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DEMASIADO SUPÉRFLUO

Por Robson Marques


Epígrafe – Vultos de ilusões, situações da vida para a morte, as pessoas são
isso...
Nota do Autor:

Conjeturamos que aduzir um esquema para tornar a leitura das seguintes


páginas mais profícua seria necessário.
Para o leitor não se perder no labirinto de pensamentos, a parte 1 inicia
com o pensamento do personagem, seguido de um complemento do autor,
assim, intercalam-se ambos até o desfechar. Na parte 2 há uma diminuta
disparidade, pois é o autor quem preludia, com o pensamento da personagem em
seguida.
Ocorre assim uma intermitência na narrativa das duas partes, entre
pensamentos das personagens e do escritor, no entanto, ambos podem ser lidos
continuadamente sem que se percebam óbices abruptos.
Prescindindo demais explicações e procrastinações...
Parte 1
Osvaldo

Rumino um desejo em meus devaneios, e este ato não faz parte da excepcional
realidade concreta captada por todas as minhas faculdades de sentido... pensa
em uma coisa definida, mas inconcebível de ser consumada enquanto ele é... e
tentar comparar este processo com o super-realismo, cujos membros utilizam o
subconsciente sem o controle da razão e buscam nele suas convicções,
posteriormente exprimindo para a arte todo o conteúdo através do automatismo
psíquico, talvez não seja viável, pois os não adeptos do movimento discordam
com esta forma de pensamento, simplesmente negando o aforismo de que a
verdadeira realidade está no subconsciente, tornando minha analogia esdrúxula...
todavia, a capacidade que todos os racionais têm de criar imagens mentais tanto
de forma passiva, sonhando, como ativa, pensando, é variante e intrínseca para
cada um... mas quando desejo algo, este, e a respectiva imagem, concatenados
ou não, são devidamente absorvidos na memória e lembrados aleatoriamente de
tempos em tempos, porém, o de nunca ter existido não é possível de gerar,
compreender ou sentir por meio do subconsciente ou do consciente... e no exato
momento em que pensa sobre isto esquadrinha uma pedra que um dia foi
sedimentada, não sabe a utilidade existencial do objeto inanimado e disforme com
uma protuberância rugosa em uma tangência adjacente ao lado liso ondulado...
pensar, apenas uma das divergentes diferenças entre eu e aquele sedimento
morto que não desenvolve nenhuma indução por vontade própria, e um dos
motivos para não se movimentar é que uma determinada força de atração física
de um corpo maior sobre um menor não permite que a pedra, e inclusive meu
corpo, levitem, mas ao me evadir deste local não virá um animal transeunte para
retirá-la do seu devido lugar? Entretanto, isto é apenas uma conjetura, e não
interagindo de modo ativo com ela, movimentando-a, sei que está ali agora, não
tem nem faz uso da razão, ocupa lugar no espaço e existe há muito tempo... antes
das massas de carne e ossos dos seus geradores terem se tornado unitivas,
obtendo como resultado após uma ansiosa espera, ele... mas em alguma
iminência aquele objeto deixará de existir através do desgaste do intemperismo,
afinal... tudo caminha rumo à inexistência... tenho a impressão que minha
inutilidade é idêntica a do penedo diante da força da inexistência, presumo que
esta não possua força, pois é a ausência de tudo e nada... coisa inefável a
inexistência, não sabe nada sobre ela... mas tenho certeza de que existe não-
sendo, e para isso depende do modo implícito e explícito do Ser de todas as
coisas... enquanto extático perscruta a rocha e o espaço circunjacente, na
imensidão do céu anil parcimônias aves agitam, banhadas pelos rutilantes
ouriraios astrisolares, suas asas... ainda tenho estes raros átimos voláteis de
minha vida em que faça ou cogite algo de profícuo, mas ter os comenos, átimos,
não é concretamente possível, nem percebê-los pelos órgãos dos demais
sentidos, porque penso no sentido literal do vocábulo e sua aplicação neste caso é
figurativa, e estes instantes presentes fazem parte de um tempo abstrato e absorto
total que os amálgama, como a reflexão que obtenho por meio da introspecção,
porém, me inquiro em qual seria a utilidade de minha reflexão na
incomensurabilidade espaço-temporal do universo? Há anos, relataram-me sobre
a existência de duas teses notórias para o surgimento do universo, uma delas é a
da evolução, que apresenta provas, mas refutáveis, a outra é a de um ente
criador, como o pensamento, mas não se sabe como esse ente absorto e abstrato
surgiu e qual o objetivo dele ter engendrado o penedo, o universo, e também este
corpo que se desloca através de complexos movimentos fomentados pelo
cerebelo, mas perfunctório como ambos, prefiro não crer em nada, entretanto, não
combato nenhuma das duas porque não me importo com teses e sim com a
resultante da prática concreta... ouve um sibilo médiagudo prolongado e ronceiro,
quase ensurdecedor, é chegada a hora, tem de voltar ao trabalho, findou-se este
pequeno fragmento de tempo imposto por seus símiles, seria uma utilidade ou
apenas uma forma de exploração de um ser sobre outro?... Por que tenho de ser
submisso a outro, sendo que é constituído de pensamentos, corpo e também irá
morrer? A única e a mais importante discrepância para muitos, não para mim, são
papéis e pedaços de metal redondos e achatados, possuem faces e desenhos
grafados de outros semelhantes bípedes com certa importância na história do seu
país, por vezes também possuidores de uma considerável quantia dessas coisas a
que dão o nome de dinheiro, capital, moeda, valia... labuta em troca disso, mas
tem consciência de que é sempre explorado, desenvolve sua função dentro de
uma imensa estrutura inferior retângulo cúbica com uma cobertura semicircular de
cento e oitenta graus metálica, no horário de descanso, sair para contemplar a
natureza das coisas num átrio descoberto, onde se situam assentos de cimento
em círculo, com resquícios de vegetação de diminutas formações arbóreas e
calhaus de aspectos similares na parte central, tornou-se praxe, adentra à
estrutura com um barulho ensurdecedor e observa os instrumentos mecânicos que
nunca se fatigam, precisam de uma fonte de energia, descartando essa
possibilidade... posso sair daqui e voltar após um mês que estarão funcionando,
não sentem, não pensam, se faz a manutenção deles periodicamente e nunca são
trocados ou despedidos, mas eu... move um de seus membros superiores na qual
em suas extremidades se anexam coisas de aparência estranha, apanha dois
objetos pequenos com os manidígitos e os leva até os auriculariórgãos, tapa-os e
segue com seus membros inferiores se oscilando para adiante... meus artelhos
estão introjetados em uma indumentária protectiva feita de uma espécie de tecido,
designam isto de couro, quase sempre epidermes arrancadas de animais
irracionais abatidos em grande escala, nas épocas de antanho era freqüente
utilizar peles como vestuário por necessidade, hoje ainda as usam, mas mais
como forma de ostentação... porque com a evolução da química industrial o ser
racional pôde criar algo parecido com o couro natural, o sintético, conciliando
várias matérias constituídas por complexas ligações atômicas, transformou naquilo
que protege as extremidades dos seus membros de sustentação responsáveis
pelo seu equilíbrio, olha para seus artelhos novamente... envoltos pelo couro
sintético... trata de transitar por entre aquelas coisas, cada qual com um barulho
uníssono e contínuo, que comumente dão o nome de máquinas... são análogas,
ou senão, funcionam como nossos corpos, mas que desempenham funções
automáticas dependendo das ocasiões, ambos precisam ser alimentados, estas,
parasitas incessantes que se alimentam da minha vida, de minhas glândulas
sudoríparas e do egoísmo de um ou mais bípedes racionais capitalistas, os
proprietários da empresa, eu sou apenas um subordinado e um meio de que se
utilizam para atingirem o seu escopo, conseguir uma maior quantia de capital e
consequentemente de bens, talvez esta seja minha utilidade, para eles... pára
repentinamente defronte a uma das máquinas... hirudínea repugnante... com seus
calcidentes cerrados, articula em tom colérico, as ondas sonoras dos vocábulos
consonantais, emitidas por suas vulgo cordas vocais, língua, esta, um músculo
muito potente, e lábios, todos abafados pelo barulho extremo do objeto, pondera
botões e se põe a apertar, especula a imagem geométrica que surge em uma
minúscula tela à direita dos mesmos e sabe que em instantes despontará algo
com as mesmas características na parte oposta à sua esquerda em um
mecanismo maior, espera sucintamente, enfim surge um objeto metálico
quadricular cúbico com uma cavidade central na parte supra-lateral direita... após
este processo não sou mais responsável, outro racional pegará o objeto e o
transportará para outro setor como enunciam... perscruta meticulosamente um
símile se aproximar... seu uniforme apresenta um evidente desasseio, também
usa o protetor auricular, mas este cobre os órgãos auditivos, antagônico ao meu
que está introspecto, perquiri algo, pelos frêmitos dos lábios deduzo do que se
trata... A peça está pronta? Então Osvaldo move a cabeça de forma ovalada,
aparentemente de tamanho médio composta pelos ossos frontal, parietal, occipital,
esfenóide e temporal, operando com a ajuda do pescoço e nuta em sinal de
afirmação, o sujeito sai com o objeto carregado em um veículo, esta cena se
repetirá várias vezes durante o resto deste tedioso, mas nunca idêntico aos outros
passados ou futuros dias, porque todos são únicos... o tempo parece não passar,
mas está em constante mudança, e num dado momento as vinte e quatro horas
devem escorrer pelo tempo, afinal... o tempo sempre destrói tudo, menos com a
inexistência pois esta ainda permanece um mistério para ele... Por que tinha de
pensar nisso justamente hoje? Durante toda minha micro estadia neste universo,
após minhas faculdades mentais iniciarem seu processo de forma adequada,
nunca atingi tal linha de raciocínio, porque somente na finitude da minha formação
corporal é que meu encéfalo está apto a labutar de forma organizada e racional,
pois quando recém-nascido evacuava e urinava em fraldas que eram trocadas
constantemente por digitifalanges afáveis e carinhosas que me asseavam, mas
mal sabia minha criadora que estavam para vir fases que ela também passou,
colocava os seios à minha disposição para que sorvesse um líquido branco,
precisava e sentia necessidade de sugá-los, no meu e nos demais casos por
prazer, esta é denominada fase oral, seguida da anal e da fálica, nesse mesmo
período da infância também se manifesta um complexo chamado de complexo de
Édipo, personagem de um drama composto por um teatrólogo grego e descoberta
por um psicólogo por meio de uma auto-análise, e tudo porque o meu sistema
nervoso periférico e o encéfalo ainda não estavam completamente
desenvolvidos... novamente espreita a máquina, examina de uma perspectiva
oblíqua seu relógio de pulso, este com três ponteiros... analógicos são melhores,
posso visionar o ponteiro dos segundos circundando e minha ignóbil existência se
volatilizando no tempo... um sibilo idêntico ao anterior e mais sobranceiro que as
máquinas é executado, outro ser que mal o conhece assume seu posto de
trabalho, caminha a passos largos, indubitavelmente sai o mais lépido do local,
logo está no sítio onde se abluem corpos depois do resultado de um determinado
esforço, com certa circunspeção observa o movimento dos corpos a se
amalgamarem com H2O e a transitarem por ele... não gosto de mostrar meu corpo

e membros a desconhecidos, não sinto necessidade de tal ato, a não ser quando
fui há tempos a um meretrício onde seres feminis mercantilizam seus corpos,
somente assim o expus despudoradamente... troca de roupas e sai, abandona
tudo e todos os corpos se dinamizando, o barulho fica para trás e ele avança no
seu caminho sem sentido... agora no entardecer, o brilho da luz astrisolar que
doura as copas das árvores sob um outeiro se afasta e se torna cada vez mais
tênue com os movimentos da Terra no espaço sideral, mais adiante partículas de
uma nuvem de poeira deflagradas pelo tempo abstrato, meticulosamente levadas
pela canção tristonha do vento amorfo, que a eleva plácida e harmoniosamente
para a atmosfera longínqua, e abaixo, a sombra obscura terrena... estanca diante
de um estabelecimento de bebidas e adentra ao prédio, um local quase escuro,
ouve vozes, sussurros, leves batidas e uma frágil música a espargir suas notas
espiraladas no infinito do passado, intumescendo o ar do ambiente, dirige-se ao
balcão deslizando do presente para o futuro na sua caminhada paciente e soturna
em uma estância sombria que não conhece... nunca havia penetrado neste local,
passei por ele em várias ocasiões analisando a fachada do edifício, mas somente
hoje senti anelo de entrar... dos fundos provém um sorriso espalhafatoso de um
ser feminil, gira sua cabeça num ângulo de noventa graus por tempo insuficiente e
com a ajuda dos oculariórgãos examina de soslaio dois seres feminis e um
másculo... conversam com um tom de voz acima do normal, uma delas está com
um objeto entre as estranhas digitiformas hiperbolicamente ornadas e olha
lascivamente para o jovem, que sentado entre ambas, presta atenção a esta,
situada à sua esquerda, mas o que estão a conversar? Uma delas aparenta estar
em translúcido estado de embriaguez, talvez estejam haurindo bebidas alcoólicas
para depois irem até um imóvel, despirem-se e fazerem um ménage-à-trois, ou
talvez estejam ali somente para esquecer de algo que os aflige, ou apenas
bebendo a Baco... pensa isso em segundos até chegar ao balcão e ver aquela
figura esquisita com roupas asseadas, olhos claros, epiderme alva, cabeça corpo
e membros coerentes, rosto lívido com uma mandíbula inferior eminente nas
laterais próximas aos lóbulos auditivos e nariz afilado discretamente, capilares
longos presos por um objeto pontiagudo, cilíndrico e fino em uma das pontas,
aproxima-se pelo outro lado do balcão e põe seus pentadáctilos à mostra com as
partes posteriores das extremidades pintadas, inquirindo com fonação
evanescente: O que deseja Osvaldo? Ele olha diretamente para aqueles lábios
avermelhados, pintados superficialmente com um produto derivado do petróleo e
em seguida profere... um suave... como réplica ela indaga: O de sempre?... Sim,
tréplica seca e decidida sem argumentações como resposta, penso eu, a conheço
desde quando trabalhava em outro local que eu costumava freqüentar, um pouco
menos luxuoso... Quer que leve até a mesa, ou bebes aqui? Interrompendo sua
linha de pensamento... por obséquio leve-o naquela mesa ali... esta, sitiada em
uma reentrância afastada das demais, anda até ela e pousa seu corpo em um
assento espumoso macio com base para sustentar a coluna vertebral, a
localização da mesa de frente aos demais permite que ele presencie toda a
amplitude de pessoas, objetos e ambiente... focos amarelados em campânulas
despejam luzes sobre as mesas, e os objetos postados sobre elas formam
sombras negras como a noite, aliás, vários objetos de diferentes formas e
tamanhos que são captados por ágeis cilindrifalanges e levados a uma cavidade
que abre e em seguida se fecha para o início de um trabalho síncrono e constante
do maxilar inferior... rostos paliativos, envoltos em nuvens de densas fumaças
tabacais corroboradas pela ínfima iluminação do âmbito, o ser feminil sorri alto
novamente, mas sua face e o resto do ambiente é encoberto por uma massa
corpórea... o líquido chega... toca num objeto feito de couro, retira do bolso e abre-
o como um livro... por que contribui para a morte de um irracional?... retira alguns
daqueles papéis que para ele não tem importância nenhuma e os dá para aquele
ser estático que observa seus movimentos pacientemente com um discreto
sorriso, como o de uma famosa pintura de Da Vinci, ao receber ela sai,
desobstruindo o campo de visão... não sei porquê labuto em troca de papéis e
metais, entretanto, seria quase impossível a vida sem isto no presente sistema
econômico mundial capitalista... ao lado do balcão e oposto à mesa do trio, há
uma família... família, qual a utilidade delas? Dois seres de sexos opostos ou
iguais atraem-se e concluem o engendramento de outro ser dotado de razão e
com consciência de que vive, obviamente depois de algum tempo, diferenciando-
se dos animais irracionais por possuir no futuro desenvolvimento, dependendo do
ponto de vista cultural e intelectual dos pais do indivíduo, o discernimento entre
bem e mal, e certo e errado, os de mesmo sexo comumente adotam pequenas
réplicas de indivíduos semelhantes desamparados por outrem, e assim está
formada uma família, eu, fui perfilhado, e conjeturo que a divergência de pais
adotivos e genéticos é mera especulação, ou substituindo o raciocínio, não há
diferenças entre quem faz ou cria, desde que ambos não faltem com suas
responsabilidades de genitores, tudo pelo amor, mas o que é o amor? Presumo
que já o experimentei, mas é como a felicidade, ambos são efêmeros, eu não sou
feliz agora, contudo, tento viver na grandiosa peça teatral da realidade, esta que
também representava seu papel muito bem, e nesta circunstância faço parte dela
e contemplo aquela família que se alimenta de irracionais e vegetais outrora vivos,
agora apenas pedaços dilacerados de defuntos com queimaduras de terceiro grau
submersos em molhos avermelhados como seu próprio sangue, papai, mamãe,
filho e filha... os adultos aparentam uma aproximação de idades, presume
quarenta anos para ambos, doze para o pequeno e quatorze para a menina, pois
apresenta um crescimento tímido e acentuado de suas mamas, o papai sorri para
mamãe e ela lhe devolve com um olhar malicioso sem os menores perceberem, o
pequeno usa os aparatos sobre a mesa como folguedos e a menina pensa... no
que ela pensa? Seria no rapaz mais bonito da escola que não a nota, nas notas
abaixo da média que terá de mostrá-las a seus genitores, ou no professor que a
perscruta com olhares obscenos? João, não brinque com os alimentos! Sua
mamãe admoesta-o em tom peremptório, uma loura cuja face não consigo ver
totalmente, mas que absurdo! O que aquelas crianças fazem naquele local, os
seus genitores poderiam levá-los a um restaurante e não a um bar, mas, por que
penso no que seria uma atitude correta ou errada para eles? Não tenho, e não
preciso pensar neles... olha para os dois objetos cilíndricos à sua frente, intocados
até o comenos... um maior de forma cilíndrica de diâmetro idêntico até certa altura
e afunilada na sua extremidade superior com uma diminuta abertura circular, o
outro menor sem o mínimo de descrição com uma depressão aberta em minha
direção, transmitindo a impressão de que está pronta para me devorar... no interior
do corpo maior, descansa uma substância líquida de coloração escura, e em torno
do mesmo, devido à sua temperatura estar abaixo da normal, uma mistura de
átomos de hidrogênio e oxigênio forma-se devido à umidade relativa do ar, vindo a
se condensar, transformando-se em H2O... apenas moléculas que se ligam e se

transmutam em uma matéria incolor, inodora, insípida e insopitável nas suas


enchentes... apanha o cilindro maior com os palmidáctilos, e deposita o líquido
escuro no recipiente vazio côncavo que parece não ter fim, recoloca o frasco
sobre a mesa e sente uma umidade nas digitais, passa-as em um papel branco e
seco de forma quadriculada... a umidade se foi, concisamente tornar-se-á ar
novamente, conversões e mais transmutações químicas, sou feito delas, bilhões,
trilhões de moléculas, é o que sou, nada mais, mas meus pensamentos ainda não
sei do que são concebidos... adere à matéria com a abertura escancelada... objeto
composto de quartzo, carbonato de cálcio, carbonato de sódio, e com a junção de
quantidades certas dos componentes químicos após a fusão e solidificação surge
o vidro, material utilizado para fabricar diversos produtos, como este copo, existe
porque houve uma memorização desde o dia em que me foi relatado de que era
um copo e seria perigoso se eu o quebrasse, mas se não houvesse intervenção
de meus pensamentos neste momento, não teria conhecimento da existência do
copo, seria uma coisa desconhecida e consequentemente, dependendo da
concepção de cada ser, quebrá-lo seria uma boa idéia, presumo que as idéias
despontem das necessidades e estas estão consequentemente inatas no homem,
como por exemplo o copo, o ser humano para beber um líquido quando não
existia um objeto apropriado usava as manifalanges, mas com a necessidade de
conter o líquido em maior quantidade lhe surge a idéia inata de produzir algo para
melhorar e tornar sua vida mais prática, então a necessidade pode vir antes dos
pensamentos e certamente ambos são inatos, pois as idéias já estão nos
pensamentos, basta elucidá-las para que posteriormente outro ser também
usufrua da descoberta, nesse caso através do empirismo, sendo que as
necessidades, muitas supérfluas, são também criadas através de um
aperfeiçoamento dos pensamentos, então tudo reside nos pensamentos e ele
torna tudo perceptível por seus próprios pensamentos... leva o copo até seus
encarquilhados lábios, abre-os, e devagar despeja o líquido negro dentro da
abertura dos mesmos, o composto percorrerá as entranhas do seu sistema
digestivo e nervoso... depois de ingerida uma quantidade dessa substância
alcoólica que varia de ser para ser os movimentos já não são executados com a
mesma velocidade e o senso de equilíbrio oscila às vezes, esgotarei apenas o que
está contido neste frasco... adstringe, impele e vira o frasco suavemente com a
base na mesa formando um ângulo não maior que quarenta e cinco graus, para
que a luz frágil amarelada reverbere no papel preso ao corpo de vidro com
informações sobre o que ingere, peso líquido 880ml... um mililitro multiplicado por
mil equivale a um litro, medida mundial, se vou onde antípodas habitam terão por
medida com efeito o litro, assim como ocorre com o quilo e o metro, graduação
alcoólica dez por cento, então a cada 880ml oitenta e oito mililitros são de álcool,
produto que afeta o encéfalo, pâncreas, fígado e outros órgãos, mas isto agora é
desconsiderado... após quase seco o líquido do copo, um vestígio do fluído ainda
reluta em ficar no fundo, espreita a estrutura do local... o balcão mediano de
madeira de lei apresenta uma coloração envernizada que brilha quando as tênues
luzes das lâmpadas dependuradas sobre ele traspassam o ar e despejam seus
raios como uma chuva de gotículas brilhantes, atrás há um estreito espaço
reservado para que o ser que ali labuta possa se mover, após o espaço vazio e
inócuo uma parede levanta-se, de um verde que mal se pode notar pela
obscuridade do local, sustenta firmemente três prateleiras que servem de base a
vários frascos, frascos de bebidas estáticos, imponentes, com aparência despótica
acima do ser feminil que atende as exigências de clientes ruins e bons com um
sorriso por vezes e aparentemente hipócrita, simulado, o nome dela é Andriel,
nomes... todos marcados mesmo antes de nascer... nascimento, o meu foi
conseqüência de atos impensados, nunca indaguei a meus genitores porque
fomentaram essa desarrazoada decisão, também por nunca os ter conhecido,
quem sabe não planejaram, afinal todos cometem erros, e eles como eu também
não sabem porquê estão aqui, aquela incidência de luz acima do balcão me
incomoda, não se espalha para o resto do ambiente à sua volta, às vezes examino
de soslaio aquele determinado local e aqueles palmidáctilos se arrastam da parte
medíocre do balcão para sua extremidade, tangenciando-o e carregando consigo
o que muitos seres dão maior valor do que sua própria e ignóbil existência ante o
absurdo que desconhecem, quando percebo a aproximação de um cliente a cena
se reprisa, os pentadáctilos de Andriel sempre se apresentam para depois de um
tempo desaparecerem... os que ali chegam permanecem com brevidade, e saem
como se fossem crianças obstinadas em um parque de diversões, que depois de
terem se divertido em todos os folguedos relutam em ficar... o trio levanta e dirige-
se ao balcão, apóiam-se reciprocamente, meio oscilantes, ou será impressão
minha, depois de ter ingerido mais de um terço do frasco? A bebida começa a
fazer efeito, seria essa a palavra certa? Efeito, que vocábulo estrambótico para
definir o produto de uma causa, os movimentos do trio se esvanescem tornando-
se restringidos do tempo a cada gesto, toque, vocábulo proferido, enfim, tudo que
cogitam e impõem seus corpos a realizarem, inexistem a partir do instante que são
executados, dispersam-se como tenuíssimas partículas de matérias que se
elevam na atmosfera, apesar dessas ainda existirem depois de se moverem no ar
e se assentarem devido à lei natural da força atrativa que requesta para o centro
do planeta terra todos os corpos, e neste exato átimo estou a inspirar milhares de
microscópicos fragmentos, fumo, terra, oxigênio, que outrora foi gás carbônico
transformado pelos vegetais por meio da fotossíntese aproveitando a energia da
luz solar para efetuar a síntese da matéria orgânica, resumindo-se somente às
fototáxicas o desenvolvimento do processo, eu também sou um ser fototáxico... o
rapaz do trio chega ao balcão e coloca sobre ele com investidas lépidas os papéis
valiosos, recoloca suas palmimorfas receptoras nos bolsos e vira para os seres
feminis... uma delas aparenta ter vinte seis anos, ambas o abraçam e o carregam
para a saída, a porta é aberta, e depois de fechada eu talvez nunca mais veja
aquelas fisionomias... ingere o restante do frasco, observa por um tempo a família
ainda a se alimentar, levanta de um modo repentino e sai... a estrela mais próxima
da terra se foi, não, o astro central do sistema solar nunca desampara os planetas,
que com os movimentos de translação, rotação e nutação são atraídos por sua
massa, luz e calor, o mesmo acontece com a lua que é menor que o globo
terrestre e é atraída por ele, entretanto, ela exerce grande influência sobre os
mares, o planeta deveria ser nomeado H2O, pois essa substância ocupa sessenta

por cento ou mais da superfície terrestre, porém, os mares permanecem de certa


forma sobre as placas tectônicas, e como o planeta é composto por crosta
terrestre seguida do manto e do núcleo... especta as plêiades... faço parte de um
sistema solar perdido no universo, aquele composto alcoólico me deu certo ânimo
e a noite está alciônica para uma caminhada... move-se vagarosamente e
contemplativo... tenho fascínio pela noite, apenas a sombra do planeta projetada
por ele, notei que as sombras espectrais das arbóreas outrora fomentadas pelos
áureos astriraios não se fazem mais presentes, as ondas sonoras dantes
efetuadas pelas aves se espargiram no passado da atmosfera remota, e agora, a
noite toma proporções estratosféricas com o silêncio estrepitoso das pequenas
brilhantiplêiades que vejo no átimo, e das situadas miríades de anos luz de
distância da minha retina em outras galáxias do espaço imenso do universo
gelado como a noite que me alicia com seus amplexos e estratagemas
inexoráveis, e intrincada a escuridão dissimuladora da máscara facial do satélite
natural deste planeta maltratado, uma sutil brisa fere meus auriculariórgãos, mas
avanço com a humanidade, desafiando o tempo em direção à bancarrota! Oh!
Quão lânguida existência, que dantes não fora nem essência, agora minhas
pálpebras desabrocham-se para uma extensa e dramática visão do futuro, penso
no futuro ruminando o passado! Ah! O passado, persisto com as lembranças
daquele que não é mais, excitando sentimentos alciônicos e funestos, mas que
posso eu proferir sobre os sentimentos? Belos entes amorfos e contraventores
dos impulsos de meu imo, que ao arrebatarem a razão ébria de paixões,
dinamizam-se incansavelmente para o inelutável contraponto da vida, inevitáveis
pensamentos concernentes aos fenômenos e à morte, as longínquas montanhas
em que agora penso, guardam entranhados os seus segredos, exatamente como
a morte em seus recônditos guarda todos os que partem para jamais retornar,
sentimentos estigmatizam o ser, mas a morte o sucumbe, talvez hoje descanse
sem imagens oníricas de quimeras que frequentemente me atormentam expondo
meu fatídico futuro, todavia, acontecerá para todos, mas por enquanto, a vida,
ameaçada, prossegue, brotando entranhada em minha alma, pois todos os dias
pela manhã ao nascer do astro, sobrevenho ao mundo com um dia a menos
dela... sente uma emanação suave e adocicada, mas não sabe de onde provém,
logo nota à seu lado esquerdo canteiros separados em distâncias eqüitativas onde
repousam vegetais de Jasminum officinale, vulgarmente jasmim, ambos
simetricamente suspensos por colunatas de estilo dórico... meu olfato é menos
desenvolvido do que o de um quadrúpede digitígrado da família dos Canídeos,
apesar disso posso sentir e armazenar milhares de paradigmas de átomos
aromáticos em meu cérebro, como os da fumaça do veículo altamente poluidor
que passa... excessivas partículas de monóxido de carbono sobem para a
atmosfera, divisionada em troposfera, estratosfera, mesosfera, termosfera e
exosfera... destruindo a camada protetora dos raios ultravioletas chamada de O 3

ou ozônio, situado com maior abundância na estratosfera, mas quem se importa?


