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MODERNIDADES TARDIAS NO CERRADO: DISCURSOS E

PRÁTICAS NA HISTÓRIA DE PALMAS - TO


(1990-2010)

Patrícia Orfila Barros dos Reis

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História Social, do Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Doutora em História.

Orientadora: Drª Andréa Casa Nova Maia.

Rio de Janeiro

Julho de 2011

i
Autorizo a reprodução parcial ou total desta tese por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo ou pesquisa, desde que
citada a fonte.

patriciaorfila@yahoo.com.br

ii
MODERNIDADES TARDIAS NO CERRADO: DISCURSOS E
PRÁTICAS NA HISTÓRIA DE PALMAS - TO

(1990-2010)

Patrícia Orfila Barros dos Reis

Orientadora: Drª Andréa Casa Nova Maia

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social, do


Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutora em História.

Aprovada por:

_____________________________________________

Presidente: Profª. Drª Andréa Casa Nova Maia (UFRJ)

________________________________________________
Profª. Drª. Lise Sedrez (UFRJ)

______________________________________________

Prof. Dr. Marcos Luiz Bretas da Fonseca ( UFRJ)

________________________________________________
Profª. Drª. Temis Gomes Parente (UFT)

________________________________________________
Dr. Valnei Pereira (USP)

Rio de Janeiro

Julho de 2011

iii
Reis, Patrícia Orfila Barros dos. Modernidades tardias no cerrado:
discursos e práticas na história de Palmas - TO (1990-2010)/ Reis,
Patrícia Orfila Barros dos. – Rio de Janeiro - Rio de Janeiro:
UFRJ/IFCS, 2011.xi, 227f .Orientadora: Andréa Casa Nova Maia.
Tese (doutorado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/ Programa de Pós-graduação em História Social, 2011, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em
História.
Referências Bibliográficas: f. 221-227.
1. História Social 2. Arquitetura. 3. Urbanismo. 4. Modernidade.
5. Modernismo. 6. Palmas.
I. Reis, Patrícia Orfila Barros dos. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de
Pós-graduação em História Social. III. Título.

iv
À memória de Jorge Luiz do Amaral
v
Com amor ao meu pai Antônio, à
minha mãe Luzimar e à minha família
em Belém e Macapá.
vi
“Cidade é materialidade, uma vez que ela é pedra, tijolo,
ferro, vidro, madeira, cimento, aço, plástico; ela é também
sociabilidade, pois é impensável refletir sobre a cidade sem
considerar as relações sociais, sem interação. A cidade é
sempre obra dos homens e se realiza com atuação da
coletividade, mesmo as cidades abandonadas mostram
através de suas ruínas, o registro do desejo, do sonho, da mão
humana. Mas a cidade é também sensibilidade, como já foi
dito, porque ao longo de toda história foi objeto de discursos
e imagens que traduziram sensações, expectativas, desejos,
medos, sonhos, utopias, razões e sentimento.” 1
Sandra Jatahy Pesavento

1
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Prefácio. In: NASCIMENTO, Dorval; Bitencourt, João. (Orgs.)
Dimensões do Urbano: múltiplas facetas da cidade. Chapecó, SC: ARGOS. 2008, p.10.

vii
RESUMO

MODERNIDADES TARDIAS NO CERRADO: DISCURSOS E


PRÁTICAS NA HISTÓRIA DE PALMAS - TO (1990-2010)

Patrícia Orfila Barros dos Reis

Orientadora: Drª Andréa Casa Nova Maia

Este trabalho tem a cidade como objeto de estudo da história social, com
interdisciplinaridade nas áreas da arquitetura e do urbanismo. Palmas é a mais nova
cidade planejada brasileira, tendo sido inaugurada em 1990 para ser capital do recém
criado Estado do Tocantins. O presente estudo tem por objetivo analisar a construção ex
nihilo de Palmas no período de 1990 a 2010, dentro do contexto do planejamento de
cidades que fizeram parte do processo de modernização do Brasil Central. As dimensões
de análise que interessam particularmente a este estudo são: a historicidade, as teorias e
práticas arquitetônicas e urbanísticas e os discursos políticos envolvidos no processo.
Seria Palmas a configuração de uma modernidade tardia permeada por discursos de
“modernidade e progresso”?

Palavras-chave: 1. História Social 2. Arquitetura. 3. Urbanismo. 4. Modernidade.


5. Modernismo. 6. Palmas.

Rio de Janeiro

Julho de 2011

viii
ABSTRACT

LATE MODERNITIES IN THE BRAZILIAN CERRADO: DISCOURSES AND


PRACTICES IN THE HISTORY OF PALMAS - TO (1990-2010)

Patrícia Orfila Barros dos Reis

Advisor: Drª Andréa Casa Nova Maia

The current work focuses on the city as the object of social history, through an
interdisciplinary approach from architecture and urbanism. Palmas is the most recent
state capital in Brazil, established in 1990 as the capital of the also newly created state
of Tocantins. The study analyzes the construction ex nihilo of Palmas between 1990 and
2010, within the context of city planning narratives that were part of the modernization
process in Central Brazil. The key concepts that specifically interest us in this study are:
historicity, architectural and urbanistic theories and practices, and political discourses.
Could Palmas be the setting of a late modernization experience in which discourses of
“modernity and progress” were embodied in the Brazilian Cerrado?

Key-words: 1. Social History 2. Architecture 3. Urbanism. 4. Modernity. 5.


Modernism. 6. Palmas.

Rio de Janeiro
July 2011
ix
AGRADECIMENTOS

A tese nunca é o trabalho de uma única pessoa, a iniciativa de desenvolvê-la é


individual, mas à medida que a investigação avança muitas contribuições são agregadas
continuamente. O tema vai envolvendo o pesquisador de tal forma que ele passa a
compartilhar a sua experiência e as suas idéias com a família, com os amigos, com
profissionais de diversas áreas e, no meu caso específico, também com os entrevistados.
Por isso, os agradecimentos iniciais vão para os moradores de Palmas, aqueles que
compartilharam a sua trajetória de vida, contando os motivos que os levaram a deixar as
suas cidades e se mudarem para o Tocantins. Apesar dos perfis bastante variados
(condição social, origem, idade, grau de instrução) existem sentimentos muito comuns a
todos os entrevistados: a esperança depositada no futuro, a admiração (e porque não
orgulho) de morar em uma cidade construída “a partir do nada”, a percepção de habitar
um lugar ainda sem uma identidade firmada e a sensação de ser estrangeiro, sentimento
que se resume na seguinte pergunta: de onde você veio?

Em dezembro de 2005 vim de São Carlos (SP) de mudança para Palmas, após
tomar posse como professora da recente Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Agradeço à UFT pela oportunidade que ofereceu aos seus docentes, ao firmar convênio
com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O objetivo foi o
desenvolvimento do processo seletivo de um Doutorado Interinstitucional junto ao
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFSCS), por meio do Programa de Pós-
Graduação em História Social (PPGHIS). Agradeço, também, ao Colegiado do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da UFT por aprovar, sem restrições, o meu afastamento das
atividades profissionais durante o ano de 2008.

Não foi fácil transitar da minha área de formação, que é a arquitetura e o


urbanismo, para a história social e durante este percurso contei com valiosas
contribuições e por elas sou muito grata: à Dr. Marieta de Moraes Ferreira pelo apoio na
indicação de referências no CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil.), sobre JK, Brasília e a temática da modernidade brasileira,
bem como aos seus esforços contínuos de incentivar uma pragmática arquiteta a
“adquirir jargão de historiadora”; aos doutores Maria Beatriz de Melo e Souza e

x
Roberto Conduru durante os difíceis anos iniciais da tese (2008 e 2009), pelas
informações valiosas que me permitiram delimitar o tema desta pesquisa; aos
professores do PPGHIS, pela interação acadêmica proporcionada pelas disciplinas
cursadas ao longo de 2008 e aos agradáveis encontros nos bares cariocas com a turma
do DINTER.

Sem dúvida alguma, o sucesso de uma tese depende e muito da relação entre o
orientador e orientando, por isso meu agradecimento especial à minha orientadora,
Andréa Casa Nova Maia, por acreditar que o tema da cidade na modernidade
republicana brasileira encontra em Palmas, capital do Tocantins, claros exemplos de
práticas, arquitetônicas e urbanísticas baseadas em discursos políticos de progresso e
modernidade (ainda que tardia). Pelas inúmeras conversas via internet, indicações
bibliográficas pontuais, como, por exemplo, a leitura de Peter Burke e sua defesa da
imagem como fonte histórica, muito útil, pois grande parte desta tese foi baseada em
material iconográfico; bem como seus preciosos conselhos sobre o tratamento e a
interpretação das fontes orais, baseadas nos depoimentos por mim coletados. O contato
com Andréa não foi apenas formal, com ela pude desenvolver além da amizade, também
o compromisso de futuras parcerias, entre o Laboratório de Imagem, Memória, Arte e
Metrópole (IMAM - UFRJ)2 – sob sua coordenação - e Núcleo de Estudos Urbanos e
das Cidades (NEUCIDADES - UFT)3, do qual faço parte desde 2006.

O meu carinho especial à Jacqueline Hermann que, apesar de ser especialista em


área distinta do meu tema, foi grande incentivadora, indicando possibilidades e novos
caminhos no entendimento do tema cidade, além de boa ouvinte também foi conselheira
em horas difíceis e momentos solitários ao longo da minha estadia no Rio.

Ao Marcos Luiz Bretas e à Temis Parente pelas contribuições fundamentais na


banca de qualificação.

À Rosa Maria, que abriu seu lar em Copacabana e me acolheu durante o ano de
2008. Sinto-me privilegiada por ter convivido com pessoa tão generosa, cuja elegância
ímpar é resultado da inteligência refinada de uma mulher madura e independente. Por
tudo isso sempre será eterna fonte de inspiração.

2
IMAM – UFRJ (www.imam.historia.ufrj.br)
3
NEUCIDADES – UFT (www.neucidades.uft.edu.br)
xi
Em Palmas fiz novas amizades ao longo desses seis anos, um tempo em que a
confiança e o respeito foram construídos, sou grata aos momentos em que pude
desfrutar da presença da Mariela Oliveira, Betty Clara, Smaile Daniel, Elvio Quirino,
George Brito, Carlos Eduardo, Márcia de Camargo, Antonio Williamys e à família
Macharet, que me acolheu com muito carinho.

Ao meu amado Emerson Macharet por ocupar o espaço do meu coração


reservado apenas para grandes emoções. Agradeço pela segurança e pela paz que sinto
quando estou aninhada em teus braços: “À tes pieds je dépose mes armes”.

Aos amigos distantes, mas sempre presentes de alguma forma: à Karla Gomes,
minha irmã de jornada há mais de dez anos, companheira de uma vida, cuja
cumplicidade e respeito são irrepreensíveis. Obrigada pelo privilégio de acompanhar a
tua existência, o teu cuidado com a nossa amizade é admirável. Não há como se sentir
sozinha tendo uma amiga como tu e apesar de morarmos em cidades diferentes ao longo
desses anos, nossas trocas de e-mails e ligações foram fundamentais para o meu
conforto emocional; à Amarílis Tupiassú, por acreditar na sensibilidade latente que
existia em mim quando nos conhecemos e que nos momentos de convivência familiar
com os Tupiassú aflorou docemente, inspirada nas histórias envolventes dos habitantes
das matas amazônicas, de amuletos/muiraquitãs da sorte, da Luanda ainda pequenina
recitando Camões, Fernando Pessoa e Olavo Bilac, dos inúmeros almoços repletos de
diálogo, alegria e descoberta, dos passeios à feira do livro, palestras sobre literatura
portuguesa e dos conselhos acadêmicos e fraternos da mãe/amiga Lila. Este universo
inesquecível foi marcante, sendo fundamental para a minha formação moral e
intelectual – algo que só um grande amor é capaz de despertar; ao Japa (Renato Ishii) e
à nossa amizade saudosa, nascida em São Carlos por ocasião do mestrado e que se
alimenta via messenger diariamente. Tempos nostálgicos regados por alegres conversas,
cafés e bolos de iogurte – ou pequenas doses de destilados na companhia da nossa doce
Mariana, momentos incríveis; ao Ernani Vilela, pela surpresa que foi ganhar um novo
amigo por intermédio dessa tese, às nossas longas trocas de e-mail desde 2008, que
ultrapassaram as barreiras da formalidade, adentrando o fantástico mundo das idéias e
dos sentimentos humanos.

xii
Apesar de toda a distância, o apoio familiar foi imprescindível, por isso agradeço
à minha querida mãe, mediadora da família, o grande exemplo de desprendimento e
humildade compartilhado em nosso lar. Obrigada por representar o meu porto seguro, o
colo sempre disponível onde, sem receio, posso depositar minhas lágrimas, tendo a
certeza de que elas nunca serão lançadas contra mim; aos meus irmãos Fábio e André
pelo prazer da convivência em família nos ternos anos da infância e da adolescência,
embora as estradas da vida se bifurquem, levando cada um para destino específico,
quero que saibam que sempre poderão contar comigo; ao meu pai que aos dezoito anos
abriu mão da liberdade da juventude para cuidar da nossa família com todas as
dificuldades materiais inerentes a um jovem de família humilde. Diante de todas as
adversidades ele garantiu a melhor educação para os filhos e se hoje gozo de imensa
segurança e independência isso é fruto do exemplo deste grande homem.

xiii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 21

CAPÍTULO 1 - Olhares sobre a cidade do sensível ao científico: a cidade-alma, a


cidade-corpo e a cidade-modelo. ................................................................................... 28

1.1. Modernismo não é modernidade .................................................................. 29

1.2. Relendo as vitrines do novo: a Paris de Hausmann ......................................... 32

1.3. As cidades-capitais planejadas ou reformadas para a modernidade republicana


brasileira .................................................................................................................. 39

1.3.1. Belo Horizonte........................................................................................... 41

1.3.2. Rio de Janeiro ............................................................................................ 46

1.4. Le Corbusier no Brasil: o espaço limpo, liso, reto e plano .............................. 52

1.5. Do litoral para o oeste do país: Goiânia, Brasília e Palmas. ............................ 61

CAPITULO 2 – Modernidades tardias no cerrado ................................................... 68

2.1. A Criação do Estado do Tocantins: Uma luta secular ou a legitimação de


ideologias contemporâneas?.................................................................................... 68

2.3 A criação de Palmas........................................................................................... 73

2.3.1. O Centro como ponto fulcral ..................................................................... 88

2.3.2. Espaço e poder ........................................................................................... 92

CAPÍTULO 3 - A tentativa de “formação das almas tocantinenses” .................... 103

3.1. A invenção de tradições: Memória e identidades em disputa......................... 105

3.2. O mito e seus conceitos .................................................................................. 106

3.3. Creatio ex nihilo ..............................................................................................110

3.4. A memória oficial através da linguagem arquitetônica e seus monumentos.. 120

3.4.1. O Monumento aos 18 do Forte de Copacabana....................................... 128

3.4.2. Um memorial à Coluna Prestes ............................................................... 131

xiv
3.4.3. Palácio Araguaia: a história oficial do Tocantins retratada em painéis. .. 135

3.4.4. Assembléia Legislativa, Palácio da Justiça e Secretarias do Estado ...... 152

3.4.5. Projetos não executados do plano original da Praça dos Girassóis. ........ 155

CAPITULO 4 - A memória dos lugares praticados e seus subterrâneos no espaço


ad infinitum de Palmas ............................................................................................... 160

4.1. A fala dos passos perdidos.............................................................................. 161

4.2. Cidade planejada versus cidade construída .................................................... 164

4.2.1. A rua .................................................................................................... 165

4.2.2. Vitalidade Urbana ............................................................................... 174

4.2.3. As quadras ........................................................................................... 181

4.2.4. Os vazios urbanos ............................................................................... 182

4.2.5. Espaços vetados .................................................................................. 183

4.2.6. As praças públicas sem público .......................................................... 187

4. 3. Palmas Sul e as novas cidades satélites ......................................................... 188

4. 4. Pluralidade fragmentada em diferentes memórias. ....................................... 199

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 204

ANEXOS ..................................................................................................................... 208

TIPOLOGIA DAS FONTES ...................................................................................... 211

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS ........................................................................... 221

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ..................................................................... 221

xv
INDICE DE FOTOS

Foto 1: Belo Horizonte: a vista da Avenida Affonso Penna em 1930. ........................... 43


Foto 2: Belo Horizonte: imagem de postal de 1955. ..................................................... 44
Foto 3: Edifício do Ministério da Educação e Saúde. Rio e Janeiro (prédio executado
pela equipe brasileira). 1936 a 1943 ............................................................................... 56
Foto 4: Edifício do Ministério da Educação e Saúde. Rio e Janeiro.............................. 56
Foto 5: Vista aérea da área escolhida para a implantação de Palmas – TO (1990)........ 74
Foto 6: Vista da Avenida Theotônio Segurado (1991). ................................................. 75
Foto 7: Paisagem da serra do Lajeado, vista da quadra 108 Norte. ............................... 78
Foto 8: Lago de Palmas, vista de dentro de um barco. .................................................. 78
Foto 9: Avenida Juscelino Kubistchek. .......................................................................... 96
Foto 10: Eixo Monumental (Brasília, DF). .................................................................... 96
Foto 11: Vista norte da Av. Goiás (Goiânia, 1960-1961), destacando-se ao fundo a
Estação Ferroviária, importante edifício em Arquitetura Art Déco. ............................... 97
Foto 12: Siqueira Campos dirigindo um trator na Inauguração de Palmas (1989). ......113
Foto 13: Juscelino Kubistchek de co-piloto em um trator que participava da derrubada
da mata original. (1957).................................................................................................113
Foto 14: Primeira Missa em Palmas (1989). .................................................................115
Foto 15: Primeira Missa de Brasília (1960). .................................................................116
Foto 16: Primeira Missa de Goiânia. ............................................................................116
Foto 17: Catetinho: a primeira repartição pública e uma das construções pioneiras de
Brasília, onde Juscelino se hospedava e despachava em suas visitas à região (1956). .118
Foto 18: Palacinho: Primeiro edifício da Capital e Primeira Sede do Governo. Autor:
Elson Caldas (1989). .....................................................................................................119
Foto 19: Cristo em Ascensão (miniatura em bronze)................................................... 126
Foto 20: Monumento aos 18 do Forte de Copacabana (Obra do artista Maurício
Bentes). Inaugurado dia 05 de outubro de 2001. .......................................................... 128
Foto 21: Monumento em homenagem a Coluna Prestes em Arraias (Obra de Oscar
Niemeyer). .................................................................................................................... 129
Foto 22: Memorial à Coluna Prestes (Projeto do Arquiteto Oscar Niemeyer). ........... 132
Foto 23: Escultura de Luiz Carlos Prestes (autor Maurício Bentes, 2000). ................. 134

xvi
Foto 24: Palácio Araguaia (Sede do Executivo). Projeto: Ernani Vilela, Maria Luci da
Costa (Praça dos Girassóis). ......................................................................................... 137
Foto 25: Detalhe em autorrelevo mostrando a primeira missa realizada em Palmas, no
momento da instalação da Capital, em 20 de maio de 1989. Autor do Painel: Maurício
Mendes (1958-2004). ................................................................................................... 141
Foto 26: Painel 1- História do Antigo Norte de Goiás, Período Colonial (2002). ....... 143
Foto 27: Painel 2 - História do Tocantins, Período Republicano (2002). .................... 143
Foto 28: Painel 2: em destaque as referências ao governador do Tocantins (2002). ... 144
Foto 29: Deputado Siqueira Campos em emblemática greve de fome para aprovar o
projeto de criação do Tocantins (Painel de Maurício Bentes, 2002). ........................... 145
Foto 30: Deputado Siqueira Campos greve de fome para aprovar o projeto de criação do
Tocantins (Painel de Dj Oliveira, 2002). ...................................................................... 146
Foto 31: Estátua do Imperador Augusto 63 a. C. – 14 d. C. Pedra. Museu Gregoriano
Profano, Roma. ............................................................................................................. 149
Foto 32: Estátua de Siqueira Campos. ......................................................................... 149
Foto 33: Palácio Feliciano Machado Braga (Sede do Judiciário). ............................... 152
Foto 34: O Palácio Deputado João D´Abreu (Sede do Legislativo). .......................... 152
Foto 35: Secretaria Estadual (1990). ............................................................................ 153
Foto 36: Catedral de Palmas (Maquete em Exposição no Palácio Araguaia.) ............. 158
Foto 37: Fachada cega dos muros dos fundos das residências, na quadra 203N. ........ 166
Foto 38: Calçamento interrompido na Quadra 202N. .................................................. 169
Foto 39: Ausência de calçamento na Quadra 206N. .................................................... 169
Foto 40: Totem de indicação de avenida. ..................................................................... 172
Foto 41: Totem de indicação de quadra de 4,40mx0,80m de largura. ......................... 172
Foto 42: Condomínio residencial na Quadra 205N. .................................................... 184
Foto 43: Praça não utilizada, na Quadra 204N. ........................................................... 187
Foto 44: A Avenida Central do Núcleo Bandeirante .................................................... 190
Foto 45: Antigos moradores de Taquaralto .................................................................. 191

xvii
INDICE DE FIGURAS

Figura 1: Mapa das intervenções de Haussmann em Paris. Em traço cheio as ruas; em


quadriculado, as novas expansões, em tracejado, os novos parques e jardins. .............. 35
Figura 2: Plano de Washington de L´Enfant – 1791. .................................................... 42
Figura 3: Plano de Belo Horizonte de Aarão Reis (1893). ............................................ 43
Figura 4: Jardins Projetados na Ponta do Calabouço (Aquarela) e croqui da Praça do
Castelo, Centro de Negócios (Rio de Janeiro). ............................................................... 50
Figura 5: D. A. Agache: Plano do Rio de Janeiro. ........................................................ 51
Figura 6: Croquis do Rio de Janeiro visto do mar (com auto-estrada). ........................ 52
Figura 7: Primeiro anteprojeto para o Ministério da Educação e Saúde. Rio e Janeiro
(Terreno escolhido por Le Corbusier), 1936. ................................................................. 54
Figura 8: Segundo anteprojeto para o Ministério da Educação e Saúde. Rio e Janeiro
(Terreno utilizado), 1936. ............................................................................................... 55
Figura 9: Localização de Palmas – TO. ........................................................................ 77
Figura 10: Lago de Palmas, vista de dentro de um barco. ............................................ 86
Figura 11: Centricidade. ................................................................................................ 89
Figura 12: Mapa do Brasil, em destaque a localização da cidade de Palmas – TO. ..... 91
Figura 13: Macro Malha Viária de Palmas – TO. ......................................................... 92
Figura 14: Plano Urbanísticos de Palmas (1989). ......................................................... 93
Figura 15: Plano Piloto de Brasília ............................................................................... 93
Figura 16: Plano de Goiânia, Centro 1960. ................................................................... 94
Figura 17: Desenho de Lúcio Costa 1957. ................................................................. 101
Figura 18: As vias principais de Palmas e, na parte central, a Praça dos Girassóis
(1989). .......................................................................................................................... 101
Figura 19: Mapa do Brasil, em destaque Goiás e Tocantins (“o todo e a parte”). ...... 103
Figura 20: Página 14 do livro de José Carlos Leitão, intitulado: “Tocantins: Eu
Também Criei”. ............................................................................................................ 104
Figura 21: Primeira Missa no Brasil (1880). ................................................................115
Figura 22: Praça dos Girassóis (imagem manipulada pela autora). ............................ 122
Figura 23: Esboço do artista para o projeto do Cristo em Ascensão. .......................... 126
Figura 24: Memorial à Coluna Prestes (Croqui de Niemeyer).................................... 133
Figura 25: Desenho (Fachada do Palácio)................................................................... 138
xviii
Figura 26: Maquete da Praça dos Girassóis. ............................................................... 139
Figura 27: Cartilha direcionada às crianças da rede pública do Tocantins. ................. 151
Figura 28: Perspectiva (Secretaria). ............................................................................ 154
Figura 29: Praça dos Girassóis (1989). ....................................................................... 156
Figura 30: Perspectiva do Museu do Tocantins. Projeto de Ernani Vilela, Maria Luci e
Maria Esther. ................................................................................................................. 157
Figura 31: Jackson Pollock, Número 1, 1950 (Névoa Azul-Lavanda) National Gallery
of Art, Washington, D.C. ........................................................................................... 162
Figura 32: Lisboa no Século XVI ............................................................................... 162
Figura 33: Previsão da cidade de Palmas para 2010. .................................................. 163
Figura 34: Piet Mondrian, Composição, 1929 (Óleo sobre tela) Belgrado, Museu
Nacional. ....................................................................................................................... 163
Figura 35: Mapa de densidade habitacional da cidade de Palmas - TO. ..................... 196
Figura 36: Reportagem sobre as invasões em Palmas no início do planejamento da
cidade. ........................................................................................................................... 198
Figura 37: Entrevista com Siqueira Campos 6 meses antes da eleição 2010. ............. 202

xix
INDICE DE SIGLAS

ACSU - Área de Comércio e Serviço Urbano de Palmas

ACSV - Área de Comércio e Serviço Vicinal de Palmas

ARNO - Área Residencial Noroeste de Palmas

ARSE - Área Residencial Sudeste de Palmas

ATI – Associação Tocantinense de Imprensa.

CENOG – Congresso Estudantes do Norte Goiano.

CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.

CONORTE – Comissão de Estado dos Problemas do Norte Goiano.

CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil.

ENBA – Escola Nacional de Belas artes.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMAM - Laboratório de Imagem, Memória, Arte e Metrópole

INDUR - Instituto de Desenvolvimento Urbano de Goiás

MES – Ministério da Educação e Saúde

NEUCIDADES – Núcleo de Estudos Urbanos e das Cidades

NOVATINS – Companhia de Implantação da Nova Capital.

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira.

SEPLAN - Secretaria de Planejamento do Estado do Tocantins

UFT – Universidade Federal do Tocantins.

UNISINOS - Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

xx
INTRODUÇÃO

“Última capital planejada do século XX” e “Capital ecológica do ano 2000”


foram os títulos conferidos à cidade de Palmas, a mais recente capital do país e sede do
Governo do Tocantins - estado criado com a promulgação da Carta Constitucional
brasileira em 05 de outubro de 1988. Essa cidade é o objeto empírico desta tese,
investigação que se descortina a partir do olhar da história social, no período de 1990 a
2010. Mas Palmas seria, de fato, uma capital planejada e ecológica, como afirmam os
títulos que, dir-se-iam, serem mais slogans propagandísticos que títulos? Será que essas
referências não fariam parte de um discurso político previamente estabelecido? Nesse
caso, por que, então, criar uma nova cidade em pleno cerrado brasileiro?

O processo de modernização que avançou pelo Brasil, a partir da década de


1930, pode também ser inscrito no bojo da política nacional de interiorização, vinculada
aos novos ideais do movimento de modernização do urbanismo e da arquitetura, cujos
subsídios técnicos e teóricos foram vertidos à criação de cidades novas, destacados os
casos de Goiânia (1933), Brasília (1957) e, tardiamente, Palmas (1990). Observam-se
muitas semelhanças nos três casos citados, sobretudo se considerados os discursos de
seus idealizadores, no que concerne ao desenho das ruas, prédios e monumentos
públicos.

Essas semelhanças determinam uma situação peculiar dentro do quadro da


historiografia da arquitetura e do urbanismo no Brasil. Palmas, assim como Goiânia e
Brasília tiveram suas origens no Estado, no Poder Executivo, que se apropriaram do
discurso modernista, aqui neste caso ressaltado através da arquitetura e do urbanismo,
para a construção da memória de um grupo fundador, personificado no primeiro
governante. São espaços administrativos idealizados, planejados e construídos pelo
Estado.
O capítulo 1 intitulado “Olhares sobre a cidade: do sensível ao científico” se
configura em uma abordagem remissiva sobre o “ideário de cidade”, a partir de olhares
que emergem do “poético ao técnico”. Neste sentido destacamos três definições para
uma análise panorâmica sobre o tema cidade, são elas: cidade-alma, cidade-corpo e
cidade-modelo.

21
A cidade-alma foi primeiramente matéria-prima dos poetas, cronistas,
romancistas, teólogos, filósofos que desenharam perspectivas românticas às novas
formas de apropriação dos espaços da modernidade. Podemos destacar no imenso rol
literário alguns nomes, como Edgar Allan Poe, com o poema “O Homem da multidão”,
em que expõe o fascínio diante do mistério que se esconde na multidão; Charles
Baudelaire que, nos poemas “Les petites vieilles” e “A une passante”, traz à tona o
burburinho urbano e a misteriosa moça que passa na diversidade de tipos humanos; já
Victor Hugo, em “Os Miseráveis”, “Notre Dame de Paris” e poemas selecionados,
destaca a grande cidade moderna mergulhada na cidade antiga, isso com certa dose de
nostalgia; Bertold Brecht, em “Perguntas de um trabalhador que lê”, questiona a
trajetória daqueles que, na história, permanecem nos bastidores das construções
humanas; Charles Dickens manifesta seu profundo conhecimento das ruas londrinas;
Honoré de Balzac e a influência das cidades, das metrópoles artificiais, sobretudo de
Paris, em La Comédie. Esses escritores e obras ilustram em que medida o imaginário
citadino permeia a vasta literatura, desvendando assim facetas da possível alma das
cidades.

Por outro lado, a cidade-corpo foi objeto de observação dos higienistas e dos
médicos, que lançaram “olhares profiláxicos” e propuseram “reformas urbanas”, como
se a cidade se assemelhasse a um grande organismo vivo, porém doente, necessitando
de intervenções cirúrgicas – o caso mais conhecido e um dos primeiros foi a Paris de
Haussmann do século XIX. No Brasil verificamos o caso do Rio de Janeiro e as
intervenções de Pereira Passos (1903) e, de certa maneira, as modificações ocorridas no
projeto de Aarão Reis para a Belo Horizonte de 1897.

Andréa Casa Nova Maia e Valnei Pereira nos apresentam Belo Horizonte e as
mutações urbanas ocorridas no projeto inicial, buscando elos históricos para refletir
sobre a cidade moderna e contemporânea, num momento em que as transformações
citadinas apresentam fortes associações com a ação política. Os autores reforçam a tese
de modernidade tardia brasileira e apresentam a antiga Belo Horizonte, tendo seus
espaços de sociabilização destruídos para a construção de mais uma avenida - como
prenúncio da “civilização” e do progresso.4

4
MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos: projetos em
perspectiva comparada. Revista de História Comparada. Pós-Graduação em História Comparada
22
Enfim, refere-se à cidade-modelo, criada pelos urbanistas, que pretenderam
investigar a urbe com auxilio da técnica e do “olhar científico”, ao longo do século XX.
Para Pechman5 (1994), os urbanistas seguem transformando a cidade, que passa de
problema a objeto de estudo. Com sua reflexão sobre urbanismo, os estudiosos anseiam
alcançar a síntese das múltiplas visões que convergem ao entendimento da figura
cidade. Ao transformar-se numa disciplina, o urbanismo conduz a uma ruptura
epistemológica, considerado seu objeto, pois aquilo que o urbanismo visa não é mais à
cidade curada (das epidemias), a cidade ordenada (das disciplinas), a cidade estetizada
(da arquitetura) ou a cidade reformada (das obras mecanicistas de engenharia e
topografia); o urbanismo visa à cidade modelo.

Nessa direção pretendemos, a partir do tema cidade, problematizar as questões


que perpassam as noções de modernidade, modernismo, modernização e moderno, a fim
de chegarmos ao ponto central desta tese vertida à compreensão da cidade modelo e dos
“discursos de seus idealizadores”. As referências fundamentais para esta primeira parte
foram Walter Benjamin (visões de Baudelaire e a cidade moderna), Jürgen Habermas e
Anthony Giddens (definição de modernidade tardia e alta modernidade) e também
Michel de Certeau (a apropriação do espaço da cidade).

No capítulo 2, Modernidades ainda tardias no Brasil central, partimos da


definição de Giddens, Habermas e Eneida Maria de Souza, sobre a modernidade como
projeto inacabado, do sentido de uma modernidade à margem – fora dos centros
hegemônicos internos e externos, uma modernidade tardia no sentido de recepção tardia
da obra moderna, que foi o plano urbanístico, a arquitetura institucional e os
monumentos da capital tocantinense. Se Palmas não é uma repetição de outras
realidades parecidas, como Belo Horizonte, Goiânia e Brasília, então o que vem a
representar?

O terceiro capitulo analisará a construção do mito através dos discursos políticos


e das práticas baseadas na arquitetura e no urbanismo. O estudo foi baseado nas obras
de Eric Hobsbawn e Terence Ranger (A invenção das tradições, 1997), de Pierre Nora

(PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume
3/Número 1 - Junho de 2009.
5
PECHMAN, Robert. Os olhares sobre a cidade. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994, p.7.

23
(Entre memória e história – a problemática dos lugares (1993), Peter Burke (A
Fabricação do Rei: A Construção da Imagem pública de Luís XIV, 1994 e Testemunha
Ocular – História e Imagem, 2004) e José Murilo Carvalho (Formação das almas. O
imaginário da república no Brasil, 1990).

O quarto capítulo se abre a uma reflexão crítica sobre a memória dos lugares
praticados, às apropriações e ressignificações plurais dos símbolos e emblemas
arquiteturais e urbanísticos, remontando questionamentos sobre as identidades que se
constroem no viver a cidade, com rememoração ao Flâneur e sua nova condição na
cidade contemporânea, a dimensão espacial do cotidiano e o papel da proximidade vista
a cidade de Palmas.

Interessa-nos saber, também, que princípios urbanísticos foram adotados para o


desenho dessa nova cidade, bem como aqueles utilizados na concepção e fundação da
arquitetura institucional e como foram escolhidos os técnicos responsáveis pela
construção de Palmas.

Apesar da produção cientifica sobre Palmas ser pouco expressiva, destacamos


alguns trabalhos considerados relevantes a esta temática. O artigo publicado por Hugo
Segawa, em 1991, na revista Projeto (intitulado Palmas, cidade nova ou apenas uma
nova cidade) tornou-se referência nas pesquisas sobre o plano urbanístico da cidade, por
ser um dos primeiros estudos publicados sobre o planejamento da nova capital. Nele, o
autor entrevista os arquitetos responsáveis pelo projeto, além de destacar
detalhadamente os princípios que embasaram a concepção urbanística da nova capital.

Nos trabalhos realizados nos programas de pós-graduação do Brasil, destacamos


algumas dissertações de mestrado e teses de doutorado, cujo objeto central é a cidade de
Palmas e/ou o Estado do Tocantins. Alguns exemplos: a dissertação de Elizeu Lira
intitulada A Gênese de Palmas (1995), a dissertação de mestrado de Napoleão de
Aquino, A construção da Belém-Brasília e a modernidade no Tocantins (1996), a
dissertação O Desenho Urbano de Palmas de Dirceu Trindade (1999).

A dissertação de mestrado realizada por Eugenio Pacelli de Morais Firmino,


Ensino de História, Identidade e Ideologia: a experiência do Tocantins bastante
esclarecedora quanto aos aspectos da construção de um mito fundador, no período que
vai de 1989 a 2002.

24
No âmbito de teses de doutoramento, dois trabalhos se destacam por tratar do
aspecto urbanístico e arquitetônico de Palmas. Comento por primeiro o da pesquisadora
Valéria da Silva, Girassóis de Pedra – Imagens e metáforas de uma cidade em busca do
tempo (2008). Este trabalho analisa o imaginário da cidade projetada e implantada,
constituída num tempo compacto e, ainda, como esse espaço se organiza no tempo
ausente, apresenta traços e encaixes na realidade do pós-modernismo. Brasília e Palmas,
segundo a autora, são cidades do tempo ausente que, diferente do de demais cidades não
planejadas ou projetadas, têm o seu espaço-tempo surgido simultaneamente. Destaco
depois a tese de Glauco Cocozza (2007), Paisagem e Urbanidade, os limites do projeto
urbano na conformação de lugares em Palmas que identifica a gênese urbana da Vila
União, unidade circunvizinha a Palmas onde o determinismo do plano confronta-se com
formas espontâneas de apropriação, e cria uma nova face na conformação de lugares na
cidade planejada.

A segregação planejada: Goiânia, Brasília e Palmas, livro publicado em 2006


pela pesquisadora Maria Lúcia Morais, é um estudo que trouxe reflexões pontuais a
respeito da continuidade do planejamento ex nihilo6 dessas três cidades. A autora
destaca haver uma linha a unir os três casos em questão ao aspecto de modernização e
interiorização brasileiro, iniciando-se com Goiânia na década de 1930, passando por
Brasília na década de 1960 e culminando em Palmas na década de 1990.

Afora essa literatura explicitada, o material de propaganda produzido pela


Secretaria de Cultura do Estado a respeito dos monumentos localizados na praça cívica
de Palmas será utilizado para ilustrar como se deu a formação desse patrimônio público,
com grande carga de personalismo baseado ou inspirado na figura de José Wilson
Siqueira Campos, o primeiro governador do Tocantins.

Fotografias, iconografias e entrevistas de história oral foram utilizadas como


fontes, sobretudo com relação ao patrimônio arquitetônico e urbanístico de Palmas, pois
como afirma Peter Burke: imagens nos permitem “imaginar” o passado de forma mais
vívida. Segundo o historiador, “numa conferência proferida em 1988, por exemplo,

6
Expressão em latim, muito apropriada dentro deste contexto, que significa “a partir do nada”. Termo
também utilizado por Yves Bruand, no livro Arquitetura Contemporânea no Brasil (1991), página 346,
em item que aborda a criação de novas cidades no Brasil.
25
George Francis recomendou a coleção sistemática de fotografias como “a melhor forma
possível de retratar nossas terras, prédios e maneiras de viver”.7

Os últimos artigos publicados sobre Palmas levantam questões a respeito da


segregação socioespacial, tema que será discutido no último capitulo desta tese. Luiz
Fernando Cruvinel, um dos autores do plano urbanístico de Palmas, publicou em junho
de 2009 um artigo intitulado A formação de Palmas. Outros dois artigos remetem à
mesma temática e aos efeitos que a segregação vem causando na cidade, são eles:
Palmas: entre muros vazios urbanos e ausência de vitalidade, publicado pela autora
desta tese em fevereiro de 2009 e A segregação socioespacial: contradições presentes
em Palmas/TO, de Jonathas Magalhães Pereira da Silva, publicado também em 2009, na
revista “Risco”, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.

Os trabalhos mencionados contribuíram para a melhor compreensão do objeto


arquitetônico e urbanístico que é Palmas, que nesta tese é auscultada com paciência e
observado com a particularidade do olhar da história social. Diante do exposto,
observamos o caso de Palmas como parte de um projeto de modernidade inacabada, o
que Habermas e Giddens definem como Modernidade tardia, conceito no qual está
baseada a hipótese principal deste trabalho.

Eneida Maria de Souza também trabalha o conceito de modernidade tardia e faz


a seguinte indagação: haveria programas alternativos de modernidade postos em prática
fora dos centros hegemônicos? Ela questiona o conceito de “tardio”, consignado no
dicionário como o que vem de fora do tempo, lento; as abordagens elegem Belo
Horizonte como lugar teórico para desconstruir os discursos legitimadores dos
processos culturais de modernização do Brasil. Segundo Souza, “pensar o conceito é
observar a superposição de temporalidades distintas, captar as vacilações do novo, reler
a permanência e a mudança de tradição moderna”.8

A criação de Palmas, cujo modelo urbanístico e arquitetônico está pautado nos


princípios modernistas, similares àqueles implantados em Brasília, faz parte de uma
modernidade tardia que acontecerá no cerrado brasileiro no final do século XX.

7
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p. 25.
8
SOUZA, Eneida Maria de. Modernidades Tardias. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
26
No andamento da pesquisa bibliográfica que antecedeu à concretização desta
tese, observamos quanto a escrita da história das cidades incita a compreensão humana e
quanto a elevação dos espaços de morar reflete a organização política e social dos
edificadores, sua concepção de memória atravessada pelos significados de poder e
domínio. Quando nos detivemos na escrita deste trabalho, levamos em conta essa
questão, daí esta tese vertida ao entendimento do Brasil que se expande, que busca
ocupar seu território continental. A fundação de uma cidade no vazio do Cerrado.
Palmas, na perspectiva do urbanismo dito moderno. A concretização de um projeto
talvez mais político que urbanístico. Este é o objetivo desta tese que, espera-se, seja
mais um passo à compreensão do urbanismo no Brasil.

27
CAPÍTULO 1 - Olhares sobre a cidade do sensível ao científico: a cidade-alma, a
cidade-corpo e a cidade-modelo.

O tema cidade e modernidade estão tão imbricados que é vago citar um sem
mencionar o outro. Cabe destacar que as análises desenvolvidas neste estudo estão
relacionadas à cidade capitalista (ou seja, aquela que se desenvolveu de meados do
século XVIII em diante), produto de profundas mudanças tecnológicas com a máquina a
paulatinamente substituir o trabalho humano. O fenômeno urbano tem como palco a
cidade, e, como a conhecemos hoje, um produto da modernidade por excelência, pois é
nela que se processam infinidades de experiências, modos de convívio. A cidade é uma
realidade múltipla, afirma Ítalo Calvino, apreendida segundo perspectivas várias, mas é
preciso estar atento, como nos mostra o personagem Marco Polo:“jamais se deve
confundir uma cidade com o discurso que a descreve”.9 Nos tópicos que se seguem,
trataremos dos conceitos de modernismo, modernidade, moderno e modernização,
conceitos que se entrelaçam e muitas vezes são confundidos. As definições servirão de
base para a compreensão da cidade moderna a partir de três olhares, que definimos da
seguinte maneira: a cidade-alma, a cidade-corpo e a cidade-modelo.

A cidade-modelo é onde localizamos o caso de Palmas, capital do estado do


Tocantins, centro deste estudo, que se dispõe a compreender a evolução do pensamento
urbanístico ocidental, e, portanto, intervenções que conduzem à fundação da cidade-
alma, que é o caso da Paris de Haussmann, por exemplo. A partir desse enfoque serão
tomados modelos urbanísticos vindos, sobretudo da Europa, os quais influenciaram a
prática de construir cidades em nosso continente.

9
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. (Tradução: Diogo Mainardi). São Paulo: Companhia das
Letras, 1998, p. 59.
28
1.1. Modernismo não é modernidade

Por ‘modernidade’ eu entendo o


efêmero, o contingente, a metade
da arte cuja outra metade é eterna e
imutável.
Baudelaire 10

Definir o advento da modernidade não é uma das tarefas mais fáceis, como diria
Kenneth Frampton, em sua obra intitulada História Crítica da Arquitetura Moderna,
“tende-se a recuá-la, se não a renascença, pelo menos àquele momento de meados do
século XVIII em que uma nova visão da história levou os arquitetos a questionar os
cânones clássicos de Vitruvius e a documentar vestígios do mundo antigo a fim de
estabelecer uma base mais objetiva sobre a qual trabalhar.” 11

Mais difícil é definir se este projeto de modernidade chegou ao fim ou se ainda


está em curso nas últimas décadas do século XX. Talvez mais complexo seja o
questionamento de Anthony Giddens na introdução do seu livro As conseqüências da
modernidade: o que é modernidade? E o próprio autor propõe uma aproximação:

Modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que


emergiram na Europa a partir do século XVIII e que ulteriormente se
tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Isto associa a
modernidade a um período de tempo e a uma localização geográfica inicial,
mas por enquanto deixa suas características principais guardadas em
segurança numa caixa preta.12

Alguns estudiosos localizam a origem do termo “moderno” no final da


antiguidade clássica. Nadia Somekh afirma que o termo foi empregado pela primeira
vez no final do século V, designando o limite entre o presente, que passava a se tornar
oficialmente cristão, e o passado romano-pagão. Para autora, o projeto de modernidade

10
BAUDELAIRE. In: BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da
modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p. 357.
11
FRAMPTON, Kenneth. História critica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997,
p. 9.
12
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Unesp,
1991, p.11.
29
é o esforço intelectual dos pensadores iluministas do século XVIII em colocar a ciência,
a racionalidade e a objetividade a serviço do próprio homem.13

Veremos, ao logo de todo o século XIX, que o surgimento de uma consciência a


respeito da modernidade passou a se opor à tradição e à história, ou seja, a modernidade
é a uma implacável ruptura com as condições históricas precedentes. O moderno passa a
ser, segundo Habermas, a “expressão objetiva de uma atualidade do espírito do tempo
que espontaneamente se renova.14

Marshall Berman afirma que esta nova ordem que se impõe e que foi definida
como modernidade representa “agitação e turbulência, aturdimento psíquico e
embriaguez, expansão das possibilidades de experiência e destruição das barreiras
morais e dos compromissos pessoais, auto-expansão e autodesordem, fantasmas na rua e
na alma.” 15

Ser moderno, eu dizia, é experimentar a existência pessoal e social como um


torvelinho, ver o mundo e a si próprio em perpétua desintegração e
renovação, agitação e angústia, ambigüidade e contradição: é ser parte de um
universo em que tudo que é sólido desmancha no ar. Ser um modernista é
sentir-se de alguma forma em casa em meio ao redemoinho, fazer o seu ritmo
dele, movimentar-se entre suas correntes em busca de novas formas de
realidade, beleza, liberdade, justiça, permitidas pelo seu fluxo ardoroso e
arriscado.” 16

No Ocidente, afirmam Maia e Pereira, a ideia de progresso está intimamente


ligada ao conceito de modernidade, que continua sempre negando o passado, buscando
o esquecimento e a reificação do novo.17

Quando se trata do termo ‘modernismo’, Giulio Carlo Argan defende que este
conceito se refere às correntes artísticas das últimas décadas do século XIX. Para o
autor, a experiência urbana na formação da dinâmica cultural de diversos movimentos
modernistas foi uma reação à profunda crise da organização, do empobrecimento e do

13
SOMEKH, Nadia. A cidade vertical e o urbanismo modernizador. São Paulo: Studio Nobel: Editora
da Universidade de São Paulo: FAPESP, 1997, p. 36.
14
ARANTES, Otília & Paulo Eduardo. Um ponto cego no projeto moderno de Jurgen Habermas. São
Paulo, Brasiliense, 1992.
15
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. A aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986, p. 18.
16
Marshall Berman, op. cit., p. 391.
17
MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos: projetos em
perspectiva comparada. Revista de História Comparada. Pós-Graduação em História Comparada
(PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume
3/Número 1 - Junho de 2009, p. 3.
30
congestionamento urbano, em que toda uma tendência de prática e pensamento
modernista foi diretamente moldada.18

No Brasil Lúcio Costa advertiu: “modernismo não é modernidade”. A


historiografia da arquitetura é bem clara com relação à abrangência do movimento
moderno no território brasileiro, demonstrando que a concentração se deu nos grandes
centros urbanos, como: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. E que só chegou o
interior do país quando ali se encontrava alguma intelectualidade vinculada ao
pensamento modernista. Carlos Maciel afirma que, “como conceito, a Modernidade não
chegou às massas; como forma, atingiu os mais distantes rincões do país.” 19

É desta forma que podemos analisar o caso de Palmas, a sua criação ex nihilo,
que aconteceu no final do século XX, encarando o modernismo apenas como “forma” e
a modernidade como “tardia”, tendo em vista a localização da nova capital (distante dos
grandes centros urbanos), o contexto de atraso cultural, político e econômico no qual
surge o Tocantins. O símbolo de modernidade que foi incutido a Palmas é resultado de
uma estratégia política regional, de um certo ponto de vista até previsível, de um grupo
fundador, que utilizou o signo arquitetônico e urbanístico de Brasília como fonte de
inspiração.

