vaga de capital
provisória, foram muitas as discussões que tinham como pano de fundo interesses de
forças políticas locais. Mas, por decisão do Presidente da República José Sarney
(decreto n° 97.215 de 13/12/1988), Miracema do Norte (que mais tarde passou a se
chamar Miracema do Tocantins), que não estava na disputa, foi a escolhida e tornou-se a
capital provisória, enquanto a nova cidade seria gestada “do nada”, em posição
centralizadora no mapa do Tocantins.
Através dos tempos, e na maior parte das culturas, a posição central tem sido
utilizada para exprimir perceptivamente o divino, ou algum alto poder. O
deus, o santo, o monarca, vivem acima das tensões e dos esforços da
multidão que tudo esmaga.153
O discurso oficial era o seguinte: a cidade foi projetada para funcionar como
‘impulsora’ do desenvolvimento “igualitário” de todo o Estado, através da articulação
de suas atividades e dos diversos espaços urbanos ou rurais. Através dessa medida
geopolítica, pretendia-se a ocupação do território, tanto da margem esquerda quanto da
152
TOCANTINS. Diagnóstico Sócio-Econômico. 1989/90, p. 3.
153
Rudolf Arnheim, op. cit., p. 149.
110
direita do rio Tocantins, de modo a estimular o desenvolvimento sócio-econômico de
toda a região.154 Sobre essa polêmica questão Siqueira Campos afirma:
Mas por que criar uma nova cidade? Será que expandir uma capital a partir de
uma cidade já existente não teria sido uma decisão mais coerente?
154
CERQUEIRA, Humberto. O plano e a prática na construção de Palmas. Dissertação (Mestrado)
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 1998, p. 44.
155
ACAMPORA, Alexandre. Escritos de Jornal. Palmas: Pró Design Comunicação, Palmas, p. 169.
156
Alexandre Acampora, op. cit., p. 169.
111
utiliza a história de forma a reforçar o próprio mito (quando esta lhe convém) e não
entra em disputas presentes.
157
Karl Marx, op. cit. p.
158
Peter Burke, p. 17.
112
Foto 12: Siqueira Campos dirigindo um trator na Inauguração de Palmas (1989).
Fonte: Acervo da Casa da Cultura.
113
Nota-se, ainda, a repetição da história na imagem de pioneiro-construtor que
Siqueira Campos tenta fixar. Ele utiliza o repertório de Kubitschek, como por exemplo:
“o projeto de levar a modernidade aos sertões, através da ocupação de ‘desertos
populacionais’ e da expansão do mercado nacional a regiões desintegradas do fluxo da
economia de mercado.” 159
Mas é preciso retomar o processo primeiro que, nesse caso, remete à Primeira
Missa celebrada no Brasil160 em 1500, rezada pelo Frei Henrique Coimbra, quando do
‘Descobrimento do Brasil’. (Figura 21, Fotos 14, 15 e 16)
159
SOUZA, Candice Vidal e. A invenção do Tocantins: Espaço e tempo na construção da
comunidade imaginada em um contexto regional. In: Ciências Humanas em Revista. Revista do
Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade de Goiás. Goiânia, v. 6. n. 2. P. 3 – 136. Jul/dez
1995; p. 59.
160
Esta missa foi retratada na pintura de Vitor Meirelles, hoje pertencente ao Museu Nacional de Belas
Artes
114
Figura 21: Primeira Missa no Brasil (1880).
Fonte: Museu Nacional de Belas Artes.
115
Foto 15: Primeira Missa de Brasília (1960).
Fonte: Revista Brasília (1960).
116
O Cruzeiro (Foto 10) permanece na Praça dos Girassóis, em Palmas, até hoje,
simbolizando a primeira missa161, que aconteceu a 20 de maio de 1989, por ocasião da
criação da nova capital e onde acorreram aproximadamente dez mil pessoas. A missa foi
rezada em torno de uma grande cruz de pau-brasil, com a presença ‘exótica’ de índios
Xerente junto aos convidados oficiais e às pessoas da região.
Ah, esse dia foi um dia único, muito diferente aquilo, havia pessoas vindo de
todo lugar e ali parecia que todo mundo estava junto, mesmo não se
conhecendo e teve a missa e todo mundo participou, havia realmente uma
celebração e a gente ficou aqui até de tarde, então, havia um lugar que foi
feito pra colocar os primeiros desenhos do planejamento da cidade e esse
local você poderia ir visitar e as pessoas não se importavam com o calor, não
se importavam com a poeira, o que importava é que elas estavam lá, é assim
que eu sentia.162
161
Esta missa foi celebrada por Dom Celso Pereira, acompanhado pelos padres Juracy Cavalcante, Rui
Cavalcante e pelo Monsenhor Jacinto Sardinha, segundo matéria publicada no Jornal do Tocantins de 20
de maio de 2000.
162
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
163
Em 26 de janeiro de 1815, Joaquim Theotônio Segurado funda a Vila de São João da Palma, onde um
mês depois seria instalada a Comarca de Palma, de onde veio a inspiração do nome da capital Palmas.
164
Candice Vidal e Souza; op. cit; p. 59.
165
Idem, p. 52.
117
Podemos verificar as mesmas práticas na inauguração de Brasília e de Goiânia
(Fotos 16 e 17), a primeira missa de Brasília foi realizada em 3 de maio de 1957, por
Dom Carlos Vasconcelos Mota, Cardeal-arcebispo de São Paulo e reuniu cerca de 15
mil pessoas.
Foto 17: Catetinho: a primeira repartição pública e uma das construções pioneiras de Brasília, onde
Juscelino se hospedava e despachava em suas visitas à região (1956).
Fonte: REVISTA MANCHETE (2001), p. 33.
118
Foto 18: Palacinho: Primeiro edifício da Capital e Primeira Sede do Governo. Autor: Elson Caldas
(1989).
Fonte: Acervo da Casa da Cultura (2009).
119
comércio, bares e restaurantes improvisados, um banco funcionando em um
trailer e um escritório de recepção aos visitantes. Tudo meio improvisado,
resultado das mínimas condições de infra-estrutura. Era, na verdade, a
instalação de um grande canteiro de obras.166
166
SOUZA, Edson Eloy. Planejar no Cerrado. Revista Arquitetura & Urbanismo. Coluna Intersecção.
Edição 159 - junho 2007; p. 70.
167
JORNAL DO BRASIL. Tocantins já tem governador. 1° Caderno, 2 de janeiro de 1989, p. 4.
168
Candice Vidal e Souza; op. cit; p. 60.
169
NORA, Pierre. Entre memória e história – a problemática dos lugares. Proj, História. Tradução:
Yara Aun Khoury. São Paulo: 1993; p. 8.
170
LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho das cidades. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000, p. 100.
120
Entendemos, também, que o uso dos símbolos, a semiose, faz parte do processo
de produção do espaço urbano. Portanto, “É assim que a compreensão da forma urbana,
dos processos que a conformam e dos sistemas que a controlam não é possível sem a
consideração dos sistemas de símbolos ali atuantes.” 171
Outra questão: por tratar-se de uma cidade nova, o Estado tem mais liberdade de
criar lugares de memória e elaborá-los por meio de símbolos previamente selecionados,
tornando-os públicos e coletivizando a ideia de ‘identidade tocantinense’ ou construindo
dessa forma a própria ‘História Oficial do Tocantins’.
171
SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo: Nobel, 1936, p. 113.
172
Geraldo Serra, op. cit, p. 114.
121
A monumentalidade que a praça e seus edifícios exercem na cidade é o traço
mais marcante dessa arquitetura urbana, que representa ao mesmo tempo distinção e
grandeza. Os edifícios oficiais estão isolados e impõem-se no contexto urbanístico,
inclusive topográfico, eles não poderiam passar despercebidos ou perderiam o sentido
da sua existência, o de propagandear ou materializar as realizações do político
responsável por tudo ali, pela localização e edificação privilegiada.
Cada inserção simbólica neste espaço tem uma lógica moldada, embora não seja
autoexplicativa, inclusive a desmesurada extensão da praça, que não se justiça pelo que
nela existe, a paisagem cotidiana, que é resultado da grandiosidade do espaço, vendo
bem, transbordamento de monotonia, dir-se-ia. A figura 22 destaca os principais prédios
e elementos simbólicos da praça.
122
Praça indígena, elementos míticos e prédios monumentais constituem o
simbólico da praça, onde são reproduzidos eventos heróicos, legendários, míticos não
apenas da região, mas também de outras partes do Brasil.
Conforme mencionamos no inicio desta tese, Napoleão III quando decidiu abrir
grandes avenidas no tecido urbano medieval de Paris, na segunda metade do século
XIX, não tinha em mente apenas questões sanitárias. Desejava que as suas tropas
desfilassem livremente por grandes avenidas. A configuração ampla e sem bloqueios
evitava futuras revoluções, que muitas vezes tinham início nas ruelas do labirinto da
cidade medieval.
173
GONÇALVES, Carlos Eduardo Cavalheiro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos
Reis. Palmas, 31 de janeiro de 2011. Perfil: Carlos Eduardo nasceu em São Gabriel, Rio Grande do Sul,
no dia 10 de agosto de 1978. É graduado em arquitetura e urbanismo pela UNERJ (2002), pós-graduado
em infra-estrutura urbana pela UFT (2005) e mestre em arquitetura e urbanismo pela UnB (2009).
Chegou em Palmas em março de 2005 devido a comentários de que a cidade oferecia boas oportunidades.
Trabalhou no programa Monumenta Natividade (2007 a 2009), foi professor da UFT (2005 a 2006) e
atualmente trabalha no escritório JP Arquitetura na função de arquiteto e urbanista.
174
Idem.
123
desagregar, desarticular manifestações públicas, pelo intimidamento que causa a sua
grandeza, as dimensões do seu traçado. Um grupo de duzentos manifestantes na praça
causa a impressão de desarticulação, de minoria, e a paisagem infinita acaba imperando
e desqualificando a ação coletiva.
175
CARVALHO, José Murilo. Formação das almas. O imaginário da república no Brasil. Companhia
das Letras. 1990, p. 9.
176
José Murilo Carvalho; op. cit. p. 10.
124
Maurício Bentes177, artista carioca, veio ao Tocantins em 2001, a convite do
governador Siqueira Campos. O objetivo da viagem foi realizar um estudo sobre uma
obra que posteriormente foi intitulada de “frontispício”. Tratava-se de um globo
dourado com raios, que representavam o “sol alado” (elementos simbólicos e com
conotações exotéricas). O governador gostou do trabalho de Bentes e encomendou
novas obras. O artista criou autorrelevos (denominados “Frisas” pela Secretaria de
Cultura do Estado) de imagens que relatavam a história oficial do Tocantins. Os painéis
foram fixados em volta do Palácio, no coroamento do prédio e não fazia parte do projeto
inicial dos arquitetos Ernani Vilela e Maria Luci para o edifício.
Bentes decidiu se mudar para Palmas e executou outras obras na Praça , são elas:
o Monumento aos 18 do Forte de Copacabana, a escultura de Luiz Carlos Prestes sob
uma coluna, no Memorial Coluna Prestes (projeto de Oscar Niemeyer) e o Monumento
aos Pioneiros. O artista deixou inclusive projetos inconclusos, amplamente divulgados
nos jornais da cidade no período de idealização e concretização. Tivemos acesso,
também, ao acervo da mãe do artista, que nos cedeu mais informações sobre a atuação
do filho em Palmas.