O que restará será apenas o planeta Terra e nada mais, que continuará se
transmutando no tempo, falta pouco para chegar ao centro da cidade... ao chegar
se assusta com o excesso contingencial de transeuntes, ele é apenas mais um
vulto na massa densa da existência, corpos realizam vários movimentos
ininterruptamente, senta em um banco de concreto numa praça com altas hastes
fixadas em pontos estratégicos divididas em duas partes superiores suportando
luminárias esféricas que encerram lâmpadas com a capacidade de iluminação
acima das normais usadas no interior das residências, nota um filete negro que se
movimenta... himenópteros trabalham, carregam consigo muito mais do que o seu
próprio peso, algumas espécies, quatrocentas vezes o seu tamanho, no entanto
nenhuma pensa, mas também não consideram coisas supérfluas como fortunas,
status, moral, leis, tudo que os seres racionais não têm necessidade e mesmo
assim se submetem... porém, os insetos também serão destruídos pelo tempo, a
inexistência é inelutável para tudo... aquelas antenas são para se orientarem,
mesmo com olhos, meus oculariórgãos são a maior fonte de captação do
arrabalde, suponho que noventa por cento das informações obtidas são resultado
de uma ação dos globos entranhados em minhas órbitas, mas eles tem de sofrer
uma força do ambiente exterior para captarem os movimentos e assim
transmitirem para o encéfalo, que procura numa velocidade incrível, informações
condizentes com o objeto visto, fornecendo substantivo àquilo, vejo transeuntes,
todos a pensar em algo, supérfluo, importante, vagos, meus pensamentos nunca
ficam vagos, pois já são no átimo em que penso, devaneios, devaneios sempre os
tenho e mesmo com eles não compreendo essa realidade que é feita de pequenas
ilusões temporais, e compreender a realidade é mais complexo do que
propriamente vivê-la... olha para aquelas fisionomias distintas mas com algo em
comum... todos os transeuntes parecem autômatos e o são de alguma forma, pois
realizam movimentos repetitivos, mas nunca iguais, alguns são narcisistas, e
outros admiram seus semelhantes como ídolos, pensam que seus ídolos são
perfeitos e tem mais qualidades que a maioria, mas descobri que... não tem ídolos
e sempre odiou todos, principalmente os de estátuas... os ídolos vivos não são
melhores que eu, porque, eles também morrem... eles também morrem... e se não
houvessem pessoas que os adorassem, com certeza não existiriam, alguns deles
ainda apresentam uma jactância desprezível, mas que todos se despedacem com
machadadas nos crânios, é o regozijo e o clímax da minha tendência iconoclasta...
de acordo com a morfologia gramatical, icono é o radical, radical, a raiz intrínseca
dos vocábulos, filologia é interessante... não os conheço, todos que transitam
nesta praça são como que estrangeiros sem comunicação, e parece que conforme
sua evolução o ser se torna mais inextrincável quanto a sua inerência, e por seu
egoísmo inexorável em busca de bens materiais oblitera de si, todos tem somente
uma vida e estão esquecendo de vivê-la... e isso é refletido no conjunto na qual se
denomina sociedade, e o sociólogo que a estuda, procura soluções para os
problemas sociais através de dados empíricos e teóricos, como os reflexos que
um ato individual provoca na sociedade e vice-versa... todos com seus medos,
anseios, alguns com medo de serem o que são, coagidos pela sociedade, mas o
que é viver em sociedade? Não seria um sistema político em que todos vivessem
harmoniosamente, sem guerras, explorações, assassinatos e tudo que tolhe o ser
humano de progredir e abolir os sentimentos de irracionalidade? Mas isso não
acontece, ou ainda não vi pessoas que morrem de fome em países
subdesenvolvidos serem ajudadas por multinacionais que geram renda com
alimentos, preferem jogá-los ao lixo a ajudar os mais necessitados, mas neste
caso entra também a questão da corrupção dos governantes, e os que se
privilegiam por morarem em países desenvolvidos, muitas vezes nem pensam e
não se importam o mínimo com o fato, e isto é viver em sociedade? Presumo que
não é a sociedade que aquela população de antanho propusera... algumas
árvores contestam espaço nas laterais e no centro da praça, para muitos apenas
enfeites como se não fossem coisas vivas... não sei como estes vegetais retiram a
seiva deste solo já coberto por esta camada de betume inexorável, como o banco
na qual estou sentado, aquele ser feminil do bar amiúde expõe sua arcada
dentária de um modo peculiar, suas pálpebras se fecham, seus músculos faciais
se contraem e se descontraem, exatamente como naquele homem com o ventre
volumoso que caminha e dialoga com o decrépito a seu lado, ambos vem em
minha direção e passam, o banco não é nada receptivo a meus glúteos, frio, rijo,
morto, vou para casa... com o passar das horas os transeuntes tendem a se retirar
das ruas, necessitam descansar suas massas de carne e ossos, e pensamentos...
sempre imagino um ser dotado de lipídios em sua morada, afundado em uma
poltrona a observar um objeto emissor de luzes coloridas cujos reflexos
sombreiam o seu rosto gordo, que sorri, consterna-se, decepciona-se, o controle
remoto seguro pelos palmidáctilos receptores, mas naquele instante é a tela com
imagens que o controla e substitui um vazio, ou alguém, poupando o corpo de
receber ordens da consciência, mas o subconsciente, como outros órgãos, não
cessa de labutar, absorvendo cada cena em mínimos detalhes, e esta cena que
imagino é trivial em vários recintos de todo o planeta... levanta e dirige-se para o
lar, nesta peregrinação passa por várias edificações e na vitrina de uma livraria
estanca, escruta um caderno diminuto e deduz ser um daqueles com tamanho
aproximado de 148 x 203 mm... o interessante é sua capa com o desenho
composto de um corpo de criança com o crânio de um quadrúpede, designado
especificamente de Canis familiaris, para completar, um objeto circular metálico
preso ao lóbulo de um de seus auriculariórgãos, aberração? Talvez para uma
grande quantidade de racionais não seja, mas para mim... aparecem mamíferos
da ordem dos quirópteros... efetuam vôos rasantes, sobrevoando vários lugares,
desviam-se dos edifícios e seres que se encontram à sua frente por possuírem um
radar natural, existem espécies que se alimentam de frutas, contudo, subsistem
também os hematófagos... após dobrar uma das mangas do sobretudo um inseto
culicídeo paira no ar antes de pousar suavemente na parte posterior do seu
membro superior esquerdo, sente as minúsculas patas por intermédio do seu
apurado tato e repentinamente o inseto desfere uma leve aguilhoada que penetra
em sua epiderme, sem se dinamizar examina incrédulo todo o processo de
alimentação do animal, que respira via traquéias, a absorver-lhe o líquido
vermelho mantenedor da vida do peregrino iconoclasta, agora com uma moderada
porcentagem de álcool, e antes do inseto esboçar uma retirada, os malvados
pentadáctilos o esmagam sem piedade, virando-se em seguida com todo o líquido
sugado sem utilidade... o trabalho do inseto foi inútil como toda sua vida, não
esperava e não sabia que deixaria de existir agora, existência patética, a minha é
agora, no passado tornou-se inexistente e no futuro também ocorrerá o mesmo,
portanto, a tal da vida é um simples segundo que percorre os meandros do tempo
e as sinuosidades do espaço até atingir sua gloriosa bancarrota, a morte, tentam
retardá-la, desvencilhar-se, mas nada escapa à fagocitose da inexistência, o
próprio nada se perde na inexistência, e eu sou uma bactéria, um mero antígeno
no sentido de tentar entender e se adaptar ao espaço circundante infinito de
conhecimento, a realidade... uma aragem fria e precípite atinge sua capa aberta
impelindo-a em majestosas deslocações, em seguida volta a tocar-lhe
suavemente as outras peças de roupas... algodão, matéria-prima, demasiados
explorados dos países subdesenvolvidos no cultivo, substância branca como as
nuvens, macia como espuma, esta última também produto sintético, nuvens e
algodão, aparências extremamente semelhantes, matérias completamente
distintas, a discrepância é a forma da matéria, uma, é um fenômeno decorrente na
atmosfera, um aglomerado de vapores de H2O em gotículas condensadas, que

geralmente se situam em altitudes constantes e se movem no espaço, outra, é um


vegetal produzido no solo, uma penugem protetora que envolve as sementes do
notório algodoeiro, que permanece estático, como meu sobretudo estava, passivo
até ser fomentado por um agente, a brisa, estímulo de ínfimas massas de ar
derivadas de pressões e muitos outros fatores, suponho que os próprios
movimentos do planeta na galáxia originam a pequena corrente de ar... ao
recobrar a consciência e voltar de seus pensamentos absortos o caderno ainda
permanece postado atrás da reflexiva vitrina de vidro, e outros tantos livros
escolares sobre duas prateleiras, então delineia um movimento dos membros
inferiores mas sente o equilíbrio um poucochinho avariado... o vinho, mas consigo
caminhar normalmente... fica dúbio em qual das ruas transversais adentrar... tanto
faz, afinal meu abrigo situa-se no final da paralela a esta, ainda vejo seres
andando sozinhos pelas ruas, sempre prontas a receberem todos os tipos de
corpos, mortos e vivos... as solas dos seus sapatos atritam-se com a calçada de
pedras lapidadas e encaixadas uma a uma, em contenda com o betume, que atrai
os pneus dos veículos... carros, no passado carroças de madeira movidas pela
força de eqüinos, que também serviam como método de locomoção, no presente
os automóveis possuem carroçaria feita com metal além de potentes motores
movidos por combustíveis, ulteriorizando a força de vários eqüinos, também
substituídos, por motocicletas, e conforme a velocidade dos veículos aumenta, o
risco de acidentes idem, por isso que quando colidem, as perigosas ferragens
enterram-se nos corpos moles e frágeis dos ocupantes, imagino que seja horrível
a sensação de um metal atravessar o tecido tegumentar, os músculos, até atingir
algum órgão e impedir a continuidade da vida... conforme a humanidade evolui as
máquinas idem, pois são criações daquela... após a revolução industrial, como o
próprio nome já diz, o mundo evoluiu de modo caótico para a mecanização em
massa, mas isso foi apenas um insignificante passo para o que hoje é notório, a
tecnologia avança de um modo desenfreado, substituindo o ser humano em
diversos setores da economia, indústria e comércio, sendo que o primeiro termo
abrange os seguintes... inicia-se uma chuva fina e ele contempla as partículas de
H2O refletidas pela lâmpada suspensa no alto do cilindro de cimento postado na

vertical... tão minúsculas que uma viração faz todas caírem com certa relutância,
dançam em leves e formosos deslocamentos jogadas de um lado para outro no ar,
perdidas no sentido, mas firmes no fito a atingir, o asfalto, a calçada, meus
cabelos, a luz faz com que eu as veja, mas ao cerrar minhas pálpebras apenas
sinto colidirem e escorrerem vagarosamente pela minha face, depois de encharcá-
la, juntar-se-ão formando gotas maiores e cairão em terra, findando um ciclo,
minha sombra é projetada em várias direções opostas porque a rua é bem
iluminada, mas não vejo as dessas gotículas, será que não possuem sombra?
Ainda não havia me indagado sobre este fenômeno... continua a caminhada e
entra na segunda transversal, alguns metros à frente um edifício antigo represa a
rua e interrompe bruscamente a camada betuminosa e as calçadas de ambos os
lados... janelas, poucas escancaradas, outras encerradas por cortinas com raios
luminosos traspassando-as, vultos fulgurantes, sombras de corpos desconhecidos
e formas opacas passam por elas... abre a porta do edifício e depara-se com uma
estrutura de madeira escalonada, range ao primeiro contato com as solas dos
sapatos, apóia-se em uma barra oblíqua balaustrada... madeira imunda, sempre
está aqui pronta para ser tocada por várias palmifalanges, com pequenas gotas de
suor, sujeira e prescindíveis poças de plasma áridas que com o tempo se
impregnam... a cada passo um ranger contínuo, finaliza apenas uma de duas
etapas da escadaria, uma porta à esquerda, outra à frente, e a derradeira à sua
direita, com os números 345, 346, 347 respectivamente... o morador do
apartamento 345 é um psicopata, não conversa demasiado com os outros
moradores do prédio, é soturno, mas de intelecto ardiloso, gosto de dialogar com
ele, nos primeiros dias após sua chegada contou-me meticulosamente onde e
como fez o ato bárbaro de desmembrar e carbonizar seu irmão, como este morava
sozinho, ele entrou em contato através de um telefone público em outra cidade,
fez o irmão prometer que não proferisse a ninguém sobre o encontro, e como
sabia dos pontos fracos dele, alegou uma proposta irrecusável, equitação,
estabeleceu um horário para se encontrarem em sua fazenda extremamente
retirada, dias antes deu um período de descanso a todos os serviçais para que
não houvessem testemunhas oculares, foi antes da hora para os preparativos,
pensou no trajeto que fariam pela floresta, onde seria a investida, onde ficariam
escondidos os recipientes garrafais de poliuretano com líquido inflamável para a
queima e os vazios para o sangue, o desmembramento, a carbonização do corpo
e enfim, onde seriam depositadas as cinzas, tudo saiu conforme o planejado, no
trajeto esperou seu irmão distrair-se e repentinamente derrubou-o do eqüino com
um golpe quase fatal, no chão iniciou uma série de pancadas deixando seu
consangüíneo desacordado, mas vivo, depois teve o cuidado de talhar os pulsos e
as jugulares externas e internas, depositou todo o líquido vermelho nas garrafas
vazias, era a sangria como denominou, e com uma machadinha decepou os
membros inferiores, superiores, e a cabeça, da vítima para posteriormente cremar
tudo no interior de um objeto metálico, uma pequena fornalha que emanava uma
fumaça com cheiro de carne e ossos queimados, disse, reduziu tudo à cinzas e as
misturou com a forragem dos animais, em seguida levou o automóvel do irmão
para outra cidade e também ateou fogo para que as provas materiais fossem
totalmente abolidas, o discurso para a promotoria já estava pronto caso fosse
descoberto, mas a plena convicção de que não seria o atormentava, não haviam
indícios para os investigadores, no entanto, voltou à fazenda e preparou uma
massa com o sangue e outros materiais, produzindo lindas obras de arte, ainda
tem uma delas no seu apartamento, as outras foram destruídas depois que foi
absolvido e saiu do estabelecimento psiquiátrico por falta de provas que delatava
contra ele mesmo, o interessante é como narrou o episódio, ufanamente e num
tom altivo acompanhado de gestos profusos, mas quando indaguei o motivo do
crime, se absteve de pronunciar, porém, os jornais da época veiculavam o
desaparecimento do seu irmão, e disse-lhe que seu maior erro fora o de se
entregar a lei, mas fiquei surpreso quando prolatou que o psicopata deixa
vestígios para ser descoberto, e quando a perfeição do crime atinge o ponto
culminante, a última solução é entregar-se para expiar o sentimento de culpa do
profano e admirável ato, e esta era a maior evidência de incompetência da
corporação investigativa no seu conceito, então, mais uma vez o intelecto dele
ultrapassava os perímetros da perversidade e minha débil linha de raciocínio,
sempre que passo em frente a esta soleira lembro dessa e outras experiências
que o assassino narra, incluindo as de quando estava recluso... no 346... aqui
mora uma mulher de costumes nada idôneos para a sociedade, na minha opinião
ela faz o que quiser de sua vida, já para os pseudo-cristãos que moram no andar
seguinte é uma imoralidade, vive apenas com seu marido, que possui um
meretrício e comumente traz os fregueses mais confiáveis para seu apartamento,
onde engendram festins licenciosos e dionisíacos com as meretrizes que
trabalham para ele, ela também participa, certa vez me convidaram e prontamente
aceitei o convite... resultando em comportamentos devassos e prazeres por parte
de todos sem preconceitos... sempre dialogam com todos os moradores
principalmente com os do apartamento 347, onde residem dois decrépitos um
tanto hiperbólicos em sua aparência, ambos tem um passado peculiar, pois foram
anarquistas, nas vestes não mais, mas mentalmente ainda sim, misantropos por
natureza, anti-tudo que se possa imaginar, proferem sobre seu passado de
atividades políticas para todos que estão prontos a ouvir, comentam sobre ação
direta, auto-gestão, grupos musicais, e não se resumem somente a estes
assuntos... o decrépito Hui como é denominado, possui na epiderme resquícios de
seus tempos rebeldes, tatuagens em variadas partes do corpo inclusive na face, e
a anciã Marvi é assaz traspassada de objetos metálicos... minhas jóiazinhas
dependuradas em minhas repugnantes rugazinhas, ela diz, ambos compreensivos
comigo, ao visitá-los sempre oferecem leite com rosquinhas preparadas pela
senhora Marvi, o apartamento não possui mais do que dois cômodos, uma
cozinha ampla com uma mesa antiga redonda circundada de três cadeiras, um
refrigerador e um velho fogão, a outra acomodação é um quarto que encerra uma
cama e um guarda-roupas, não concedemos importância para bens de consumo,
quanto mais nos desvencilharmos do capitalismo, melhor, e para uma posterior
sociedade igualitarista desacorrentada de egoísmos esperamos que muitos seres
pensem como nós, entretanto, temos consciência de que a população consumo-
egoísta hodierna não age assim, o egoísmo ainda está peculiarmente vinculado ao
homem como o tempo está para sua incompreensão, e jamais se desvencilharão,
a negação do poder é um meio de combater o corrupto sentimento através da
auto-gestão, mas a alienação dissimulada do sistema os ilude, e assim
continuaram a discursar naquele dia com profunda convicção, no entanto,
prolataram tanto em egoísmo e esqueceram de que tudo que se acusa ou omite é
um método usado pelo subconsciente para esconder seus reais propósitos, talvez
o ódio pelo egoísmo na verdade está em não superá-lo neles mesmos, geralmente
é o que precisa se combater primeiro, e além disso, para todos possuírem um
sentimento mútuo similar e com ausência de leis, a dificuldade de organizar e
aplicar tudo igualmente para todos seria uma utopia... é impossível todos os
moradores serem iguais a ele, mas o que não deveriam possuir e não aceitar é o
preconceito e a tal da moral e os bons costumes que ainda repreendem formas de
pensamento arcaicas... no apartamento 352 no andar superior ao meu mora uma
criatura humana de constituição franzina redator de livros, dos quais alguns de sua
autoria já li, quase não sai do apartamento, muitas vezes se evade em horas que
geralmente os demais não percebem, somente lê e escreve, não sei se sua renda
é constituída somente disso, ou procura outros meios alternativos para se manter,
seus costumes e manias são um tanto anormais... quando dialoga com Osvaldo
procura respostas céleres e bem calculadas para levantar questões acima das
anteriormente citadas... li um livro dele em que um personagem adolescente
passava por uma região inóspita onde as pessoas praticavam coito e deixavam os
preservativos usados no local, então o personagem pegava e lavava-os para
reutilizá-los, praticando onanismo, e isso ficou grafado em minha memória há
tempos, hoje é que relembrei, aliás, tudo que lembro e oblitero agora é resultado
da capacidade da memória, momentos que ficam no passado e não se
desprendem dele nem da minha consciência, pois o passado impregna-se na
memória e não desaparece na dimensão espaço-temporal, ou então não
subsistiria por si próprio, e para subsistir é necessário ser lembrado, entretanto,
não depende da lembrança para existir no meu tempo próprio ou no tempo
universal, ulterioriza ambos e cria o seu tempo e espaço em outra dimensão, ou
“dimensão passada” para que eu e outros possamos lembrar dele e não se perder
ou passar no tempo despercebidamente, com isso volta a ser presente na ocasião
em que lembro de algo, mesmo quando está em uma dimensão discrepante e
abstraída da minha, indiferente e invariável aos meus pensamentos ou memória,
então são os momentos do passado que ficam gravados na memória e não o
passado total e em si, por ser muito mais abrangente, e consequentemente ser o
mesmo para dois amigos peripatéticos ao mesmo tempo, porém diferente na
maneira de como eles observam o presente do passado é que o passado se difere
do modo como ambos o percebem, mas fazem parte do mesmo momento em que
estiveram juntos, como as lâmpadas iluminando o corredor por onde passo,
conforme avanço ficam para trás, já estão no passado, mas no momento em que
me viro estão no presente novamente, as vejo e compreendo que estavam no
passado, agora, como parte na minha memória eu busco certa cena, ela
desprende-se do passado e retorna iluminada para o presente invariante e
concreto no caso das lâmpadas, e no caso dos amigos somente nos
pensamentos, ou abstrato, e como num ciclo sempre contínuo estarão suscetíveis
ao imprevisível futuro e passado do pretérito do e no exato instante, pois o
passado fica impregnado nas coisas e na memória, pois senão não seria lembrado
ou olvidado, mesmo obliterado por mim, esteve nas substâncias tanto materiais
como nas propriedades intelectuais, no momento em que esqueço de algo e outro
intelecto ou pensamento lembra, o passado retorna ao presente abstraidamente
do momento em que realmente estava no presente, fazendo parte dele, e volta por
este motivo, justamente por ser lembrado em que foi e é passado, inerente ao
espaço e tempo, tanto presentes como futuros... porque tudo é impregnado de
passado, ou a realidade seria meramente destruída a cada segundo ou milésimo
ou outra unidade de tempo que passasse... presumo que tudo isto seja loucura
para um ser normal, contudo, é de extrema importância para o entendimento dos
meus métodos de pensamento, tanto que a impossibilidade de voltar ao passado
para corrigir certos erros é que demonstra verdadeiramente a importância única
dos momentos da vida, por mais maçantes ou profícuos que sejam, a questão
mais natural é a de crer se tudo isto é objeto simplesmente prescindível, ou de
dúvidas para outros seres racionais, sem dúvidas não há uma gradativa evolução
do pensamento, prestando maior ênfase em crer primordialmente em mim... todos
tem de viver suas vidas, mas pensando em certas questões que os cercam,
mesmo as mais insignificantes que possam imaginar... na minha concepção não
considero nada ínfimo, e neste sentido considerar significa crer, isto é um ponto
inevitável no âmbito de questões tanto supérfluas como importantíssimas, tudo em
que uma pessoa acredita é meramente conjeturável... crer é uma qualidade
inerente de cada racional... como, creio que tudo é constituído de átomos, mas a
idéia veio de alguém que pensou e provou que tudo é constituído de átomos,
acreditando primeiro em si, entretanto, a crença é delimitada em certos aspectos,
tanto práticos quanto teóricos e também da assiduidade com que se crê, então se
alguém crê em algo sem estudar probabilidades que possam vir a contribuir para
esclarecer seu ponto de vista, essa crença se arraiga no interior, tornando-o sem
visão ou perspectiva ampla daquela, e consequentemente não interage e pensa
como deveria, criticamente... sobe mais uma série de degraus e conjetura uma
possível queda no final, uma porta à sua direita aberta, estanca diante da soleira e
estuda minuciosamente os seres que ali estão... uma criança recreia com objetos
encaixáveis, interconexionando os protótipos figurativos das partículas
elementares do montante de peças de unívocas medidas, mas de diferenciadas
morfologias, presumo que exista um antagonismo de encaixe, deduzindo o modo
de como se adaptam e se anexam nas devidas proporções, o material polímero de
constituição resistente adequa-se favoravelmente à diversão do ser infante maior
de seis anos, pois contém subdivisões de peças muito diminutas com grande risco
de engasgamento e posteriores problemas no aparelho digestivo, talvez resolvidos
por uma endoscopia no caso do objeto se atravessar no esôfago, acarretando em
um mal estar contínuo seguido de tentativas reflexionais de regurgitação sem o
consentimento e vontade do agonizado, que terá de ser auxiliado o mais
lestamente possível e transposto a uma estância apropriada para que sejam
tomadas as devidas providências cabíveis a tempo de socorrê-lo, não é o caso
desta criatura e nem do homem de epiderme trigueira com sua caixa torácica
sobranceira aduzida, membros superiores com apresentada acentuação muscular,
cabelos negros e barba por fazer, o corpo em estado aparentemente letárgico
descansa em uma poltrona com seus membros inferiores sobre uma banqueta
almofadada, uma tela plana eletrônica emite várias imagens e os oculariórgãos do
indivíduo parecem hipnotizados... a criança avista o chegado e desata a correr
com certo disparate e alegria, desviando-se das peças e dos móveis, gritando:
Osvaldo chegou, Osvaldo chegou mamãe! O pai acorda da sua hipnose voluntária
de um salto, mas sem assaz crédito volta a visualizar a tela escrutando o
acontecimento de um ato terrorista, o nome do indivíduo responsável é Gaius,
logo surge um ser feminil fomentando os prolongamentos articulados receptores
úmidos, que um dia no passado balouçaram seu tênue corpo recém-nascido, e
com um brilho nos olhos ela pede para que espere na soleira até que traga uma
toalha para secá-lo, estás todo encharcado, profere; a menina fortuita puxa-o e
pula na sua frente, então sua mãe chega com uma peça retangular de algodão,
passa na face e nos cabelos dele e manda a pequena fechar a porta... está com
aquela camisa decotada novamente... então inspeciona as mamas convexas
fartas próximas a seu rosto... papai ainda suga-os, é um dos conteúdos reprimidos
reminiscentes daquele tal complexo... retira o sobretudo, as roupas molhadas e os
sapatos... mamãe é linda e extremamente atraente apesar de possuir mais que o
dobro de minha idade, olhos azuis, cabelos levemente encaracoespiralados
tingidos de castanho e com o corpo repleto de minúsculas pintas semelhantes ao
processo de oxidação do ferro... depois de secá-lo, olha-o de maneira incestuosa
e dirige-se para o quarto, a pequena, agora na cozinha brinca com vísceras de
cadáveres, provindos de açougues, abatidos sem comiseração, isentos de
exéquias... papai escruta o final do noticiário possuído de uma torrencial alienação
epicurista, investe contra a gravidade, se espreguiça e vai para o banho... Osvaldo
vai à tela eletrônica reflexiva já de calção e desliga-a, adentra na cozinha, senta-
se e fita a criança folguear com uma lâmina inoxidável presa a um cabo de
polipropileno... as gotas de sangue a verter e emporcalhar suas vestes alvas,
maneja o objeto cortante como se estivesse diante de uma carnificina, expõe um
naco de carne e entranhas com o líquido vermelho a escorrer pelos membros
superiores e avulta seus calcidentes esbranquiçados pendendo sobre as gengivas
aftosas devido a problemas estomacais... perquire se aceita, ele nuta em
aprovação e depois que realmente prepara e cozinha os pedaços, os dois sentam
à mesa, e como se fossem bárbaros, destrincham o alimento o devorando sem
auxílio de talheres, alguns ainda a verterem um pouco do líquido viscoso...
digitifalanges receptoras tingidas... finda a alimentação e ruma para o quarto dos
pais, abre a porta, ouve um murmúrio estertorado, sua mãe o chama e o ato está
iniciado, corpos abluídos de suor, ofegantes resfolegos incessantes, suas
digitifalanges ainda sórdidas impelem e atraem reciprocamente as estruturas
carnais de sua criadora contra seu ventriperfilhado... antítese frenética atingindo a
transcendência de fluxos hormonais... engolfa-se em uma reentrância labelada
voraz e ouve engodadas palmiplatéias no seu nefelibático pensamento volatilizado
a aclamarem em concordância com o ato finalício climaxizado quando o líquido
espesso expelido intermitentemente de suas entranhas ablui o interior de sua
comparsocriadora de atos libidinosos, chegada a ilação do ato, evade-se do
quarto... enquanto muitos povos permanecem com suas culturas preconceituosas,
este trivial ato, praticado constantemente na antiguidade, ainda será escopo de
rechaçamento e repugnância, mas a principal corroboração para eu atuar
placidamente é o perfilhamento... encontra a pequena divertindo-se com as peças
aparentemente perturbada, inquiri porquê está incomodada e ela nada palra, vai à
cozinha, enche um objeto metálico embicado com um líquido insípido, coloca-o
posteriormente sobre um objeto plano com acendedores, válvulas e um dispositivo
próprio para o aumento de temperatura, retira uma chávena de um balcão
retangular côncavo suspenso na parede sem arestas, a cozinha é circular, despeja
um pouco de H2O para retirar possíveis partículas de poeira e a põe sobre a

mesa, onde um depósito vidráceo que encerra uma matéria escura granulada o
espera, desenrosca a tampa do mesmo... cem por cento torrado e moído, consta
no rótulo... despeja um pouco na chávena úmida e fita a transformação dos grãos
a derreterem-se aos poucos, tornando-se uma pasta negra... um sibilo de
ambulância distante, e outro da substância líquida inodora atingindo seu ponto de
efervescência em 100° Celsius, 212° Fahrenheit, e 373, 2° Kelvin, posso ver sua
sombra quando está no estado gasoso... entorna o líquido esfumaçante na
chávena e dirige-se para a janela... como é bonita esta parte da cidade toda
iluminada, algumas luzes coloridas dispersas, outras em linhas retas paralelas que
nunca se juntarão no infinito, estas são as que lateralmente iluminam as estradas,
as das residências e dos prédios são mais sutis... constata prédios com muitas
janelas... milhares de cubículos onde as pessoas se sentem à vontade e se
comportam como são, mas de onde provém os gritos de desespero? A morte
abateu um ser infantil! Então era isso que incomodava minha irmãzinha... ele a
interroga mais uma vez, aduzindo o que acabara de ver e ela apresenta as provas
de testemunha ocular narrando o acidente ocorrido sem omitir nenhum pormenor,
estava a brincar na janela protegida com grades e escutou as proles dos
moradores do andar superior conluiarem a idéia de andar sobre o parapeito, a
menina maior pediu para que a menor fosse primeiro, e esta quando subiu e errou
dois ou três passos foi empurrada para baixo... os pais da criança obliteraram de
acionar o dispositivo que protege a abertura da sacada com telas e evita possíveis
quedas ou algo relacionado, é justamente uma das proles dos pseudo-cristãos...
examina o pequeno corpo jacente na calçada lá embaixo com as luzes da rua e
das casas iluminando-o... quem vai retirá-lo?... seus genitores despontam na sala
e perquirem sobre o que o distrai, com um meneio chama-os para a janela, e
então ponderam juntos os parentes do infante desesperados e os pescoços
esticados dos vizinhos do prédio e edificações próximas, com epicrânios
pendentes a fitar a enregeladamorfa e inexistente vida subjacente... não há nada
mais a fazer, apenas os incômodos referentes ao funeral, profere seu pai de
pijama, que se joga na poltrona, com suas aracnefalanges percorrendo o sofá à
procura do pequeno controle da tela geradora de imagens, passa-se um lapso, os
olhos de Osvaldo percorrem a sala... preciso sair... lesto se recompõe, coloca seu
sobretudo e desce as escadas rapidamente, pára defronte a porta e abre
bruscamente, a chuva fina continua a cair, já não constata mais pessoas olhando
o pequeno corpo... a chuva borrifa suas gotas nos longos cabelos e no tênue
corpo desfacelado, escoando o restante de sangue para os bueiros próximos...
olha atentamente o corpo e sente algo estranho atravessado em sua epiglote,
pensa em chorar... não adianta, pois minhas lágrimas não irão mudar a situação e
trazê-la de volta, agora, é uma vida esvaindo-se, somos apenas corpos, corpos de
futuros cadáveres, a vida não vale nada para a morte... retorna ao interior do
prédio... todos moramos dentro de edificações cúbicas devido ao pequeno espaço
territorial que se ocupa, pois a explosão demográfica cresce paulatinamente em
doses hiperbólicas... decide ir diretamente para seu quarto que aloja um cama,
uma escrivaninha e uma obsoleta máquina de datilografia... um simples quarto
pode esconder tantos mistérios, teorias, pensamentos, com um simples esforço da
imaginação os horizontes se transcendem e a matéria se junta ao pensamento, a
ligação entre abstrato e concreto pode ocorrer em um quarto pequeno com uma
caneta, uma escrivaninha e um pedaço de papel, os materiais mais simples e o
essencial, uma mente pensativa, com isto, as coisas, o ambiente, transformam-se,
moldam-se, e tudo se revela por meio da linguagem, sentimentos e raciocínios
coadunam-se e é provável que surja o início de uma grande teoria ou um romance
teórico... então explode a mescla do abstrato com a substância, da energia com a
força e do pensamento com a realidade, e não é preciso mover-se para constatar
esta ligação deslocada do trivial, a matéria é o absorto, o absorto o infinito, e o
infinito é inexistente sem o pensamento, e a inexistência subsiste a tudo, ao
próprio absorto de Osvaldo... casas, quartos, proteção, mas qual a necessidade
de se proteger, e por que o ser humano sempre cria coisas em que se sente de
certa forma protegido? Seria uma perspectiva de demonstrar uma leve
reminiscência do ventre materno, ou que está cada vez mais preso às coisas e
consigo no sentido de se sentir coagido e suprimir múltiplos anseios e idéias?
Apenas paredes de concreto que os tornam prisioneiros de uma forma
dissimulada, maniatados de suas próprias liberdades... como o homem pode estar
condenado a ser livre se o medo o priva de sua própria liberdade?... o ser humano
chegou a um ponto de animalidade tão extrema que sente medo de seu próprio
semelhante, medo, quando criança sentia medo de cadáveres, agora não mais, os
pais nos ensinam desde pequenos a ter medo dos racionais vivos, nem deles
tenho mais medo e sim sanha e repugnância, principalmente dos que movem uma
engrenagem sistemática e produzem a alienação em massa, os sentimentos de
ódio são introjetados pelo sistema solapadamente em minha massa encefálica,
entretanto, o egoísmo é uma espécie de execração que nasce com o ser racional,
pois antes mesmo de ser executada a onfalotomia, a futura forma humana
necessita de outra vida para que seja gerada e quando é concebida requer mais,
desde tempo, cuidados, até a atenção egocêntrica sobre ele, a ignorância e o
egoísmo são da natureza humana os defeitos mais triviais e mais complexos de
serem pugnados, e é necessário que o ignorante na busca pelo saber não meça
conseqüências, pois somente assim conseguirá superar suas dúvidas erigindo seu
próprio edifício de certezas e conhecimentos intelectuais sobre uma base firme e
inabalável, porém, não recorrendo ao erudito egoísmo como método... senta-se
defronte a antiquada máquina datilográfica, passa as manifalanges sobre as teclas
e sente todas retornarem devido ao sistema mecânico do aparelho composto de
molas que impulsionam e retraem as teclas... preciso acender o lucivelo, funciona
por meio de energia provinda de uma hidrelétrica, onde uma represa é construída
para posteriormente uma grande extensão de terra ser alagada causando um
impacto ambiental de imensas proporções, mas o processo de geração de energia
começa quando a H2O, possuidora de grande geração potencial gravitacional,