Já o termo ‘modernização’, no contexto brasileiro, aparecerá como sinônimo de


‘progresso’, cujas principais práticas estão atreladas à construção de cidades-capitais, à
urbanização do interior do Brasil entre as décadas de 1930 e 1960, transformando a
paisagem rural em urbana, gerando uma série de transformações nos setores agrário e
rodoviário, que propiciaram a criação e expansão de novos núcleos urbanos.

O termo modernização foi bastante utilizado por Getúlio Vargas em seus


discursos de crescimento e integração da região centro-oeste-norte do país, onde o
estado passou e ser visto como promotor do crescimento. Assim como o termo
‘moderno’ aparece em oposição ao ‘tradicional’. O tradicional é relativo às sociedades
rurais do interior do país, que em pleno século XX, são vistas como ‘ultrapassadas’, ou
seja, o urbano surge neste sentido como sinônimo de moderno.

18
Apud SOMEKH, Nadia. A cidade vertical e o urbanismo modernizador. São Paulo: Studio Nobel:
Editora da Universidade de São Paulo: FAPESP, 1997, p. 36.
19
MACIEL, Carlos Alberto. Modernidade ainda que tardia. MDC – Revista de Arquitetura e
Urbanismo, Belo Horizonte/Brasília, n.1, p. 4-5.
31
Para o pesquisador Hugo Segawa, não há definição unívoca de modernidade. Se
na Europa o problema é objeto de entendimento diverso, o conceito de moderno no
Brasil é ainda mais controverso, precisamente pela necessidade de examiná-lo sob uma
ótica apropriada à realidade local – sem descurar de sua entropia com um meio mais
amplo.20

É bastante claro o posicionamento de que modernidade brasileira está ligada ao


esforço de transformação de um país rural e de economia agrária em um país urbano e
industrializado e a arquitetura apresentou um papel antecipador de impulsionar a
indústria para o desenvolvimento de novas técnicas e materiais que viabilizassem as
soluções propostas.21

No próximo tópico destacaremos algumas ações de intervenção e planejamento


urbano no mundo que tiveram grande influência para a construção da modernidade
brasileira.

1.2. Relendo as vitrines do novo: a Paris de Hausmann

Eu te vejo sair por aí


Te avisei que a cidade era um vão
- Dá tua mão
- Olha pra mim
- Não faz assim
- Não vai lá não
Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir
Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar
Na galeria, cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão

Chico Buarque22

20
SEGAWA, H. Arquiteturas no Brasil: 1900-1990. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1997, p. 16.
21
MACIEL, Carlos Alberto. Modernidade ainda que tardia. MDC – Revista de Arquitetura e
Urbanismo, Belo Horizonte/Brasília, n.1, p. 4-5.
22
BUARQUE, Chico. As Vitrines. Composição de Chico Buarque.
32
As Vitrines, música de Chico Buarque espelha o cenário onde o flâneur é o
personagem principal da cidade e que na visão de Walter Benjamim, surge no universo
parisiense do século XIX, nos versos do poeta Baudelaire.

A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos prédios,
sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes. Para ele,
os letreiros esmaltados e brilhantes das firmas são um adorno de parede tão
bom ou melhor que a pintura a óleo no salão do burguês; muros são a
escrivaninha onde apóia o bloco de apontamentos; bancas de jornais são suas
bibliotecas, e os terraços dos cafés, as sacadas de onde, após o trabalho,
observa o ambiente. 23

No soneto A uma passante (em As Flores do Mal) a multidão inspira o poeta, a


aparição feminina que fascina o observador, encontra na grande cidade o refúgio do
amor, um amor à primeira e à última vista – o palco da cidade-alma.

“A rua em torno era um frenético alarido.


Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.

Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.


Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebi
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.

Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade


Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!”24

Paris é a cidade palco do desenvolvimento do capitalismo, onde se vivencia a


modernidade, experimenta-se a sensação de anonimato em meio à multidão. A cidade
como palco da modernidade é o objeto da poesia, a matéria-prima de que o artista sorve
a experiência catastrófica da cidade, a crise do mundo moderno, propondo desta
maneira uma estética da multidão, sendo ele, o poeta, o próprio flâneur, que se inspira
lucidamente na nova beleza que pode emergir do mundo moderno. Para Walter
Benjamin:

23
BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas III: Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo.
Editora Brasiliense, 1989. p. 35
24
Walter Benjamim, op. cit; p. 42.
33
Uma embriaguez apodera-se daquele que, por um longo tempo, caminha a
esmo pelas ruas. A cada passo, o andar adquire um poder crescente; as
seduções das lojas, dos bistrôs e das mulheres sorridentes vão diminuindo,
cada vez mais irresistível torna-se o magnetismo da próxima esquina, de uma
longínqua massa de folhagem, de um nome de rua.25

Para Marshall Berman, Baudelaire “pôde ver-se não só como expectador, mas
como participante e protagonista dessa tarefa em curso; seus escritos parisienses
expressam o drama e o trauma aí implicados. Baudelaire nos mostra algo que nenhum
escritor pode ver com tanta clareza: como a modernização simultaneamente inspira e
força a modernização da alma dos seus cidadãos.” 26

Walter Benjamim analisa a Paris do século XIX a partir das significações


construídas pelo flâneur, um observador das malhas urbanas, mas também
um sujeito que elabora significações sobre a cidade que observa. A exemplo
do flâneur, somos também leitores da cidade, navegando nos limites de seus
enunciados que, a primeira vista, parecerem homogêneos e ilegíveis,
sugerindo uma prática cultural de leitura em que “compreender a semântica
do espaço é adensar a confecção do cenário de imagens e sons,
complexificando as múltiplas expressões fisionômicas dispostas no
espaço”.27

A cidade de Paris experimenta no período que vai de 1853 a 1869 uma série de
mudanças significativas em sua aparência. Os Grands Travaux de Paris promovidos por
Napoleão III foram realizados quando a cidade atingia um milhão de habitantes. As
intervenções foram formuladas e colocadas em prática em um tempo bastante curto, por
Georges Eugène Haussmann (1809-1891) administrador do Sena no período de 1853 a
1869 (Figura 1).

25
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/Imesp, 2007 [1935], p.
462.
26
Marshall Berman, op. cit; p. 168.
27
BURITO, Iranilson; ARAÚJO, Silvera; Martins, José. Ruídos, marcas e caminhos na escrita da
cidade moderna: apontamentos de um balanço historiográfico. Portal Vitruvius. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp533.asp. Acesso em: 09 de Fev de 2010.
34
Figura 1: Mapa das intervenções de Haussmann em Paris. Em traço cheio as ruas; em quadriculado, as novas
expansões, em tracejado, os novos parques e jardins.
Fonte: LAMAS (2007), p. 213.

35
Leonardo Benévolo, em História da Arquitetura Moderna, no capitulo em que
menciona o plano de Haussmann, ressalta que o mais importante com relação às
intervenções em Paris foi o fato de ter sido “o primeiro exemplar de uma ação
suficientemente ampla e enérgica para acompanhar o passo das transformações que
ocorrem em uma grande cidade moderna, e para regulá-las com determinação ao invés
de sofrê-las passivamente.” 28As justificativas de Haussmann para a execução das obras
na grande Paris eram relacionadas diretamente às deficiências da cidade antiga em
suportar o crescimento populacional.

O centro da antiga cidade é cada vez mais claramente incapaz de suportar o


peso de um organismo tão crescido; as ruas medievais e barrocas não são
suficientes para o trânsito, as velhas casas parecem inadequadas face às
exigências higiênicas da cidade industrial, a concentração das funções e dos
interesses na capital fez com que aumentassem tanto os preços dos terrenos
que uma radical transformação nas edificações tornou-se inevitável.29

O ‘retalhamento’ da cidade de Paris foi iniciado pelo seu núcleo medieval, que
foi cortado em todos os sentidos, destruindo antigos bairros e inibindo focos de antigas
revoltas. A prática foi baseada na abertura de ruas largas e retilíneas que tornavam a
cidade mais fluída entre suas diferentes partes. Haussmann evitou destruir os
monumentos mais relevantes, valorizando-os como centro das novas perspectivas
viárias.

No mesmo período, os habitantes de Paris passam de 1 milhão e duzentos mil


a quase dois milhões; enquanto são demolidas cerca de 27.500 casas,
constroem-se cerca de 100.000 novas (e 4,46% da despesa retorna à Comuna
sob forma de taxas); a renda per capita do cidadão francês passa de 2.500 a
5.000 francos aproximadamente e as rendas da Comuna de Paris, de acordo
com Persigny, passam de 20 a 200 milhões de francos. Pode-se, portanto,
afirmar que a própria cidade paga sua reordenação.30

Uma importante invenção deste período foi o boulevard parisiense, decisivo


ponto de partida para a modernização da cidade tradicional, explica Berman.

No fim dos anos de 1850 e ao longo de toda a década seguinte, enquanto


Baudelaire trabalhava e, Spleen de Paris, Georges Eugene Haussmann,
prefeito de Paris e circunvizinhanças, investido no cargo por um mandato

28
BENÉVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004, p.
106.
29
Leonardo Benévolo, op. cit., p. 96.
30
Marshall Berman, op. cit; p. 102.
36
imperial de Napoleão III, estava implantando uma vasta rede de bulevares no
coração da velha cidade medieval. Napoleão e Haussmann conceberam as
novas vias e artérias como um sistema circulatório urbano. Tais imagens,
lugar-comum hoje, eram altamente revolucionárias para a vida urbana do
século XIX. Os novos bulevares permitiram ao tráfego fluir pelo centro da
cidade e mover-se em linha reta, de um extremo a outro – um
empreendimento quixotesco e virtualmente inimaginável, até então.31

A proposta da abertura de grandes avenidas não foi apenas uma solução para
resolver o problema da circulação de Paris, também foram levados em consideração
interesses militares de Napoleão III nas intervenções urbanas, conforme nos mostra
Benévolo:

Napoleão tem um interesse direto na execução de grandes obras públicas em


Paris, descuradas pelos governos precedentes, a fim de reforçar sua
popularidade por meio de testemunhos tangíveis e a fim de tornar mais
difíceis as futuras revoluções, demolindo as antigas ruas medievais e
substituindo-as por artérias espaçosas e retilíneas propícias aos movimentos
de tropas.32

As criticas mais acirradas ao plano de Haussmann vieram de artistas como


Balzac, Eugène Sue e Victor Hugo e de intelectuais que protestavam a respeito da
destruição dos ambientes da velha Paris, bem como da vulgaridade, da falta de
criatividade que incitavam as novas construções. Apontavam para a arbitrariedade de
Haussmann, que apesar de demonstrar a eficiência econômica da cidade por meio da
obtenção do lucro imobiliário, acabou deixando o proletariado urbano amontoado nas
periferias. Apesar das criticas direcionadas a ele, as intervenções ocorridas em Paris
acabaram por inspirar projetos semelhantes nas mais diversas partes do continente
europeu e também no Novo Mundo.

Na França foram realizadas intervenções em Lyon, Marselha, Montpellier,


Toulouse, Rouen e Avignon. Na Itália, cidades como Roma, Bolonha, Nápoles, Turim,
Florença também sofreram grande influência de Haussmann. Na Espanha, o plano de
Ildefonso Cerdà para Barcelona (1859) e de Lindhagem em Estocolmo (1866).

A experiência urbanística de Paris foi a mais notória, pelo fato de ter sido a
primeira de um plano regulador em grande escala para uma cidade moderna, plano

31
Marshall Berman, op.cit,. p. 171.
32
Leonardo Benévolo, op. cit., p. 96.

37
surgido a partir de uma nova ordem econômica, idealizado e traduzido para a realidade,
com controle administrativo, financeiro, técnico e formal.

Desde a remodelação de Paris outras experiências foram surgindo, houve uma


reorganização maciça de diversos ambientes construídos. Destacamos as propostas
feitas por Ebenezer Howard (A cidade jardim de 1898), a “Cidade Branca” construída
para a Feira Mundial de Chicago, por Daniel Burnham em 1893, a cidade Industrial
Linear de Tony Garnier em 1903, o Plano de Chicago em 1907, a Cidade do Futuro e o
Plano Voisin proposto para Paris em 1924, por Le Corbusier33; a atuação da Bauhaus e a
produção da Carta de Atenas em 1933, no IV Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna (CIAM). Todas essas práticas demonstram como os novos paradigmas do
urbanismo tiveram êxito findando o século XIX e ao longo de todo o século XX. Por
isso reafirmamos, a cidade é o grande símbolo da modernidade.

Os exemplos apontam claramente o delineamento da modernidade com foco nas


urbes, o plano como instrumento principal e a questão social como discurso. O urbanista
que se vale do discurso modernista propõe a transformação efetiva da sociedade e das
desigualdades sociais. Para Nadia Somekh34, o urbanismo modernizador simplesmente
se enquadra no projeto de acumulação de capital e nas leis da competição que prevê
inovações constantes. O espaço urbano aqui entendido como máquina produz valor.

A seguir veremos como a produção do conhecimento urbanístico europeu chega


ao Novo Mundo e influencia a prática brasileira no planejamento de novas cidades.

33
Arquiteto, urbanista e pintor francês de origem suíça, responsável por trazer ao Brasil os princípios que
nortearam o movimento moderno na arquitetura e no urbanismo, considerado um dos mais importantes
arquitetos do século XX. A influência de Le Corbusier na formação do pensamento urbano-arquitetônico
moderno foi muito grande, estendendo-se da Europa ao Brasil e ao Japão, marcando profundamente
arquitetos como Niemeyer, Reidy ou Lúcio Costa, em realizações como Brasília. (Lamas, 2000, p. 356).
34
Nadia Somekh, op. cit; p. 39.
38
1.3. As cidades-capitais planejadas ou reformadas para a modernidade
republicana brasileira

Algumas cidades brasileiras, apesar de incipientes como rede urbana tiveram um


acelerado crescimento demográfico, embora os números apenas indicassem os graves
conflitos de espaço e o crescimento desordenado das cidades; a cidade, ainda assim, se
afirmava como palco do moderno. Hugo Segawa aponta estimativas populacionais que
demonstram o rápido crescimento de algumas das cidades brasileiras.

Rio de Janeiro em 1900 era habitado por 746.749 habitantes – sua população
aumentou 271% em relação à de 1872; São Paulo, nesse mesmo período, teve
um aumento populacional da ordem de 870%, com 239.820 habitantes na
virada do século; Belém quase duplicou sua população de 53150 habitantes
em 1872 para 96.560 em 1900.35

A modernidade brasileira estava diretamente relacionada ao modo de viver do


europeu e os engenheiros se colocavam como os grandes transformadores dessa
realidade. Através da ciência e da técnica passaram a intervir na cidade-corpo.

A cidade que se tornou objeto de estudo de higienistas e médicos, período


conhecido como “salubrismo” ou “sanitarismo”. Havia uma racionalização nas
intervenções de ocupação territorial, vetores de urbanização num país de vastas regiões
inexploradas.

O desejo de mudança era latente: a elite urbana, progressista, positivista,


cosmopolita, contrapunha-se à sociedade tradicional, de índole agrária e
conservadora.36

As influências de Haussmann no planejamento urbano brasileiro foram sentidas


no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, quando o Brasil adotava
o estilo de vida do mundo Europeu.

O urbanismo saneador ou higienista era uma medida profilática de intervenção


na cidade-corpo, considerada doente, pois crescia desmesuradamente, preocupando as
autoridades públicas. Os melhoramentos eram realizados sobre a estrutura da cidade
colonial, a fim de cuidar da “saúde da cidade”, por meio de uma visão médica do
35
Grahm apud Segawa, op. cit., p. 19.
36
Hugo Segawa, op. cit., p. 19.
39
controle das epidemias que tomavam conta da cidade. Saneamento e embelezamento
são dois pontos fundamentais presentes nos discursos racionalistas para a intervenção e
planejamento de cidades. Heliana Salgueiro destaca:

“Se uma cidade quiser se anunciar àqueles que nela chegam, surpreendendo-
os pelo charme e esplendor de suas construções, precisará, pois, de alguns
relevos que a realcem e sobre os quais ela possa erguer as obras de
arquitetura das quais se orgulhe.”37

De acordo com Anamaria Diniz, as principais intervenções urbanas nas cidades


brasileiras foram intensificadas na passagem do período Imperial para a República, em
consequência do processo de crescimento demográfico nos grandes centros do país e por
suas transformações econômicas.38

Rio de Janeiro, Recife, Santos, São Paulo, Manaus, Salvador, Fortaleza, Belém e
várias cidades do Rio Grande do Sul contaram com empresas que instalaram e operaram
sistemas de drenagem, abastecimento de água e esgoto urbanos, companhias de gás,
serviços de eletricidade e transporte urbano.

Ainda no inicio do século XX, o interior do Brasil era bastante desconhecido


pela maioria de seus habitantes, que estava basicamente concentrados no litoral. A
imagem que se tinha era de uma enorme área geográfica exótica e inexplorada.

O federalismo republicano, que se cristaliza por volta de 1890, permitiu aos


novos estados mudarem de capital. Políticos provinciais então solicitam a um grupo de
engenheiros progressistas da Escola Politécnica do Rio de Janeiro que construam uma
cidade planejada: que será a nova capital do estado de Minas Gerais. Esse projeto
inscreve-se, ao mesmo tempo, no discurso clássico sobre valores racionais e
representativos das cidades capitais – técnicos, topógrafos, econômicos e simbólicos – e
na história dos primeiros debates sobre planificação urbana no Brasil.39

Conforme mencionamos, interessa-nos o caso das cidades planejadas para a


modernidade republicana brasileira e Belo Horizonte foi a primeira delas.

37
SALGUEIRO, Heliana Angotti. O pensamento francês na fundação de Belo Horizonte: das
representações às práticas. In: SALGUEIRO Heliana Angotti (Org.). Cidades Capitais do Século XIX.
São Paulo: EDUSP, 2001, p. 136.
38
DINIZ, Anamaria. Goiânia de Attilio Correa Lima (1932 -1935) – ideal estético e realidade
política. Dissertação de mestrado, Brasília, 2007; p. 30.
39
Heliana Salgueiro, op. cit; p.136 e 137.
40
1.3.1. Belo Horizonte

Belo Horizonte foi uma das primeiras capitais brasileiras “planejadas”,


inaugurada no final de 1897. Simbolicamente, a materialização da nova capital mineira
correspondia não só à sede do poder político, mas também simbolizava a República
rompendo com o “velho” que era Ouro Preto.

As relações culturais entre França-Brasil ao longo do século XIX ficam mais


estreitas no decorrer da construção de Belo Horizonte. O engenheiro Aarão Reis, que
organizou os estudos preliminares e traçou o plano da cidade, alicerçou seus
conhecimentos nas Luzes, pensamento positivista cultivado na Escola Politécnica do
Rio e também por José de Magalhães, que foi o autor dos projetos da arquitetura oficial.
A pesquisadora Heliana Salgueiro utilizou o “Relatório de estudos das
localidades indicadas para a escolha da capital” e a “Planta da cidade” para um estudo
aprofundado sobre as influências das modalidades de apropriação dos modelos de
racionalidade do outro lado do Atlântico, em época de afirmação de cosmopolitismo no
Brasil. Ela destaca que o estudo de certo número de noções presentes na pesquisa sobre
as localidades e na planta de Belo Horizonte revela semelhanças, porém, não
sincrônicas, face às memórias descritivas regionais francesas.
Os temas em debates – salubridade, embelezamento, centralização geográfica e
econômica, necessidade de uma rede de circulação – são invocados inúmeras vezes pela
geração dos que conceberam Belo Horizonte e que conheciam Reynaud e os textos de
Michel Chevalier, difundidos nos meios da Escola Politécnica do Rio de Janeiro.40
Os engenheiros brasileiros faziam também referência às obras de Haussmann e a
outras experiências urbanísticas, como a de Chicago, à fundação de novas capitais do
passado, como Washington (Figura 2), São Petersburgo (século XVIII) e, mais próxima
deles, La Plata (projeto de meados do século XIX), modelo que será privilegiado, em
parte, para a planta de Belo Horizonte.41

40
Heliana Salgueiro, op. cit; p.142.
41
Idem.
41
Figura 2: Plano de Washington de L´Enfant – 1791.
Fonte: DINIZ, Anamaria (2007), p. 33.

O desenho se constituía de uma malha perpendicular, cortada por avenidas em


diagonal, quarteirões regulares, perspectivas privilegiadas e uma grande avenida
(Avenida do Contorno) ao redor do seu perímetro e foi prevista para 30 mil habitantes
inicialmente, com uma projeção para 200 mil. De acordo com Letícia Julião e conforme
mostra a figura 3 e as fotos 1 e 2, o plano tinha “as ruas, criteriosamente mensuradas,
formando quarteirões regulares, desenhavam um traçado semelhante a um tabuleiro de
xadrez. A malha urbana retilínea era pontuada por algumas praças, das quais se
irradiavam avenidas longas e largas, que cruzavam, em diagonal, os pontos extremos da
cidade.” 42

42
JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna. BH Horizontes Históricos, Eliana
F. Dutra (org.), BH, 1996, p. 57.
42
Figura 3: Plano de Belo Horizonte de Aarão Reis (1893).
Fonte: DINIZ, Anamaria (2007), p. 33

Foto 1: Belo Horizonte: a vista da Avenida Affonso Penna em 1930.


Fonte: SALGUEIRO (2001), p. 178.

43
Foto 2: Belo Horizonte: imagem de postal de 1955.
Fonte: SEGAWA (1997), p. 20.

O caso de Belo Horizonte é emblemático não apenas para a compreensão do


desenvolvimento do urbanismo brasileiro e sua relação com a arquitetura do final do
século XIX, mas também para percebermos como se processou a influência do
pensamento e dos modelos urbanísticos franceses nas decisões técnicas dos profissionais
do nosso país.

Ficou evidente, no caso de Belo Horizonte, nos trechos dos relatórios técnicos
sobre o planejamento da nova capital, a contraposição entre o antigo e o novo. “Negam-
se as velharias tanto quanto se afirmam as novidades.”43 Nessa representação, a lógica
do efeito visual do conjunto e de suas partes conta mais do que a memória de um
passado considerado atrasado, cuja imagem deve ser apagada.

De acordo com Heliana Salgueiro, existem pelo menos três cidades sucessivas
em Belo Horizonte: a do final do século XIX e começo do XX no traçado central, onde
sobraram casas isoladas e edifícios públicos; depois a Belo Horizonte que acolheu o
modernismo lírico da Pampulha, diferente do Movimento Moderno europeu e

43
Heliana Salgueiro, op. cit; p. 159.
44
coexistente com o surto de art déco; e a Belo Horizonte atual, com as imagens da cidade
que sobe e se justapõe, sem controle, às outras. 44

Nesta mesma direção analítica sobre os três tempos de Belo Horizonte, Andréa
Maia e Valnei Pereira destacam os processos conformadores da geografia cultural e de
poder para a Belo Horizonte atual, que, segundo eles está ancorada numa sucessão
mítica entre o plano e a política. Parecem atualizar os outrora simbólicos Plano Original
da Nova Capital, de Aarão Reis, de 1897 e Plano da Pampulha, de Juscelino
Kubitscheck de 1943. Os Planos da Linha Verde e da Transferência do Governo
Estadual de Aécio Neves, de 2007, mimetizam essas experiências, a expensas dos seus
altos custos sociais, das suas imposições antidemocráticas e dos novos sentidos que
produzem sobre o viver urbano.45

A imagem negativa dos habitantes do arraial a ser desapropriado ilustra os textos


fundadores de Belo Horizonte; ela, enquanto cidade-corpo contém traços tanto do
darwinismo social quanto das representações utópicas de contra-sociedade, de cidade
“purificada”, que ainda alimentavam a geração dos engenheiros politécnicos brasileiros
do final do século.46

Belo Horizonte foi pensada para ser uma capital administrativa e outro fato
notório é que no espaço planejado não havia uma área prevista para alojar a população
mais pobre, que, como em todos os casos de cidades construídas a partir do nada,
representam um grande contingente de trabalhadores e imigrantes.

A ausência de um programa de alojamento para os trabalhadores que chegavam


em massa, no momento em que essa discussão não era ignorada no país, e a concepção
artificial de um projeto segregacionista impuseram uma ocupação centrifuga do espaço
urbano: a população tornou-se mais densa para além do boulevard periférico,
distribuindo-se de forma desordenada pelos montes vizinhos, olhando, do alto, a cidade
quase vazia, com suas ruas sem história cortando-se em ângulos retos.47

44
Heliana Salgueiro, op. cit; p. 161.
45
MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos: projetos em
perspectiva comparada. Revista de História Comparada. Pós-Graduação em História Comparada
(PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume
3/Número 1 - Junho de 2009.
46
Heliana Salgueiro, op. cit; p. 164.
47
Ibid; p. 166.

45
Em capítulos posteriores esse processo de densificação periférica e o imenso
vazio central que se conforma em cidades planejadas serão mostrados também nos casos
de Goiânia, Brasília, e, sobretudo, no caso de Palmas.

1.3.2. Rio de Janeiro

No inicio do século XX, a cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal,


apresentava uma estrutura urbana colonial e contava com aproximadamente 746.749
habitantes. De acordo com Bruand, no período de 1902 a 1906, mandato do presidente
Rodrigues Alves,

“a cidade estava concentrada em torno do núcleo primitivo, com ruas estreitas


pavimentadas com pedras redondas e sem calçadas, ladeadas por casas de um
ou dois andares no máximo; tinha conservado muito de seu aspecto colonial,
embora tenha ganhado em superfície; os transportes eram feitos
principalmente com tração animal; os particulares ainda podiam criar uma rua
sem a anuência prévia da prefeitura.” 48

Nesse período era visível o crescimento dos problemas sociais, de abastecimento


de água, de transporte, de segurança e saúde pública. As etapas de transformação do Rio
de Janeiro estão intimamente relacionadas a certo número de políticos e urbanistas.

O primeiro deles foi o prefeito e engenheiro Francisco Pereira Passos que, em


1903, realizou cirurgias na cidade-corpo e o modelo adotado foi similar ao que
Haussmann adotou em Paris – o intuito era transformar a fisionomia da cidade e provê-
la de serviços modernos.

Os procedimentos do engenheiro ficaram conhecidos como Planos de


Embelezamento e Saneamento da Cidade, que se tratava de intervenções urbanas
relacionadas à abertura da malha colonial e a destruição de morros que atravessavam a
cidade.

A intenção era aperfeiçoar o tráfego, criar ruas bastante arborizadas, com


sistemas de parques, padronizando fachadas, transformando a capital em uma cidade
similar às cidades europeias. Por tantas semelhanças com as intervenções de Paris,
Pereira Passos ficou conhecido como “O Haussmann brasileiro”. Para o arquiteto e

48
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 334.
46
urbanista Hugo Segawa: “conciliar a erradicação das epidemias que varreram a cidade
ao longo do século 19, afastar a população pobre de setores estratégicos para a expansão
urbana e conferir à paisagem uma estética arquitetônica de padrão europeu
caracterizaram iniciativas para a modelagem de um Brasil condizente com o figurino de
uma nação civilizada.”49

As inúmeras cirurgias urbanas realizadas exigiram que toda via aberta à


circulação fosse devidamente pavimentada e munida de canalizações de água, gás e
esgoto. Yves Bruand destaca algumas realizações de Pereira Passos que mudaram em
alguns anos radicalmente o aspecto da cidade:

Duas vigorosas diagonais dispostas em “V”, a Avenida Central (hoje, Rio


Branco) e a Avenida Mem de Sá, cortaram o xadrez das ruelas do centro da
cidade, e não se vacilou em arrasar o pequeno morro que se encontrava no
percurso, inaugurando um processo que iria ser repetido várias vezes em
outra escala; assim as duas extremidades do porto (reformado totalmente
para poder absorver um tráfego em plena expansão) foram ligadas
diretamente à Avenida Beira-Mar, cujo lançamento ao longo da baia serviu de
base para o desenvolvimento da zona sul, que iria tornar-se a mais elegante
do Rio.50

No campo da arquitetura Pereira Passos teve como auxiliar o arquiteto Paulo de


Frontin, que movimentou um concurso internacional para a escolha do conjunto de
fachadas que iriam alinhar-se na principal avenida, seguindo os moldes da arquitetura
francesa monumental, com o objetivo de assegurar o equilíbrio do conjunto.

De acordo com Bruand o resultado foi catastrófico, pois surgiram propostas de


edifícios maneiristas inspirados nos estilos históricos mais variados, misturados num
mesmo edifício e um fracasso total em matéria de urbanismo, “embora umas obras
tivessem uma certa dignidade”, ressalta o autor.51

Em quatro anos a aparência do Rio de Janeiro foi transformada: no lugar dos


cortiços (locais serviam de moradia àqueles que não eram bem vindos à cidade
higienizada) e ruas estreitas e escuras, apareceram grandes boulevares, com edifícios
imponentes. Com a finalidade de saneamento e ordenação da malha de circulação viária,
o prefeito demoliu casarões, abriu e alargou diversas ruas. O alargamento das ruas
favoreceu melhor ventilação e iluminação do centro e ainda o incremento de uma

49
Hugo Segawa, op. cit., p. 21.
50
Yves Bruand, op. cit; p. 334.
51
Idem.
47
arquitetura de padrão superior. Foram derrubados todos os prédios próximos aos Arcos
da Lapa e o Morro do Senado, com o objetivo de liberar passagem para a Avenida Mem
de Sá. Para a abertura da Avenida Passos foi demolido o Largo de São Domingos. Após
a conclusão do alargamento da rua da Vala (Rua Uruguaiana atualmente) em 1906, que
custou a demolição de todo o casario de um dos lados da rua, esta passou a abrigar as
melhores lojas do início do século.

A gestão de Pereira Passos ficou conhecida pela rapidez e vontade política na


execução das intervenções urbanas. Uma das razões do seu êxito foi o total
apoio do então presidente da República, Rodrigues Alves, dando plenos
poderes e recursos financeiros para a realização das obras.52

As ondas de modernização tomaram conta do ideário da época: obras de abertura


das avenidas Beira-Mar e Atlântica, alargamento da Rua da Carioca, Sete de Setembro e
a Avenida Central (com 1.800 metros de comprimento e 33 metros de largura), a atual
Avenida Rio Branco - centro econômico e administrativo da cidade. As obras da
Avenida Beira Mar, iniciadas logo que Passos assumiu, a rua conectou o centro da
cidade até o Morro da Viúva. A avenida foi a solução encontrada para ligar as
extremidades da cidade, futuramente reforçada pela abertura de túneis. Um dos atos
mais contundentes de Passos foi a determinação da demolição de todos os imóveis
existentes em locais definidos para a execução de novas obras.

A reforma valorizou os terrenos do centro da cidade e a demolição de prédios


residenciais forçou a população pobre a pagar aluguéis altos, juntar-se com outras
famílias ou se afastar para áreas suburbanas, tendo em vista que as habitações populares
construídas pelo poder público foram insuficientes para abrigar todas as famílias
desalojadas em função das demolições ocorridas.

Devido à valorização do centro, com maior oferta de serviços e melhor


qualidade de vida proporcionada pelos melhoramentos urbanos, uma parte considerável
da população pobre passa a ocupar irregularmente os morros próximos, como foram os
casos dos morros da Providência e de Santo Antonio. A acelerada ocupação das
encostas do centro da cidade foi o inicio do processo de formação das favelas do Rio de
Janeiro.

52
Anamaria Diniz, op. cit., p. 37.
48
Outro nome que surge no cenário do urbanismo carioca em 1927 é o do arquiteto
Donnat Alfred Agache53 (1875 – 1959), profissional de renome do urbanismo francês
desde 1910. Em junho de 1927 desembarcou na cidade do Rio de Janeiro para realizar
cinco conferências, a pedido do prefeito Antonio Prado Junior, que tinha como objetivo
sensibilizar a sociedade civil sobre a necessidade de elaborar um Plano Piloto da Capital
do país (realizado entre 1928 e 1930). As cinco conferências tinham como temática os
princípios do urbanismo, as realizações de um plano para a cidade e a difusão do
urbanismo francês. Agache utilizou nesse projeto princípios clássicos, como o traçado
de quarteirões para a definição do espaço, utilizando todas as ferramentas do urbanismo
barroco-hausmanniano, constituído por avenidas, boulevards, praças e traçado
geométrico (Figura 4).

53
Donnat Alfred Agache pertence ao conjunto de arquitetos que iniciam a divulgação do urbanismo como
prática e ciência de estudo e intervenção nas cidades. Co-fundador, em 1914, da Societé Française dês
Urbanistes, a sua atividade desenvolve-se quer como autor de numerosos planos, sendo chamado
diretamente por Governos de países com problemas de ordenamento urbano, quer como vencedor de
concursos internacionais (Camberra, 1913), quer ainda como teórico e animador de debates sobre a
higiene urbana e a jovem disciplina urbanística (Lamas, 2000).
49
Figura 4: Jardins Projetados na Ponta do Calabouço (Aquarela) e croqui da Praça do Castelo,
Centro de Negócios (Rio de Janeiro).
Fonte: LAMAS, José (2000), p. 277.

50
Figura 5: D. A. Agache: Plano do Rio de Janeiro.
Fonte: LAMAS, José (2000, p.275).

Os três pontos principais para o projeto para o Rio de Janeiro foram a


circulação, a higiene e a estética (Figura 5). Em 1930 ele publicou o documento
intitulado “A Cidade do Rio de Janeiro, remodelação, extensão e embelezamento”,
posteriormente traduzida em francês para “La Remodelation d´une capitale,
aménagement, extension, embellissement”. De acordo com o pesquisador português
José Lamas,

“a correspondência do plano com os valores institucionais, econômicos e


políticos dominantes, passa pela força imprimida ao desenho dos traçados e
perspectivas monumentais e pelo valor simbólico das massas construídas nos
pontos principais: o centro de negócios, a praça principal, as grandes funções
comerciais e terciárias. A significação urbana estabelece a relação entre as
formas e as funções. O centro é dominado por torres de escritórios.” 54

54
LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho das cidades. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000, p. 278.
51
No entanto, o Plano Agache não foi executado e aconteceu devido à falta de
continuidade administrativa muito comum no Brasil. O sucessor do prefeito Antônio
Prado Júnior não quis levar à frente os planos do seu predecessor. Mas ainda que o
Plano Agache não tenha sido efetivado, o aprendizado que os arquitetos brasileiros
tiveram com o plano foi considerado, por muitos autores, como a prévia lição de uma
ciência bastante nova para eles, que antecedeu e de certa forma preparou os jovens para
a vinda de Le Corbusier ao Brasil, cujos princípios do urbanismo e da arquitetura
modernista foram mais absorvidos.

Podemos concluir após a análise, tanto das intervenções de Pereira Passos


quanto nas propostas de Alfred Agache, que nas três primeiras décadas do século XX
existia no Rio de Janeiro um desejo de estar em sintonia com o mundo europeu
provocando uma intensa busca pela modernidade.

1.4 Le Corbusier no Brasil: o espaço limpo, liso, reto e plano

Figura 6: Croquis do Rio de Janeiro visto do mar (com auto-estrada).


Fonte: DURAND, RBCS. Ano 6, julho de 1991.

A primeira vinda de Le Corbusier ao Brasil se deu a partir da viagem


empreendida à America do Sul em 1929, de onde passou e visitou Buenos Aires, Rio de
Janeiro e São Paulo. No Brasil ele realizou algumas conferências no Rio de Janeiro, a
respeito da unidade do sistema moderno e das suas propostas para a nova arquitetura.

52
Foi nessa visita que ele desenhou os famosos croquis para o Rio de Janeiro, em que uma
gigantesca estrutura arquitetônica repousa na majestosa paisagem natural (Figura 6).

A macroestrutura de Le Corbusier é sugerida pela escala da paisagem,


assentando em dois elementos principais: o arranha-céu e a auto-estrada. A
natureza da proposta de Le Corbusier é autônoma. Não é um plano, é um
projeto, não é urbanismo, é arquitetura, e como arquitetura se confronta com
o território monumental do Rio, os seus morros, o Pão de Açúcar, a costa do
mar. Na paisagem vista de avião, grandiosa e monumental, encontra Le
Corbusier o suporte para suas idéias.55

As visitas de Le Corbusier ao Brasil foram muito representativas para o grupo


vanguardista de arquitetos e urbanistas do sudeste do país; porém, sua segunda estadia
em 1936 foi a que mais marcou. Ele voltou ao Brasil a convite do Ministro da Educação
e Saúde, Gustavo Capanema, como consultor para o projeto da sede do ministério.

Para justificar as despesas de viagem e estadia de Le Corbusier no Brasil ficou


decidido que ele seria chamado como consultor para o projeto do prédio do ministério e
também para elaborar um breve estudo sobre a Cidade Universitária que se pretendia
construir no centro do Rio (projeto este que não saiu do papel, não passando de uma
manifestação platônica, desejada, sonhada). No entanto, como a legislação brasileira
não permitia remunerar arquitetos estrangeiros não residentes no país, a maneira
encontrada foi o agendamento de algumas conferências que poderiam ser remuneradas.

No período de treze de julho a quinze de agosto de 1936, Le Corbusier


estabeleceu estreito contato com os arquitetos que constituíam a equipe de trabalho
brasileira, o grupo era formado pelos seguintes membros: Lúcio Costa56 (como líder do
grupo), Affonso Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcellos, Carlos Leão e Oscar
Niemeyer57.

55
LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho das cidades. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000, p. 276.
56
Lúcio Costa nasceu em Toulon em 1902, filho de almirante em missão militar na Europa. Viveu na
França até os dez anos e, após uma breve passagem pelo Brasil, embarcou para a Inglaterra, ainda em
função do trabalho do pai. Lá freqüentou a Royal Grammar School. Deixando a Marinha em 1914, o
militar proporcionou nova viagem a família, agora incluindo a Suiça. Retomando ao Brasil em 1916 em
razão da guerra, Lúcio Costa entrou no ano seguinte na secção de pintura da Escola Nacional de Belas
Artes e transferiu-se no meio do curso para a de arquitetura, na qual diplomou em 1922. Colaborou no
importante escritório de Heitor de Mello e realizou por sua conta uma viagem de estudos à Itália em
1926/27, antes de se fixar definitivamente no Rio de Janeiro (Durand, 1991).
57
Oscar de Almeida Soares, nascido no Rio em 1907, neto, por parte de mãe, de um ministro do Supremo
Tribunal Federal e de uma grande proprietária de terras e escravos. Seu pai, que trazia Soares no nome de
batismo, ficou órfão aos cinco anos e foi criado por um tio, o engenheiro Carlos Conrado Niemeyer, de
quem Oscar adorou o sobrenome. Após um secundário em escola religiosa, Niemeyer cursou arquitetura
53
O terreno destinado à implantação do prédio do Ministério da Educação e Saúde
(MES) era longe do mar e no centro da cidade e isso não agradou Le Corbusier, que o
qualificou posteriormente como “terreno sujo dentro do bairro de negócios”. Isso fez
com que ele próprio indicasse outro terreno perto do aeroporto e próximo ao mar.
Porém, não sendo possível acatar a vontade do arquiteto, o prédio foi edificado no
primeiro local proposto.

Por esse fato, Le Corbusier realizou dois anteprojetos, que serviram de


inspiração para o projeto final elaborado pelos arquitetos brasileiros, um no terreno
próximo ao mar e outro no terreno definitivo (Figuras 7 e 8). Nos anteprojetos do
arquiteto é possível perceber a horizontalidade predominante do edifício, que se opõe a
verticalidade do projeto implementado pela equipe brasileira.

Figura 7: Primeiro anteprojeto para o Ministério da Educação e Saúde. Rio e


Janeiro (Terreno escolhido por Le Corbusier), 1936.
Fonte: BRUAND (1991), p. 84.

na ENBA entre 1929 e 1934. Construída na lógica carismática do talento, a carreira de Niemeyer
começou com a participação no projeto do MES, capitalizando a versão de um desempenho surpreendente
(Durand, 1991).
54
Figura 8: Segundo anteprojeto para o Ministério da Educação e Saúde.
Rio e Janeiro (Terreno utilizado), 1936.
Fonte: BRUAND (1991), p. 85.

No projeto definitivo os aspectos plásticos do edifício não foram desprezados,


tendo as soluções formais acompanhando passo a passo as soluções de ordem funcional
(Fotos 3 e 4). A principal preocupação da equipe brasileira foi a de conceber uma obra
que se distinguisse das construções vizinhas por sua unidade, proporções e pureza.58

58
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p 88.
55
Foto 3: Edifício do Ministério da Educação e Saúde.
Rio e Janeiro (prédio executado pela equipe
brasileira). 1936 a 1943
Fonte: BRUAND (1991), p. 88.

Foto 4: Edifício do Ministério da Educação e Saúde.


Rio e Janeiro.
Fonte: Acervo pessoal da autora (2008).

56
A importância da participação de Le Corbusier na concepção desse projeto não
pode ser negada. No entanto, o projeto revelou o talento da equipe brasileira em
conjugar os novos saberes introduzidos pelo mestre a uma solução peculiar que exigia o
projeto do ministério.

As modificações introduzidas no estudo de Le Corbusier transformavam-no


num projeto inteiramente novo, embora integralmente baseado nas propostas
iniciais do arquiteto consultor e aplicando os princípios por ele ditados. Não
cabe negar a contribuição fundamental de Le Corbusier, plenamente
reconhecida pelos jovens brasileiros, que consideravam um honra o fato de
terem podido trabalhar sob a direção do mestre que tanto admiravam.59

A sede do ministério foi construída segundo o projeto desenvolvido por Lúcio


Costa e sua equipe e inaugurado em 1945, levou uma placa em que a autoria aparece
compartilhada entre Le Corbusier e aqueles que trabalharam a partir de seu ‘risco
inicial’, embora Le Corbusier posteriormente tenha reclamado a remuneração pelo
trabalho realizado com a equipe do Brasil, conforme o relato que segue:

Em 1937, quando o projeto ficou pronto, Costa enviou uma cópia das plantas
a Le Corbusier em Paris e recebeu uma saudação elogiosa. Interrompidos os
contatos durante a guerra, só depois dela Le Corbusier ficou sabendo, através
de fotografias, que o prédio fora construído. Ficou agastado com os
brasileiros, reclamando remuneração pelos projetos desenvolvidos em 1936
(que, em seu entender, não poderia estar incluída no pagamento das
conferências) e um reconhecimento mais claro de sua condição de autor. Em
represália, Le Corbusier publicou em suas Obras completas uma série de
croquis do prédio. Costa percebeu que eles haviam sido feitos a partir das
fotos do prédio pronto e respondeu com uma carta enérgica.60

Apesar dos desencontros a respeito da remuneração e da autoria da obra, o


projeto para o prédio do MES demonstrou o talento da nova geração de arquitetos do
Rio de Janeiro, a partir do aprendizado com o mestre franco-suíço.

A experiência transmitida por Le Corbusier, nas seis semanas de trabalho


intensivo desenvolvido com a equipe, influenciou profundamente os jovens
brasileiros que dela faziam parte, modificando-os profundamente com esse
breve contato. Desse trabalho resultou o celebre edifício do Ministério da
Educação e Saúde, concluído em 1943, marco da transformação decisiva da
arquitetura contemporânea no Brasil.61

59
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 89.
60
DURAND, José Carlos. Le Corbusier no Brasil: Negociação Política e Renovação Arquitetônica.
Contribuição à História Social da Arquitetura Brasileira. RBCS. Ano 6, julho de 1991, p. 11.
61
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p 81.
57
As contribuições de Le Corbusier aos arquitetos brasileiros podem ser
destacadas em três pontos básicos: o seu método de trabalho (particularmente a
aplicação dos cinco pontos da nova arquitetura: utilização de pilotis, terraço-jardim,
planta livre, fachada livre e janelas na horizontal), há também a preocupação com os
problemas formais e a valorização dos elementos locais.

O prédio do MES foi pioneiro em vários sentidos e emblemático para a


configuração de novos princípios na arquitetura brasileira. O projeto reintegrou a arte à
arquitetura, houve a colaboração do pintor Cândido Portinari, do escultor Bruno Giorgi,
Antônio Celso e Jacques Lipchitz e do arquiteto-paisagista Roberto Burle Marx.

A repercussão internacional foi imensa, nos Estados Unidos e na Europa, o


projeto foi publicado em todas as grandes revistas de arquitetura. A nova arquitetura
passou a representar o símbolo da modernidade brasileira.

A visita de Le Corbusier deixou grandes marcas na elite intelectual brasileira,


sobretudo na forma de conceber edifícios e cidades, marcas que ecoam até os dias de
hoje e que foram utilizadas na construção dos discursos de vários chefes de estado,
sobretudo durante o processo de interiorização do Brasil, com o planejamento de
cidades novas, que já nasciam sob o signo da modernidade - como foram os casos de
Goiânia, Brasília e Palmas.

Oscar Niemeyer teve neste período a sua primeira consagração, o prédio do


MES lhe rendeu uma indicação ao governador de Minas Gerais, para a construção de
um Hotel em Ouro Preto (1940), o que lhe proporcionou o contato com Juscelino
Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte. A aproximação com Juscelino lhe rendeu
o projeto para uma área de lazer no bairro da Pampulha (1943). O projeto da capela de
São Francisco de Assis, que fazia parte do complexo, ganhou imensa notoriedade pelo
uso intenso da forma curva, que se desvinculava da arquitetura “ortogonal” do
movimento moderno. Posteriormente o arquiteto ganhou notoriedade nacional e
internacional com as obras empreendidas em Brasília (1957-1960), em mais uma
encomenda de Juscelino Kubitschek.

58
A experiência transmitida por Le Corbusier, nas seis semanas de trabalho
intensivo desenvolvido com a equipe, influenciou profundamente os jovens
brasileiros que dela faziam parte, modificando-os profundamente com esse
breve contato. Desse trabalho resultou o celebre edifício do Ministério da
Educação e Saúde, concluído em 1943, marco da transformação decisiva da
arquitetura contemporânea no Brasil.62

Para Durand, vinte anos depois do projeto para o MES, a frágil resistência do
academicismo estava vencida, ou seja, havia consenso para se acatar o ‘modernismo’.
Segundo ele, “com Brasília, o legado Corbusiano foi posto inteiramente em ação, pois
além dos palácios onde Niemeyer realizou à vontade a plástica das curvas, esteve
presente a possibilidade de um desenho urbano inteiramente conforme aos princípios da
Carta de Atenas63. Só que, já estando construídas as fronteiras sociais do campo, não
havia necessidade de chamar outra vez Le Corbusier.” 64

Cabe lembrar que os Congrès Internacionaux d´Arquitetura Moderne (CIAM),


que duraram de 1928 a 1960, tiveram grande influência na conformação da doutrina
moderna na arquitetura e no urbanismo, sendo que Brasília pode ser considerada a
síntese dos preceitos desenvolvidos neste importante fórum internacional de debates.