177
Maurício Bentes (1958-2005) iniciou sua formação artística com Celeida Tostes, na Escola de Artes
Visuais do Parque Laje, com Haroldo Barroso, na Oficina de Escultura do Ingá e com Alair Gomes, no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Este artista tem sua obra representada nas coleções do Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Coleção João Satamini /
Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Museu Nacional de Belas Artes e Paço Imperial, no Rio de
Janeiro.
125
Foto 19: Cristo em Ascensão (miniatura em bronze).
Fonte: Acervo da UFT Corredor Cultural (s.d)
126
O Jornal do Tocantins do dia 18 de junho de 2003 estampava como título no
caderno Arte e Vida a seguinte frase: “A Ascensão de Cristo em Palmas”, referente à
miniatura mostrada na Foto 19 e ao esboço do artista na Figura 23. Segundo Bentes, a
obra seria um conjunto composto primeiro pela Via Sacra, contando, em quinze etapas,
a vida de Jesus Cristo, do nascimento e morte à ressurreição, culminando com o Cristo
em Ascensão.
Segundo o jornal, o projeto era composto pela estátua de trinta e três metros de
altura, que estaria sob um globo de vinte e um metros, com lugar para duzentas pessoas.
Um elevador conduziria as pessoas até o peito do Cristo, com acesso por escada aos
olhos divinos, de onde se teria impressionante e privilegiada visão da cidade.
178
Na época, Bentes informou que o projeto deveria ser financiado por uma sociedade de participações,
com ajuda da iniciativa privada, dos religiosos e do Estado, para a aquisição do terreno.
127
3.4.1. O Monumento aos 18 do Forte de Copacabana
“À pátria tudo se deve dar e nada pedir - nem mesmo compreensão”. A frase
está estampada em letras garrafais no monumento aos 18 do Forte de Copacabana (Foto
20), obra Maurício Bentes, e foi proferida por tenente Antônio de Siqueira Campos, um
dos líderes do movimento tenentista ocorrido no Rio de Janeiro em 05 de julho de 1922,
que carrega evidente homônimo com governador do Tocantins.
Foto 20: Monumento aos 18 do Forte de Copacabana (Obra do artista Maurício Bentes).
Inaugurado dia 05 de outubro de 2001.
Fonte: Acervo pessoal de Desirée Monjadim (2001).
Foto 21: Monumento em homenagem a Coluna Prestes em Arraias (Obra de Oscar Niemeyer).
Fonte: Material de divulgação: Memorial Coluna Prestes.
Para José Murilo Carvalho estes artifícios fazem parte das batalhas ideológicas e
políticas, que são travadas através de símbolos e alegorias, “para fazer a valer a nova
ordem. Atingir o imaginário popular em favor da nova cidade, da legitimação do novo
Estado.” 180
179
A Coluna Miguel Costa-Prestes, popularmente conhecida somente por Coluna Prestes, foi um
movimento político-militar brasileiro existente entre 1925 e 1927 e ligado ao tenentismo, corrente que
possuía um programa bastante difuso, mas que, em algumas linhas gerais, pode ser resumida: insatisfação
com a República Velha, exigência do voto secreto e a defesa do ensino público. O movimento contou com
lideranças das mais diversas correntes políticas, mas a maior parte era composta por capitães e tenentes da
classe média.
180
José Murilo Carvalho; op. cit. p. 10.
129
esperança”, a rememorização de sua passagem em “solo tocantinense”
contribui para reforçar a imagem, criada pelo discurso oficial, de um estado
que segue o caminho da modernização, o caminho procurado pelos tenentes,
uma vez que “com rodovias”, energia e saneamento, “Tocantins prepara seu
futuro”, um futuro de esperanças como se insinua ter sido a causa defendida
pelos tenentes. Aqui se toma o passado como simples espetáculo, e o fato é
apresentado como se sua seleção não obedecesse a nenhuma posição política
e ideológica.181
Eu acho bonito assim, mas... Eu ouvi falar que aquilo ali é uma história do
Rio de Janeiro, nem entendo aquilo lá, uma coisa que não tem nada a ver com
Palmas.183
181
FIRMINO Eugenio Pacelli de Morais. Ensino de História, Identidade e Ideologia: a experiência do
Tocantins. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Goiás. Goiânia: 2003, p. 122 e 123.
182
SOARES, Marlilde Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas,
agosto de 2010. Perfil: Nasceu no Maranhão, dia 10 de setembro de 1967, foi para Palmas no final de
1992 com a mãe, deixando temporariamente os filhos no Maranhão. Estabeleceu-se em Palmas
incentivada pelo primo Adilson que já morava na cidade. Ela participou do processo de invasão da Vila
União, onde montou um barraco de lona para garantir um lote. Atualmente Marlilde trabalha como
funcionária de uma lanchonete, sua mãe reside em casa da Vila União e Marlilde, na quadra 1006 Sul.
183
SOARES, Marlilde Pereira de. Pioneira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis,
Palmas, agosto de 2010.
184
ACAMPORA, Alexandre. Escritos de Jornal. Palmas: Pró Design Comunicação, Palmas, p. 169.
130
A possível temporada no Rio de Janeiro, trabalhando como estafeta no Partido
Comunista, foi mais uma razão para a atual homenagem de Siqueira à Coluna Prestes no
Tocantins.
Conheci o Brasil da Coluna Prestes viajando durante todo o ano de 1995 por
suas trilhas. Entrevistei os últimos combatentes e 350 testemunhas oculares
daqueles acontecimentos. Em milhares de fotografias registrei rios, estradas,
casebres, serras, porteiras e árvores, que guardam em seus corpos as marcas
dos revoltosos. Ao pisar o chão do Tocantins, o governador José Wilson
Siqueira Campos me contou sua intenção em construir o Memorial Coluna
Prestes. Por telefone conversei com o arquiteto Oscar Niemeyer sobre o
assunto, que criou o projeto agora realizado.185
O arquiteto Oscar Niemeyer foi grande amigo de Carlos Prestes, sobretudo pelas
afinidades políticas, de modo que sempre procurou homenageá-lo com seus projetos de
arquitetura. Em 2001, com o apoio do governador, foi construído na Praça dos Girassóis
o Memorial Coluna Prestes, um projeto que tinha sido desenvolvido por Oscar
Niemeyer para a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro e que, como não foi executado lá,
terminou sendo construído no Tocantins.186
185
Material de propaganda do Governo do Estado do Tocantins ao Memorial Coluna Prestes.
186
Entrevista realizada com Luiz Carlos Prestes Filho no dia 03 de dezembro de 2009, no Rio de Janeiro,
a respeito do projeto arquitetônico do Memorial Coluna Prestes, obra de Oscar Niemeyer na praça dos
Girassóis.
131
O memorial foi inaugurado na data comemorativa de 13 anos de criação do novo
Estado (05 de outubro de 2001) e contou com a presença da viúva e do filho de Carlos
Prestes. O prédio abriga um acervo de aproximadamente trezentas peças que
pertenceram a Luis Carlos Prestes e aos membros da Coluna, fotografias, filmes, livros,
armas, móveis, documentos diversos, dois diários particulares com reconstituição do
movimento tenentista à Revolução de 1930. O prédio possui 570 metros quadrados e
um salão destinado a exposições, um auditório, sala para exibição de vídeo e salas
administrativas. (Foto 22 e Figura 24)
132
Figura 24: Memorial à Coluna Prestes (Croqui de Niemeyer).
Fonte: Acervo da Fundação Oscar Niemeyer.
187
Almanaque Cultural do Tocantins, TO; 1999 – 2002; p. 10.
133
Foto 23: Escultura de Luiz Carlos Prestes (autor Maurício
Bentes, 2000).
Fonte: Acervo pessoal da autora (2009).
Símbolos e mitos podem, por seu caráter difuso, por sua leitura menos
codificada, tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses,
aspirações e medos coletivos. Na medida em que tenham êxito em atingir o
imaginário, podem também plasmar visões de mundo e modelar condutas. 188
189
Conforme já foi citado, a única referência entre Siqueira Campos e o Partido Comunista diz respeito ao
seu trabalho como estafeta na sede da Glória, no Rio de Janeiro, relatado pelo próprio Siqueira Campos
em entrevista ao Jornal do Brasil (maio de 1990). Não há registros de nenhum parentesco dele com o
Tenente Siqueira Campos que participou da Intentona Comunista.
190
GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
191
José Murilo de Carvalho, op. cit, p. 11.
192
O prédio possui quatro pavimentos e um subsolo, com área útil de 14 mil metros quadrados.
135
monumental. Edson Eloy Souza elogia o caráter visual do palácio, que é marcado pelos
arcos de cerâmica de proporções variadas que apóiam um generoso beiral que circunda,
protege e sombreia toda a caixa de vidro dos espaços interiores.193
193
SOUZA, Edson Eloy. Planejar no Cerrado. Revista Arquitetura & Urbanismo. Coluna Intersecção.
Edição 159 - junho 2007.
194
SEGAWA, Hugo. Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade? Projeto: Revista Brasileira de
Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial e Construção, s. l.: n. 146, p. 94-109, out. 1991, p. 107.
136
Foto 24: Palácio Araguaia (Sede do Executivo). Projeto: Ernani Vilela, Maria Luci da Costa (Praça dos
Girassóis).
Fonte: Acervo pessoal de Maurício Bentes (2002).
195
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 02 de
fevereiro de 2011. Perfil: Fábio nasceu em Alcântara, Maranhão, dia 24 de setembro de 1970, é graduado
em filosofia pela Universidade Federal do Maranhão (1993), possui mestrado em Filosofia Política pela
Universidade Federal de Goiás (2000) e foi aprovado em concurso público na Universidade Federal do
Tocantins e por este motivo veio morar em Palmas em 2003.
137
qualquer inspiração nas obras citadas, e que o prédio foi “pensado em estilo colonial
reeditado vista” 196, não remetendo a nenhuma obra particularmente.
Houve também a eliminação de uma praça original elíptica (Figura 26), a adição
e depois a retirada de um monumento à Lua, além de acréscimo de elementos na
cobertura do edifício e a aplicação de painéis nas vigas do seu coroamento.
196
Carta manuscrita enviada à pesquisadora pelo arquiteto Ernani Vilela em março de 2008, contendo
detalhes sobre a sua participação em projetos da nova capital Palmas, em 1989 e 1990.
138
Figura 26: Maquete da Praça dos Girassóis.
Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (1989).