passa por dentro de tubos com turbinas hidráulicas giratórias, que produzem
energia cinética de rotação e transformam potência hidráulica em mecânica, esta
última retransformada em elétrica pelo gerador com terminais e barras condutoras,
ou cabos, próprios para o transporte da eletricidade até o transformador elevador
de voltagem para a energia chegar, por linhas de transmissão, em subestações
com transformadores que estabilizam a corrente com a devida tensão para ser
usufruída em residências, empresas, e o que necessitar de energia elétrica... a luz
da lâmpada é despejada diretamente na folha de papel branca onde caminha um
himenóptero... estão em todos os lugares, desgraçados oniscientes, com suas
graciosas patas a desfilar sobre a folha de papel, como chegou aqui? Vagou
excessivamente desde seu ninho, que comumente é um inextrincável complexo de
galerias labirínticas, labuta nas estações quentes e conserva alimento para o
inverno, apenas um dos inteligentes insetos coletivos, os únicos que excutam o
cortejo fúnebre e inumam seus cadáveres, além dos racionais que fazem, penso
eu, pelo cheiro que a carne humana em decomposição emana, e como chegou a
folha? São executados vários processos, primeiro o corte, depois o
descascamento, e a seguir a trituração do cerne das árvores, esse material é
posto em um grande recipiente para posterior fervura com produtos químicos se
transformando em uma pasta de celulose que é misturada, consecutivamente se
engendra o processo de alvejamento ou de coloração, e logo que uma matéria
sólida se forma, é subordinada a vários rolos compressores indexados em
máquinas para ficar com a espessura desejada, depois é cortada e armazenada
em pacotes de plástico ou papel em tamanhos que predispõem às exigências dos
comerciantes, chegando às respectivas lojas, então são compradas por alguém...
apenas um rosto desconhecido da, e na multidão, que talvez se torne, ou não,
reconhecido por ela... e enfim à minha frente, pedindo para as teclas
arremessarem contra ela e o tambor da máquina um demasiado calhamaço de
idéias, que no átimo não me vêm à mente, sobre o que devo escrever? Sobre...
obstando sua linha de raciocínio, um facho de luz surge do lado de fora da janela
do quarto e desaparece instantaneamente, em seguida ouve um estrondo grave e
contínuo, levanta-se e abre as cortinas em sua totalidade... as gotas aumentaram
de volume mas diminuíram de quantidade... percebe uma forma feminil na rua que
anda em direção ao corpo da criatura infantil, desconfiada olha para os lados,
quando percebe que é vista por ele corre desatinadamente... trovões, oriundos de
raios com cargas elétricas positivas e negativas, movimentando-se
ordenadamente como uma corrente elétrica no interior das nuvens, com a
separação dessas cargas um enorme campo elétrico é produzido tanto no interior
da nuvem como dentre a nuvem e o solo, surge então o relâmpago que provoca o
brusco aquecimento do ar nesta região de colisão entre partículas, e causa uma
expansão propagando-se em forma de onda sonora, tudo isso ocorreu há
segundos na atmosfera terrestre, luz e som ao mesmo tempo, mas a primeira é
perceptível antes, pois sua velocidade de 300.000 km/s é a velocidade máxima
conhecida pelo racional, mais lépida que a segunda de apenas 330 m/s, conjeturo
que percorrendo o espaço na velocidade da luz o ser humano pode ultrapassar
dimensões temporais, indo para o passado como para o futuro, contudo, o corpo
não suportaria tamanha velocidade e se fragmentaria, mas de que adiantaria ir
para o futuro se não tenho como impedir minha própria inexistência? Indeléveis
pensamentos retrógrados povoam minha mente neste exato momento, gostaria de
apagá-los, mas meu subconsciente é como uma fita magnética... como foram
gravadas todas as cenas que viu, vê e verá ainda é um segredo, a neurologia
avança com suas pesquisas, mas a parte abstrata ainda terá que ser estudada
com maior ênfase por todos os âmbitos científicos, porque ela é a responsável
pelos avanços da ciência, sem pensamento, ou imaginação a matéria dificilmente
mostraria suas faces... armazena até o mais ínfimo segundo, centésimo, milésimo
da minha inelutável e comprometida existência desde meu nascimento... por isso
que uma excessiva quota de pessoas guarda traumas de infância, pois a idade em
que se principia e se forma a base psicológica é dos quatro aos cinco anos,
denominada primeira infância, a partir desta idade se gravam com mais facilidade
as situações boas e ruins de cada ser humano... no ventre materno fui um
receptor de sentimentos, porém, não compreendo como, se meu sistema nervoso
ainda não estava completamente delineado, ou estava? O que se passa com a
genitora é refletido mais tarde no recém nascido, assim, ele nasce com várias
lembranças do que ela sentiu durante a gestação, e conforme o racional cresce
tem de aprender a conviver com os sentimentos, mesmo ao sentir raiva ou amor
pelos seres à sua volta... retorna para a cadeira e inicia o bater contínuo das
teclas um pouco duras, produzindo um esforço quase considerável com as
falanges ossudas revestidas, e os vocábulos surgem... pelos meandros e
ramificações de minha conturbada consciência presumo que ainda resta algo para
escrever e levar o ato à plena execução... redige os seguintes pensamentos, por
vezes aleatórios... A negligência exponencial da potencialidade humana resulta
em uma interpolação de dados inequívocos introjetados em espiralados e
constitutivos pontos, retransformando o subterfúgio entre a variedade e vitalidade
do absorto e não inexistente pensamento. E a probabilidade disso ser uma
inconstante na parte teórica das refutações que empreendi em meus pensamentos
pode ser ou não uma variante de fatos reais e ilusórios em que os seres humanos
se encontram no mais íntimo pensamento, resultando em uma possível
incompreensão de várias décadas e séculos. Mas a inexorabilidade do ser me
intriga, pois continua uma constante e constitui uma causalidade metafórica
perante todos os atos congruentes e discrepantes na forma mais amorfa e volátil
que os pensamentos se encontram. A transmutabilidade dos pensamentos em
escrita representou um avanço estupendo na história da civilização humana, e
como conseqüência os pensamentos concretizados obteram seu verdadeiro valor,
mas o valor se considera totalmente à parte do próprio pensamento, que
contrabalanceia uma incoerência quase transitória entre o abstrato e o concreto.
Águias sobrevoam o céu azul matizado em um dia heliocêntrico, procurando uma
presa para que possam agarrar. E entre tantas outras coisas para fazer ele deita
na cama e fecha os olhos a pensar em coisas sem importe, talvez para outros,
não para ele, pensar é imaginar a realidade que eu gostaria, pensa, pensa
mentecapta mente acinzentada de neurônios queimados em um simples fato de
segundos do tempo, interjeito receptáculo de pensamentos insuficientes ao
mesmo tempo, como o tempo pode receber tantos pensamentos ao mesmo
instante e deixá-los para trás como se nada se tivesse pensado? Com asas para
voar bem longe da realidade e dos sonhos do subconsciente. Apenas voar como
uma águia, sem ter nada, apenas bater as asas contra o vento e a gravidade...
essa é a verdadeira liberdade de transposição do gênio subconstutivo
tangenciado, literal e figurativo de cada ser, o próprio pensamento de cada ser.
Cantar sem cantar, viajar dentro de um ônibus em uma poltrona confortável,
depender sua vida a um motorista que mal o conhece. Apenas olhar pela janela a
paisagem verde... azul... branco das nuvens... pairar sobre o asfalto negro, pensar
apenas pensar, e adormecer lentamente... lentamente... rejeição de si mesmo,
dormir com as molas a amortecer os solavancos abruptos da estrada, deveriam
fazer uma estrada mais plana, porque assim a cada solavanco eu acordo. Sono de
Felis catus, que acorda a cada barulho insignificante que faço. O Ser-sistema
observa, observa tudo com uma câmera ultramegagigaterapotencializada na qual
cada movimento é guardado numa caixinha surpresa onde desponta um palhaço
de face colorida com nariz grande e vermelho. O que é uma palhaça sem uma
protuberância nasal fictícia? Falsa! Uma cirurgia plástica resolveria o seu caso, diz
o doutor com anos de estudo para possuir uma renda per capta rentável,
observando-me na retração reflexiva das lentes do óculos, causadas por refrações
das luzes artificiais no seu consultório frio, desmicrobizado. Mas muitas bactérias
habitam ali, habitam, coabitam em todos os lugares, sendo combatidas com
substâncias alcoólicas e morticibacteriológicas. Matar, matar eles, desinfetar o
local da burocracia paulatinamente, corrupção aniquilada. Mais que impossível
encontrar eles, estão em todos os lugares muitas vidas a depender dos
ventríloquos. Os povos escrutinam, mas não sabem quem estão pondo no local
mais alto. Nações, nações destruídas! Bactérias infectas a serem aniquiladas!
Esta desconsideração do ser enquanto ser é irreflexiva no subconsciente e na
realidade dele, sendo uma das perspectivas oblíquas negativas no que concerne a
absurdidade e animalidade do ser, considerando inerentes todos os aspectos
consubstanciais da massa em relação ao, muitas vezes, inexprimível e
incalculável pensamento extático, tornando-se inexpugnável a relutância do ser.
Isso justifica o egocentrismo dos que estão no poder!... Cessa o bater contínuo
das teclas... quero redigir algo que não sejam circunlóquios prescindíveis e
desconexos, porque o texto não expõe nenhuma coesão, e meu conhecimento
aleatório aflora-se como um lindo jardim de lírios amarelos, plantados em uma
enorme extensão territorial para serem comercializados serodiamente, aliás, as
flores possuem sua beleza e odores característicos, algumas apresentam sua
defesa natural agressiva, como os espinhos de uma roseira, mas o interessante é
a forma de como se reproduzem, pois necessitam de um agente externo por
serem vegetais, e os maiores responsáveis e corroboradores para a ploriferação
das espécies, são, com maior predominância o vento e as melipônicas, cujo
coletivo se conhece por enxame, agem de forma organizada e hierárquica na
colméia, que possui uma rainha, zangões parasitas com um final trágico ao
fecundar a rainha, e o restante constituída de operárias que vivem apenas
quarenta e duas horas, labutam ininterruptamente à procura da matéria-prima do
mel, pousam de flor em flor de modo aleatório, impregnam suas patas de pólen
sem maiores conseqüências e contribuem para a reprodução das flores, pois
estas são assexuadas e algumas necessitam de uma inserção do pólen, coisa que
o vento não é capacitado a fazer por ser superficial... particularidade e coerência
entre animal e vegetal, ajudam-se mutuamente, paradigma da natureza que os
racionais deveriam seguir... devaneios elucubrativos durante uma noite chuvosa, o
que mais eu poderia fazer se tudo que emerge de meus pensamentos são
supérfluas informações desordenadas? O ser humano não pode deixar de
devanear por um segundo sequer, pois é o único animal capaz disso... nota na
vidraça de sua janela um adesivo em estado de decomposição com proliferação
de fungos em torno... talvez seja pela alta umidade relativa do ar, agora aspiro
milhões de partículas secas também, a utilidade dos pêlos em minhas fossas
nasais são de interceptar as partículas maiores que tardiamente, já no sistema
respiratório, podem causar problemas, os órgãos mais interessantes do sistema
respiratório são os pulmões, imagino um montante de bolhas de ar minúsculas
enfunando e esvaziando-se em cada ato de respiração, são os primeiros órgãos
que os médicos pediatras fomentam após o nascimento de uma criança... para se
abrirem os pulmões... o primeiro e o derradeiro ato de uma trivial e supérflua
existência, a respiração... a porta do seu quarto abre-se em um ângulo
aproximado de sessenta graus, surge um facho de luz e posteriormente uma
pequena sombra, sua irmãzinha com roupas de dormir aperta o pescoço de um
protótipo símile ao animal existente que vive em um dos pólos do planeta,
extremamente felpudo, o personagem do título da estória levanta silenciosamente
e pega nas falanges dela ainda em formação, leva para o respectivo quarto e a
coloca em sua cama... nictóbata... aproveita a ocasião e vai ao toalete, observa
uma espécie de trono circular de aparência estranha com uma abertura no centro
e uma pequena quantidade de H2O parada e alojada no fundo... tenho de tirar o

calção, sentar ali e forçar os músculos do reto, o esfíncter abre-se e


instantaneamente sinto-me aliviado, eu sentado aqui e o tempo passando
ininterruptamente, mas por que o tempo passa, do que é constituído e como
envelheço? Existe antes da existência do universo? Conforme uma teoria, o
universo ainda está em expansão desde o primeiro momento em que houve o
caos entre moléculas e sobreviesse uma grande explosão, que se expande e cria
o universo, mas algum dia perderá sua força e se retrairá ao local de princípio,
sendo assim um ciclo de milhões, bilhões de anos interminável, dias, anos, horas,
tudo engenho dos racionais, para que possam contar os inúteis atos da vida, ou é
um controle do sistema sobre o racional alienado? Uma civilização de antanho na
qual aprecio demasiado criou o tempo calculável... porque o tempo sem o homem
é incalculável e sem denominação, mas não superficial, exerce influência intima,
ativa e direta sobre os seres vivos e mortos, mas e no espaço? Há um conluio
entre tempo e espaço, aquele não depende deste, mas indispensáveis no ponto
de vista ontológico, pois o homem depende de ambos, são pontos de referência e
em maior amplitude, abstraídos... preciso limpar-me dos excrementos que ainda
insistem em permanecer entre meus glúteos... ao lado avista um rolo de papel
dependurado em um apoio específico, mais macio que outros por ser usado em
partes sensíveis... esses dias li algo na embalagem de polietileno, que os envolvia,
existem vários tipos de fabricantes com embalagens de diversos tamanhos, mas
os rolos sempre seguem uma medida específica no território onde habito,
quarenta metros cada um... desenrola uma tira de tamanho apropriado, dobra-a e
passa no devido local, levanta, observa os excrementos em forma cilíndrica com
raio aproximado de 15 mm situados pouco abaixo da superfície, emersos na H 2O

parada... faço o cálculo para saber o comprimento da circunferência e tenho o


valor não exato de 9,42478, pois “” é uma dízima periódica... aperta o botão e
precipitadamente aquela enorme boca com o líquido insípido os levará pelos
supérfluos encanamentos por meio de uma nunca vista odisséia para uma estação
de tratamento com o dever de manter a higiene e não haver proliferação de
doenças... lavar as digitiformas, são as impressões digitais além do ácido
desoxirribonucléico e da arcada dentária as únicas formas de reconhecimento de
um indivíduo? Coloca-as mais contíguas a seus grandes globos oculares de
pupilas negras com as pálpebras de cílios curtos côncavos... linhas de epiderme
tão finas que se assemelham a um capilar, únicas em cada ser humano, quase
imperceptíveis, mas com sua utilidade, sem essas linhas nenhum objeto poderia
ser aderido e ficar entre as manimorfas por demasiado tempo, pois escorregariam
precipitadamente, este tipo de epiderme é mais resistente e se muda
frequentemente, está sempre em contato com objetos... após uma rápida
passagem pela H2O seca-as e vai de encontro à porta do quarto de seus

genitores, abre, perscruta-os dormindo e dirige-se ao local da carnificina dantes


feita pela pequena e por ele... ainda restam louças com sobejo de alimentos,
retirou os pedaços de carne daquele objeto, o refrigerador, que mantém os
alimentos sob baixa temperatura para sua melhor conservação, presumo que não
haja segredo em seu funcionamento, o que ocorre é uma troca de calor entre os
alimentos e o evaporador, também chamado de placa fria, mas são necessários
outros componentes elétricos como o relé térmico e o termostato, este, é um
interruptor responsável pelo controle do acionamento do compressor que mantém
a temperatura em uma faixa determinada, no interior do condensador, do filtro
capilar e do tubo capilar circula um fluído denominado gás refrigerante, com a
função de transportar consigo o calor do interior para o exterior do refrigerador, o
compressor desempenha a função de bombear o gás em estado líquido para o
condensador, anexado ao filtro, seguido do tubo capilar, e devido a diferença de
circunferência do condensador e do tubo capilar a pressão aumenta, mas após
passar pelo tubo capilar, o gás líquido torna-se gasoso devido a sua expansão,
dirige-se ao evaporador com uma temperatura abaixo da normal e assim retira o
calor dos alimentos, por este motivo o evaporador fica impregnado de gelo, é
apenas o líquido evaporado dos alimentos, após todo processo o gás retorna ao
compressor e inicia o ciclo novamente... volta ao quarto, desliga o interruptor do
lucivelo, deita em seu leito e se põe a pensar em uma questão ambígua do
interesse de poucos... como e por que estou neste planeta? Como estou aqui,
creio que se pesquisar a árvore genealógica dos meus antepassados saberei, e
também por meio de uma evolução da raça humana, entretanto, não tenho
certeza, mas nessa evolução o fator preponderante e principal foi a necessidade
do homem se adaptar ao habitat em que vivia, enfrentando os obstáculos que o
ambiente exterior lhe proporcionava, fazia com que seus sentidos e pensamentos
procurassem a perspectiva profícua de se desvencilhar, ou então enfrentar a
situação complexa ou precária de objetivos concernentes à sua sobrevivência, um
exemplo disso foi a utilização de pedras como armas de caça, a moradia em
cavernas, e como sobrevivia da coleta, da pesca e principalmente da caça de
animais, não poderia matar um irracional de grande porte somente com sua força
e sozinho, então surgiu a necessidade de engendrar um agrupamento, entretanto
esse não foi o principal motivo para se juntarem, por desconhecerem a agricultura
e com a falta de caça são forçados a procurar locais mais propícios para sua
sobrevivência, tornam-se nômades do período paleolítico... todavia, com o
aumento do aglutinamento dos pequenos agrupamentos a vida sedentária
pareceu-lhes mais cômoda, em conseqüência disso as tribos obtiveram o próprio
dialeto e formas de escrita que se assemelhavam mais a desenhos do que
propriamente letras e vocábulos, desencadeou-se então a diferença de idiomas,
isso já no período neolítico, geraram posteriormente uma sociedade com leis
comuns para a repartição em partes eqüitativas dos animais caçados, demais
atividades e deveres, mas não foi um processo repentino a mudança dos hábitos
da caça para o plantio e o pastoreio... talvez os primeiros atos de ganância e
egocentrismo sugiram fomentados por estes motivos, pois o homem evoluía
também no campo sentimental, com isso descobriu desavenças e intrigas, gerou
assim tanto o cooperativismo, como o amor o ódio e tantos outros sentimentos,
portanto sua fase animal estava latente tanto nos pensamentos como em atos e
atitudes... tomar em conta a consubstanciação dessa pragmática fase de
constituição dos pensamentos e descobertas é importante, pois resultaram em
descobertas, como a do fogo, a da roda e outras imprescindíveis para o
crescimento evolutivo da espécie sobre vegetais e animais irracionais, no entanto,
o ser humano ainda não é completamente perfeito em vários sentidos, e são
apenas hipóteses, mas é uma necessidade do homem se encontrar amiúde
escarafunchando seu passado, por isso a importância do historiador, que revolve
e traz à tona fatos que marcaram a humanidade, pois se não houvesse a história
individual e coletiva social tudo seria esquecido e consequentemente não
haveriam as grandes obras, os escritores, as revoluções, enfim, tudo para ser
relembrado e estudado, e por mais arcaicas que sejam algumas obras, estas, no
seu mais amplo sentido, são atemporais e sempre serão objeto de investigações
para compreender o raciocínio de quem as deixou, suponho que tenho de
ministrar maior ênfase aos meus pensamentos, pelo que ouço a chuva cessou...
entrega-se aos cuidados de Morfeu...
Logo pela manhã, depois de retomar a consciência de quem é, examina a
área e os móveis do quarto... os mesmos de sempre, mas uma massa aglutinada
de vibrações provocadas por laringes afinadas de aves em compassos
desordenados quase me projetam novamente ao mundo onírico e evitam que eu
ouça outros sons, a luz cristalina do astrisolar traspassa as cortinas e
enfraquecida adentra ao quarto... olha o relógio... hoje, dia em que não labuto...
eleva-se, anda até a janela para abri-la e nota por pouco tempo um deslocamento
estranho de racionais em frente ao prédio... os peudo-cristãos preocupam-se com
o funeral da prole, pois conversam com os profissionais de saúde que colocam o
corpo da menina dentro de um veículo hospitalar para levá-lo provavelmente à
morgue, lá farão uma aplotomia vertical em seu tórax, retirarão os órgãos para
doação ou comercialização, porque no mercado negro de órgãos isto é uma fonte
de renda inescrupulosa mas vantajosa para os doutores que não honram o
juramento médico, e só ulteriormente inuminarão o corpo... aspira de maneira forte
para sentir o cheiro que a manhã exala e depois expectora uma quantidade
estimável de muco que é atraído gravitacionalmente a uma velocidade de 9,8 m/s,
e esta é aplicada a qualquer corpo em queda livre, a direção não varia porque as
correntes transitoriais de ar atmosférico agora são quase nulas, sai do quarto,
seus genitores sentados à mesa deglutem alimentos orgânicos e haurem café...
fruto do cafeeiro, depois de torrado e moído colocam em infusão, contém cafeína,
um tônico e estimulante cardíaco... celerígrado vai ao banheiro lavar os
prolongamentos articulados e usa um pequeno objeto escorregadio com odor
aprazível de forma cúbica retangular... bolhas de sabão artificiais, visão efêmera
de uma transmutação química, retiram sujeira, quebram a tensão superficial que
há nas moléculas de H2O e fazem com que esta penetre entre as matérias da

sujeira para amolecê-la e retirá-la... fita rapidamente uma superfície polida que
reflete luz e reproduz sua forma facial nitidamente... paralelogramo com um dos
lados coberto por uma fina camada de nitrato de prata, os seres humanos visam
sua face para não se olvidarem dela, já narciso era ufano, ia ao lago para se jactar
de sua beleza e por ela faleceu, afogou-se no seu próprio revérbero... poucas
acnes sobreabitam sua tez... apenas poros obstruídos por minúsculas partículas
de poeira ou pela oleosidade da epiderme, membrana que reveste exteriormente
meu corpo e é o maior órgão do mesmo, preciso cuidar da higiene bucal e abluir
minha tez, mas de onde surgiu o costume não tenho conhecimento... volta ao
quarto, veste-se de acordo com o clima e senta à mesa, esta agrega demasiados
alimentos, entre eles fatias de pão sobrepostas, caídas uma após outra formam
uma minescada, retira a primeira da parte superior, sente a maciez da massa
composta de ovos, trigo, sacarose, sal, leite, manteiga, fermento e óleo vegetal... o
primeiro componente contém albumina, o segundo apresenta glúten, o terceiro é
dissacarídeo de fórmula C12H22O11, o quarto é proveniente de salinas, o quinto é