Os encontros e as publicações dos CIAM firmaram um consenso entre os


profissionais de todo o mundo a respeito dos problemas essenciais da
arquitetura, dando especial atenção aos da cidade moderna. O Brasil estava
representado nesses congressos desde 1930, e Lúcio Costa e Oscar Niemeyer
puseram em prática os princípios dos CIAM com notória clareza.65

Foi no projeto de Brasília que os arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer


colocaram em prática os princípios fundamentais do novo urbanismo, baseados na Carta
de Atenas, que são as seguintes:

As quatro funções principais (chaves do urbanismo) – habitar, trabalhar,


recrear-se e circular – engendrariam áreas especificas. A cada função a sua
área de solo exclusiva. A área residencial ocupa o lugar principal no
urbanismo, enquanto a circulação deverá organizar a cidade existente. O
grande objetivo será circular bem, em vias hierarquizadas que privilegiem a
deslocação e separando os percursos entre o pedestre e o automóvel. Os

62
BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1991, p 81.
63
A Carta de Atenas foi o documento escrito por Le Corbusier, na quarta conferência do CIAM realizado
na Grécia em 1933 e que definiu as quatro funções básicas do planejamento urbano: moradia, trabalho,
lazer e circulação.
64
DURAND, José Carlos. Le Corbusier no Brasil: Negociação Política e Renovação Arquitetônica.
Contribuição à História Social da Arquitetura Brasileira. RBCS. Ano 6, julho de 1991, p. 11.
65
HOLSTON, James. A Cidade modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia. São Paulo: Cia. das
Letras, 1993, p. 37
59
planos determinarão a estrutura de cada um dos setores atribuídos às quatro
funções-chave e fixarão a localização respectiva dentro do conjunto.66

Le Corbusier definiu a estrutura das cidades em dois programas muito simples: a


cidade planejada e a cidade espontânea, segundo ele:

A estrutura das cidades nos revela duas espécies de acontecimentos: o


ajuntamento progressivo, aleatório, com seu fenômeno de estratificação lenta,
de formação escalonada, e depois sua força de atração adquirida; crescente,
força centrifuga, sedução violenta, investida, balbúrdia. Foi assim Roma,
como é Paris, Londres ou Berlim. Ou então: a construção da cidade nascida
de um programa, de uma vontade, de uma ciência adquirida; é assim Pequim
ou são as cidades fortificadas do renascimento (Palmanova), ou são as
cidades colonizadoras dos romanos erigidas no âmago dos países bárbaros.67

O projeto do arquiteto para a cidade contemporânea é tão detalhado que ele


chega a planejar os mínimos detalhes da nova cidade. A característica marcante de suas
propostas está no planejamento do ‘ideal’. O relato do urbanista deixa clara a sua
motivação, veja o trecho seguir.

Procedendo à maneira do prático em seu laboratório, fugi dos casos


específicos: afastei todos os acidentes; concedi-me um terreno ideal. O
objetivo não era vencer estados de coisas preexistentes, e sim conseguir, ao
construir um edifício rigoroso, formular princípios fundamentais de
urbanismo moderno.68

A descrição da cidade criada por Le Corbusier nos remete à urbe Utopia, obra de
Thomas More, guardando as devidas circunstâncias temporais que as separam e
afastando o anacronismo, uma descreve um ambiente medieval, o caminho da perfeição
através da política; a outra a cidade moderna, apoiada em questões puramente técnicas,
conforme Le Corbusier costumava destacar em seus textos, ambas trazendo a lume a
proposta de cidade ideal.

No item seguinte destacaremos três cidades que apesar de nascerem em décadas


bastante diversas, guardam similaridades e contradições baseadas nos ideais de
modernidade. Veremos como estes ideais partiram do litoral para o oeste do país, no que
denominamos de cidade-modelo.

66
LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho das cidades. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000.
67
LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins, 1992, p. 84.
68
Le Corbusier, op. cit; p.156.
60
1.5 Do litoral para o oeste do país: Goiânia, Brasília e Palmas.

Quarenta anos depois da experiência de Belo Horizonte surge Goiânia, a nova


capital do Goiás (1933), inicialmente planejada por Attilio Corrêa Lima69, que havia
recém chegado ao Brasil, após se especializar na Europa na área do urbanismo.

Trechos do Memorial do Plano Urbanístico de Goiânia demonstram que o


arquiteto se apropriou da linguagem clássica presente nos planos de Versailles (Capital-
Residência do urbanismo barroco europeu), Karlsruhe e Washington (a primeira cidade
moderna que serviu de sede a um tipo novo de governo, de forma republicana
democrática). Ou seja, apesar de Goiânia acontecer quase no mesmo período em que o
movimento moderno ganhou adeptos no Brasil (mais especificamente no Rio de Janeiro
e São Paulo), o projeto sofreu mais influência dos modelos urbanísticos do século XVIII
e XIX, do que das novas correntes de vanguarda que ora se configuravam no inicio do
Século XX.

Trinta anos mais tarde surge Brasília, após concurso público realizado em 1957,
cujo vencedor foi o arquiteto Lúcio Costa. A nova capital Federal foi a meta-síntese do
governo do presidente Juscelino Kubitschek. O período em que Juscelino Kubitschek
foi presidente (1956 -1961) ocorreu sob um clima de liberdades políticas, o que
colaborou para o empreendimento de metas de governo bem definidas e com isso
conquistou a opinião pública.

Em 1950, o país vivia dicotomias emblemáticas entre o “rural e o urbano”, o


“passado e futuro”, o “velho e o novo”, características essas que Lúcia Lippi destaca
como um processo de mudança:

A criação do novo, do moderno, fundaria um processo de mudança na


sociedade brasileira capaz de fazer o país deixar de ser subdesenvolvido. A
suposição de que as forças do novo seriam vencedoras fazia parte da cultura
que tomava corpo naqueles anos. Não por acaso os movimentos culturais
mais relevantes da década estavam atrelados às idéias de moderno e de novo:
arquitetura moderna, bossa nova, cinema novo. 70

69
Attilio Corrêa Lima (1901 – 1943) foi um arquiteto e urbanista brasileiro responsável pelo Plano
Urbanístico de Goiânia, Plano Urbanístico de Volta Redonda, Plano de Reurbanização de Niterói, Plano
de Reurbanização de Recife e da Estação de Hidro-aviões do Aeroporto Santos Dummont.
70
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Brasília: a meta-síntese. Disponível em: < http://www.cpdoc.fgv.br>.
Acesso em 20 de janeiro de 2009.
61
No campo da política nacional, o país continuou caminhando rumo ao processo
de interiorização, que foi iniciado por Getúlio Vargas e, neste sentido, continuada por
Juscelino com a construção de Brasília, centralizando a Capital Federal e ocupando o
Planalto Central brasileiro.

Neste período o modernismo já recebia duras críticas, sobretudo com a


realização do ultimo CIAM (em 1956) em Dubrovnik, Iugoslávia. A revisão critica dos
encontros, juntamente com as discordâncias de opinião entre os membros fez com que o
movimento perdesse adeptos.

Brasília é uma cidade ‘inteiramente nova e corbusiana’, assim definiu o geógrafo


e urbanista inglês Peter Hall71. O que sustenta a afirmação de Hall foi o fato de Lúcio
Costa ter em Brasília utilizado os princípios da Carta de Atenas em larga escala. São
eles mais detalhadamente:

• O princípio da setorização, ou seja, a segregação das atividades em áreas


especializadas, de acordo com suas funções;
• Segregação do trânsito de pedestres e de veículos, acarretando a substituição da
rua-corredor pelo critério da independência do agenciamento das edificações em
relação ao sistema viário;
• Organização das áreas residenciais em unidades de vizinhança.

O modelo cartesiano e positivista do Plano de Brasília foi comentado no mundo


inteiro por intelectuais de diversas áreas e líderes políticos das mais diversas ideologias,
mas surgem muitas dúvidas quando se trata de situar o projeto de Brasília como obra de
um modernismo já em franca decadência no mundo ocidental.

Mais difícil ainda é compreender que o Plano de Palmas (1990), trinta anos
depois de Brasília, adotou um modelo semelhante, tendo sido baseado em princípios e
concepções do urbanismo modernista, só que em estado já “inercial”, com a experiência
de Brasília já sendo alvo de grande polêmica (econômica, política e urbanística),

71
Peter Hall é um urbanista e geógrafo inglês, professor de Planejamento e Regeneração no The Bartlett
University College de Londres, e Presidente do Town and Country Planning Association e da Regional
Studies Association. É uma autoridade de renome internacional sobre a evolução econômica, demográfica,
cultural e questões de gestão com que defrontam cidades ao redor do globo. Sua obra arquitetônica foi
influenciada, sobretudo, por Le Corbusier, e encontrou eco em trabalhos como o projeto de Oscar
Niemeyer para Pampulha, em Belo Horizonte (1942), com a sua organização espacial livre e busca por
inovações estruturais. Notabilizou-se por integrar arquitetura e planejamento urbano, baseando-se em
estudos sobre a origem e o desenvolvimento das cidades brasileiras.
62
colocando o modernismo como um movimento superado. Ou será que poderíamos
chamá-lo de tardio?

Quando uma cidade nasce a partir do nada, alguns pontos se sobressaem e o


mais significativo deles é a ideologia construída para desqualificar o velho e sustentar a
novidade. Os discursos políticos que se repetem procuram enfatizar a necessidade, por
exemplo, de mudança geográfica das sedes de Estados, ou seja, das capitais, para um
novo lugar, construindo, na maior parte delas, cidades novas.

Na obra de José Osvaldo de Meira Penna, ‘Quando mudam as capitais’, o autor


desenvolve um estudo aprofundado a respeito das mudanças de capitais de países,
remetendo a situações diversas que vão desde a antiguidade à modernidade (Memfis,
Tebas, Alexandria, Constantinopla, Pequim, Madri, São Petersburgo, Nova Delhi,
Washington, Ottawa, Canberra, Ankara). Embora este estudo trate de casos específicos
de capitais brasileiras, como Belo Horizonte, Brasília, Goiânia e Palmas, por analogia as
percepções do autor fazem bastante sentido quando comparadas ao tema em questão.
Vejamos.

Segundo Penna, a capital exerce uma influência determinante na vida de uma


nação. Como sede do governo, órgão de centralização do Estado, centro diretor da vida
política e, frequentemente, da vida econômica e cultural do país, ela ocupa uma posição
única e privilegiada. Sua importância não reside no volume do comércio ou da indústria,
na extensão da área construída ou na cifra de sua população residente, porém na função
especial e transcendente de governo e unificação. É posto de comando em caso de
guerra, local onde se exprimem e se gastam os recursos espirituais da nacionalidade, a
capital é a cabeça pensante do Estado.72

A justificada da mudança para uma nova sede tinha nos discursos políticos dos
gestores muitas semelhanças, eles afirmavam que a atual localização dessas capitais já
não abarcava as atividades necessárias ao exercício administrativo. Sustentavam que a
expansão da cidade encontrava barreiras geográficas, na maioria das vezes colocando a
localização e as características físicas do lugar como justificativa para a construção do
novo.

72
PENNA, J. O. de Meira. Quando mudam as capitais. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 19.

63
O fator localização é similar nos casos aqui citados (Belo Horizonte, Goiânia,
Brasília e Palmas), sobretudo porque tais cidades poderiam ter aproveitado
aglomerações já existentes para constituir a nova sede, mas não o fizeram. No entanto,
os gestores justificam as suas escolhas baseados nas possíveis rivalidades que surgiriam
entre as eventuais cidades concorrentes e, portanto, a solução radical seria a criação ex
nihilo, pois a mesma ofereceria muito mais vantagens.

Os argumentos mudancistas sustentavam-se em alguns tópicos, como a escolha


da melhor situação, ausência de construções capazes de prejudicar a elaboração de um
plano racional, regular e monumental que pudesse impressionar, destacar o caráter
espetacular do empreendimento, que imporia respeito e contribuiria para o prestígio do
estado inteiro, bem como dos responsáveis pela iniciativa, todos esses argumentos
mostrados como decisivos.

A criação de Belo Horizonte em contraposição à antiga cidade de Ouro Preto; de


Goiânia e da antiga Goiás, de Brasília e da cidade do Rio de Janeiro e, por fim, Palmas e
as concorrentes Araguaina, Porto Nacional e Gurupi sendo que Miracema do Norte
acabou tornando-se a capital provisória após criação do Tocantins durante um ano. O fio
condutor que liga essas experiências baseia-se em teses mudancistas, que conferem a
essas cidades lugares de destaque.

A experiência de Belo Horizonte encorajou as autoridades de Goiás, em pleno


Brasil central, a observar o exemplo e criar uma nova capital, que somaria as funções
administrativas de mercado distribuidor de que se precisava tanto. A criação de Belo
Horizonte e de Goiânia, como exemplos de cidades planejadas, gerou um estímulo para
uma antiga vontade política, que era a de transferir o centro administrativo do país do
litoral para o interior, planejando a cidade de Brasília.73

Ainda que o caso de Belo Horizonte remeta ao planejamento arquitetônico e


urbanístico do século XIX, com linhas claramente clássicas em seu desenho, e não tenha
relação direta com o movimento moderno na arquitetura, como é o caso de Brasília e
Palmas, vale destacar que a criação de Belo Horizonte é a gestação de um processo de
interiorização, baseado no discurso político de construção de cidades novas no interior
do país.

73
Yves Bruand, op. cit., p.346.
64
Em Goiás, quando ocorreu a transferência para a nova sede, na cidade de
Goiânia, os argumentos mudancistas, também, partiam da noção de modernidade que
ora se impunha no cenário da política nacional, a partir de 1930. É o que Gustavo
Coelho destaca nessa afirmação:

Ao justificar a criação de uma nova capital para Goiás, Armando de Godói


cita, em seu relatório, a Cidade de Belo Horizonte. Nessa época, a capital
mineira, já com cerca de trinta anos de existência, é lembrada como um dos
principais exemplos de modernidade.74

A ideia de transferir a capital de Goiás era antiga, conforme afirma o autor, a


história mais uma vez é utilizada para legitimar a ideologia dos idealizadores. Veja-se
no trecho que segue:

Já desde a época colonial, entre viajantes estrangeiros e parte da elite política


da região, eram comuns crítica às condições geográficas da cidade de Goiás e
a idéia da transferência da capital da província para uma área mais
conveniente à expansão e desenvolvimento urbanos. Tal idéia permaneceu em
latência até que, em decorrência da Revolução de 1930, Pedro Ludovico
Teixeira foi indicado interventor federal no estado de Goiás.75

As experiências anteriores servem como exemplo para as posteriores,


demonstra-se no caso de Goiânia, que é citada como exemplo para justificar a iniciativa
da construção de Brasília: “mais do que por seu legado material, a contribuição de
Attilio Corrêa Lima ao urbanismo contemporâneo é notável pelo pensamento fecundo
que continha. Sob muitos aspectos, Goiânia é a prefiguração de Brasília.” 76

Brasília inaugura no cenário nacional justificada nas experiências anteriores e


nos discursos de modernidade e interiorização do Brasil.

O sucesso alcançado no plano prático pela criação de novas capitais regionais


só podia incitar o Brasil a realizar um antigo sonho, acalentado desde a
Independência ou mesmo antes: a mudança para o interior da chefia
administrativa do país. Por tanto a operação que culmina com o nascimento
de Brasília muito deve às experiências anteriores, feitas em escala mais
reduzida e menos ambiciosa.77

74
COELHO, Gustavo Neiva. A modernidade do Art Déco na construção de Goiânia. Goiânia: Ed. Do
Autor, 1997; p. 17.
75
Gustavo Neiva Coelho, op. cit, p. 18.
76
Yves Bruand, op. cit., p. 352.
77
Idem, p. 352.
65
Trechos do relatório de Pedro Ludovico a Getúlio Vargas tornam evidentes os
problemas da antiga cidade que poderiam atrapalhar o discurso estadonovista, baseado
na noção de modernidade, empreendido pelos gestores na construção dessas cidades.

Em relatório relativo ao período de 1930-1933, apresentado ao então Chefe


do Governo Provisório, Getúlio Vargas, o Interventor em Goiás transcreve
longo trecho daquele discurso, segundo o qual, uma cidade, para servir como
capital de uma Província necessitaria reunir condições ‘higiênicas’,
‘comerciais’ e ‘administrativas’ adequadas à função. Este discurso também
inaugura um estilo de argumentação pelo qual a velha Goiás representaria a
antítese do modelo de cidade apropriada para exercer tal função.78

A construção de Goiânia foi uma resposta de Pedro Ludovico à Primeira


República e às oligarquias ‘retrógradas’. Pedro Ludovico rotulava Goiás de centro
‘oligárquico e atrasado’ e Goiânia seria seu inverso. Goiás velha representava o passado
e Goiânia o futuro, a dicotomia à qual nos reportamos anteriormente. Decadência e
atraso eram, então, argumentos recuperados para reforçar a necessidade do novo.

Uma nova capital seria o símbolo que levaria o Estado a sair do marasmo
político e econômico, além de representar o ‘novo tempo’ que se estruturava
nos horizontes nacionais. Era a parte do ‘novo Brasil’; do tempo novo, do
Estado Novo. Uma nova capital seria sobretudo a imagem do progresso.79

A cidade de Palmas é um episódio que surge em escala bem menor, em nível


regional, em que os esforços empreendidos, em quase todos os sentidos, foram menos
evidentes do que aqueles realizados no caso de Brasília, sobretudo por ser fruto de
política nacional, a criação de um Distrito Federal, resultado de em Plano de Metas pré-
estabelecido. A localização da nova capital também foi alvo de muita polêmica, o que
gerou o fundamental questionamento: a nova capital do Tocantins poderia ter sido
instalada em uma cidade já existente?

O processo de escolha da localização de Palmas não se deu sem gerar


animosidades. Algumas cidades como Araguaína, Gurupi e Porto Nacional teriam
condições de tornarem-se capitais, por serem cidades já bem estruturadas. No entanto,
venceram os argumentos políticos de que uma nova cidade deveria ser criada e
Miracema do Norte, que nem estava na disputa, passou a ser a capital provisória do
Tocantins, até que Palmas estivesse em condições de receber a população.

78
MACIEL, Dulce P. Goiânia (1933-1963): estado e capital na produção da cidade. Tese (Doutorado).
Niterói: Universidade Federal Fluminense, Faculdade de História,1996. p.71.
79
Gustavo Neiva Coelho, op. cit., p. 43.
66
A escolha gerou inúmeros conflitos entre os prefeitos das cidades que pleiteavam
a condição, o status de capital e o de governador do estado Tocantins. O fato passou
inclusive a gerar desconfiança entre os recém-chegados ao estado. É o que percebemos
no depoimento da moradora de Palmas, Luciélia de Aquino Ramos, pioneira desde
1989:

Quando vim para Palmas havia um descontentamento, então aqueles que


estavam descontentes, porque não queriam acreditar e não queriam aceitar as
escolhas políticas, como por exemplo: Araguaina, Gurupi, Paraíso e Porto
Nacional não aceitavam e Miracema queria ser a capital. Então as maiores
cidades queriam isso, então havia uma divergência, isso era claro, então
aquilo ali parecia assim: será realmente que vai acontecer? 80

Quando analisamos a cidade como símbolo e instrumento político, obra de


considerável alcance e um acontecimento histórico marcante fica clara a intenção de um
governante que pretende criar ex nihilo uma capital. A ideologia que se construiu em
torno daquele ambiente político foi de que Palmas representava um ponto de
convergência relevante da gestão político-administrativa do Estado, estando
estrategicamente localizada no “centro” geográfico de Tocantins.

Além de todos os pontos citados neste capítulo existe um que não podemos
deixar de citar: todo processo de fundação e todos os discursos fundadores são
contrários à ideia de ‘continuidade histórica’. É a partir daí que o mito-fundador ganha
forças.

80
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010. Perfil: Luciélia de Aquino Ramos, Luara, como é conhecida, nasceu dia 05 de julho
de 1962 em Itumbiara (Goiás), formou-se em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiânia - UFG,
especialista em Português pela Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO, mestranda em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília - UnB, veio para Palmas em 1990 acompanhando
o marido Cesamar Lázaro da Silveira, que foi assessor do gabinete da governadoria, Chefe da Casa Civil
do Estado e faleceu quando ocupava a função de Advogado Geral do Município. Após o falecimento do
cônjuge no ano de 1996 ela permaneceu na capital onde desenvolveu inúmeros trabalhos como servidora
pública estadual e municipal nas áreas da educação e cultura. Em 2003 ingressou no trabalho de docência
Superior nas Faculdades Objetivo de Palmas – FAPAL e IEPO, em 2005 ingressou como professora na
Universidade Federal do Tocantins na qual atua até a presente data - 2011. No ano de 2006 assumiu a
Coordenação do Curso de Comunicação Social Publicidade e Propaganda das Faculdades Objetivo de
Palmas FAPAL e IEPO, atuando como Coordenadora até a presente data no IEPO, e como professora nos
Cursos de Comunicação Social Publicidade e Propaganda, Curso de Administração e Curso Ciências
Contábeis.
67
CAPITULO 2 – Modernidades tardias no cerrado

A cidade a que nos referimos, neste capítulo, é a cidade-modelo, aquela nascida


de um programa pré-estabelecido, cujos princípios postulados e difundidos pelo
arquiteto e urbanista franco-suíço Le Corbusier tomaram forma no Brasil, através da
construção de novas cidades-capitais, conforme atestam os casos de Belo Horizonte,
Goiânia, Brasília e Palmas.

A utopia norteou quase todos os planos de urbes ex nihilo e também serviu de


projeto político para muitos governantes, desde os mais remotos tempos até a
construção de modernas cidades. Portanto, “a capital é um símbolo, tanto quanto um
instrumento político” 81, conforme afirmou José Osvaldo de Meira Penna.

E, que dizer sobre a criação ex nihilo de Palmas, a capital do mais novo estado
brasileiro? Que pensar sobre a propaganda de modernidade que essa cidade, em seu
contexto regional, disseminou para todo o país quando se mostrou como o novo el
dourado brasileiro? E mais, por quê, findando o século XX, o planejamento seguiu uma
concepção modernista, cuja funcionalidade já havia sido duramente questionada na
concepção de Brasília?

Para que possamos compreender como se deu a criação ex nihilo de Palmas é


necessário expor alguns pontos centrais relacionados com o processo de origem do
próprio Estado, pois ambos acontecimentos, Tocantins e Palmas, estão intimamente
relacionados.

2.1. A Criação do Estado do Tocantins: Uma luta secular ou a legitimação de


ideologias contemporâneas?

A historiografia oficial do Estado narra que, para ser definitivamente criado, o


Tocantins teve como pano de fundo uma ‘luta secular’. Já no final do século XX, e
tendo como auge a promulgação da Constituição de 1988, diversos atores sociais

81
PENNA, J. O. de Meira. Quando mudam as capitais. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 20.

68
ligados ao antigo norte do Estado de Goiás reelaboraram e reafirmaram elementos da
tradição, baseados num passado mítico, a fim de legitimar o movimento pela criação do
Tocantins. Vejamos alguns deles.

O movimento estudantil empreendido pela Casa do Estudante do Norte Goiano


(CENOG)82 teve grande participação em âmbito regional e nacional, responsável que foi
por expressar as reivindicações dos estudantes radicados no sul do Estado de Goiás. A
ênfase era dada aos problemas socioeconômicos enfrentados pela população do norte,
considerada abandonada pelo governo do Goiás. O movimento era regionalista e,
segundo os lideres entrevistados pela pesquisadora Jocyléia Santana dos Santos, não
existia qualquer tipo relação com aqueles que desejassem participar do movimento
separatista. Tinha-se como premissa que fossem defensores dos interesses regionais do
norte goiano. Deputados, prefeitos, vereadores, profissionais liberais de diversas áreas
eram convidados a participar dos encontros do movimento.

A falta de interesse do governo pelo lado norte de Goiás aguçou a ideia


separatista empreendida pelos membros do movimento. Os argumentos utilizados foram
os seguintes: o governo discriminava a região norte por ser muito pobre; além do que
existiam diferenças relacionadas à naturalidade da população, visto que a parte norte era
constituída de nordestinos e paraenses, e a parte sul, de mineiros e paulistas, que
estavam isolados pela falta de estradas.

O primeiro movimento divisionista ocorrido na região do norte goiano aconteceu


no início do século XIX (1821–1823), o qual se tenta vincular ao movimento pela
criação do Estado do Tocantins, em 1980, reforçado pela Comissão de Estado dos
Problemas do Norte Goiano (CONORTE).83

O primeiro movimento separatista ocorrido no inicio do século XIX possuía


características bem pontuais, por exemplo: iniciava-se uma fase de declínio econômico
e a região passava por um processo de transição de uma economia baseada na
mineração a outra de atividade pastoril.

82
A Casa do Estudante do Norte Goiano (CENOG) foi fundada em Goiânia, dia 15 de maio de 1960 e
extinta por decisão judicial em 17 de maio de 1979. Era uma sociedade civil, sem fins lucrativos e que
surgiu da necessidade de apoiar os estudantes do norte que estavam morando no sul de Goiás.
83
A Comissão de Estado dos Problemas do Norte Goiano (CONORTE) foi uma sociedade civil, sem fins
lucrativos, com sede em Brasília e subcomissões em Araguaina, Gurupi, Porto Nacional e Goiânia.
Patrocinava congressos, seminários, reuniões públicas e campanhas cívicas e foi considerada por muitos
como sucessora da Cenog. Teve grande importância no processo de criação do Estado do Tocantins.
69
O Decreto Real de 18 de março de 1809, promulgado por D. João IV, autorizou
a divisão administrativa da Província de Goyaz (conhecida como São João das Duas
Barras, onde hoje se localiza a cidade de Marabá, antigo território goiano), com
objetivos claramente mercantilistas, e Joaquim Theotônio Segurado84 foi nomeado
desembargador e Ouvidor-Geral responsável pela administração e desenvolvimento da
Comarca do Norte e o capitão-general Sampaio, pela Comarca do Sul. Teothônio
Segurado era contrário ao movimento pela independência política do Brasil, além do
que, tinha divergências com o capitão-general Sampaio, responsável pela Comarca do
Sul. Diante deste cenário se uniu a alguns padres em defesa da separação do norte
goiano, isso entre 1821 e 1823. A divergência entre os membros do grupo pela mudança
da capital do governo da cidade de Cavalcante para a cidade de Natividade, a posição
contraria de Teothônio em relação à independência do Brasil, o retorno deste em 1823 à
corte de Lisboa, resultaram no arrefecimento da luta divisionista da região naquele
período.

Theotônio Segurado, contando com o apoio de lideres locais, estabelece a


“emancipação político-administrativa da Comarca do Norte, através da instauração de
um Governo independente nos limites de sua jurisdição.” 85

A região tocantínea, em 1988, encontrava-se em conjuntura econômica, política


e social bastante diferente daquela apresentada no inicio do século XIX. A pesquisadora
Rosy de Oliveira explica que alguns argumentos fortaleceram o processo de luta pela
autonomia política do atual Estado do Tocantins. São eles: a evolução da densidade
demográfica da região; a consequente posse do número necessário para o
preenchimento das vagas na Assembleia Legislativa Estadual e no Congresso Nacional;
o fato de a região tocantínea dispor, nesse período, de 5,5 milhões de hectares de terras
agricultáveis, dos quais 400 mil irrigáveis; o potencial para a geração de 25 mil
megawatts à construção de usinas hidrelétricas; estradas pavimentadas (Belém-brasília e

84
Joaquim Theotônio Segurado (1775 - 1831) chegou ao Brasil em 1800 e, em 1803, foi nomeado
ouvidor-geral da Capitania de Goiás pelo príncipe regente Dom João VI. Foi promovido ao cargo de
desembargador da relação do Rio de Janeiro em 1805 e desembargador da relação da Bahia em 1808. Em
1809 foi nomeado desembargador da recém-criada comarca de São João das Duas Barras. A criação da
comarca tinha como objetivo facilitar a administração do imenso território. Em 1815 foi fundada a vila de
São João da Palma, tendo Joaquim Theotônio Segurado se tornado o seu primeiro ouvidor.
85
COSTA, Célio. O Estado do Tocantins: uma geopolítica de desenvolvimento. Goiânia: Líder, 1985.
70
Transamazônica), solo rico em recursos minerais inexplorados e um crescimento
expressivo no setor da agropecuária.86

A Conorte, em 1980, apropriou-se dos antecedentes históricos de separação da


região defendida por Teothônio Segurado, no início do século XIX, estabelecendo a
assim uma ligação artificial entre dois momentos distintos da história, a fim de garantir
a legitimação do movimento empreendido no final do século XX. Esse movimento
empreendido representou a convergência dos interesses da elite agrária e da classe
dominante local, para a solução das demandas de uma região-problema, através de
representações simbólicas dessa região, pautada na identidade cultural e na diferença de
hábitos entre ‘goianos’ e ‘tocantinenses’.

Durante o século XIX as iniciativas de separação se arrefeceram, deixando o


norte ainda em isolamento. Durante o século XX a imprensa regional, unida aos
interesses políticos locais e regionais, fez pressão no Congresso Nacional, para, em
1988, ocorrer de fato à criação do estado de Tocantins.

A partir de 1950, aumenta a popularidade da ideia de emancipação e, em 1956,


Feliciano Machado Braga, o juiz de direito da Comarca de Porto Nacional, realizou uma
forte campanha em favor da criação do Estado de Tocantins, com organização de
congresso e de um documento que foi lançado nacionalmente. Dois anos mais tarde é
criada a Associação Tocantinense de Imprensa (ATI), com o claro objetivo de contribuir
com as discussões em favor da criação do Estado.

Em 1972, o projeto de redivisão territorial da Amazônia Legal e de criação do


Estado do Tocantins foi apresentado por Siqueira Campos, então deputado federal. Dois
anos mais tarde foi apresentado o projeto de lei complementar n°187 também de
Criação do Estado. O projeto foi duas vezes vetado pelo Presidente da República José
Sarney, em 3 de abril de 1985 e em 9 de dezembro de 1985. O presidente alegou o
agravamento das diferenças entre as duas regiões a serem desmembradas e achou
importante a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, instância competente
para tratar desse tema. Mais uma vez o deputado Siqueira Campos entrega ao deputado

86
OLIVEIRA, Rosy de. O movimento separatista do Tocantins e a CONORTE (1981-1988).
Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Ciência Política, do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas: Biblioteca do IFCH, 1998, p. 4.

71
Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, a fusão de
emendas, criando o Estado do Tocantins, dessa vez votada e aprovada.

As lutas pela emancipação se deram por sentimento popular espontâneo, mas há


controvérsias quanto a essa afirmação, pois, por outro lado, defende-se que a criação do
novo Estado adveio de uma ideologia construída pela força das oligarquias regionais
nortenses preocupadas em garantir os seus interesses, tendo Siqueira como liderança
política. Cavalcante afirma que:

A divisão atendia interesses pessoais, políticos e eleitoreiros; uma proposta


de aventureiros e oligarquias regionais, reacionárias e antiprogressistas, que
queriam restringir o progresso em expansão na região para continuarem
governando absolutamente. 87

A elite oligárquica local e um grupo de burocratas estavam devidamente


munidos de meios e forças para formar opiniões e fazer com que a população, como um
todo, cada vez mais fosse incorporada ao processo separatista.

Vários jornais, que acabaram apoiando as elites locais e regionais, no ideal de


emancipação do Norte de Goiás, como, por exemplo, o Jornal O Tocantins (1855), A
Folha do Norte (1891) e O Incentivo (1896).

Em 1985, o futuro governador de Goiás, Henrique Santillo, assumia em


campanha eleitoral o compromisso público em favor da criação do Tocantins.
Em maio de 1987, a CONORTE encaminha à Mesa da Assembléia
Constituinte uma proposta de emenda constitucional propondo a criação do
Estado. Paralelamente são organizados em Goiânia iniciativas como uma
“vigília cívica” e uma coleta de assinaturas em favor do novo Estado, através
do Comitê Pró-Tocantins, cujo lema era ‘O Congresso Nacional não negou
Brasília à Goiás. A Assembléia Nacional Constituinte não negará Tocantins
ao Brasil. 88

‘Cuo ivi ore retama’ – esta terra é nossa” foi a expressão utilizada pelos
vitoriosos, na Assembléia Nacional Constituinte, do movimento separatista do Norte de
Goiás em favor da criação do Estado do Tocantins.

87
CAVALCANTE, Maria do Espirito Santo Rosa. Tocantins: o movimento separatista do Norte de
Goiás (1821-1988). São Paulo: A. Garibaldi, Ed. da UCG, 1999, p. 143.
88
Humberto Cerqueira, op. cit., p. 16.
72
2.3 A criação de Palmas

A criação de Palmas foi a prática mais ressaltada por Siqueira Campos na


construção do seu projeto político para o Tocantins. O governante uniu o acontecimento
a um discurso de continuidade da ocupação territorial do centro do Brasil, de
interiorização do país, de desbravamento do cerrado, ação capaz de garantir o
crescimento de uma região até então pouco desenvolvida.

A construção de cidades ex nihilo nos conduz à hipótese de continuidade, de


‘tradição inventada’ na criação de cidades novas, que terá Palmas como seu mais
recente exemplar.

A ideologia que antecede o discurso é baseada na construção de um ‘novo país’,


de um ‘país moderno’, e, no caso de Palmas - o “novo El Dourado’. A propaganda sobre
a criação de Palmas correu os quatro cantos do país, gerando expectativas baseadas em
promessas políticas carregadas de ufanismo. É o que se demonstra na matéria da Revista
Veja do dia 4 de agosto de 1993, intitulada: “A última fronteira: setenta mil brasileiros
vivem a aventura de Palmas, a capital da poeira e das oportunidades”:

“No fim do século passado, foi Belo Horizonte, hoje com dois milhões de
habitantes. Depois, no final dos anos 30, veio Goiânia, ocupada agora por 1
milhão de pessoas. Nos anos 50, Brasília surgiu no Planalto Central como a
maior aventura desse tipo. Neste momento, toda a febre envolvida no
nascimento de um Estado e de uma capital está concentrada no cerrado do
Tocantins, em Palmas mais precisamente.” 89
A pedra fundamental de construção da cidade de Palmas foi lançada em vinte de
maio de 1989, data criteriosamente escolhida, dia do lançamento do Primeiro Manifesto
à Nação pela Criação do Estado do Tocantins em 1956, proferido por Feliciano
Machado Braga, em Porto Nacional. Esta data ficou conhecida como a data de fundação
de Palmas.

No dia 07 de dezembro de 1988, foi anunciada a escolha da capital provisória


do Estado do Tocantins, que recaia sobre a cidade de Miracema do Norte, por
decisão consensual do Presidente da República, Sr. José Sarney e do
governador eleito, Siqueira Campos. A capital provisória ali permaneceu de
01 de janeiro a 01 de dezembro de 1989. A primeira medida governamental
por força do Decreto Legislativo n 01/89, foi alterar o topônimo de Miracema
do Norte para Miracema do Tocantins” (Diagnóstico Sócio-Econômico-Adm.
do Tocantins, 1989/90).90

89
FERRAZ, Silvio. A última fronteira – Setenta mil brasileiros vivem a aventura de Palmas, a
capital a poeira e das oportunidades. Revista Veja; p. 46/47/48/49. 04 de ago. 1993.
90
LIRA, Elizeu Ribeiro. A Gênese de Palmas. Porto Nacional: Mimeo. Unesp, 1995, p. 224
73
Em Miracema do Tocantins foram abertos concursos para preencher vagas de
professores, policiais, juízes, atraindo uma intensa corrente migratória,
aproximadamente cinco mil pessoas de todas as partes do país foram para Miracema em
busca de emprego público. No inicio de 1989, a cidade tinha aproximadamente 15 mil
habitantes, no final do mesmo ano chegou a 45 mil. Houve crescimento acelerado, sem
que Miracema estivesse com infraestrutura adequada. No ano seguinte, em primeiro de
janeiro de 1990 se deu a transferência da capital provisória de Miracema do Norte para
Palmas, a 93 km de distancia uma da outra.91 Miracema do Norte era uma cidadezinha
da margem esquerda do Rio Tocantins; tinha infraestrutura incipiente e problemas de
alagamento nos períodos chuvosos - como consequência das enchentes do Rio
Tocantins.

Foi escolhido pelo governador um quadrilátero de 90 x 90 quilômetros para ser


desapropriado e iniciarem-se as primeiras obras da nova cidade. (Foto 5 e 6)

Foto 5: Vista aérea da área escolhida para a implantação de Palmas – TO (1990).


Fonte: Acervo da Secretaria da Cultura (2003).

91
Elizeu Lira, op. cit., 1995, p. 227.
74
Foto 6: Vista da Avenida Theotônio Segurado (1991).
Fonte: Acervo da Secretaria da Cultura (2003)

Em seus discursos, Siqueira expressava a vontade de construir uma cidade ‘nova


e moderna’, que representasse um marco na história do Estado, assemelhando-se a
Pedro Ludovico em Goiânia e a Juscelino Kubistchek em Brasília. Por isso, não por
acaso, Palmas guarda nítidas semelhanças urbanísticas com a sua vizinha Brasília.

Em matéria publicada na Revista Veja de 06 de setembro de 1989, chama


atenção um trecho sobre o planejamento da nova capital: “o governador Siqueira
Campos pretende adotar experiências urbanísticas que tiveram êxito em cidades
europeias e asiáticas – mas ele não sabe muito bem em que elas consistem. O
Governador mandou um emissário à Europa e à Ásia com a tarefa de colher essas ideias
92
novas.” A matéria prossegue insinuando ‘plágio’ ao plano piloto de Lúcio Costa: “A
maior inspiração para o projeto de Palmas, porém, é mesmo Brasília, a capital federal
fundada por Juscelino Kubistchek em 1960. A exemplo do Lago Paranoá, de Brasília,
Palmas também será banhada por um lago artificial. A cidade será cortada por eixos em
forma de cruz, num plágio do projeto urbanístico de Lúcio Costa para as avenidas da

92
REVISTA VEJA. A pátria da burocracia. Miracema, capital provisória do Tocantins, gera uma
corrente migratória de funcionários e amarga os problemas das cidades grandes. Cidades. 06 de set.
1989, p.73.
75
93
capital da República.” Campos se baseou em antecedentes históricos capazes de
legitimar a proposta de criar uma nova cidade no meio do cerrado brasileiro, conforme
afirma Lúcia Maria Moraes:

O domínio do Estado e do poder político está presente também nas definições


de construções das novas cidades-capitais, na escolha do sítio, na seleção dos
projetos urbanos a serem implementados. O Estado idealizou cidades pelo
prisma da modernidade pretendida à época. Podemos dizer que os detentores
políticos do poder buscam o urbanismo moderno para o desenvolvimento
regional como forma de se destacar na região e se perpetuar por longos
anos.94

O Estado é o grande patrocinador da construção de novas-cidades-capitais no


interior do Brasil, em áreas desabitadas, isso por meio de suas lideranças políticas, para
ganho político próprio.

Foi assim que Ludovico permaneceu no poder em Goiás e, mais tarde,


Siqueira Campos, no Tocantins. Era o fortalecimento do poder central na
modernidade política dos anos de 1930 e a introdução de uma nova expansão
capitalista no Centro-Oeste rumo ao Norte, implementada com o apoio de
Getúlio Vargas e, posteriormente, com José Sarney. 95

Nos primeiros anos da construção da cidade houve inúmeros problemas


relacionados à posse de terra. O quadrilátero escolhido compreendia muitas
propriedades particulares, que passaram a ser objeto de especulação fundiária. Áreas
que não puderam ser compradas pelo Governo foram desapropriadas por ações judiciais.
Tendo em vista esses obstáculos legais, que vão desde as especulações fundiárias até as
desapropriações, retoma-se a uma questão central: existia necessidade real para a
criação de uma cidade nova?

Com a intenção de criar a novidade, a cidade-monumento, existia sim uma


necessidade, só que de natureza política, de perpetuação da figura do idealizador; neste
sentido, a iniciativa dos gestores é similar também nos casos e Belo Horizonte, Goiânia
e Brasília. É impossível falar de Brasília, por exemplo, sem remeter à forte imagem de
Juscelino Kubitschek. O projeto de Palmas está diretamente ligado ao discurso
ideológico de Siqueira, sobretudo nos princípios de concepção urbana e arquitetônica da

93
Idem.
94
MORAES, Lúcia Maria. A segregação planejada: Goiânia, Brasília e Palmas. Goiania, GO: Ed. da
UCG, 2006. 268 p.
95
Idem.
76
cidade, princípios esses que serão executados, com a finalidade de perpetuar a imagem
do governador.

A arquitetura e o urbanismo monumentais assumem a mesma função. O


planejamento estabelece um maior controle do Estado sobre o espaço, além do que é
uma grande representação de força de quem está no poder.

A concepção urbanística de Palmas, independente das proposições meramente


técnicas de planejamento, seus conceitos e paradigmas, apoiam-se em ideologias
ufanistas para atrair também os interesses da elite econômica e governamental.

A cidade de Palmas começou a ser construída no dia 20 de maio de 1989, em 1º


de janeiro de 1990 tornou-se capital do Estado do Tocantins e foi demarcada na região
central do Estado, tendo sido construída à margem direita do rio Tocantins. A cidade é
contornada pela Serra do Carmo e Lajeado, conforme mostra a Figura 9.

Figura 9: Localização de Palmas – TO.


Fonte: Google Earth (2009).

A serra e o lago configuram um cenário marcante na paisagem da cidade e, para


a elaboração do projeto urbanístico, ambos foram importantes pontos de decisão. O
partido arquitetônico foi definido por duas grandes avenidas projetadas no sentido norte,
sul, leste e oeste. A cidade foi idealizada de forma que privilegiasse as duas paisagens,
de um lado a serra do Carmo e do Lajeado e do outro o lago artificial formado pelo
curso do rio Tocantins que alimenta a barragem da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo
77
Magalhães. A serra e o lago foram os elementos definidores do sítio urbano,
preservando-se sua visão de qualquer parte da cidade. (Fotos 7 e 8)

Foto 7: Paisagem da serra do Lajeado, vista da quadra 108 Norte.


Fonte: Acervo pessoal (2009).

Foto 8: Lago de Palmas, vista de dentro de um barco.


Fonte: Acervo pessoal (2009).
78
Para desenvolver o projeto da nova cidade, Siqueira Campos contratou o
GrupoQuatro Arquitetura Sociedade Simples Ltda., um escritório com sede em Goiânia.
Não houve concurso público para a escolha do melhor projeto; o gestor alegou não
haver tempo hábil para o planejamento de um concurso nacional de projetos. O plano de
Palmas foi desenvolvido em coautoria pelos arquitetos Luiz Fernando Cruvinel
Teixeira96 e Walfredo Antunes de Oliveira Filho97, pertencentes ao GrupoQuatro98.

Além do projeto da cidade, o escritório executou projetos arquitetônicos


institucionais, conforme documento publicado no site do GrupoQuatro99; são os
seguintes: Projeto de arquitetura do Tribunal de Justiça do Tocantins(1990); Projeto de
arquitetura da Assembleia Legislativa (1990); Projeto de arquitetura da Prefeitura de
Palmas (1990); Projeto de arquitetura do Tribunal de Contas do Tocantins (1992) e
Projeto de arquitetura do Ginásio de Esportes (1993).

Para o planejamento de Goiânia, por exemplo, o interventor Pedro Ludovico


convidou o arquiteto Attilio Corrêa Lima, que acabara de voltar da Europa com novos
conhecimentos na área de planejamento urbano, para fazer o projeto de Goiânia - a
capital de Goiás. Lembre-se de que o projeto de Brasília foi realizado sob protestos do

96
Luiz Fernando Cruvinel Teixeira graduou-se em 1968, em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade
de Brasília. Fez pós-graduações em Estudos Tropicais para Arquitetura e Meio-ambiente e posteriormente
em Planejamento Urbano e Regional, ambos na Architectural Association School of Architecture –
Londres-Inglaterra. Foi Professor Universitário no período entre 1974 e 1978 e formulador da criação do
Instituto de Desenvolvimento Urbano de Goiás – INDUR, órgão que administrou a política urbana no
Estado de Goiás. É co-autor do projeto urbano da cidade de Palmas, Capital do Estado do Tocantins,
realizado em de 1989, fato esse reconhecido pelo Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil -
IAB, em 111º Reunião, realizada na cidade do Rio de Janeiro, por indicação do Departamento do Estado
do Tocantins, quando foi outorgado o Diploma de Mérito do IAB 80 Anos, em reconhecimento aos
serviços prestados à Arquitetura, Urbanismo e à Construção. GRUPOQUATRO. Arquiteto: Biografia de
Luiz Fernando Cruvinel Teixeira. Disponível em: http://www.grupoquatro.com.br/site. Acesso em: 13 de
maio de 2009.
97
Walfredo Antunes de Oliveira Filho, nasceu em são Paulo em 1948, cursou a Faculdade de Arquitetura
do Mackenzie e formou-se arquiteto na Universidade Católica de Goiás (1974). Fez cursos de paisagismo
(1975) e transporte urbano (1976) na Bélgica e defendeu trabalho de mestrado em planejamento urbano e
regional na London School of Economics (1981). Foi presidente do Instituto de Planejamento Municipal
da Prefeitura de Goiânia (IPLAN) em 1973, secretário municipal de Coordenação Executiva de Goiânia
(1981 -83), coordenador do programa para o entorno do Distrito Federal da Superintendência do
Desenvolvimento do Centro – Oeste (Sudeco), coordenador do programa COM/BIRD para o Centro –
Oeste, coordenador para os projetos especiais do programa Pólo Noroeste da Sudeco. É coautor do Plano
Urbanístico de Palmas, cidade onde reside atualmente e é docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Tocantins (SEGAWA, p. 103, 1991).
98
O GrupoQuatro contou com a assessoria de mais alguns membros no período da construção de Palmas,
além dos arquitetos já citados, são eles: Ernani Vilela, Manoel Balbino de Carvalho Neto, Maria Luci da
Costa, Amélia L. R. de Souza, Jaime Borges, Maria Ester de Souza, Roberto Lacombe, Tânia C. Martins
Gomes, Geórgia Vand-de-Wiel, Juan Carlos Franchelich, Mônica Tormin Crosara, Thirza Pacheco Di
Moura, Marcos Ferreira Pinto.
99
GrupoQuatro, op. cit.
79
Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), que exigiu que houvesse um concurso público,
o que acarretou na escolha do Plano Piloto de Lúcio Costa.