O cruzamento dos eixos que dava forma à praça elíptica (Figura 25) foi
interrompido em 1998, pois o prédio estava muito próximo da movimentada avenida e
esta conformação gerava vulnerabilidade e possibilitava reivindicações e manifestações
públicas indesejadas. Sobre este episódio, o arquiteto Pedro Lopes, que mora na capital
desde 1990, nos conta que:
197
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
139
A localização do prédio se deu também pela escolha do ponto mais alto na
topografia. Fernando Cruvinel nos conta a maneira como o governador indicou a sua
preferência a respeito da localização do Palácio:
Ele conta também que, na segunda vez que esteve no local onde seria
construída a nova Capital, foi recebido pelo emissário do Governador, senhor
Luiz Cajazeira, que disse: - Olha, o Governador decidiu que é pra colocar o
Palácio Araguaia em cima daquele morrinho ali. “Nós dissemos que iríamos
conversar em seguida com o Governador sobre os aspectos técnicos, mas aí o
Cajazeira nos retrucou, lembra Walfredo. - Ó moço! Nós estamos nos
encontrando hoje, eu não conheço o projeto e nem o senhor. Mas eu conheço
o Siqueira há muito. Se ele tá arrumando um jeito de fazer uma Capital aqui e
se ele falou que o Palácio tem que ficar ali, é melhor o senhor não mudar o
lugar porque senão é capaz de mudar de técnico.200
A ordem para que a localização do Palácio Araguaia ficasse “em cima daquele
morrinho” indicado pelo governante foi diretriz seguida pelos urbanistas, como
podemos constatar na conclusão da narrativa de Antunes:
198
TEIXEIRA, Luiz Fernando Cruvinel. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas: 24 de setembro de 2009.
199
SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo: Nobel, 1936, p. 15p.
200
Jornal do Tocantins - 20 de maio de 2000.
201
Idem.
140
Mas, além das relações de posição e de dimensão no espaço, a forma das
edificações será determinada pelo seu conteúdo simbólico, pelo seu significado. É o que
afirma o historiador americano Lewis Munford:
202
MUNFORD, Lewis. A cidade na História. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 115.
203
Para este estudo foram consultadas duas pessoas que tiveram relação direta com a idealização dos
painéis: Kátia Rocha (Secretária de Cultura no período de 1999 a 2003) e o Desembargador Marco
Antony Villas Boas (pertencente à Academia Tocantinense de Letras), organizador do texto no qual o
escultor Maurício Bentes (1958 – 2004) se baseou para a confecção dos painéis.
141
A história do povoamento e colonização do território que hoje constitui o Estado
do Tocantins é contada em quarenta e oito cenas que representam a entrada dos
bandeirantes, os dias da fundação da capital e lançamento de sua pedra fundamental. A
composição das cenas nos painéis procurou obedecer à “cronologia histórica”. De
acordo com o historiador inglês Peter Burker:
Nesta outra obra, a arte mais uma vez fortalece o vinculo entre arquitetura e o
discurso político. Mais um artista é convidado a ilustrar a historiografia oficial
tocantinense: D.J. Oliveira (1932-2005)205. Dois grandes painéis foram fixados nas
paredes do hall de entrada do Palácio Araguaia (Fotos 26 e 27). O primeiro representa a
história do antigo Norte de Goiás, no Período Colonial; o segundo representa a história
do Tocantins, no Período Republicano. As obras foram encomendadas no governo de
Siqueira Campos.
204
BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: A Construção da Imagem pública de Luís XIV. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 59.
205
D.J. Oliveira nasceu em Bragança Paulista, São Paulo (1932), chegou em Goiânia em 1956, falecendo
na mesma cidade em 2005. De 1961 a 1972 lecionou Pintura, Desenho e Gravura na Escola Goiana de
Belas Artes da Universidade Católica de Goiás. Foi gravador, cenógrafo, figurinista, professor, desenhista
e pintor, ele se definia ‘apenas e fundamentalmente um pintor’.
142
Foto 26: Painel 1- História do Antigo Norte de Goiás, Período Colonial (2002).
Fonte: Acervo pessoal (2009).
206
ALMANAQUE CULTURAL DO TOCANTINS, ANO 04, DEZEMBRO – 2002, EDIÇÃO
ESPECIAL. Retrospectiva da Cultura. 7 anos com você! De outubro de 1999 a dezembro de 2002, trinta e
sete edições.
144
Mas a partir de quando é possível falar de uma historiografia individual ao
estado Tocantins? Talvez a resposta mais lógica e convincente precise reportar-se ao
tempo em que o atual território era povoado pelos índios Xingus e Txucarramães, antes
do ‘Descobrimento’ do Brasil. Será? Ou quando o Estado foi desmembrado de Goiás em
1988?! Carvalho nos esclarece que:
O governador lançou mão desse recurso utilizando os artistas para tais fins.
Oliveira e Bentes produziram símbolos para o novo Estado. Basta uma superficial
analise nas imagens que seguem (Fotos 29 e 30).
207
José Murilo Carvalho; op. cit. p. 10. .
145
Foto 30: Deputado Siqueira Campos greve de fome para aprovar o projeto de
criação do Tocantins (Painel de Dj Oliveira, 2002).
Fonte: Acervo pessoal (2008).
208
VILLAS BOAS, Marcos Antony. Projeto Frisa, A História do Tocantins contada em alto relevo nas
vigas do Palácio Araguaia. Academia Tocantinense de Letras. Acadêmico Desembargador Marco Villas
Boas, Palmas, 20 de dezembro de 2.002.
146
Em mais uma analogia com a obra de Peter Burke, A Fabricação do Rei: A
Construção da Imagem pública de Luís XIV, em que autor analisa a imagem publica de
Luis XIV, o lugar que o rei ocupa na ‘imaginação coletiva’. É possível, ainda, fazer um
paralelo entre arte e política na fabricação de um grande homem, imagem esta que
estava sob constante revisão e serviu de modelo para outros monarcas. Segundo Burke,
ninguém melhor do Luiz sabia “como vender suas palavras, seu sorriso, até seus
olhares.”
Podemos aqui citar os termos destacados por Burke, para entender como
funciona a construção da imagem de Campos, exemplo: ‘estado de teatro’, ‘fabricação’,
‘mitificação’, ‘propaganda’, ‘imagem’, ‘a feitura de um grande homem’, “construção
simbólica da autoridade”, ‘estudo do mito’, ‘representação’. O teórico social
Montesquieu, que cresceu no reinado de Luis XIV, fez um comentário que vale
destacar: “o fausto e o esplendor que cercam os reis são uma parte do seu poder.”
A idéia de que pinturas eram a Bíblia dos analfabetos tem sido criticada com
base na consideração de que muitas imagens nas paredes de igrejas eram
excessivamente complexas para serem compreendidas por pessoas
comuns.210
209
Peter Burke, op. cit., p. 68.
210
Ibid. p. 60.
147
De Segurado a Siqueira o ideal seguiu
Contra tudo e contra todos firme e forte,
Contra a tirania
Da oligarquia,
O povo queria
Libertar o Norte!
211
FIRMINO Eugenio Pacelli de Morais. Ensino de História, Identidade e Ideologia: a experiência do
Tocantins. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Goiás. Goiânia: 2003, p. 55.
212
Peter Burke, op. cit., p. 83.
148
Foto 31: Estátua do Imperador Augusto 63 a. C. – 14 d. C. Pedra. Museu Gregoriano Profano, Roma.
Fonte: BURKE (2008), p. 82.
149
A foto da estátua de Campos (Foto 32) confeccionada pelo artista Maurício
Bentes faz parte do acervo fotográfico da mãe do artista, Wanda Bentes, em sua
residência no Rio de Janeiro. Wanda Bentes informou que esta obra não foi concluída,
tendo sido feito apenas um protótipo em tamanho real, cuja localização atual ela não
sabe informar.
213
Idem.
214
Jornal o Globo. O País. “Siqueira Campos, herói segundo ele mesmo”. Rio de Janeiro, 23 de agosto
de 1998.
150
Figura 27: Cartilha direcionada às crianças da rede pública do Tocantins.
Fonte: O Globo (Agosto de 1998)
A relação do mito com a história é muito vasta, como pudemos verificar nas
imagens personalistas e de auto-referência mostradas nesse tópico. A seguir trataremos
da opulência arquitetônica que corroborou para a construção do discurso.
151
3.4.4. Assembléia Legislativa, Palácio da Justiça e Secretarias do Estado
152
Foto 35: Secretaria Estadual (1990).
Fonte: Acervo pessoal (2009).
215
VILELTA, Ernani Vilela. Arquiteto e urbanista de prédios institucionais da Praça dos Girassóis.
Correspondência eletrônica trocada com autora da tese durante o ano de 2008.
153
Figura 28: Perspectiva (Secretaria).
Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (1989).
216
SOUZA, Edson Eloy. Planejar no Cerrado. Revista Arquitetura & Urbanismo. Coluna Intersecção.
Edição 159 - junho 2007.
154
Basta você observar a tipologia dos edifícios, seus materiais, cores, linhas,
formas, então existe sim esse formalismo, foi intencional inclusive o desenho
disso, para que tivesse uma família de edifícios que caracterizasse a cidade
administrativa. Pensou-se uma época em evitar uma certa critica, por parte de
alguns que vieram visitar Palmas, que aquilo seria uma arquitetura paulista,
concreto, tijolo aparente, vidros, brises, pisos elevados, canteiros elevados,
com plataformas inclinadas com talude, então se caracterizava com a
arquitetura paulista da década de setenta. 217
217
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
155
Figura 29: Praça dos Girassóis (1989).
Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (2008).
218
VILELA, Ernani. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Correspondência
Eletrônica. 2008.
156
Figura 30: Perspectiva do Museu do Tocantins. Projeto de Ernani Vilela, Maria Luci e Maria Esther.
Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (1989).
157
Foto 36: Catedral de Palmas (Maquete em Exposição no Palácio Araguaia.)
Fonte: Acervo pessoal (2009).
Essa situação até 2011 é de grande improviso. É possível ver parte da fundação
do templo inacabada e logo ao lado tendas armadas, onde aos domingos os católicos se
encontram para a celebração de ritual religioso. Tomemos o depoimento do arquiteto
Pedro Lopes, que tem acompanhado algumas das polêmicas que cercam determinados
prédios públicos da capital:
219
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
158
também é notada com a troca do projeto da catedral, primeiramente pensada como parte
do conjunto cívico da cidade e, que, a priori foi realizado pelos arquitetos Ernani Vilela
e Maria Luci e atualmente consta em maquete pública com outra forma não
oficialmente informada à população.
159
CAPITULO 4 - A memória dos lugares praticados e seus subterrâneos no espaço
ad infinitum de Palmas
220
LEFEVBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999; p. 9.
160
4.1. A fala dos passos perdidos
221
Michel de Certeau, op. cit. p. p. 179.
222
ARGAN, Giulio Carlo. O espaço visual da cidade. In: História da Arte como História da Cidade. São
Paulo: Martins Fontes, 1995; p. 231.
161
Em Palmas as trajetórias são restritas e pouco interativas. A partir de uma
simples comparação das imagens estampadas a seguir mostra que o traçado dos passos
de pedestres de Palmas (Figura 33) está mais para uma tela de Mondrian (Figura 34) do
que propriamente de Pollock, veja as imagens.
162
Figura 33: Previsão da cidade de Palmas para 2010.
Fonte: Acervo digital do GrupoQuatro (1989).
Figura 34: Piet Mondrian, Composição, 1929 (Óleo sobre tela) Belgrado,
Museu Nacional.
Fonte: PRETTE (2008), p. 335
163
O desenho do plano feito pelo GrupoQuatro, conforme mostra a Figura 33, é
uma previsão de como a cidade ficaria em 2010. Ao lado temos um desenho da cidade
de Lisboa, século XVI, cujo desenho é orgânico e espontâneo.
223
Butin apud Bauman, p. 88.