retirado dos animais mamíferos ungulados herbívoros, o sexto é constituído de


lipídios extraídos de uma matéria do quinto, o sétimo é responsável pelo
intumescimento da massa, e o derradeiro é extraído de uma planta da família das
leguminosas, Glycine hispida max, a soja ... inclina a garrafa térmica... tem de
possuir vácuo no espaço de sobejo entre o propileno exterior e o repositório vítreo
interior para manter a temperatura... despeja o café na chávena e a seguir
acrescenta uma micro concha cheia de sacarose que instantaneamente se
dissolve e deixa o líquido negro adocicado... café negro de aparência infinita como
a Via-Láctea... passa uma substância consistente sobre a fatia de pão com o
auxílio de um instrumento laminar dentado de aço cortante, e fere com as formas
maxicalcidentadas um fragmento da fatia deixando um estigma de cento e oitenta
graus, sente a massa espargir e amalgamar-se com a saliva para posteriormente
serem deglutidas, consente que o pão não faz parte do seu corpo ou outro
qualquer usado em cerimônias litúrgicas, e não seja compatível de ser mastigado,
cortado e amassado por seus calcidentes esbranquiçados isentos de cáries, mas
é indispensável... a chávena está demasiada cálida, por isso a alça então, usam
vidro, retém calor brevemente e o preserva por dilatado tempo... toma-a pela alça
e impele o líquido adocicado com assistência da epiglote, esta se expõe de forma
protuberante nos homens... quase todos comem, em silêncio, a pequena
noctâmbula deve estar adormecida... conclui a alimentação, levanta, abre o
refrigerador e nota recipientes para alimentos de polipropileno... as civilizações
passadas também se utilizavam de recipientes, certamente de materiais mais
arcaicos, sua tecnologia não estava tão desenvolvida, como historiadores
comprovaram em várias escavações à procura de informações sobre as técnicas
de sobrevivência das civilizações já inexistentes, retirar o pequeno depósito
cilíndrico com o fermentado de uvas e abandoná-lo sobre a mesa, agora escovar
os incisivos, caninos, pré-molares e molares novamente... o creme dental
dissolve-se em sua boca... forma uma espuma gelada com sabor mentolado e
penetra em meio aos trinta e dois calcidentes, a escova dental com as pontas das
cerdas arredondadas e macias, porque minhas gengivas são sensíveis, deslizam
agitando-se em direções circulares, retas, oblíquas, e repetitivas, para manter a
coroa e as demais partes intactas, conforme a quantidade de creme dental a
espuma insufla, sai da boca e começa a escorrer pelo cabo da escova, agora
cuspo a exorbitância mesclada com um pouco de sangue na pia, vermelho como
os tomates, sonhei com tomates hoje, sonhos, cada noite é uma viagem diferente
que faço em um mundo desconhecido, quando tenho pesadelos algo está errado,
nos sonhos e nos pesadelos sinto e penso da mesma maneira de como se
estivesse desperto, sinto alegrias efêmeras, tristezas permanentes, medos
superáveis, e penso no meu pensamento, que libera as rédeas e os freios da
alucinação e da fantasia, sonhos são meios de se chegar mais próximos a uma
realidade invisível, no de hoje eu degustava os tomates celeremente, eram
suculentos e doces com sua consistência macia, a casca lisa e fina de um
vermelho forte, mamãe faz tomates recheados em certos dias da hebdômada,
hoje ela fará, por isso sonhei que comia tomates, é uma fruta usada para temperar
outros alimentos, sua polpa é usada em molhos de macarronada, comida típica de
um país peninsular europeu, meu estômago está abastado do café da manhã, a
eructação dependerá da velocidade do metabolismo, gosto de fechar os olhos e
pensar em hipérboles metafóricas durante a escovação dos calcidentes, recordo
da infância na escola quando nos davam aulas de como escová-los corretamente,
ofereciam um líquido vermelho para fazermos bochecho, e depois escovar até a
coloração rubra desaparecer da dentição, flúor é o nome da substância que a
professora oferecia, alertando que em hipótese alguma deveria ser engolido,
agora preciso enxaguar a boca, um lépido gargarejo, secar as manifalanges... ao
passar a toalha no rosto, ela desliza com dificuldade... a barba, não me apraz
escanhoá-la agora, o indesejável é que quanto mais se corta, mais se alastra, às
vezes me corto ao fazê-la, pois as lâminas tem um gume cirúrgico preciso... após
o trivial ato, não omitindo a bebida, sai para uma consecutiva incitação de passos
e pensamentos... a imaginação pode por meio do corpo do indivíduo materializar o
absorto, mas partindo dessa hipótese ainda com bases frágeis, o espaço total,
teria de estar dentro dos pensamentos, até mesmo o sol que agora emana sua
energia luminosa e faz refletir por meros instantes seu fulgor nos vidros das
janelas das casas, apesar de resplandecente a temperatura está entre uma faixa
oscilatória mínima de nove e máxima de dezoito graus, conjeturo... na esquina da
outra quadra não será mais dúbio quanto a isso, um termômetro anexado a um
grande relógio o convence... a temperatura está na faixa que previ, com uma
margem de erro irrisória, a máxima é de quinze graus... passa pela região central
com o trânsito de veículos e de transeuntes calmo, e na superficialidade daqueles
rostos inócuos ele percebe o de um mandrião na calçada, sentado diante de
corpúsculos inefáveis e ludibriantes depositados na sarjeta, seu muco expectorado
encontra-se com uma cor vermelho escura... está com uma pneumorragia talvez,
ou outra moléstia mais arrebatadora e infausta, não saberão diagnosticar os
médicos e não há mais salvação a esta pobre alma que talvez tenha nascido em
meio a mendigos? Uma criatura do subsolo à orla da sociedade, talvez sem uma
instrução escolar, ou nem mesmo sabe quem foram seus geradores... com um
olhar oblíquo e circunjacente o indigente perscruta o muco e com vocábulos torpes
execra sua moléstia, a vida, e sem forças prostra-se diante dos poucos
transeuntes ébrio e regurgita seus resquícios de bebida e suco gástrico que se
espalha prolixamente, após isso, consternado, lhe vem o derradeiro suspiro...
analisar, para onde ir? À necrópole, quanto mais inóspito o sítio melhor para tirar
ilações a posteriori, quando extático em minha caminhada circunspecciono em
resolutos pontos os aspectos da natureza e presencio a translucidade de todos os
corpos mesmo compostos de uma matéria específica, a natureza é uma
interlocutora do que ocorre em uma cidade com grande contingente populacional
ou um local desabitado, mesmo não possuindo voz ou idioma a sua causalidade
soturna ou alciônica reflete-se no modo de sua preservação, é aqui que inumam
os corpos sem utilidade... um local murado com um alto portão semicircular no
fragmento superior... no interior um terreno plano com contrastantes espécies de
gramíneas ornamentais ressecadas e ainda umedecidas, situação decorrente do
orvalho e chuva da noite anterior, as gotículas reverberam um brilho cristalizado a
qualquer deslocamento intermitente do vento, que também enverga os dois altos
pinheiros quase mortos adiante, o sol é surpreendido por nuvens negras e seu
fulgor desaparece precipitadamente, diminutos lepidópteros diurnos sobrevoam a
semi-relva que avança em volta dos sepulcros e lápides com cercas enferrujadas,
parecem pulular da superfície, em situação contrária estão as arbóreas isentas de
copas ou com vestígios de folhas secas demonstrando sua beleza, tudo em
quadras desunidas por ruelas de asfalto... em uma observação supérflua e
abrangente contempla uma casinha esquecida em meio à atmosfera cinza e
deprimente, dirige-se a ela, quando se vê diante de um túmulo violado, uma
configuração cadavérica à mostra, com seus calcidentes inexoráveis ao tempo...
sorriso de contentamento por ter abandonado este mundo, ou de certo modo
forçado, o rádio e o cúbito com uma ruptura adjacente à articulação com o braço,
o elemento era de porte altivo, pois sua caixa torácica de estrutura avantajada
evidencia isso, praticamente privada de carne, andrajos pútridos tentam acobertá-
la sem sucesso, isto é o que restará de todos os seres vivos vertebrados...
percebe que há um cortejo fúnebre ao longe, o féretro afunda na terra com o
auxílio dos coveiros, as carpideiras a chorar falsamente... as exéquias concluem-
se na ocasião em que o esquife é completamente coberto de terra e um corvo no
alto de uma formação arbórea em estado tétrico, depois de examinar todo o
processo inclusive num átimo a mim, alcandora-se lentamente... aproxima-se da
casinha decrépita, circunda e analisa-a por completo, estima seu perímetro...
suponho que não seja maior que quatro metros quadrados, as paredes com
pintura descascada deixam transparecer a madeira de coloração acinzentada,
carcomida pela umidade e tempo, muitas tábuas com disformes orifícios, a
portinhola está traspassada por um conjunto de elos oxidados com suas
extremidades presas por uma fechadura portátil de aparência regular devido a
discrepância entre os materiais de proveniências divergentes de ambos, o telhado
está impregnado de uma substância avascular filamentosa esverdeada lisa...
investiga por uma extensa fresta o que há no interior e avista poucas ferramentas
comumente utilizadas para a inumação e em outros casos, exumação, senta-se
sobre um túmulo contíguo à portinhola, retira o recipiente cilíndrico do bolso
interno de seu casaco, abre-o e bebe com pausa entre os tragos... corpos inertes
soterrados, onde a realidade finda e a inexistência principia, com insetos,
roedores, ortópteros blatídeos, invertebrados, todos vorazes, apesar de ser um
depósito de cadáveres o local flui vida, carnes frias, músculos ausentes de
sangue, a lei da natureza inverte-se aqui, o mais debilitado alimenta-se dos que
outrora foram fornidos, aqui nem o pensamento deles é, é inexistente, ilativo,
aquele pequeno jazigo... morrer sem ter vivido o suficiente para sofrer com essa
existência incerta... porque da morte não há o que ser dúbio é a única coisa na
vida em que não se pode voltar atrás nem superar, o ponto crítico de todo ser vivo,
barulhos ao longe, gritos de uma criança sufocados pelo vento, o jazigo de uma
geração inteira, todos vem e vão, eu apenas permaneço no instante do tempo,
essas crianças falecidas obtiveram uma abrangente primazia sobre minha pessoa,
agora pássaros em uma revoada lenta e em pequenas quantidades sobrevoam o
perímetro do extenso terreno, flores, poucas naturais e artificiais, ambas em
estado deplorável de conservação, sem vida, a maior ilusão... ilusões... todos
temos ilusões, por vezes as realizamos, mas de que nos servem as realizações,
de quê? A chave de tudo são os sonhos, mas depois que se realizam já não resta
mais nada, nada para conseguir, nada mais do que olhar para o passado, para os
tempos nostálgicos e se perguntar: Qual a utilidade de tudo que fiz? Tenta-se
aproveitar a vida da melhor maneira possível, entretanto, o que e por que
aproveitá-la, qual sua utilidade, se não possuo a convicção de quando e como
posso me realizar antes da morte? É ela a barreira de contenção do avanço das
corredeiras da vida, nada pode ser feito, nada e nem tudo para ultrapassar esta
represa, nem mesmo as incertezas da vida desviam dela, por isso que pessoas
como eu desejo-a, a morte não é algo mórbido, apenas normal e natural a todos
os seres viventes, e como para tudo há uma antítese, ela é a da vida, não devo
temê-la, porque a cada passo executado está presente, a considero uma
conseqüência bem vinda, mas por que não é fácil prolatar sobre ela? As pessoas
acostumam-se com a vida e não é simples abandonar algo que se aprende a amar
tão fácil, desligar-se das coisas é trivial, mas da vida... e não há nada para impedir
a morte... a morte abraça quem quer que seja, independente de tudo, menos do
seu silêncio e da sua calma infinitos, por isso é que a aprecio... toma vários tragos
seguidos... muitos vivos gostam de visitar os despojos mortais de parentes e
conhecidos, adoração aos defuntos, túmulos e lápides feitos em homenagem aos
inexistentes, no antigo Egito essa particularidade era demasiado importante, criam
que ao mumificar os mortos estes retornariam post mortem, utilizavam técnicas de
estripação e conservação com destreza irrefutável, pois estudavam a anatomia
dos mortos anteriormente, retirando todos os órgãos, e acreditavam que depois de
mortos os corpos as almas eram julgadas por Anúbis e Mâat em rituais fúnebres,
que depositavam o coração do racional sobre um lado da balança da justiça, e no
outro uma pena, se o coração do julgado fosse puro, seria mais leve que a pena
de avestruz de Mâat, definiam a mudança do dia para a noite com outra crença,
Rá, o deus sol navegava em uma barcaça para a direção leste e enfrentava ou
fugia da serpente chamada Apep que tentava devorá-lo, para então despontar na
aurora da manhã do dia seguinte vitorioso e resplandecente como uma criança, ao
meio dia Rá era um barco ou um pássaro, e à noite retornava ao mundo inferior
para sua jornada não finita como um decrépito... construíram túmulos monstruosos
e edificações de arquitetura desenvolvida, labuta de um formigueiro humano com
equipamentos arcaicos, mas talvez com cálculos avançadíssimos, para mover
blocos de rochas de peso e tamanho excessivos... capatazes algozes a visar
friamente todos os movimentos esforçados que atenuavam o vigor dos músculos
dos escravos se empenhando, o faraó e a alta cúpula embaixo de tendas, com
maquiagem protetora contra os insetos, perscrutavam a construção dos seus
futuros sarcófagos, pirâmides, hermeticamente lacrados com precisão inverossímil
para melhor conservação do corpo mumificado, uma das mais avançadas
civilizações da época, agora inexistente... toma o restante da bebida... não
compreendo porque colocam estas hastes que se atravessam uma na outra em
cima dos túmulos ou inscritos nas lápides, ou então estátuas de tristes figuras
humanas a dardejar um olhar perdido para o nada, mãos, rostos tristes
esquecidos pelo tempo, cinzelados pelo artistescultor... consternadas obras de
arte feitas a pedidos... geralmente lavradas no mármore com malhos e cinzéis, no
pretérito, pedra bruta, no presente, seres símiles com grandes asas estáticas
querendo investir contra a gravidade mas presos em sua melancolia... Osvaldo
levanta-se, erra entre os sepulcros, passa perto do recente corpo enterrado e
prepara-se para sair do sítio, espreita as datas das lápides... tempo de
permanência nesta absurda realidade... as nuvens brancas no azul do céu, que
não é azul, não refletem mais a luz do sol, uma brisa gélida acompanha-o... é o
vento que carrega consigo o tempo e os pensamentos para as ainda tolhidas
entranhas do infinito, e somente neste é que o tempo se encerra... então fora,
cogita qual seu destino, pois resta um tedioso e terrível dia de sua existência a
passar-se... preciso distrair-me, para que o tempo escorra como uma nódoa
adiposa encerrada em determinado espaço calculado... passa em frente as casas
circunvizinhas à necrópole e nota que nelas existe algo de lúgubre e melancólico,
flana pelas ruas em uma procura angustiante para o sentido deste dia,
distanciando-se de si cada vez mais, depara-se com um zoológico, uma imensa
estrutura temática para oferecer diversão às pessoas que não tem conhecimento
da verdadeira animalidade humana imposta aos irracionais, entra... sou um neófito
neste local... em minutos seu ódio aflora-se... que ambiente depreciável, famílias
inteiras a passear e os irracionais enclausurados, longe de seus habitats naturais
sem a minúscula probabilidade de escapatória, assim fazem aos racionais que
subvertem as leis, um interstício entre as jaulas e os espaços que alojam os
animais para que os humanos se sintam seguros e superiores para apreciarem
tamanha crueldade... estagna defronte a felídeos carnívoros... Felis leo, leões
presos em uma espécie de depressão abaixo da superfície, obsidiada por metais,
irracionais não piores que a família alegre postada próxima a mim, composta de
um ser másculo, um feminil, ambos desenvolvidos, e uma criatura pequena ainda
subdesenvolvida, que não cessa seus estímulos musculares enquanto seus
genitores sondam e captam todas as mudanças contínuas executadas de um
ponto inicial dos animais, por meio de um objeto cuja lente se projeta para o
exterior e distribui precípites raios de luz engendrados de forma artificial,
apeteceria de presenciar a reação dos animais se a família fosse jogada junto a
eles, e estivessem uma semana sem suas refeições, veria então quais seriam
superiores numa situação dessas, como naquela história absurda em que o
condenado jogado em uma cova não é morto pelos leões... investe alguns metros
e contempla símios dependurados pelos membros inferiores idênticos aos
superiores... como seria eu com vinte articuladas formas oblongadas? Os primatas
são a atração principal das crianças, sempre se exibem com cenas burlescas...
anda em direção a um banco rústico de madeira e ainda cogita sobre aquele
axioma que outrora se assenhorara dos seus absortos... qual minha utilidade ante
tudo que presencio, presenciei e presenciarei, exatamente nos três períodos da
conjugação verbal adequados? Nascer, crescer e conviver com seres racionais da
pior estirpe, que ainda deduzem serem civilizados, mas cometem as maiores
atrocidades contra a sua e as outras espécies, e ter de suportá-los até a
inexistência... o fim não justifica o princípio nem o meio de um processo atroz
como a guerra e outras linhagens de governos totalitários que coíbem os
conformados e desinformados, analogamente fazem com os animais que não tem
a faculdade da razão, senta-se no banco, e à sua frente um reservatório de pedras
de forma elipsada contendo H2O... limitado a dez metros de dimensão longitudinal

por seis metros de transversal aproximadamente, orlado por telas de metal fléxil
com um mísero espaço territorial insular, para que os quelônios Mauremys
leprosa, cágados, possam repousar, a pequena nesga possui vegetais
sublenhosos com a parte superior ornada de poucos órgãos apendiculares planos
esverdeados lobulares e outros secos no solo, três carapaças sobressalentes
aparecem na matéria líquida incolor e o restante anda e come vagarosamente, ao
menor sinal de perigo recolhem-se em suas proteções... sente um leve toque no
omoplata e vira-se, eleva os olhos pacientemente, perspica uma forma feminil a
expor os incisivos e caninos, obliqua o crânio para a direita e indaga em seguida
com uma entonação de voz suave e melódica; como anda nosso pensador?...
quem dera fosse, mas estou bem... ela toma a palavra novamente... para proferir a
verdade todos os seres racionais pensam, alguns escassamente, outros
demasiado como você... sente-se por obséquio e aponta em direção ao banco no
seu lado esquerdo... não, agradeço mas estava de saída quando me deparei com
você sentado, introspecto em seus absortos, então pensei: vou perturbar um
pouquinho ele e devolve-lo à realidade, que, apesar desta ser absoluta a
percebemos relativamente, e quem sabe num futuro próximo não consigamos criar
as próprias, inerentes a cada tipo de pensamento?... em certos aspectos eu posso
concordar com você Andriel, mas antes terão de experimentar várias perspectivas
até que se chegue a uma ilação consubstancial... certamente, responde ela, mas
quando impus meu ponto de vista não o generalizei de todo, apenas em partes,
entretanto, tenho noção de que certas perspectivas tem de serem empregadas,
até mesmo as quase impossíveis de serem calculadas, pois seriam muitas
realidades que sobrecarregariam o espaço e o tempo... obviamente que agora
nossas linhas de raciocínio trabalham de acordo em forma harmoniosa e
uníssona... e como o câmbio de vocábulos está a entreter os interlocutores, não
percebem que ela já está sentada ao seu lado, ambos miram-se mutuamente
como flecha e alvo, e repentinamente ele visualiza por sobre as espáduas dela
uma cena comum... duas formas orbiculares cerram-se, crânios estáticos
abandonam o estado de repouso trasladando-se reciprocamente em uma direção
convergente, grudam-se as formas labeladas e ocorre uma cambiação
permanente de fluídos salivares entre as cavidades maxilares, os órgãos
musculares da fala se atraem, enroscando-se no interior das cavidades com
movimentos espiralados e aleatórios por um lapso, então as caixas cranianas se
repelem lentamente e as pálpebras desobstruem os globos oculares que se
mantém em direção constante... agora tenho de partir... os vocábulos proferidos
por Andriel cortam como um gume afiadíssimo o ar, e o fazem enfocar as
estruturas orbiculares e as formas labeladas dela, em seguida palra... está bem,
em hora e local propícios dialeticaremos mais sobre realidade e pensamento...
eleva-se Andriel, nuta em aprovação com o olhar fixo para a tez do interlocutor,
despede-se imediatamente e esvanece em meio aos seres que flanam sem ter o
conhecimento de que apóiam a prisão dos reclusos irracionais... lembro do dia em
que estabeleci contato e tentei expressar meus sentimentos para Andriel...
aproximou-se dela e iniciou a abordagem de maneira informal... gostaria de
prolatar que meu cérebro foi incitado no setor dos sentimentos após visualizá-la,
como conseqüência me senti atraído por você, agora, quem decide se haverá uma
interdependência de sentimentos e idéias não sou eu, e houve, porém, não nos
pertencemos... mas se não fosse ela o fator exterior, o desejo dele não surgiria e
seria transposto justamente para a parte do encéfalo responsável pelos
sentimentos... assim transpus meus sentimentos em forma de linguagem fonética,
considerei que esta era a melhor forma dentre várias, pois não poderia usar a
linguagem simbólica mais precisa existente, a da matemática, ciência exata, mas
a vida e o pensamento não são exatos, ambos são incalculáveis, a primeira é
incerta, e o segundo estabelece a interdependência entre as ciências humanas e
exatas, além disso o pensamento imaginário move o mundo e as pessoas, e é o
motivo de viver dos pensadores, mas esta parte imaginária e criativa toda criança
perde ao se tornar adulta, vou arriscar-me em uma dessas trilhas que se
encontram no zoológico... depois de algum tempo indeciso por qual delas
começar, lembra que todas estão interligadas, ou ao menos era o que estava no
mapa da entrada que sequer estudou, levanta-se e gira em um ângulo de cento e
oitenta graus, quando uma borboleta passa rente a sua face com o bater de asas
magistral... lepidópteros diurnos, ela oscila entre as correntes de ar como se
estivesse numa outra realidade indimensional inefável, especialistas em física
provam que o bater de suas asas aqui podem engenhar um furacão num ponto
diametralmente antagônico do globo terrestre... rapidamente seus pensamentos o
transportam para um local onírico com um grande terreno coberto de ervagem
cercado por uma floresta de várias espécies vegetais, uma lacônica brisa a soprar,
o astro a atingi-lo com seus raios quentes e diversas borboletas de todas as cores
imagináveis e inimagináveis voando em circunvoluções hiperbólicas em torno
dele... e eu a correr sem sentido somente a acompanhar elas, livre, nu... então
adentra a floresta imaginária e sente uma torrencial de aromas e perfumes jamais
antes sentidos, devido a variedade de ervas e flores, as formações arbóreas de
aparência excelsa com caules e galhos fornidos, aglomeram-se nas copas
somente em certa altura e formam uma redoma natural com orifícios disformes de
espaços para se contemplar os vapores condensados na atmosfera e os astriraios
reverberarem a beleza daquela parte do universo impossível de ser tocada pelo
homem... lesto é trazido à realidade por um pequeno, que ao passar por ele
esbarra na altura de suas rótulas, mas não cai, correndo atrás de seus genitores
em seguida... aliás, os pequenos são os mais fascinados pelos animais
encarcerados, presumem que seja ali mesmo o local dos irracionais... diante do
início da trilha um pequeno portal natural, as colunas laterais possuem a mesma
dimensão transversal que a rota, para no máximo quatro seres, mas esta floresta
real não é tão atrativa quanto a que estava a devanear... agora, de tantos, um
único órgão apendicular amarelado e seco cai do alto de um galho em
inverossímeis oscilações, corta o próprio causador de sua queda, a corrente de ar,
e demora a cair talvez pelo seu peso, a cena da queda fica presa no meu tempo e
na minha memória, ao chegar ao solo junta-se com as demais milhares, algumas
em processo de decomposição orgânica avançado para no futuro seus átomos
serem utilizados pela natureza, terei o mesmo escopo que ela pois sou uma
simplória folha neste universo imenso... as pessoas passam... bancos obsoletos
carcomidos ao longo do caminho, nada semelhantes ao que eu estava sentado,
ao menos aqui as aves ainda voam em plena liberdade, mas corrompidas pela
presença humana, pois não fogem quando me aproximo, é um erro alimentá-las,
depois que se acostumam não sabem mais conseguir o próprio sustento... projeta-
se de maneira silente e soturna... caminhada peripatética solitária, não sei o que
me deu para entrar em concordata com o processo que tomei em decisão ao ato
de conluio para com Andriel... bípedes másculos e feminis com proles passam por
ele a todo momento, sem que possa pensar de maneira mais plácida... aqui está
insuportável desde quando resolvi entrar, não gostar de determinado local mas
permanecer nele é um antagonismo evidente, talvez seja algum complexo de
estoicismo, que por certa perspectiva é bom, permanecer austero ante as dores
ou prazeres reforça a consciência de que o corpo é apenas uma parte do
pensamento, e se a dor é real, ao prazer tem de ser dada a mesma designação...
não percebe e por conseguinte não acostumado com as inextrincáveis rotas, nota
que está perdido... andar somente em um sentido sem tomar nenhum desvio
ajuda... logo vê uma placa de indicação, um sinal aponta para oeste, as pessoas a
sorrir o deixam consternado... não estão aqui para pensar no sofrimento dos
irracionais, e sim para divertirem-se com eles, preciso achar a saída o mais rápido
possível... segue o caminho da placa que finda em uma trilha bipartida... agora o
dilema, que direção devo tomar, o melhor será inquirir àquele casal que vem de
uma delas... mas ocorre o contrário, o casal de velhinhos é que toma a palavra
primeiro, indagam que horas são, ele responde prontamente e aproveita a ocasião
para perguntar qual caminho deve percorrer para sair da quase floresta, o ancião
responde que tem de tomar o caminho por onde passaram, agradece aos
decrépitos, anda alguns metros e vê uma pequena ponte pênsil, cessa na metade
e por um período perscruta a matéria aquosa a correr por sobre os calhaus... a
substância de ligação mais simples, entretanto, a de maior complexidade na sua
compreensão, como isto pode ser tão fascinante a ponto de não ser aderido como
objeto, mas reverbera e reflete identicamente ao plano vítreo com nitrato de prata?
Pode ser contida entre as manifalanfes ao ser transmutada em estado sólido
através da subtração de temperatura, conjeturo que assim também esteja no seu
estado natural, pois há somente uma transmutação virtual de estado, porque as
moléculas não mudam suas propriedades e continuam com sua quantidade inicial,
a corrente percorre o solo igualmente como o líquido escarlate espesso dentro das
intermináveis tubiveias finas do meu corpo, com a mesma utilidade, mas de
compleições completamente distintas... um anuro tripófago de pele verrugosa e
brilhante sobre um penedo impregnado de muscíneas coaxa de modo tímido e
baixo... devido a flexibilidade e ao tamanho dos membros inferiores ele salta
lepidamente sobre os calhaus e some entre as folhagens que delimitam as
sinuosidades e o curso do diminuto caudaloso, se cair não terá o problema de se
afogar, em idêntica situação estão os vertebrados de escamas que imersos
respiram por brânquias, mas se retirados da geléia aquosa por tempo
indeterminado, morrem... conforme o número de seres que passam a ponte vacila,
atravessa-a e cogita uma maneira de presenciar meticulosamente como os
animais submersos apresentam a mobilidade abaixo da superfície... por onde
descer... nota uma descida levemente oblíqua e com pouca incidência de
muscíneas... não quero correr o risco de cair e talvez bater com a cabeça em um
penedo... apóia-se em um tronco sobrecarregado de plantiparasitárias
entrelaçando-se na vítima de modo que cobrem toda a verídica planta... sufocam-
na e ao mesmo tempo retiram toda sua seiva, sobrevivem na ociosidade,
novamente as correntes de ar chocam-se com o cume das copas e desta vez as
apendiculares vegetais desidratadas caem como uma chuva em vários pontos e
chegam ao solo em tempos divergentes, para algumas o futuro chega mais
precípite e para outras o seu passado fica nas muitas dimensões do tempo...
então sente uma leve perda de equilíbrio devido ao local escorregadio, logo
restaurada por segurar justamente uma das ramificações das parasiplantas,
agacha-se e os imersos se assustam com sua presença, deslocam-se mais rápido
e suas nadadeiras se agitam com maior tenacidade, mas não tem como se
esconderem como fez o anuro anteriormente, por isso se aglomeram na margem
oposta... alimentam-se sem haurir da própria substância em que vivem, deglutem
os alimentos separadamente da respiração, que funciona de forma análoga a meu
organismo, agora quero saber onde é a fonte deste ribeiro de pequena caudal,
mas não será muita audácia de minha pessoa, já que os caminhos estão
delimitados e todos andam somente neles? Receio que não seja correto estar
aqui, mas também não há nenhuma placa de alerta para não descer ou
permanecer... é o interesse em saber, que impele os curiosos e contribui com uma
pequena, mas não prescindível, parcela para o progresso intelectual da
humanidade, em que direção e sentido não se sabe, talvez para melhor
compreensão de si mesmo, mas a partir do momento em que se começa a
escarafunchar alguma coisa, podem ser descobertas soluções de valia
inimagináveis até serem experimentadas tanto pela percepção do mundo exterior
quanto pela consciência interior do indivíduo... as pequenas coisas oferecem
grandes lições, vou segui-lo até seu início... apóia-se em plantas e por vezes
escorrega, mas sobe córrego acima... eis a pequena nascente, a H 2O provém do

solo e está a agitar minúsculos grãos incoerentes de minerais, mas como, dentro
de si própria? Ela agita-os e ao mesmo tempo causa uma ilusão de ótica que os
aumenta de tamanho, posso vê-los nitidamente como se o líquido fosse uma lente
convergente de delimitado foco invisível e impalpável, os grãos são mais pesados,
mas pode movê-los por estar em maior quantidade e pela força que a traz para
cima, pois o lençol freático está em alta pressão embaixo do solo, e conforme
passa pelas camadas filtra-se até chegar à superfície completamente cristalina e
pura com uma pressão considerável, mas não hiperbólica... engendra uma concha
com suas palmimorfas e imerge-as na fonte, retira um pouco do fluído incolor e
bebe... a constituição de um dos átomos de hidrogênio, inerente a esta substância
líquida de dois gases, possui o núcleo de um próton com um elétron girando à sua
volta, isto no que concerne a números atômicos, o oxigênio contém oito prótons, e
sempre o número de elétrons de todos os átomos é idêntico ao de prótons, todos
os átomos na química orgânica apresentam carbono, mas diferenciam-se pela
quantidade de prótons de carga positiva e nêutrons de carga neutra no núcleo, e
de elétrons de carga negativa que giram na eletrosfera à certa distância do núcleo
em uma órbita elipsoidal menor ou maior, os de órbita com maior raio a partir do
núcleo atômico são responsáveis por ligarem-se a outros átomos, sendo que para
formarem moléculas como a da H2O, são imprescindíveis as denominadas

ligações... ligações iônicas, covalentes e metálicas, com subdivisões, de um


átomo com outro, cada qual com seu peso atômico, massa específica e outras
peculiaridades, divididos em classes em uma tabela periódica dos elementos,
formulada há algum tempo e usada até hoje... tudo isto forma essa matéria
fantástica que hauro, e todo o formato e a estrutura do que presencio à minha orla
no presente... tem de recorrer ao passado da consciência para formar ilações
sobre o que sua percepção registra... o presente é tão vinculado ao passado que
não pode se manter e permanecer sem ele, pois o primeiro tem de recorrer
ininterruptamente ao segundo para que corroborem ou formem novas ilações
sobre determinada ciência exata ou de âmbito social, e consequentemente
transmutadas pelo transcendental do pensar, que está em constante averiguação
de fatos e atos como o mundo real e onírico... por mais que ele tente se livrar do
passado, este, é essencial e inerente a todos como o presente é concreto agora...
reflexões interessantes acerca de assuntos instigantes à margem de uma
nascente, a vida é como um rio que segue seu curso, mas o rio, mesmo com
barreiras impostas, supera-as, porém na vida, algumas pessoas estancam e
preferem ruminar o passado em vez de seguir adiante como faz o caudaloso,
muitas vezes ocorre o mesmo com os pensamentos ulteriores à sua época, ficam
estagnados até alguém os compreender para fluírem... então lhe vem à tona a
recordação do depósito cilíndrico no bolso interior do casaco, desenrosca sua
tampa, lava e enche-o... está a uma temperatura ambiente, mas logo, com o
aquecimento do meu corpo, tornar-se-á morna, intragável, vou ingerir o que puder
aqui e depois... distrai-se com o fio de uma teia quase invisível que pende de uma
arbórea, com uma apendicular vegetal seca de forma elipsada em sua ponta, esta,
rotacionada intermitentemente para ambos os lados tanto para a esquerda quanto
para a direita pelo vento, quando de outro lado mais uma de coloração seca gira
em torno do seu próprio eixo enquanto cai em direção ao solo com a respectiva
ponta onde estava fixada ao galho... interessante o marulho do pequeno riacho
borbulhantembolhado, ouço vários sons de todos os lados, cubicamente,
incessantemente, alguns em tons mais graves, outros mais agudos, som da
natureza orgânica... volta para a trilha mediocremente preocupado com a chuva...
não cogitei a possibilidade de que choveria, mas em todo caso vou para casa, o
que preciso fazer agora é procurar a saída deste inexorável labirinto de vegetais,
que é o maior parque temático do país em vegetação na área de uma zona urbana
central barulhenta, demonstrando animais enjaulados, zonas rurais são mais
tranqüilas e inóspitas, propícias para o descanso... enfim, nas vésperas da chega
à saída do aglomerado de plantas, como se seus olhos estivessem acostumados
somente a uma forma de percepção delimitada, sua visão desponta de permeio as
árvores e seus pensamentos alucinatórios o projetam em uma nova realidade...
absurda mas contemplativa!... uma parte circular das nuvens negras destaca e
transforma-se em uma escada espiralada com os raios solenérgicos iluminando-a
até o solo próximo aos seus calçados, então ascende à escada imaginária e
atinge as nuvens no ápice, ao pisar sobre o último degrau olha para baixo e repara
que não subsiste mais escada, nuvens, nada, repentinamente despenca como um
corvo abatido, símile ao que viu comenos atrás na necrópole, e volta à realidade...
apenas crenças da humanidade caindo por terra, creio eu, ou apenas mais uma
de minhas quimeras... perto da saída principal um homem com ares de
importância passa por ele... para ele, sou mais um gajo desimportante, está
preocupado em viver a sua vida em função do que as pessoas pensam dele, pois
o modo como se comporta demonstra isso, preocupado com seu corpo, ou
enfadado com o que vai fazer nas horas de folga, e muitos não se preocupam com
essas coisas, porque a fome, o frio, a miséria, a desgraça não cessa de
atormentá-los, pois a vida deles está soturna, quieta, desaparecendo mais rápido
que um simples suspirar, apenas antíteses de vivência, porém, todos morrem... sai
do parque, e por onde nosso anti-herói, que não suporta romances
melodramáticos com finais felizes, andará agora neste dia nublado é ainda
desconhecido... retornar para casa ou ir a mais algum local que realmente eu
goste? Concentrado em uma tarefa esqueço-me de que há um mundo enorme
fora de meu corpo, e que pessoas também desempenham tarefas, ou então se
divertem conforme a cultura do país... em questões territoriais nada mudou desde
a idade média, os países continuam com suas bandeiras e seus territórios
demarcados, e não se pode ir de um a outro sem antes passar por atos
burocráticos, fronteiras são apenas modos de solapar a xenofobia... ao meu lado
passa uma garota com uma veste comprida muito agitada pela brisa cinza e
fornida que anuncia a tempestade, me parece que as pessoas estão preocupadas
com os agentes da natureza, por isso começaram a sair de casa agora, ou então
fui a locais que a maioria não costuma freqüentar, todos têm seu gosto peculiar e
isto é único... passa um caminhão carregado com os produtos dissimulados em
sua carroceria... está carregado porque seus pneus estão mais próximos dos
pára-lamas do que um veículo desses sem carga, também carrego coisas comigo,
mais pesadas, não envolvem cargas materiais e sim cargas de dúvidas referentes
à vida e do porquê existir em um mundo e uma sociedade que caminha cada vez
mais para sua derrocada... não é possível acreditar na hipótese de que o ser
humano vai se extinguir por si mesmo através do seu egoísmo inconsciente...
algumas casas com as janelas abertas, mas o clima está com uma característica
receosa, nesta rua apenas uma farmácia funciona, os homens amam tanto a vida
que querem vivê-la plenamente e se uma doença os surpreende recorrem aos
profissionais da área de medicina, como se para cada problema que surge
existisse um especialista ou uma cura... apenas ilusões de adiar por mais tempo
sua vida... os médicos receitam os remédios e as farmácias os vendem, mas para
o ceticismo não há remédio, nem para a morte, a vida é uma ilusão e tentar
compreendê-la é aventurar-se em um contraposto de sentimento e razão, mas por
que justamente este mundo, eu, este micro átomo deste e neste universo
incomensurável? Flanar simplesmente pelas ruas e indagar-se sobre questões
como estas é preocupação de poucos, presumo, uma gestante desembarca do
seu veículo e calmamente dirige-se para a farmácia com outro corpo dentro de si
parasitando-a, uma nova vida que surgirá no futuro, ela caminha para a antiga
balança analógica e sobe na plataforma quadrada para escrutar seu peso, o
ponteiro sobe por instantes e em seguida desce, a gestante conversa com uma
das atendentes e sai, a balança permanece, verde, no centro do círculo onde o
ponteiro está anexado deixaram um espaço para transparecer uma parte do
maquinismo muito interessante por sinal, sempre considerei o interior dos objetos
algo para se desocultar, mas agora percebo que deslindo meu interior, a essência
desvela-se por meio do corpo e o concreto se reflexiona por meio dos
pensamentos da minha essência, o dia está mais profícuo do que cogitei e não
ordinário como previ, aliás nenhum dia é trivial, unicamente é para os que não
aprenderam a percebê-los, mas ainda não descobri a utilidade de meu
nascimento, ou mesmo o surgimento deste planeta que abriga tantas espécies
raras, inclusive o ser humano, pois ainda não vi nenhum outro planeta da galáxia
habitado por bípedes racionais... ao lado da farmácia uma rua peculiar composta
de duas vielas paralelas com imensas palmeiras entre elas, inclusive uma
bifurcada raríssima, todas cercam gramíneas ornamentais orlando escassas flores
isopétalas... uma casa de chaves mais adiante, pessoas prisioneiras em suas
casas inconscientemente e de si mesmas ao ruminarem seus preconceitos,
concepcionando uma conclusão precipitada antes de analisar, muitos possuem
essa visão delimitada e não se esforçam em superá-la, a conseqüência desse
processo é a geração da ignorância... avista uma lanchonete... jovens sentados
em volta das mesas da parte exterior tomam algo gaseificado, e os homens senis
de barrigas protuberantes bebem um líquido fermentado de cevada e lúpulo,
jogam dominó e fumam desmesuradamente no interior do estabelecimento, um
deles eleva-se com dificuldade, adstringe um maço de cigarros vazio e joga em
uma das lixeiras de coleta seletiva de materiais recicláveis como vidro, papel,
metal, plástico, cada qual com sua respectiva cor quente, todas contrastando com
a cor nublada e fria do tempo, preciso fazer uma necessidade fisiológica, pois
manter o controle sobre a glândula prostática até minha morada resultará em uma
catástrofe mictória... entra na lanchonete e perquiri onde se encontra o mictório,
urina e pensa em comer e beber algo, joga a H2O agora tépida contida no

recipiente cilíndrico, e após a devida higienização das digitiformas enche e


guarda-o, ao sair do banheiro nota uma porta aberta... duas duplas jogam em
mesas de bilhar aparentemente novas, e outras somente observam, um bom
escopo é indispensável neste tipo de jogo com esferas de marfim que se
entrechocam impelidas por tacos de madeira, fora da sala e à minha direita um
mural com os nomes das bebidas, dos lanches e dos demais produtos com os
respectivos valores está fixado na parede antagônica à porta de entrada, em local
de facílima visibilidade com letras e números de tamanho inteligíveis, é como um
quadro negro escrito com giz colorido, pode ser apagado para a alteração dos
valores, dependendo da situação econômica do país, próximas ao balcão cadeiras
rotatórias com os apoios fixos no chão de concreto sobreposto por pisos
cerâmicos ladrilhados e esmaltados na parte superior de cor verde-clara
compacta, separados por rejunte de coloração azul mole, diferente das paredes
alaranjadas densas com cartazes maleáveis de variadas bebidas com marcas
registradas para se evitar possíveis plágios, a caixa registradora é de um argênteo
inflexível, reflexiva, e sobre o balcão, um depósito provisório de alimentos
gordurosos que os mantém quentes, é uma pequena estufa de vidro com uma
portinhola sustentada por duas chapas metálicas inferiores e superiores, ela
desliza unilateralmente para a esquerda por um interstício, assim é possível a
retirada das convidativas empadas, pastéis, carnes empanadas e outras frituras, e
posteriormente serem degustadas em situações de pouca fome, requererei um
alimento e um refrigerante qualquer, o enrolado de presunto e queijo parece
delicioso, o garçom coloca o alimento sobre uma louça circular rasa e pergunta se
beberei algo, aponto para uma pequena garrafa de refrigerante... enquanto isso
observa os homens que jogam... miríades de impressões digitais estão naquelas
peças, não somente nelas, mas no restante também, nos móveis, nas roupas, no
balcão, nos copos, em tudo que é possível de se tocar residem muitas impressões
digitais anônimas, todos deixam suas marcas no mundo, mesmo os que não
possuem um status significativo para a sociedade, que de uma forma ou outra
obriga os alienados... a garrafa de refrigerante ao ser aberta provoca um ruído
catalítico, fomentando a saída de um gás inerme... vou para uma das mesas fora
do estabelecimento, é bom comer e observar as pessoas transitarem... senta-se
defronte as palmeiras;