No projeto para a nova capital do Tocantins, os arquitetos basearam-se em


conceitos urbanísticos e arquitetônicos similares aos utilizados no projeto de Brasília. O
governador desejava que a nova capital representasse um marco histórico, que se
somaria ao seu discurso de ‘grande pioneiro-construtor’.

Em entrevista com Luiz Fernando Cruvinel Teixeira, o coautor do plano de


Palmas, quando questionado sobre a feição modernista assumida no desenho da nova
cidade, ele explica:

Olha, essa é uma questão mista, na verdade não podemos negar o passado
modernista que tivemos, principalmente quando estudei na Universidade de
Brasília, vivendo toda aquela discussão desde 1963, então, mesmo que o
modernismo tivesse sob os olhares do mundo já naquela época, essa questão
não era muito discutida ainda no Brasil, a não ser nos meios acadêmicos. Mas
se você vê um pouco o modernismo exagerado como acontece em Brasília,
mas relacionado às funções urbanas específicas, das espacialidades, nós
procuramos sair disso em Palmas porque misturamos um pouco as atividades
na cidade, é claro que essa mistura é muito complicada, não é fácil você
propor uma mistura.100

O arquiteto Pedro Lopes101, pioneiro na capital, entende que o Plano Urbanístico


de Palmas sofreu muita influência da escola modernista e destaca a formação dos
arquitetos que planejaram a cidade.

Vamos nos lembrar das escolas de arquitetura e da formação acadêmica desse


grupo de hoje profissionais, alguns até falecidos no período moderno. Então
o que nós estudávamos? Os princípios e fundamentos da Carta de Atenas e de
Le Corbusier, todos da minha geração, inclusive esses que projetaram a
cidade, também participaram na época acadêmica desta formação. Attilio
Correa Lima no Rio de Janeiro, Lúcio Costa, Rio de Janeiro; Walfredo
Antunes e Luis Fernando Cruvinel Teixeira, São Paulo e Rio e Goiânia, a
escola do Graeff, Edgar Graeff foi quem estruturou as escolas de arquitetura
no Goiás, na Universidade. Então este pessoal sofreu influência muito forte
sobre os conceitos do moderno.102

100
CRUVINEL, Luiz Fernando. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas:
2009.
101
Pedro Lopes em 1993 junto com o arquiteto Edson Eloy, ex gerente de projetos do GrupoQuatro,
abriram uma empresa, a Modulor Arquitetura Para a Vida LTDA, que existe até hoje e é administrada por
Lopes. Com a criação desta empresa, o escritório foi chamado para participar de alguns projetos do
Estado, o primeiro projeto foi a Escola Técnica de Segundo Grau. O segundo grande projeto foi o prédio
do Tribunal Regional Eleitoral. Executaram alguns projetos na área do urbanismo, como quadras
residenciais em Palmas, de acordo com os preceitos estabelecidos na Lei de Zoneamento e do Plano
Diretor do GrupoQuatro.
102
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
80
Palmas, por ter sido criada “do nada” carece de alguns valores que vão se
montando aos poucos nos espaços populacionais de fundação e crescimento
espontâneos. Não possui um centro histórico, por exemplo, o que a maioria das cidades
de nascimento espontâneo tem. Essa capital foi intencionalmente gerada e não nasceu
de “parto normal”; a intenção política da sua criação lhe confere características
espaciais e culturais muito peculiares, o que já ocorrera com Brasília:

Sob todos os aspectos, o plano de Lúcio Costa constituía uma criação


original. Adotava os grandes princípios do urbanismo do século XX
(abandono da rua tradicional ladeada por casas ou prédios, implantação de
uma arquitetura com base em blocos isolados dentro de vastos espaços
verdes, multiplicação de elementos formando divisões autônomas
justapostas, de importância quase igual), mas reagia contra a tendência à
dispersão e à falta de unidade que até então tinham sido suas conseqüências.
103

Nas cidades antigas, nascidas ‘mais organicamente’, podemos ver ruelas, becos
sem saída, ruas que se estreitam e depois se alargam, quarteirões de formas e tamanhos
variados, mistura de usos (residencial, comercial, institucional etc.). Existe alguma
paisagem em Palmas que se assemelhe a essa descrição? Não. É fácil perceber em
Palmas a racionalização pré-concebida do espaço.

O planejamento urbano de Palmas seguiu as linhas do urbanismo modernista do


século XX, mesmo que de forma “inercial”, ou mesmo tardia. Os postulados dos
Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM´s), sobretudo aqueles
advindos da Carta da Atenas foram inspiração para o traçado dessa nova cidade, além
de corresponder à ruptura com o traçado da cidade antiga. O arquiteto Pedro Lopes
analisa essa questão de forma bastante clara:

Voltemos às escolas de arquitetura e aos profissionais que se formaram


naquele período moderno. Brasília pra todos nós era o grande exemplo de
desenho, uma cidade sem cruzamento, com pistas em nível, então aquilo pra
nós era o que havia de mais inteligente para acomodar o veículo automotor,
automóvel, carro, moto, qualquer veículo motorizado, sem que um cruzasse
com o outro, então aquilo pra nós, da época, já foi uma grande novidade de
desenho urbano. Mas até então nós recorríamos ao que? Ao cruzamento em
nível, com o equipamento semáforo ou a rótula, também um dispositivo
muito bom, mas que hoje já tem demonstrado pra nós que, em função dos
gestores não terem obedecido às medidas reais do desenho, tem nos causado
problemas de tráfego. Palmas para sediar o governo, não é que houve um
plágio, mas havia um conceito de urbanismo na escola moderna, de que nós
deveríamos concentrar mesmo numa praça, os três poderes da administração
e isso era um princípio de desenho, não era um plágio é um postulado, nós
não tínhamos outras opções e nem nos eram dadas as informações na escola

103
Yves Bruand, op cit; p. 362.
81
se existiam outras opções, nós estávamos trabalhando com a Carta de Atenas
e com os princípios de Le Corbusier para o desenho urbano.104

Cruvinel justifica a ideia inicial do plano sem deixar de fora o que foi
considerado primordial: as exigências do próprio governador do Tocantins em relação
ao planejamento da cidade. Veja, no trecho que se segue, da matéria com Fernando
Cruvinel, no Jornal do Tocantins de 20 de maio de 1998:

No primeiro instante, nós tivemos como base para este projeto os sonhos de
Siqueira Campos. Usamos 10 princípios básicos a serem alcançados dentro
de um desenho que é a imposição do homem sobre a natureza, mas de uma
forma menos agressiva possível, para preservar essa natureza. Nós queríamos
que Palmas tivesse uma malha viária moderna para atender às exigências da
tecnologia e, ao mesmo tempo, que tivesse as características da cidade
tradicional do Tocantins.

De acordo os dados do memorial descritivo do projeto o Plano Urbanístico de


Palmas foi baseado em dez princípios que embasaram a sua concepção. O primeiro
deles foi:

Ter características de cidade tradicional, estruturada por macro malha viária


que garanta acessibilidade a toda cidade através da continuidade e conexão
dos corredores e espaços públicos. A malha viária principal, com dimensão
que varia entre 600 X 700 metros estrutura o tecido urbano e define o bairro.
As avenidas Leste/Oeste foram desenhadas para permitir visuais do Lago e
da Serra do Lajeado, elementos geográficos referenciais da paisagem da
cidade.105

Nos textos de Aarão Reis, para o projeto de Belo Horizonte, encontramos


referência à paisagem montanhosa da região, muito semelhante ao descrito no plano
para Palmas: “O que lamentamos nas verdadeiras cidades de planícies é a monotonia, ou
melhor, a ausência de horizontes. Parece que, neste caso, somente a estética é levada em
conta. Mas já dissemos inúmeras vezes que a higiene deve também associar-se à
estética. O grande panorama urbano pede um pano de fundo, uma moldura.” O texto de
Jean Reynaud não condena as colinas, mas sugere que sejam utilizadas para valorizar a
arquitetura. Esse autor emite belas frases sobre a “visibilidade” da cidade, espetáculo
para ser visto de longe, de fora dela: “se uma cidade quiser se anunciar àqueles que nela

104
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
105
GrupoQuatro, op. cit.
82
chegam, surpreendendo-os pelo charme e esplendor de suas construções, precisará, pois,
de alguns relevos que a realcem e sobre os quais ela possa erguer as obras de arquitetura
das quais se orgulhe”. Charles Fourier também via grandes vantagens oferecidas pela
“vista de uma bela linha de colinas ou de montanhas”, preferível às regiões planas [...]
que não suscitam formas.” Tanto o sentido de utilidade quanto o de beleza são
destacados por Reynaud e Fourier e retomados por Aarão Reis, nos textos que se
referem ao sítio, ao traçado e às edificações de Belo Horizonte.106
Em Palmas, o principio adotado foi o mesmo: “as avenidas Leste/Oeste foram
desenhadas para permitir visuais do Lago e da Serra do Lajeado, elementos geográficos
referenciais da paisagem da cidade”. Essa diretriz definiu a característica geral da
cidade, bem como a dimensão das quadras de 600 x 700 metros, cujo perfil tornou-se
dominante na conformação da paisagem e motivo de desconforto para o pedestre, que
terá que percorrer enormes distâncias em clima inóspito. O segundo princípio adotado
foi:
Proteger, preservar e restaurar o ambiente natural. Os fundos de vale dos
ribeirões que nascem na Serra do Lajeado e atravessam transversalmente a
área urbanizável serão transformados em parques lineares, que preservarão
suas matas de galeria. São os principais elementos definidores do desenho da
cidade.107

Embora em 1989 o discurso fosse bem intencionado com relação à preservação


dos ribeirões que cortam a cidade, duas décadas depois a prática mostra o contrário. Em
2010 um Shopping Center foi construído na Avenida Juscelino Kubitschek e ocupa uma
área muito próxima ao Córrego Brejo Comprido.

O terceiro princípio remete à questão climática da região e o projeto estabelece


um tecido urbano “disperso, aberto e extenso” e está relacionado com a O slogan de ‘A
capital ecológica do ano 2000’ divulgado pelo governo estadual e que apareceu em
diferentes propagandas sobre Palmas, no Brasil e na Europa. Elizeu Ribeiro Lira, em
dissertação de mestrado108 destacou o fato, afirmando que tal slogan ecoou por todos os
cantos do Brasil e ganhou também a Europa (em seminários realizados na França e na
Inglaterra) transformando-se em uma espécie de marca de propaganda imobiliária.

106
Heliana Salgueiro, op. cit; p. 146 e 147.
107
GrupoQuatro, op. cit.
108
LIRA, Elizeu Ribeiro. A Gênese de Palmas. Porto Nacional: Mimeo. Unesp, 1995, p. 278.
83
Minimizar o impacto do microclima, com técnicas bioclimáticas inseridas no
Desenho Urbano. Palmas será implantada na cota 212 metros. O clima é
muito quente variando entre seco e úmido dependendo das estações. Foram
estabelecidos os seguintes princípios bioclimáticos para formulação do
desenho urbano: aproveitar a direção dos ventos dominantes através das
Avenidas Leste/Oeste, garantindo a circulação da brisa pela cidade;
Estabelecer um tecido urbano disperso, aberto e extenso; Controlar a
insolação dos espaços públicos com sombreamento; Proteger o pedestre do
sol e das chuvas com marquises e varandas; Os edifícios públicos deverão ser
implantados longitudinalmente sobre o eixo Leste/Oeste. 109

A propaganda repercutiu como reflexo do “ecologismo” mundial que, naquele


momento, estava voltando para a ECO – 92, com mais de cem representantes dos mais
diversos países, no Rio de Janeiro, mas com os olhos voltados para a Amazônia. Na
prática os valores ambientais mais básicos que sustentariam tal slogan de capital
ecológica inexistem em Palmas. Cito, como exemplos, a falta de coleta seletiva e
reciclagem do lixo e a situação lastimável de alagamento que ocorre anualmente pela
falta de infraestrutura de saneamento básico inerentes ao planejamento de qualquer
cidade nova, bem como a mobilidade urbana sem o mínimo de sustentabilidade. Lira
afirma que o manto ecológico-ideológico que transformou e externou a ideia de Palmas
como ‘Capital ecológica do ano 2000’, hoje é muito pequeno para cobrir sua própria
contradição.

O quarto princípio, no discurso, beneficiaria o pedestre e distingue duas escalas


a que ele estaria submetido, vejamos:

Garantir que a cidade tenha a escala do pedestre, centro identificável,


diversidade de uso e espaços públicos bem caracterizados. O projeto
urbanístico prevê duas escalas: uma para o pedestre situado no interior dos
bairros e nos dois centros da cidade, a outra, de caráter urbano, é mais
dinâmica e predominante na imagem da cidade. As avenidas, o centro cívico
e os parques lineares serão os elementos desta escala. 110

O que mais se tem destacado é o problema de que Palmas é uma cidade


desenhada para os carros, o que contraria o princípio de que a cidade tenha a escala do
pedestre. Esta temática será novamente abordada no último capitulo desta tese, em que a
apropriação da cidade se dá com grande dificuldade para aquele que caminha.
O quinto princípio destaca a intenção da centralidade da localização e agregação
dos prédios institucionais na praça cívica da cidade.
109
GrupoQuatro, op. cit.
110
Idem.
84
Articular a hierarquia entre os espaços públicos e privados, cívico e
comercial. O centro urbano deverá ter múltiplos usos. O centro cívico e as
atividades comerciais articulados entre si, completam as funções urbanas do
público e do privado. A Praça dos Girassóis, centro cívico da cidade, está
situada na interseção das Avenidas JK e Theotônio Segurado, ponto de
convergência de Palmas.

O sexto princípio foi o que mais sofreu alterações, ele trata da expansão
ordenada da superfície. Basta lembrar que os muitos artigos publicados sobre Palmas
ressaltam o problema da especulação imobiliária, dos onerosos vazios urbanos e da
segregação socioespacial decorrente de ambos fatores, desde os primeiros dias de vida
da cidade. Veja.

Flexibilidade na transformação do solo garantindo a expansão ordenada da


superfície. A declividade do sitio é de 4 metros do pé da Serra do Lajeado até
o Lago a ser construído, é ideal para a implantação das infra-estruturas e para
circulação dos pedestres. Portanto, a cidade deverá ser implantada a partir do
centro urbano, em fitas de quadras no sentido Leste/Oeste, a fim de viabilizar
a sua implantação evitando vazios urbanos que oneram os custos de
urbanização. (Figura 16)

A figura 10 mostra como deveria ter ocorrido o processo de ocupação da cidade.


O autor cita que o processo ocorreria em “fitas de quadras” a partir do centro, isso quer
dizer, o crescimento seria equilibrado, densificando primeiramente o centro da cidade.

85
Figura 10: Lago de Palmas, vista de dentro de um barco.
Fonte: CORIOLANO (2011).

O principio sétimo diz respeito ao número de habitantes por hectares no interior


das quadras.

Estabelecer Custos de Implantação com factibilidade econômica. Para


viabilizar a implantação de infra-estrutura da cidade em um estado com
escassez de recursos, definiu-se a densidade bruta de 300 habitantes por
hectares no interior das quadras [Paris: média 364], cujo desenho poderá ter
configuração flexível, desde que obedeça a densidade estabelecida pelo plano
diretor.111

Pela maneira desigual como a cidade cresceu, tendo praticamente 40% da


população morando fora dos limites do planejado, é flagrante que a densidade
atualmente seja bem menor do que a esperada.

O oitavo e o nono princípios tratam do lago da cidade, sobre a preservação da


sua paisagem, bem como da sua ocupação.

111
GrupoQuatro, op. cit.
86
Garantir à população a acessibilidade ao lago. A cidade deverá permitir
acesso ao lago a toda população. As perspectivas das Avenidas Leste/Oeste
não poderão ser interrompidas por construções na orla do lago.112

Evitou-se a localização dos bairros residenciais na orla da lagoa, a fim de


preservá-la intacta com bosques e campos de feição naturalista e rústica para
os passeios e amenidades bucólicas de toda a população urbana. Apenas os
clubes esportivos, os restaurantes, os lugares de recreio, os balneários e os
núcleos de pesca poderão chegar à beira d água.113

Tais princípios, para garantir a integridade da paisagem do lago, não têm


impedido, por exemplo, a privatização dessa orla por condomínios fechados
(horizontais e verticais), de classes média e alta. E, também, não há integração da orla
às praias existentes (que não se conectam) e o transporte até essas áreas. De maneira
geral, o plano se mostrou incipiente, tornando-os lugares desconexos dentro da malha
urbana.O último princípio trata da proposta de desenho urbano, aliado ao sistema de
transporte.

Integração da linha expressa com a linha alimentadora. A eficiência do


transporte urbano e seu baixo custo operacional será garantida com a
implantação da linha expressa na Avenida Theotônio Segurado, alimentada
por linhas de sentido Leste/Oeste ou vice versa. O sistema permitirá no
futuro a implantação de transporte de massa. Nas Avenidas Leste/Oeste
deverão ser garantidas as faixas prioritárias dos ônibus. 114

Pelos mesmos motivos relatados acima, o transporte público de Palmas torna-se


oneroso, tendo em vista que a parte segregada da cidade dista 35,63 km do centro e nela
moram 40% da população e, entre esses dois pontos, existem imensos vazios urbanos,
acarretando gastos consideráveis na implantação de infraestrutura ligando os dois polos
da cidade.

Os dez princípios apontados pelo GrupoQuatro representam a memória do plano


da cidade e dessa memória destacamos elementos do discurso e da prática política. O
plano foi transmitido pelos técnicos e gestores à população como uma ‘novidade’ dentro
de um contexto de atraso social, econômico e cultural, ou seja, o “novo” no cerrado
brasileiro, mas um ‘velho modelo’ se a análise ultrapassar os limites do Tocantins.

112
Idem.
113
Idem.
114
GrupoQuatro, op. cit.
87
De acordo com Andréa Maia e Valnei Pereira, as racionalidades que orientam as
práticas urbanas neste novo século (aqui incluímos particularmente o caso de Palmas)
constituem assim desafio e campo fecundo sobre o passado e o futuro das nossas
cidades. As novas tendências do planejamento urbano e do urbanismo contemporâneo
orientam-se pela reprodução de modelos e experiências anacrônicas que nos remetem à
perpetuação de práticas historicamente esgotadas e excludentes protagonizadas
incessantemente em metrópoles por atualizações e mutações culturais rápidas. Trata-se
de um “novo velho projeto”.115

Goiânia e Brasília são exemplos da mesma prática, de velho/novo modelo de


cidade, velho no sentido do planejamento administrativo, novo, no sentido de uma
capital construída pelo capital “privado”, e por ser também a mais nova fronteira do
capital urbano no espaço brasileiro.116 Ou seja, uma cidade novíssima e cheia de
problemas antigos, que têm se repetido na história do urbanismo brasileiro.

2.3.1. O Centro como ponto fulcral

O fator centralidade também foi importante na tomada decisões tanto para a


localização da nova capital no mapa do Tocantins, quanto para o desenho da própria
cidade e esse fator está relacionado com a construção de espaços de poder.

Algumas características simbólicas relativas ao desenho de Palmas privilegiaram


a noção de centralidade, que identifica e fortalece as relações de poder e autoridade que
a forma lhe concede. Mas por que razão as formas de tal obra precisam ser compostas,
em vez de serem simplesmente adicionadas, de qualquer modo casual? Questiona
Rudolf Anheim.

A razão geralmente dada é que os artistas gostam de juntar coisas de modo


ordenado e equilibrado, porque a harmonia assim obtida agrada seus próprios
olhos e aos das pessoas que veem as suas obras.117

115
MAIA, Andréa Casa Nova; PEREIRA, Valnei. Belo Horizonte em três tempos: projetos em
perspectiva comparada. Revista de História Comparada. Pós-Graduação em História Comparada
(PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume
3/Número 1 - Junho de 2009, p. 03.
116
Elizeu Lira, op. cit., p. 230.
117
ANHEIM, Rudolf. O Poder do Centro. Lisboa: Edições 70, 1990, p. 17.
88
Arnheim demonstra dois sistemas visuais, que são princípios de composição,
que regem a proporcionalidade e organização do espaço. Este sistema deriva da nossa
maneira de recepcionar o mundo e está presentes na arquitetura, pintura e na escultura
de todas as épocas, são eles: o cêntrico e o excêntrico.

Ao olhar para uma tal organização espacial, sente-se intuitivamente que a


posição central é a única de repouso, enquanto tudo o mais tem de puxar para
qualquer direção específica.”118

O caráter cêntrico aqui nos interessa particularmente. A figura 11 mostra que,


“em sentido dinâmico, um centro é um foco de energia a partir do qual os vetores
irradiam para o ambiente; é também um lugar sobre o qual os vetores atuam
concentricamente.” 119

Figura 11: Centricidade.


Fonte: Arnheim (2000), p.32.

A linguagem política é naturalmente espacial (nem que seja quando se fala em


direita e esquerda), sem dúvida, porque lhe é necessário pensar simultaneamente a
unidade e a diversidade – sendo a centralidade a expressão mais aproximada, mais cheia
de imagens e mais material, conforme nos reporta Marc Augé120

118
Rudolf Anheim, op. cit., p. 149 -150.
119
Ibid; p. 31.
120
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas:
Papirus, 1994, p. 61.
89
É costume dizer que a França é um país centralizado. E exatamente isso o
que ela é no plano político, pelo menos a partir do século XVII. Apesar dos
recentes esforços de regionalização, ela continua a ser um país centralizado
no plano administrativo (tendo sido, inicialmente, o ideal da Revolução
Francesa operar a divisão das circunscrições administrativas segundo o
modelo pura e rigidamente geométrico). Ela continua a sê-lo no espírito dos
franceses, por causa, notadamente, da organização de suas redes rodoviária e
ferroviária, concebidas ambas, pelo menos no inicio, como duas teias de
aranha cujo centro Paris ocuparia.121

Percebe-se aqui o simbolismo político, o poder da autoridade que unifica, tanto


na distinção do local escolhido para a construção da nova capital, na região central do
Estado do Tocantins (Figura 12), bem como na composição do próprio plano da cidade,
cujo centro corresponde à praça cívica, onde estão reunidos os prédios governamentais,
a Praça dos Girassóis. Um ponto fulcral na concepção do plano urbanístico da cidade
(Figura 13).

121
Marc Augé, op. cit; p. 62.
90
Figura 12: Mapa do Brasil, em destaque a localização da cidade de Palmas – TO.
Fonte: Catálogo DETUR TOCANTINS dez/1990.

91
Figura 13: Macro Malha Viária de Palmas – TO.
Fonte: GrupoQuatro (2009).

Juscelino Kubitschek ao transferir a capital do Rio de Janeiro para o ‘centro’ do


país também utilizou a centralidade como força do discurso. O Plano Piloto de Brasília,
com seus dois eixos que se cruzam, induzem ao centro que se expande por todo o eixo
monumental e sua praça cívica. A simetria, em particular, cria centricidade e faz o
centro expandir-se até onde essa simetria alcançar. Uma sensação de permanência é
implicada pela posição central.

2.3.2. Espaço e poder

Na Praça dos Girassóis estão reunidos os principais prédios institucionais e


monumentos da cidade de Palmas. Ao ter contato com a realidade arquitetônica e
urbanística da cidade, o comum observador faz alusões diretas à Brasília, pelo seu
desenho urbano, composto por grandes vias, quadras enormes e pela arquitetura
monumental do centro cívico, características presentes também no planejamento de
Goiânia, embora o crescimento da capital de Goiás tenha assumido outras proporções,

92
sobretudo em decorrência das mudanças no seu plano inicial, após a saída do arquiteto
Attilio Correa Lima do projeto. (Figuras 14, 15 e 16).

Figura 14: Plano Urbanísticos de Palmas (1989).


Fonte: Acervo do GrupoQuatro (2009).

Figura 15: Plano Piloto de Brasília


Fonte: Acervo da Casa de Lúcio Costa (2008).
93
Figura 16: Plano de Goiânia, Centro 1960.
Fonte: Bruand (1991), p. 351.

As três cidades foram planejadas e construídas para desempenhar a função de


centro político e administrativo, embora Brasília já tivesse alcançado o patamar
internacional, pela sua representatividade de ser a Capital Federal.

A pesquisadora Valéria Silva, que também investigou a concepção do espaço


urbano de Palmas em tese de doutorado, frisa a conexão que este possui com o projeto
de Brasília.

Há uma ligação intrínseca entre Palmas e Brasília, podemos mesmo dizer que
uma intensa relação estabelece-se em pares, ao mesmo tempo, opostos e
complementares, tanto no ideário, como no estabelecimento material da
cidade, na sua estrutura, nas imagens, nas formas. A relação entre as duas
cidades dá-se entre repetição e rompimento, a semelhança de alguns
elementos chega a produzir uma ilusão: Palmas é uma cópia de Brasília numa
escala regional, como comparece em inúmeras percepções que vão do senso
comum as elaborações cientificas. 122

122
SILVA, Valéria Cristina Pereira da. Girassóis de Pedra – Imagens e metáforas de uma cidade em
busca do tempo. Tese de Doutorado. Universidade Est. Paulista Júlio de Mesquita Filho/Pr.Prudent –
Geografia. São Paulo: Biblioteca Depositaria - FCT/UNESP, 2008; p. 60.
94
Nos três casos, monumentais avenidas destacam o centro do poder. Em Palmas,
a principal praça da cidade, a Praça dos Girassóis, está localizada no cruzamento dos
dois grandes eixos da cidade, a Av. Theotônio Segurado123 e a Av. Juscelino Kubistchek
(Foto 09); em Brasília o Eixo Monumental engloba as principais obras públicas (Foto
10) e em Goiânia, a Av. Goiás marca o centro cívico da cidade (Foto 11).

O centro cívico se apresenta de forma diversa nos projetos de Palmas e Brasília:


em Palmas ele está situado no centro da cidade (Praça dos Girassóis), sendo parte
preponderante da composição da malha urbana. Em Brasília, este não está no centro da
cidade e sim onde se inicia o traçado do grande eixo, mas, ainda assim, é um dos
elementos fundamentais na definição do desenho - é condição para o projeto. Essa
intenção foi expressa por Lúcio Costa no excerto:

“o monumento, no caso de uma capital, não é coisa oposta, que se possa


deixar para depois, como nas modernas cidadezinhas inglesas. O monumento,
ali, é próprio da coisa em si e, ao contrário da cidade alheia, que se deseja
inscrita discretamente na paisagem, a cidade-capital deve impor-se e
comandá-la.” 124

123
Vinte anos depois da criação de Palmas a Câmara Municipal decidiu pela mudança de nome e a
Avenida Theotônio Segurado passou a se chamar avenida Governador Siqueira Campos (2009), alguns
meses depois por ordem judiciária, a avenida retornou ao seu nome original: Theotônio Segurado.
124
Costa apud Gorovitz, op. cit., p. 25.
95
Foto 9: Avenida Juscelino Kubistchek.
Fonte: Acervo Casa da Cultura (Autor: Mitt, janeiro de 1996).

Foto 10: Eixo Monumental (Brasília, DF).


Fonte: Acervo pessoal (2009).
96
Foto 11: Vista norte da Av. Goiás (Goiânia, 1960-1961), destacando-se ao fundo a Estação
Ferroviária, importante edifício em Arquitetura Art Déco.
Fonte: MANSO (2001, p.256)

Outro aspecto levado em conta foi a situação topográfica e a localização dos


prédios institucionais. O Palácio Araguaia, o principal prédio institucional de Palmas,
por exigência do governador, foi localizado em ponto estratégico do relevo. De acordo
com os técnicos responsáveis pelo projeto, a frase proferida pelo governador Campos
foi a seguinte: “Eu quero o palácio lá no topo daquele morro”.125 A escolha confluiu à
parte mais elevada da área escolhida, isso mudou um pouco a localização do eixo e o
desenho da praça central. Foi um redesenho em função da resolução pessoal do
governador de colocar o palácio nesse ponto mais alto que poderia ser visto de todos os
lados.

Na leitura da estrutura do próprio espaço natural, seu potencial simbólico


pode ser aquilatado, de maneira a dispor as adaptações coerentemente com os
significados ideológicos. É notória e constante na história urbana a relação de
posição “acima”: estar-se “acima” significa e transmite o sentido de
dominação.126

125
SEGAWA, H. Modernidade Pragmática. Revista Projeto, n° 191, Nov 1995. p.106.
126
SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo: Nobel, 1936, p. 15.
97
O ‘personalismo’ de Siqueira Campos esteve presente em várias decisões acerca
do urbanismo e da arquitetura de Palmas, personalismo que submete a equipe de
técnicos, escolhida por ele mesmo, para elaborar os projetos a partir das suas
designações subjetivas.

Podemos comparar com o caso do planejamento de Belo Horizonte, cuja sede do


poder executivo ou Palácio da Liberdade, na praça de mesmo nome, também tinha a
localização privilegiada, visto que foi erguida sobre a colina mais alta do local, situada
no eixo de cinco grandes avenidas e três ruas secundárias que convergiam para ela.127

O plano de Goiânia, em linhas gerais, consistia em três avenidas principais


(Goiás, Araguaia e Tocantins), e todas elas também confluíam à parte mais elevada do
terreno, onde se previa construir a sede do governo estadual.

O plano de Attilio Correa Lima explorava ao máximo a topografia, tanto no


sentido prático quanto no estético. Só as vias principais, destinadas a ser
imediatamente calçadas ou asfaltadas, seguiram as linhas do declive; as
outras ruas modelaram-se de acordo com o relevo, evitando assim o risco de
serem transformadas em torrentes pelas terríveis chuvas tropicais que caem
na região; o traçado adotado favoreceu em todos os lados a evacuação pela
gravidade dessas águas e dos esgotos que as recolhiam para lançá-las em
coletores gerais situados nos fundos dos vales. 128

A posição privilegiada dos principais prédios e ruas da cidade de Goiânia, no


plano de Attilio Corrêa Lima, destaca algumas vantagens funcionais, como os efeitos de
perspectiva que valorizavam o centro administrativo; no centro da cidade, as principais
avenidas convergem à praça em torno da qual o centro está ordenado. Esse desenho
guarda muitas semelhanças com a concepção clássica utilizada em Versailles e depois,
no século XVIII, em Karlruhe e Washington.

A memória descritiva do plano piloto de Lúcio Costa para Brasília também


destaca a topografia do lugar: “procurou-se depois a adaptação à topografia local, ao
escoamento natural das águas, à melhor orientação, arqueando-se um dos eixos a fim de
contê-lo no triangulo que define a área urbanizada.”129 O centro cívico de Brasília
destaca a arquitetura monumental de Oscar Niemeyer, pertencente ao denominado Eixo

127
Yves Bruand, op. cit., p. 348.
128
Ibid. p; 350.
129
COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivencia. São Paulo: Editora UNB/Empresa das Artes,
1995; p. 284.
98
Monumental, que é constituído pelos seguintes edifícios: Catedral, Palácio do Itamaraty,
Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal, Panteão da Pátria, Memorial JK, Praça
dos Três Poderes, Palácio do Planalto, Palácio da Justiça e Ministérios.

Para a efetivação do projeto político tocantinense, a construção ex nihilo de uma


capital sustentou o discurso de modernidade que passou a configurar os
pronunciamentos do gestor. É lógico que o desenho da cidade assumindo uma feição
modernista também corroborou para as intenções de Siqueira Campos.

O professor de filosofia Fábio Duarte,130 morador de Palmas de 2003, entende


que essa era exatamente a intenção do governo quando propagandeava Tocantins como
o ‘novo El Dourado do Brasil’. O professor provoca a discussão incluindo o fator
tradição e afirma:
A questão da modernização com tradicionalismo. As oligarquias tentam se
legitimar com o simbolismo da terra, do regional. Mas o que significa esta
"modernidade" se 16% da população passa fome, como se divulgou hoje nos
jornais? O Tocantins em termos de pobreza só ganha de Alagoas.131

Duarte continua sua reflexão, chamando atenção para a noção de modernidade,


ou como ele mesmo faz questão de frisar, modernização e não modernidade.

A cidade tinha esta coisa da modernidade. Domínio sobre a natureza. Um rio


que se transforma em lago. A cidade que surge do nada como vontade de um
indivíduo: o empreendedor. Modernidade mas com os dois pés na tradição.
Uma oligarquia que tem o verniz de modernidade. Como tudo no Brasil: uma
modernização (e não modernidade) com amplos elementos de
tradicionalismo.132

Continuamos a discussão e o que nos interessa diretamente como base de


comparação é saber como o Estado, através da arquitetura e do urbanismo, impõe seu
poder na tessitura do plano das capitais planejadas.

O anteprojeto de Lucio Costa para o Plano Piloto de Brasília e a arquitetura


concebida por Oscar Niemeyer (1960), assim como o urbanismo monumental realizado

130
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 02 de
fevereiro de 2011. Perfil: Fábio nasceu em Alcântara, Maranhão, dia 24 de setembro de 1970, é graduado
em filosofia pela Universidade Federal do Maranhão (1993), possui mestrado em Filosofia Política pela
Universidade Federal de Goiás (2000) e foi aprovado em concurso público na Universidade Federal do
Tocantins e por este motivo veio morar em Palmas em 2003.
131
Idem.
132
Idem.
99
por Attilio, no plano de Goiânia, (19390) são fontes anteriores e precursoras do que
ocorreu em Palmas em 1990. No entanto, Teixeira e Antunes, os autores do plano de
Palmas, afirmam que não se basearam nos princípios de cidades planejadas
anteriormente, como Goiânia e Brasília, para a produção do plano da capital do
Tocantins133. Mas a realidade nos mostra claras semelhanças entre os traçados das três
cidades. No caso do planejamento de Goiânia, que foi considerado uma grande
manifestação do urbanismo brasileiro do inicio do século XX, podemos destacar a
intenção de monumentalização.

Goiânia, que o autor de seu plano queria que fosse monumental, racional e
humana, surge afinal de contas como uma etapa marcante na evolução do
urbanismo no Brasil, embora ainda se esteja longe do coroamento que é o
gigantesco empreendimento de Brasília.134

As perspectivas resultantes do desenho das vias principais propostas pelo


urbanista Attilio Corrêa Lima, em Goiânia, valorizavam a arquitetura monumental do
Estado, posteriormente modificadas por Godói, com a saída daquele do projeto.

Attilio desenhou os Setores Norte, Sul, Leste, Oeste e Central com um


traçado aberto para possibilitar as expansões futuras de Goiânia. Godói, por
sua vez, retirou o Setor Leste do Plano de Goiânia, desconsiderou o desenho
do Setor Oeste feito por Attilio e propôs que futuramente ele fosse concebido
como Setor Sul, dentro do traçado das cidades-jardim, quando a cidade já
estivesse ocupada. O traçado do Setor Sul com suas vias curvas e quadras
fechadas em si mesmas, apresenta-se desconexo do projeto de Attilio que
tinha um desenho claro e funcional. 135

Desde seu nascimento, Brasília ostenta uma grandiosidade no discurso de seu


idealizador (Figura 17). O arquiteto Lúcio Costa destaca o processo simbólico do
nascimento, que pode ser comprovado na imagem que seguiu o plano: “Nasceu do gesto
primário de quem assinala um lugar e dele toma posse: dois eixos cruzando-se em
ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz.” 136

133
Hugo Segawa, op. cit; p. 94.
134
Yves Bruand, op cit. p. 352.
135
Tania Daher, op. cit; p. 283.
136
Lucio Costa; op. cit, p. 284.

100
Figura 17: Desenho de Lúcio Costa 1957.
Fonte: COSTA, Lúcio (1995).

Será que Palmas não seria uma ‘reedição’ em pequena escala de Capital Federal?
O desenho da capital do Tocantins também foi resultado do cruzamento simplificado de
dois eixos em cruz, que reproduz em escala monumental a intenção de um Estado
centralizador, racionalista, hierárquico, controlador (Figura 18).

Figura 18: As vias principais de Palmas e, na parte central, a Praça dos Girassóis (1989).
Fonte: Revista Projeto (1991), p. 96.

101
Os três desenhos (de Palmas, Goiânia e Brasília) dão grande destaque à
monumentalização das grandes vias que convergem para os centros cívicos, a
localização de prédios institucionais privilegiados pela topografia, a ênfase nas visuais
proporcionadas pela posição dos prédios e pela largura e cumprimento das avenidas. Ou
seja, a aproximação urbanística dos casos analisados demonstra que Palmas reviveu,
mesmo que tardiamente, uma experiência com muitos pontos similares à Goiânia e
Brasília, cuja ideologia se pautou em um discurso de modernização do interior do país,
continuação de uma modernidade já em ampla decadência, conduzida por discursos
desenvolvimentistas ou de abertura de novas fronteiras.

102
CAPÍTULO 3 - A tentativa de “formação das almas tocantinenses”

Ao afastarmos a lente do observador, saindo de Palmas e abrangendo o Estado


do Tocantins, situando-se em paralelo, os estados de Goiás e Tocantins veem-se um
entremeado ao outro, o descendente Tocantins em situação de dependência do Estado-
pai Goiás. Poder-se-á concluir que essas duas unidades federativas se enquadram no
panorama brasileiro de hoje numa relação de imbricação.

Em outras palavras, quer-se dizer que Goiás é uma totalidade de que se extraiu
uma parte, Tocantins. E Tocantins é parte ainda inelutavelmente dependente de seu todo,
Goiás. Este se projeta naquele, assim como o extraído alimenta-se de seivas daquele.
Observando-se os dois estados, a relação entre as duas unidades federativas ainda é de
implicação mútua. (Figura 19).

Figura 19: Mapa do Brasil, em destaque Goiás e


Tocantins (“o todo e a parte”).
Fonte: Leitão (2000), p.10.

Com efeito, atualmente não se pode conceber uma historiografia tocantinense


indissociada da cultura e da identidade do Estado de Goiás, das quais aquele é herdeiro
direto. Quanto à organização econômica e, sobretudo, política, Tocantins guarda sua

103
autonomia. Em termos culturais, se a grande maioria da constituição de um povo
tocantinense está voltada a Goiás, não se pode apontar uma identidade cultural própria a
Tocantins. A literatura produzida nesse período, sobre o processo de emancipação
política do novo estado, é um caso, é rica em aforismos que remetem à tutela de Goiás.
Veja-se um caso: (Figura 20).

Figura 20: Página 14 do livro de José Carlos Leitão,


intitulado: “Tocantins: Eu Também Criei”.
Fonte: Leitão (2000), p.14.

137
Ou mesmo no slogan “Estou goiano, mais sou tocantinense” . Tema da festa
de confraternização da Conorte, realizada em 08 de novembro de 1986, em Goiânia,
para a qual foram convidados os candidatos dos diversos partidos das eleições de 15 de
novembro de 1986 comprometidos com a idéia de criação do Estado do Tocantins.

Sabe-se que a memória se liga diretamente à questão da construção da


identidade de um povo. Por isso, as disputas em torno das memórias que prevalecerão

137
CAVALCANTE, Maria do Espírito Santo Rosa. O discurso autonomista do Tocantins. Goiânia: Ed.
UCG, 2003, p. 126.
104
em um grupo, em uma comunidade, ou até em uma nação, são importantes para se
compreender esse grupo humano, ou a sociedade como um todo.138

Seria uma grande ilusão imaginar que a cada problema histórico corresponde
um tipo único de documentos, especializado para esse uso... Que historiador
das religiões se contentaria em consultar os tratados de teologia ou as
recolhas de hinos? Ele sabe bem que sobre as crenças e as sensibilidades
mortas, as imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos santuários, a
disposição e o mobiliário das tumbas, têm pelo menos tanto para lhe dizer
quanto muitos escritos.139

O Plano Urbanístico de Palmas e sua arquitetura são fontes históricas, pois


expressam a intenção política de seus gestores materializada no espaço urbano, seja pela
monumentalidade dos edifícios institucionais ou pelo desenho urbano, cujas linhas
mestras remontam a um modernismo pós-Brasília.

A história oficial do Tocantins vem sendo criada através da seleção de fatos


históricos que pontuam, principalmente o centro cívico, a Praça dos Girassóis, através
da arte, do urbanismo e da arquitetura. A ausência de um centro antigo na cidade
contribui para que o primeiro gestor crie ‘lugares de memória’, com o intuito de
construir uma identidade tocantinense e uma história do Tocantins, ainda que Palmas
tivesse acabado de nascer.

3.1. A invenção de tradições: Memória e identidades em disputa

Hegel observa em uma de suas obras que todos os


fatos e personagens de grande importância na
história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas
vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira
vez como tragédia, a segunda como farsa. 140
Karl Marx

A afirmação de Marx aparece aqui mais para acender reflexões que por gratuita
ironia, a fim de que se demonstre como Palmas representa uma tentativa de ‘repetição’
de Brasília, ficando quase explícito um paralelo entre Siqueira Campos e Juscelino
138
ALBERTI, Verena. Fontes orais: Histórias dentro da história. In.__________. Fontes Históricas. 2.
ed. São Paulo: Contexto, 2006. 302p.
139
LE GOFF, Jacques, 1924. História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão ... [et al.]
-- Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990. p. 466.
140
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. p. 8.
105
Kubistchek. As práticas que serão analisadas neste sentido configuram o que
Hobsbawm e Ranger definiram como ‘tradições inventadas’.

A tais práticas citadas se dá o nome de ‘tradições inventadas’, compete a elas


um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou
abertamente aceitas, de natureza ritual simbólica, que visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, implicando,
portanto, no estabelecimento de uma continuidade em relação ao passado.141

A posição política de Campos, como o primeiro governador, conferiu-lhe


“significativa expressão regional” que perdura até os dias atuais. O mito do pioneiro-
construtor configura uma história recheada de personalismos presentes nas suas falas
públicas, em entrevistas ou até mesmo em autorreferências cotidianas, mormente a
respeito do planejamento ex nihilo da cidade de Palmas, capital do Estado. Nessas falas
públicas a respeito da criação da nova cidade, remete-se muitas vezes à figura de
Juscelino Kubitschek e à construção de Brasília, reeditando antigos discursos de
progresso e modernidade.

O governador do novo estado utilizou o espaço da cidade e da arquitetura oficial


como forma de materializar o poder político ora exercido, ciente do alcance que a
construção de uma cidade e dos seus edifícios por si só representa a uma sociedade,
sobretudo a uma sociedade nascente.

3.2. O mito e seus conceitos

Para o pesquisador Luis Felipe Miguel, em sua tese Em Torno do Conceito de


Mito Político: Uma Análise a partir da Campanha Eleitoral Brasileira de 1994142: “Os
mitos enquanto lendas, narram as origens, já os discursos políticos, em vez de narrarem
as origens, muitas vezes narram o futuro.” Por outro lado, Mircea Eliade143 analisa o
mito enquanto histórias sagradas, muito próximas do que se entende por lenda.
Fernando Silva elaborou um conceito abrangente:

141
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz & Terra,
1997; p. 9.
142
MIGUEL, Luis Felipe. Em Torno do Conceito de Mito Político (Uma Análise a partir da
Campanha Eleitoral Brasileira de 1994). Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Unicamp, em março de 1997.
143
ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito. Tradução de Manuela Torres. Lisboa: Perspectiva, 1963.
106
O mito é camuflagem, fábula narrativa com poder mobilizador e integrador,
prédica, profética e fuga do tempo presente que invocam a ressurreição do
tempo da pureza e da harmonia originais. O mito se inscreve no sonho de
permanência, se pretende imutável, pois sua capacidade criativa é limitada
por um conjunto de códigos que deve se repetir, indiferente à temporalidade e
ao contexto histórico. Apesar da sucessão narrativa de imagens criadas em
torno dele, funciona como conservadora solução imaginária de conflitos e
contradições.144
Marilene Chaui entende o mito não só no sentido etimológico do termo (mythos
– narração pública de feitos lendários de uma comunidade), mas também em sentido
antropológico, como uma espécie de narrativa utilizada para explicar, entender, ou ainda
justificar determinada realidade, solução imaginária para tensões, conflitos e
contradições “que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da
realidade.” 145

Mitologia, no mais elevado sentido da palavra, significa o poder que a


linguagem exerce sobre o pensamento, e isto em todas as esferas possíveis da
atividade espiritual.146

José Murilo Carvalho no livro “Formação das almas. O imaginário da república


no Brasil”147 faz uma interrogação que vem ao encontro do tema desta tese: que os
monumentos erguidos em praça pública dizem sobre a história de um país? Ou as
bandeiras e hinos nacionais? Ou, ainda, caricaturas e charges tiradas das páginas de um
jornal? Tais recursos nos ajudam a decifrar a mitologia e a simbologia de um sistema
político.

Trataremos neste tópico a respeito do mito político criado em torno da figura de


Siqueira Campos, cujos discursos e práticas remetem ao futuro do novo Estado, à
criação da capital Palmas, dos prédios e monumentos construídos na principal praça da
cidade, dos artistas contratados para retratar a historiografia tocantinense e moldadores
da imagem de Campos em painéis e murais de prédios públicos. Um destaque para o
fato de que essa história construída a partir da criação do Tocantins remete ao passado
secular desse território, quando a figura de Theotônio Segurado é utilizada, cem anos
depois, para dar legitimação às ações políticas de Siqueira.

144
SILVA, Fernando Teixeira. Livros: Brasil - Mito fundador e sociedade autoritária em.Violência
patropi. 30/09/2000 Disponível em:
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=1488. Acesso em: 02 de fev. 2010.
145
CHAUI, Marilena. Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritária , 200, p. 9.
146
CASSIRER, Ernest. Linguagem e Mito. Tradução de J. Guinsburg; Miriam Schnaiderman. São
Paulo: Perspectiva, 2006, p. 19.
147
CARVALHO, José Murilo. Formação das almas. O imaginário da república no Brasil. Companhia
das Letras. 1990.
107
Ian Watt destaca que mito é “uma história tradicional largamente conhecida no
âmbito da cultura, que é creditada como uma crença histórica ou quase histórica, e que
encarna ou simboliza alguns valores básicos de uma sociedade”.148 Neste sentido, a
imagem de Siqueira é posta na liderança dentro do processo de luta pela separação do
norte de Goiás, considerada pobre e atrasada quando comparada ao sul do Goiás,
embora os movimentos a favor da separação tivessem vindo também de diversas
lideranças políticas e estudantis, não apenas de uma única pessoa.

O discurso político mítico parte de uma visão elitista, a elite promove o mito,
sabe aonde quer chegar com ele e a que fins levará, ao contrário da massa que adere ao
mito, inconsciente desses fins.

O povo aparece como elemento passivo nesse processo, que o moderno gestor
modela através do mito. A ‘massa’ aparece como objeto e não sujeito da história, um
objeto que o mito pode modelar. O recurso ao mito seria, então, essencial para garantir a
submissão das massas, submissão que é vista como condição básica ao funcionamento
da sociedade.149 A imagem de Siqueira foi construída para representar o pioneiro-
construtor do novo Estado e essa imagem foi impregnada no imaginário popular, a
ponto de muitos o denominarem o criador do Tocantins.