224
Jane Jacobs (1916-2006) foi uma escritora norte-americana naturalizada canadense, ativista política,
jornalista e economista autodidata, colaboradora e mais tarde editora associada da revista Architectural
Forum.
164
Os planos e práticas modernistas, baseadas nos princípios do mestre franco suíço
Le Corbusier, das quais Jacobs tornou-se ferrenha combatente ganharam grandes
dimensões na criação de cidades ex nihilo, ou seja, criadas a partir do nada, da estaca
zero. Em seguida serão abordados alguns tópicos, como a rua, o uso das calçadas, as
faixas para pedestres, o sistema de comunicação visual, as quadras, os vazios urbanos, a
questão dos muros, as praças públicas, a segregação socioespacial e a paisagem natural
de Palmas.
4.2.1. A rua
O artigo Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade, publicado por Hugo
Segawa, em 1991, na revista Projeto, tornou-se referência nas pesquisas sobre o plano
urbanístico da cidade, por ser um dos primeiros trabalhos publicados sobre o
planejamento da nova capital. Nele, o autor entrevista os arquitetos responsáveis pelo
projeto, além de destacar detalhadamente os princípios que embasaram a concepção
urbanística da dessa capital. Um trecho mostra a intenção dos arquitetos quanto ao
funcionamento do sistema viário:
Jacobs destaca três qualidades principais que uma rua urbana deve ter para
garantir a vitalidade e a segurança do cidadão. Primeiramente, ela deve estabelecer
demarcação nítida entre o espaço público e o espaço privado. Espaço público e privado
não devem, de modo algum, confundir-se, como ocorre entre subúrbios e conjuntos
habitacionais. No desenho urbano das ruas de Palmas, espaços públicos e privados
foram muito bem definidos pelas regras urbanísticas de um traçado convictamente
ortogonal.
225
SEGAWA, Hugo. Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade? Projeto: Revista Brasileira de
Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial e Construção, s. l.: n. 146, p. 94-109, out. 1991, p. 96.
165
para ela. Não devem nem virar-lhe as costas, nem oferecer-lhe uma fachada cega. Neste
ponto me vem à mente, como num eco longínquo, o poeta grego Konstantinos Kaváfis
(1863-1933), com seu poema “Muros”:
O desenho das quadras de Palmas privilegia sua área central, de modo que as
fachadas das casas se voltam para o interior das quadras. Dessa maneira, as vias
secundárias, que circundam as quadras, têm como visual a imagem dos muros dos
fundos das edificações. (Foto 37)
Foto 37: Fachada cega dos muros dos fundos das residências, na
quadra 203N.
Fonte: Acervo pessoal (2009).
226
KAVÁFIS, Konstantino. Poemas. Seleção, estudo crítico, notas e tradução de José Paulo Paes. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p.105.
166
Essa situação, criada com base em regras urbanísticas, contribuiu para uma a
paisagem urbana fechada e repetitiva, além de gerar um entorno inseguro. Essa maneira
de edificar motivou ou se conjugou para ao que Jacobs pontuou como condição propícia
‘à falta de vida urbana nas cidades planejadas’. Ao observar estes fatos, o professor
Fábio Duarte questiona o projeto urbanístico de Palmas:
O arquiteto Hildebrando Paz, narra uma curiosa história sobre a visita do seu
sobrinho à capital e as primeiras impressões do menino ao chegar à cidade nova.
É a história de um menino que veio para Palmas e perguntou paro o tio dele
porque é que tinha tanto cemitério na cidade. O fato é que o menino morava
no interior, onde o único local cercado, murado era o cemitério, então ele viu
uma grande quantidade de muros na capital e associou rapidamente às suas
memórias de criança. E isso é algo que considero ruim para a nossa cidade.228
Existe uma hipótese para este fato, a Lei Municipal de Código de Obras
proibia o muro, você poderia fazer muro em frente de casa, mas com 1 metro
de altura só e o restante seria gradil. Depois entrou um secretário de finanças
na Prefeitura em 1995 que bolou uma mudança na legislação do IPTU, onde
incentivava o muro. Foi essa lei que incentivou o muro, quem fazia muro
ganhava desconto de IPTU, então todo mundo começou a fazer muro, muro e
calçada para ter o desconto de x% no IPTU. De 1995 pra cá houve “o bum do
muro”. É lógico, se eu tenho desconto no IPTU, eu vou fazer o muro. Então
isso é uma coisa que a gente tem que reverter, na realidade tem é que mudar a
lei, incentivar o gradil, não o muro.
227
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 02
de fevereiro de 2011.
228
PAZ, Luiz Hildebrando. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 05 de
agosto de 2010.
167
Jacobs indica um terceiro ponto para a qualidade do meio urbano: a calçada deve
ser ininterrupta, único meio de aumentar e garantir a multiplicação de olhos, olhares a
“viver” a rua, único meio de seduzir e atrair o encontro de quem seja incitado a sair,
desentocar-se das “cavernas” dos edifícios. Ninguém gosta de pôr-se à janela e
contemplar o vácuo, uma rua vazia. Pelo contrário, as pessoas sempre podem ser
excitadas à contemplação de uma rua fervendo de bulício, de passos e rumor de gente,
uma tradição nas capitais brasileiras, como o atestam romances de José de Alencar e
machado de Assis. Mulheres, damas chegavam a possuir almofadinhas para evitar calos
nos cotovelos apoiados às janelas que se abriam para a rua.
A baixa variedade de usos nas quadras torna a cidade sem atrativos e pouco
eficientes, além da densidade habitacional que também é baixa na maioria das quadras.
Não há definitivamente, por ora, pelo menos, atrativos à utilização das parcas calçadas
de Palmas.
Tais calçadas são insuficientes (Foto 38) e subutilizadas, por dois motivos:
primeiro porque a cidade cresceu de forma difusa, espalhada, descentralizada,
diferentemente do que preconizavam seus planejadores, o que aumentou muito os
gastos com infraestrutura. Cabe dizer, aliás, que o calçamento, em grande parte da
cidade, é inexistente (Foto 39). Em segundo lugar, há de interferir o tamanho das
quadras, fato que se associa às condições climáticas inóspitas do cerrado que, na maior
parte do ano, gera condições climáticas que contribuem para a difícil movimentação de
pedestres em Palmas.
168
Foto 38: Calçamento interrompido na Quadra 202N.
Fonte: Acervo pessoal (2009)
169
A extensão das quadras é imensa e ultrapassa a relação com o quarteirão que
tínhamos nas cidades convencionais. Para os realizadores do traçado:
Todavia, Jacobs alerta que a separação entre carros e pedestres não é interessante
à vivacidade do espaço Assim como em Brasília, em Palmas o automóvel também é
protagonista e tem seu lugar bem definido dentro do projeto urbano proposto, ocorrendo
cisão nítida entre carros e pessoas, a pessoa e seu urgente trafegar e a bastante suar para
ter acesso ao seu veículo.
229
SEGAWA, Hugo. Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade? Projeto: Revista Brasileira de
Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial e Construção, s. l.: n. 146, p. 94-109, out. 1991.
170
Aqui em Palmas ou a gente se orienta pelo palácio, pela prefeitura, pelos
bancos, pelos prédios importantes ou pelos córregos. Eu mesmo moro na Vila
União, ela fica logo depois do Córrego Água Fria, se o senhor me perguntar o
nome, o número de alguma rua, avenida de Palmas, eu não sei responder, não
senhor.” (seu Sebastião da Silva, pioneiro, Palmas, 1993) 230
O novo conceito proposto para a numeração das quadras situa a Praça dos
Girassóis no ponto (0,0) nas ordenadas dos quadrantes que a definem. A abscissa e a
coordenada zero correspondem à Avenida Theotônio Segurado e à Avenida Juscelino
Kubitschek. (Foto 40)
230
LIRA, Elizeu Ribeiro. A Gênese de Palmas. Porto Nacional: Mimeo. Unesp, 1995, p.272.
231
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo- USP (1975), mestrado em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1987) e doutorado em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1995). Atualmente é professor doutor dos cursos de
graduação e pós-graduação da FAUUSP. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em
Comunicação Visual, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação visual, identidade visual,
arquitetura e urbanismo, artes plásticas e sinalização ambiental urbana,
232
MINAMI, Issao; CUNHA, José Arnaldo D. Um sistema de comunicação visual urbana para a
Cidade de Palmas no Estado de Tocantins. In.__________Sinopses 26. Universidade de São Paulo,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Dezembro, 1996.
171
Foto 40: Totem de indicação de avenida.
Fonte: Acervo pessoal (2009).
172
As quadras (Foto 41) também adotaram uma codificação alfa-numérica de três a
quatro dígitos, para oeste da Avenida Theotônio Segurado (102N, 104N, 106N ao norte,
e 102S, 104S, 106S ao sul da Avenida Juscelino Kubitschek) e ímpar à leste (101N,
201N, ..., 1001N, 1101N ao norte da avenida Juscelino Kubitschek e 101S,
201S,...1001S, 1101S ao sul). O morador de Palmas Rafael Lima de Carvalho233 acha
que:
A nomenclatura das avenidas poderia ser mais natural, sendo batizadas com
nomes comuns facilitando a localização e memorização. Eu, por exemplo, só
sei o nome de uma avenida localizada em um dos lados da quadra onde moro,
pois foi nomeada como Juscelino Kubitschek. Siglas seguidas de números se
aparentam a dados computacionais ou mecânicos, longe de seres humanos.
Aproveito para resgatar as respostas de alguns conhecidos quando são
questionados sobre quais avenidas conhecem, eles respondem com as únicas
três avenidas do plano diretor que têm algum nome comum, como Palmas
Brasil, JK e Theotônio Segurado. O restante da sopa de letrinhas e números
só contribui para o estresse de se sentir perdido, na falta de um mapa para se
locomover em Palmas. 234
233
CARVALHO, Rafael Lima de. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 16
de fevereiro de 2009. Rafael é professor da Universidade Federal do Tocantins e morador de Palmas
desde agosto de 2000, nasceu em Porangatu (Goiás), dia 29 de agosto de 1984. Veio para Palmas
acompanhar a mãe, que fora aprovada em concurso público para a Prefeitura de Palmas, na função de
técnica em enfermagem. Desde que chegou à Palmas, Rafael trabalha na Universidade Federal do
Tocantins, primeiro como programador e atualmente como professor efetivo do curso de computação.
234
Idem.
235
SILVA, Michel de Almeida. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 01
de fevereiro de 2011.
173
Muito confuso tanto em se locomover nas avenidas principais devido a falta
de elementos visuais de identificação (marcos visuais) e pela homogeneidade
do desenho das vias e pontos nodais... ruas muito parecidas umas das outras.