Em estáticas palmáceas,
Irrisórias aves se aglutinam...
Em estáveis cadências,
Indeléveis tons se projetam...
Com peremptórios avisos,
De matizadas nuvidensas...
Com relâmpagos concisos,
De tempestades intensas...
Imagino as aves que se esforçam em abrigar os filhotes da tempestade
encarando esta situação adversa como efêmera, igualmente deveriam proceder as
pessoas ante a morte, é inevitável como a chuva, mas esta é transitória, e aquela,
independente das circunstâncias pode estar perto ou distante, como a imagem
dos aeróstatos desenhados nesta toalha estendida, sobreposta à mesa, todos
coloridos, sustém-se à certa altura na atmosfera terrestre por meio da queima de
um gás que torna o ar quente e leve dentro da estrutura abaloada... será o mesmo
tipo de gás borbulhante do refrigerante que haure?... o gás contido na bebida sobe
em diminutas formas embolhadas para posteriormente saltarem na superfície e
explodirem em outras esferas de raio milimétricas... perscruta marcas circulares
líquidas deixadas na toalha pela base do cilindro vidráceo contendo refrigerante...
vísceras da loucura explicitam qualquer caso atípico de descentralização de um
ponto eqüidistante no centro de um círculo produzido pela condensação do ar em
uma garrafa com líquido a uma temperatura abaixo da ambiente, temperaturas,
resultados de energias caloríficas cedidas de um corpo quente para um frio,
círculos, gosto de círculos, trezentos e sessenta graus, primeiro, segundo, terceiro
e quarto quadrantes, seno, co-seno, tangente, secante, co-secante... a
matemática está em e é um transformar contínuo de tudo, abstrata, produto da
mente... o copo e a garrafa que vejo foram uma série de cálculos antes de virem-
a-ser coisas reais, o que eu toco agora foram apenas imagens, que, depois de
calculadas se tornaram reais, o interessante é que os objetos e seres desta
realidade ficaram repentinamente coloridos nesse cenário incolor, seria a
causalidade das massas de oxigênio fomentadoras das formas
verdeapendiculares elipsoidais das palmeiras ao se atritarem umas às outras, ou o
canto cadenciado pungente e melífluo daquela específica ave desconhecida e
limitada? Todo concreto tem seu limite, senão os seres vivos e objetos se
concatenariam e não se definiria um sujeito de um objeto, como eu e o porta
guardanapos... cúbico de superfície inorgânica, com papéis dobrados
esbranquiçados sob pressão em seu interior e altamente aderentes... mas o
pensamento e o tempo se diferem de tudo por serem absortos e amorfos,
entretanto, tudo, objetos, e todos, seres vivos, tem suas propriedades
características singulares no espaço totalizador e abrangente... somente a
imaginação mesclada com algum conhecimento para que erupcionem as lavas da
sua criatividade, solidificando-se como rochas ígneas em algum ato estratificador
de qualquer divisão e subdivisão do seu pensamento... minha mente é um núcleo
incandescente, expande-se para os sentidos como os tentáculos de um
cefalópode, e ao se sentir dúbia, defende-se soltando a sépia do obscurecimento,
como ocorre nos Calmar communis, notoriamente lulas... modos de transcender,
retalhar e transmutar a realidade para melhor interpretar sua complexidade
implícita e explícita... somente expando a transcendência do espectável infinito da
reflexiva essência para a efetiva existência das coisas tanto inanimadas quanto
animadas, exatamente como nos desenhos infantis, quando a imaginação chega a
seu apogeu, deformando a realidade, idêntica à mente de uma criatura infantil em
que não existem limites, quem os estabelece é o sistema desde a primeira
formação social, a família... ao longe a marca branca de uma aeronave particular
cortando o céu, semelhante a uma navalha que quando passada em um andrajo o
equaciona em duas partes... navalhas, preferi não obstar o crescimento da barba
hoje, imberbe como a maioria daqueles jovens ou aquele menino, passa segurado
firmemente pelas digitiformas do adulto feminil, que o carrega em direção a uma
loja de vestuário especializada para pequenos, os transeuntes caminham
tranqüilos empunhando seus guarda-chuvas desarmados, um palhaço em frente a
loja segura algumas bexigas de borracha vermelhas e verdes, o pequenino na
entrada da loja olha para trás, balança o membro superior da sua provável
geratriz, ela chama o ser com a extremidade do órgão nasal oculto por uma
protuberância circular vermelha e um grande sorriso pintado em sua face, suas
largas vestes coloridas com desenhos de bolhas de sabão de cores e formas
variadas são insólitas, interpelam-se por alguns segundos e a seguir o pequeno
entra na loja com um latente sorriso de contentamento, hipnotizado pelo balão,
mágico para ele, o objeto paira no ar preso a um fio quase imperceptível se não
fosse sua cor amarelada... ao menos o menino não se incomoda em descortinar o
que se encontra nos seus recônditos mais longínquos subjetivos, ainda, mas isto
pode se desdobrar em um choque futuro que nunca sentiu... a verdade ao ser dita
em tom incisivo é como uma lâmina que traspassa o coração, para os que
descobrem que todos são frágeis castelos de areia... depois de efetuar a refeição,
dirige-se ao caixa para pagar e o cidadão que está à sua frente, ao retirar algo do
bolso traseiro da calça deixa despercebidamente cair um pedaço de papel com
uma forma de escrita peculiar, abaixa-se e pega, lendo rapidamente os vocábulos
mais significativos devido ao tamanho, M.’. M.’.... certamente é uma forma de
abreviação, esgalho as falanges antes contidas em um punho compacto, capto o
objeto no chão e o devolvo ao pertencente... nisto uma mulher senil chega a seu
lado e chama um dos atendentes, não resiste e rotaciona o receptáculo de vários
compartimentos abastado de guloseimas, provocando um som fino e alegre...
pede uma chávena de café com leite sem sacarose, o rapaz processa a mistura
cuidadosamente e traz a ela, esta, retira da sua pequena bolsa um frasco com
adoçante e deita duas gotículas reverberantes e incolores sobre o líquido marrom-
claro, deve padecer de algum distúrbio metabólico de açúcares, geralmente
caracterizados por hiperglicemia, apresentando ou não glicosseria, esses doentes
tem sede e apetite exorbitantes, agora atenta para um comercial transmitido de
outra cidade na tela plana eletrônica, referente a um posto de abastecimento com
serviço de lavação e polimento de veículos dependentes de gasolina, óleo diesel,
álcool e gás natural... a gasolina e o óleo são compostos de petróleo, isto é,
hidrocarbonetos e outras substâncias em menor quantidade, extraídos de imensas
reservas naturais finitas que se encontram nas entranhas da terra sob pressão,
um líquido negro que passa por vários processos de transformação laboratorial
para ser utilizado em larga escala, não unicamente como combustível, o álcool é
de procedência vegetal e não finito, e o gás natural aeriforme infinitamente
compressível é retirado dos... aquela outra mulher esmiúça batatas palhas fritas
com voracidade num crocitar intermitente, o homem que a acompanha na mesa
pigarreia de modo medíocre, e eu enquanto me alimentava, pensava na
transferência de calor que um alimento cede a outro, e agora nas composições
químicas que foram feitas para se obter a louça de porcelana em que o jovem se
alimenta, o macarrão contido dentro do seu prato tem a aparência de vermes
nematelmintos embebidos em uma substância hematoplasmática, à minha
esquerda o atendente lava copos, e ao lado do lavatório uma colher lambida com
um resquício de alimento no campo adjacente à respectiva reentrância do plano
côncavo, o outro frige algo em uma chapa chiadora e causa muita fumaça...
muitos fenômenos ao mesmo tempo, movimentos, barulhos, cheiros, toques...
meus sentidos não conseguem captar a realidade num todo, são apenas
ramificações... muito brutas comparadas ao seu pensamento e precisam ser
desenvolvidos para posterior entendimento completo dela que está, faz parte, e é
projetada pelo pensamento, para posteriormente sua consciência transformar a
realidade em algo que possa ser compreendido pela máxima cognição do
pensamento, porque o mundo é engendrado por pensamentos que agem de forma
implícita em todos os racionais... meus pensamentos que não se encontram no
espaço, tempo e realidade perceptíveis, estão além de tudo isto, porém, ainda não
os desenvolvi completamente para compreender uma realidade paralela a esta,
que abriga o abstrato, imagino o espaço não ocupado por coisas materiais, o
espaço em si, sem nada nele, como por exemplo esta lanchonete sem as mesas,
mas com as mesas, ou somente o contorno destas e dos demais objetos
materiais, o espaço que resta entre eu e as outras pessoas, minha casa, cidade,
seres, universo... o espaço em si é o que não abriga nada, e pode ou não conter o
tempo, conter no sentido de conteúdo e não de encerramento... esse é o espaço
que não vejo, mas é dele que brota a realidade, é o espaço onde meu corpo está
e não está ao mesmo tempo, a realidade e o concreto são os pensamentos do
pensamento, e eu, minha essência que é meu pensamento, faz parte do espaço
em si, por isso meus sentidos não podem captar esta realidade transcendental e
paralela... paga sua dívida e sai, encontra em seguida uma mercearia fechada,
com janelas protegidas por grades, demonstrando em seu interior algumas
prateleiras de madeira que apóiam alimentos empacotados... há algum tempo não
via este tipo de prateleira arcaica, a perscrutei pela última vez em um local
distante do centro da Pólis, aquelas áreas bucólisoladas passam a impressão de
estarem perdidas no passado, aparentando serem auto-suficientes, mas ao
contrário, dependem da economia externa mundial... a seguir, uma escola
fechada... professores ensinam apenas o que são obrigados, e não o que querem
e os alunos precisam saber, formam pessoas para conviverem em sociedades
burocratizadas, e não a lutar contra os sistemas opressores, um hotel de poucos
cômodos mais adiante abriga um adulto que investiga a movimentação abaixo, a
armação do seu óculos é parecida com a do meu, permanece por concisos
instantes na janela e rapidamente o crânio calvo se afasta na escuridão do seu
quarto, hotéis alojam pessoas que estão longe de suas casas e terras natais, ou,
as que não possuem casas nem famílias... pontos efêmeros de permanência...
nos apartamentos superiores encontram-se sacadas com proteções
ornamentadas, permitem transparecer cadeiras na qual os ocupantes aliviam a
fadiga e ponderam além do que meu olhar alcança, estão em uma posição
privilegiada e superior com ampla visão, as janelas das casas parecem olhos a me
observar, casas são semelhantes à cabeças degoladas, janelas olhos, portas
boca, e seus habitantes são os pensamentos, quando as abandonam, morrem de
alguma maneira, ficam com a cabeça vazia, sem pensamentos, por que as
calçadas são diferentes? Cada imóvel com a sua, é meu corpo ou são meus
pensamentos que pisam nela? Afinal o mundo é diferente para cada ser pensante,
mas todos percebem as mesmas coisas, acreditam que visualizam realmente,
talvez tudo seja questão de crer, se creio que vejo um veículo mais adiante, o
racional que pilota também acredita estar dentro do automóvel a caminho de
algum lugar antes pensado... em um banco de outra rua por onde passa, duas
varoas... ambas olham para o mesmo local e não se desconcentram de modo
algum, fazem algo interessante que requer raciocínio lógico... uma delas move sua
parte apendicular superior esquerda presa a seu corpo, agindo contra a gravidade
e toca em algo a sua frente... jogam xadrez... os átomos de seus pentadáctilos
atraem os átomos da peça, mas ao mesmo tempo causam uma força de repulsão,
então suas digitifalanges se afastam da peça... por isso a concentração, e o local
é propício, mas com uma atmosfera tenebriameaçadora dessa? Estranho,
entretanto, inacreditável, apesar de ambas acreditarem que jogam, sentem e
ponderam as mesmas peças, estas, possuem uma constituição inorgânica como o
tabuleiro, aparentando ser de vidro, preciso investigar... aproxima-se
concisamente e senta-se a uma distância tranquilamente perceptível... jogo
engenhado na china antiga não se sabe por quem, mas o pensamento foi genial,
pois numa superfície plana com as dimensões do perímetro idênticas e sua área
preenchida com sessenta e quatro quadrados, com uma cor clara ou escura, para
que sejam diferenciadas o que denominam casas, e sobre estas, as peças com
formatos distintos, arredondadas com a base de sustentação circular, a
extremidade superior distingue o lugar de importância de cada peça, cada
jogadora tem dezesseis delas, na primeira fila ficam os peões e na segunda as
peças de maior mobilidade e ataque... todas com sua devida importância e com
uma infinidade de jogadas que talvez nem uma permutação resolva... este jogo
era usado para estipular e estudar estratégias de guerra na antiguidade...
impossibilitando o rei de mover-se, o jogo conclui-se... consideravam o rei o
homem mais apto a governar um reino de muitas cidades ou países, era o mais
próximo dos poderosos deuses, cujas populações deduziam que eram os
causadores dos efeitos da natureza, mas isso mudou, pois hoje as coisas
imaginadas são dissecadas majoritariamente pelo próprio pensamento que as
criou... apenas reflexões do pensamento sobre ele mesmo, o ser do pensamento
reverbera e descortina-se para, e sobre ele mesmo... e estas duas varoas refletem
e cogitam sobre o próximo movimento, o meu é levantar e pôr-me a andar para
minha morada... levanta-se e ambas o circunspeccionam sucintamente, olha em
direção ao horizonte, avista estruturas metálicas cadavéricas no cume de um dos
outeiros arvorejantes e segue, pensando... um conjunto de homens trabalha em
uma delas, erigem-na aos poucos, dependurados por cintos de segurança,
parecem insetos pelo tamanho diminuto que apresentam e pela distância que
estão de meus oculariórgãos, montam antenas que emitem sinais para a
receptação das telas planas eletrônicas coloridas, por meio de ondas, no entanto,
este intercâmbio de informações não é mais usado em algumas partes do globo
terrestre, a recepção das imagens é feita de modo diferente, com tecnologias mais
avançadas... em frente a uma residência um tronco... foi uma árvore composta de
raízes, caule, folhas e talvez produzisse frutas, retirava seus nutrientes da terra, a
chamada seiva bruta, em seguida transformava em seiva elaborada e a distribuía
parcialmente por todos os seus galhos e folhas, mas agora resta apenas uma
morfologia estranha com fungos em seu interior devido ao local escuro e úmido
com recônditos oblongados e formações pontiagudas esculpidas pela natureza,
está há algum tempo aqui, por isso exala o cheiro nauseabundo de madeira em
decomposição, cortada por uma serra, já no terreno frontal da residência uma
imensa vereda conduz o visitante ou o proprietário à porta principal, um aposento
lateral com muitas janelas azuladas, suas vidraças são tantas e de formas
circulares tão variadas que refletem de modo excêntrico as pessoas e meu corpo,
apenas matéria, fragmentos de uma vida que finda, a história comprova... nem
uma vida suportou desde o início de tudo, e se conseguiu esta proeza,
transformou-se ao longo dos milênios, mas e se tudo já existisse? Física
quântica... uma folha verde qualquer caída ao chão, preciso pegar para examiná-
la, dividida quase ao meio na parte inferior por uma estrutura alongada e convexa,
ou lóbulo, ramifica-se nas laterais como um neoplasma que se prolifera no corpo,
destrói o sistema imunológico e a vida, tudo que possui vida necessita de uma
fonte de vigor e movimento, os movimentos acontecem em tudo simultaneamente,
e é nesta passagem de movimentos visíveis e invisíveis que o tempo surge, mas
se o tempo não fosse um modo de ser da matéria e esta não se dinamizasse seria
eu um ser que viveria infinitamente? Para hedonistas a eternidade da vida seria
um tormento sem fim, mas a concepção de tormento é variável e oscilatória entre
as pessoas, às vezes sinto-me atormentado, mas são coisas tão supérfluas, que
para outro ser humano não seria ruim, gostaria de ser atormentado por idéias
geniais, porém para se ter ao menos uma já é um fato extraordinário, e muitos têm
pensamentos desta procedência quando o corpo e os pensamentos ficam
descansados, apesar do corpo ser uma extensão dos pensamentos do meu
Cogito, que também se fadiga, e se não houver movimento nele não há vida,
diferente dos objetos onde os átomos se agitam freneticamente, como naquele
isqueiro branco à minha frente sobre a calçada, estático em relação a meu corpo,
mas em relação ao universo se move com o planeta terra e com o sistema solar, e
este, consequentemente se desloca não sei para onde, eu ando e penso em pegar
o isqueiro, o pensamento permite que eu faça duas coisas simultâneas e no meu
tempo íntimo, ou seja, ando e penso, ou penso e ando, não, meus pensamentos
pensam e meu corpo se locomove, mas são tantos os modos do pensar e suas
ramificações, que ulteriorizam por assaz as da pequena folha esverdeada, cor
proveniente da mescla de amarelo com azul, a folha apresenta-se assim, porque
ainda possui seiva correndo nestas diminutas ramificações, alguém a cortou e
laconicamente secará... ao pegar o isqueiro em frente a casa número oitenta e
dois na rua das longuipalmeiras... mas por que o peguei se não fumo? Creio que
será prático para outras ocasiões, ocasião, a maioria das ações dependem delas,
hoje farei uma ação que arquiteto há tempos, pois surgiu um enorme precipício
entre eu e o mundo, difícil de ultrapassá-lo e compreendê-lo com os pensamentos
de ontem e hoje, não se trata de uma inferência de hebdômada habitual, esta terá
um prelúdio para o mais preponderante acontecimento de minha vida... e ao
guardá-lo na algibeira um idoso passa por ele pedalando uma bicicleta e
carregando uma criança que o escruta de maneira extática e profunda,
provocando nele uma sensação estranha e cética... o que imagina ela do meu e
dos demais corpos passeando nas ruas precisamente hoje? Concebe tudo do
modo mais inócuo e consciente possível, pois ainda sua mente não foi corrompida
por fatores humanos exteriores, gostaria de ver os recém-nascidos se
expressarem em forma de palavras coerentes para saber como percebem o
mundo no seu sentido mais espetacular e interessante, ou se eles concepcionam
algo símile, com o passar dos anos obliterei e ainda não sei como conceber
totalmente esta realidade magnífica que muitos explicam, mas compreendem de
uma morfologia antagônica de todos os demais, somente a matéria inorgânica ou
o resultado prático de um pensamento podem ser iguais, como as dimensões do
isqueiro, mas dependendo da cor, do modo de adstringir e guardar já será
diferente de outro do mesmo lote produzido, pois dependendo desses e demais
fatores, desgastar-se-á com o atrito dos materiais causadores da faísca para o
acendimento, mas isto é apenas uma fração de informações, sobre esta peça com
milhares, que se multiplicam por meio de uma palavra ou pensamento, por
exemplo, quem deixou cair não percebeu pelo sentido da audição o barulho
provocado ao bater na calçada, ainda funciona, e mais, como não perceberia que
o objeto caiu? Galgando com passos celerígrados o objeto poderia saltar de um
de seus bolsos, ou então o transeunte apenas o jogou fora porque não o queria
mais, então depositasse em alguma lixeira... apenas teorias... sobre isto posso
pensar nas probabilidades até minha morte, já que sei quando o fenômeno
acontecerá, mas somente quis comparar as simplórias possibilidades de teorias a
algo mais importante, o início de tudo, podem formular teorias e mais teorias com
muitas probabilidades, afinal o homem é o único ser que imagina, mas nunca
saberá na prática o que realmente ocorreu, tornou-se passado, ou a resposta está
no futuro contíguo dos pensamentos, apenas acreditam nos outros e não em si
mesmos, como já pensei a respeito, não creio nos outros, no entanto não me
precipito, pois sempre existem possibilidades de estudar, criticar, et cetera,
questões coerentes lançadas por qualquer pessoa para se adquirir um consenso e
assim não haverem tantas teorias, já que a prática para o início de tudo não
poderá mais ser presenciada, apesar do passado amiúde estar presente no
pensamento individual, mas me indago se existiu um começo para tudo, tenho o
direito de questionar e não somente crer... pois tanto a teoria como a prática sem
uma base completamente sólida as dúvidas e contestações permanecem... um
motoqueiro pilota uma grande moto preta, causa muito barulho devido a potência
do motor, efetuando muitas rotações por minuto, um pequeno bagageiro postado
na parte súpero-traseira do veículo é usado para transportar pequenos conteúdos
e o piloto chegar ao local destinado com o máximo de rapidez possível, o
capacete é um acessório essencial de extrema importância para a vida do piloto,
pois o acessório protege um dos órgãos mais importantes do corpo humano que
ainda não pode ser transplantado, o cérebro, se ocorre um acidente seguido de
queda e o piloto não estiver com o capacete certamente terá uma lesão no
cerebelo, e outras partes do corpo podem ficar paralisadas, incapacitando-o de
exercer sua profissão, também estará com proteções por baixo das roupas de
couro como aqueles motociclistas profissionais que correm em campeonatos?
Aqueles, quando cometem um simples erro se desequilibram, caem e na
velocidade em que estão, frequentemente deslizam pela pista como bonecos ou
algo arremessado com muita força, arriscam suas vidas pelo esporte, não pratico
esportes, mas concordo que tornam a vida do praticante mais salutar, geralmente
os de velocidade necessitam calcular o tempo em que se desenvolvem para uma
possível superação, então usam máquinas de cronometrar... olha seu relógio...
semelhantes a esta, mas com maior precisão, pequenos aparelhos usados em
torno do pulso com muitas vidas dependendo deles, todos que estão em um
sistema organizado se baseiam no relógio, como no sentido de trabalhar, estudar,
dormitar, e para tudo isto ser feito é preciso estipular um tempo para cada coisa,
pois hodiernamente os humanos dependem do tempo e não o contrário, criaram o
tempo e com ele essas máquinas para tentar medi-lo, mas nunca o sol nasce e se
põe na mesma hora, Ah! quão bobos os humanos em pensar que controlam a
natureza, suas máquinas são os controles que calculam cada minuto que passa
de suas vidas, mas nenhum ser humano se controla cabalmente, nem os
relojoeiros... que averiguam o problema com o auxílio de chaves, microscópios
simplórios e outras ferramentas, ajustando micro peças e engrenagens que
trabalham com uma fonte de energia exaurível ou não, e consertam os relógios
com precisão obtendo um resultado impecável... nem os que vivem hoje se
distinguem de mim no sentido de nascer e morrer dentro de um determinado
tempo, os dias, as horas passam e o racional não se apercebe de que ele controla
o tempo, entretanto, este subjuga aquele, mesmo sendo sua engenhosidade... um
homem aparentando ser louco corre descalço com uma colher, bate
sucessivamente em um utensílio de frigir e grita alto para atrair a atenção dos
jornadeantes; Oh!, homens, humanos, o que mais terei de fazer para me
escutarem e as vozes de sua consciência serem auscultadas? O que é preciso,
tornar minha essência e a aparência loucas? Não querem ouvir e refutar suas
próprias verdades! Acomodaram-se, e assim permanecerão atolados ao lodo de
sua hipocrisia? Profiro aos ventos, ou a verdade corrói a ponto de continuarem o
seu passeio tranquilamente considerando-me louco? Então estão completamente
imunizados aos excêntricos e as revoluções! Lobotomizados ao extremo, é o que
aparentam, mas sei que nos seus imos está entranhado um verme buliçoso por
uma transformação, vocês ainda não estão mortos! Apenas condenados a ela,
contudo, criam divergências consigo e as refletem na sociedade em que
convivem! Não entendo porque o ente humano necessita de muletas psicológicas,
não seria falta de intrepidez para pugnar consigo mesmo e se sobrepujar? Seria
eu pusilânime ao deserdar da busca e da conquista de minha pessoa para me
vencer? Sim! E a ironia é que poucos tentam e submergem nas profundezas de
seus pensamentos, e mais escassos ainda os que retornam vitoriosos e
descobrem que o seu saber não se aproxima de uma considerável parcela do
poder que encerram em si para se conhecerem e consequentemente esmiuçarem
sua pequenez e incapacidade que ruminam, somente os fervorosos e dedicados à
introspecção se elevam, mas por serem humildes guardam em si o júbilo, não que
seja uma forma de egoísmo, mas não há como se vencer a partir de outro, isto
parte do cerne do ser, e a partida à busca se inicia quando o racional percebe que
está preparado por ele próprio... ele prolata tudo com nexo apesar de se julgar
louco, é um gênio, mas logo não estará mais ali, também não passa de mais uma
transitória existência... um furgão branco com um símbolo estranho em sua
carroceria estanca prudentemente e distante, quatro elementos... o que está na
direção do veículo permanece e os restantes saem, três homens de compleição
física robusta, um deles adstringe um tecido branco, aparentemente uma peça de
vestuário reforçada, caminham em direção ao esquizofrênico sem que ele perceba
e num gesto rápido para tentar a fuga, um dos enfermeiros o segura pelo
antebraço e os outros vem a seu auxílio colocando a camisa de força com muita
prática sem esboçarem um vocábulo durante o processo, inclusive o doente idem,
tenta se debater mas não obtendo sucesso, desiste, é levado tranquilamente para
o veículo e conseguintemente para algum manicômio, está em fase de tratamento
no hospital situado na outra rua, presumo, por este motivo estava descalço
fazendo alarde, talvez planejou sua fuga por dias, porém, fugiu sem roupas
apropriadas, o sistema de segurança desses locais é bastante rígido, ao visitar um
parente no passado notei o esquema tático montado pelo diretor, também
observei os tipos de doentes, alguns no início do estágio e outros em estado
recrudescente, todos esquizotímicos, ciclotímicos... tantas divisões e subdivisões
designando cada enfermidade que somente os especialistas em cada área para
evidenciar o estado do paciente... não existe uma pessoa isenta de uma mania ou
fobia por mais implícita que seja, o próprio profissional tem as suas e precisa lidar
com elas para entrar na mente do paciente, compreender o motivo da perturbação
mental sem se perder em seus meandros e estratagemas descobrindo o
problema, e estudá-lo nele para ulteriormente transpor a solução esmiuçadamente
ao enfermo sem que este perceba, todos os convalescentes permaneciam em
salas separadas, um idoso brincava com quebra-cabeças, um jovem fazia gestos
repetitivos intermináveis, outro rapaz acuado em um canto do seu quarto me
chamou a atenção por pouco tempo, lembro também dos corredores e salas com
um odor esquizóide, frios e pintados de branco, inclusive o piso de idêntica cor, ao
chegar ao quarto do meu parente dialoguei com ele, interrogando quais os
alimentos que ofereciam nas refeições, retorquiu que ultimamente deglutia apenas
arroz com feijão e feijão com arroz, sussurrava em meu ouvido que naquelas
ocasiões era preciso ser discreto e compendioso, observavam- nos, e antes de
perguntar quem, disse-me que eram os duendes e me mandou partir, mas antes
de eu levantar para ir embora fez-me um pedido simples, deveria visitar um amigo
seu em uma sala adjacente à sua, atendendo ao pedido conversei com um dos
responsáveis que disse não haver problema, mas pediu que tomasse cuidado, o
doente que iria ver era habilidoso e astuto no quesito periculosidade física e
mental, dissimulava uma inocência para posteriormente causar dano físico, assinei
um termo de responsabilidade antes, porque se acontecesse algo inusitado seria
responsável pelos meus atos, mas ocorreu tudo certo e conversei mais com
aquele estranho do que com meu parente, percebi que o estranho sofria de
agorafobia, mania de perseguição, misantropia e demais transtornos psiquiátricos,
apesar de ter apresentado uma melhora no quadro clínico geral diagnosticado
pelo médico ainda não estava apto a conviver em sociedade, a mesma que lá o
colocou não o aceitava naquela situação, ao me evadir do local o derradeiro
axioma que ouvi saltar dos seus lábios foi que... Um insensato na terra de lúcidos
é rei!... e próximo à saída da ala um ser feminil belo mordia uma substância dúctil,
que fixava um tipo de janela sem divisões feita de um material transparente e
altamente resistente, aquela cena me causou náusea e certa repugnância,
corroborando-se quando cuspiu em minha direção e começou a bradar
violentamente vocábulos ignóbeis, denotei-os somente pelos frêmitos dos lábios,
pois todos os cubículos eram a prova de som, depois daquele dia jamais retornei,
e após uma semana meu parente recebeu alta, tinha sido mais uma recaída dele,
o que é notório e amiúde para a família, e só depois de muito tempo é que
compreendi o significado da metáfora dos duendes que falou, como já havia
estado lá e os funcionários do hospital psiquiátrico, principalmente na ala em que
permanecia, usavam vestimentas e chapéus verdes... em uma esquina nosso
peregrino depara-se com um hare krishina, somente um tufo de capilares na
região póstero-superior do epicrânio identifica o séqüito da seita, lhe oferece uma
pequena caixa com incensos, o trágico cliente indaga se pode abri-la para sentir
melhor o aroma que emana o produto, o oferecedor prolata ao solicitante a
impossibilidade, pois se o cheiro não lhe aprouver com certeza não retribuirá pelo
dano concedido à manufatura e assim não terá condições de mercantilizar o
produto intacto com as devidas propriedades no que concerne a embalagem a
outro comprador, mas o requerente obstinado persuade o proponente krishina,
que procrastinando o processo, enfim, rasura a parte superior da caixeta com
diligência e aduz o produto em outra embalagem de polietileno com diminutos
orifícios, após comprovar com os nasiórgãos o odor, o adquirente inquire ao
negociante a onerosidade do produto em questão, e aceitando o valor retira o
capital necessário, exonera sua dívida e agradece, então ambos prosseguem
realizados e mitigados... obrigar o gajo por meio de estratagemas a abrir a
embalagem foi um ato perspicaz, e se pedi, iria obter o produto de uma ou outra
maneira, ele não percebeu, pois ao interessar o freguês o vendedor já cambiou o
produto, o que falta é concluir o negócio... animais voláteis passam ao longe em
uma formação de vôo peculiar... ovíparos bípedes migratórios sobrevoam de
passagem o céu alinhados num ângulo aproximado de noventa graus, um à frente
dos demais diminui a pressão do vento sobre o bando, quando ele se fatiga troca
de lugar com o segundo e assume o último lugar em uma das duas pontas da
fileira, assim viajam milhares de quilômetros em busca de um local propício para
se reproduzirem, encontrarem alimento e temperatura aprazíveis, do mesmo modo
procedem outros animais, como os maiores mamíferos do planeta, mas esses
migram pelos mares protegidos por leis, e lamentavelmente são caçados por
ignóbeis seres humanos egoístas que trocam a vida de espécies ameaçadas de
extinção por capital, totalmente sem noção da importância dos animais para o
ecossistema... e Osvaldo migra, passeando com passos leves, tão leves que
imagina andar sobre a maciez das altas e alvas nuvens, como se planasse
placidamente com seus pensamentos ainda mais remotos, passa em frente a um
meretrício com seres feminis no frontispício, uma delas o chama, no início ele
pergunta o que ela quer, esta não fala e apenas insiste para que ele se aproxime,
quando chega a uma distância contígua ela perquiri se ele não gostaria de uma
libertinagenzinha... respondo que não e continuo minha caminhada rumo à minha
morada, quando justamente neste determinado ponto do trajeto me deparo com
uma bala de coloração vermelha amassada sem o invólucro sobre a calçada, sinto
cheiro doce, presumo que é de morango... lembramos que morango sempre é
relacionado a... fruta deliciosa com muitos acidentes na sua frágil casca, a bala
tem uma exígua quantidade dela, se não for aromatizada artificialmente, mesclada
com demais ingredientes na sua preparação para que se obtenha uma
consistência coerente e os entes infantis se agradem, estou com vontade de pegá-
la mas está suja e desfigurada por terem a espezinhado, agora realmente sinto
sua consistência, e sua pegajosidade deixa as pontas das minhas digitifalanges
conglutinadas e meladas, a chuva a umedeceu incontestanto sua concatenação à
calçada, de idêntico modo adere-se em qualquer objeto, agora que a senti preciso
jogá-la em algum lugar por onde os pedestres jornadeantes não pisem e fiquem
com as solas dos sapatos com este grude peculiar, ali está ótimo, no meio do
arbusto quase sem folhas ninguém pisará, permaneceu ali, mas a conseqüência
deste ato me agoniza, não posso mais tocar em nenhum objeto até abluir as
digitimorfas... avista uma anciã, suas unhas rutilam a opacidade da velhice das
palmimorfas enrugadas que seguram um regador, micro chuveiro para algumas
plantas no quintal de uma moradia simplória, e juntamente com ela, uma criança
que segue seu exemplo... deve ser a progenitora do ser infante, tenho de
aproveitar a ocasião e indagar se podem despejar uma quantidade irrisória sobre
essas aracnefalanges pegajosas, após esta micro lavagem tenho de secá-las na
minha vestimenta, depois de umas sacudidelas no ar... ouve muitos pássaros que
cantam e voam em contínua mudança de arbóreas... seus cantos são tão nítidos
que incomodam, sinto como se houvessem várias pessoas articulando um
vernáculo desconhecido ao mesmo tempo e a uma intensidade de voz
acentuadamente hiperbólica, mas a compreensão entre os animais seria da
mesma maneira de como ocorre com os humanos, ou um cão poderia se
comunicar com uma toupeira? Na realidade nem os seres humanos se entendem,
devido a gama de idiomas, todavia, não posso pronunciar algo no que concerne
aos irracionais, não compreendo sua forma de comunicação, mas no ser humano
há uma necessidade que extrapola barreiras continentais, ouço também uma
densa sinfonia que parece vir daquela casa azul clara, música é sempre bom para
passar o tempo e descansar, tenho a impressão de que sempre que ausculto uma
música qualquer o tempo passa mais sucintamente, estranho é que são invisíveis,
mas os percebo, não de idêntico modo, mas de uma forma ou outra o tempo e a
música existem e passam... um inseto com asas pretas e amarelas debate-se na
sarjeta tentando alçar vôo, analisa a complexidade do impulso da borboleta e
caminha até ela... preciso outorgar assistência, algum fator lesivo exterior veio a
debilitá-la desta maneira, pronto, agora que a peguei resta arremessá-la para o
alto, esperar e torcer para que consiga bater suas asinhas enegrecidas
fugazmente e divagar para o seu desconhecido futuro que não será delongado,
esta espécie de inseto vive poucas semanas, e lá vai ela, suponho que não seja
justo viver tão pouco para voar, antes dessas últimas semanas ocorreram uma
série de metamorfoses mais demoradas para chegar a esta forma, o primeiro
estágio foi o surgimento de um ovo posto por outra borboleta, no segundo nasceu
uma lagarta que em seguida se tornou uma crisálida e após algum tempo foi
rompida para finalmente aparecer essa sublime e extraordinária borboleta, que
procurará pôr ovos novamente para que o ciclo continue, mas todas não
esquecem de procurar por flores ainda mais belas, formando uma paisagem
aprazível e inspiradora para artistas, principalmente os poetas, que com suas
palavras conseguem adentrar em nossos espíritos e ludibriá-los com seus
esbeltos e criativos versos, a criatividade indubitavelmente é um fator importante
para todos os seres pensantes, sem esta característica não fariam todos os
objetos artificiais que me circundam, com formas definidas geometricamente,
como as colunas circulares deste templo contemplado por mim, todavia, poderiam
ser hexagonais ou quadriculares, diferentes das colunas concebidas pela natureza
nas cavernas e cavidades subterrâneas, formações provindas de concreções
minerais superiores, designadas de estalactites, que se formam no teto por meio
da umidade, com gotículas de H2O impregnadas de calcário despencando