Para Miguel, o mito é fruto, menos ou mais refletido, de uma estratégia política.
O emissor do discurso o escolhe confiando em sua utilidade. Mas não é correto reduzi-
lo à "demagogia", e não apenas porque não é necessário (embora seja possível) que seu
veiculador o vivencie como "mistificação". O mito é também um produto coletivo; cabe
estudar as condições de sua apropriação individual (ou por um grupo). O discurso
mítico está inserido em um meio social no qual já existe.

Marilena Chauí cita, por exemplo, as mitificações que o brasileiro construiu


acerca de sua própria imagem. Os brasileiros construíram, sobre si mesmos, formas de
mitificação das representações que têm de si: o índio corajoso, os negros estóicos e os
bravos e melancólicos portugueses cuja mestiçagem produziu, entre outras coisas, o
samba. O mito fundador é, dessa forma, compreendido como aquele que explica a
origem ou a fundação de determinado povo e este é eternizado pela sua constante

148
WATT, Ian. Mitos do Individualismo Moderno: Fausto, Dom Quixote, Dom Juan, Robinson Crusoe.
Tradução de Mario Pontes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 16.
149
Luis Felipe Miguel, op. cit, 1997.
108
ressignificação a cada momento da história de um povo. Para argumentar, a autora lança
mão de alguns mitos brasileiros, como a crença generalizada de que o Brasil é um dom
de Deus e da Natureza, que tem um povo pacífico, ordeiro, generoso, alegre e sensual,
mesmo quando sofredor, ou ainda que é um país sem preconceitos.150

O planejamento da capital e a criação do Estado são fatores que sustentam o


mito, o mito de um fundador do Tocantins, que foi formatado na figura do primeiro
gestor. A imagem tem sido fixada na historiografia oficial tocantinense como o “mito
fundador” do novo Estado, desde 1988, quando este foi criado pela Constituição
Federal. A aura simbólica segue até os dias atuais.

A denominação de pioneiro-construtor vem sendo cotidianamente moldada


desde o nascimento de Palmas e intensificada, estimulada, nos monumentos da cidade,
nos prédios públicos, escolas, museus, hino, citações e aparições na mídia local.

Siqueira Campos nasceu em Crato, interior do Ceará, em 1928 e é oriundo de


uma família de migrantes que morou na Amazônia, onde seu pai atuou como
seringueiro, morou também no Rio de Janeiro e trabalhou neste período no Partido
Comunista em sua antiga sede no bairro da Glória, fato esse utilizado para justificar a
homenagem a Luís Carlos Prestes em monumentos e prédios da cidade.151 Ele
participou da campanha de Juscelino Kubitschek e posteriormente mudou-se para a
cidade de Colinas do Tocantins (1963), onde foi Presidente da Câmara dos Vereadores
(1966), Deputado Estadual, Deputado Federal (1972 a 1988). Ele foi governador do
Tocantins por três vezes (1989 – 1991/1995 – 1998/1999 – 2003/ 2011). O Tocantins
completou 22 anos em maio de 2011 e Siqueira Campos, com 83 anos, pela quarta vez
governa o estado. Ganhou as eleições de 2010, com uma pequena diferença de votos,
para o seu adversário político Carlos Henrique Amorim e mais uma vez a sua imagem
retorna ao cenário tocantinense.

O delineamento dessa mitificação fica claro na construção ex nihilo de Palmas,


uma cidade-monumento representativa do poder do Estado. É o que discutiremos no
item que se segue.

150
CHAUI, Marilena. Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritária. 2001, p. 8.
151
ACAMPORA, Alexandre. Escritos de Jornal. Palmas: Pró Design Comunicação, Palmas, p. 169.
109
3.3. Creatio ex nihilo

Vamos, vamos caminhar; o caminho se faz caminhando.


Neste Estado, que apenas começa, tudo ainda está por
fazer. Vamos lá... Aqui existe o caminho e o que mais
importa é o caminhar... 152

O excerto que inicia esse tópico demonstra a forma como o governo procurava
motivar os que chegavam ao novo estado. E a aura de otimismo que os textos oficiais
empregavam ia formulando um cenário propício a construção do ‘novo’.

Assim que o estado foi criado, rápidas decisões foram tomadas à escolha da
localização da nova capital. As cidades de Araguaína, Gurupi e Porto Nacional
possuíam certa liderança na economia do Estado e disputavam a vaga de capital
provisória, foram muitas as discussões que tinham como pano de fundo interesses de
forças políticas locais. Mas, por decisão do Presidente da República José Sarney
(decreto n° 97.215 de 13/12/1988), Miracema do Norte (que mais tarde passou a se
chamar Miracema do Tocantins), que não estava na disputa, foi a escolhida e tornou-se a
capital provisória, enquanto a nova cidade seria gestada “do nada”, em posição
centralizadora no mapa do Tocantins.

A explicação dos gestores para a construção ex nihilo foi de que a localização


escolhida para Palmas representaria um ponto de convergência relevante da gestão
político-administrativa do Estado, estando estrategicamente localizada no centro
geográfico de Tocantins.

Através dos tempos, e na maior parte das culturas, a posição central tem sido
utilizada para exprimir perceptivamente o divino, ou algum alto poder. O
deus, o santo, o monarca, vivem acima das tensões e dos esforços da
multidão que tudo esmaga.153

O discurso oficial era o seguinte: a cidade foi projetada para funcionar como
‘impulsora’ do desenvolvimento “igualitário” de todo o Estado, através da articulação
de suas atividades e dos diversos espaços urbanos ou rurais. Através dessa medida
geopolítica, pretendia-se a ocupação do território, tanto da margem esquerda quanto da

152
TOCANTINS. Diagnóstico Sócio-Econômico. 1989/90, p. 3.
153
Rudolf Arnheim, op. cit., p. 149.
110
direita do rio Tocantins, de modo a estimular o desenvolvimento sócio-econômico de
toda a região.154 Sobre essa polêmica questão Siqueira Campos afirma:

Meus adversários políticos são adversários do Tocantins. Não temos


nenhuma cidade com infra-estrutura para sediar uma capital. Você percebe as
dificuldades que temos com Miracema. Sei que todas as cidades querem
sediar a Capital e isso é muito positivo porque demonstra nosso ânimo e
nossos desejos de desenvolvimento, mas a nova cidade está planejada como
uma das alavancas para o desenvolvimento do estado. Ela está situada
geograficamente no ponto mais central de nosso território e, na margem
direita do rio, a região mais carente de investimentos. Está colada em Porto
Nacional, nossa cidade guardiã do patrimônio cultural pela luta de
independência, está também nas proximidades da futura usina de energia
elétrica, que formará um vasto lago dimensionando a paisagem e assegurando
qualidade de vida à população.155

Os argumentos do governador para a construção do novo estão apoiados,


sobretudo, no discurso de Juscelino Kubitschek para a construção de Brasília, é que se
vê no trecho a seguir:

Eu vivi a construção de Brasília e acredito na política de urbanização como


propulsora de desenvolvimento, como forma de expansão de fronteiras de
exploração econômica. Veja bem quantos novos investimentos serão
possíveis aqui. Quanta gente, quantos investidores que poderão crescer com
mais democracia, sem a competição dos grandes grupos varejistas e
industriais, desconcentrando o progresso do sul para o interior do Brasil. Foi
esse processo que Juscelino teve coragem de iniciar e nós vamos dar
continuidade e vamos transformar o Brasil. Você imagina quando tivermos a
Norte-Sul. Isso vai ser uma nova revolução econômica no país. O Brasil vai
mudar até culturalmente. Quando o norte for desenvolvido estaremos mais
próximos de parceiros como Peru, a Bolívia, as Guianas, a Venezuela. Vamos
poder exportar a baixo custo para a Europa pelo porto de Itaqui no
Maranhão.156

Mas por que criar uma nova cidade? Será que expandir uma capital a partir de
uma cidade já existente não teria sido uma decisão mais coerente?

Uma nova cidade é acima de tudo um forte símbolo e um instrumento político


valioso, uma obra de considerável alcance e um acontecimento histórico marcante, esta
seria, por tanto, a motivação para a criação da novidade. Não agregar o passado de
cidades já consolidadas é fortalecer o mito do criador de uma nova cidade. Este só

154
CERQUEIRA, Humberto. O plano e a prática na construção de Palmas. Dissertação (Mestrado)
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 1998, p. 44.
155
ACAMPORA, Alexandre. Escritos de Jornal. Palmas: Pró Design Comunicação, Palmas, p. 169.
156
Alexandre Acampora, op. cit., p. 169.
111
utiliza a história de forma a reforçar o próprio mito (quando esta lhe convém) e não
entra em disputas presentes.

Karl Marx exemplifica essa situação e afirma que “a tradição de todas as


gerações mortas pesa como um sonho mau no cérebro das gerações vivas. E exatamente
quando parecem engajados na revolução, na criação de algo inteiramente novo [...], os
homens ansiosamente conjuram os espíritos do passado, tornam de empréstimo seus
nomes, seus slogans de batalha, suas fantasias, para apresentar a nova cena da história
mundial sob o disfarce de um tempo venerável e sob uma linguagem de empréstimo.”
157

De acordo com o historiador inglês Peter Burke, “embora os textos também


ofereçam indícios valiosos, imagens constituem-se no melhor guia para o poder de
representações visuais nas vidas religiosa e política de culturas passadas.”158 Imagens
podem testemunhar o que não pode ser colocado em palavras, afirma o pesquisador.

Vejamos alguns pontos: se em Brasília houve a Companhia Urbanizadora da


Nova Capital (Novacap), em Palmas foi constituída a Comissão de Implantação da
Nova Capital (Novatins), ambas responsáveis pela gestão de recursos e construção da
cidade.

As ‘lembranças’ e ‘inspirações’ em Brasília se estendem às associações de


Siqueira Campos a Kubistchek, muitas vezes em emblemáticas situações, como em
fotos oficiais similares. Duas são marcantes, uma mostra Juscelino junto a um trator,
simbolizando a construção da nova cidade. E a outra Siqueira Campos aparece em
cenário semelhante na inauguração de Palmas também sobre o trator (Fotos 12 e 13). Ao
interrogarmos as fotografias, procedendo a uma critica da fonte, um destaque pode ser
feito: a presença do trator, um “símbolo da modernidade e do progresso”. Imagem que
tanto Juscelino quanto Siqueira queria perpetuar. Outros registros fotográficos
semelhantes são realizados quando empresários e autoridades estrangeiras visitam o
canteiro de obras. Há diversos registros, também, junto aos operários.

157
Karl Marx, op. cit. p.
158
Peter Burke, p. 17.
112
Foto 12: Siqueira Campos dirigindo um trator na Inauguração de Palmas (1989).
Fonte: Acervo da Casa da Cultura.

Foto 13: Juscelino Kubistchek de co-piloto em um trator que participava da


derrubada da mata original. (1957)
Fonte: REVISTA MANCHETE (2001), p. 34.

113
Nota-se, ainda, a repetição da história na imagem de pioneiro-construtor que
Siqueira Campos tenta fixar. Ele utiliza o repertório de Kubitschek, como por exemplo:
“o projeto de levar a modernidade aos sertões, através da ocupação de ‘desertos
populacionais’ e da expansão do mercado nacional a regiões desintegradas do fluxo da
economia de mercado.” 159

Um episódio simbólico nos reporta à inauguração de Goiânia, Brasília e Palmas,


por exemplo, onde o Cruzeiro é um ícone reincidente, é junto a ele onde se realiza a
Primeira Missa, o ‘batismo espiritual’ da cidade vindoura.

Mas é preciso retomar o processo primeiro que, nesse caso, remete à Primeira
Missa celebrada no Brasil160 em 1500, rezada pelo Frei Henrique Coimbra, quando do
‘Descobrimento do Brasil’. (Figura 21, Fotos 14, 15 e 16)

O que podemos entender a respeito destas práticas? A Primeira Missa no Brasil


nada tem a ver com a inauguração dessas cidades novas, a não ser por tornar-se um
poderoso signo que será utilizado como parte da história daquele lugar, tornando-se
também um ‘lugar de memória’, que perpetuará a intenção do seu fundador, visto que o
Cruzeiro muitas vezes é consagrado, como monumento oficial da cidade.

Tais práticas se sustentam em ações passadas, de que se extraem símbolos


capazes de legitimar as ações do presente, como se ali estivessem desbravando novas
terras e tomando posse do lugar. As imagens falam por si.

159
SOUZA, Candice Vidal e. A invenção do Tocantins: Espaço e tempo na construção da
comunidade imaginada em um contexto regional. In: Ciências Humanas em Revista. Revista do
Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade de Goiás. Goiânia, v. 6. n. 2. P. 3 – 136. Jul/dez
1995; p. 59.
160
Esta missa foi retratada na pintura de Vitor Meirelles, hoje pertencente ao Museu Nacional de Belas
Artes
114
Figura 21: Primeira Missa no Brasil (1880).
Fonte: Museu Nacional de Belas Artes.

Foto 14: Primeira Missa em Palmas (1989).


Fonte: JORNAL DO TOCANTINS (20/05/2000).

115
Foto 15: Primeira Missa de Brasília (1960).
Fonte: Revista Brasília (1960).

Foto 16: Primeira Missa de Goiânia.


Fonte: TELES (2005).

116
O Cruzeiro (Foto 10) permanece na Praça dos Girassóis, em Palmas, até hoje,
simbolizando a primeira missa161, que aconteceu a 20 de maio de 1989, por ocasião da
criação da nova capital e onde acorreram aproximadamente dez mil pessoas. A missa foi
rezada em torno de uma grande cruz de pau-brasil, com a presença ‘exótica’ de índios
Xerente junto aos convidados oficiais e às pessoas da região.

A moradora de Palmas Luciélia de Aquino Ramos, que estava presente nessa


celebração, externa suas impressões sobre o dia 20 de maio de 1989:

Ah, esse dia foi um dia único, muito diferente aquilo, havia pessoas vindo de
todo lugar e ali parecia que todo mundo estava junto, mesmo não se
conhecendo e teve a missa e todo mundo participou, havia realmente uma
celebração e a gente ficou aqui até de tarde, então, havia um lugar que foi
feito pra colocar os primeiros desenhos do planejamento da cidade e esse
local você poderia ir visitar e as pessoas não se importavam com o calor, não
se importavam com a poeira, o que importava é que elas estavam lá, é assim
que eu sentia.162

Houve a colocação de duas placas ao lado do altar, uma proclamando a criação


da Comarca de Palma163 (sem o s, neste momento) assinada por Theotônio Segurado e a
outra comemorativa da cerimônia, assinada por Siqueira Campos, neste sentido,
simbolicamente colocadas lado a lado, resumindo a historiografia do Tocantins nos
nomes de Theotônio e Siqueira.

Para Candice Souza, trata-se de um artifício de ‘atualização da história’ como


meio de legitimação da construção e, por consequência, elevando Siqueira Campos à
condição de pioneiro-mor.164

A construção da cidade foi iniciada em 20 de maio de 1989, numa cerimônia


de grande densidade simbólica, em que são atualizadas as referências
históricas que pretendem organizar a identidade em construção dos
tocantinenses. Esse evento tem maior riqueza do ponto de vista ideológico
que a transferência oficial do poder administrativo em 1 de janeiro de 1990,
data da efetivação da função política da cidade. 165

161
Esta missa foi celebrada por Dom Celso Pereira, acompanhado pelos padres Juracy Cavalcante, Rui
Cavalcante e pelo Monsenhor Jacinto Sardinha, segundo matéria publicada no Jornal do Tocantins de 20
de maio de 2000.
162
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
163
Em 26 de janeiro de 1815, Joaquim Theotônio Segurado funda a Vila de São João da Palma, onde um
mês depois seria instalada a Comarca de Palma, de onde veio a inspiração do nome da capital Palmas.
164
Candice Vidal e Souza; op. cit; p. 59.
165
Idem, p. 52.
117
Podemos verificar as mesmas práticas na inauguração de Brasília e de Goiânia
(Fotos 16 e 17), a primeira missa de Brasília foi realizada em 3 de maio de 1957, por
Dom Carlos Vasconcelos Mota, Cardeal-arcebispo de São Paulo e reuniu cerca de 15
mil pessoas.

É importante destacar nestes ‘rituais’ religiosos uma tradição inventada,


sobretudo pela presença de índios Xerentes na Primeira Missa de Palmas, que de uma
forma mítica tenta relembrar e fixar, na história recente do Tocantins, a presença do
colonizador e do índio.

Chama atenção, também, em Palmas a primeira residência do governador, o


“Palacinho”, que possui muitas semelhanças, a começar pelo nome, ao “Catetinho”,
primeira residência do Presidente da República em Brasília (Foto 17 e 18).

Foto 17: Catetinho: a primeira repartição pública e uma das construções pioneiras de Brasília, onde
Juscelino se hospedava e despachava em suas visitas à região (1956).
Fonte: REVISTA MANCHETE (2001), p. 33.

118
Foto 18: Palacinho: Primeiro edifício da Capital e Primeira Sede do Governo. Autor: Elson Caldas
(1989).
Fonte: Acervo da Casa da Cultura (2009).

O Palacinho, projeto do arquiteto Ernani Vilela, foi provisoriamente a sede


administrativa do Governo Estadual, construído em madeira e com sistema de
montagem pré-fabricado. A construção guarda semelhanças com o Catetinho de Brasília
no parentesco do nome, no material com o qual foi construída (a madeira), por possuir
dois andares e na sua utilização, como primeira residência oficial. Abrigou inicialmente
as autoridades durante as visitas às obras de construção da cidade, mas, com a
antecipação da transferência da capital provisória de Miracema do Norte para o local
permanente, foi necessário adaptá-lo para funcionar como sede administrativa do novo
Governo. É um prédio tombado desde 1992, como Patrimônio Histórico Estadual. O
breve trecho que se segue poderia muito bem referir-se a descrição da construção da
cidade de Brasília; no entanto, refere-se a Palmas:

Primeiramente, o Cruzeiro foi implantado para marcar o lugar e receber as


cerimônias religiosas, seguido das edificações provisórias dos alojamentos
dos construtores e funcionários, além do "Palacinho" provisório para os
despachos governamentais. A seguir, vieram as primeiras construções de
madeira para os órgãos públicos, as habitações padronizadas para as
autoridades na chamada "Vila dos Deputados", um pequeno e precário

119
comércio, bares e restaurantes improvisados, um banco funcionando em um
trailer e um escritório de recepção aos visitantes. Tudo meio improvisado,
resultado das mínimas condições de infra-estrutura. Era, na verdade, a
instalação de um grande canteiro de obras.166

As associações com o construtor de Brasília são diversas; por exemplo, o lema


de Juscelino Kubitschek sobre a criação de Brasília de ‘50 anos em 5’ foi reeditado por
Siqueira Campos, na promessa de fazer o Tocantins crescer “20 anos em dois”167. O
investimento político é prioritário nesses dois anos iniciais do Estado, com a fixação da
imagem de Siqueira como o grande construtor-civilizador, o que futuramente será
importante para a perpetuação de seu grupo político no Estado.168

3.4. A memória oficial através da linguagem arquitetônica e seus monumentos

“Se habitássemos ainda nossa memória, não


teríamos necessidade de lhe consagrar lugares.”
Pierre Nora 169

No capítulo anterior analisamos o caráter urbanístico da Praça dos Girassóis


(Figura 19). Neste pontuaremos a arquitetura, a partir de um cenário fortemente
centralizador que a praça exerce na cidade, pensada marcantemente como lugar de
memória. Para compreender o que Pierre Nora nos instiga a respeito da constituição
desses lugares, destacamos o fato de que a historiografia tocantinense vem sendo criada
a partir da seleção de fatos históricos que pontuam, sobretudo, o centro cívico da cidade,
através da arte, do urbanismo e da arquitetura.

Mas qual é o conceito de praça para o arquiteto? Uma definição tradicional da


arquitetura foi desenvolvida por José Lamas, que afirma o seguinte:

Se a rua, o traçado, são os lugares de circulação, a praça é o lugar intencional


do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de práticas sociais, de
manifestações de vida urbana e comunitária e de prestígio, e,
conseqüentemente, de funções estruturantes e arquiteturas significativas.170

166
SOUZA, Edson Eloy. Planejar no Cerrado. Revista Arquitetura & Urbanismo. Coluna Intersecção.
Edição 159 - junho 2007; p. 70.
167
JORNAL DO BRASIL. Tocantins já tem governador. 1° Caderno, 2 de janeiro de 1989, p. 4.
168
Candice Vidal e Souza; op. cit; p. 60.
169
NORA, Pierre. Entre memória e história – a problemática dos lugares. Proj, História. Tradução:
Yara Aun Khoury. São Paulo: 1993; p. 8.
170
LAMAS, José Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho das cidades. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000, p. 100.
120
Entendemos, também, que o uso dos símbolos, a semiose, faz parte do processo
de produção do espaço urbano. Portanto, “É assim que a compreensão da forma urbana,
dos processos que a conformam e dos sistemas que a controlam não é possível sem a
consideração dos sistemas de símbolos ali atuantes.” 171

Outra questão: por tratar-se de uma cidade nova, o Estado tem mais liberdade de
criar lugares de memória e elaborá-los por meio de símbolos previamente selecionados,
tornando-os públicos e coletivizando a ideia de ‘identidade tocantinense’ ou construindo
dessa forma a própria ‘História Oficial do Tocantins’.

A Praça dos Girassóis tornou-se marco, referência simbólica, pela localização


privilegiada dentro do traçado urbano e pela disposição e monumentalidade dos prédios
públicos que a compõem. Vejamos o que diz Geraldo Serra sobre espaço natural e a sua
relação com forma urbana:

À medida que se desenvolvem e se reelaboram as ideologias justificadoras do


controle da produção, do consumo e do excedente por determinados
indivíduos ou grupos de indivíduos (castas, classes etc.), essas ideologias
precisam encontrar sua expressão material. Dentre as várias formas de
expressão ideológica, estão os símbolos urbanos. Assumem a forma de
espaços, edifícios, monumentos, avenidas.172

A praça cívica em Palmas está localizada no centro do Plano Urbanístico, que


corresponde ao cruzamento das duas avenidas mais importantes da cidade, a Av.
Theotônio Segurado e a Av. Juscelino Kubitschek. Nela se localizam os prédios
governamentais: o Palácio Araguaia (sede do poder executivo), a Assembleia
Legislativa (Palácio João D´Abreu), o Palácio da Justiça (Palácio Feliciano Machado
Braga), o Memorial Coluna Prestes e as Secretarias do Estado.

É considerada uma das maiores praças da América Latina, com extensão de


aproximadamente 560 mil metros quadrados. Além de prédios institucionais abriga
também os seguintes monumentos: o relógio do sol (com seis metros de altura), o
Cruzeiro (símbolo religioso), Monumento aos Pioneiros, Monumento à Biblia, Praça
Krahô (homenagem aos grupos indígenas do Tocantins) e o Monumento aos 18 do Forte
de Copacabana.

171
SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo: Nobel, 1936, p. 113.
172
Geraldo Serra, op. cit, p. 114.

121
A monumentalidade que a praça e seus edifícios exercem na cidade é o traço
mais marcante dessa arquitetura urbana, que representa ao mesmo tempo distinção e
grandeza. Os edifícios oficiais estão isolados e impõem-se no contexto urbanístico,
inclusive topográfico, eles não poderiam passar despercebidos ou perderiam o sentido
da sua existência, o de propagandear ou materializar as realizações do político
responsável por tudo ali, pela localização e edificação privilegiada.

Cada inserção simbólica neste espaço tem uma lógica moldada, embora não seja
autoexplicativa, inclusive a desmesurada extensão da praça, que não se justiça pelo que
nela existe, a paisagem cotidiana, que é resultado da grandiosidade do espaço, vendo
bem, transbordamento de monotonia, dir-se-ia. A figura 22 destaca os principais prédios
e elementos simbólicos da praça.

Figura 22: Praça dos Girassóis (imagem manipulada pela autora).


Fonte: Google Earth (2009).

122
Praça indígena, elementos míticos e prédios monumentais constituem o
simbólico da praça, onde são reproduzidos eventos heróicos, legendários, míticos não
apenas da região, mas também de outras partes do Brasil.

O conceito de praça destacado anteriormente contraria a prática cotidiana da


praça em enfoque, que, apesar de ser a principal da cidade, é vazia fora dos horários de
expediente nos prédios públicos que a compõe. A dimensão descomunal deste lugar
torna rara ali a presença massiva de pessoas. É possível perceber uma certa
movimentação apenas no calçamento perimetral, que é utilizado por alguns usuários à
prática de exercícios físicos (caminhadas e passeio de bicicleta).

O morador de Palmas e arquiteto Carlos Eduardo173 quando questionado sobre o


que acha da movimentação de pessoas nesta praça afirma: “não existe sociabilidade
neste lugar, mas essa sociabilidade deveria ser proporcionada, incentivada... à noite até
existe certa movimentação, quando as pessoas vão fazer caminhadas, mas acho que
deveria ser mais potencializada, existem alguns eventos também como a feira do livro e
shows, mas acho pouco pelo potencial da área.” 174

Conforme mencionamos no inicio desta tese, Napoleão III quando decidiu abrir
grandes avenidas no tecido urbano medieval de Paris, na segunda metade do século
XIX, não tinha em mente apenas questões sanitárias. Desejava que as suas tropas
desfilassem livremente por grandes avenidas. A configuração ampla e sem bloqueios
evitava futuras revoluções, que muitas vezes tinham início nas ruelas do labirinto da
cidade medieval.

A configuração urbanística de Palmas segue a mesma lógica daquela


empreendida em Paris, só que um século depois e bem mais articulada. As largas
avenidas, as praças imensas e canteiros espalhados por toda a cidade, tornam a escala
humana insignificante, principalmente quando comparada a outras cidades com feição
mais orgânica, com quarteirões de no máximo 100 x 100 metros, por exemplo. Um
desenho urbano geometricamente militar e bastante opressor pela sua escala é capaz de

173
GONÇALVES, Carlos Eduardo Cavalheiro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos
Reis. Palmas, 31 de janeiro de 2011. Perfil: Carlos Eduardo nasceu em São Gabriel, Rio Grande do Sul,
no dia 10 de agosto de 1978. É graduado em arquitetura e urbanismo pela UNERJ (2002), pós-graduado
em infra-estrutura urbana pela UFT (2005) e mestre em arquitetura e urbanismo pela UnB (2009).
Chegou em Palmas em março de 2005 devido a comentários de que a cidade oferecia boas oportunidades.
Trabalhou no programa Monumenta Natividade (2007 a 2009), foi professor da UFT (2005 a 2006) e
atualmente trabalha no escritório JP Arquitetura na função de arquiteto e urbanista.
174
Idem.
123
desagregar, desarticular manifestações públicas, pelo intimidamento que causa a sua
grandeza, as dimensões do seu traçado. Um grupo de duzentos manifestantes na praça
causa a impressão de desarticulação, de minoria, e a paisagem infinita acaba imperando
e desqualificando a ação coletiva.

Outro ponto a ser destacado é a questão de as pessoas não se identificarem com


o jogo de simbologia assente na praça. Entrevistas confirmaram esse fato. A história
contada nas paredes do Palácio, os monumentos e símbolos ali intencionalmente
inseridos passam despercebidos por grande parte da população. A praça é considerada
apenas um ponto de referência (um fator de localização dentro da extensa malha urbana)
e de demonstração do poder do Estado pela grandiosidade dos prédios. Nunca é citada
como espaço de grande sociabilidade ou de intensa convivência.

O que analisamos a respeito deste lugar de memória, que é a Praça dos


Girassóis, vai ao encontro do que o historiador brasileiro José Murilo de Carvalho
afirma: “o instrumento clássico de legitimação de regimes políticos no mundo moderno
é, naturalmente, a ideologia, a justificação racional da organização do poder.” 175

Carvalho destaca, ainda, que o extravasamento das visões de República “não


poderia ser feito por meio do discurso, inacessível a um público com baixo nível de
educação formal. Ele teria de ser feito mediante sinais mais universais, de leitura mais
176
fácil, como as imagens, as alegorias, os símbolos, os mitos.” Esse recurso é antigo
quando pensamos a educação de grandes massas; as catedrais medievais são exemplos
emblemáticos, em cujas paredes se esculpiam esculturas representativas de histórias
religiosas direcionadas ao público iletrado.

Os recursos citados pelo autor são amplamente utilizados na configuração da


praça, através do trabalho dos artistas requisitados por políticos. A obra deles fortalece
os interesses e os valores da elite política que ora se constituía em Palmas. Logo nos
primeiros anos da cidade, a arte foi voltada à produção de obras vinculadas à elaboração
de emblemáticos trabalhos dessa natureza. Vejamos alguns deles.

175
CARVALHO, José Murilo. Formação das almas. O imaginário da república no Brasil. Companhia
das Letras. 1990, p. 9.
176
José Murilo Carvalho; op. cit. p. 10.
124
Maurício Bentes177, artista carioca, veio ao Tocantins em 2001, a convite do
governador Siqueira Campos. O objetivo da viagem foi realizar um estudo sobre uma
obra que posteriormente foi intitulada de “frontispício”. Tratava-se de um globo
dourado com raios, que representavam o “sol alado” (elementos simbólicos e com
conotações exotéricas). O governador gostou do trabalho de Bentes e encomendou
novas obras. O artista criou autorrelevos (denominados “Frisas” pela Secretaria de
Cultura do Estado) de imagens que relatavam a história oficial do Tocantins. Os painéis
foram fixados em volta do Palácio, no coroamento do prédio e não fazia parte do projeto
inicial dos arquitetos Ernani Vilela e Maria Luci para o edifício.

Bentes decidiu se mudar para Palmas e executou outras obras na Praça , são elas:
o Monumento aos 18 do Forte de Copacabana, a escultura de Luiz Carlos Prestes sob
uma coluna, no Memorial Coluna Prestes (projeto de Oscar Niemeyer) e o Monumento
aos Pioneiros. O artista deixou inclusive projetos inconclusos, amplamente divulgados
nos jornais da cidade no período de idealização e concretização. Tivemos acesso,
também, ao acervo da mãe do artista, que nos cedeu mais informações sobre a atuação
do filho em Palmas.

Um dos projetos não executados é o denominado “Cristo em Ascensão” (Foto


19), que seria construído na grande serra que contorna parte da cidade, no Morro da
Tartaruga (na altura da Praia da Graciosa ao nordeste de Palmas), a pedido também do
governador. O protótipo, em miniatura, confeccionado por Bentes pode ser conferido na
imagem que se segue.

177
Maurício Bentes (1958-2005) iniciou sua formação artística com Celeida Tostes, na Escola de Artes
Visuais do Parque Laje, com Haroldo Barroso, na Oficina de Escultura do Ingá e com Alair Gomes, no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Este artista tem sua obra representada nas coleções do Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Coleção João Satamini /
Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Museu Nacional de Belas Artes e Paço Imperial, no Rio de
Janeiro.

125
Foto 19: Cristo em Ascensão (miniatura em bronze).
Fonte: Acervo da UFT Corredor Cultural (s.d)

Figura 23: Esboço do artista para o projeto do Cristo em Ascensão.


Fonte: Acervo pessoal da família do artista.

126
O Jornal do Tocantins do dia 18 de junho de 2003 estampava como título no
caderno Arte e Vida a seguinte frase: “A Ascensão de Cristo em Palmas”, referente à
miniatura mostrada na Foto 19 e ao esboço do artista na Figura 23. Segundo Bentes, a
obra seria um conjunto composto primeiro pela Via Sacra, contando, em quinze etapas,
a vida de Jesus Cristo, do nascimento e morte à ressurreição, culminando com o Cristo
em Ascensão.

Segundo o jornal, o projeto era composto pela estátua de trinta e três metros de
altura, que estaria sob um globo de vinte e um metros, com lugar para duzentas pessoas.
Um elevador conduziria as pessoas até o peito do Cristo, com acesso por escada aos
olhos divinos, de onde se teria impressionante e privilegiada visão da cidade.

O projeto não foi executado e estava orçado em 15 milhões.178 Peça publicitária


de 2003 demonstrou que o governador tinha o projeto de construir essa obra de
visitação pública, comparável ao Cristo Redentor no Rio de Janeiro e à Estátua da
Liberdade nos Estados Unidos. O projeto foi desenvolvido em parceria entre Bentes, o
iluminador Peter Gasper, com a criação de arquitetura feita por Kantney Monteiro e
projeto de cálculo por Fernando Rocha Souza, calculista das obras de Oscar Niemeyer.
Destaco: a data dessa reportagem coincide com o último ano de mandato de Siqueira
Campos no Tocantins, que foi em 2003. Talvez por isso o governador tenha abandonado
o projeto, que lhe renderia grande ‘visibilidade’ na mídia nacional.

178
Na época, Bentes informou que o projeto deveria ser financiado por uma sociedade de participações,
com ajuda da iniciativa privada, dos religiosos e do Estado, para a aquisição do terreno.

127
3.4.1. O Monumento aos 18 do Forte de Copacabana

“À pátria tudo se deve dar e nada pedir - nem mesmo compreensão”. A frase
está estampada em letras garrafais no monumento aos 18 do Forte de Copacabana (Foto
20), obra Maurício Bentes, e foi proferida por tenente Antônio de Siqueira Campos, um
dos líderes do movimento tenentista ocorrido no Rio de Janeiro em 05 de julho de 1922,
que carrega evidente homônimo com governador do Tocantins.

Foto 20: Monumento aos 18 do Forte de Copacabana (Obra do artista Maurício Bentes).
Inaugurado dia 05 de outubro de 2001.
Fonte: Acervo pessoal de Desirée Monjadim (2001).

Não se pode negligenciar a expressividade artística da obra de Bentes. Há,


porém, uma questão importante a ser posta: que relação existe entre o evento retratado
por Bentes e a construção da nova capital ou com a criação do Tocantins? Alguns
argumentos publicados são os seguintes: Luiz Carlos Prestes Filho, então residente no
Rio de Janeiro, realizou, em 1995, estudos sobre a Coluna Prestes e sua marcha pelo
interior do Brasil, sob a liderança de Luiz Carlos, o pai. O filho visitou o Tocantins neste
ínterim e fez um acordo com o governador para construção de um memorial em Palmas.
Segundo ele, a passagem da Coluna por terras goianas seria um motivo representativo
para uma justa homenagem, sugestão aceita pelo governador do Tocantins.
128
A Coluna Prestes179 cruzou um pequeno trecho do território do Estado do
Tocantins quando ainda era fração de Goiás, e o fato foi o principal motivo à elevação
tanto do memorial, quanto do monumento em questão. Cabe lembrar, também, que uma
importante rodovia que liga a capital do Tocantins (Palmas) e a capital federal (Brasília)
foi denominada de Coluna Prestes. Na cidade de Arraias (TO), fronteira com o estado de
Goiás foi construído um monumento que representaria ainda a trajetória da coluna pelas
terras do município de Arraias, também obra de Niemeyer (Foto 21).

Foto 21: Monumento em homenagem a Coluna Prestes em Arraias (Obra de Oscar Niemeyer).
Fonte: Material de divulgação: Memorial Coluna Prestes.

Para José Murilo Carvalho estes artifícios fazem parte das batalhas ideológicas e
políticas, que são travadas através de símbolos e alegorias, “para fazer a valer a nova
ordem. Atingir o imaginário popular em favor da nova cidade, da legitimação do novo
Estado.” 180

Embora o Movimento Tenentista seja representado como algo parecido a uma


cena teatral, episódica, dominada por um bando de homens com armas na
mão, atirando em várias direções; embora a Coluna Prestes seja transformada
numa rápida passagem em terras goianas, numa espécie de “caminhada da

179
A Coluna Miguel Costa-Prestes, popularmente conhecida somente por Coluna Prestes, foi um
movimento político-militar brasileiro existente entre 1925 e 1927 e ligado ao tenentismo, corrente que
possuía um programa bastante difuso, mas que, em algumas linhas gerais, pode ser resumida: insatisfação
com a República Velha, exigência do voto secreto e a defesa do ensino público. O movimento contou com
lideranças das mais diversas correntes políticas, mas a maior parte era composta por capitães e tenentes da
classe média.
180
José Murilo Carvalho; op. cit. p. 10.
129
esperança”, a rememorização de sua passagem em “solo tocantinense”
contribui para reforçar a imagem, criada pelo discurso oficial, de um estado
que segue o caminho da modernização, o caminho procurado pelos tenentes,
uma vez que “com rodovias”, energia e saneamento, “Tocantins prepara seu
futuro”, um futuro de esperanças como se insinua ter sido a causa defendida
pelos tenentes. Aqui se toma o passado como simples espetáculo, e o fato é
apresentado como se sua seleção não obedecesse a nenhuma posição política
e ideológica.181

De todo modo, é bastante contraditória a homenagem de Siqueira a um ex-


membro do PCB e ao Movimento Tenentista, obras localizadas bem próximas ao
palácio governamental. Na opinião da moradora de Palmas Marlilde Pereira de
Soares182, os monumentos não têm um significado real para a cidade e muitos usuários
da praça nem percebem a existência deles. Ela conclui:

Eu acho bonito assim, mas... Eu ouvi falar que aquilo ali é uma história do
Rio de Janeiro, nem entendo aquilo lá, uma coisa que não tem nada a ver com
Palmas.183

De acordo com Firmino Pacelli, a estratégia de evidenciar a presença dos


tenentes na história do Tocantins é utilizada para manter Siqueira eternamente presente
nessa história pelo evidente homônimo com o Tenente Antonio de Siqueira Campos.

Em entrevista realizada em maio de 1990 no gabinete do Palacinho e publicada


no Jornal do Brasil, Siqueira narra parte da sua trajetória e destaca a relação que teve no
passado com o Partido Comunista:

“Consegui um emprego como estafeta do Partido Comunista, em sua sede no


bairro da Glória. Acredito que ali obtive as mais importantes e profícuas
lições políticas. Convivia com João Saldanha, Oscar Niemeyer, Mario
Martins e eventualmente com o próprio Prestes.” 184

181
FIRMINO Eugenio Pacelli de Morais. Ensino de História, Identidade e Ideologia: a experiência do
Tocantins. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Goiás. Goiânia: 2003, p. 122 e 123.
182
SOARES, Marlilde Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas,
agosto de 2010. Perfil: Nasceu no Maranhão, dia 10 de setembro de 1967, foi para Palmas no final de
1992 com a mãe, deixando temporariamente os filhos no Maranhão. Estabeleceu-se em Palmas
incentivada pelo primo Adilson que já morava na cidade. Ela participou do processo de invasão da Vila
União, onde montou um barraco de lona para garantir um lote. Atualmente Marlilde trabalha como
funcionária de uma lanchonete, sua mãe reside em casa da Vila União e Marlilde, na quadra 1006 Sul.
183
SOARES, Marlilde Pereira de. Pioneira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis,
Palmas, agosto de 2010.
184
ACAMPORA, Alexandre. Escritos de Jornal. Palmas: Pró Design Comunicação, Palmas, p. 169.
130
A possível temporada no Rio de Janeiro, trabalhando como estafeta no Partido
Comunista, foi mais uma razão para a atual homenagem de Siqueira à Coluna Prestes no
Tocantins.

3.4.2. Um memorial à Coluna Prestes

O Memorial faz parte de um projeto político/cultural incentivado por Luiz


Carlos Prestes Filho, com o apoio do governador. Filho, na viagem de 1995 para
conhecer o percurso realizado pela Coluna, e entrevistou os últimos combatentes e
testemunhas daqueles acontecimentos, conforme conta em material de divulgação da
obra,

Conheci o Brasil da Coluna Prestes viajando durante todo o ano de 1995 por
suas trilhas. Entrevistei os últimos combatentes e 350 testemunhas oculares
daqueles acontecimentos. Em milhares de fotografias registrei rios, estradas,
casebres, serras, porteiras e árvores, que guardam em seus corpos as marcas
dos revoltosos. Ao pisar o chão do Tocantins, o governador José Wilson
Siqueira Campos me contou sua intenção em construir o Memorial Coluna
Prestes. Por telefone conversei com o arquiteto Oscar Niemeyer sobre o
assunto, que criou o projeto agora realizado.185

Para Siqueira campos “Tudo começou com os Dezoito do Forte de Copacabana,


Rio de Janeiro, 1922; e continuou 25 mil km Brasil adentro, com a marcha da Coluna
Prestes, de 1924 a 1927.” Assim destaca o caderno de divulgação do Memorial, com
esses argumentos o governador destacou a relevância da construção do Memorial para
cidade de Palmas.

O arquiteto Oscar Niemeyer foi grande amigo de Carlos Prestes, sobretudo pelas
afinidades políticas, de modo que sempre procurou homenageá-lo com seus projetos de
arquitetura. Em 2001, com o apoio do governador, foi construído na Praça dos Girassóis
o Memorial Coluna Prestes, um projeto que tinha sido desenvolvido por Oscar
Niemeyer para a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro e que, como não foi executado lá,
terminou sendo construído no Tocantins.186

185
Material de propaganda do Governo do Estado do Tocantins ao Memorial Coluna Prestes.
186
Entrevista realizada com Luiz Carlos Prestes Filho no dia 03 de dezembro de 2009, no Rio de Janeiro,
a respeito do projeto arquitetônico do Memorial Coluna Prestes, obra de Oscar Niemeyer na praça dos
Girassóis.
131
O memorial foi inaugurado na data comemorativa de 13 anos de criação do novo
Estado (05 de outubro de 2001) e contou com a presença da viúva e do filho de Carlos
Prestes. O prédio abriga um acervo de aproximadamente trezentas peças que
pertenceram a Luis Carlos Prestes e aos membros da Coluna, fotografias, filmes, livros,
armas, móveis, documentos diversos, dois diários particulares com reconstituição do
movimento tenentista à Revolução de 1930. O prédio possui 570 metros quadrados e
um salão destinado a exposições, um auditório, sala para exibição de vídeo e salas
administrativas. (Foto 22 e Figura 24)

Foto 22: Memorial à Coluna Prestes (Projeto do Arquiteto Oscar Niemeyer).


Fonte: Acervo Pessoal de Maurício Bentes.

132
Figura 24: Memorial à Coluna Prestes (Croqui de Niemeyer).
Fonte: Acervo da Fundação Oscar Niemeyer.

Os argumentos de Campos a respeito dessa construção foi o seguinte: “Esta


homenagem é um resgate à memória brasileira e nada melhor do que a nova capital
187
Palmas para dar este exemplo à Nação.” No Memorial é possível ver a figura de
Carlos Prestes (Foto 23) em destaque sobre uma coluna; a estátua é mais uma obra de
Maurício Bentes.

187
Almanaque Cultural do Tocantins, TO; 1999 – 2002; p. 10.
133
Foto 23: Escultura de Luiz Carlos Prestes (autor Maurício
Bentes, 2000).
Fonte: Acervo pessoal da autora (2009).

Já questionamos anteriormente a respeito da construção de um memorial em


homenagem à Coluna Prestes no recém criado estado do Tocantins. E ficou claro que o
uso simbólico desse monumento sem identidade direta com a população de Palmas e até
mesmo com a formação da recente história do Tocantins, fazem parte da tentativa de
incutir no imaginário popular a criação intencional de um mito. De acordo com
Carvalho:

Símbolos e mitos podem, por seu caráter difuso, por sua leitura menos
codificada, tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses,
aspirações e medos coletivos. Na medida em que tenham êxito em atingir o
imaginário, podem também plasmar visões de mundo e modelar condutas. 188

O governador apresenta uma conexão histórica com o Monumento aos 18 do


Forte de Copacabana, traçando possíveis intermediações com a história do Tocantins
188
José Murilo de Carvalho, op. cit, p. 11.
134
conforme subjetividades políticas e pessoais. Aqui a referência fundamental é à já citada
homonímia com o Tenente Antonio Siqueira Campos da Coluna Prestes.189

Por ter sido intencionalmente criada, projetada, Palmas representa um campo


fértil à criação de elementos legitimadores da produção historiográfica oficial
tocantinense, sobretudo a partir do imperativo desejo da construção de uma identidade.
Para o historiador francês Raul Girardet, “as grandes mitologias políticas de nosso
tempo dependem muito estreitamente dos dados políticos, sociais e culturais da situação
histórica nas quais se desenvolvem.” 190

A manipulação do imaginário social é particularmente importante em


momentos de mudança política e social, em momentos de redefinição de
identidades coletivas. Não foi por acaso que a Revolução Francesa, em suas
várias fases, tornou-se um exemplo clássico de tentativa de manipular os
sentimentos coletivos no esforço de criar um novo sistema político, uma nova
sociedade, um homem novo. Mirabeau disse-o com clareza: não basta
mostrar a verdade, é necessário fazer com que o povo a ame, é necessário
apoderar-se da imaginação do povo. Para a Revolução, educação pública
significava acima de tudo isso: formar almas. Em 1792, a seção de
propaganda do Ministério do Interior tinha exatamente este nome: Bureau de
l´Esprit.”191

Como se disse, os mitos são mecanismos que naturalizam e ocultam a realidade.


Dessa maneira, Siqueira Campos participa do imaginário coletivo como o mito criador,
um ‘formador de almas’.

3.4.3. Palácio Araguaia: a história oficial do Tocantins retratada em painéis.

Projetado pelos arquitetos Ernani Vilela e Maria Luci da Costa e construído em


1990 para atender às funções políticas e administrativas do Estado, o Palácio
Araguaia192 (Foto 24) é um prédio que, repita-se, tornou-se referência para a cidade,
tanto pela localização que exerce no desenho da cidade, quando pela arquitetura

189
Conforme já foi citado, a única referência entre Siqueira Campos e o Partido Comunista diz respeito ao
seu trabalho como estafeta na sede da Glória, no Rio de Janeiro, relatado pelo próprio Siqueira Campos
em entrevista ao Jornal do Brasil (maio de 1990). Não há registros de nenhum parentesco dele com o
Tenente Siqueira Campos que participou da Intentona Comunista.
190
GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias Políticas. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
191
José Murilo de Carvalho, op. cit, p. 11.
192
O prédio possui quatro pavimentos e um subsolo, com área útil de 14 mil metros quadrados.
135
monumental. Edson Eloy Souza elogia o caráter visual do palácio, que é marcado pelos
arcos de cerâmica de proporções variadas que apóiam um generoso beiral que circunda,
protege e sombreia toda a caixa de vidro dos espaços interiores.193

Em entrevista realizada em 2001 com os autores do plano de Palmas, Luiz


Fernando e Walfredo Antunes, pelo professor de arquitetura e urbanismo da
Universidade de São Paulo, Hugo Segawa, ficou registrado o pensamento da equipe
sobre a construção de uma obra monumental em lugar de destaque. O GrupoQuatro
afirma: “Você pode até criticar: um palácio desses não seria a primeira prioridade. Mas
o símbolo também é importante e o Palácio virou símbolo para o Tocantins. As pessoas
tem orgulho da capital, do palácio que está lá.”194

193
SOUZA, Edson Eloy. Planejar no Cerrado. Revista Arquitetura & Urbanismo. Coluna Intersecção.
Edição 159 - junho 2007.
194
SEGAWA, Hugo. Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade? Projeto: Revista Brasileira de
Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial e Construção, s. l.: n. 146, p. 94-109, out. 1991, p. 107.
136
Foto 24: Palácio Araguaia (Sede do Executivo). Projeto: Ernani Vilela, Maria Luci da Costa (Praça dos
Girassóis).
Fonte: Acervo pessoal de Maurício Bentes (2002).