Dentro das quadras é pior ainda, não existe uma lógica de distribuição das
alamedas e lotes, (visto que cada miolo de quadra foi projetado por diferentes
profissionais, não que isto seja ruim, mas acho que faltaram diretrizes de
projeto que buscam uma lógica de mobilidade) os miolos de quadra mais
parecem labirintos, hora com ruas sem saída, hora com ruas mal sinalizadas e
para piorar existem dois endereços. As cidades que já morei sempre tinham
pontos visuais do tipo, vire a esquerda ao passar por tal posto, depois do
terceiro semáforo vire a direita, na casa azul vire a esquerda e depois de
passar por um morro é a terceira casa. Aqui você não tem esses marcos
visuais, além de que as pessoas ficam confusas dentro da rotatória, não sabe
pra que lado virar.236
A cidade nova que não privilegia o ato de “flanar”, torna o sujeito um Voyeur do
volante, muito menos participante das massas de pedestres, passa a ser aquele que
enxerga tudo de dentro do automóvel, moldando uma nova dinâmica, que o faz
vislumbrar as imagens da cidade em uma velocidade que o impede de experimentar, de
vivenciar o meio urbano, o morador como sujeito caminhante, sendo impelido pelo
236
GONÇALVES, Carlos Eduardo Cavalheiro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos
Reis. Palmas, 31 de janeiro de 2011.
237
Jane Jacobs, op. cit., p. 499.
174
voyeurismo quase frenético da nova dinâmica espacial, emoldurado pela janela do
automóvel. Por outro lado, a moradora da quadra 204 Sul (antiga ARSE 21), Luara de
Aquino Ramos menciona o desconforto causado pelas altas temperaturas da região.
Outra coisa séria em Palmas é o calor, como você caminha? Então quer dizer,
a questão das árvores, da plantação, isso são coisas que conscientemente
temos que nos preocupar em cuidar e sobre a gente andar dentro do carro, eu
acho que é um prejuízo para o ser humano porque vivemos num sedentarismo
e você vai percebendo isso nos hospitais.238
Devo mudar de Palmas um dia, tornou-se uma cidade fria, eu não tenho
relacionamento de rua com a população, eu tenho alguns amigos e a gente faz
churrasco na casa deles, na minha, faz jantar na sua, faz uma festa de
aniversário na casa dela, mas e os de rua? Eu vou ficar só com esse circulo?
Eu não vou mais conhecer ninguém até morrer, não, eu quero conhecer o cara
na rua que sirva de engraxate, eu quero conhecer um cara na rua que seja um
taxista, eu quero conhecer o jardineiro... é, porque você tem vida no contexto
e isso faz bem a nós, relacionamento, conversas diferentes, risadas,
histórias.239
Os poucos lugares de encontro, que ainda contém o gérmen da vida urbana estão
no comércio da Avenida Juscelino Kubitschek (que funciona apenas no horário
comercial), na feira da quadra 304 (antiga ARSE 31), na feira da quadra 307 Norte
(antiga ARNO 33), na feira do bosque (próxima a Prefeitura de Palmas) nos espaços
fechados, acondicionados e vigiados dos shoppings e galerias. Além desses lugares
existem outros mais isolados, pequenos guetos, como bares e danceterias.
238
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
239
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
175
A Avenida Juscelino Kubitschek, no centro do plano urbanístico, concentra a
maior parte do comércio e serviço de Palmas. Durante o horário comercial, há
dificuldade para encontrar estacionamento ao longo dela e a movimentação de pedestres
é considerável. No entanto, durante o período noturno, a rua perde seu uso comercial,
tornando-se pouco movimentada, monótona e até mesmo perigosa.
O arquiteto e morador de Palmas desde 1990, Pedro Lopes sente orgulho por ter
contribuído com a construção da nova capital. Ele que foi servidor publico estadual,
chefe da assessoria técnica de planejamento, quando realizou algumas consultorias de
projeto com vistas à implantação da cidade, projetos de viabilidade econômica, projetos
físicos, territoriais e urbanísticos. Além do que, teve relações enquanto servidor do
Estado, interesses nos projetos produzidos pelo GrupoQuatro.
Mas Pedro Lopes se sente recente também da falta de vida da capital, sofre com
a solidão imperante nas principais avenidas da cidade e relata:
240
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
241
Idem.
176
na Vila União, que é uma região localizada no centro da cidade, cuja formação remonta
a um processo de invasão consentida pelo Estado em 1992, no governo de Moises
Avelino (1991 a 1995). Zilda Barros participou desse processo de invasão e narra como
foi a sua chegada à nova cidade em 1990, quando saiu da cidade de Guaraí para se
aventurar em Palmas.
Como que eu vim para aqui? Eu vim pra cá em 90, vim de Guaraí, vim pra cá
em busca de trabalho, melhora de vida, igual a todo mundo que vem pra cá
pra Palmas ou qualquer outra capital. A minha irmã já morava aqui e eu sai
de Guaraí em busca de trabalho, a minha irmã já morava aqui e eu vim pra
casa dela, para poder conseguir um trabalho. Só que como a gente gosta de
conquistar o espaço da gente, ter as coisas da gente, aí tinha a invasão já lá,
então eu comprei um barraco, aqueles barraquinhos de lona ao redor de
palha, comprei esse barraco e passei pra dentro dele e comecei a trabalhar
também.242
Mais ou menos no mesmo período em que Zilda ocupou com um barraco de lona
um espaço na denominada Vila União, houve um incêndio que destruiu grande parte dos
barracos. O governador neste período era Moisés Nogueira Avelino (1991 a 1995). O
acontecimento forçou a prefeitura a tomar uma atitude mais contundente sobre o fato. A
moradora da Vila União e pioneira na capital. Zilda Barros narra o episódio:
A gente passou assim mais ou menos um ano lá, nessa penitência. Depois
quando pegou fogo lá, estávamos no trabalho. Depois eles [a prefeitura]
levaram todo mundo, todo mundo perdeu tudo, eu fiquei sem nada, sem
compra, sem cama, sem nada, tudo que a gente tinha no barraco, que era meu
e do meu irmão, queimou tudo. Fomos levados para a escola da 33, o Colégio
Vila União, ficamos lá mais ou menos uma semana, mais de uma semana,
não sei, uns quinze dias, nessa época era tempo político, era o Avelino com o
Siqueira Campos. Se não me engano Avelino estava querendo se reeleger, ai
ele levou a gente pra essa escola. Dessa escola eles foram distribuindo lotes,
um loteamento, que estava sendo aberto ainda, igual teve aqui, teve lá pras
Aureny´s, tiveram em vários lugares. Ele tava mudando o povo e nós tivemos
a sorte de ficar aqui e nós conseguimos e quando eles foram abrindo as ruas e
já botando o povo, colocando o povo e o povo já foi ficando. Fizemos aqui
do mesmo jeito de lá, igualzinho, o jeito de ser era igualzinho na invasão, lá
era só barraquinho também, não tinha água, não tinha energia, uma vez na
semana o caminhão pipa vinha colocava água pra gente, colocava água e a
gente era só na velinha, na lamparina, não sei se você conhece lamparina e na
vela e assim a gente passou mais ou menos três, quatro anos, nessa
penitência.243
242
SILVA, Zilda Barros da. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 28 de
agosto de 2010. Perfil: Zilda nasceu em Guaraí (Tocantins), dia 03 de outubro de 1970, veio para Palmas
em 1990 e trabalhou como empregada doméstica. Sua irmã, que já morava em Palmas, a incentivou a vir
em busca de trabalho e melhoria de vida. Zilda participou do processo de invasão da Vila União, área
próxima ao centro da nova capital e que atualmente é um dos bairros mais populares de Palmas.
Atualmente mora na Quadra 605 Norte, próxima à Vila União, em um novo loteamento que foi fruto das
primeiras invasões.
243
SILVA, Zilda Barros da. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 28 de
agosto de 2010.
177
Depois de passado o período das eleições, Moisés Avelino não conseguiu se
reeleger, tendo Siqueira Campos assumido o seu segundo mandato (1995 a 1998). Os
relatos a respeito da ocupação irregular da Vila União mostram que o novo governador
não gostava nenhum pouco da idéia de garantir aos pobres terrenos em área tão próxima
ao Palácio Araguaia, visto que as quadras invadidas eram próximas ao centro
administrativo da nova capital. A narrativa de Zilda sobre o período considerado
conturbado prossegue:
Zilda relata que Moisés Avelino, mesmo depois que Siqueira entrou no poder,
continuou lutando para manter os moradores na Vila União, foi à justiça, mobilizou
atenções para a situação e conseguiu que fosse aprovado o plano de loteamento da
região a fim de garantir o direito aos moradores. Siqueira Campos depois de quatro anos
tentou a reeleição e, segundo Zilda, decidiu não impor forças contra aquela situação.
Vela o relato:
Passado os outros quarto anos, ele [Siqueira] tentou a reeleição, antes de
chegar nisso ele concordou em dar o titulo para o povo, é a forma que ele
encontrou pra conquistar as pessoas, porque a política hoje em dia é isso, eles
fazem o que fazem e depois pertinho das eleições eles inventam alguma coisa
que é pro povo esquecer. Mas o brasileiro é tão bestinha que esquece tudo,
não é? Isso é coisa nossa, do brasileiro.245
244
Idem.
245
Idem.
178
pessoas, em decorrência dos fatores destacados por Jacobs, como a diversidade de usos
e densidade populacional. A Vila União tem uma população de aproximadamente
20.967 habitantes.246
Glauco Cocozza afirma que Vila União é o único local no centro de Palmas que
é denominado como bairro. A diferença não está somente na nomenclatura, que se
confunde com as siglas numéricas, mas na identidade que se criou através do processo
de conformação de seu espaço urbano. A face de bairro, onde a paisagem se assemelha a
246
Dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação. População, Área e Densidade
Populacional por quadras. Cadastro Técnico Multifinalitário do ano de 2003.
247
COCOZZA, Glauco de Paula. Paisagem e Urbanidade, os limites do projeto urbano na
conformação de lugares em Palmas. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo - Arquitetura e
Urbanismo. São Paulo: Biblioteca Depositaria: Biblioteca FAU-Maranhão, 2007, p. 154 -155.
248
SOARES, Marlilde Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas,
agosto de 2010.
179
de uma cidade tradicional, consolidou a região, como uma das mais emblemáticas da
cidade.249
Devo mudar de Palmas um dia, tornou-se uma cidade fria, eu não tenho
relacionamento de rua com a população, eu tenho alguns amigos e a gente faz
churrasco na casa deles, na minha, faz jantar na sua, faz uma festa de
aniversário na casa dela, mas e os de rua? Eu vou ficar só com esse circulo?
Eu não vou mais conhecer ninguém até morrer? Não, eu quero conhecer o
cara na rua que sirva de engraxate, eu quero conhecer um cara na rua que seja
um taxista, eu quero conhecer o jardineiro... Por que você tem vida no
contexto e isso faz bem a nós, relacionamento, conversas diferentes, risadas,
histórias.250
A quadra 204 sul (antiga ARSE 21), considerada “área nobre” da cidade, pelo
elevado preços das propriedades e dos lotes, é uma área central de Palmas. Luara Ramos
é moradora desta quadra e também se recente pela falta de vitalidade na cidade e faz
algumas considerações:
O que faz a urbanidade aqui na nossa quadra, a 204 sul [a 21], é a feira, a
feira faz uma urbanidade, faz acontecer uma urbanidade paralela à quadra e
as pessoas não tem urbanidade ali naquela quadra, eu gosto do meu silêncio,
eu acho bom, mas eu penso que a gente tem que ter mais aproximação.251
.
O desânimo a respeito da falta de vida na cidade é uma sensação vivida pelos
moradores de Palmas, que vão se acostumando com a nova urbanidade (ou com a falta
dela) gerada pelas espacialidades estéreis do plano implementado desde 1990.