intermitentemente e acumulando o carbonato de cálcio no piso, resultando em


uma concreção oposta nomeada estalagmite, e somente ao passar de muitos
séculos é que surge a coluna propriamente consumada... sonda a nave em que
ficam os freqüentadores do templo... esta parte da construção é retangular,
abrange um espaço maior que as demais, a estrutura de sustentação do telhado é
triangular, as torres são quadriculares, enfim, tudo que o ser humano cria tem
como base formas geométricas sólidas ou ocas com medidas exatas para conter,
ou não, algo em seu interior, sem a geometria seria quase impossível imaginar um
objeto amorfo encerrando algo, até as caixas de massa de modelar, que minha
irmãzinha se entretém às vezes, possuem largura, altura e comprimento, mas o
conteúdo interior pode ser moldado sem preocupações com medidas, nestes
casos se pode criar um objeto amorfo que encerre algo, as embalagens desses
produtos sempre apresentam informações das substâncias de composição
atóxica, mas como saber se são? Os químicos responsáveis devem experimentar
em algum irracional, ou, estudaram a junção de substâncias químicas inócuas,
consideradas apropriadas e atóxicas... o vocábulo ecoa em seus pensamentos, o
forçando a arrancar algo referente a lingüística... algumas palavras como esta em
que o prefixo é a vogal A, expressa sentido de negação, denota o antônimo da
palavra, palavras, em quantas eu pensei ou prolatei somente neste dia que ainda
não findou? Pequenos atos podem resultar em imensos fatos, como a fonação ou
a redação, suponho que num momento incerto de minha contingente vida resolva
escrever um livro, se calcular por meio do calendário... resolve o cálculo mental
rapidamente... escrevendo uma página por dia, no final de um ano teria trezentas
e sessenta e cinco páginas se o ano não fosse bissexto ou se não ocorresse meu
estado de óbito, assim os pensamentos de minha essência se tornariam coisas
concretas e outros seres iriam apalpá-lo, estariam em forma de palavras
impressas nas páginas do suposto livro... indaga-se porquê escreveria se seus
textos não possuem a mínima coesão e a maioria são de caráter metafórico... uma
quantidade enorme de veículos congestionados nesta avenida, um acidente mais
adiante, policiais rodoviários coordenam os motoristas para passarem
tangenciando o acidente, parece que uma pessoa foi vítima, está sendo colocada
na maca e medicada com primeiros socorros agora, para que no hospital as
devidas providências sejam tomadas, não vejo máculas de hemoplasma no
asfalto, não se feriu gravemente no sentido de estar com uma fratura exposta, o
motorista responsável evidencia seu nervosismo e conversa com os policiais e os
médicos, esses grupos de emergência labutam sincronizadamente céleres e com
muita cautela, possuem o consentimento de que vidas dependem deles, mesmo
que a vítima faleça na ida, trabalham incansavelmente contra a morte, o maior
desafio do ser humano, que notoriamente sai perdedor... ruas e mais ruas
depois... ainda não estou com desejo de voltar para casa, então ficarei a andar por
algum tempo, sei que tenho de executar alguma tarefa e inconscientemente entrei
nesta rua, mas o qual?... pequenas salas comerciais em edifícios com um andar,
aglomeram-se até o final da senda... amanhã será aniversário do papai, vejamos
com o que vou presenteá-lo, aquela mulher de origem indiana toca seu
instrumento de sopro muito bem, um tipo de flauta anexada a um sistema de som
amplificado, ela não parece trabalhar para nenhuma dessas lojas, algumas
pessoas congestionam diante dela para observar a destreza com que maneja o
instrumento, produz um som maravilhoso e muito sereno... ele junta-se ao grupo
de ouvintes e percebe fitas k7 à mostra empilhadas sobre a caixa de som... é isto!
Papai ganhará uma dessas, gosta de auscultar músicas do gênero, presumo que
não seja preciso interromper a artista para obter o objeto, colocou aquele
recipiente ali para isso... avança silenciosamente, deposita o valor monetário
correspondente no interior da caixa e retira uma fita do topo de uma das várias
mini-torres quedas, a mulher acompanha o processo e por fim o agradece
piscando as pálpebras esquerdas, mas concentrada na melodia que executa...
adquiri o necessário hoje ajudando diretamente os vendedores pracistas e ainda
papai ficará contente, mas o que mamãe comprou para ele ainda não me falou a
respeito, vou questionar quando chegar, por hora ficarei a passear e contemplar
os objetos, os seres, as causalidades e tudo que posso perceber explícita e
implicitamente nos outros e em mim, os cotovelos do casaco daquele homem
estão desgastados, ou é uma impressão ilusória por que estou a uma distância
mediana? Porventura é um defeito na coloração, seu chapéu está em ótimo
estado de conservação, o homem anda vagarosamente com o auxílio de um
báculo de madeira, a extremidade inferior é revestida metalicamente para não se
consumir com a fricção no solo, não consigo ver sua face mas parece ser um
ancião, suas calças são elegantes, estão molhadas próximas às panturrilhas,
devem ser respingos das calçadas úmidas, parou em frente a uma vitrina e virou
de perfil, suas carquilhas são profundas e demonstram uma face de abusivo
sofrimento, fuma um cachimbo e agora retirou os palmidígitus dos bolsos para
ajeitar o chapéu, descrevendo a carência de suas cãs, ajeita também o cachimbo
com seus pentadáctilos encarapinhados, quando aspira fortemente, o fumo no
fornilho rutila e adquire uma cor ardente, expele uma nutrida e densa quantidade
de fumaça trazida pelo vento até minhas narinas, pelo odor que o vapor resultante
da combustão apresenta, o tabaco está mesclado com demais substâncias que
encorpam o aroma característico de chocolate, os alvéolos pulmonares e demais
órgãos do sistema respiratório do ancião estão comprometidos, a cada tragada
que efetua é tomado por um acesso de tosse súbita seguida de um
escarresverdeado denso... ultrapassa o velhinho e vê um casal sair de um
supermercado... sorridentes carregam bolsas de mantimentos e as depositam no
seu veículo, a placa de identificação indica que o automóvel foi emplacado nesta
cidade, a placa e a cor o tornam único na cidade, no país e com a possibilidade de
ser no mundo, pois existe uma diversidade imensa de fabricantes, marcas,
modelos, portes e outras características que diferenciam todos, o casal entra na
máquina, fecha as portas, coloca o cinto de segurança e parte, locomovendo-se
no conforto de suspensões, amortecendo prováveis impactos que as estradas
podem apresentar, rumo à sua ou à casa de parentes, para descarregarem e
usufruírem dos subsídios alimentares que os manterão por certo tempo, do outro
lado da avenida um homem constringe uma lata de alumínio com força até
deformá-la, o líquido contido no interior do objeto escorre por sobre suas
digitifalanges, senta-se num banco, está soturno, abaixa a cabeça e começa a
chorar, mas por quê? O que o levou a tomar esta atitude? Depois desta cena notei
nas faces das muitas vidas humanas que transitaram por mim uma aparência
tétrica, aconteceu algo grave, mais à frente uma reunião de pessoas parece
comentar um assunto concernente, prolatam sobre a importância da vida e sobre
uma catástrofe ocorrida ontem no terminal de transporte coletivo, estou com sede,
espero que o líquido incolor não tenha ficado tépido desde que saí da
lanchonete... estabelece um contato com a tampa da garrafa por constrição, em
seguida abre-a com rotações concisas e toma o fluído... deduzi que estaria ruim,
mas superou as expectativas e suprimiu a carência de líquido no meu organismo...
o vento transita por seu corpo... é estrambótico ver aquela folha de papel no chão
ser arremessada longe pelo vento invisível, posso perceber sua velocidade de
uma maneira especial, ao passar pelas herbáceas movimenta-as na direção
concernente, assim, olho rapidamente para adiante e vejo os movimentos das
seguintes, dependendo da precipitação consigo captar a transitoriedade do
fenômeno, transito por uma rua com demasiadas óticas, é preciso trocar as lentes
do meu óculos uma vez por ano, logo terei de usar lentes com um grau maior,
adquiri o meu nesta ótica, situada no andar térreo deste prédio com as paredes
exteriores de vidro, vejo as divisões dos muitos andares e as pessoas trabalhando
em áreas burocráticas das empresas aqui instaladas parcialmente, aquela
secretária atende a um telefonema, aquele homem digita algo, o rapaz com uma
pequena pasta evacua o recinto e aquela mulher que bebe algo concluiu o serviço
imposto a ela por ordem de um superior, mas por que pessoas pensam que são
superiores à outras? O que obtém com isso? Inimizades com certeza, mas o que
sei sobre, se o que mais sei é o que menos sei? Por isso investigo com
pormenores as situações, gostaria de ver o acidente no terminal, porém, o
caminho é o oposto ao que tenho de percorrer até minha casa... um adesivo em
um receptáculo móvel dorsal... desenho peculiar naquela mochila, é uma boneca
com um objeto em cada uma das palmifalanges, com os manidígitos esquerdos
segura um crânio e com os direitos sustenta uma flor com as pétalas vermelhas, a
calátide amarela e o pedúnculo negro, a boneca sorri e usa uma saia verde, os
sapatinhos são amarelos e os olhos estão desenhados em forma de X, nos
capilares equacionados em duas partes, preto e vermelho, pendem laços
amarelos, o que o desenhista quer mostrar que sente e o que significa fica a
critério de cada avaliador... uma senhora de quadris adiposos e flácidos
concepciona flatulências advindas de uma mutação protéica intestinal à sua
frente... desiderações inexeqüíveis e estéreis no que concerne à tangibilidade da
imagem absorta do pensamento e a conexidade insolúvel do objeto
consubstancial, a constrição contatual com o frasco cilindróide é inevitável para
mais um gole dos dois gases aglutinados em ligações, culminando em moléculas
de uma substância homogênea salutar... um conjunto de insetos da ordem dos
odonatos sobrevoa seu sobrecenho no instante em que conclui a palatizável
ingerência do líquido insulso... libélulas, esquisitas e doces libeluláceas de corpo
delgado e circulalongado neste período vespertino calmo outoniço com suas
quadriasas transparentes e luciflexas, estrepitam rumores tentaculares abafados
como um meteorito atingindo a esfera terrestre, alarmantes invectivas dos seus
abdomes melíficos nas poças, que ao serem estrangulados por manimorfas
sedentas, enegrecem como a cor da borboleta que ajudei, mas não me seguiu por
lacônicos e nem céleres instantes no meu desbravamento infrutífero, pois conheço
todos os recantos desta floresta acinzentada de constriprédios coloridáceos
perípteros, previstas por daltônicos visivelmente ocularperfeitos... desoculta o
isqueiro novamente e acende a sua impenetrável chama honorífera imperpétua
para a convicção do funcionamento do mecanismo em que foi requerida uma
jornada de complexos cálculos esmeráveis para a coerência das peças... seu fogo
reluz como no início do fim do dia quando o astrisolar se recolhe obliterando seus
vermelhiraios no horizonte insustentável pela película obstadora dos outeiros
tectônicos, não iguais a este terreno sem imóvel, parecendo um micro pântano de
tão alagadiço, certamente o futuro morador terá de complexionar um sistema de
drenagem elaborado e profícuo, o terreno do lado está perfeito, com uma
bignoneácea sem suas flores roxas, pois estas estão sobre o tapete natural
verdejante de gramíneas ornamentais que vivem em todas as épocas do ano, um
Canis vem ao frontispício do terreno, ameaça ladrar, mas não procede, e se abana
sua cauda é porque quer demonstrações de afeto, eleva suas patas dianteiras e
apóia-as no portão, existe uma espécie que quando bem treinada auxilia a
corporação policial em muitos aspectos e áreas... passa pelo animal sem uma
aproximação relacional e de súbito vocábulos e imagens sobrevém em seus
pensamentos num aterrador fluxo de consciência tresloucado... uma kriatúraneksa
a um quadrúpeqüino sustenta uma lança e distante um aquenvergador mira sua
pontiflecha, mas não sabe que um elemento com elmo unicorniado vem de tropel
em sua direção, seguido de um cranitauro com vestidura metaliforjada, e como a
aura verde com uma luz fúlgurocintilante de uma aurora amarelada fica perplexa
com um sombrio personagem surgindo com uma capa escura amarrotada e
lacerada, adstringindo uma grande foice reflexionante para ceifar as vidas no
suntuoso dia em que o império inexistente ruir, uma lebre domará um draconius, e
a aura conciliará todos os seres com os himenópteros e demais insetos, os
microorganismos tocarão cítara na comemoração do nascimento das florestas, e
das regiões abissais surgirá a centopéia interrogando qual o significado da coroa
de louros que o arquenvergador usa, uma criatura horrível, mas sábia, exporá que
a kriatúraneksa o aniquilará e ostentará a coroa como um prêmio e o lucífugo
personagem da foice levará o corpo para sua caverna lapidal, esperarão pelo
cadáver várias criaturas famintas por carne mágica, devorando-a como uma
nuvem de gafanhotos com tentáculos de ferro e máscaras de argila, entretanto, a
floresta azul de oniscientes olhos brancos impedirá a passagem do corpo, e no
outro lado após a batalha a kriatúraneksa com ferimentos leves como uma pluma
será curado com o chifre do elmo unicorniado, mas por processos paulatinos,
todavia, eficientes e o olhar de desapontamento do lucípede de várias patas
mudará conforme os ventos setentrionais dos grinfantes que se enroscam for
diminuído, juntamente com a fomentação de suas registrovávulas de líquido com
proteções vermelhas enquanto não forem fraturadas, a aura robótica também não
entrará na floresta azul por medo e pelas provas que aquela impõe, as idéias
planadoras advindas do precipício tentarão fazer com que o subconsciente não
tome o poder por demasiado tempo, mas não o obstarão por ser mais influente
que um não trivial rioleitubular se as linhas paralelamareladas do verde azulado
não permanecerem até que o alienado encarapuçado andarilho não destrua todos
os símbolos que o atormentam e, no entanto, causam bolhas brancas em fundos
azul de alegres sentenças fonéticas e significativas em todas as claras luzizinhas
prateadas com filamentos cinzas e espumas negras distantes da lua minguante
verde, não havia outra tinta para pintá-la, em forma de quebra-cabeça com velas
rosas e chamas negras na horizontal conecta-se a uma tomada imaginária que
expele uma planta trepadeira verde com foliáceas opacas e uma peculiar xadrez
de tamanho avantajado, branca e vermelha, alcandorando-se ao lado de uma
porta, infere em uma manimorfa rosada cingindo um óculos alaranjado com
lágrimas reverberantes nausicintilantes em forma de anzol dentro de um dédalo
equacionado por sustentáculos débeis de madeiras compensadas surrupiadas
para uma obra de arte quase esferoidal sustentada por tijolos úmidos e
amolecidos pelo barro que sorri sem saber a utilidade do gás natural para os
automóveis marrons e ocres que uma caneta pode definir as características por
meio de vocábulos vermelhos de violetas com odores lilases iguais a pirulitos mal
desenhados em uma cortina de seda abarrotada de vincos na parte superior de
um casaco cor de ar com pêlos de um indeterminado e irreal elemento felino
feminil preso com grampos de grampeadores em uma moldura plasmática
indevidamente contatada por digitifalanges, deixaram sua acidez na tela que
retratada uma casa com figuras totêmicas em seu quintal suspensa por um
barbante carcomido formando um ângulo de trinta graus sendo o único quadro da
casa na parede exterior, que sustém uma bicicleta com os rodados muito
interessantes por estarem descentralizados impedindo a dinamização do veículo
porque os aros encostam nas pastilhas dos freios, mas descartando esse pequeno
incômodo é um objeto econômico e veloz para quem costuma utilizá-lo, mantém o
corpo salutar ativando a circulação do sangue e fomenta a resfolegação em
pontos de maior dificuldade e mais longínquos da estrada, que geralmente não
tem pingos abertos no i, demonstrando imaginação fértil e criativa diferente da
fundação da casa inexistente e da extensão da perna do p, aduzindo inteligência
provinda de um som translúcido e médiagudo com luzes neôniogasosas raras
encontradas no ar saltimbantes e coloridas ricocheteiam em uma chávena de teto
verde com uma lâmpada apagada ribombando na escuridão zelosa pelas
partículas globais-cúbicas cintifluorescentes a todo o momento visíveis nos objetos
de vasta aderência gelatinosos e dúcteis como aquela superfície marmórea
enregelada quando sentei sobre a lápide do casal na necrópole com vasos de
flores secas abjuradas na lixeira amarela perto de uma árvore noturna com sua
soleneficência protegendo uma aura pequena que vasculha uma caixa de
correspondência de uma colônia distante, mas muito avançada
organizacionalmente na estância de Lexórium, do instigatório de circulares lariços
por onde transitam os seres estranhos saídos de uma sessão de aprendizado
extensivo debilitado com a ilação obtusa e ambígua, cingindo o espaço unilateral
de um cabide pendurado na porta de seis faces com um trinco metalizado
banhado em cromo, mas susceptível a corrosão de H 2SO4 que ajuda na remoção

de produtos graxos de uma correia, um prato e uma catraca numa oficina


conceituada e notória por todos os moradores contíguos que depõe sobre o hábito
do proprietário, antropologicamente herdado da cultura dos antepassados, ao
deglutir algo em suas horas de labuta extremamente esmerosa, consistindo em
administrar o local asseado por onde passam vários caminhões com motoristas
desequilibrados moralmente na rua principal incutindo obscenidades nas
entrelinhas de um texto tergiversativo na qual o subconsciente tenta novamente
sem sucesso impor uma barreira sem suportar a quantidade de números
multiplicativos nas etiquetas dos livros de biblioteca com desinformações e
esquecimento desconversativo sobre os personagens neológicos do início do
pensamento um tanto confuso por correr em um influxo exterior-interior, pois a
captação dos objetos concebe visualizações abstratas de muscíneas corridentes,
e nas paredes a esmo às margens de uma movimentada rua de Joinville numa
residência já extinta onde existia o desenho de um alienado com os capilares
alvoromaleáveis despenteados, que nunca obtive sucesso em reproduzir a
imagem posteriormente à adolescência, pois o veículo condutor passa muito
célere e estagna unicamente em situações de apertamento da campainha nos
interiores remotos de projeções descontínuas lucinteriorizadas nas torreantenas
exteriores do universo cor de molho em que os planetas, as estrelas, os buracos
negros, as galáxias se aglutinam como nos átomos dos minerais nefelitas
hexagonais compostos de ortossilicato, sódio e alumínio convertidos em uma
arena de formato regular cilindróica esteticamente aprovada pelos mais
conceituados e críticos avaliadores de obras literárias, mas desaprovadas pelo
próprio concebedor frustrado que a máquina datilográfica renunciou depois de um
concordante recíproco consentimento e aproveitamento de ambas as parcelas
homogêneas... detenciona seus pensamentos e sua motilização... mas o que
desencadeou essa avalanche de reminiscências e coisas não pensadas antes?
Algumas informações de um infante soldado da vida que desafia audazmente as
veredas das próprias entranhas dos seus pensamentos e da cidade onde
peregrina, avisto seres de linhagens desconhecidas mescladas em uma exposição
de flores, muitas espécies de orquidáceas expostas por colecionadores, o local
está coberto e equacionado por estandes com paredes padronizadas e
desmontáveis, porque é uma praça, algumas flores estão à venda e outras
expostas para convencer e enlevar as pessoas ao cultivo destas belas
orquidáceas epífitas, estudar botânica seria interessante, ainda mais com a
imensa variedade de espécies de vegetais que este país abriga, semana
retrasada passei defronte ao grêmio onde se reúnem os apreciadores destas
obras de arte vivas sem consciência, deveriam perceber que também somos
obras de arte conscientes, diferentes dos vegetais, contudo, não deixam de ser
menos importantes, também possuem um sistema nervoso, rudimentar, mas
possuem, nos estandes encontram-se papéis com as informações sobre as
espécies cultivadas, o gênero, os climas mais propícios para o desenvolvimento
da planta entre outras informações... não adentra à exposição e se distrai com o
passar de um ônibus de viagem... é de outro país, o nome da empresa está em
outro idioma, veículo de leito, maior que os outros automóveis, os pneus dele e
dos demais veículos são produzidos com um material provindo de uma árvore da
família das euforbiáceas, o látex, para depois ser transformado em borracha, tem
de estarem bem cheiros e calibrados, pois transportam pessoas viajantes além de
toda sua estrutura, viajar é bom, melhor ainda quando se vai a outro país, vários
métodos de locomoção são usados para viagens, trens bala, ônibus, navios que
cruzam os mares e os ferem com seus cascos pontiagudos, e aviões, quando era
pequeno queria ser mecânico de aviões, mas ao recordar, não descobri até hoje o
que suscitou a volição para esse tipo de especialidade profissional, é estranho
saber que coisas de metal podem voar como pássaros em elevadas altitudes, mas
com um sistema de pressurização muito bem projetado, se não houvesse os
passageiros faleceriam com o ar rarefeito devido a altitude, porém, posso viajar
por meio de pensamentos também e não é preciso me locomover no espaço-
tempo para estar em outro local, posso pensar que estou na Grécia antiga agora,
a vantagem é que posso ultrapassar o tempo presente e também pensar que sou
um antípoda, entre todos os métodos, este último não oferece nenhum risco de
morte se permaneço em local seguro, com os demais se corre muitos riscos, o
ônibus pode se envolver em um acidente rodoviário, os trens ou metrôs podem
descarrilar devido a velocidade, os navios podem afundar, por mais grandes ou
modernos que sejam ainda não são capazes de desafiar os mares em tempos de
tempestade, e as aeronaves podem cair, estão suscetíveis desde problemas
mecânicos, hidráulicos e elétricos, até uma turbulência não prevista pela
metereologia, os serviços metereológicos são bons, mas o tempo é muito
imprevisível, como eu, aliás, por que saí de casa hoje? Não me indaguei antes de
sair, talvez tenha saído para ver coisas extraordinárias pela última vez, ou para ver
aquele pedaço de espuma velho e encharcado ali no chão, está escura devido a
quantidade de poeira impregnada nela, vou pisar sobre e ver seu supra-sumo
escorrer pela calçada, a H2O completamente poluída e ingerível flui somente em