O professor Fábio Duarte, funcionário público federal, ao chegar a Palmas em


2003 achou marcante a presença monumental do Palácio Araguaia, que a priori
confundiu com um estabelecimento comercial.

Quando cheguei à cidade, vindo da Rodoviária para o Centro, destacou-se o


Palácio. Cheguei a perguntar ao motorista até que horas o Shopping ficava
aberto. O Palácio se destacava pela exuberância. Destoava, na verdade. De
longe, parecia-me um shopping. Isto que me impressionou.195

Após a construção do prédio foi produzido, pela Secretaria de Cultura, um vasto


material de divulgação, nele constavam explicações de que os arcos de tijolo aparente
em sua fachada eram referência às construções coloniais de Porto Nacional, como a
Catedral Nossa Senhora das Mercês e o antigo Colégio Sagrado Coração de Jesus da
ordem dos padres dominicanos. Vilela, um dos autores do projeto, afirma que não houve

195
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 02 de
fevereiro de 2011. Perfil: Fábio nasceu em Alcântara, Maranhão, dia 24 de setembro de 1970, é graduado
em filosofia pela Universidade Federal do Maranhão (1993), possui mestrado em Filosofia Política pela
Universidade Federal de Goiás (2000) e foi aprovado em concurso público na Universidade Federal do
Tocantins e por este motivo veio morar em Palmas em 2003.
137
qualquer inspiração nas obras citadas, e que o prédio foi “pensado em estilo colonial
reeditado vista” 196, não remetendo a nenhuma obra particularmente.

Os princípios que definiram o estilo do prédio estão muito mais relacionados à


formação acadêmica de Vilela, que vivenciou em sua escola de formação (Universidade
de Brasília) o auge do movimento moderno brasileiro, cujos cânones estão expressos na
arquitetura racionalista e monumental que a própria capital federal ostenta. A influência
que esta geração de arquitetos brasileiros teve é notória nas características de suas obras.
É o caso do Palácio Araguaia (Figura 25) e demais prédios da Praça.

Figura 25: Desenho (Fachada do Palácio).


Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (1989).

O prédio depois de inaugurado passou por várias intervenções tanto na sua


fachada quanto em seu entorno, por exemplo: foram adicionados dois pórticos de cinco
metros de altura por trinta metros de largura, que seriam as entradas para
estacionamentos privativos, nos sentidos leste-oeste.

Houve também a eliminação de uma praça original elíptica (Figura 26), a adição
e depois a retirada de um monumento à Lua, além de acréscimo de elementos na
cobertura do edifício e a aplicação de painéis nas vigas do seu coroamento.

196
Carta manuscrita enviada à pesquisadora pelo arquiteto Ernani Vilela em março de 2008, contendo
detalhes sobre a sua participação em projetos da nova capital Palmas, em 1989 e 1990.
138
Figura 26: Maquete da Praça dos Girassóis.
Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (1989).

O cruzamento dos eixos que dava forma à praça elíptica (Figura 25) foi
interrompido em 1998, pois o prédio estava muito próximo da movimentada avenida e
esta conformação gerava vulnerabilidade e possibilitava reivindicações e manifestações
públicas indesejadas. Sobre este episódio, o arquiteto Pedro Lopes, que mora na capital
desde 1990, nos conta que:

O cruzamento dos eixos, hoje está interrompido, o projeto original era um


ovóide e o Palácio colocado no centro do ovóide. Isso foi retirado porque a
escala do projeto, no meu ponto de vista, não ficou adequada, ficou muito
próximo do Palácio. O Palácio se tornou uma peça vulnerável, passível de
qualquer ataque, invasão, então aquilo eu acho que despertou no governo, a
intenção de criar uma praça e se jogar a circulação no entorno. Então nós não
temos mais o eixo. No desenho original havia esse eixo de cruzamento.197

Uma das características urbanas fundamentais dos projetos modernistas


realizados em Brasília foi a liberdade com que os edifícios foram posicionados no
espaço, estando relativamente soltos no grandioso espaço do eixo monumental, como
esculturas a céu aberto, sem muros ou grades - princípios fortemente defendidos por
Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. O mesmo não ocorreu em Palmas, que além de ter a
avenida ao seu entorno fechada, também foi gradeado.

197
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
139
A localização do prédio se deu também pela escolha do ponto mais alto na
topografia. Fernando Cruvinel nos conta a maneira como o governador indicou a sua
preferência a respeito da localização do Palácio:

Fernando vem aqui amanhã que eu quero te mostrar um negócio. Eu cheguei


de carro e ele me mostrou aquele morrinho do Palácio. Olha, o governador
quer que faça o Palácio ali em cima e faça uma avenida de 300 metros
chegando no Palácio e o Walfredo brincando disse assim: “olha, eu sabia que
construção que se fazia em morro era igreja”.198

A relação entre espaço e poder sempre existiu na construção de cidades, desde os


mais remotos tempos até os dias atuais. Para Geraldo Serra “os significados, por tanto,
vão sendo impresso aos símbolos, ao longo do tempo, na construção do espaço urbano,
mas já aproveitando as situações do espaço natural.” 199

Sobre as interferências constantes de Campos no projeto, Walfredo Antunes


relata o mesmo fato com mais detalhes, veja a reportagem publicada no Jornal do
Tocantins de 20 de maio de 2000.

Ele conta também que, na segunda vez que esteve no local onde seria
construída a nova Capital, foi recebido pelo emissário do Governador, senhor
Luiz Cajazeira, que disse: - Olha, o Governador decidiu que é pra colocar o
Palácio Araguaia em cima daquele morrinho ali. “Nós dissemos que iríamos
conversar em seguida com o Governador sobre os aspectos técnicos, mas aí o
Cajazeira nos retrucou, lembra Walfredo. - Ó moço! Nós estamos nos
encontrando hoje, eu não conheço o projeto e nem o senhor. Mas eu conheço
o Siqueira há muito. Se ele tá arrumando um jeito de fazer uma Capital aqui e
se ele falou que o Palácio tem que ficar ali, é melhor o senhor não mudar o
lugar porque senão é capaz de mudar de técnico.200

A ordem para que a localização do Palácio Araguaia ficasse “em cima daquele
morrinho” indicado pelo governante foi diretriz seguida pelos urbanistas, como
podemos constatar na conclusão da narrativa de Antunes:

“Isso ficou na minha cabeça porque estávamos eu e o Fernando Cruvinel


ainda em dúvida entre dois lugares. De fato o Governador realmente já havia
escolhido aquele lugar e nos contou com entusiasmo”, conta Walfredo,
acrescentando que a partir daquela localização, todo o projeto foi acomodado
a partir da localização do Palácio.201

198
TEIXEIRA, Luiz Fernando Cruvinel. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas: 24 de setembro de 2009.
199
SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo: Nobel, 1936, p. 15p.
200
Jornal do Tocantins - 20 de maio de 2000.
201
Idem.
140
Mas, além das relações de posição e de dimensão no espaço, a forma das
edificações será determinada pelo seu conteúdo simbólico, pelo seu significado. É o que
afirma o historiador americano Lewis Munford:

“As pesadas paredes de argila bem cozida ou de sólida pedra davam às


efêmeras funções do Estado a certeza de estabilidade e segurança, de poder
ininterrupto e de autoridade inabalável. O que hoje chamamos de “arquitetura
monumental” é, antes de tudo, bem como num domínio de todos os estilos de
acessórios sagrados, grandes leões, touros e águias, com cujas poderosas
virtudes o chefe do Estado identifica suas próprias capacidades mais frágeis”
202

Os painéis de Bentes em auto-relevo (Foto 25), denominados de “frisas” no


projeto que originou a sua criação, são sucessivas imagens monocromáticas a céu
aberto, feitos em fibras de vidro e gravadas nas vigas de concreto do Palácio. São
painéis que contam a História Oficial do Tocantins.203

Foto 25: Detalhe em autorrelevo mostrando a primeira missa realizada em Palmas, no


momento da instalação da Capital, em 20 de maio de 1989. Autor do Painel: Maurício
Mendes (1958-2004).
Fonte: Acervo pessoal (2008).

202
MUNFORD, Lewis. A cidade na História. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 115.
203
Para este estudo foram consultadas duas pessoas que tiveram relação direta com a idealização dos
painéis: Kátia Rocha (Secretária de Cultura no período de 1999 a 2003) e o Desembargador Marco
Antony Villas Boas (pertencente à Academia Tocantinense de Letras), organizador do texto no qual o
escultor Maurício Bentes (1958 – 2004) se baseou para a confecção dos painéis.
141
A história do povoamento e colonização do território que hoje constitui o Estado
do Tocantins é contada em quarenta e oito cenas que representam a entrada dos
bandeirantes, os dias da fundação da capital e lançamento de sua pedra fundamental. A
composição das cenas nos painéis procurou obedecer à “cronologia histórica”. De
acordo com o historiador inglês Peter Burker:

Imagens têm sido utilizadas com freqüência como um meio de doutrinação,


como objetos cultos, como estímulos à meditação e como armas em
controvérsias. A iconografia era importante na época porque imagens eram
uma forma de ‘doutrinação’ no sentido original do termo, a comunicação de
doutrinas religiosas. As observações do Papa Gregório, o Grande, sobre o
assunto (c. 540-604) foram repetidamente citadas ao longo dos séculos.
Pinturas são colocadas nas igrejas para que os que não lêem livros possam
‘ler´olhando as paredes”.204

Nesta outra obra, a arte mais uma vez fortalece o vinculo entre arquitetura e o
discurso político. Mais um artista é convidado a ilustrar a historiografia oficial
tocantinense: D.J. Oliveira (1932-2005)205. Dois grandes painéis foram fixados nas
paredes do hall de entrada do Palácio Araguaia (Fotos 26 e 27). O primeiro representa a
história do antigo Norte de Goiás, no Período Colonial; o segundo representa a história
do Tocantins, no Período Republicano. As obras foram encomendadas no governo de
Siqueira Campos.

204
BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: A Construção da Imagem pública de Luís XIV. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 59.
205
D.J. Oliveira nasceu em Bragança Paulista, São Paulo (1932), chegou em Goiânia em 1956, falecendo
na mesma cidade em 2005. De 1961 a 1972 lecionou Pintura, Desenho e Gravura na Escola Goiana de
Belas Artes da Universidade Católica de Goiás. Foi gravador, cenógrafo, figurinista, professor, desenhista
e pintor, ele se definia ‘apenas e fundamentalmente um pintor’.
142
Foto 26: Painel 1- História do Antigo Norte de Goiás, Período Colonial (2002).
Fonte: Acervo pessoal (2009).

Foto 27: Painel 2 - História do Tocantins, Período


Republicano (2002).
Fonte: Acervo pessoal (2009).
143
No painel 2 a figura do Governador Siqueira Campos aparece quatorze vezes,
como personagem principal dos quadrinhos, comparado a Teothônio Segurado que
ilustra o outro painel de mesmas dimensões no mesmo ambiente (Foto 28).

Foto 28: Painel 2: em destaque as referências ao governador do Tocantins (2002).


Fonte: Luis Hildebrando Paz (2010).
Os painéis de D.J. Oliveira e auto-relevos são exemplos de como um
monumento arquitetônico pode ser utilizado como ‘instrumento de divulgação’ da
história ou até mesmo como uma tentativa política de construção de uma ‘identidade
tocantinense’. Textos retirados de material propagandístico do Estado, no ano de 2002,
trazem um conteúdo muito simbólico a respeito das obras executadas pelos artistas. Veja
um exemplo:

Com estilo moderno que vai do expressionismo ao cubismo, D.J. Oliveira


deixa gravado nas paredes do Palácio Araguaia, em extenso documento
artístico, que descreve com surpreendente riqueza de detalhes a saga dos
desbravadores pela Criação do Tocantins. São dois Painéis de 65 metros
quadrados. Ao todo são 1.600 placas em cerâmica nas cores ocre, vermelha,
azul e verde, revivem da ocupação até a instalação e consolidação da Capital
do novo Estado da Federação, 1990 a 2000. 206

206
ALMANAQUE CULTURAL DO TOCANTINS, ANO 04, DEZEMBRO – 2002, EDIÇÃO
ESPECIAL. Retrospectiva da Cultura. 7 anos com você! De outubro de 1999 a dezembro de 2002, trinta e
sete edições.
144
Mas a partir de quando é possível falar de uma historiografia individual ao
estado Tocantins? Talvez a resposta mais lógica e convincente precise reportar-se ao
tempo em que o atual território era povoado pelos índios Xingus e Txucarramães, antes
do ‘Descobrimento’ do Brasil. Será? Ou quando o Estado foi desmembrado de Goiás em
1988?! Carvalho nos esclarece que:

A elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer


regime político. É por meio do imaginário que se podem atingir não só a
cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as
esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e
objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro.
207

O governador lançou mão desse recurso utilizando os artistas para tais fins.
Oliveira e Bentes produziram símbolos para o novo Estado. Basta uma superficial
analise nas imagens que seguem (Fotos 29 e 30).

Foto 29: Deputado Siqueira Campos em emblemática greve de fome para


aprovar o projeto de criação do Tocantins (Painel de Maurício Bentes,
2002).
Fonte: Acervo pessoal (2008).

207
José Murilo Carvalho; op. cit. p. 10. .
145
Foto 30: Deputado Siqueira Campos greve de fome para aprovar o projeto de
criação do Tocantins (Painel de Dj Oliveira, 2002).
Fonte: Acervo pessoal (2008).

As imagens acima retratam um aspecto da vida do governador, sobretudo a


popularizada greve de fome utilizada como artifício para a criação do Estado. O trecho
que segue narra o fato em documento oficial produzido pelo próprio governo.

Em protesto contra o segundo veto do presidente e deputado Siqueira


Campos iniciou greve de fome, chamando a atenção da mídia de todo o país e
sensibilizando a opinião publica em favor da criação do estado do Tocantins.
Certamente, nesse momento histórico, estiveram ao seu lado, em espírito,
todos os homens que faleceram sonhando com o Tocantins, dando-lhe forças
para seguir avante. Com a promessa de que a matéria voltaria a ser discutida
na Assembléia Nacional Constituinte, Siqueira abandonou a greve de fome e
saiu em campo novamente para mobilizar as lideranças e a população
nortense. Instalada a Assembléia Nacional Constituinte em 1.987, o Deputado
Siqueira Campos, ainda mais fortalecido em sua luta, amparado pela
crescente vontade popular e conseguindo, através de suas estratégias
políticas, negociar e aglutinar lideranças partidárias, entregou ao Deputado
Ulisses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, um
Projeto de Emenda Constitucional para a criação do Estado do Tocantins, que
desta vez foi aprovada.208

208
VILLAS BOAS, Marcos Antony. Projeto Frisa, A História do Tocantins contada em alto relevo nas
vigas do Palácio Araguaia. Academia Tocantinense de Letras. Acadêmico Desembargador Marco Villas
Boas, Palmas, 20 de dezembro de 2.002.
146
Em mais uma analogia com a obra de Peter Burke, A Fabricação do Rei: A
Construção da Imagem pública de Luís XIV, em que autor analisa a imagem publica de
Luis XIV, o lugar que o rei ocupa na ‘imaginação coletiva’. É possível, ainda, fazer um
paralelo entre arte e política na fabricação de um grande homem, imagem esta que
estava sob constante revisão e serviu de modelo para outros monarcas. Segundo Burke,
ninguém melhor do Luiz sabia “como vender suas palavras, seu sorriso, até seus
olhares.”

Podemos aqui citar os termos destacados por Burke, para entender como
funciona a construção da imagem de Campos, exemplo: ‘estado de teatro’, ‘fabricação’,
‘mitificação’, ‘propaganda’, ‘imagem’, ‘a feitura de um grande homem’, “construção
simbólica da autoridade”, ‘estudo do mito’, ‘representação’. O teórico social
Montesquieu, que cresceu no reinado de Luis XIV, fez um comentário que vale
destacar: “o fausto e o esplendor que cercam os reis são uma parte do seu poder.”

Imagens eram feitas “com o objetivo de atingir crianças e pessoas simples”,


como foi dito por Martinho Lutero “que estão mais facilmente inclinadas a
recordar a história sagrada através de pinturas e imagens do que através de
meras palavras ou doutrinas”.209

Os painéis do Palácio Araguaia não transmitem com clareza a história oficial,


pois os desenhos retratados neles não são tão nítidos, devido a distancia a que foram
fixados do público e devido a própria grade que impede a aproximação com o prédio.

A idéia de que pinturas eram a Bíblia dos analfabetos tem sido criticada com
base na consideração de que muitas imagens nas paredes de igrejas eram
excessivamente complexas para serem compreendidas por pessoas
comuns.210

O mito de “Pai Fundador” creditado ao primeiro governador é assegurado nos


aspectos culturais, sociais e políticos da construção da identidade oficial do Tocantins;
em atividades musicais, pela historiografia oficial, passando pela elaboração do material
didático ensinado nas escolas, com a distribuição de cartilhas cujo personagem principal
era o próprio governador, são confeccionados materiais de divulgação dos monumentos
da cidade patrocinados pelo Estado, em cuja figura de Campos ganha destaque. O
próprio hino do Estado contém o personalismo.

209
Peter Burke, op. cit., p. 68.
210
Ibid. p. 60.
147
De Segurado a Siqueira o ideal seguiu
Contra tudo e contra todos firme e forte,
Contra a tirania
Da oligarquia,
O povo queria
Libertar o Norte!

A dissertação de mestrado de Eugenio Firmino, intitulada Ensino de História,


Identidade e Ideologia: a experiência do Tocantins é bastante esclarecedora nestes
aspectos da construção do mito fundador. A opinião de Firmino a respeito do período
que vai de 1989 a 2002 é que:

No âmbito da memória histórica oficial, durante esses dez anos, a lógica do


esforço das ações do governo Siqueira Campos foi a mesma da que ele
buscou antes da criação do estado: a lógica da persistência. Ou seja, parece
que a lógica do seu projeto pessoal foi, entre outras coisas, destinar todo o
empreendimento possível para eternizar-se como verdadeiro herói do
Tocantins. Já no seu primeiro governo (1989-1990), produziu-se e divulgou-
se o diagnóstico oficial “Tocantins”. Nesse texto, uma espécie de balanço
elaborado em forma de encarte informativo, consta, na primeira página, sua
foto, estando acima dela a frase “Tocantins, uma epopéia de persistência e
fé.” 211
Outra análise possível diz respeito às imagens dos governantes, para Burke elas
são feitas em estilo triunfante. Por exemplo, Augusto, antes chamado de Otávio, foi
retratado de forma idealizada a partir de 27 a.C. A mais conhecida de suas imagens é a
estátua de mármore em tamanho maior do que o natural que atualmente se encontra no
Museu Gregoriano Profano (Foto 31).

Nessa imagem memorável, Augusto é representado usando uma armadura,


segurando uma lança ou um estandarte e levantando a mão como se estivesse
proclamando vitória. Os pequenos detalhes da cena representada na sua
couraça reforçam a mensagem, para espectadores que se encontrem perto o
suficiente para vê-los, que mostram os Partas derrotados devolvendo os
estandartes romanos que eles haviam capturado anteriormente. Os pés
descalços do soberano não são um sinal de humildade, como pode pensar o
espectador moderno, mas um meio de assimilar Augusto a um deus. Durante
seu longo reinado, a imagem oficial de Augusto permaneceu a mesma, como
se o imperador tivesse descoberto o segredo da eterna juventude. 212

211
FIRMINO Eugenio Pacelli de Morais. Ensino de História, Identidade e Ideologia: a experiência do
Tocantins. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Goiás. Goiânia: 2003, p. 55.
212
Peter Burke, op. cit., p. 83.
148
Foto 31: Estátua do Imperador Augusto 63 a. C. – 14 d. C. Pedra. Museu Gregoriano Profano, Roma.
Fonte: BURKE (2008), p. 82.

Foto 32: Estátua de Siqueira Campos.


Fonte: Acervo pessoal de Wanda Bentes (2008).

149
A foto da estátua de Campos (Foto 32) confeccionada pelo artista Maurício
Bentes faz parte do acervo fotográfico da mãe do artista, Wanda Bentes, em sua
residência no Rio de Janeiro. Wanda Bentes informou que esta obra não foi concluída,
tendo sido feito apenas um protótipo em tamanho real, cuja localização atual ela não
sabe informar.

Imagens de governantes são freqüentemente em estilo triunfante. A clássica


iconografia do triunfo expressada em ritual, bem como em escultura e
arquitetura, incluía arcos, tal como o Arco de Constantino em Roma, e
também um número de detalhes decorativos, como coroas de louro, troféus,
desfiles e personificações de vitória (uma mulher alada) e fama (uma figura
com uma trombeta).213

As crianças da rede pública do Tocantins também aprendiam desde pequenas que


no estado havia um herói vivo. O jornal O Globo de 23 de agosto de 1998 trazia o
seguinte título, no artigo de João Domingos: “Siqueira Campos, herói segundo ele
mesmo - Ex-governador do Tocantins, candidato pela terceira vez, distribui revista nas
escolas contando como criou o estado. Os alunos receberam uma revista em quadrinhos
de 32 páginas, na qual é contada a história de Tocantins. O personagem principal é
Siqueira Campos: claro.214

A revista contava a trajetória de Siqueira desde quando saiu do Ceará para


Colinas de Goiás, hoje Colinas do Tocantins, elegendo-se vereador em 1965 e deputado
federal no período de 1971 a 1988. (Figura 27).

213
Idem.
214
Jornal o Globo. O País. “Siqueira Campos, herói segundo ele mesmo”. Rio de Janeiro, 23 de agosto
de 1998.
150
Figura 27: Cartilha direcionada às crianças da rede pública do Tocantins.
Fonte: O Globo (Agosto de 1998)

A relação do mito com a história é muito vasta, como pudemos verificar nas
imagens personalistas e de auto-referência mostradas nesse tópico. A seguir trataremos
da opulência arquitetônica que corroborou para a construção do discurso.

151
3.4.4. Assembléia Legislativa, Palácio da Justiça e Secretarias do Estado

A arquitetura dos prédios públicos presentes na praça central representam a


ordem, a hierarquia, a monumentalidade e o racionalismo, características do poder do
Estado. Ocupando lugar de destaque, os prédios do poder legislativo, judiciário e as
secretarias gravitam em torno do prédio principal, o Palácio do Governo, localizado
intencionalmente, como já foi dito, na cota mais alta do terreno e no centro da praça.

Foto 33: Palácio Feliciano Machado Braga (Sede do


Judiciário).
Fonte: Acervo pessoal (2009).

Foto 34: O Palácio Deputado João D´Abreu (Sede do


Legislativo).
Fonte: Acervo pessoal (2009).

152
Foto 35: Secretaria Estadual (1990).
Fonte: Acervo pessoal (2009).

Os prédios do Tribunal de Justiça (Figura 33) e da Assembléia Legislativa (Foto


34) são projetos de Manoel Balbino de Carvalho Neto e de Luiz Fernando Cruvinel
Teixeira respectivamente, ambos construídos em 1990. Os prédios possuem a forma de
prismas regulares, tem um caráter horizontal na paisagem da praça, ou seja, uma
característica que confere peso e sensação de estabilidade estrutural, além do que a
identidade arquitetônica se completa pela utilização de tijolo aparente e concreto em
quase todas as fachadas. Projeto de Ernani Vilela e Maria Luci, os prédios das
secretarias do Estado (Foto 35 e Figura 28) possuem plantas semelhantes, similares a
“contrafortes com floreiras em tijolos à vista”.215

215
VILELTA, Ernani Vilela. Arquiteto e urbanista de prédios institucionais da Praça dos Girassóis.
Correspondência eletrônica trocada com autora da tese durante o ano de 2008.

153
Figura 28: Perspectiva (Secretaria).
Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (1989).

A presença de elementos como brises, pergolados, jardins internos e superfícies


espelhadas demonstram o mínimo de preocupação com as condições climáticas do
lugar, embora internamente sejam utilizados sistemas de acondicionamento artificial.
Para o arquiteto Edson Eloy Souza, por exemplo, o prédio da Assembléia Legislativa:

“Como os demais edifícios da praça, o partido utilizado para sua solução


volumétrica leva em conta a criação de um sombreamento com expressivos
quebra-sóis verticais, complementados por pérgulas e abas destinados a
amenizar os rigores do clima diretamente sobre as áreas de trabalho e
circulação. Dois generosos pátios internos pergolados fazem a transição do
exterior para o interior. Três pavimentos administrativos superiores em
plantas que formam um H com os vazios dos pátios e um subsolo destinado
ao plenário resolvem o programa arquitetônico.” 216
A escala monumental é a característica mais notável da linguagem arquitetônica
da Praça dos Girassóis, os prédios possuem um caráter palaciano que lembram a
disposição e a grandeza do eixo monumental do Plano Piloto de Brasília. Para o
arquiteto Pedro Lopes existe um formalismo e uma estética predominante na arquitetura
oficial do Estado, segundo ele:

216
SOUZA, Edson Eloy. Planejar no Cerrado. Revista Arquitetura & Urbanismo. Coluna Intersecção.
Edição 159 - junho 2007.
154
Basta você observar a tipologia dos edifícios, seus materiais, cores, linhas,
formas, então existe sim esse formalismo, foi intencional inclusive o desenho
disso, para que tivesse uma família de edifícios que caracterizasse a cidade
administrativa. Pensou-se uma época em evitar uma certa critica, por parte de
alguns que vieram visitar Palmas, que aquilo seria uma arquitetura paulista,
concreto, tijolo aparente, vidros, brises, pisos elevados, canteiros elevados,
com plataformas inclinadas com talude, então se caracterizava com a
arquitetura paulista da década de setenta. 217

A iconografia pesquisada nos acervos da Casa da Cultura (Palmas), do


GrupoQuatro (website do escritório), nos arquivos pessoais do arquiteto paulista Ernani
Vilela mostra que existia um projeto urbano muito mais complexo da Praça dos
Girassóis do que o atual, que foi executado apenas em parte.

3.4.5. Projetos não executados do plano original da Praça dos Girassóis.

No projeto inicial da praça realizado pelo GrupoQuatro (Figura 29) estavam


previstos além dos prédios já mencionados outros que não foram construídos, são eles:
o Museu do Tocantins (1), a Praça da Cultura (3), Catedral (4) e o Centro Cultural (5). É
possível notar, também, que os prédios das secretarias tinham rebatimento em ambos os
lados da praça, oito de cada lado (observar o lado esquerdo e o direito da figura), sendo
que os prédios do setor sudeste nunca foram construídos. Atualmente temos oito de um
lado e quatro do outro. A imagem mostra, ainda, a extinta avenida que cruzava a praça
até o ano de 1998, mas que logo foi fechada a pedido do governador, conforme foi
mostrado em item anterior.

217
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.

155
Figura 29: Praça dos Girassóis (1989).
Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (2008).

O arquiteto Ernani Vilela descreve os ‘projetos ausentes’ de sua autoria da


seguinte forma: a Catedral (4) foi pensada como uma ‘borboleta pousada na água’, o
Museu do Tocantins (1) como ‘uma flor de água’ (Figura 30), a Praça da Cultura (3)
representaria ‘os quatro elementos da natureza: ar, água, terra e fogo representados em
quatro baixos troncos de pirâmide’218.

218
VILELA, Ernani. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Correspondência
Eletrônica. 2008.

156
Figura 30: Perspectiva do Museu do Tocantins. Projeto de Ernani Vilela, Maria Luci e Maria Esther.
Fonte: Acervo pessoal de Ernani Vilela (1989).

O primeiro projeto da Catedral de Palmas foi idealizado pelos arquitetos Ernani


Vilela e Maria Luci, (marcado como número quatro na figura 29), no desenho original
da praça.

Posteriormente, a construção do prédio tornou-se objeto de grande polêmica


dentro da comunidade religiosa de Palmas, devido ao privilégio de sua localização na
principal praça da cidade, servindo à apenas uma crença religiosa, aos devotos do
catolicismo – o que provocou reivindicações das demais religiões presentes na capital.

No Palácio Araguaia está em exposição uma grande maquete da praça, onde é


possível notar outro projeto de Catedral (Foto 36) no mesmo lugar, só que de volumetria
bem diferente a do projeto original, conforme a foto a baixo.

157
Foto 36: Catedral de Palmas (Maquete em Exposição no Palácio Araguaia.)
Fonte: Acervo pessoal (2009).

Essa situação até 2011 é de grande improviso. É possível ver parte da fundação
do templo inacabada e logo ao lado tendas armadas, onde aos domingos os católicos se
encontram para a celebração de ritual religioso. Tomemos o depoimento do arquiteto
Pedro Lopes, que tem acompanhado algumas das polêmicas que cercam determinados
prédios públicos da capital:

É uma questão de principio de quem projeta e do contexto onde este projeto


vai ser implantado. A época de Brasília, Brasil um país católico, com todo
direito, lá está a catedral margeando aquele grande eixo administrativo,
ótimo. Palmas assemelhada à Brasília por concepção de cidade
administrativa, o que vamos ter nesta grande praça? Uma catedral. Ah, é
cópia de Brasília? Não, é uma necessidade, o povo é um povo católico, mas
no contexto de hoje há uma diversidade muito grande de crenças,
evangélicos, presbiterianos, espíritas, católicos, o porque da construção disso
ainda vai gerar alguns problemas pra comunidade de Palmas. Porque os
evangélicos não têm uma igreja? Porque os presbiterianos não têm? Porque
só o católico é que têm? Então essa coisa já fugiu das mãos dos autores de
projetos.219

O projeto original da praça sofreu inúmeras interferências ao longo dos


primeiros anos após a criação de Palmas. A descontinuidade com o plano original

219
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
158
também é notada com a troca do projeto da catedral, primeiramente pensada como parte
do conjunto cívico da cidade e, que, a priori foi realizado pelos arquitetos Ernani Vilela
e Maria Luci e atualmente consta em maquete pública com outra forma não
oficialmente informada à população.

As ausências também nos contam histórias, ‘não estar’ é condição importante


para o questionamento. O prédio religioso, previsto no desenho em perspectiva
produzido pelo GrupoQuatro (1989), não foi construído. A falta também pode ser um
fato visual (neste caso a ausência fala), sobretudo quando se trata da principal praça de
uma cidade. O projeto ter simplesmente sido substituído por outro, sem qualquer
explicação pública e notória chama a atenção dos mais atentos à construção dessa
história social. As ausências podem ser confirmadas pelo simples exame das fontes
iconográficas aqui apresentadas e a comparação por simples observação do que hoje
está construído na Praça dos Girassóis.

159
CAPITULO 4 - A memória dos lugares praticados e seus subterrâneos no espaço
ad infinitum de Palmas

O urbanismo está na moda, afirma Henri Lefèbvre. As questões e reflexões


urbanísticas saem dos círculos dos técnicos, dos especialistas, dos intelectuais que
pretendem estar na vanguarda dos fatos e passam ao domínio público através de artigos
de jornais e de livros de alcance e ambição diferentes.220

Este último capítulo abordará o cotidiano do sujeito, a fim de concentrar-se à


análise da cidade no plano da contemporaneidade, da compreensão dos sentidos de
apropriação do espaço, da vivência e experimentação da novidade. Atentar-se-á à
cidade, no que ela se tornou para além do plano pretendido.

Trata-se das apropriações e ressignificações plurais dos símbolos e emblemas


arquiteturais pelas pessoas comuns, os cidadãos de Palmas – buscando memórias
subterrâneas formadas, a partir da criação do Estado e da construção de sua capital, dos
primeiros passos da nova urbe e dos mais recentes, os quais movimentam as
territorialidades através das suas próprias falas, tendo em vista a ideia de que um lugar é
sempre um lugar vivido, praticado, como afirma Michel de Certeau. Neste capítulo
serão analisadas as várias territorialidades e vivências que dão sentido a esse lugar.

220
LEFEVBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999; p. 9.
160
4.1. A fala dos passos perdidos

A caminhada afirma, lança suspeita, arrisca, transgride, respeita etc; as


trajetórias que “fala”. Todas as modalidades entram aí em jogo, mudando a
cada passo, repartidas em proporções, em sucessões, e com intensidades que
variam conforme os momentos, os percursos, os caminhantes. Indefinida
diversidade dessas operações enunciadoras. Não seria, portanto, possível
reduzi-las ao seu traçado gráfico.221

O historiador italiano Giulio Carlo Argan, ao analisar o quadro de percursos de


uma cidade, comentou que se por hipótese absurda pudéssemos levantar e traduzir
graficamente o sentido da cidade resultante da experiência inconsciente de cada
habitante e depois sobrepuséssemos por transparência todos esses gráficos, obteríamos
uma imagem muito semelhante a um quadro de Jackson Pollok (Figura 31).

Uma espécie de mapa imenso, formado de linhas e pontos coloridos, um


emaranhado inextricável de sinais, de traçados aparentemente arbitrários, de
filamentos tortuosos, embaraçados, que mil vezes se cruzam, se interrompem,
recomeçam e, depois de estranhas voltas, retornam ao mesmo ponto de onde
partiram. Mesmo se nos divertíssemos traçando em um vasto mapa
topográfico da cidade os itinerários percorridos por todos os seus habitantes e
visitantes em um só dia, uma só hora, distinguindo cada itinerário com uma
cor, obteríamos um quadro de Pollock ou de Tobey, só que infinitamente mais
complicado, com miríades de sinais aparentemente privados de qualquer
significado.222

Quando comparamos o número de conexões feitas pelas linhas formadas pelos


passos dos pedestres em uma cidade tradicional (Figura 32), com vida mais dinâmica,
percebemos a miríade de intersecções possíveis, resultado do cruzamento dessas
trajetórias. Sobre a triagem feita pelos pedestres Certeau afirma que:

O pedestre cria assim algo descontínuo, seja efetuando triagens nos


significantes da “língua” espacial, seja deslocando-os pelo uso que faz deles.
Vota certos lugares à inércia ou ao desaparecimento e, com outros, compõe
“torneios” espaciais “raros”, “acidentais” ou ilegítimos.

221
Michel de Certeau, op. cit. p. p. 179.
222
ARGAN, Giulio Carlo. O espaço visual da cidade. In: História da Arte como História da Cidade. São
Paulo: Martins Fontes, 1995; p. 231.
161
Em Palmas as trajetórias são restritas e pouco interativas. A partir de uma
simples comparação das imagens estampadas a seguir mostra que o traçado dos passos
de pedestres de Palmas (Figura 33) está mais para uma tela de Mondrian (Figura 34) do
que propriamente de Pollock, veja as imagens.

Figura 31: Jackson Pollock, Número 1, 1950 (Névoa Azul-Lavanda) National


Gallery of Art, Washington, D.C.
Fonte: GARIFF, David, 2008, p. 172.

Figura 32: Lisboa no Século XVI


Fonte: DELSON (1997), p. 62.

162
Figura 33: Previsão da cidade de Palmas para 2010.
Fonte: Acervo digital do GrupoQuatro (1989).

Figura 34: Piet Mondrian, Composição, 1929 (Óleo sobre tela) Belgrado,
Museu Nacional.
Fonte: PRETTE (2008), p. 335

163
O desenho do plano feito pelo GrupoQuatro, conforme mostra a Figura 33, é
uma previsão de como a cidade ficaria em 2010. Ao lado temos um desenho da cidade
de Lisboa, século XVI, cujo desenho é orgânico e espontâneo.

Nota-se no desenho de Palmas que os circuitos cartesianos de locomoção e a


malha urbana setorizada não permitem tantos encontros e desencontros de caminhantes.
Quando comparada a uma malha de cidade antiga, percebe-se que a escala monumental
da cidade desenhada em matriz matemática, composta de largas avenidas e grandes
distâncias desestimula e subestima o simples ato secular de caminhar. Ato que gera
laços de sociabilidade e torna a vida urbana mais rica em decorrência dele. É como
muito bem percebeu a Jornalista Madeleine Buntin:

O espírito da cidade é formado pelo acúmulo de minúsculas interações


cotidianas com o motorista do ônibus, os outros passageiros, o jornaleiro, o
garçom do café; das poucas palavras, dos cumprimentos, dos pequenos gestos
que aplainam as arestas ásperas da vida urbana.223

A nova dinâmica formada pela dimensão espacial do projeto de cidade pouco


densa e muito espalhada desconectou certos lugares e os tornou vazios, lugares mortos,
espaços descaracterizados e impessoais, a que não lhes são atribuídas quaisquer tipo de
características pessoais, ou seja, espaços de anonimato no quotidiano.

4.2. Cidade planejada versus cidade construída

As críticas de Jane Jacobs224, publicadas em 1961, em seu livro ‘Morte e Vida de


grandes cidades’ (do original The Death and Life of Great American Cities), ao
planejamento urbano ‘moderno ortodoxo’ do século XX, permanecem tão
contemporâneas e cheias de força ainda neste início de século XXI. Tanto são atuais,
que a leitura desse livro deveria tornar-se obrigatória àqueles que enveredam no campo
do planejamento e gestão de cidades, mesmo que suas tiradas, vistas como ofensiva,
dividam as opiniões de renomados intelectuais - acirrando ânimos e gerando polêmicas.

223
Butin apud Bauman, p. 88.
224
Jane Jacobs (1916-2006) foi uma escritora norte-americana naturalizada canadense, ativista política,
jornalista e economista autodidata, colaboradora e mais tarde editora associada da revista Architectural
Forum.
164
Os planos e práticas modernistas, baseadas nos princípios do mestre franco suíço
Le Corbusier, das quais Jacobs tornou-se ferrenha combatente ganharam grandes
dimensões na criação de cidades ex nihilo, ou seja, criadas a partir do nada, da estaca
zero. Em seguida serão abordados alguns tópicos, como a rua, o uso das calçadas, as
faixas para pedestres, o sistema de comunicação visual, as quadras, os vazios urbanos, a
questão dos muros, as praças públicas, a segregação socioespacial e a paisagem natural
de Palmas.

4.2.1. A rua

O artigo Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade, publicado por Hugo
Segawa, em 1991, na revista Projeto, tornou-se referência nas pesquisas sobre o plano
urbanístico da cidade, por ser um dos primeiros trabalhos publicados sobre o
planejamento da nova capital. Nele, o autor entrevista os arquitetos responsáveis pelo
projeto, além de destacar detalhadamente os princípios que embasaram a concepção
urbanística da dessa capital. Um trecho mostra a intenção dos arquitetos quanto ao
funcionamento do sistema viário:

O sistema viário de Palmas foi planejado para atender cinco objetivos


básicos: a segurança do pedestre, a eficiência da circulação de pessoas e
mercadorias, o custo econômico da infra-estrutura urbana, a ventilação das
edificações e a preservação das matas ciliares existentes ao longo dos
ribeirões que cortam a área urbana.225

Jacobs destaca três qualidades principais que uma rua urbana deve ter para
garantir a vitalidade e a segurança do cidadão. Primeiramente, ela deve estabelecer
demarcação nítida entre o espaço público e o espaço privado. Espaço público e privado
não devem, de modo algum, confundir-se, como ocorre entre subúrbios e conjuntos
habitacionais. No desenho urbano das ruas de Palmas, espaços públicos e privados
foram muito bem definidos pelas regras urbanísticas de um traçado convictamente
ortogonal.

Em segundo lugar há necessidade de ‘olhos para vigiar a rua’, aos seus


proprietários naturais. Também os edifícios que margeiam a rua devem ficar voltados

225
SEGAWA, Hugo. Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade? Projeto: Revista Brasileira de
Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial e Construção, s. l.: n. 146, p. 94-109, out. 1991, p. 96.
165
para ela. Não devem nem virar-lhe as costas, nem oferecer-lhe uma fachada cega. Neste
ponto me vem à mente, como num eco longínquo, o poeta grego Konstantinos Kaváfis
(1863-1933), com seu poema “Muros”:

Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,


Ergueram à minha volta altos muros de pedra.

E agora aqui estou, em desespero, sem pensar


Outra coisa: o infortúnio a mente me depreda.

E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!


Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.

Não ouvi voz pedreiro, um ruído que fora.


Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.226

O desenho das quadras de Palmas privilegia sua área central, de modo que as
fachadas das casas se voltam para o interior das quadras. Dessa maneira, as vias
secundárias, que circundam as quadras, têm como visual a imagem dos muros dos
fundos das edificações. (Foto 37)

Foto 37: Fachada cega dos muros dos fundos das residências, na
quadra 203N.
Fonte: Acervo pessoal (2009).

226
KAVÁFIS, Konstantino. Poemas. Seleção, estudo crítico, notas e tradução de José Paulo Paes. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p.105.
166
Essa situação, criada com base em regras urbanísticas, contribuiu para uma a
paisagem urbana fechada e repetitiva, além de gerar um entorno inseguro. Essa maneira
de edificar motivou ou se conjugou para ao que Jacobs pontuou como condição propícia
‘à falta de vida urbana nas cidades planejadas’. Ao observar estes fatos, o professor
Fábio Duarte questiona o projeto urbanístico de Palmas:

Qual planejamento? A cidade foi feita para os automóveis, para os


deslocamentos. Quadras que não se comunicam, que se fecham sobre si
próprias. As quadras não se abrem para as vias. Elas se fecham como se
fossem auto-suficientes. Não há esquinas. Não há a cultura de rua.227

O arquiteto Hildebrando Paz, narra uma curiosa história sobre a visita do seu
sobrinho à capital e as primeiras impressões do menino ao chegar à cidade nova.

É a história de um menino que veio para Palmas e perguntou paro o tio dele
porque é que tinha tanto cemitério na cidade. O fato é que o menino morava
no interior, onde o único local cercado, murado era o cemitério, então ele viu
uma grande quantidade de muros na capital e associou rapidamente às suas
memórias de criança. E isso é algo que considero ruim para a nossa cidade.228

Hildebrando sempre esteve envolvido nas questões urbanas da cidade, pela


própria motivação profissional que o trouxe ao Tocantins em 1989 e quando
questionado sobre o motivo da presença de tantos muros em volta das quadras ele
explica:

Existe uma hipótese para este fato, a Lei Municipal de Código de Obras
proibia o muro, você poderia fazer muro em frente de casa, mas com 1 metro
de altura só e o restante seria gradil. Depois entrou um secretário de finanças
na Prefeitura em 1995 que bolou uma mudança na legislação do IPTU, onde
incentivava o muro. Foi essa lei que incentivou o muro, quem fazia muro
ganhava desconto de IPTU, então todo mundo começou a fazer muro, muro e
calçada para ter o desconto de x% no IPTU. De 1995 pra cá houve “o bum do
muro”. É lógico, se eu tenho desconto no IPTU, eu vou fazer o muro. Então
isso é uma coisa que a gente tem que reverter, na realidade tem é que mudar a
lei, incentivar o gradil, não o muro.

227
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 02
de fevereiro de 2011.
228
PAZ, Luiz Hildebrando. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 05 de
agosto de 2010.
167
Jacobs indica um terceiro ponto para a qualidade do meio urbano: a calçada deve
ser ininterrupta, único meio de aumentar e garantir a multiplicação de olhos, olhares a
“viver” a rua, único meio de seduzir e atrair o encontro de quem seja incitado a sair,
desentocar-se das “cavernas” dos edifícios. Ninguém gosta de pôr-se à janela e
contemplar o vácuo, uma rua vazia. Pelo contrário, as pessoas sempre podem ser
excitadas à contemplação de uma rua fervendo de bulício, de passos e rumor de gente,
uma tradição nas capitais brasileiras, como o atestam romances de José de Alencar e
machado de Assis. Mulheres, damas chegavam a possuir almofadinhas para evitar calos
nos cotovelos apoiados às janelas que se abriam para a rua.

A baixa variedade de usos nas quadras torna a cidade sem atrativos e pouco
eficientes, além da densidade habitacional que também é baixa na maioria das quadras.
Não há definitivamente, por ora, pelo menos, atrativos à utilização das parcas calçadas
de Palmas.

Tais calçadas são insuficientes (Foto 38) e subutilizadas, por dois motivos:
primeiro porque a cidade cresceu de forma difusa, espalhada, descentralizada,
diferentemente do que preconizavam seus planejadores, o que aumentou muito os
gastos com infraestrutura. Cabe dizer, aliás, que o calçamento, em grande parte da
cidade, é inexistente (Foto 39). Em segundo lugar, há de interferir o tamanho das
quadras, fato que se associa às condições climáticas inóspitas do cerrado que, na maior
parte do ano, gera condições climáticas que contribuem para a difícil movimentação de
pedestres em Palmas.

168
Foto 38: Calçamento interrompido na Quadra 202N.
Fonte: Acervo pessoal (2009)

Foto 39: Ausência de calçamento na Quadra 206N.


Fonte: Acervo pessoal (2009)

169
A extensão das quadras é imensa e ultrapassa a relação com o quarteirão que
tínhamos nas cidades convencionais. Para os realizadores do traçado:

“O dimensionamento básico foi pensado em termos de capacidade de uma


dona de casa andar com o filho no colo ou na cesta em um clima inclemente.
As quadras são de no máximo 700 m e o comércio intervicinal entre as
quadras, supomos que o percurso médio de um pedestre para fazer compras é
de cerca de 250 m. Dá pra andar com uma sacola de compras ou uma criança
no braço, ou mesmo alcançar o transporte urbano. 229

As faixas de pedestres, nas vias secundárias, estão localizadas na metade das


quadras – essa foi a solução encontrada para a travessia; porém, ‘a lei do menor
esforço’, muito conhecida de quem caminha, prolonga bastante a trajetória do pedestre,
mesmo se bem intencionado a obedecer as regras impostas pelos urbanistas; outros,
menos aptos a seguir tais regras, são induzidos à travessia perigosa, o que aumenta o
risco de acidentes.

Todavia, Jacobs alerta que a separação entre carros e pedestres não é interessante
à vivacidade do espaço Assim como em Brasília, em Palmas o automóvel também é
protagonista e tem seu lugar bem definido dentro do projeto urbano proposto, ocorrendo
cisão nítida entre carros e pessoas, a pessoa e seu urgente trafegar e a bastante suar para
ter acesso ao seu veículo.

A dificuldade de orientação nas ruas de Palmas é imensa no dia a dia do morador


da capital, que se perde nas miríades de uma sinalização nada amistosa, como em
Brasília, sinalização composta por letras e números que nada significam para o morador
da cidade.

O sistema de comunicação visual urbana de Palmas passou por dois momentos.


O primeiro, originado do Plano Diretor, definia as avenidas em uma lógica conforme os
pontos cardeais, colaterais e numeração arábica. As quadras obedeciam a uma sequência
lógica, que iniciava na Praça dos Girassóis, centro do poder estadual, utilizando-se um
grande número de siglas como ARSE, ARNO, ACSO, ACSV, ACSU etc., seguido de
dois dígitos numéricos.