249
COCOZZA, Glauco de Paula. Paisagem e Urbanidade, os limites do projeto urbano na
conformação de lugares em Palmas. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo - Arquitetura e
Urbanismo. São Paulo: Biblioteca Depositaria: Biblioteca FAU-Maranhão, 2007, p. 135.
250
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
251
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
180
4.2.3. As quadras
Jacobs alerta: a maioria das quadras deve ser curta; ou seja, as ruas e as
oportunidades de virar esquinas devem ser freqüentes, contrariando o que vem sendo
feito pela maioria dos planejadores. Vizinhanças separadas desarticulam o entrosamento
entre os moradores, quadras muito grande isolam seus moradores em pequenos guetos.
Você pode acrescentar que mesmo morando muito tempo em Palmas não se
sabe chegar a um endereço mentalmente. Quando morava em outras cidades
eu conseguia memorizar o caminho até o destino final, aqui não, somente os
destinos fora das quadras. Mas, a partir do momento em que te passam um
endereço dentro da superquadra, você não consegue saber certinho qual
caminho seguir, muitas vezes é preciso pedir para que alguém vá te buscar na
entrada da quadra e isto é corriqueiro. Você entra na superquadra e começa a
caçar a alameda e muitas vezes você fica rodando na quadra para achá-la.253
252
Jacobs, op. cit , p. 205.
253
GONÇALVES, Carlos Eduardo Cavalheiro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos
Reis. Palmas, 31 de janeiro de 2011.
181
submete o habitante de Palmas a rever antigas referências e se adaptar à nova realidade,
o que não faz sem dificuldades.
254
SEGAWA, Hugo. Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade? Projeto: Revista Brasileira de
Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial e Construção, s. l.: n. 146, p. 94-109, out. 1991.
255
Segawa, op. cit.
182
Os vazios urbanos contribuem para a falta de vitalidade urbana, tomando os
caminhos morosos e repetitivos, devido à ausência de construções e repetição de
paisagem verde ou descampada, o oposto do que acontece nas cidades mais densas e
com diversidade de usos.
Essa foi a análise feita pelo arquiteto co-autor do plano da capital, que esteve em
Palmas para participar do Fórum Palmas Minha Cidade, realizado pela Organização
Jaime Câmara, em agosto de 2009. O fórum teve como objetivo abrir discussões e tecer
análises dos quase vinte anos de existência da cidade.
“Hoje é uma cidade feita de muros. Barreiras físicas são construídas por todo
lado: ao redor das casas, dos dormitórios, dos parques, das praças, das
escolas, dos escritórios. ... A nova estética da segurança decide a forma de
cada tipo de construção, impondo uma lógica fundada na vigilância e na
distância.257
256
Jornal do Tocantins. Eduardo Lobo. Urbanismo. Problemas e perspectivas da região em debate no
4° fórum. 24 de setembro de 2009, p. 12.
257
BAUMAN, Sygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro Jorge Zahr Ed. 2009, p. 38.
183
Infelizmente, esse não representa um fenômeno só das cidades planejadas, mas
um reflexo da realidade sócio-econômica brasileira. A forma como têm sido construídos
em Palmas contribuem, sobremaneira, para o aspecto de cidade murada. (Foto 42)
258
Sygmunt Bauman, op. cit; p. 42.
259
Ibid; p. 86.
184
Por outro lado, há a mixofobia. Você convive com estranhos e tem preconceitos
em relação a eles, uma vez que o lixo global é descarregado nas ruas onde você vive; e
você já ouviu falar muitas vezes dos perigos derivados da underclass; e ouviu dizer
também que a maioria dos imigrantes é parasita de seu welfare e até terroristas em
potencial, e que cedo ou tarde acabarão por matá-lo. Nesse caso, conviver com
estranhos é uma experiência que gera muita ansiedade.260
Tais espaços, além de isolar uma parcela da população entre muros, tornam
aquela parte do tecido urbano impermeável para o restante da população, pois se trata de
imensas áreas privadas, que ninguém poderá transpor, porque é particular o acesso, e as
ruas internas não fazem conexão com as outras partes da cidade, vetando o espaço, que
agora não será mais público.
Mas como bem sabemos, “as cercas têm dois lados. Dividem um espaço
antes uniforme em “dentro” e “fora”, mas o que é “dentro” para quem está de
um lado da cerca é “fora” para quem está do outro.”261
260
Ibid. p 87.
261
Ibid. p. 39.
262
Ibid. p. 68.
263
Ibid. p. 71.
185
A separação cria fronteiras e os nãos-desejados são empurrados para cada vez
mais longe, onde são impedidos de desfrutar do privilégio que as elites agregam ao seu
favor. Desta forma buscam-se as diferenças para legitimar tais fronteiras.
264
Sygmunt Bauman, op. cit; p. 75
265
Ibid; p. 84.
186
4.2.6. As praças públicas sem público
Para que fins reclamamos mais espaços livres? Para construir sinistros vazios
entre os edifícios ou para o uso e prazer dos habitantes? Mas estes não
utilizam o espaço livre simplesmente porque ele está ali, ou porque assim o
querem os urbanistas. 266
O planejamento funcional das cidades tem sido tema polêmico nas discussões
sobre o direito à cidade, o direito à vida urbana. Henri Lefrèbvre critica e destaca a
postura de Le Corbusier perante o funcionalismo da cidade moderna reduzindo a
sociedade urbana à realização de algumas funções previstas e prescritas na prática pela
266
Jacobs, op. cit , p.299.
187
arquitetura. Para Levrèbvre “semelhante arquiteto se considera um ‘homem de síntese’,
pensador e prático. Ele aumenta e deseja criar as relações humanas ao defini-las, ao
conceber como Arquiteto do Mundo, imagem humana do Deus criador.” 267
Ao longo desse estudo vimos que o projeto político baseado na criação de uma
cidade-monumento, foi reforçado pelos seus iniciadores também com uma arquitetura
de caráter palaciano, que expressa o poder administrativo do Estado. A imagem
construída afirma a intenção de transformar os primeiros gestores em grandes
inovadores e visionários.
Mas e a outra cidade, aquela que está fora dos limites institucionais, a cidade
que se formou à parte? Como é a vida nessa cidade marginal? Existe nela palácios e
avenidas grandiosas? Participam da propaganda oficial de seus criadores? Quem são os
usuários desses espaços marginais? Onde moram o mestre de obras, o servente e todos
aqueles que carregaram pedras e empurraram carrinhos de cimento para construir
Palmas? O poema de Bertold Brecht Perguntas de um trabalhador que lê (Fragen eines
lesenden Arbeiters)268 expõe a importância ignorada daqueles que participaram
ativamente da construção de grandes símbolos.
267
Michel de Certeau, op. cit; p. 178
268
Bretch apud Leandro Konder, op. cit; p. 30.
188
continuaram a dar ordens a seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César ocupou a Gália.
Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro? Felipe da
Espanha chorou quando sua frota
naufragou. Foi o único a chorar?
Frederico Segundo venceu a guerra dos sete anos. Quem
partilhou da vitória?
A cada página uma vitória.
Quem preparava os banquetes comemorativos? A cada dez anos
um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas informações.
Tantas questões.
Essa leva de migrantes, analisa o prefeito, só fez piorar uma situação cada
vez mais perigosa. “Antes esse pessoal ia para o Rio e São Paulo”, lembra
Eduardo Siqueira Campos. “Agora estão vindo para Palmas”, conclui.
189
Nenhum operário decidiu abandonar a nova capital e, em muitos casos, a eles
se juntaram seus familiares. O erro de previsão fez com que não houvesse
moradias disponíveis no plano-piloto, inaugurado inconcluso, com as
construções limitando-se à Asa Sul. Surgiram acampamentos de excluídos,
muito semelhantes às favelas existentes nas maiores cidades brasileiras; a
contragosto o governo ‘legalizou’ tais aglomerações, originando-se daí as
cidades- satélites.” 269
Geraldo Batista afirma que Brasília é hoje uma grande aglomeração composta
por um conjunto de setores urbanos satélites polarizados por uma área central localizada
no Plano Piloto. Este centro coincide com a área urbana tombada pelo patrimônio
histórico.271
269
CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na
arquitetura (1930/60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2006. p.219
270
Lauro Cavalcanti, op. cit; p.219.
271
BATISTA, Geraldo Nogueira. Brasília, pessoas ou carros?. In. RIBAS, Otto (Org.). Visões de
Brasília: patrimônio, preservação e desenvolvimento. IAB, 2005, p. 94.
190
Podemos fazer, neste caso, uma livre associação de Brasília com Palmas, pois a
origem de ambas cidades guardam inúmeras semelhanças. Um exemplo é o surgimento
dessas “cidades-satélites” em Palmas, localizadas no Setor Sul da cidade, região que
tem sido denominada pelos técnicos de “Palmas Sul”.
272
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 02
de fevereiro de 2011.
191
O casal Paulo e Lucilia, que está na fotografia acima, chegou à região no inicio
de 1980 e até hoje ainda moram na mesma casa, que é considerada uma das mais
antigas construções da região. Paulo, que atualmente (2010) trabalha como vigia no
Shopping da Cidadania pela Prefeitura de Palmas, relata como a região ganhou a
denominação de Taquaralto:
Quando surgiu Palmas foi assim, a gente ouvia falar que ia ser uma capital,
mas não sabia onde era. Aí nesse tempo entrou o Siqueira Campos de
Governo, o povo falava que a capital ia ser em Araguaína, outros diziam vai
ser em Miracema, outros diziam que ia ser em outro lugar. Ai ele fez aqui
num lugar com o nome Água Fria, ficou entre Água Fria Grande e Água Fria
Pequena, que hoje é o Palácio. Bem ali no Espaço Cultural, ali era uma
fazenda, era um sitio muito grande. Siqueira Campos tirou de lá pra fazer os
trabalho dele. Pra cá da Prefeitura tinha outro fazendeiro, foi tirado, o
governo indenizou, tem que sair. Ali mais pra baixo do Palácio tinha mais
pessoal que morava, o governo indenizou, teve que sair. Ali tudo era cheio de
fazenda ao redor. Ali perto da ponte era cheio de fazenda, o governo
indenizou e tirou todo mundo e hoje virou a grande capital. Sempre eu ia lá,
direto, eu achava bom, eu achei bom porque melhorou pra nós, o hospital
ficou perto, nos livrou de ir em Porto Nacional, qualquer coisa nós tinhamos
que ir pra Porto, comprar coisa no mercado quando era em Porto, pra ir pro
hospital era em Porto Nacional e aqui melhorou muito pra nós, ficou perto,
valorizou muito as coisas.274
273
ALENCAR, Paulo Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 25 de
agosto de 2010.
274
Idem.
192
O Setor Sul de Palmas, além de Taquaralto, ainda é constituído por outros
núcleos habitacionais que vêm crescendo bastante, são eles: Jardim Aureny I, II e III e
IV (nome dado em homenagem à primeira esposa de Siqueira Campos, Aureny Siqueira
Campos), Santa Bárbara, Bela Vista, Taquari, Irmã Dulce, Santa Fé, Morada do Sol,
União Sul, dentre outros.
De acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação
(População, Área e Densidade Populacional por quadras), do Cadastro Técnico
Multifinalitário do ano de 2003, esta região tem uma população de aproximadamente
57.606 mil habitantes, morando fora da cidade planejada, uma parcela considerável da
população total do município, que é de 184.010 habitantes (IBGE, 2009). Esses dados
demonstram um crescimento e ocupação do espaço bem descentralizado e, no caso do
Setor Sul, um processo de segregação socioespacial evidente.
Para Luara Aquino, que acompanhou o crescimento acelerado que a cidade
apresentou a partir da sua criação, a sensação que ela tinha era de descontrole, veja:
275
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
276
LIRA, Elizeu Ribeiro. A Gênese de Palmas. Porto Nacional: Mimeo. Unesp, 1995, p. 287.
277
SILVA, Luciana. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 12 de setembro
de 2010. Perfil: Luciana veio de Goiânia acompanhar a família nos primeiros anos de construção de
Palmas e sua família foi contemplada com um lote a baixo custo no bairro Aureny I.
193
Eles dizem que pobre tem que ficar lá no “nem”, nem no centro nem em
Porto Nacional. Eles dizem que o pobre não vai dar conta de pagar o IPTU
Me diz: um assalariado tem condições de fazer o projeto de uma casa?
Porque lá no centro só se constrói com projeto, não é? Por isso é que os
pobres vêm pra cá, eles vêm sem projeto. Por isso que eles jogam a gente pra
cá, os pobres.278
Palmas é uma cidade polarizada, onde nós temos uma cidade que foi
concebida dentro de um conceito de uma nova capital de um Estado e nós
temos então uma outra parcela da cidade, exatamente 50% da população, está
estabelecida naquela área chamada de Palmas Sul, área sul, que pra mim é
Palmas também, mas que urbanisticamente falando elas tem que ser tratadas
distintamente porque uma tem estruturações diferenciadas da outra, você tem
realidades e histórias diferenciadas entre uma e outra, então, não
desmerecendo, o objetivos do Plano Diretor é fazer com que essa Palmas Sul
ela receba os mesmos benefícios da Palmas, chamada Centro (...) E quando
você chega mais a fundo, nessa população, você vê que essa população é a
que mais necessita de políticas públicas, que mais necessita de áreas para o
lazer delas, que mais necessita de ações que permita que ela tenha direito à
cidade, então, a função social da cidade tem que obedecer pra todos esses
lados então quando você faz essa análise, você começa a perceber isso. Por
outro lado, você quando você começa a percorrer esses locais você começa a
perceber que lá você tem as vezes mais vida do que aqui, na Palmas Centro,
278
Idem.
279
Idem.
280
AMARAL, Cesar Augustus de Santis. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 05 de setembro de 2010. Perfil: Cesar é arquiteto e urbanista paulistano, nascido em 17 de
setembro de 1971. Conheceu Palmas em 1993, quando ainda era estudante da Universidade Presbiteriana
Mackenzie (SP), junto com uma turma de 69 alunos, que vieram ao Tocantins para conhecer a capital
recém inaugurada. Mudou-se para Palmas no ano de 2000, com o objetivo de trabalhar no Plano Básico
Ambiental da Usina do Lajeado. Cesar trabalhou para uma construtora que prestava serviços à
INVESTCO, uma das funções era o reassentamento populacional. Trabalhou no período de 2004 a 2005
para a UNESCO no Programa Monumenta em Natividade. Em 2005 integrou equipe da Diretoria de
Planejamento Territorial responsável pela revisão do Plano Diretor. Durante 2006 foi coordenador dessa
equipe. E, de 2007 até 2010 atuou como Gerente de Planejamento Urbano, implementando os
instrumentos previstos no Plano Diretor Participativo de Palmas.
194
lá você as vezes percebe mais vigor, a cidade com mais vigor do que a cidade
aqui.281
É muito vivo, tem muito movimento na Aureny III, tem muito movimento do
pessoal, os vizinhos são ainda calorosos, você conhece ainda o seu vizinho,
você conversa com seu vizinho, não todos, mas alguns, você ainda conversa,
topa, brinca, tem aquele laço assim afetivo mais chegado. Tem a questão
também de quando passa da meia noite, você fica com receio, você já anda
mais cauteloso, porque como eu falei pra você, em direção ali ao Lago Sul,
eles colocaram pra ali todo o pessoal que foi chegando, o pessoal que não
tinha onde morar e ali não oferece tanta infra-estrutura, não tem tanta coisa
pro pessoal e o índice de criminalidade é grande, de roubo, dessas coisas, aí
você fica meio com receio, você vê o pessoal vendendo drogas, umas coisas
assim, você fica com receio.283
281
AMARAL, Cesar Augustus de Santis. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 05 de setembro de 2010.
282
LIMA, David. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 25 de agosto de
2010. David é morador do bairro Jardim Aureny III, região sul de Palmas. Nasceu em Colinas do
Tocantins em 25 de agosto 1989. O jovem rapaz veio morar na capital tocantinense em 2008 por que foi
aprovado no vestibular da Universidade Federal do Tocantins, no Curso de Arquitetura e urbanismo.
283
LIMA, David. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 25 de agosto de
2010.
195
Figura 35: Mapa de densidade habitacional da cidade de Palmas - TO.
Fonte: Prefeitura de Palmas (2008).
196
De acordo com os técnicos responsáveis pelo projeto, o espalhamento da cidade
não fazia parte do planejamento, muito pelo contrário, as diretrizes propositivas
apontavam para uma ocupação que deveria seguir “a forma de caracol”, para onde
primeiramente acorreria a ocupação da parte central. O crescimento a partir do centro
privilegia a concentração de pessoas, valoriza o lugar e melhora a vida para todo
mundo.284 Segundo Fernando Cruvinel:
284
Hugo Segawa, op cit. p. 105.
285
TEIXEIRA, Luís Fernando Cruvinel. A formação de Palmas. Dossiê cidades planejadas na
Hinterlândia. Revista UFG: Junho. Ano XI, nº 6, 2009; p. 96.
THOMPSON, E. Peculiaridade dos Ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. Unicamp, 2001.
286
SILVA, Jonathas Magalhães Pereira. A Segregação socioespacial: contradições presentes em
Palmas/TO. Risco: revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos / USP. São Carlos, 2009; p.128.
197
O registro feito pelo Jornal do Tocantins (Figura 36) narra as invasões
realizadas em área central da capital e a legenda traz em destaque a seguinte afirmação:
“invasores não respeitavam nem a proximidade do poder. Até mesmo a região perto do
Palácio Araguaia foi ocupada.”
287
PAZ, Luiz Hildebrando. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 05 de
agosto de 2010. Perfil: Hildebrando nasceu dia 15 de abril de 1962 em São Borja, Rio Grande do Sul.
Estudou em São Leopoldo, cidade próxima a Porto Alegre, na UNISINOS (Universidade do Vale do Rio
dos Sinos). Formou-se em arquitetura em 1988, no ano em que o Tocantins foi criado, então, recém
formado em arquitetura e urbanismo veio para o novo estado (1989) com sua família. Trabalhou para o
governo do estado e para prefeitura de Palmas, prestando serviços na área de arquitetura e urbanismo,
atualmente é Diretor de Elaboração de Projetos, Pesquisa e Tecnologia, da Secretaria de Habitação do
Estado do Tocantins.
198
Era uma propaganda muito intensiva de Palmas no país todo, mas a intenção
era trazer o investidor, pessoas com dinheiro, só que as que vieram primeiro
foram as pessoas de baixa renda e Palmas estava fechada para elas. Não
existia previsão de onde iriam morar as pessoas pobres no Projeto
Urbanístico. Então, se fez uma propaganda muito grande de Palmas e como
os empresários representavam a minoria, isso fez com que Palmas tivesse
essa explosão na Região Sul.288
288
Idem.
289
Jonathas Magalhães Pereira Silva op. cit; p. 130.
290
Contini identifica por um lado uma memória “oficial”, que comemora o massacre como um episódio
da Resistência e compara as vítimas a mártires de liberdade; e, por outro lado, uma memória criada e
preservada pelos sobreviventes, viúvas e filhos, focada quase que exclusivamente no seu luto, nas perdas
pessoais e coletivas. Essa memória não só nega qualquer ligação com a Resistência, como também culpa
seus membros de causarem, com um ataque irresponsável, a retaliação alemã. (p. 105)
199
Tocantins. De um lado a memória oficial, os correligionários políticos de Siqueira
Campos e do outro uma parcela nova da população que não viveu o primeiro mandato
de Campos e que por isso carrega outras memórias. Luara Ramos, que mora em Palmas
desde os primeiros anos da criação da cidade mostra um pouco da divisão a que as
memórias palmenses estão inseridas.
A minha vida é essa, eu queria conquistar algumas coisas aqui, que é sonho
de cada um que tem a sua história, sua particularidade, e às vezes eu acho que
a gente esbarra em situações políticas ruins, que acabam atrapalhando muita
coisa, como se você criasse rótulos para as pessoas, então aquelas pessoas
criam rótulos, aquela ali é essa, eles te colocam rotulado como se você não
fosse você. Então eu penso assim, eu sou eu, eu sou a Luara, independente se
eu trabalhei pra aquele ou pra aquele outro, eu tive a fidelidade ao trabalho
naqueles momentos, agora eu tenho a minha individualidade, eu tenho o meu
pensamento, isso não quer dizer que eu concorde com tudo que já foi feito,
com coisas que podem vir a ser feitas, eu to com 48 anos, não é possível que
nessa idade eu já não tenha consciência de uma certa coisa.291
A “memória coletiva” não é um todo sólido, ela está socialmente divida. O fato é
ter sido Siqueira Campos o primeiro governador do Estado, no entanto, ser “o pai
fundador” do Tocantins é a representação. Para Alessandro Portelli a memória é social e
pode ser compartilhada, razão pela qual cada indivíduo tem algo a contribuir para a
história “social”, segundo ele:
Se toda memória fosse coletiva, bastaria uma testemunha para uma cultura
inteira; sabemos que não é assim. Cada individuo, particularmente nos
tempos e sociedades modernos, extrai memórias de uma variedade de grupos
e as organiza de forma idiossincrática.292
Essas duas memórias – a que resulta da história oficial e aquela que é construída
pela comunidade – entram em conflito muitas vezes. Siqueira teve um grande prestigio
perante seus correligionários, bem como com uma parcela da população mais pobre, que
vive em cidades mais distantes do Estado, em certo estado de isolamento geográfico. É
na capital onde se percebe que a memória esta mais claramente dividida, entre seus
adversários políticos e uma nova população que não acompanhou o período de criação
de Palmas.
No entanto, a tarefa do especialista, afirma Portelli, depois de recebido o
impacto, é se afastar, respirar fundo, e voltar a pensar. Com o devido respeito às pessoas
291
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
292
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944):
mito e política, luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos &
Abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 127.
200
envolvidas, à autenticidade de sua tristeza e à gravidade de seus motivos, nossa tarefa é
interpretar criticamente todos os documentos e narrativas, inclusive as delas.