uma direção, um mini-rio negro, para os himenópteros é um rio considerável,


voltando à questão anterior, suponho que seja loucura sair de casa para observar
este fragmento de espuma, mas já que está no caminho não custa nada brincar
com ele, custar, por que as coisas tem seu valor? Garanto que na antiguidade não
existiam valores, no início do comércio o câmbio dos produtos era desvantajoso
para alguns, mas os humanos não percebiam, cambiavam as coisas que
necessitavam, assim era trivial trocar uma vaca por um pote, os objetos e animais
não tinham valores, foi o homem que começou a designar valores para as coisas e
hoje colocam valores nos da sua própria espécie, eu tenho um valor na empresa
que labuto, todos os meses recebo pelo processo que desempenho, mas se não
estiver satisfeito basta sair, e rapidamente serei substituído por outra pessoa, é
este o valor que o capitalismo nos dá, estranho eu ter um valor para o dono da
lanchonete, aquela garrafa com o líquido escuro que bebi ontem tinha um valor
para mim, porém, não podem ser dados valores aos víveres... pois são absolutos
e o valor é relativo... por baixo dos portões desta casa com muros altos escorre
um líquido espumante que toma as calçadas pelos flancos e avança com as
tropas de bolhas iniciantes, causadas por algum agente químico, alcançam e
atacam a sarjeta ao mesmo tempo, sucumbindo no bueiro com tampa perfurada,
uma guarita no portão com um vigia e várias câmeras de vigilância que identificam
com a velocidade da luz em forma de imagens qualquer pessoa passando na
calçada e anelando adentrar ao recinto, nas laterais dos portões, um laço negro
dependurado nos palmidáctilos das estátuas caracterizam o período do império
romano ou o que foi antes da invasão e conquista dos bárbaros e hicsos, é notório
que todos os impérios declinam, a estátua do soldado romano está com a base
rachada e inclinada para a esquerda, mas preciso pesquisar e obter mais
informações sobre a propedêutica deste assunto para não cair em contradições e
não atingir uma conclusão convincente, as contradições quando bem empregadas
não são empecilhos, e sim múltiplos fragmentos amalgamados e retransformados,
não unilateralmente, mas com várias perspectivas provindas dessa conexão de
contrastes para... uma mulher de idade avançada e uma moça com os cílios
pintados na base carregam bolsas... parecem mãe e filha, a semelhança de suas
faces é inegável, mas é apenas uma conjetura, suas bolsas tem o logotipo
daquele supermercado onde vi o casal feliz sair há minutos atrás, as duas entram
na casa com a placa esquisita, alegando uma mensagem de que são lecionadas
aulas de música de instrumentos de sopro e de marcenaria em um apanhado
geral, mas não convencional, o que aquelas pessoas fazem ali é estranho, parece
que talham carrancas em pequenos troncos de árvore, ao lado da casa uma vitrina
aventa trabalhos que suponho estarem prontos, expressos em uma grande sala
com ambiente climatizado sobre folhas de jornais, talvez para a secagem da tinta,
o interessante é que em quase todas as paredes da sala e no teto estão coladas
folhas de jornal, com exceção da vitrina e do espaço reservado para o
condicionador de ar, mas no canto inferior da vitrinadrácea uma folha de papel
anexada com fitas adesivas aventa diminutas letras e números, mas por estarem
escritos na folha unicamente para pessoas que porventura entrem na sala, os
vocábulos e números como vejo não obstam meus oculariórgãos de captarem e
transmitirem ao encéfalo de conhecimentos débeis para distingui-los rapidamente,
pior se a folha estivesse postada com o rodapé para cima e o cabeçalho para
baixo, deste modo que está sei que é uma tabela de preços dos trabalhos
imperfeitos ali apresentados, imperfeitos, porque são assimétricos e muitos dos
lados não são iguais, isto é óbvio, são gravuras de rostos grotescos esculpidas em
troncos, os rodapés que cobrem o perímetro da sala são vermelhos, o que causa
um entrechoque de tonalidades com o preto e branco dos jornais descoloridos...
distrai-se com um automóvel que estaciona unilateralmente a si... ora se não é o
casal feliz do supermercado, o professor que lecionava as pessoas a fazerem as
carrancas aparece, suas digitimorfas espanam seu avental branco com um
esquadro bordado, aparentando ser feito manualmente, coberto de aglutinadas
partículas elementares de madeira, serragem propriamente, e abre a porta do
veículo com um sorriso latente, a mulher desce com um opúsculo entre o polegar
e os manidígitos restantes, e o oferece ao professor após um amplexo patriarcal,
em seguida o pai dela cumprimenta o genro com um rápido abraço e um beijo no
rosto, e todos se dirigem para o interior da casa, não sei porque quero definir as
coisas amiúde como as vejo... a porta aberta de uma casa incita seus
oculariórgãos... um dos moradores transita por dentro da casa, uma garota que
amplexiona almofadas e se esparrama em um aconchegante sofá amarelo com
florezinhas rosas desenhadas em toda sua extensão paralelarredondada, sorri
para alguém que não vejo, fora da casa lindas estatuazinhas de anuros deitados
que observam anões sobre cogumelos... no conceptáculo destes não se alojam as
células reprodutoras... tocando instrumentos, o tocador de acordeão olha para o
gaiteiro com ares de Galês, a garota agora debruçada na janela os observa, as
estátuas tem rostos contentes, impressionam pelo realismo, parecem tocar uma
música refinada com uma calma melodia, as chapeletas vermelhas dos fungos da
família das agaricáceas de cerâmica contém médios pontibrancos e suportam o
peso dos anões tranquilamente, e na próxima casa à esquerda, algumas garças
brancas, cujo nome científico é Leucophoyx thula thula Molina, de madeira
disputam com vasos de barro a extensa parte frontal do terreno... e na sarjeta uma
garrafa com a etiqueta da conhecida marca de um refrigerante com o líquido ainda
contido... todos os dias são apenas reflexões dos amorfos pensamentos inatos,
até reproduzirem-se materialmente com diretas convicções de acepções
irrefutáveis estranguladas laconicamente com uma lânguida ilação
interconexionada propositalmente por intermédio dos inertes ou etéreos
pensamentos, etéreos?! Redargüir sobre o que não se sabe em verdade
incontestável é como interagir com massas de ar, ou seja, argüir sobre o que não
se conhece é mais simplório do que tergiversar sobre o que se sabe... pois o que
se sabe demasiado é o que menos se fala, contudo, é o que se oblitera mais
celeremente... não sei se a subjetividade do aspecto preponderante procura
buscar objetivos incongruentes e transmutá-los em soluções translúcidas de
maneira que o esmero empregado seja de extrema valia para um melhor
aprimoramento das minhas respectivas qualidades binoculares, mas me permitem
ver a disparidade atípica entre as estruturas de uma determinada época, e nesta
em que vivo, percebo a demonstrabilidade através dos contrastes das fachadas
edificiais, aquela roxa e branca é estranha por permear duas de épocas mais
antigas com tons de cores semelhantes, discretamente discrepantes da moderna,
o formato do caixilho e das portas e janelas são bem mais caprichadas, as
fechaduras de idêntico modo enriquecem e reforçam a preciosidade dos detalhes
do edifício, os buracos das obsoletas fechaduras se assemelham a olhifendas
serpentofídias de répteis peçonhentos tencionados pelo inimigo humano
desafiante que extrai seu veneno, este, transmutado em vacina reforça o sistema
imunológico não preparado para venenos introjetados pelas picadas mortais na
corrente sangüínea, levando a vítima a óbito em questão de segundos,
dependendo da espécie que o atingiu no calcanhar ou em outras partes dos
membros locomotores geralmente em locais abaixo da rótula... imagina que se
alguém lesse seus pensamentos, como são de modo tão aleatório, se sentiria
perdido, e quem não está? Neste universo desconhecido paira apenas nosso
mundinho? Nosso? Nada nos pertence, nem mesmo nossa vida, esta, a morte
sufoca... este outro edifício antigo tem uma porta feita de grades de ferro
retorcidas de modo coerente, formando uma herbácea e detrás da porta
protecional a verdadeira de vidro, bastante frágil, contraste semelhante encontra-
se em várias pessoas, aparência forte, mas parcelas sentimentais frágeis, não que
sentimento seja sinônimo de debilidade, porém, muitas vezes o lado irracional
propende maior vazão pelo âmbito sentimental, ou seja, o pensamento impede
que um ato desarrazoado seja executado, mas que ambos os citados sejam
imprescindíveis é de convicção indubitável... na frente da porta junta uma folha de
papel com o nome de uma pizzaria, situada na rua... passei por esta rua e lembro
do estabelecimento, a foto do seu frontispício está no papel, tentar recordar de
algo que não percebi é impossível, mas também lembro vagamente de um edifício
na esquina, com uma janela na parte superior próxima ao telhado e uma espécie
de balcão anexado abaixo dela na parte exterior da parede, abarrotado de
pujantezinhas plantas verdes, e essa imagem que reproduzo não foi preconcebida
antes que eu a visse, mas poderia imaginar algo semelhante... olha o papel
novamente... parece um mini cardápio, e a quantidade de sabores é imensa! O
sabor seria uma ilusão? Ainda não sei se o que ingiro é imaginado, nunca sentirei
o gosto idêntico à outra pessoa, as melhores pizzas são feitas em fornos à lenha,
simplesmente energia gerada pela combustão, transformada em calor, repassado
a outro corpo com a temperatura ambiente ou abaixo de uma estipulada, mas será
que um corpo com uma temperatura de trinta graus poderia passar calor a um de
cinqüenta graus? Não, o segundo tem energia contida em maior quantidade,
contudo a transferência de calor pode ser recíproca até que ambos apresentem a
mesma temperatura, descartando a possibilidade do meio exterior interferir, ou
seja, ambos os corpos situados em uma região com vácuo, mas que importância
teria isso para a ciência? Não sei, mas pensar em coisas assim suscita o intelecto
a não pensar em coisas triviais ou desimportantes, se pudesse considerar algo
desimportante, este algo teria a primazia de ser eu... o tempo passa e não lhe vem
nada de importante nos seus pensamentos... será que a solução não seria deixar
os pensamentos fluírem? Abandoná-los ao acaso para seguirem o seu curso, os
pensamentos seguem um curso? Pensei que não se podia impedi-los, de maneira
ou outra os pensamentos sempre são reprimidos pelo consciente, ao deixá-los
atingirem o seu estado mais sublime, alcança-se um estado que outro jamais
alcançou, mas se me deixar levar por eles posso pensar que vivo em um
determinado estado de fantasia e isto já seria um indício de alienação, não
consigo me imaginar em um estado em que pertenço ao pensamento, e não o
oposto, será que realmente os pensamentos estão subordinados às pessoas, ou
elas são controlados por eles?... seria demais... basta o controle que a política, a
mídia, a religião exercem sobre a humanidade, apenas algumas das variáveis
formas de coerção veladas do estado, pensar contra o estado e nada fazer é
patético, hoje não se sabe quem movimenta a engrenagem, mas um dia ela pára,
com demasiado tempo de esforço suas peças podem se fundir, exceto se for
lubrificada constantemente, mas mesmo com precauções há um desgaste gerado
pelo atrito, mas o pensamento não se desgasta, e o homem tem de perceber que
ele é o mais importante de tudo, não as máquinas que constrói ou os avanços
tecnológicos que realiza, caminha-se para o declínio da utilidade do ser humano,
chegará o dia em que o homem será inútil, com a presença das máquinas o
substituindo... tudo pelo capital... a essência do homem não mudou nada, sua
sede de poder estraçalha quem se atreve a traspassar o seu caminho, as culturas
são impostas, o mais forte domina o fraco por diversos modos desde a escravidão
econômica, social, cultural até tantos outros tipos de submissão espalhados
dissimuladamente... sobe os degraus de uma passarela em forma hemicilíndrica...
estou dentro de um micro túnel transparente, o material é de fibra, mas a armação
ou o esqueleto é de ferro para agüentar o peso dos transeuntes, vou estancar aqui
para ver o movimento dos automóveis nas duas avenidas subjacentes, os tetos
dos carros passam sucintamente e por momentos param mais adiante em um
cruzamento, a quantidade de motocicletas passando é bem inferior ao de carros e
o barulho dos veículos é cinzabafado, ouve-se mais claramente nos orifícios de
entrada e saída da passarela... apóia os cotovelos em um encosto de ferro pintado
com tinta amarela... algumas partes superiores e laterais da estrutura estão
riscadas com signos quase ininteligíveis, atos subversivos... estudantes passam
por ele... seus passos suscitam as placas metálicas antiderrapantes, parecem
soltas, somente provocam barulho por estarem submetidas a um enorme trânsito
de pedestres, os estudantes conversam bastante, mas há um menino mais
afastado que vem atrás deles com semblante tétrico, silencioso, suas roupas
foram usadas demais, seus sapatinhos limpos um tanto desgastados e a sua
mochila tem a aparência de que também foram usados por outra pessoa e depois
oferecidos a ele, seu desânimo contagia e logo ao vê-lo me senti consternado,
geralmente são estes os que começam a executar seus pensamentos acerca das
desgraças da vida mais cedo, não vivem na ilusão como muitas pessoas,
percebem a realidade e sua situação desfavorável no seu âmago, às vezes
sentem por não ter o que desejam, mas com certas agudezas e cogitações
aprendem que tudo não passa de simples alienação, e alienam-se a si próprios...
Osvaldo sabe por experiência própria... e tentar mudar este estado moral é uma
ação estimulante para que outros não passem por idênticas situações, e o
problema dos outros estarem felizes, porque tem algo a mais que ele, será
superado, mas por enquanto ficará triste, não se importam se ele não tem, mas
aprenderá que o importante é ser e não ter, e preferem não conhecer a sua
realidade de desilusões, que é a real, todos atravessam a passarela e o garoto
desce os degraus demoradamente, eu vou descer a escada antagônica, por
enquanto quero sentir o vento frio invadindo o recinto de maneira tresloucada, o
tato é um sentido estranho, sinto a temperatura deste apoio abaixo dos cotovelos
mesmo com o sobretudo envolvendo-os e ao mesmo tempo sinto o vento em
minha face... não é comum os estudantes terem aulas aos sábados, estes estão
em situação especial, próximos do lado exterior da passarela os estudantes
esperam alguém, um carro estaciona, a porta traseira é aberta, entram na
estrutura metálica móvel e vão embora, o garoto vai caminhando, parei em um
local como este porque a dinamização de pessoas e máquinas é exorbitante,
assim capto variadas situações cômicas, decepcionantes, alegres, essa
humanidade é mesmo estranha com seus costumes, mas, eu faço parte dela, e ao
mesmo tempo que meu pensamento percebe os objetos e pessoas, processa qual
o melhor modo de sair de uma situação embaraçosa, suscitar uma opinião
contrária ou treinar os conhecimentos que obtive de alguma forma, onde estou
tenho a impressão de que esta parte vai cair e rolar pelas duas avenidas, não sou
acrófobo, mas minha imaginação é tão fantasiosa que me assusta, vou
desembocar no outro lado, apesar de não saber o que farei lá... desce a escada...
interessante encontrar um minelevador neste lado, uma placa indica que é
somente para deficientes, ao subir pela outra extremidade não percebi, agora que
atravessei as avenidas isento de sofrer qualquer acidente indesejado, tenho que
decidir para onde vou... segue à direita... policiais de bicicleta fazem uma disputa
para constatar qual deles sobre aquelas escadas pedalando sem tocar os
extremos dos membros inferiores no concreto, igual a crianças quando ganham a
primeira bicicleta, fazem as coisas mais estapafúrdias possíveis para provarem
que possuem equilíbrio desenvolvido, um deles até cronometra o tempo, deveriam
de fazer rondas para no caso de algum eventual infortúnio ocorrido nas
redondezas estarem a postos, e não brincar, mas a situação não requer tantas
precauções, porque eles tem rádios comunicadores... uma loja de móveis chama
sua atenção... mesas e poltronas quadrúpedes, abajures unípedes, e vendedores
e compradores bípedes, os móveis esbeltos e coloridos que evidenciam formas
curvilíneas são mais atraentes, aquela poltrona verde-clara está em uma posição
onde a luz projeta sua desfigurada sombra na parede, o ambiente em que foram
colocadas as peças para demonstração e os arranjos decorativos também
auxiliam no quesito expositivo, uma mulher agora sai do estabelecimento e tenta
em vão acender o isqueiro sem uma consecução válida, e como sou o único a
passar por aqui neste momento provavelmente indagará se tenho fogo, já olhou,
retiro o isqueiro achado por acaso e ela aproxima o cigarro da chama produzida
por gás natural provindo de pântanos, deveria eu prolatar a ela sobre os males
que uma simples tragada provoca em todo seu sistema respiratório composto das
fossas nasais, da boca, da faringe, da laringe, da traquéia e pelo par de pulmões?
Ela sabe, e também que essas grandes corporações de tabaco não se importam o
mínimo com a sua saúde, mas como agradeceu com um radiante sorriso e já se
foi não há mais possibilidade de proferir coisa alguma, deixou apenas o aroma do
perfume misturado com a fumaça do cigarro, sendo que estes odores se
multiplicaram com a fumaça dos veículos, as partículas de terra, e se fosse para
enumerar e determinar todos demoraria um tempo considerável... e ao lado de
uma placa de trânsito, permitindo o não estacionamento de veículos... um homem
executa o câmbio de um pneu perfurado do seu veículo enquanto uma mulher
espera, saboreia algo símile à gelatina em uma taça de cristal, está grávida, talvez
por este motivo que... a vontade é quase uma ordem descabida à consciência
nestas vicissitudes... estavam indo para, ou vindo de um casamento, pois estão
com trajes apropriados, ambos olham para mim e não emitem um fonema, e como
o gesto incomplexo distingue o que querem, não faço nada, imagino que suscitei
sua ira, mas ao contrário a mulher descarrega a decepção no homem e reclama
que não chegarão a tempo de representar a peça de teatro... a bem da verdade,
todos somos atores... então deduzo que a gravidez da mulher seja falsa, e é, após
alguns segundos improfícuos de circunlóquios me convidam para assistir sua
atuação, mas o teatro é longe, e ela retira um travesseiro debaixo de seu vestido...
Osvaldo sai de cena e logo... uma vidraçaria com interessantes objetos de enfeite
moldados em vidro! Patos, vasos, luminárias, flores de um vidro opaco
avermelhado, esferas lisas, poliedrizadas, cones e objetos em formas geométricas
frias, obtusas, translúcidas, coloridas, uma exemplar coleção de potes redondos
com as tampas verdes, todos de porcelana, ao lado, chávenas de tamanhos
divergentes, mas exibidas simetricamente em uma prateleira transparente azul
sustentada por colunas de mesma cor, interessante a chávena cinza com o
emblema de um arcaico condado, são poucos os objetos de utilidade cotidiana...
cotidiano, trivial e fascinante acúmulo de rotinas... a maioria são belos enfeites,
mas o que é a beleza? A estética estuda as formas de beleza, eu vejo o belo no
grotesco artístico, é o que me faz sentir a magnitude da perfeição moldada pela
natureza que o homem copia, ver o belo em formas cruéis de manipulação em
seres vivos eu não concordo, matar animais para produzirem casacos é o cúmulo
da idiotice, e isto não é arte, a beleza da arte é algo complexo, mas considero a
arte dos séculos passados melhor do que a atual... é saudosista neste aspecto...
na janela semi-aberta do banheiro de um apartamento deste prédio repousa um
recipiente de sabonete líquido ou xampu, e no estacionamento frontal dois garotos
degladiam-se verbalmente com jargões utilizados por cérebros ainda em
formação, deduzo pelos vocábulos e provocações emitidos por ambos, com isso
os seus sentimentos de ódio recíproco momentâneo ficam acima da razão, mas
logo irão se entender e brincar como se nada houvesse ocorrido, o ser humano é
persuadido amiúde por sentimentos e perde a razão, os seus conceitos e até sua
credibilidade se for uma pessoa com poder de influenciar outras, não sou
moralista, mas por vezes os sentimentos extravasam de maneira exacerbada, me
sentia triste quando na escola a professora ditava textos enormes e não conseguia
acompanhar os companheiros de classe, a sala tinha um aroma único e nas
paredes haviam cartazes, acima do quadro negro estava o alfabeto com letras
enormes e coloridas acompanhadas com o recorte de animais e objetos com as
letras iniciais dos substantivos conforme a ordem alfabética, o incomum é que
sabíamos os respectivos nomes dos objetos e animais, mas não conseguíamos lê-
los, não sabia que com vogais e consoantes anexados corretamente surgiam os
vocábulos e estes eram decompostos em sílabas, mas podem ocorrer
agrupamentos de vogais e semivogais que se denominam encontros vocálicos e
são o hiato, o ditongo e o tritongo, algumas palavras também possuem prefixos e
sufixos e as acentuações gráficas podem se manifestar nos monossílabos tônicos,
oxítonos, paroxítonos, proparoxítonos, ditongos abertos, hiatos e em homógrafos,
na morfologia gramatical aprendíamos sobre o radical, a vogal temática, a
desinência modo-temporal e a desinência número pessoal, devo ter pensado em
radical em algum momento hoje, afinal, pensamentos se repetem no decorrer de
um dia... ainda mais quando o fluxo de pensamentos é demasiado... mas são
tantos os processos que ocorrem na gramática e no aprendizado de um
vocábulo... que agora ele não quer pensar sobre isso... as bases de uma cultura
estão centradas todas em uma excelente educação nas fases primárias, e estas
são as mais volúveis e imprevisíveis de todas, pois ainda não se têm noção de
responsabilidade, os fatores psicológicos e de socialização também são forjados
nestas fases de descobertas e interesse por tudo que rodeia os seres infantis,
porém, ao tornarem-se adultos, agarram-se às responsabilidades para evitar um
entediamento da vida... o que é extremamente comum e perigoso... e as
responsabilidades começavam quando os professores ensinavam que não
podíamos riscar ou desenhar nas mesas de escrever, somente nos cadernos, as
cadeiras eram desconfortáveis, logo me acostumei com os professores que eram
como pais naquelas poucas horas entediantes, os melhores minutos eram os de
leitura e recreação, serviam também um lanche... nada agradável para seu
sistema digestivo... mas não ensinaram que a vida acaba e que teríamos de
conviver com a angústia de questões irrespondíveis sobre a existência e o retorno
à inexistência, e aprender certas coisas por si é mais doloroso que por meio dos
outros, o que se demora a aprender é que a vida tem um fim e que podemos
chegar a este fim por um atalho, justificado por causas sociais, psicopatológicas,
econômicas, religiosas e outras, e como estranha é esta vida desde a sua
formação, fui o primeiro espermatozóide a fecundar um óvulo desconhecido e sou
a evolução de ambos, tudo conseqüência de uma atração sentimental e física
entre meus genitores ainda desconhecidos, estive no interior de uma
desconhecida até, e após meu nascimento, permaneço por indeterminado tempo
na Terra e depois perecerei, perecer... as coisas... as coisas que escrevo
perecerão, inexistência, pior é a inutilidade da vida, fazer tudo enquanto se vive e
morrer como se não fizesse nada, isto é a vida... porque enquanto houver vida
haverão problemas para serem ultrapassados... uma jovem aprecia as roupas de
uma loja de artigos esportivos com o rosto quase colado à vitrina, pesquisa o que
tem dentro do estabelecimento fechado, um rapaz passa caminhando com roupas
apropriadas, os dois se olham por segundos e nada pronunciam, ele anda por
esporte, eu, não sei porque caminho, suponho que para praticar os
pensamentos... o raciocínio também pode ser exercitado... mais adiante um
homem caminha com dificuldade, claudica, seus membros inferiores e superiores
estão fora dos padrões convencionais, uma mulher a seu lado incentiva-o, ele é
aleijado, seus membros superiores são definhados, e do lado oposto da rua os
despojos de uma excreção bem sucedida por um quadrúpede canino são
inelutavelmente postos em um receptáculo móvel transparente de plástico
maleável, os dejetos são polimorfos pelo que capto binocularmente, foram
expelidos em frente a uma mureta abafada e desprotegida por uma tênue camada
de trepadeiras verdejantes, sinto o solo tremer ao passar um grande veículo, e
não é por acaso, estou sobre uma micro ponte, os que a projetaram, previram o
fluxo constante de veículos pesados, e para evitar fendas ou desabamento este
tipo de construção tem de evidenciar certa flexibilidade, pois se fosse
completamente rija se fenderia facilmente, lá embaixo nem um veio de H 2O,

desviaram o curso do caudaloso imputado pelo abastecimento do líquido incolor


potável deste e demais municípios próximos, um anuro morto colado ao asfalto
como uma figura e outro vivo pula da calçada para um terreno baldio e
inconquistado por ele, o desbravará à procura de insetos alimentícios, e pensando
em insetos lembrei que hoje uma dedetizadora irá ao prédio, um morador
reclamou, não sei que tipo de insetos ou animais coabitam com ele, pois em todo
o prédio não há vestígio de animais ou insetos, porém, isso é imprevisível como
todos os seres humanos... imprevisíveis em pensamentos e atos... passo por dois
homens com roupas amareladas atingidas por gotas de tinta secas de variadas
colorações, provenientes de outras experiências pictóricas, discutem como e por
qual parte da construção analisada previamente começarão a pintar, a deduzir
pelo tamanho da obra o proprietário gastou uma quantia exorbitante de capital, e
enquanto os supostos pintores conversam, um deles aponta para a parte superior
do primeiro andar da casa, presumo que tenham calculado a quantidade certa de
tinta a ser usada por metro quadrado, serão necessárias dezenas de litros, apesar
da pintura ser algo supérflua ela protege as paredes como uma fina, mas
resistente película das moradias, que todo ser humano precisa, ao lado uma
mulher desce do automóvel portando uma máquina datilográfica e a leva para o
estabelecimento com uma escassa quantidade deste tipo de instrumento... já na
rua do prédio onde mora... não sei se um dia nublado diz muita coisa, mas por
meio desta atmosfera sinto com mais intensidade sentimentos ferais que
preconizam a falência de uma pessoa derrotada, a derrota com tudo o que se
conquistou é a pior, porque é aquela que demonstra verdadeiramente a inutilidade
da vida, não é um pensamento de auto depreciação, mas sim um modo de
mostrar a realidade sem máscaras... em qual dia cairão não sabe, mas
certamente... as pessoas que querem mudar uma situação inelutável através de
mensagens de auto ajuda perderão suas máscaras, ah! Se os seres humanos
tivessem consciência do seu próprio fim e não se alienassem tanto à vida... a
criança à sua frente já aprendeu a amar a vida... o garoto puxa seu carrinho de
madeira preso a uma corda e se diverte com as seis rodas que giram igualmente
através de complexos movimentos rotatórios em sentido horário dos tic-tacs das
passagens permutativas sintetizadas sibilantes simples e siderais, mas sei que as
atribuições parassintéticas deformam a imagem vislumbrante de uma nota musical
exalada das rodas de madeira cores amarelo fluorescentes aromatizadas em
perífrases atrofiadas de um cérebro insano peristáltico infantil a correr com o
míniveículo, anda aos solavancos e eflui pensamentos retumbantes a explodir em
ostentações inefáveis, espreitando calmamente o desfechar de duas canções
agonizantes dos sistemas de amortecimento apropriados não existentes com seu
clímax previsto num brado de crepitantes e austeras batidas na porta da vida na
qual o menino abre e retira da cabine uma réplica muito tosca de um motorista,
extenuar-me-ia eu diante de tão esbelta canção? Sim! Esmoreço e derreto em
circunlocuções expandidas no chão de cristal sinistriste de um folguedo simples e
rústico apropriado para crianças da idade do dono que não se importa em destruir
sem querer uma nuvem solitária no céu azuladocicado de uma nota grave do
violoncelo orquestral estratragemático seco e quebradiço nas faces das miríades
de foliáceas que piso atrozmente intimidando as coisas simples, que raras vezes
não são as melhores para quem não aprecia a vida sob esse ângulo, se eu
pudesse controlar o veículo com minha imaginação nos ares de interpretações
extemporâneas desenvolvidas de minha inextensabilidade micruniversal o boneco
estaria vivo, dirigiria o caminhão até aquela rocha inflexiva insondável e antes de
colidir acionaria um banco ejetor e se salvaria com a sublimidade de retornar à
terra planando com um pára-quedas, certamente a fantasia é imprescindível em
alguns momentos... abre a porta do prédio vagarosamente e entra... meu
pensamento é uma força não material, transcendente em si próprio,
provavelmente cria o ser dos objetos concretos e absortos, entretanto, a
probabilidade é transmutada em certeza no momento em que tenho consciência
primeiramente de mim para depois chegar a conclusão de perceber fenômenos,
objetos inertes e seres vivos em diversos locais... sobe novamente a estrutura
escalonada, observa tudo, imagens, cores, espaço... tudo faz parte da consciência
abduzida pelo pensamento, contudo, não compreendo se é algo que se passa
dentro ou fora de mim, o estar consciente, sei que os pensamentos são estímulos
nervosos cerebrais, mas a certeza da consciência se passar tanto dentro como
fora do corpo é a questão, por isso tenho de saber o que é ela, seria a essência de
tudo existente, percebido, analisado, ou é a própria essência dela e tem mais
poder que o próprio ser para avisá-lo se está certo ou errado?... entra numa
questão ética... pois se até a verdade pode e tem de ser refutada, qual seria a
utilidade dela? Qual a certeza da verdade, se num dia qualquer pode se equivocar
e ser refutado o racional que a proferiu? Mas é com erros e acertos que a
humanidade caminha para sua evolução intelectual e enquanto não se saber a
verdade cabal de todas as coisas materiais, intelectuais e acima, as tentativas tem
de serem estudadas e expostas para posteriores contestações, aliás, enquanto o
homem sentir vontade de formular e engendrar novos modos de compreensão da
realidade, sempre haverão os que intelectualmente sentirão a necessidade de ir
mais a fundo do que o imaginado e inefável para corroborar ou contestar os
processos aplicados... encontra a senhora Marvi subindo as escadas em um
estágio mais avançado que o seu carregando um pacote de pães, ela olha de
onde está para baixo e o avista se movimentando escada acima, percebe que ela
pára... olho para cima e então calculo que ainda não chegou, mas parou não sei
por qual motivo, elevo meus oculariórgãos e a vejo agora com um sorriso na face,
me cumprimenta e entra... ao passar pelo apartamento, o casal de decrépitos está
saindo, enquanto Hui trava a porta a senhora Marvi o convida para passear...
pensei que agora iriam deglutir os pães, e não sair, mas a senhora Marvi deve tê-
los comprado para fazer bolinhos de carne, ela sempre faz e ensinou à mamãe
que a massa destes pães liga as moléculas da carne bovina moída, esses dias fui
frigir uma quantidade de carne moída sem a massa dos pães e todos os bolinhos
se dissolveram, mas se coadnudaram novamente no meu estômago... retruca ao
casal que não, de modo tétrico, e justifica que vem de um, em seguida aconselha-
os a levarem guarda-chuvas, mas respondem que não será preciso, Hui pergunta
se está tudo bem... com um sorriso sem graça digo que sim... ambos dizem que
os pais dele saíram e deixaram o recado de que logo voltariam... abro a porta do
apartamento, escarafuncho todos os cômodos e não encontro ninguém, levaram a
pequena àquela praça para brincar com suas amiguinhas, incrível que não pensei
em suicídio ontem, mas hoje é o dia, os móveis dos cômodos estão totalmente em
ordem e permanecem no mesmo local, mas são os de ontem? A estante, a tela
plana, a poltrona, a mesa de centro da sala, como tenho certeza de que são os
mesmos se alguém poderia tê-los trocado enquanto eu não estava? Mas para que
isto não aconteça, marquei alguns objetos onde somente eu sei, fiz quando não
havia ninguém em casa, papai é quem se preocupa em ordenar os objetos, mas
por que a ordem? Como os objetos, nos locais onde foram colocados, poderiam
estar em ordem? Por que não obstam as passagens? E mesmo se estivessem em
locais que dificultassem a passagem não a impediriam por completo, pois os
cômodos são maiores que os móveis, mas se estes últimos fossem colocados em
frente às portas com certeza as obstariam, mas essa não é a questão, e sim o
porquê de conjeturar que os móveis e objetos estão em ordem, pois não poderia
se colocar o guarda-roupas na sala, e por que não? Se o local para trocar as
roupas pode ser o quarto, o banheiro ou o closet, mas por que repentinamente
minha mente ficou povoada de questões desordenadas e supérfluas? É um dos
métodos que o subconsciente usa para desviar os verdadeiros pensamentos de
não concluir o ato, quais os pensamentos que posso considerar verdadeiros ou
falsos? Pensar que vivo é verdadeiro? Viver na realidade é verdade, ou viver, na
verdade é a realidade? O que é viver? E morrer é perder a vida ou ganhar a
morte? Jogar com a vida eu posso, mas sempre perderei para a morte, não há
outro caminho, é a única certeza que tenho, até pode acontecer algo absurdo
quando executar o ato, entretanto, as probabilidades são míseras... vai para seu
quarto, melancólico e angustiado, hoje percebeu que não é nada do ponto de vista
da morte, apenas um ser comum dependurado numa tênue linha da vida, com isto
descobriu uma virtude que hoje é tão difícil para muitos, a simplicidade... apenas
demonstrou que não sou absolutamente nada no sentido de que posso morrer a
qualquer minuto, a morte é para todos, mas a compreensão da vida é para
poucos, portanto, tudo o que sei é demasiado supérfluo... para quem não sabe
nem porquê existe... busco incessantemente e sem sucesso minha utilidade e o
sentido da vida e a única certeza que tenho é que minha vida será abarcada pela
paciente morte, então por que adiá-la? Apesar de ter percebido o mundo de
maneira espetacular hoje, meu intento em relação ao dia marcado anteriormente
não mudou... deposita o isqueiro, e a fita k7 em cima da escrivaninha, destrava a
gaveta superior direita e extrai um papel vermelho próprio para o embrulho de
presentes, manuseia-o com cuidado para não amassá-lo e reveste a fita k7,
depois retira uma fita verde e faz um laço em torno do presente e o deixa sobre a
escrivaninha, abre a gaveta inferior direita e retira um estojo, vai até a cama e
senta-se defronte à janela... as janelas das cortinas se abriram, o outono chegou e
não vejo o sol, as árvores estão com suas folhas sem seiva, amareladas, como o
teto do quarto que agora possui estrelas brilhantopacas e reluz em uma nova
moradia entre as antenas que não transmitem sequer sons como os que eu posso
pegar e deglutir, seus gostos são variados, gostos azuis, negros e amarelados, a
voz que escoa de lugares fechados do cerebelo percorre todos os cantos do
planeta redondo que não vejo, mas acredito que seja com o vento das janelas das
cortinas balançando que se expandem, os postes não se balançam e não podem
ser derrubados com machados ou moto serras como as árvores que dão a luz de
sua beleza natural, indiferentes das dos postes, artificiais, o cheiro doce os
açucareiros com díspares asas não pousam ao rodopiarem junto a um furacão,
em vez de estarem à mesa para o chá, que não precisa ser adoçado, mas se não
for preparado com os ingredientes fúngicos pré-selecionados rigorosamente é
provável que precavenha uma nefelóide colorida como os canídeos enxergam,
mas não a vêem pedindo para que a sigam em um sonho infestado de desenhos
dançando e trabalhando normalmente como se fossem seres humanos,
entretanto, não sei se ambos vivem, pois a vida é uma incógnita e a morte a chave
da porta que abre as respostas que podem, como não podem existir, porque o
incogitável ainda não alcançou as alturas de tais questões incólumes de serem
replicadas, e no entanto, é mais fácil as pessoas serem convencidas por outras do
que por elas próprias, atualmente constato muitas alienadas por outrem sem
perceberem que são convencidas ou levadas a crer que fazem a coisa
verdadeira... os pensamentos ficam cada vez mais confusos, a loucura se apossa
da sua psique voluntariamente... o cheiro dos cartões e das folhas impressas
recentemente é forte, mas cada tinta tem o ser odor rosa e violeta da luz
astricolorida imperceptível aos oculariórgãos que ouvem sorrateiramente as
desesperanças de meu imo e as transporta para o exterior falando através dos
sons dos cílios, como os daquela garota que vi, pintados na base com lápis preto,
é o que os seres feminis usam com freqüência, além é óbvio, de outras
maquiagens que presumem elas serem essenciais, apenas um ato de exibição
burocrático que não é necessário em repartições públicas onde o público não é
habituado a visitar pela ilusão de que tudo está bem... abre o estojo e retira um
revólver, carrega o tambor da arma de seis, com cinco projéteis, roda-o e fecha
lestamente... a morte se aproxima a cada segundo passado ou advindo, cada dia
que passou pensei mais nela, agora sinto uma ansiedade mesclada com um amor
intenso, meu corpo soa, as batidas cardíacas aumentam, quase nada se passa
nos pensamentos, o peito parece explodir de regozijo... rejubilantes sensações
sentimentais dos momentos que antecedem uma morte premeditada... praticar o
ato é minha maior liberdade, e a tenho no estado mais puro, daqui a instantes não
serei mais eu e nem outro, vejo o cano da arma se refletir no meu óculos pela
parte posterior, agora é só apertar o gatilho e... ouve um ruído seco, nada... vivo,
é, talvez, talvez a vida me ame!... e chora, chora... este sentimento último é
impossível de definir, é um momento que nunca mais sentirei, só quem pratica o
ato saberá, é engendrado subjetivamente e não faz parte da sensacional realidade
imposta e captada por todas as minhas faculdades de sentido hoje, momentos que
antecederam e confirmaram minha liberdade e demência total ante a alienação de
pertencer unicamente a mim, e a angústia toma uma proporção desmedida na
minha massa cinzenta... em quanto tempo todos estes pensamentos e
sentimentos se passaram? Não sabe, mas esta questão será empregada em
ocasião posterior... espero que a morte não choque muitas pessoas, afinal,
expressão é uma coisa e prática é outra completamente distinta... apenas palavras
e não induções... apesar dos vocábulos conterem uma espécie de persuasão e
encorajamento agora isto não tem preponderância, o ato está aqui, e eu o
praticarei novamente... então encosta o metalicano gelado na fronte, engatilha
novamente e... a arma falha!, joga-a na cama e olha para a janela semi-aberta,
nos seus pensamentos traspassam as notas latejantes de uma tuba e fonemas de
dor de uma sinfonia azuleroxeada são captados sub-repticiamente, uma sinfonia
fria e distante, como em noites no período de lua cheia, enorme como o
comprimento das ondas sonoras mareantes e torturantes que batem nas rochas
de uma praia desértica de uma ilha inabitada, a influência do som as torna
sinistristes para o restante do mundo... o restante do mundo neste momento, as
pessoas que caminham com um rumo designado, suas vidas, iniguais à minha
tétrica, são alegres, não sou agora o que jamais fui... levanta-se e avança para a
janela, correndo dessemelhante ao compasso da sinfonia executada mentalmente,
e atira-se de costas... ainda ouço o estilhaçar espargido da vidraça mesclado com
a tuba... e repentinamente a réquiemelodia cessa...
PARTE 2
Camile