229
SEGAWA, Hugo. Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade? Projeto: Revista Brasileira de
Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial e Construção, s. l.: n. 146, p. 94-109, out. 1991.
170
Aqui em Palmas ou a gente se orienta pelo palácio, pela prefeitura, pelos
bancos, pelos prédios importantes ou pelos córregos. Eu mesmo moro na Vila
União, ela fica logo depois do Córrego Água Fria, se o senhor me perguntar o
nome, o número de alguma rua, avenida de Palmas, eu não sei responder, não
senhor.” (seu Sebastião da Silva, pioneiro, Palmas, 1993) 230

O segundo momento de comunicação visual de Palmas decorreu do Projeto do


Sistema de Identificação Urbana de Palmas, elaborado pelos arquitetos Issao Minami231
e José Arnaldo Degasperi da Cunha, em 1997. O plano-piloto da proposta foi feito pelo
Grupo Plamarc de São Paulo e implantado pela Secretaria de Obras da Prefeitura de
Palmas.

O novo plano definiu um conceito cromático para os quadrantes: nordeste


(vermelho), noroeste (laranja), sudeste (azul) e sudoeste (verde). A Avenida Juscelino
Kubitschek define os setores norte e sul. Veja-se quanto a isto:

Assim, foi mantida a identificação original das avenidas norte-sul com


numeração seqüencial par nos quadrantes laranja e verde e, numeração ímpar
nos quadrantes vermelho e azul. As avenidas leste-oeste possuem numeração
seqüencial par nos quadrantes vermelho e laranja e numeração ímpar nos
quadrantes azul e verde. Temos, dessa forma, seqüencialmente as avenidas
NS1, NS3, NS5,... NS 15 a leste da Avenida Theotônio Segurado e; as
avenidas leste-oeste para ao norte da avenida Juscelino Kubitschek e as
avenidas leste-oeste ímpares ao sul da avenida Juscelino Kubitschek.” 232

O novo conceito proposto para a numeração das quadras situa a Praça dos
Girassóis no ponto (0,0) nas ordenadas dos quadrantes que a definem. A abscissa e a
coordenada zero correspondem à Avenida Theotônio Segurado e à Avenida Juscelino
Kubitschek. (Foto 40)

230
LIRA, Elizeu Ribeiro. A Gênese de Palmas. Porto Nacional: Mimeo. Unesp, 1995, p.272.
231
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo- USP (1975), mestrado em
Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1987) e doutorado em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1995). Atualmente é professor doutor dos cursos de
graduação e pós-graduação da FAUUSP. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em
Comunicação Visual, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação visual, identidade visual,
arquitetura e urbanismo, artes plásticas e sinalização ambiental urbana,
232
MINAMI, Issao; CUNHA, José Arnaldo D. Um sistema de comunicação visual urbana para a
Cidade de Palmas no Estado de Tocantins. In.__________Sinopses 26. Universidade de São Paulo,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Dezembro, 1996.

171
Foto 40: Totem de indicação de avenida.
Fonte: Acervo pessoal (2009).

Foto 41: Totem de indicação de quadra de 4,40m x


0,80m de largura.
Fonte: Acervo pessoal (2009).

172
As quadras (Foto 41) também adotaram uma codificação alfa-numérica de três a
quatro dígitos, para oeste da Avenida Theotônio Segurado (102N, 104N, 106N ao norte,
e 102S, 104S, 106S ao sul da Avenida Juscelino Kubitschek) e ímpar à leste (101N,
201N, ..., 1001N, 1101N ao norte da avenida Juscelino Kubitschek e 101S,
201S,...1001S, 1101S ao sul). O morador de Palmas Rafael Lima de Carvalho233 acha
que:

A nomenclatura das avenidas poderia ser mais natural, sendo batizadas com
nomes comuns facilitando a localização e memorização. Eu, por exemplo, só
sei o nome de uma avenida localizada em um dos lados da quadra onde moro,
pois foi nomeada como Juscelino Kubitschek. Siglas seguidas de números se
aparentam a dados computacionais ou mecânicos, longe de seres humanos.
Aproveito para resgatar as respostas de alguns conhecidos quando são
questionados sobre quais avenidas conhecem, eles respondem com as únicas
três avenidas do plano diretor que têm algum nome comum, como Palmas
Brasil, JK e Theotônio Segurado. O restante da sopa de letrinhas e números
só contribui para o estresse de se sentir perdido, na falta de um mapa para se
locomover em Palmas. 234

Michel de Almeida Silva, funcionário público e morador de Palmas desde 2004,


também afirma que caminhar na cidade não é uma das tarefas mais fáceis:

Andar em Palmas é uma tarefa complicada, começando pela falta de padrão


entre as quadras onde as alamedas não seguem um padrão lógico de
numeração e a falta de sinalização faz com que as pessoas se percam. Outro
fato é dificuldade da locomoção do pedestre que sofre com a falta de sombra
de árvores em uma cidade de temperatura elevada em praticamente todo ano
e quando chega a temporada de chuvas a cidade fica alagada com a falta de
escoamento.235

Carlos Eduardo acredita que a cidade precisa de espaços de encontro e considera


a sociabilidade fique prejudicada pelo desenho da urbe. Suas primeiras impressões ao
chegar à capital foram as seguintes: “o tecido urbano geométrico, a impressão de cidade
planejada se deu na homogeneidade da paisagem urbana, muito repetitiva, ruas iguais,
interseções iguais, tudo muito racional.” Ele considera a sinalização muito confusa e
acrescenta:

233
CARVALHO, Rafael Lima de. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 16
de fevereiro de 2009. Rafael é professor da Universidade Federal do Tocantins e morador de Palmas
desde agosto de 2000, nasceu em Porangatu (Goiás), dia 29 de agosto de 1984. Veio para Palmas
acompanhar a mãe, que fora aprovada em concurso público para a Prefeitura de Palmas, na função de
técnica em enfermagem. Desde que chegou à Palmas, Rafael trabalha na Universidade Federal do
Tocantins, primeiro como programador e atualmente como professor efetivo do curso de computação.
234
Idem.
235
SILVA, Michel de Almeida. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 01
de fevereiro de 2011.
173
Muito confuso tanto em se locomover nas avenidas principais devido a falta
de elementos visuais de identificação (marcos visuais) e pela homogeneidade
do desenho das vias e pontos nodais... ruas muito parecidas umas das outras.
Dentro das quadras é pior ainda, não existe uma lógica de distribuição das
alamedas e lotes, (visto que cada miolo de quadra foi projetado por diferentes
profissionais, não que isto seja ruim, mas acho que faltaram diretrizes de
projeto que buscam uma lógica de mobilidade) os miolos de quadra mais
parecem labirintos, hora com ruas sem saída, hora com ruas mal sinalizadas e
para piorar existem dois endereços. As cidades que já morei sempre tinham
pontos visuais do tipo, vire a esquerda ao passar por tal posto, depois do
terceiro semáforo vire a direita, na casa azul vire a esquerda e depois de
passar por um morro é a terceira casa. Aqui você não tem esses marcos
visuais, além de que as pessoas ficam confusas dentro da rotatória, não sabe
pra que lado virar.236

A mudança no sistema de comunicação visual urbana gerou duplicação de


nomenclaturas na memória coletiva da população, sendo comum a referência aos
antigos endereços; a propósito, muitas vezes as casas possuem os dois endereços na
mesma fachada.

4.2.2. Vitalidade Urbana

As cidades monótonas, inertes, contêm, na verdade, as sementes de sua


própria destruição e um pouco mais. Mas as cidades vivas, diversificadas e
intensas contêm as sementes de sua própria regeneração, com energia de
sobra para os problemas e as necessidades de fora delas 237

No inicio deste trabalho rememoramos Baudelaire, o personagem do flanêur das


ruas de Paris do século XIX, sujeito caminhante da urbe moderna, aquele que faz da
cidade a própria casa. A construção da cidade modernista e o aparecimento de cidades
como Palmas, no final do século XX, criou um novo perfil de usuário, cuja visão em
movimento prepondera.

A cidade nova que não privilegia o ato de “flanar”, torna o sujeito um Voyeur do
volante, muito menos participante das massas de pedestres, passa a ser aquele que
enxerga tudo de dentro do automóvel, moldando uma nova dinâmica, que o faz
vislumbrar as imagens da cidade em uma velocidade que o impede de experimentar, de
vivenciar o meio urbano, o morador como sujeito caminhante, sendo impelido pelo

236
GONÇALVES, Carlos Eduardo Cavalheiro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos
Reis. Palmas, 31 de janeiro de 2011.
237
Jane Jacobs, op. cit., p. 499.
174
voyeurismo quase frenético da nova dinâmica espacial, emoldurado pela janela do
automóvel. Por outro lado, a moradora da quadra 204 Sul (antiga ARSE 21), Luara de
Aquino Ramos menciona o desconforto causado pelas altas temperaturas da região.

Outra coisa séria em Palmas é o calor, como você caminha? Então quer dizer,
a questão das árvores, da plantação, isso são coisas que conscientemente
temos que nos preocupar em cuidar e sobre a gente andar dentro do carro, eu
acho que é um prejuízo para o ser humano porque vivemos num sedentarismo
e você vai percebendo isso nos hospitais.238

Quase não se veem pessoas caminhando em Palmas, a cidade não permite, é


inóspita de diversas maneiras. Durante o dia dado ao sol escaldante, pela precariedade
ou ausência de calçadas em lugares estratégicos, problema que se une à deficiência de
caminhos cobertos, seja por marquises ou arborização; durante a noite o sentimento
predominante é o de insegurança, devido às grandes distâncias a se percorrer meio a
muitos vazios urbanos, a cidade com iluminação falha e sem muitos atrativos visuais
para os que decidem se aventurar depois que o sol se põe. Contrariado com essa falta de
dinamismo na cidade, o arquiteto Pedro Lopes, morador do centro da capital, se diz
insatisfeito:

Devo mudar de Palmas um dia, tornou-se uma cidade fria, eu não tenho
relacionamento de rua com a população, eu tenho alguns amigos e a gente faz
churrasco na casa deles, na minha, faz jantar na sua, faz uma festa de
aniversário na casa dela, mas e os de rua? Eu vou ficar só com esse circulo?
Eu não vou mais conhecer ninguém até morrer, não, eu quero conhecer o cara
na rua que sirva de engraxate, eu quero conhecer um cara na rua que seja um
taxista, eu quero conhecer o jardineiro... é, porque você tem vida no contexto
e isso faz bem a nós, relacionamento, conversas diferentes, risadas,
histórias.239

Os poucos lugares de encontro, que ainda contém o gérmen da vida urbana estão
no comércio da Avenida Juscelino Kubitschek (que funciona apenas no horário
comercial), na feira da quadra 304 (antiga ARSE 31), na feira da quadra 307 Norte
(antiga ARNO 33), na feira do bosque (próxima a Prefeitura de Palmas) nos espaços
fechados, acondicionados e vigiados dos shoppings e galerias. Além desses lugares
existem outros mais isolados, pequenos guetos, como bares e danceterias.

238
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
239
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.

175
A Avenida Juscelino Kubitschek, no centro do plano urbanístico, concentra a
maior parte do comércio e serviço de Palmas. Durante o horário comercial, há
dificuldade para encontrar estacionamento ao longo dela e a movimentação de pedestres
é considerável. No entanto, durante o período noturno, a rua perde seu uso comercial,
tornando-se pouco movimentada, monótona e até mesmo perigosa.

O arquiteto e morador de Palmas desde 1990, Pedro Lopes sente orgulho por ter
contribuído com a construção da nova capital. Ele que foi servidor publico estadual,
chefe da assessoria técnica de planejamento, quando realizou algumas consultorias de
projeto com vistas à implantação da cidade, projetos de viabilidade econômica, projetos
físicos, territoriais e urbanísticos. Além do que, teve relações enquanto servidor do
Estado, interesses nos projetos produzidos pelo GrupoQuatro.

Eu era muito jovem ainda quando houve a implantação de Brasília e depois


que eu me graduei em arquitetura, queria ver, participar e colaborar com a
implantação de uma cidade, pra mim era um verdadeiro laboratório, então foi
esse o motivo pelo qual mudei pra cá, os filhos ainda eram pequenos, minha
esposa é médica, encontrou um mercado fácil aqui pra se adaptar e trabalhar
aqui como médica e eu como arquiteto venho participando do processo.240

Mas Pedro Lopes se sente recente também da falta de vida da capital, sofre com
a solidão imperante nas principais avenidas da cidade e relata:

Palmas está se tornando uma cidade desagradável, eu sinto isso. Eu tinha um


amor muito grande por isso aqui, porque vi nascer, participei de alguns
projetos importantes. De repente eu vejo as coisas sendo construídas e eu
estou ficando triste, porque a avenida que eu gostaria de estar à noite
comprando um livro, tomando um chope, passeando com alguém, ela está
iluminada, mas sem ninguém dentro, completamente deserta e acrescento
mais, vai gerando um perigo à nossa segurança urbana, porque vai se
tornando um ponto fácil de assalto, de violência. A cidade não é pra isso,
deveria ser um ambiente agradável de viver, andar a pé, andar de carro
quando puder e andar bem... É pra você se sentir bem à tarde, depois do seu
trabalho, fazer uma caminhada, mas dá medo e as pessoas têm esse sentido
de preservação e usando um pequeno defeito do desenho da quadra de virar a
face principal da casa para dentro, gerou aquele tremendo muro para o lado
do fundo, que dizer, é uma coisa complicada.241

‘Vida atrai vida’, ‘o homem procura o homem’, afirma Jacobs. Essa


movimentação de pessoas e riqueza de usos e diversidade urbana pode ser encontrada

240
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
241
Idem.
176
na Vila União, que é uma região localizada no centro da cidade, cuja formação remonta
a um processo de invasão consentida pelo Estado em 1992, no governo de Moises
Avelino (1991 a 1995). Zilda Barros participou desse processo de invasão e narra como
foi a sua chegada à nova cidade em 1990, quando saiu da cidade de Guaraí para se
aventurar em Palmas.

Como que eu vim para aqui? Eu vim pra cá em 90, vim de Guaraí, vim pra cá
em busca de trabalho, melhora de vida, igual a todo mundo que vem pra cá
pra Palmas ou qualquer outra capital. A minha irmã já morava aqui e eu sai
de Guaraí em busca de trabalho, a minha irmã já morava aqui e eu vim pra
casa dela, para poder conseguir um trabalho. Só que como a gente gosta de
conquistar o espaço da gente, ter as coisas da gente, aí tinha a invasão já lá,
então eu comprei um barraco, aqueles barraquinhos de lona ao redor de
palha, comprei esse barraco e passei pra dentro dele e comecei a trabalhar
também.242
Mais ou menos no mesmo período em que Zilda ocupou com um barraco de lona
um espaço na denominada Vila União, houve um incêndio que destruiu grande parte dos
barracos. O governador neste período era Moisés Nogueira Avelino (1991 a 1995). O
acontecimento forçou a prefeitura a tomar uma atitude mais contundente sobre o fato. A
moradora da Vila União e pioneira na capital. Zilda Barros narra o episódio:

A gente passou assim mais ou menos um ano lá, nessa penitência. Depois
quando pegou fogo lá, estávamos no trabalho. Depois eles [a prefeitura]
levaram todo mundo, todo mundo perdeu tudo, eu fiquei sem nada, sem
compra, sem cama, sem nada, tudo que a gente tinha no barraco, que era meu
e do meu irmão, queimou tudo. Fomos levados para a escola da 33, o Colégio
Vila União, ficamos lá mais ou menos uma semana, mais de uma semana,
não sei, uns quinze dias, nessa época era tempo político, era o Avelino com o
Siqueira Campos. Se não me engano Avelino estava querendo se reeleger, ai
ele levou a gente pra essa escola. Dessa escola eles foram distribuindo lotes,
um loteamento, que estava sendo aberto ainda, igual teve aqui, teve lá pras
Aureny´s, tiveram em vários lugares. Ele tava mudando o povo e nós tivemos
a sorte de ficar aqui e nós conseguimos e quando eles foram abrindo as ruas e
já botando o povo, colocando o povo e o povo já foi ficando. Fizemos aqui
do mesmo jeito de lá, igualzinho, o jeito de ser era igualzinho na invasão, lá
era só barraquinho também, não tinha água, não tinha energia, uma vez na
semana o caminhão pipa vinha colocava água pra gente, colocava água e a
gente era só na velinha, na lamparina, não sei se você conhece lamparina e na
vela e assim a gente passou mais ou menos três, quatro anos, nessa
penitência.243

242
SILVA, Zilda Barros da. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 28 de
agosto de 2010. Perfil: Zilda nasceu em Guaraí (Tocantins), dia 03 de outubro de 1970, veio para Palmas
em 1990 e trabalhou como empregada doméstica. Sua irmã, que já morava em Palmas, a incentivou a vir
em busca de trabalho e melhoria de vida. Zilda participou do processo de invasão da Vila União, área
próxima ao centro da nova capital e que atualmente é um dos bairros mais populares de Palmas.
Atualmente mora na Quadra 605 Norte, próxima à Vila União, em um novo loteamento que foi fruto das
primeiras invasões.
243
SILVA, Zilda Barros da. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 28 de
agosto de 2010.
177
Depois de passado o período das eleições, Moisés Avelino não conseguiu se
reeleger, tendo Siqueira Campos assumido o seu segundo mandato (1995 a 1998). Os
relatos a respeito da ocupação irregular da Vila União mostram que o novo governador
não gostava nenhum pouco da idéia de garantir aos pobres terrenos em área tão próxima
ao Palácio Araguaia, visto que as quadras invadidas eram próximas ao centro
administrativo da nova capital. A narrativa de Zilda sobre o período considerado
conturbado prossegue:

No inicio, quando o Moises Avelino perdeu pro Siqueira, é que o Siqueira


pegou a gente. Nós continuamos sofrendo por muito tempo, porque o
Siqueira não queria que a gente ficasse aqui, não queria, a gente continuou o
mesmo sofrimento, que a gente não podia nem capinar o lote. Muita gente
comprava material, conquistou material, foi atrás de material e conseguiu até
mesmo comprou tijolo ou tábua, qualquer coisa assim pra fazer um barraco,
pra colocar sua família, suas crianças, pai de família. O Siqueira chegava
com a polícia na frente da casa e a gente não podia fazer nada, não colocava
um tijolo, não podia capinar, porque se capinasse eles tinham ordem pra
prender, pra levar preso, fora as vezes que eles maltratavam as pessoas, os
pais de família, que aqui tem pai de família que foi espancado pelos policiais.
O povo lutou e mesmo assim o Moises Avelino perdeu a candidatura, mas
mesmo assim não abandonou o povo daqui é por isso que toda vez que ele se
candidata, eu voto nele, porque ele não nos abandonou.244

Zilda relata que Moisés Avelino, mesmo depois que Siqueira entrou no poder,
continuou lutando para manter os moradores na Vila União, foi à justiça, mobilizou
atenções para a situação e conseguiu que fosse aprovado o plano de loteamento da
região a fim de garantir o direito aos moradores. Siqueira Campos depois de quatro anos
tentou a reeleição e, segundo Zilda, decidiu não impor forças contra aquela situação.
Vela o relato:
Passado os outros quarto anos, ele [Siqueira] tentou a reeleição, antes de
chegar nisso ele concordou em dar o titulo para o povo, é a forma que ele
encontrou pra conquistar as pessoas, porque a política hoje em dia é isso, eles
fazem o que fazem e depois pertinho das eleições eles inventam alguma coisa
que é pro povo esquecer. Mas o brasileiro é tão bestinha que esquece tudo,
não é? Isso é coisa nossa, do brasileiro.245

A área era destinada à moradia de classes média e alta, conforme consta no


Plano Diretor de Palmas. O bairro corresponde às antigas quadras AR-NO 31, 32 e 33,
atuais 303N, 305N e 307N (atualmente engloba as quadras 405N,407N e 409N). Hoje é
um local dentro do Plano Urbanístico que apresenta uma movimentação diferenciada de

244
Idem.
245
Idem.
178
pessoas, em decorrência dos fatores destacados por Jacobs, como a diversidade de usos
e densidade populacional. A Vila União tem uma população de aproximadamente
20.967 habitantes.246

A tese do arquiteto Glauco Cocozza identifica a gênese urbana da Vila União,


unidade de vizinhanças em Palmas onde o determinismo do plano confronta com
formas espontâneas de apropriação, e cria uma nova face na conformação de lugares na
cidade planejada, na opinião do pesquisador:

Não é incomum observar caminhos nas gramas, guias quebradas, e


conversões proibidas, realizadas por motocicletas e até carros, em caminhos
de pedestres. A dinâmica surgiu com a necessidade de fluxos pela cidade é
muitas vezes restringida pelo desenho.247

Nos bairros mais populares é mais notória a movimentação de pessoas, a


aglomeração, a variedade, o uso mais intenso do espaço urbano, onde a complexidade é
maior. A moradora de Palmas, Marlilde Pereira de Soares, adquiriu um lote na Vila
União nos seus primeiros anos e relata como foi a sua experiência ao chegar à nova
cidade:

Eu sou do Maranhão. Eu cheguei aqui em 92, finalzinho de 92. Em vim


através de um primo meu que já estava aqui. Quando eu cheguei aqui, deu
vontade de ir embora, tudo mato, mato, barraco de lona, aquela coisa assim
que você não sabe nem como andar. Olha, eu lembro assim, eu cheguei aqui,
a gente foi direto pra uma invasão que tinha ali, que estavam invandindo, ali
a Vila União, nessa época acho que foi, na época uma invasão na Vila União.
Quando a gente foi lá, quando chegamos lá que a gente via aquele monte de
gente tipo formiguinha, o trabalho lá era tipo de formiguinha nessa época
todo mundo assim, cada um era querendo comprar lona preta, aquela lona pra
comprar pra fazer o barraco, aquela coisa assim mesmo de invasão, coisa de
louco. Eu sei que quando eu cheguei aqui eu queria ir embora, é verdade.248

Glauco Cocozza afirma que Vila União é o único local no centro de Palmas que
é denominado como bairro. A diferença não está somente na nomenclatura, que se
confunde com as siglas numéricas, mas na identidade que se criou através do processo
de conformação de seu espaço urbano. A face de bairro, onde a paisagem se assemelha a

246
Dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação. População, Área e Densidade
Populacional por quadras. Cadastro Técnico Multifinalitário do ano de 2003.
247
COCOZZA, Glauco de Paula. Paisagem e Urbanidade, os limites do projeto urbano na
conformação de lugares em Palmas. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo - Arquitetura e
Urbanismo. São Paulo: Biblioteca Depositaria: Biblioteca FAU-Maranhão, 2007, p. 154 -155.
248
SOARES, Marlilde Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas,
agosto de 2010.
179
de uma cidade tradicional, consolidou a região, como uma das mais emblemáticas da
cidade.249

Já o restante da cidade é bastante deserto, triste e pouco habitado, repleto de


vazios e paisagens monótonas, encarcera seus habitantes entre muros, muros que
escondem a possibilidade de uma boa arquitetura e de uma paisagem urbana mais
agregadora e diversificada. Pedro Lopes percebe com um pouco de desalento a situação
do centro de Palmas e revela a vontade de se mudar da cidade:

Devo mudar de Palmas um dia, tornou-se uma cidade fria, eu não tenho
relacionamento de rua com a população, eu tenho alguns amigos e a gente faz
churrasco na casa deles, na minha, faz jantar na sua, faz uma festa de
aniversário na casa dela, mas e os de rua? Eu vou ficar só com esse circulo?
Eu não vou mais conhecer ninguém até morrer? Não, eu quero conhecer o
cara na rua que sirva de engraxate, eu quero conhecer um cara na rua que seja
um taxista, eu quero conhecer o jardineiro... Por que você tem vida no
contexto e isso faz bem a nós, relacionamento, conversas diferentes, risadas,
histórias.250

A quadra 204 sul (antiga ARSE 21), considerada “área nobre” da cidade, pelo
elevado preços das propriedades e dos lotes, é uma área central de Palmas. Luara Ramos
é moradora desta quadra e também se recente pela falta de vitalidade na cidade e faz
algumas considerações:

O que faz a urbanidade aqui na nossa quadra, a 204 sul [a 21], é a feira, a
feira faz uma urbanidade, faz acontecer uma urbanidade paralela à quadra e
as pessoas não tem urbanidade ali naquela quadra, eu gosto do meu silêncio,
eu acho bom, mas eu penso que a gente tem que ter mais aproximação.251
.
O desânimo a respeito da falta de vida na cidade é uma sensação vivida pelos
moradores de Palmas, que vão se acostumando com a nova urbanidade (ou com a falta
dela) gerada pelas espacialidades estéreis do plano implementado desde 1990.

249
COCOZZA, Glauco de Paula. Paisagem e Urbanidade, os limites do projeto urbano na
conformação de lugares em Palmas. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo - Arquitetura e
Urbanismo. São Paulo: Biblioteca Depositaria: Biblioteca FAU-Maranhão, 2007, p. 135.
250
LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10 de junho de
2009.
251
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
180
4.2.3. As quadras

Jacobs alerta: a maioria das quadras deve ser curta; ou seja, as ruas e as
oportunidades de virar esquinas devem ser freqüentes, contrariando o que vem sendo
feito pela maioria dos planejadores. Vizinhanças separadas desarticulam o entrosamento
entre os moradores, quadras muito grande isolam seus moradores em pequenos guetos.

Os projetos residenciais de super-quadras são passíveis de todas as


deficiências das quadras longas, freqüentemente de forma ampliada, e isso
também ocorre quando são cortados por calçadões e esplanadas e portanto
possuem, teoricamente, ruas a intervalos razoáveis, pelas quais as pessoas
podem transitar. Essas ruas não têm sentido porque raramente há um motivo
plausível para serem usadas por um número razoável de pessoas. Mesmo
vistos de fora, levando em conta apenas a mudança de perspectivas visuais
quando se vai de um lugar a outro, esses caminhos não têm sentido porque
todos os cenários são essencialmente idênticos. 252

Conforme foi mencionado, as quadras de Palmas foram dimensionadas para


atingir, no máximo, 700 metros, uma distancia bastante considerável, sobretudo para
uma dona de casa andar com o filho no colo, sob um clima inclemente. Para Carlos
Eduardo além da questão da dimensão das quadras está a dificuldade de se localizar
dentro delas:

Você pode acrescentar que mesmo morando muito tempo em Palmas não se
sabe chegar a um endereço mentalmente. Quando morava em outras cidades
eu conseguia memorizar o caminho até o destino final, aqui não, somente os
destinos fora das quadras. Mas, a partir do momento em que te passam um
endereço dentro da superquadra, você não consegue saber certinho qual
caminho seguir, muitas vezes é preciso pedir para que alguém vá te buscar na
entrada da quadra e isto é corriqueiro. Você entra na superquadra e começa a
caçar a alameda e muitas vezes você fica rodando na quadra para achá-la.253

A confusão é causada pela ausência de elementos de identificação, ou seja, a


mudança da lógica habitual, aquela que o usuário está acostumado a seguir nas cidades
mais tradicionais, para um novo sentido a ser apreendido, mas que ele encontra imensa
dificuldade. A novidade que representa a locomoção nas superquadras (fechadas em si),

252
Jacobs, op. cit , p. 205.
253
GONÇALVES, Carlos Eduardo Cavalheiro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos
Reis. Palmas, 31 de janeiro de 2011.

181
submete o habitante de Palmas a rever antigas referências e se adaptar à nova realidade,
o que não faz sem dificuldades.

4.2.4. Os vazios urbanos

Os vazios urbanos que hoje representam grande parte da paisagem de Palmas


são reflexos do desenfreado processo de especulação imobiliária por que a cidade vem
passando, desde o início de sua construção. Os autores do projeto estavam cientes desse
problema desde o início e denunciaram a mudança de regras.

A idéia de que a ocupação da cidade partisse do centro também foi


abandonada, de certa forma, pelo governo. Isso é problemático porque
reproduz uma situação maléfica na cidade espontânea: há a necessidade de
colocar infra-estrutura em várias direções e a renda da cidade não permite
pagar essa expansão ao mesmo tempo para todas elas. O governo está
fazendo duas cidades: uma “cidade nova” e uma “nova cidade”. Abrir uma
área para segregar o migrante vai ter custos altíssimos, porque na realidade se
estão implantando duas cidades diferentes, com água, esgoto, energia, asfalto,
escola, hospital etc. quando se poderia estar gastando numa só. 254

A mudança de regras suscitou o surgimento de um tipo de crescimento sprawl,


maléfico para os gastos públicos, dispendioso e monótono para os habitantes, os
principais prejudicados com o excesso de vazios urbanos à espera de valorização
imobiliária. Os autores do projeto confirmam esse processo:

A primeira regra rompida foi no início da implantação e crescimento da


cidade. A ocupação, que deveria começar na parte central, de acordo com a
lógica que comentávamos há pouco, não foi obedecida. Por razões que para
nós não são claras, o governo resolveu abrir frentes de ocupação de maneira
diferente daquela planejada, doando lotes em áreas afastadas da parte central
da cidade para migrantes. Na cabeça deles parece que não entrou o conceito
de que as diversas classes sociais eram indistintas para efeito do plano: você
tem que abrigar todas. O governo deu terreno de graça para a população
pobre: criou, a cerca de 20 km de Palmas, próxima a uma localidade chamada
Taquaralto – não era mais um pequeno aglomerado de casas -, a Vila Aureny;
depois a Vila Aureny´s II, III. 255

254
SEGAWA, Hugo. Palmas, cidade nova ou apenas uma nova cidade? Projeto: Revista Brasileira de
Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial e Construção, s. l.: n. 146, p. 94-109, out. 1991.
255
Segawa, op. cit.
182
Os vazios urbanos contribuem para a falta de vitalidade urbana, tomando os
caminhos morosos e repetitivos, devido à ausência de construções e repetição de
paisagem verde ou descampada, o oposto do que acontece nas cidades mais densas e
com diversidade de usos.

“Não há como dissociar a sustentabilidade do crescimento, seja econômico


ou populacional. A cidade quer ser sustentável, mas para isso precisa vencer
os vazios urbanos e diversos problemas.” 256

Essa foi a análise feita pelo arquiteto co-autor do plano da capital, que esteve em
Palmas para participar do Fórum Palmas Minha Cidade, realizado pela Organização
Jaime Câmara, em agosto de 2009. O fórum teve como objetivo abrir discussões e tecer
análises dos quase vinte anos de existência da cidade.

4.2.5. Espaços vetados

Um tipo especifico de comunidade murada vem sendo incentivada pelo poder


publico e por agentes imobiliários em Palmas, seguindo a prática de grandes capitais
brasileiras. Como caso emblemático deste fenômeno urbano, cito o exemplo de São
Paulo. Caldeira, referenciada por Bauman, no livro Confiança e medo na cidade, é uma
pesquisadora do contexto paulistano, segundo ela São Paulo:

“Hoje é uma cidade feita de muros. Barreiras físicas são construídas por todo
lado: ao redor das casas, dos dormitórios, dos parques, das praças, das
escolas, dos escritórios. ... A nova estética da segurança decide a forma de
cada tipo de construção, impondo uma lógica fundada na vigilância e na
distância.257

Os condomínios fechados ou os “guetos voluntários”, daqueles que desejam


refugiar-se, como afirmou Bauman: “dentro de um oásis de tranqüilidade e segurança”,
surgem de forma intensa em Palmas e são bastante procurados pelas classes média e
alta.

256
Jornal do Tocantins. Eduardo Lobo. Urbanismo. Problemas e perspectivas da região em debate no
4° fórum. 24 de setembro de 2009, p. 12.
257
BAUMAN, Sygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro Jorge Zahr Ed. 2009, p. 38.
183
Infelizmente, esse não representa um fenômeno só das cidades planejadas, mas
um reflexo da realidade sócio-econômica brasileira. A forma como têm sido construídos
em Palmas contribuem, sobremaneira, para o aspecto de cidade murada. (Foto 42)

Bauman destaca, ainda, que “os estratagemas arquitetônico-urbanísticos


utilizados nesse tipo de empreendimentos são os equivalentes tecnicamente atualizados
dos fossos pré-modernos, das torres e das seteiras nas muralhas das cidades antigas.” 258

Foto 42: Condomínio residencial na Quadra 205N.


Fonte: Acervo pessoal (2009).

Dois fenômenos são identificados por Bauman no processo de constituição das


cidades contemporâneas, os quais estão relacionados aqui, sobretudo às cidades novas
planejadas, cujo crescimento segue a lógica especulativa do espaço, são eles: a
mixofobia e mixofilia.
A mixofilia é um forte interesse, uma propensão, um desejo de misturar-se com
as diferenças, com os que são diferentes de nós, pois é muito humano, natural e fácil de
entender que se misturar com estranhos abre a vida para aventuras de todo tipo, para as
coisas interessantes e fascinantes que poderiam acontecer.259

258
Sygmunt Bauman, op. cit; p. 42.
259
Ibid; p. 86.
184
Por outro lado, há a mixofobia. Você convive com estranhos e tem preconceitos
em relação a eles, uma vez que o lixo global é descarregado nas ruas onde você vive; e
você já ouviu falar muitas vezes dos perigos derivados da underclass; e ouviu dizer
também que a maioria dos imigrantes é parasita de seu welfare e até terroristas em
potencial, e que cedo ou tarde acabarão por matá-lo. Nesse caso, conviver com
estranhos é uma experiência que gera muita ansiedade.260

Tais espaços, além de isolar uma parcela da população entre muros, tornam
aquela parte do tecido urbano impermeável para o restante da população, pois se trata de
imensas áreas privadas, que ninguém poderá transpor, porque é particular o acesso, e as
ruas internas não fazem conexão com as outras partes da cidade, vetando o espaço, que
agora não será mais público.

Mas como bem sabemos, “as cercas têm dois lados. Dividem um espaço
antes uniforme em “dentro” e “fora”, mas o que é “dentro” para quem está de
um lado da cerca é “fora” para quem está do outro.”261

O desenho urbano extenso de Palmas, com largas avenidas, imensas praças e


espaços vazios, unidos a uma ocupação desordenada corroboram para o fenômeno da
estratificação urbana, que dá origem a uma arquitetura do medo e da intimidação.

O problema, porém, é que, com a insegurança, estão destinadas a desaparecer


das ruas da cidade a espontaneidade, a flexibilidade, a capacidade de
surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos os atrativos da vida
urbana. A alternativa à insegurança não é a beatitude da tranqüilidade, mas a
maldição do tédio.262

A necessidade de isolar-se, separar-se do convívio com estranhos passa a


dominar as práticas da arquitetura e do urbanismo e favorece a segregação daqueles que
são considerados perigosos ou destituídos de poder aquisitivo para permanecer no jogo.

A tendência a retirar-se dos espaços públicos para refugiar-se em ilhas de


“uniformidade” acaba se transformando no maior obstáculo para viver com a
diferença, e, desse modo, enfraquece os diálogos e os pactos.263

260
Ibid. p 87.
261
Ibid. p. 39.
262
Ibid. p. 68.
263
Ibid. p. 71.
185
A separação cria fronteiras e os nãos-desejados são empurrados para cada vez
mais longe, onde são impedidos de desfrutar do privilégio que as elites agregam ao seu
favor. Desta forma buscam-se as diferenças para legitimar tais fronteiras.

Quanto mais o espaço e a distância se reduzem, maior é a importância que


sua gente lhe atribui; quanto mais é depreciado o espaço, menos protetora é a
distância, e mais obsessivamente as pessoas traçam e deslocam fronteiras. É
sobretudo nas cidades que se observa essa furiosa atividade de traçar e
deslocar fronteiras entre as pessoas.264

Estas comunidades fechadas estão crescendo assustadoramente, sobretudo no


centro da cidade de Palmas e o poder público nada faz para impedir a construção de
cada vez mais espaços vetados.

Vedados porque desencorajam as pessoas a ficar por perto ou impedem sua


entrada e são a expressão mais rendosa da arquitetura urbana nos Estados
Unidos de hoje, seu produto mais importante. As tecnologias que servem para
impedir o acesso e manter as pessoas a distância representam neste momento
o setor mais vanguardista dessa arquitetura.265

Os planejadores devem pensar em promover a mixofilia e diminuir a mixofobia.


No entanto, espaços desenhados nesta lógica especulativa não agregam valor à mistura,
muito ao contrário, promovem a separação, institucionalizando a segregação nos guetos
afastados da cidade planejada.

264
Sygmunt Bauman, op. cit; p. 75
265
Ibid; p. 84.
186
4.2.6. As praças públicas sem público

Para que fins reclamamos mais espaços livres? Para construir sinistros vazios
entre os edifícios ou para o uso e prazer dos habitantes? Mas estes não
utilizam o espaço livre simplesmente porque ele está ali, ou porque assim o
querem os urbanistas. 266

As praças urbanas de Palmas são espaços verdes, a maioria urbanizados e


pouquíssimo frequentados pela população; são espaços estéreis e caros para a cidade; a
Praça dos Girassóis é exemplo emblemático, mas podemos citar também a Praça da
Árvore, na Quadra 204N, espaço verde dotado de infraestrutura, com brinquedos
infantis, mas que quase nunca são utilizados (Fotos 43).

Foto 43: Praça não utilizada, na Quadra 204N.


Fonte: Acervo pessoal (2009).

O planejamento funcional das cidades tem sido tema polêmico nas discussões
sobre o direito à cidade, o direito à vida urbana. Henri Lefrèbvre critica e destaca a
postura de Le Corbusier perante o funcionalismo da cidade moderna reduzindo a
sociedade urbana à realização de algumas funções previstas e prescritas na prática pela

266
Jacobs, op. cit , p.299.
187
arquitetura. Para Levrèbvre “semelhante arquiteto se considera um ‘homem de síntese’,
pensador e prático. Ele aumenta e deseja criar as relações humanas ao defini-las, ao
conceber como Arquiteto do Mundo, imagem humana do Deus criador.” 267

Decompondo os espaços de Palmas, observamos inúmeras disjunções


relacionadas com seu desenho urbano racionalista, desde espaços vetados, a espaços
vazios (objetos da especulação) e espaços públicos criados, mas não são utilizados. Tal
dinâmica impulsionou a criação de novas fronteiras urbanas, demarcadas pela
segregação socioespacial, localizadas, sobretudo, na região sul de Palmas.

4. 3. Palmas Sul e as novas cidades satélites

Ao longo desse estudo vimos que o projeto político baseado na criação de uma
cidade-monumento, foi reforçado pelos seus iniciadores também com uma arquitetura
de caráter palaciano, que expressa o poder administrativo do Estado. A imagem
construída afirma a intenção de transformar os primeiros gestores em grandes
inovadores e visionários.

Mas e a outra cidade, aquela que está fora dos limites institucionais, a cidade
que se formou à parte? Como é a vida nessa cidade marginal? Existe nela palácios e
avenidas grandiosas? Participam da propaganda oficial de seus criadores? Quem são os
usuários desses espaços marginais? Onde moram o mestre de obras, o servente e todos
aqueles que carregaram pedras e empurraram carrinhos de cimento para construir
Palmas? O poema de Bertold Brecht Perguntas de um trabalhador que lê (Fragen eines
lesenden Arbeiters)268 expõe a importância ignorada daqueles que participaram
ativamente da construção de grandes símbolos.

Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas?

Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram pedras?


E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre?
Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a
edificaram?
No dia em que a Muralha da China ficou pronta,
para onde foram os pedreiros?
A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo:
quem os erigiu? Quem eram
aqueles que foram vencidos pelos césares? Bizâncio, tão
famosa, tinha somente palácios para seus moradores? Na
legendária Atlântida, quando o mar a engoliu, os afogados

267
Michel de Certeau, op. cit; p. 178
268
Bretch apud Leandro Konder, op. cit; p. 30.
188
continuaram a dar ordens a seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César ocupou a Gália.
Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro? Felipe da
Espanha chorou quando sua frota
naufragou. Foi o único a chorar?
Frederico Segundo venceu a guerra dos sete anos. Quem
partilhou da vitória?
A cada página uma vitória.
Quem preparava os banquetes comemorativos? A cada dez anos
um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas informações.
Tantas questões.

Muitos desses personagens não usufruem do espaço ‘planejado’ porque


passaram a habitar de qualquer jeito os bairros periféricos e segregados do denominado
Setor Sul da cidade, onde basicamente se concentrava a mão de obra utilizada no início
da construção de Palmas, basicamente migrantes atraídos pela promessa do El Dourado
Tocantins, mas que deveriam se contentar em permanecer fora dos limites da
monumental cidade oficial.

Quando a chegada de migrantes em Palmas foi intensa, Eduardo Siqueira


Campos (filho de Siqueira Campos) era o prefeito de Palmas (1993 a 1996). O processo
migratório gerou inúmeros conflitos à prefeitura. O Jornal do Brasil de 9 de outubro de
1994 destacou a maneira como o citado prefeito analisou o processo.

Essa leva de migrantes, analisa o prefeito, só fez piorar uma situação cada
vez mais perigosa. “Antes esse pessoal ia para o Rio e São Paulo”, lembra
Eduardo Siqueira Campos. “Agora estão vindo para Palmas”, conclui.

O processo de conformação espacial das áreas periféricas de Palmas é similar


ao que ocorreu em Brasília, no período de sua criação. O Núcleo Bandeirante (Foto 44),
na época conhecido como ‘cidade livre’, recebeu uma população considerável de
migrantes desde 1956, sobretudo de nordestinos, que se constituíram em mão de obra
fundamental para a conclusão da Capital Federal.

189
Nenhum operário decidiu abandonar a nova capital e, em muitos casos, a eles
se juntaram seus familiares. O erro de previsão fez com que não houvesse
moradias disponíveis no plano-piloto, inaugurado inconcluso, com as
construções limitando-se à Asa Sul. Surgiram acampamentos de excluídos,
muito semelhantes às favelas existentes nas maiores cidades brasileiras; a
contragosto o governo ‘legalizou’ tais aglomerações, originando-se daí as
cidades- satélites.” 269

Lúcio Costa tinha previsto as cidades-satélites, também em moldes modernistas,


porém, apenas quando o Plano Piloto estivesse saturado. No entanto, a capital que, pelo
discurso dos planejadores, pretendia ser “igualitária e exemplar, confina os mais pobres
à periferia, tornando-se a mais segregante de todas as cidades brasileiras.” 270

Foto 44: A Avenida Central do Núcleo Bandeirante


Fonte: Arquivo Público do DF (1957).

Geraldo Batista afirma que Brasília é hoje uma grande aglomeração composta
por um conjunto de setores urbanos satélites polarizados por uma área central localizada
no Plano Piloto. Este centro coincide com a área urbana tombada pelo patrimônio
histórico.271

269
CAVALCANTI, Lauro Pereira. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na
arquitetura (1930/60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2006. p.219
270
Lauro Cavalcanti, op. cit; p.219.
271
BATISTA, Geraldo Nogueira. Brasília, pessoas ou carros?. In. RIBAS, Otto (Org.). Visões de
Brasília: patrimônio, preservação e desenvolvimento. IAB, 2005, p. 94.
190
Podemos fazer, neste caso, uma livre associação de Brasília com Palmas, pois a
origem de ambas cidades guardam inúmeras semelhanças. Um exemplo é o surgimento
dessas “cidades-satélites” em Palmas, localizadas no Setor Sul da cidade, região que
tem sido denominada pelos técnicos de “Palmas Sul”.

O bairro Taquaralto, pertencente a esta região, é um distrito urbano do


Município de Palmas, densamente habitado e que recebeu a maior parte dos migrantes
na época da construção da cidade; cresceu de forma espontânea, passando a conformar
uma paisagem urbana mais orgânica, bem diferente da do centro da cidade. De acordo
com o professor Fábio Duarte “aqueles que a construíram não têm vez na nova cidade.
A Vila União e Taquaralto repetem Candagolândia.” 272

Mas na década de 1980 Taquaralto já era um pequeno povoado, a região era


constituída por fazendas e vilarejos, cujos habitantes não imaginavam ver crescer “do
nada”, há poucos quilômetros, uma capital planejada. A foto 45 é da casa do senhor
Paulo Pereira Alencar, um dos primeiros moradores do vilarejo, antes de se tornar o que
conhecemos hoje com bairro Taquaralto.

Foto 45: Antigos moradores de Taquaralto


Fonte: Álbum de recordação da família (s.d.)

272
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 02
de fevereiro de 2011.
191
O casal Paulo e Lucilia, que está na fotografia acima, chegou à região no inicio
de 1980 e até hoje ainda moram na mesma casa, que é considerada uma das mais
antigas construções da região. Paulo, que atualmente (2010) trabalha como vigia no
Shopping da Cidadania pela Prefeitura de Palmas, relata como a região ganhou a
denominação de Taquaralto:

Foi no dia 10 de fevereiro de 1980, que eu cheguei e comprei esse ponto


aqui, dia 10 de fevereiro de 80, nem sonhava em ter Palmas, era um
sertãozão, aqui só tinha um povoadinho pequeno, que era conhecido como
Entroncamento. Depois andou um moço aqui de Porto Nacional por nome
Juraci Maia, ele vinha da fazenda, (...) não tem uma fazenda grande na beira
da estrada lá de Taquarussu? Era do pai dele, do senhor Joaquim Maia, então
ele vinha da fazenda, chegou ali numas casas onde tinha um botequinho e
falou assim: aqui não vai ser mais chamado de Entroncamento não, aqui nós
vamos colocar outro nome, vamos colocar o nome de Taquaralto. Juraci
Maia, lá de Porto Nacional. Então ele falou assim, vamos botar o nome de
Taquaralto, aí fez uma placa e colocou lá no pau que tinha no meio da praça,
colocou lá, aí ficou Taquaralto, toda vida ficou esse nome, por conta do
Juraci, aí o pessoal foi aumentando, aumentando, aí daqui um pouco olha
Palmas, Palmas chegou.273

Taquaralto, tal qual o Núcleo Bandeirante em Brasília, acomodou grande parte


da população operária que construiu a nova capital. Paulo continua a narrativa e conta
como foi o surgimento de Palmas na visão de um morador de vilarejo próximo.