Quando falamos numa memória dividida, não se deve pensar apenas num
conflito entre a memória comunitária pura e espontânea e aquela “oficial” e
“ideológica”, de forma que, uma vez desmontada esta última, se pode
implicitamente assumir a autenticidade não-mediada da primeira. Na
verdade, estamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas
e internamente divididas, todas, de uma forma ou de outra, ideológica e
culturalmente mediadas.293
Emitir uma opinião contrária àquela narrada pela historia oficial é muitas vezes
uma difícil tarefa do ponto de vista individual, pois como se sabe, os jornais e
documentos oficiais estão repletos de narrativas que fortalecem o constructo político.
293
Alessandro Portelli, op. cit, p. 106.
294
Ibid. p. 108.
201
Figura 37: Entrevista com Siqueira Campos 6 meses antes da eleição
2010.
Fonte: O Girassol (2010).
295
Alessandro Portelli, op. cit, p. 121.
202
Quando compreendemos que “memória coletiva” nada tem a ver com memórias
de indivíduos, não mais podemos descrevê-la como a expressão direta e espontânea de
dor, luto, escândalo, mas como uma formalização igualmente legítima e significativa,
mediada por ideologias, linguagens, senso comum e instituições. Não podemos
continuar procurando oposições somente entre campos de memória, e sim também
dentro deles.
A definição de “memória coletiva” precisa ser ampliada e radicalizada para
definir não só a dicotomia entre a memória institucional (a história oficial do Tocantins)
e a memória coletiva da comunidade, mas também a pluralidade fragmentada de
diferentes memórias.
Como se vê, pela manifestação de pessoas que praticam o estado do Tocantins
fundado, arquitetado, como se vê pelo aparato de informações, de estudos, de pesquisa
postos à compreensão do novo estado, são muitas as razões dos fundadores embalados
por motivações salvadoras, triunfantes, nem sempre triunfantes de fato, na trama
vivenciada da cidade dada à luz. Os sonhos, os passos motivados por princípios
discutíveis, ideológicos demais, desviam-se, podem desviar-se, distanciar-se dos fins
anunciados, tanto que, no caso do estado do Tocantins e de sua capital, nem tudo são
Palmas, aplausos aos viventes dos plainos cerrados, ainda à espera de que as belas
idealizações dos discursos fundadores possam raiar, em integridade, num futuro
próximo.
203
CONSIDERAÇÕES FINAIS
296
CF. HABERMAS, Jürgen. “Arquitetura Moderna e Pós-moderna” e “Modernidade – Um Projeto
Inacabado”. In. ARANTES, Otilia Beatriz Fiori. ARANTES, Paulo Eduardo. Um ponto cego no projeto
moderno de Jürgen Habermas: arquitetura e dimensão estética depois das vanguardas. São Paulo:
Brasiliense, 1992, p.100-149.
204
A construção da política regional tocantinense foi conduzida pelas antigas
oligarquias do norte de Goiás, que se valeram da invenção de tradições297 reavivando
personagens seculares, como foi o caso de Joaquim Theotônio Segurado. O projeto
político tocantinense também remodelou mitos religiosos, como foi o caso das
emblemáticas comemorações da primeira missa, o batismo espiritual da cidade
vindoura, com a simbólica presença de índios, no lançamento da pedra fundamental de
Palmas.
O maior dos símbolos produzidos foi a própria cidade de Palmas, trinta anos
depois de Brasília, mas de arquitetura e urbanismo muito parecidos ao projeto da
Capital Federal. Quando Marx afirmou que a história se repete como tragédia e farsa,
Brasília e Palmas surgem como similaridades desconcertantes.
297
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz & Terra,
1997.
298
SEGRE, Roberto. Arquitetura Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, 2004,
p. 19.
205
conforme nos alertou Jane Jacobs, quando criticou o urbanismo ortodoxo das
pranchetas.
207
ANEXOS
208
209
210
TIPOLOGIA DAS FONTES
Jornais
Revistas
Revista Manchete. Edição Especial. JK 100 anos: vida e obra do grande estadista.
Dezembro de 2001.
Publicações Oficiais
211
TOCANTINS (Palmas-Município). Lei nº 468, de 6 de janeiro de 1994. Aprova o Plano
Diretor Urbanístico de Palmas (PDUP) e dispõe sobre a divisão do solo do Município,
para fins urbanos.
Arquivos Privados
Arquivo pessoal de Wanda Bentes. Mãe do Artista Maurício Bentes. Rio de Janeiro:
2008.
Documentos
Correspondência Eletrônica
212
Fontes Orais
Tendo em vista que este trabalho teve como objeto central a própria cidade de
Palmas, a escolha dos entrevistados pela “localização espacial das residências” se deu
da seguinte forma: um morador do bairro Aureny I, um morador do bairro Aureny III,
um morador de Taquaralto, dois moradores da Vila União e nove moradores das quadras
centrais de Palmas, abrangendo assim todas as áreas citadas e analisadas ao longo desta
tese.
213
Lista de depoentes da autora e perfil do entrevistado
ALENCAR, Paulo Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 25 de agosto de 2010. Perfil: Paulo tem 60 anos, nasceu nas proximidades de
Porto Nacional (TO) e é antigo morador do bairro Taquaralto, região sul de Palmas.
Chegou ao vilarejo dia 10 de fevereiro de 1980, dez anos antes do surgimento de
Palmas. Paulo e sua esposa Lucília moram até hoje na mesma casa - ele trabalha como
funcionário da prefeitura, na função de vigia e ela como dona de casa.
CARVALHO, Rafael Lima de. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos
Reis. Palmas, 16 de fevereiro de 2009. Rafael é professor da Universidade Federal do
Tocantins e morador de Palmas desde agosto de 2000, nasceu em Porangatu (Goiás), dia
29 de agosto de 1984. Veio para Palmas acompanhar a mãe, que fora aprovada em
concurso público para a Prefeitura de Palmas, na função de técnica em enfermagem.
Desde que chegou à Palmas, Rafael trabalha na Universidade Federal do Tocantins,
primeiro como programador e atualmente como professor efetivo do curso de
computação.
214
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 02 de fevereiro de 2011. Perfil: Fábio nasceu em Alcântara, Maranhão, dia 24
de setembro de 1970, é graduado em filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
(1993), possui mestrado em Filosofia Política pela Universidade Federal de Goiás
(2000) e foi aprovado em concurso público na Universidade Federal do Tocantins e por
este motivo veio morar em Palmas em 2003.
LIMA, David. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 25
de agosto de 2010. David é morador do bairro Jardim Aureny III, região sul de Palmas.
Nasceu em Colinas do Tocantins em 25 de agosto 1989. O jovem rapaz veio morar na
capital tocantinense em 2008 por que foi aprovado no vestibular da Universidade
Federal do Tocantins, no Curso de Arquitetura e urbanismo.
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10
de junho de 2009. Pedro é Arquiteto desde 1978, pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas (SP), natural da cidade de Catanduva (SP), nasceu em 25 de marco de
1952. Mudou-se para o Tocantins em fevereiro 1990, para a cidade de Miracema e, em
fevereiro de 1991 foi para Palmas. Foi chefe da assessoria técnica da Secretaria de
Planejamento do governo do estado, onde iniciou o planejamento estratégico do novo
estado. No ano 1993 fundou junto com o arquiteto Edson Eloy, a empresa de projetos
Modulor Arquitetura para a Vida que atua até hoje. Pedro se especializou na área de
regularização fundiária urbana, pela Universidade Federal Fluminense (1997). No ano
de 2008 foi aprovado em concurso para a função de professor na Universidade Federal
215
do Tocantins onde ministra disciplinas nas áreas de projeto de arquitetura, tecnologias
alternativas e desenho e plástica.
PAZ, Luiz Hildebrando. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas: 05 de agosto de 2010. Perfil: Hildebrando nasceu dia 15 de abril de 1962 em
São Borja, Rio Grande do Sul. Estudou em São Leopoldo, cidade próxima a Porto
Alegre, na UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos). Formou-se em
arquitetura em 1988, no ano em que o Tocantins foi criado, então, recém formado em
arquitetura e urbanismo veio para o novo estado (1989) com sua família. Trabalhou para
o governo do estado e para prefeitura de Palmas, prestando serviços na área de
arquitetura e urbanismo, atualmente é Diretor de Elaboração de Projetos, Pesquisa e
Tecnologia, da Secretaria de Habitação do Estado do Tocantins.
SILVA, Luciana. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas,
12 de setembro de 2010. Perfil: Luciana veio de Goiânia acompanhar a família nos
216
primeiros anos de construção de Palmas e sua família foi contemplada com um lote a
baixo custo no bairro Aureny I.
SILVA, Zilda Barros da. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 28 de agosto de 2010. Perfil: Zilda nasceu em Guaraí (Tocantins), dia 03 de
outubro de 1970, veio para Palmas em 1990 e trabalhou como empregada doméstica.
Sua irmã, que já morava em Palmas, a incentivou a vir em busca de trabalho e melhoria
de vida. Zilda participou do processo de invasão da Vila União, área próxima ao centro
da nova capital e que atualmente é um dos bairros mais populares de Palmas.
Atualmente mora na Quadra 605 Norte, próxima à Vila União, em um novo loteamento
que foi fruto das primeiras invasões.
217
São Paulo (SP). Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade de Brasília (1967),
Vilela teve a oportunidade de acompanhar os primeiros anos da Capital Federal. Ele
projetou residências e edifícios em São Paulo, Rio de Janeiro, Tocantins e Florianópolis.
Em parceria com a arquiteta e urbanista Maria Luci da Costa projetou os principais
prédios da principal praça da nova capital do Tocantins (Praça dos Girassóis), sendo um
deles o palácio do governo. É autor dos livros Reflexos de Niemeyer (2007) e Sob o
Fascínio do Pôquer (2006). Atualmente reside e trabalha como autônomo na cidade de
Florianópolis.
Perspectiva da Praça dos Girassóis (Projeto). Arquivo pessoal de Ernani Vilela: 1989.
Fotografias
Fotos da Construção de Brasília: 1957 – 1960. Arquivo Nacional: Rio de Janeiro, 2008.
218
Foto da construção das Secretarias: 1990. Arquivo pessoal de Ernani Vilela.
Fotos dos auto-relevos do Palácio Araguaia: 2008. Arquivo pessoal Patricia Orfila.
Fotos obras de Maurício Bentes (2002 -2004). Arquivo pessoal de Wanda Bentes. Rio
de Janeiro 2009.
Fotos da Praça dos Girassóis: 2009. Arquivo pessoal de Patrícia Orfila. Palmas.
Fotos do Eixo Monumental e seus principais prédios: 2009. Arquivo pessoal de Patrícia
Orfila. Brasília, 2009.
Fotos painéis internos do Palácio Araguaia; 2009. Arquivo pessoal de Patrícia Orfila.
Palmas, 2009.
Fotos exposição da obra de Maurício Bentes. Arquivo UFT, Corredor Cultural, 2005.
Teses e Dissertações
219
DINIZ, Anamaria. Goiânia de Attilio Corrêa Lima (1932 -1935) – ideal estético e
realidade política. Dissertação de mestrado, Brasília, 2007.
MIGUEL, Luis Felipe. Em torno do conceito de mito político (uma análise a partir
da campanha eleitoral brasileira de 1994). Tese de Doutorado apresentada ao
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, em março de 1997.
220
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http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.117/3379. Acesso em: 20 de
fev. de 2009.
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Violência Patropi. 30/09/2000 Disponível em:
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1488. Acesso em: 02
de fev. 2010.
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