Quando surgiu Palmas foi assim, a gente ouvia falar que ia ser uma capital,
mas não sabia onde era. Aí nesse tempo entrou o Siqueira Campos de
Governo, o povo falava que a capital ia ser em Araguaína, outros diziam vai
ser em Miracema, outros diziam que ia ser em outro lugar. Ai ele fez aqui
num lugar com o nome Água Fria, ficou entre Água Fria Grande e Água Fria
Pequena, que hoje é o Palácio. Bem ali no Espaço Cultural, ali era uma
fazenda, era um sitio muito grande. Siqueira Campos tirou de lá pra fazer os
trabalho dele. Pra cá da Prefeitura tinha outro fazendeiro, foi tirado, o
governo indenizou, tem que sair. Ali mais pra baixo do Palácio tinha mais
pessoal que morava, o governo indenizou, teve que sair. Ali tudo era cheio de
fazenda ao redor. Ali perto da ponte era cheio de fazenda, o governo
indenizou e tirou todo mundo e hoje virou a grande capital. Sempre eu ia lá,
direto, eu achava bom, eu achei bom porque melhorou pra nós, o hospital
ficou perto, nos livrou de ir em Porto Nacional, qualquer coisa nós tinhamos
que ir pra Porto, comprar coisa no mercado quando era em Porto, pra ir pro
hospital era em Porto Nacional e aqui melhorou muito pra nós, ficou perto,
valorizou muito as coisas.274

273
ALENCAR, Paulo Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 25 de
agosto de 2010.
274
Idem.
192
O Setor Sul de Palmas, além de Taquaralto, ainda é constituído por outros
núcleos habitacionais que vêm crescendo bastante, são eles: Jardim Aureny I, II e III e
IV (nome dado em homenagem à primeira esposa de Siqueira Campos, Aureny Siqueira
Campos), Santa Bárbara, Bela Vista, Taquari, Irmã Dulce, Santa Fé, Morada do Sol,
União Sul, dentre outros.
De acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação
(População, Área e Densidade Populacional por quadras), do Cadastro Técnico
Multifinalitário do ano de 2003, esta região tem uma população de aproximadamente
57.606 mil habitantes, morando fora da cidade planejada, uma parcela considerável da
população total do município, que é de 184.010 habitantes (IBGE, 2009). Esses dados
demonstram um crescimento e ocupação do espaço bem descentralizado e, no caso do
Setor Sul, um processo de segregação socioespacial evidente.
Para Luara Aquino, que acompanhou o crescimento acelerado que a cidade
apresentou a partir da sua criação, a sensação que ela tinha era de descontrole, veja:

No momento em que as pessoas começaram a descobrir Palmas, eles


começaram a achar que podiam vir, só que não tinha estrutura pra receber
ninguém, então começaram a acampar. Lá em Taquaralto começaram a fazer
barracos de lona, não sei se você já ouviu falar disso, barracão de lona, então
muita gente ia pra lá, colocava barracão de lona. O bairro Aureny veio
depois, já é mais lá na frente, então antes disso estavam tentando orientar as
pessoas a voltar, a não vir, é porque estavam chegando aqui de um jeito
errado. Como é que eles iram ficar se você não tem estrutura nenhuma?275

O bairro Jardim Aureny I nasceu de um loteamento popular realizado pelo


governo do Estado, a partir de 1991, para receber a demanda de pessoas que chegavam
de todas as partes do país, atraídas pela promessa do El DouradoTocantins, que na
análise de Eliseu Ribeiro Lira, era mais uma espécie de depósito de mão-de-obra barata,
isto é um local para alojar a pobreza, cristalizando assim, a rigidez da divisão social que
diferencia as duas localidades: o centro e periferia segregada de Palmas.276
Quando solicitamos à moradora do Jardim Aureny I, Luciana Silva277, que
relatasse a respeito da longa distância de onde ela mora até o centro da cidade, ela nos
revela com naturalidade a sua condição social:

275
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
276
LIRA, Elizeu Ribeiro. A Gênese de Palmas. Porto Nacional: Mimeo. Unesp, 1995, p. 287.
277
SILVA, Luciana. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 12 de setembro
de 2010. Perfil: Luciana veio de Goiânia acompanhar a família nos primeiros anos de construção de
Palmas e sua família foi contemplada com um lote a baixo custo no bairro Aureny I.
193
Eles dizem que pobre tem que ficar lá no “nem”, nem no centro nem em
Porto Nacional. Eles dizem que o pobre não vai dar conta de pagar o IPTU
Me diz: um assalariado tem condições de fazer o projeto de uma casa?
Porque lá no centro só se constrói com projeto, não é? Por isso é que os
pobres vêm pra cá, eles vêm sem projeto. Por isso que eles jogam a gente pra
cá, os pobres.278

Luciana em sua narrativa destaca um fenômeno social bastante presente no


início de Palmas, que era a venda de lotes, muitas vezes obtidos por processo de
invasão, para garantir a compra de mais lotes em lugares menos valorizados e mais
distantes, veja:
Pobre que tinha lote lá na época vendeu, porque ganhava mais e depois
mudou pra cá, investiram em lote. Eu conheço gente que morava ali mesmo
na JK, ali na 111, na 101, eles valorizaram o dinheiro deles, depois eles
vieram pra cá e compram dois lotes, dá pra comprar dois lotes, dá pra fazem
uma casinha, comprar um carro pra melhorar ... Aqui tá bem melhor do que
quando a gente morava no Goiás, nós morávamos de aluguel, pra nós aqui tá
bom.279

O arquiteto Cesar Amaral280 que trabalhou com as adequações da legislação


urbanística da cidade desde 2007, todas focadas nos objetivos e princípios do Plano
Diretor acha que:

Palmas é uma cidade polarizada, onde nós temos uma cidade que foi
concebida dentro de um conceito de uma nova capital de um Estado e nós
temos então uma outra parcela da cidade, exatamente 50% da população, está
estabelecida naquela área chamada de Palmas Sul, área sul, que pra mim é
Palmas também, mas que urbanisticamente falando elas tem que ser tratadas
distintamente porque uma tem estruturações diferenciadas da outra, você tem
realidades e histórias diferenciadas entre uma e outra, então, não
desmerecendo, o objetivos do Plano Diretor é fazer com que essa Palmas Sul
ela receba os mesmos benefícios da Palmas, chamada Centro (...) E quando
você chega mais a fundo, nessa população, você vê que essa população é a
que mais necessita de políticas públicas, que mais necessita de áreas para o
lazer delas, que mais necessita de ações que permita que ela tenha direito à
cidade, então, a função social da cidade tem que obedecer pra todos esses
lados então quando você faz essa análise, você começa a perceber isso. Por
outro lado, você quando você começa a percorrer esses locais você começa a
perceber que lá você tem as vezes mais vida do que aqui, na Palmas Centro,

278
Idem.
279
Idem.
280
AMARAL, Cesar Augustus de Santis. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 05 de setembro de 2010. Perfil: Cesar é arquiteto e urbanista paulistano, nascido em 17 de
setembro de 1971. Conheceu Palmas em 1993, quando ainda era estudante da Universidade Presbiteriana
Mackenzie (SP), junto com uma turma de 69 alunos, que vieram ao Tocantins para conhecer a capital
recém inaugurada. Mudou-se para Palmas no ano de 2000, com o objetivo de trabalhar no Plano Básico
Ambiental da Usina do Lajeado. Cesar trabalhou para uma construtora que prestava serviços à
INVESTCO, uma das funções era o reassentamento populacional. Trabalhou no período de 2004 a 2005
para a UNESCO no Programa Monumenta em Natividade. Em 2005 integrou equipe da Diretoria de
Planejamento Territorial responsável pela revisão do Plano Diretor. Durante 2006 foi coordenador dessa
equipe. E, de 2007 até 2010 atuou como Gerente de Planejamento Urbano, implementando os
instrumentos previstos no Plano Diretor Participativo de Palmas.
194
lá você as vezes percebe mais vigor, a cidade com mais vigor do que a cidade
aqui.281

Interessante notar que, apesar de estar à margem do plano, os moradores dessas


localidades demonstram mais intensidade nas relações humanas, mais vivacidade do
que aquelas que se processam convivência do centro da cidade, zona projetada pelos
técnicos. Percebe-se mais vida, a dinâmica urbana é mais evidente. O jovem
entrevistado David Lima Nunes282, nascido na cidade de Colinas, interior do Tocantins é
morador do bairro Jardim Aureny III relata:

É muito vivo, tem muito movimento na Aureny III, tem muito movimento do
pessoal, os vizinhos são ainda calorosos, você conhece ainda o seu vizinho,
você conversa com seu vizinho, não todos, mas alguns, você ainda conversa,
topa, brinca, tem aquele laço assim afetivo mais chegado. Tem a questão
também de quando passa da meia noite, você fica com receio, você já anda
mais cauteloso, porque como eu falei pra você, em direção ali ao Lago Sul,
eles colocaram pra ali todo o pessoal que foi chegando, o pessoal que não
tinha onde morar e ali não oferece tanta infra-estrutura, não tem tanta coisa
pro pessoal e o índice de criminalidade é grande, de roubo, dessas coisas, aí
você fica meio com receio, você vê o pessoal vendendo drogas, umas coisas
assim, você fica com receio.283

Observe o mapa de densidade populacional abaixo (Figura 35). Nas áreas em


tons laranja escuro e vermelho estão as maiores densidades populacionais; na área em
vermelho, pertencente ao Setor Sul, está localizada grande parte da população com
menor poder aquisitivo da cidade.

281
AMARAL, Cesar Augustus de Santis. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 05 de setembro de 2010.
282
LIMA, David. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 25 de agosto de
2010. David é morador do bairro Jardim Aureny III, região sul de Palmas. Nasceu em Colinas do
Tocantins em 25 de agosto 1989. O jovem rapaz veio morar na capital tocantinense em 2008 por que foi
aprovado no vestibular da Universidade Federal do Tocantins, no Curso de Arquitetura e urbanismo.
283
LIMA, David. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 25 de agosto de
2010.
195
Figura 35: Mapa de densidade habitacional da cidade de Palmas - TO.
Fonte: Prefeitura de Palmas (2008).

196
De acordo com os técnicos responsáveis pelo projeto, o espalhamento da cidade
não fazia parte do planejamento, muito pelo contrário, as diretrizes propositivas
apontavam para uma ocupação que deveria seguir “a forma de caracol”, para onde
primeiramente acorreria a ocupação da parte central. O crescimento a partir do centro
privilegia a concentração de pessoas, valoriza o lugar e melhora a vida para todo
mundo.284 Segundo Fernando Cruvinel:

A estratégia de implantação do plano previu uma expansão controlada da


urbanização. Uma vez aberto o sistema viário básico, as quadras seriam
progressivamente implantadas como módulos, de acordo com a demanda por
espaços exigida pelo ritmo do crescimento urbano. Isso permitia, em
princípio, evitar a dispersão das frentes de urbanização pela área total
prevista para a cidade, garantindo o aproveitamento racional e econômico da
infraestrutura dos serviços públicos que avançaria, por assim dizer, em
ondas.285

Porém, a realidade comprova o oposto. É fácil identificar na cidade os vazios


urbanos, onerosos para uma gestão que utilizava o discurso da sustentabilidade para
promover a capital. Tais vazios têm origem no veloz processo de especulação
imobiliária – cujo Estado tem o dever de combater, mas se omite. O artigo de Jonathas
Silva mostra que o próprio plano inicial já sugestionava a autossegregação das classes
mais abastadas.

No próprio texto do Plano Original da cidade já se identifica uma forma de


segregação socioespacial quando se tem como diretriz destinar áreas para
“classe média alta”, se referindo a grupos sociais com faixa de renda alta.286

Cabe o registro de que o Estado é o maior detentor de terras, o que caracteriza


ainda mais a intenção de afastar intencionalmente a população pobre para a parte sul do
plano, pois esse mesmo Estado poderia e deveria ter assentado a população em lotes
mais centrais. E por que não o fez?

284
Hugo Segawa, op cit. p. 105.
285
TEIXEIRA, Luís Fernando Cruvinel. A formação de Palmas. Dossiê cidades planejadas na
Hinterlândia. Revista UFG: Junho. Ano XI, nº 6, 2009; p. 96.
THOMPSON, E. Peculiaridade dos Ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. Unicamp, 2001.
286
SILVA, Jonathas Magalhães Pereira. A Segregação socioespacial: contradições presentes em
Palmas/TO. Risco: revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos / USP. São Carlos, 2009; p.128.
197
O registro feito pelo Jornal do Tocantins (Figura 36) narra as invasões
realizadas em área central da capital e a legenda traz em destaque a seguinte afirmação:
“invasores não respeitavam nem a proximidade do poder. Até mesmo a região perto do
Palácio Araguaia foi ocupada.”

Figura 36: Reportagem sobre as invasões em Palmas no início do planejamento da cidade.


Fonte: Jornal do Tocantins, 20 de maio de 2000.

Os migrantes pobres chegavam de todas as partes do país e não eram bem


vindos, pois eram espelho das fragilidades de um sistema socioeconômico capaz apenas
de privilegiar os mais abastados. Luiz Hildebrando Paz287, que acompanhou os
primeiros anos de crescimento de Palmas e chegou ao Tocantins em 1989, narra que a
propaganda sobre a construção de uma cidade nova atraiu atenção não apenas dos
empresários e demonstra como se deu o processo de formação da região sul da cidade.

287
PAZ, Luiz Hildebrando. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 05 de
agosto de 2010. Perfil: Hildebrando nasceu dia 15 de abril de 1962 em São Borja, Rio Grande do Sul.
Estudou em São Leopoldo, cidade próxima a Porto Alegre, na UNISINOS (Universidade do Vale do Rio
dos Sinos). Formou-se em arquitetura em 1988, no ano em que o Tocantins foi criado, então, recém
formado em arquitetura e urbanismo veio para o novo estado (1989) com sua família. Trabalhou para o
governo do estado e para prefeitura de Palmas, prestando serviços na área de arquitetura e urbanismo,
atualmente é Diretor de Elaboração de Projetos, Pesquisa e Tecnologia, da Secretaria de Habitação do
Estado do Tocantins.

198
Era uma propaganda muito intensiva de Palmas no país todo, mas a intenção
era trazer o investidor, pessoas com dinheiro, só que as que vieram primeiro
foram as pessoas de baixa renda e Palmas estava fechada para elas. Não
existia previsão de onde iriam morar as pessoas pobres no Projeto
Urbanístico. Então, se fez uma propaganda muito grande de Palmas e como
os empresários representavam a minoria, isso fez com que Palmas tivesse
essa explosão na Região Sul.288

Alguns episódios muito comentados e noticiados em jornais locais no período


da construção da cidade descrevem a ação do poder público para impedir que terras
centrais fossem ocupadas. Neste momento foram criadas as áreas fora do plano para que
o contingente com poder aquisitivo menor se estabelecesse, é o que nos aponta Jonathas
Silva:

Existem matérias, em jornais da época, que descrevem os bloqueios feitos


pela polícia nas estradas a fim de redirecionar a população “sem terra” para
loteamentos improvisados ao sul da área do plano, que viriam a formar os
bairros Aurenys, Jardim Taquari entre outros.289

O fato culminou com a retirada truculenta de população pobre, que passou a


invadir lotes, armando suas barracas em área nobre da cidade, ou mesmo através da
proibição da entrada de muitas dessas pessoas na cidade, impedida por barreiras
policias.

4. 4. Pluralidade fragmentada em diferentes memórias.

A historiografia do Tocantins está fortemente vinculada a um constructo em


torno da figura de Siqueira Campos, mas podemos dizer que, assim como Giovani
Contini procurou analisar o caso do Massacre de Civitella290 como uma memória
dividida, destacamos também essa dicotomia na construção do mito criador do

288
Idem.
289
Jonathas Magalhães Pereira Silva op. cit; p. 130.
290
Contini identifica por um lado uma memória “oficial”, que comemora o massacre como um episódio
da Resistência e compara as vítimas a mártires de liberdade; e, por outro lado, uma memória criada e
preservada pelos sobreviventes, viúvas e filhos, focada quase que exclusivamente no seu luto, nas perdas
pessoais e coletivas. Essa memória não só nega qualquer ligação com a Resistência, como também culpa
seus membros de causarem, com um ataque irresponsável, a retaliação alemã. (p. 105)
199
Tocantins. De um lado a memória oficial, os correligionários políticos de Siqueira
Campos e do outro uma parcela nova da população que não viveu o primeiro mandato
de Campos e que por isso carrega outras memórias. Luara Ramos, que mora em Palmas
desde os primeiros anos da criação da cidade mostra um pouco da divisão a que as
memórias palmenses estão inseridas.
A minha vida é essa, eu queria conquistar algumas coisas aqui, que é sonho
de cada um que tem a sua história, sua particularidade, e às vezes eu acho que
a gente esbarra em situações políticas ruins, que acabam atrapalhando muita
coisa, como se você criasse rótulos para as pessoas, então aquelas pessoas
criam rótulos, aquela ali é essa, eles te colocam rotulado como se você não
fosse você. Então eu penso assim, eu sou eu, eu sou a Luara, independente se
eu trabalhei pra aquele ou pra aquele outro, eu tive a fidelidade ao trabalho
naqueles momentos, agora eu tenho a minha individualidade, eu tenho o meu
pensamento, isso não quer dizer que eu concorde com tudo que já foi feito,
com coisas que podem vir a ser feitas, eu to com 48 anos, não é possível que
nessa idade eu já não tenha consciência de uma certa coisa.291

A “memória coletiva” não é um todo sólido, ela está socialmente divida. O fato é
ter sido Siqueira Campos o primeiro governador do Estado, no entanto, ser “o pai
fundador” do Tocantins é a representação. Para Alessandro Portelli a memória é social e
pode ser compartilhada, razão pela qual cada indivíduo tem algo a contribuir para a
história “social”, segundo ele:
Se toda memória fosse coletiva, bastaria uma testemunha para uma cultura
inteira; sabemos que não é assim. Cada individuo, particularmente nos
tempos e sociedades modernos, extrai memórias de uma variedade de grupos
e as organiza de forma idiossincrática.292

Essas duas memórias – a que resulta da história oficial e aquela que é construída
pela comunidade – entram em conflito muitas vezes. Siqueira teve um grande prestigio
perante seus correligionários, bem como com uma parcela da população mais pobre, que
vive em cidades mais distantes do Estado, em certo estado de isolamento geográfico. É
na capital onde se percebe que a memória esta mais claramente dividida, entre seus
adversários políticos e uma nova população que não acompanhou o período de criação
de Palmas.
No entanto, a tarefa do especialista, afirma Portelli, depois de recebido o
impacto, é se afastar, respirar fundo, e voltar a pensar. Com o devido respeito às pessoas
291
RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 13
de setembro de 2010.
292
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944):
mito e política, luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos &
Abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 127.

200
envolvidas, à autenticidade de sua tristeza e à gravidade de seus motivos, nossa tarefa é
interpretar criticamente todos os documentos e narrativas, inclusive as delas.

Quando falamos numa memória dividida, não se deve pensar apenas num
conflito entre a memória comunitária pura e espontânea e aquela “oficial” e
“ideológica”, de forma que, uma vez desmontada esta última, se pode
implicitamente assumir a autenticidade não-mediada da primeira. Na
verdade, estamos lidando com uma multiplicidade de memórias fragmentadas
e internamente divididas, todas, de uma forma ou de outra, ideológica e
culturalmente mediadas.293

Emitir uma opinião contrária àquela narrada pela historia oficial é muitas vezes
uma difícil tarefa do ponto de vista individual, pois como se sabe, os jornais e
documentos oficiais estão repletos de narrativas que fortalecem o constructo político.

“Existem narradores gabaritados, e até alguns especialistas ‘temáticos’,


versados em partes ou episódios específicos da história. Pode-se também
perceber claramente, nas situações narrativas, um elemento de controle social
sobre a forma de relatar acontecimentos.” 294

É fato que grande parte da economia do Tocantins gira em torno do


funcionalismo público e a memória coletiva se recusa a contrariar os “donos do poder”.
Assim, o que parece ser o “senso comum” ganha forma mais claramente na linguagem
oficial.
Ainda que pela quarta vez (2011) na arena política Campos assuma o governo do
Estado, ao longo do mandato dos governantes Moisés Nogueira Avelino, Marcelo de
Carvalho Miranda e Carlos Henrique Amorim foi quando sua imagem ficou à margem
da política regional, no entanto, a mídia em torno do mito sempre procurou renovar esta
imagem. Uma reportagem bem recente ilustra essa intenção, o fato ocorreu no período
da propaganda eleitoral para governador do Tocantins em 2010 (Figura 37).

293
Alessandro Portelli, op. cit, p. 106.
294
Ibid. p. 108.
201
Figura 37: Entrevista com Siqueira Campos 6 meses antes da eleição
2010.
Fonte: O Girassol (2010).

A população reluta em criticar as posturas de Siqueira Campos quando ele está


no poder, pois muitos tiveram e tem prestígio por gravitarem ao redor da sua imagem,
em busca de favores e facilidades políticas. Inconsistências cometidas pelo governo são
pacificados, naturalizados e a imagem de “pai do estado” permanece e o “perdão” é
aceito pela coletividade que o elegeu.
Um dos exemplos está relacionado às narrativas em torno das decisões de
Siqueira quanto à localização da cidade. No entanto, a questão mais básica nunca é
posta na maioria delas. Se neste lugar não tinha nada, porque unir a nova cidade à outra
já existente? Em defesa os discursos se formam e são incontáveis: Mas aqui não tinha
nada, era só pó, como ele poderia ter feito diferente? Ele foi um desbravador. E nesta
estrutura o mito é construído.

Um mito não é necessariamente uma história falsa ou inventada; é, isso sim,


uma história que se torna significativa na medida que amplia o significado de
um acontecimento individual (factual ou não), transformando-o na
formalização simbólica e narrativa das auto-representações partilhadas por
uma cultura.295 .

295
Alessandro Portelli, op. cit, p. 121.
202
Quando compreendemos que “memória coletiva” nada tem a ver com memórias
de indivíduos, não mais podemos descrevê-la como a expressão direta e espontânea de
dor, luto, escândalo, mas como uma formalização igualmente legítima e significativa,
mediada por ideologias, linguagens, senso comum e instituições. Não podemos
continuar procurando oposições somente entre campos de memória, e sim também
dentro deles.
A definição de “memória coletiva” precisa ser ampliada e radicalizada para
definir não só a dicotomia entre a memória institucional (a história oficial do Tocantins)
e a memória coletiva da comunidade, mas também a pluralidade fragmentada de
diferentes memórias.
Como se vê, pela manifestação de pessoas que praticam o estado do Tocantins
fundado, arquitetado, como se vê pelo aparato de informações, de estudos, de pesquisa
postos à compreensão do novo estado, são muitas as razões dos fundadores embalados
por motivações salvadoras, triunfantes, nem sempre triunfantes de fato, na trama
vivenciada da cidade dada à luz. Os sonhos, os passos motivados por princípios
discutíveis, ideológicos demais, desviam-se, podem desviar-se, distanciar-se dos fins
anunciados, tanto que, no caso do estado do Tocantins e de sua capital, nem tudo são
Palmas, aplausos aos viventes dos plainos cerrados, ainda à espera de que as belas
idealizações dos discursos fundadores possam raiar, em integridade, num futuro
próximo.

203
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No momento em que nos despedimos de Palmas, tema central desta pesquisa,


a cidade completa 22 anos. A menção à idade nos dá a real noção do desafio que foi o de
analisar, problematizar, analisar, interpretar, comparar e, com parcimônia, escrever uma
historia social da capital do Tocantins, que existe apenas há duas décadas. O desafio
inscreve-se na temática escolhida inserta na história de um tempo ainda presente de uma
capital que se descortina face aos nossos sentidos e entendimento, como cidade-
monumento/documento.

Percorremos remissivamente o tema da ‘cidade moderna’ nas denominações


metafóricas de ‘alma, corpo e modelo’. E para problematizar a complexidade dos
espaços citadinos da modernidade em suas múltiplas faces, partimos da poética do
flâneur, seguindo pelas ações de limpeza e embelezamento presentes, nos planos de
saneamento, até chegarmos ao projeto racionalista de cidades construídas ex nihilo: o
caso de Palmas.

O projeto político responsável pela decisão de construir a capital do Tocantins


‘a partir do nada’ sustentou (e vinte anos depois ainda sustenta) um discurso baseado em
duas máximas: progresso e modernidade. A modernidade como um projeto inacabado296
fortaleceu a tese de que a construção de Palmas faz amplo sentido no contexto
tocantinense, onde a máquina da modernidade foi engendrada tardiamente com a
construção relâmpago de uma nova cidade, de arquitetura monumental.

Intitular o Tocantins de “A última fronteira agrícola do planeta” e Palmas,


desde 1990, como “A última cidade planejada do século XX” confirma, por exemplo, a
tardia chegada dos princípios da moderna arquitetura e do urbanismo no Cerrado. Além
de tardia é, de certa maneira, anacrônica a associação presente no discurso fundador do
Tocantins, com aqueles de progresso iniciados por Getúlio Vargas (1930) e continuado
com o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek (1960).

296
CF. HABERMAS, Jürgen. “Arquitetura Moderna e Pós-moderna” e “Modernidade – Um Projeto
Inacabado”. In. ARANTES, Otilia Beatriz Fiori. ARANTES, Paulo Eduardo. Um ponto cego no projeto
moderno de Jürgen Habermas: arquitetura e dimensão estética depois das vanguardas. São Paulo:
Brasiliense, 1992, p.100-149.
204
A construção da política regional tocantinense foi conduzida pelas antigas
oligarquias do norte de Goiás, que se valeram da invenção de tradições297 reavivando
personagens seculares, como foi o caso de Joaquim Theotônio Segurado. O projeto
político tocantinense também remodelou mitos religiosos, como foi o caso das
emblemáticas comemorações da primeira missa, o batismo espiritual da cidade
vindoura, com a simbólica presença de índios, no lançamento da pedra fundamental de
Palmas.

O maior dos símbolos produzidos foi a própria cidade de Palmas, trinta anos
depois de Brasília, mas de arquitetura e urbanismo muito parecidos ao projeto da
Capital Federal. Quando Marx afirmou que a história se repete como tragédia e farsa,
Brasília e Palmas surgem como similaridades desconcertantes.

Se em “Brasília há invenção”, como afirmou muito entusiasmado Le Corbusier,


em sua última viagem ao Brasil em 1962, em Palmas não houve inovação alguma do
ponto de vista do urbanismo, afirma categoricamente Roberto Segre298, na introdução do
seu livro Arquitetura Brasileira Contemporânea. Quando da idealização e concretização
de Palmas reformularam-se antigas propostas, muito próximas àquelas realizadas na
capital nacional, resultado de uma modernidade tardia amplamente absorvida no interior
do país.

Portanto, entendemos a intenção de vincular a construção de Palmas a uma


noção de modernidade, como reinvenção, reinvestimento de velhas tradições, presentes
nos discursos políticos e nas práticas de gestão casadas ao discurso fundador. Discursos
que destoam da realidade, conforme foi amplamente analisado na prática cotidiana do
espaço urbano e que se apresentam como um recurso capaz de preservar os interesses de
uma elite dominante.

No sentido antropológico, a cidade é um território de multiplicidade. Em Palmas


é restrita a possibilidade de sentir a cidade em suas múltiplas dimensões, devido à
concepção artificial, pelo fato de não possuir um centro histórico, de não reproduzir a
complexidade da vida em suas esquinas, pois não há esquinas nessa capital, onde
possam se processar naturalmente as relações sociais entre os transeuntes, os passantes,

297
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz & Terra,
1997.
298
SEGRE, Roberto. Arquitetura Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, 2004,
p. 19.
205
conforme nos alertou Jane Jacobs, quando criticou o urbanismo ortodoxo das
pranchetas.

Atesta-se a verdadeira carência das cidades nascidas à base de um macro plano


urbano geométrico, desenho de matriz matemática, produto de um pequeno grupo de
técnicos, responsáveis por direcionar a vida futura de um lugar, não sendo levada em
consideração a complexidade inerente ao objeto cidade. Sabemos que há formação de
lugares onde a experiência humana é acumulada, apreendida e multiplicada, mas no
caso particular de Palmas é precária e pouco produtiva – sustenta-se como discurso
político; na prática se ressente de vivacidade.

A figura cidade, a partir de conceitos de Pierre Nora, desvenda-se como


monumento/documento; tendo a praça central marcadamente icônica e cujo nome
carrega o ícone do girassol, imagem também escolhida como símbolo, transforma-se em
lugar de memória. Os palácios, os prédios do poder, os monumentos que rememoram
guerrilhas acontecidas em outras partes do país, acabam por soar timbres falsos, porque
tentam construir intencionalmente a identidade cultural tocantinense. É o que foi
mencionado com recorrência nos relatos de alguns entrevistados, viventes de Palmas
desde os tempos inaugurais.

Sendo assim, é estimulante imaginar que cidades, nascidas a partir da expansão


planejada de núcleos já existentes, possam representar uma semente primordial de vida
capaz de extirpar o fator esterilidade urbana. Isso, ao invés da construção ex nihilo, que
no mais espelham e representam projetos políticos de alto custo, baseados na construção
simbólica cujo objetivo personifica o poder na imagem de um representante, de um
dirigente, de um mandatário.

Possivelmente o Brasil ainda será palco de novas divisões territoriais, é o que


apontam as recentes discussões sobre o caso do Pará com a possível criação dos estados
do Carajás e Tapajós. O argumento daqueles que são favoráveis à divisão é de que a
melhor forma de administrar e desenvolver uma região tão extensa, diferenciada e
estratégica é dividindo-a, como ocorreu com o estado de Goiás, considerando-se sua
parte norte. A parcela pobre anseia e briga pela partilha. É levada a pensar que mais vale
dividir em partes que unir e fortalecer o todo. Por outro lado, os argumentos contrários
afirmam que as divisões territoriais no Brasil têm sido uma repetição de processos que
privilegiam os interesses políticos e não os do povo, favorecendo oligarquias ávidas por
206
novos domínios. Enquanto uns questionam se o processo de divisão territorial apenas
contribuirá para uma redivisão da pobreza no país, outros já delineiam os primeiros
passos para a construção de novas cidades-capitais no Brasil.

Visto esse contexto, pensou-se no caso da fundação do Estado do Tocantins e de


Palmas, a partir de um enfoque estritamente científico e factual. Daí o aparato teórico e
documental, escrito e oral, os números, as datas, os dados objetivos que sustentaram as
afirmações exaradas, lavradas e consignadas no percurso desta tese de doutoramento
que, na qualidade de tese acadêmica, há de exercitar a dicção clara movida à teoria e
objetividade. Tomados os resultados obtidos ao longo da pesquisa, da
análise/interpretação de dados é que, neste instante de finalização de tarefa, pode-se
concluir que a capital ex nihilo, Palmas de nome, precisa ainda se fazer mais “carnal” e
convivida e, assim, cumprir de fato com seu projeto de servir a contento, cada vez mais
efetivamente, a comunidade tocantinense, até hoje mais espectadora que usuária de sua
cidade altiva, fugidia, dizem seus habitantes, sua Palmas vastamente monumental.

207
ANEXOS

208
209
210
TIPOLOGIA DAS FONTES

Jornais

Folha de São Paulo. S.P. 1989 – 2002.

Jornal do Tocantins, TO; 1989 – 2002

Jornal do Brasil. R.J; 1989 -1994.

O Globo. R.J; 1998.

O Girassol, TO; 2010.

Revistas

AU - Arquitetura & Urbanismo, S.P; 1989 – 2002.

Almanaque Cultural do Tocantins, TO; 1999 – 2002.

Revista Projeto, S.P; 1989 – 2002.

Revista Veja. R.J; 1989 – 2002.

Revista Manchete. Edição Especial. JK 100 anos: vida e obra do grande estadista.
Dezembro de 2001.

Publicações Oficiais

BRASIL, Governo do. Constituição Federal do Brasil de 1988- atualizada, Brasília:


Editora Senado Federal, 2001.

PALMAS, Prefeitura Municipal de. Projeto da Capital do Tocantins. Palmas:


NOVATINS, 1989.

PALMAS. Prefeitura Municipal de. Plano Diretor. Palmas, 2002.

TOCANTINS (Palmas-Município). Lei nº 364 de 3 de novembro de 1992. Fica


declarada de expansão urbana, a área de terra excedente, do Plano Diretor da cidade de
Palmas e dá outras providências.

211
TOCANTINS (Palmas-Município). Lei nº 468, de 6 de janeiro de 1994. Aprova o Plano
Diretor Urbanístico de Palmas (PDUP) e dispõe sobre a divisão do solo do Município,
para fins urbanos.

TOCANTINS. Diagnóstico Sócio-Econômico. 1989/90.

VILLAS BOAS, Marcos Antony. Projeto Frisa, A História do Tocantins contada em


alto relevo nas vigas do Palácio Araguaia. Academia Tocantinense de Letras.
Acadêmico Desembargador Marco Villas Boas, Palmas:, 20 de dezembro de 2002.

Arquivos Privados

Arquivo pessoal de Desirée Monjardim (sobre a obra de Mauricio Bentes) Rio de


Janeiro: 2008.

Arquivo pessoal de Wanda Bentes. Mãe do Artista Maurício Bentes. Rio de Janeiro:
2008.

Arquivo pessoal de Ernani Vilela (Arquiteto de prédios institucionais de Palmas),


Florianópolis, 2008.

Documentos

Declaração de autoria de projetos em Palmas – TO (registro em cartório).


GrupoQuatro. Goiânia: 1990.

Correspondência Eletrônica

VILELTA, Ernani Vilela. Arquiteto e urbanista de prédios institucionais da Praça dos


Girassóis. Correspondência eletrônica trocada com autora da tese durante o ano de
2008.

212
Fontes Orais

Para o desenvolvimento deste estudo foram entrevistados quatorze indivíduos,


sendo que seis deles são arquitetos, pelo próprio recorte temático da pesquisa que
abrangeu as área da arquitetura e do urbanismo. Os critérios utilizados para a escolha
não foram aleatórios, podemos caracterizá-los basicamente em dois: a escolha de
“figuras políticas/autores de projetos” e “localização espacial das residências dos
entrevistados dentro do Plano Urbanístico da cidade”.

Do primeiro critério “figuras políticas/autores de projetos” foram enviados


convites para os dois autores do Plano Urbanístico de Palmas, tendo sido realizada
entrevista com apenas um deles, Luiz Fernando Cruvinel, do qual recebi o aceite para a
gravação de áudio e vídeo. Foi feito um pedido de entrevista por escrito ao atual
governador do Tocantins, José Wilson Siqueira Campos, conforme consta nos anexos
desta tese. O pedido antecedeu o período das eleições para governador, dia 25 de
fevereiro de 2010. Não recebemos resposta à solicitação, por tanto, as fontes utilizadas
onde aparecem relatos de Siqueira Campos dizem respeito a entrevistas para jornais
locais ou aquelas publicadas em bibliografias regionais.

Tendo em vista que este trabalho teve como objeto central a própria cidade de
Palmas, a escolha dos entrevistados pela “localização espacial das residências” se deu
da seguinte forma: um morador do bairro Aureny I, um morador do bairro Aureny III,
um morador de Taquaralto, dois moradores da Vila União e nove moradores das quadras
centrais de Palmas, abrangendo assim todas as áreas citadas e analisadas ao longo desta
tese.

O objetivo foi coletar relatos das diferentes conformações urbanas assumidas


pelos bairros dentro dessa comunidade fragmentada e segregada que representa a cidade
de Palmas no período de 1990 a 2010.

213
Lista de depoentes da autora e perfil do entrevistado

ALENCAR, Paulo Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 25 de agosto de 2010. Perfil: Paulo tem 60 anos, nasceu nas proximidades de
Porto Nacional (TO) e é antigo morador do bairro Taquaralto, região sul de Palmas.
Chegou ao vilarejo dia 10 de fevereiro de 1980, dez anos antes do surgimento de
Palmas. Paulo e sua esposa Lucília moram até hoje na mesma casa - ele trabalha como
funcionário da prefeitura, na função de vigia e ela como dona de casa.

AMARAL, Cesar Augustus de Santis. Depoimento concedido à Patrícia Orfila


Barros dos Reis. Palmas, 05 de setembro de 2010. Perfil: Cesar é arquiteto e urbanista
paulistano, nascido em 17 de setembro de 1971. Conheceu Palmas em 1993, quando
ainda era estudante da Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), junto com uma
turma de 69 alunos, que vieram ao Tocantins para conhecer a capital recém inaugurada.
Mudou-se para Palmas no ano de 2000, com o objetivo de trabalhar no Plano Básico
Ambiental da Usina do Lajeado. Cesar trabalhou para uma construtora que prestava
serviços à INVESTCO, uma das funções era o reassentamento populacional. Trabalhou
no período de 2004 a 2005 para a UNESCO no Programa Monumenta em Natividade.
Em 2005 integrou equipe da Diretoria de Planejamento Territorial responsável pela
revisão do Plano Diretor. Durante 2006 foi coordenador dessa equipe. E, de 2007 até
2010 atuou como Gerente de Planejamento Urbano, implementando os instrumentos
previstos no Plano Diretor Participativo de Palmas.

CARVALHO, Rafael Lima de. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos
Reis. Palmas, 16 de fevereiro de 2009. Rafael é professor da Universidade Federal do
Tocantins e morador de Palmas desde agosto de 2000, nasceu em Porangatu (Goiás), dia
29 de agosto de 1984. Veio para Palmas acompanhar a mãe, que fora aprovada em
concurso público para a Prefeitura de Palmas, na função de técnica em enfermagem.
Desde que chegou à Palmas, Rafael trabalha na Universidade Federal do Tocantins,
primeiro como programador e atualmente como professor efetivo do curso de
computação.

214
DUARTE, Fábio Henrique. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 02 de fevereiro de 2011. Perfil: Fábio nasceu em Alcântara, Maranhão, dia 24
de setembro de 1970, é graduado em filosofia pela Universidade Federal do Maranhão
(1993), possui mestrado em Filosofia Política pela Universidade Federal de Goiás
(2000) e foi aprovado em concurso público na Universidade Federal do Tocantins e por
este motivo veio morar em Palmas em 2003.

GONÇALVES, Carlos Eduardo Cavalheiro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila


Barros dos Reis. Palmas, 31 de janeiro de 2011. Perfil: Carlos Eduardo nasceu em São
Gabriel, Rio Grande do Sul, no dia 10 de agosto de 1978. É graduado em arquitetura e
urbanismo pela UNERJ (2002), pós-graduado em infra-estrutura urbana pela UFT
(2005) e mestre em arquitetura e urbanismo pela UnB (2009). Chegou em Palmas em
março de 2005 devido a comentários de que a cidade oferecia boas oportunidades.
Trabalhou no programa Monumenta Natividade (2007 a 2009), foi professor da UFT
(2005 a 2006) e atualmente trabalha no escritório JP Arquitetura na função de arquiteto
e urbanista.

LIMA, David. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas, 25
de agosto de 2010. David é morador do bairro Jardim Aureny III, região sul de Palmas.
Nasceu em Colinas do Tocantins em 25 de agosto 1989. O jovem rapaz veio morar na
capital tocantinense em 2008 por que foi aprovado no vestibular da Universidade
Federal do Tocantins, no Curso de Arquitetura e urbanismo.

LOPES, Pedro. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas: 10
de junho de 2009. Pedro é Arquiteto desde 1978, pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas (SP), natural da cidade de Catanduva (SP), nasceu em 25 de marco de
1952. Mudou-se para o Tocantins em fevereiro 1990, para a cidade de Miracema e, em
fevereiro de 1991 foi para Palmas. Foi chefe da assessoria técnica da Secretaria de
Planejamento do governo do estado, onde iniciou o planejamento estratégico do novo
estado. No ano 1993 fundou junto com o arquiteto Edson Eloy, a empresa de projetos
Modulor Arquitetura para a Vida que atua até hoje. Pedro se especializou na área de
regularização fundiária urbana, pela Universidade Federal Fluminense (1997). No ano
de 2008 foi aprovado em concurso para a função de professor na Universidade Federal

215
do Tocantins onde ministra disciplinas nas áreas de projeto de arquitetura, tecnologias
alternativas e desenho e plástica.

PAZ, Luiz Hildebrando. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas: 05 de agosto de 2010. Perfil: Hildebrando nasceu dia 15 de abril de 1962 em
São Borja, Rio Grande do Sul. Estudou em São Leopoldo, cidade próxima a Porto
Alegre, na UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos). Formou-se em
arquitetura em 1988, no ano em que o Tocantins foi criado, então, recém formado em
arquitetura e urbanismo veio para o novo estado (1989) com sua família. Trabalhou para
o governo do estado e para prefeitura de Palmas, prestando serviços na área de
arquitetura e urbanismo, atualmente é Diretor de Elaboração de Projetos, Pesquisa e
Tecnologia, da Secretaria de Habitação do Estado do Tocantins.

RAMOS, Luciélia de Aquino. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos


Reis. Palmas, 13 de setembro de 2010. Perfil: Luciélia de Aquino Ramos, Luara, como
é conhecida, nasceu dia 05 de julho de 1962 em Itumbiara (Goiás), formou-se em Artes
Visuais pela Universidade Federal de Goiânia - UFG, especialista em Português pela
Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO, mestranda em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade de Brasília - UnB, veio para Palmas em 1990
acompanhando o marido Cesamar Lázaro da Silveira, que foi assessor do gabinete da
governadoria, Chefe da Casa Civil do Estado e faleceu quando ocupava a função de
Advogado Geral do Município. Após o falecimento do cônjuge no ano de 1996 ela
permaneceu na capital onde desenvolveu inúmeros trabalhos como servidora pública
estadual e municipal nas áreas da educação e cultura. Em 2003 ingressou no trabalho de
docência Superior nas Faculdades Objetivo de Palmas – FAPAL e IEPO, em 2005
ingressou como professora na Universidade Federal do Tocantins na qual atua até a
presente data - 2011. No ano de 2006 assumiu a Coordenação do Curso de
Comunicação Social Publicidade e Propaganda das Faculdades Objetivo de Palmas
FAPAL e IEPO, atuando como Coordenadora até a presente data no IEPO, e como
professora nos Cursos de Comunicação Social Publicidade e Propaganda, Curso de
Administração e Curso Ciências Contábeis.

SILVA, Luciana. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis. Palmas,
12 de setembro de 2010. Perfil: Luciana veio de Goiânia acompanhar a família nos
216
primeiros anos de construção de Palmas e sua família foi contemplada com um lote a
baixo custo no bairro Aureny I.

SILVA, Zilda Barros da. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.
Palmas, 28 de agosto de 2010. Perfil: Zilda nasceu em Guaraí (Tocantins), dia 03 de
outubro de 1970, veio para Palmas em 1990 e trabalhou como empregada doméstica.
Sua irmã, que já morava em Palmas, a incentivou a vir em busca de trabalho e melhoria
de vida. Zilda participou do processo de invasão da Vila União, área próxima ao centro
da nova capital e que atualmente é um dos bairros mais populares de Palmas.
Atualmente mora na Quadra 605 Norte, próxima à Vila União, em um novo loteamento
que foi fruto das primeiras invasões.

SOARES, Marlilde Pereira. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos


Reis. Palmas, agosto de 2010. Perfil: Nasceu no Maranhão, dia 10 de setembro de
1967, foi para Palmas no final de 1992 com a mãe, deixando temporariamente os filhos
no Maranhão. Veio para Palmas incentivada pelo primo Adilson que já morava na
cidade. Ela participou do processo de invasão da Vila União, onde montou um barraco
de lona para garantir um lote. Atualmente Marlilde trabalha como funcionária de uma
lanchonete, sua mãe reside na casa da Vila União e ela mora na quadra 1006 Sul.

TEIXEIRA, Luiz Fernando Cruvinel. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros


dos Reis. Palmas: 24 de setembro de 2009. Perfil: Nasceu em Goiânia, formou-se em
Arquitetura e Urbanismo pela UnB (1968), fez pós-graduações em Estudos Tropicais
para Arquitetura e Meio-ambiente e posteriormente em Planejamento Urbano e
Regional, ambos na Architectural Association School of Architecture – Londres-
Inglaterra. Foi Professor Universitário no período entre 1974 e 1978 e formulador da
criação do Instituto de Desenvolvimento Urbano de Goiás – INDUR. Dentre os seus
trabalhos mais importantes está o Projeto Urbanístico da nova capital do Tocantins,
realizado em 1989, em co-autoria com Walfredo Antunes de Oliveira. Atualmente
continua suas atividades como diretor do escritório de arquitetura e urbanismo
GrupoQuatro em Goiânia.

VILELA, Ernani. Depoimento concedido à Patrícia Orfila Barros dos Reis.


Correspondência Eletrônica. 2008. Perfil: Ernani nasceu dia 28 de outubro de 1941 em

217
São Paulo (SP). Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade de Brasília (1967),
Vilela teve a oportunidade de acompanhar os primeiros anos da Capital Federal. Ele
projetou residências e edifícios em São Paulo, Rio de Janeiro, Tocantins e Florianópolis.
Em parceria com a arquiteta e urbanista Maria Luci da Costa projetou os principais
prédios da principal praça da nova capital do Tocantins (Praça dos Girassóis), sendo um
deles o palácio do governo. É autor dos livros Reflexos de Niemeyer (2007) e Sob o
Fascínio do Pôquer (2006). Atualmente reside e trabalha como autônomo na cidade de
Florianópolis.

Fontes Iconográficas (Visuais)

Croqui do Memorial Coluna Prestes. Fundação Oscar Niemeyer. R.J;

Plano Urbanístico de Palmas. Arquivo da Casa da Cultura. Palmas: 1989.

Projetos Arquitetônicos dos prédios institucionais de Palmas - TO. Arquivo da Casa da


Cultura. Palmas: 1989.

Plano Urbanístico de Palmas. Arquivo GrupoQuatro. Goiânia: 1989.

Perspectiva da Praça dos Girassóis (Projeto). Arquivo pessoal de Ernani Vilela: 1989.

Perspectiva do Palácio Araguaia (Projeto). Arquivo pessoal de Ernani Vilela: 1989.

Perspectiva das Secretarias do Estado. Arquivo pessoal de Ernani Vilela: 1989.

Perspectiva do Museu do Tocantins. Arquivo pessoal de Ernani Vilela: 1989.

Fotografias

Fotos da Construção de Palmas: 1989 – 2002. Arquivo da Casa da Cultura, Palmas:


2009.

Fotos da Construção de Brasília: 1957 – 1960. Arquivo Nacional: Rio de Janeiro, 2008.

218
Foto da construção das Secretarias: 1990. Arquivo pessoal de Ernani Vilela.

Foto aérea de Palmas: 1990. Arquivo pessoal de Ernani Vilela.

Foto da construção do Palácio Araguaia: 1990. Arquivo pessoal de Ernani Vilela.

Fotos dos auto-relevos do Palácio Araguaia: 2008. Arquivo pessoal Patricia Orfila.

Fotos obras de Maurício Bentes (2002 -2004). Arquivo pessoal de Wanda Bentes. Rio
de Janeiro 2009.

Fotos das obras de Maurício Bentes em Palmas (2002-2004). Arquivo pessoal de


Desirée Monjardim. Rio de Janeiro 2009.

Fotos da Praça dos Girassóis: 2009. Arquivo pessoal de Patrícia Orfila. Palmas.

Fotos do Eixo Monumental e seus principais prédios: 2009. Arquivo pessoal de Patrícia
Orfila. Brasília, 2009.

Fotos painéis internos do Palácio Araguaia; 2009. Arquivo pessoal de Patrícia Orfila.
Palmas, 2009.

Fotos exposição da obra de Maurício Bentes. Arquivo UFT, Corredor Cultural, 2005.

Teses e Dissertações

AQUINO. Napoleão Araújo de. A construção da Belém-Brasília e a modernidade no


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