Não distante do prédio e em seu quarto, está decidida a não tolerar mais a
situação desagradável e degenerativa similar a falência de um sistema fisiológico
ou um órgão de uma estrutura corporal, e por mais que lute contra, nega êxito,
refletiu e agora estuda meticulosamente a mudança e as conseqüências do ato
que atingirá psicológica e sentimentalmente sua família... é o propósito, no
intermédio de meus vinte e três anos, eu, um ser feminil nas entranhas de uma
família abastada de valores morais, pecuniários, sentimentais, enfim, dos
princípios que são constituídas as famílias, dubitativo... não alega motivos para
fazer reclamações quanto a bens materiais inerentes a uma jovem de sua idade,
tudo almejado veementemente é conseguido, mas há uma, somente uma
perquirição trivial de complexa resolução em seu órgão pensativo... Por que
viver?... excepcionalmente esta única fagulha fez despertar situação análoga a
uma combustão para posteriormente se transmutar na detonação da discórdia e
da melancolia, surgindo em sua desordenada e desacreditada massa encefálica
uma seqüência torturante nos seus pensamentos que partem de um axioma
altercante procurando formular um comparativo com a realidade e a vida, e
presume que a morte e o absurdo sejam a ausência destas duas incógnitas, uma,
que a realidade é algo insuportável e incompreensível, e outra, que sua vida não
possui direção e vetor algum... agora não é mais preciso tergiversar sobre a vida,
que, ligada por um complexo sistema preponderante de órgãos e pensamentos
tenta resistir ao tempo, mas obtém somente desesperanças... no seu caso...
também suprimidas, não tendo medos, preconceitos e outros sentimentos de
repulsa ou imaginações sobre além desta realidade em que vivo, concluo que
existir não tem mais sentido a partir do momento em que a pessoa percebe que os
escopos por ela formulados podem não se realizar pela própria contingência da
realidade, então, descobre-se um motivo e não o sentido de viver, é esta incerteza
ante o futuro que a torna única e ao mesmo tempo melancólica, e num instante
qualquer posso não estar mais aqui, viva, por isso quero e tenho de literalmente
extingui-la através de um simplório corte com uma maleável lamínula de aço
inorgânica, e isto não pode ser procrastinado por nem mais um átimo, ou talvez...
envolta em uma espécie de taxidermia letárgica parte para a ativação de seus
pensamentos, inicialmente terá de programar a hora certa para não aparecer
alguém e interromper a ação, pensa incessantemente o quanto burlesca seria a
cena de ser encontrada agonizando em um cômodo da residência ou em seu leito
com os lençóis avermelhados, resultado do fluxo constante de glóbulos brancos e
rubros suspensos no plasma, constituído de fibrinogênio e soro, sangue, vertendo
de ambas as artérias radiais... sucederão milhares de minutos até a perda
incondicional da realidade, da memória e consequentemente da vida, mas este é
apenas um, de vários métodos... calcula que passará aproximadamente três mil e
seiscentos segundos, uma hora, agonizando, ou como nunca sentiu, poderá ser
uma morte agradável, contanto que abandone o planeta onde seres possuidores
de uma cadeia de juízos logicamente articulados vivem juntamente com
irracionais, vegetais e objetos, mas não se preocupam em compreender qual a
essência da realidade, ou de modo simples investigá-la, está satisfeita a respeito
dessa ilação formulada, agora resta esperar para ficar sozinha na moradia e não
haver nenhuma interrupção para o início do tão almejado plano, mas nesta noite
cambiando concepções intelectuais múltiplas não consegue definir uma data ou
hora para isso, pois se sua vida é imprevisível como o futuro, o melhor será viver o
presente, a morte com certeza ocorrerá sem sua decisão e para não recorrer ao
esforço de sair da realidade com métodos dúbios e bases não muito sólidas,
começa a tentaculizar os milhares de imprevistos anelados... os que ocorrem com
maior notoriedade e no meu caso podem ser desde uma eletrocussão com uma
corrente de 220 V, uma colisão com um veículo no dia seguinte, um latrocínio com
algozes, até um ridículo tropeçar causado obviamente por um agente externo,
debilitando a solidez do meu equilíbrio e sobre uma matéria rija e coesa qualquer
sofrer um traumatismo craniano... tudo emerge daquele encéfalo inquieto e
perturbado nesta noite aparentemente sem fim, ou melhor, apenas começa, com a
insônia habitual... quanto mais se deseja a morte mais a vida demora a avançar
nos meandros da ininterrupção do tempo, o maior motivo de pensar insistente e
sucessivamente na morte é a não contenção da realidade, esta na qual já não sei
se é perceptível ou onírica, eu e minhas intermináveis imaginações, qual é o
tempo do pensamento se não há como saber em que tempo e espaço o absorto
se passa?, irei dormir para olvidar ou eliminar estes sentimentos e reflexões
consternadores que afligem meu imo, meu lobo cerebral esquerdo deveria exercer
as outras funções que lhe são incumbidas com mais peremptoriedade em
ocasiões mais importantes do que dar maior aplicação aos sentimentos, padeço
tanto com este estado moral, resultando em debilidades físicas, tenho de dormir e
não pensar, impossível não pensar, não consigo ficar com o cérebro isento de
pensamentos, vazio como o vácuo, isso ocorre quando não se vive mais...
inexistência, inócua inexistência... amanhã fazer o quê?, sem preocupações pois o
futuro tem um presente para todos, único e indesejado, embrulhe para presente
por obséquio, quero papel vermelho e laços verdes, morte encaixotada literal e
metaforicamente... féretros... encaixotada com a morte, tenho medo de esquifes,
entrar em um deles, a melhor forma de combater o medo é enfrentá-lo, eu deitada,
espumas laterais macias envoltas com panos brancos, branco, uma amálgama de
todas as cores, tampa com forramento, mas por que alguns são estofados
também na tampa?, capricharam no acabamento desta, madeira esculpida
entalhada à mão, proferirá o vendedor em tom grave e ansioso para que meus
genitores adquiram, vendedor néscio, e qual seria a outra forma de
entalhamento?... para que demasiado luxo, afinal partir para a inexistência é
imprescindível mesmo, sonhos e mais sonhos, alguns realizados outros não, mas
para que serviram?, olhem para onde todo ser caminhará, este é o verdadeiro fim
da senda da vida... sempre me imagino em uma situação esdrúxula de presumir
que meus pensamentos subsistirão de alguma forma para ver todo o processo
exequial, no entanto, sucumbem ao estarem abstraídos de meu corpo?, imagino
que sim, pois fazem parte dele, ambos perdidos no espaço e tempo universal
porventura, todos têm medo do que não conhecem, a morte eu não conheço, por
que tenho medo do imprevisível e não da morte mas desejo-os?, personalidade
maníaco depressivo-compulsiva, resultado de níveis de serotonina abaixo do
normal no cérebro, mesclado ao estado de transtorno bipolar, diagnosticada
precocemente por um psiquiatra no pretérito, inferiu olhando por sobre o ombro
direito do meu genitor naquela clínica, descanse consciência, cerrar as
pálpebras... isso... não consigo, esta execrável insônia, preciso me ausentar...
perscruta o relógio digital com os números em forma de bastonetes horizontais e
verticais avermelhados a projetar um brilho débil sobre um fragmento da tábua
superior da cômoda que o sustenta centralmente, levanta do leito, veste-se
rapidamente enquanto ausculta a contenda dos pingos de chuva com o telhado...
chove lá fora, lágrimas das nuvigasosas... coloca sua capa de chuva, abre a porta
do quarto... ninguém na sala, todos repousam profundamente... chega à porta de
entrada principal, abruptamente gira a maçaneta, abre a porta e desaparece no
espesso negrume noturno, não sabe para onde ir, mas anda, as gotas batem e
fazem um barulho estranho na capa como de pequenos meteoritos que caem
sobre ela, passos lépidos e lucífugos numa noite chuvosa... quem seria tão
insensata a ponto de caminhar sem uma trajetória antes projetada?, dobrarei a
próxima rua à esquerda, aparenta ter menos incidência de luz, na calçada
pedaços de poliuretano, celulose esfacelada e talvez resquícios de regurgitações
espasmódicas de um indigente, alguns submergidos, outros flutuando em uma
poça de água plácida até o fomentar das gotas da chuva, atingida
sequencialmente por miríades delas numa noite, aliás, será que uma gota de
chuva cai no mesmo local?, descartando a possibilidade de não serem
fomentadas por massas de ar que se deslocam continuamente... mas ainda assim,
o planeta terra está em movimento no espaço e os aglomerados de partículas
condensadas de água em grandes altitudes estáticos, ou não... meu revérbero jaz
ali, naquele pequeno espelho aquático de pingos contidos na calçada... obsta no
começo da rua que vai adentrar... passagem escura, em ambas as laterais
elevam-se paredes alcandorantes de prédios, todas assimétricas devido as
disparidades na quantidade de andares peculiares a cada estrutura, sufocam
minha visão, até o fim da vereda posso contar as lâmpadas que a iluminam, duas
no total de cinco, em ambas as laterais... mobílias desmontados carcomidas e
receptáculos móveis de plástico oblongados com excesso de lixo, tudo amontoado
em um nicho... dispêndios alimentícios de sobejo para qualquer animal que vive
nas ruas... ondas sonoras provenientes de um possível atrito intersticial de objeto
ou animal não identificado... algo se dinamiza entremetido naquele montante...
subitamente um pequeno crânio envolto em pêlos negros com auriculariórgãos
espevitados, erigidos por um pescoço de tecido adiposo e muscular precário,
desponta... globos verdes semibrilhantes de animal surpreendido e afoito,
pequenas lanternas, é complexo enxergar em tons de cinza, apesar de que as
cores nada significam e são de somenos importância para ele, melhor enxergar
em preto e branco do que não possuir esse sentido, se bem que este tipo de
animal se guia por seus bigodes, funcionam como um radar natural em locais
escuros... com um salto o fléxil felino negro destituí-se de seu esconderijo e lesto
atravessa a inóspita rua, um muro alto é seu desafio... a força de impulsão deste
animal é inverossímil, primeiro gesto, eleva a cabeça analisando a força de
propulsão para saltar no óbice, segundo gesto, patas traseiras contraem-se,
músculos e ossos desempenham sua função magistralmente, em questão de
instantes suas precipites patas desfilam sobre o muro, mira o local de aterrisagem
do outro lado e... desaparece na obscuridade da noite... neste átimo muitos
racionais dormem seu sono de sonhos que talvez nunca se realizem, porque a
abominável vida, intumescida de esperanças pode interromper seus intentos no
momento em que bem lhe aprazer os entregando à morte, mas por outra
perspectiva, sem vida nada existiria, nem mesmo a inexistência, pois tudo que
sinto e cogito não seria engendrado, o nada em sua totalidade no ponto de vista
concreto e abstrato, e se obtivesse uma definição coerente sobre o nada, saberia
como este universo desconhecido teria surgido, mas me atrevo a divagar que,
mesmo por modo de uma base estiolada, uma força indelével jamais presenciada
se encerra no nada, e será deslindada somente quando o ser humano se
compreender integralmente... este assunto aborda coisas desconhecidas e de
extrema importância... onde desemboca essa rua?, vejo um resquício de luz da
principal por onde passei anteriormente, lembrei de uma cena presenciada ontem
naquele bar mal iluminado, um jovem de epiderme trigueira fitava tudo e todos
com minuciosidade descritiva, diria eu que estava em um estado de introspecção
em seus absortos, passou a impressão de que queria obter uma explicação para
cada objeto e ente em seu raio de visão... maneira plausível de conviver nesta
vida por vezes prestidigitadora desmedida de ilusões... entretanto, a realidade é
intrínseca no seu modo de compreensão para cada ente, mas, idêntica para todos
em sua representação, como por exemplo... perplexa pára em frente a uma
parede e contempla um desenho insigne... eu compreendo a gravura de uma
forma, porém, outra pessoa o compreenderá de maneira discrepante, diferindo
conforme o grau de cognição, inteligibilidade, instrução e outros fatores, mas
investigaremos a mesma pintura, observo esta e constato que desde os tempos
remotos o homem têm a necessidade de se expressar, a história da arte é um
método de explicar tais transformações ocorridas ao longo da evolução individual
e coletiva das formas de pintura que se aperfeiçoaram conforme os métodos
empregados, e, as artes em geral podem nos apresentar várias formas de
interpretarmos os aspectos da vida e da realidade das épocas conforme se
desenvolveram progressivamente, também gosto da arte cênica trágica... avança
um passo à frente para fitar melhor o tipo de contorno e preenchimento da
ilustração iluminada por uma das escassas lâmpadas acesas, sente que pisa em
uma substância pastosa, a perscruta e percebe uma tonalidade escura, levemente
amarronzada, eleva seu calçado ao sentir a delgada pegajosidade com o cheiro
característico... excrementos de algum irracional, muitos símiles tem asco dessa
substância ao verem as próprias depois de evacuadas, outrora seu alimento que
permaneceu por indeterminado tempo no intestino delgado, órgão extrator e
metabolizador de todas as proteínas, glicídios, sais minerais e outras substâncias
essenciais para o funcionamento do organismo, o intestino grosso é
indubitavelmente o órgão responsável por encerrar e evacuar os restos de
alimentos, todos os racionais e irracionais vivos são submetidos a excretá-los
obrigatoriamente, formando uma pasta similar a esta, sempre quis adstringir meus
excrementos para sentir sua composição e homogeneidade... fita atentamente os
traços da figura e nota o uso de tintas pulverizadas, pela forma de como se
aderiram à parede já úmida pela chuva, toca com os extremos das digitiformas e
sente a superfície da parede, o que terá do outro lado?, edificação altaneira esta...
passa seu calçado com a sola pastosa sobre a superfície de uma poça de água e
em seguida pisa contra uma parte quase seca do betume... pela consistência e
forma cilíndrica agora disforme, deveria ser de Canis familiaris... escatologia,
tratados e mais tratados acerca das coisas... em certas guerras os soldados
evacuavam sobre lanças postadas em uma depressão feita no solo cobertas por
uma armação de galhos e folhas de vegetais, armadilhas, pois excrementos
transmitem toda espécie de doenças... enfim, chega ao final da rua escura e sai
em uma avenida sem o contínuo fluxo de veículos transitando pela esteira negra
em menor número nas horas iniciais da manhã... somos nossos próprios
pensamentos, abstratos, aleatórios, incompreensíveis, andando pelas ruas nas
madrugadas chuvosas, eu, sou apenas um pensamento noctívago sozinho,
atingindo a transcendência da realidade ao observar o céu aduzindo gasodensas
nuvens onduladas que despejam seus flácidos pingos crivando a crosta terrestre
de estigmas deléveis em marulhos escumantes, engendrando relâmpagos
estrepitosos prorrogados com os trovejares e aragens intumescidas de longínquas
estâncias fragosas inóspitas, impelindo-se em direção ao invólucro protectivo do
meu corpo e tornando minha caminhada difícil... depara-se com um edifício
ostentando na parte frontal, abaixo do ângulo superior do telhado, duas peças de
metal atravessadas perpendicularmente, a maior na vertical e a menor postada na
horizontal, propelida pelo símbolo inicia uma crítica à santa inquisição... a igreja
prolatava fazer o bem pela humanidade, no entanto cometia as mais terrificantes e
inumanas atrocidades contra a vida dos que não a seguiam, o que
constantemente defendia e advoga hodiernamente é a vida, notória e perceptível
controvérsia, porém, na época não refletiram sobre isso, e como possuía um
poder de persuasão excessivo gerado pelo medo, geralmente praticava o que
intentava... o resultado foi notável, inúmeros seres humanos sacrificados pelo bem
da religião, os considerados hereges foram queimados, enforcados, torturados em
câmaras sombrias por algozes... vidas foram extintas enquanto a vossa santidade
no vaticano em seu ritual eclesiástico placidamente entornava sua taça de vinho...
tempos obscuros que permanecerão na história, hoje, indústrias rentáveis de
padres e pastores, como antes, mas de forma dissimulada, seriam coletores de
almas para sua crença, ou de impostos dos motejáveis e rentáveis terrenos
infundados dos céus?... está com as portas escancaradas, portas abertas a
tragarem almas desavisadas, fiéis presos à dogmas não notam a perfunctoriedade
da entidade religiosa, esta que realmente deixou e deixa grandes estigmas na
história da humanidade... divindades não existem... o ser humano não nota que
ele próprio se prejudica por crer em coisas que não tem certeza, prejudica-se ao
se auto-anular perante divindades inexistentes e religiões pregadoras da
existência de um ser melhor em todos os aspectos, seu intelecto ainda não está
completamente desenvolvido para perceber que tudo que existe, inclusive ele, é o
próprio pensamento e nunca chegará a evoluir totalmente, terá o infinito para
aprender e apreender, ou seja, cada vez que ultrapassar a si mesmo estará
propenso a descobrir e estudar suas situações ainda mais complexamente, e
algumas pessoas são incapazes de admitir que são as únicas causadoras das
suas situações, mas como elas e nem as situações são perpétuas... a partir do
momento em que não existir mais nenhum pensamento sobre a face da Terra tudo
que se encontra no universo não-será mais para a humanidade, provavelmente
isso não acontecerá, porque insistem em se multiplicar mas não percebem que
são responsáveis por seus próprios futuros e ainda, pensamentos livres!... vejo
sempre um corpo morto pregado naquelas hastes, o homem cria deuses para
demonstrar sua incapacidade de vencer a si, acredita em coisas cegamente com
tantas convicções nunca cogitando na possibilidade de que não nasce crendo, as
crenças e limites são impostos durante a vida, fragmento de meros e débeis anos,
em que existe e concepciona algo, entendo que somente por meio de uma
evolução prolixa as crenças cairão por terra e espero serem soterradas para que a
humanidade veja um novo alvorecer, o alvorecer do esclarecimento mental,
destruidor de todos os jugos dogmáticos da existência presa a alguma crença,
somente quando todos estiverem prontos e aptos a saberem quem são e o que
são, darão um incomensurável passo para o seu pensamento realmente pensar,
são capazes de criar coisas únicas e não percebem isso, o ser humano é um ser
pensante e pensado, mas esquece desta grande característica e se torna apenas
uma ilusão, frustrada, patética, e para libertar-se muitas vezes de si mesmo, desta
angústia que o abarca desprevenido, distrai-se, e sua necessidade de distrair-se
alcança cumes da loucura que o faz apenas aceitar, nunca indagar, como chamo
essa cegueira?, denomino-a fé, a convicção com que se acredita em algo tolhe as
possibilidades e as dúvidas da imaginação, da razão, descambando na loucura
cega da crença... mas a descrença não é o niilismo, é apenas uma entrada para o
cepticismo... tenho de ser céptica, pois se somente aceitar as opiniões sem
contestá-las, claro que com bases conceituais e avançadas sobre o que será
refutado, meu pensamento estagna e definha-se... e acreditar no que se sente ou
raciocina é uma das coisas mais difíceis de quem é dependente de outro... por
isso penso, gero, sinto, não sou como uma máquina e nem posso me equiparar,
enquanto viva sou o ser mais perfeito existente, pois posso gerar o perfeito, agora,
o conceito de perfeição depende da concepção individual, este conceito
mecanicista do corpo não é muito estimado por mim particularmente, pois para se
criar uma máquina se consegue os materiais na natureza mas não para uma vida,
e não imagino como engendrariam um órgão, uma célula, ou os inúmeros nervos
que captam ou enviam sensações ao cérebro relatando instantaneamente que
algo fora ou dentro do corpo não está salutar, no caso de doenças expondo pela
forma mais explícita, a dor, mas o cerebelo também é um emissário de
sentimentos e sensações através de glândulas, e expressa os pensamentos, o
órgão mais fascinante do corpo humano, controla até a velocidade dos batimentos
cardíacos, parcialmente, como ao levarmos um susto, o primeiro órgão que reage,
transfere o resultado ao coração e aumenta o ritmo cardíaco é o cérebro, e se não
fossem os pensamentos que posso gerar com ele, esta fútil vida seria um dos
piores tormentos imagináveis, mas quando não se tem consciência do
pensamento ou da razão, não se têm da vida, consequentemente também não
existe a angústia existencial, mas então qual o sentido ou valor da vida do animal
irracional?, ou até mesmo da minha?, ainda vivo porque penso, e penso em
possibilidades de como tornar essa enroscada o menos desagradável possível,
possibilidades de exterminá-la tenho muitas, e plena liberdade de fazê-la quando
quiser, mas o animal não, a chuva não oferece uma suspensão temporária, nem
total... vira à direita em uma rua lateral interligando-se com outra cuja continuação
está obstada por um velho edifício, escruta com minuciosidade e nota que há algo
jacente na calçada, aproxima-se com cautela e depara-se com o pequeno corpo
de uma menina aparentando quatro anos, cabelos compridos e louros,
imaculada... visualizo a fachada do edifício e deduzo a direção, o corpo caiu de
um daqueles parapeitos isentos de proteção... sente-se constrangida ao notar
vários olharimaginários sutis e curiosos por entre as persianas das janelas das
casas vizinhas, no prédio há uma sem persianas ou cortinas e repentinamente
uma forma masculina aparece na penumbra... preciso sair daqui o mais rápido
possível, os edifícios parecem avançar sobre mim... estertorada pela situação
volve-se e avança com passos paulatinamente lestos, até inferir em uma
desatinada corrida por ruas que normalmente não transita... não é boa idéia andar
por locais na qual desconheço, voltar para casa, deitar, tentar dormir, meus
calçados não resistiram a chuva, andar com os membros inferiores e suas
extremidades encharcados causam certo desconforto... quando imagina seus
artelhos definharem com aparência similar a de uva passas, já encontra-se
próxima de sua morada... andei umas três quadras de distância e presumi que
estava quase perdida, ignobilidade a minha, não sair de casa muitas vezes por
motivo de melancolia, isto se torna um empecilho gradual, execrável melancolia,
se não fosse por este sentimento estorvo teria feito tantas coisas, mas o que, o
quê, me perquiro?, talvez pensasse e cometesse mais atos supérfluos como
várias mulheres de minha idade fazem... a porta com seu ranger característico
anuncia sua chegada sem alarde, dependura a capa de chuva molhada sobre o
cabide situado ao lado, pisa de maneira soturna no assoalho, a cada impacto
receptado dos membros inferiores, produz um som discrepante... aprecio som de
madeiras a relar umas nas outras... passa novamente pela sala... pequeno átrio de
ilusões onde toda família se reúne e confraterniza datas especiais... pondera os
móveis antigos mas não decrépitos, com acabamento e pintura impecáveis e
impressionáveis, uma estrutura com prateleiras enfeitadas por peças de louças
pintadas artesanalmente, segue no corredor sorrateiramente, abre a porta
lentamente e entra em seu quarto... meu cubículo de devaneios... o quarto abriga
uma cama, uma cômoda, sobre esta uma arcaica vitrola e uma cadeira próxima à
janela... assaz útil nas noites estreladas, se bem que durante o dia também estão
lá, mas como o astrisolar resplandece mais, ofusca-as, hoje não posso contemplá-
las porque as nuvens de chuva inoportunas obstaculizam o processo sublime de
suas luzes, provindas do passado, tenho de tomar a pílula mágica do sono, não
quero me tornar dependente deste remédio, apesar de ser da minha hipocondria...
abre a gaveta da cômoda cúbica... cubos e mais cubos, utilizamos porque são
capazes de reunir um grande volume, dependendo do tamanho do objeto
receptor... extrai uma pequena caixa, abre, retira uma cartela retangular, a parte
anterior aventa uma quantia considerável de saliências convexas agrupadas em
duas fileiras, cada uma com oito, alguns dos receptáculos vazios e outros com
esferas enegriovaladas, eleva a cartela a altura dos oculariórgãos receptores em
vista lateral de forma que a primeira fila com desfalques deixa transparecer os
comprimidos da obstruída segunda fileira, todos tem espaços de sobejo
eqüitativos, as ovaladesferas são de igual tamanho, fomenta a cartela e provoca
um barulho símile ao de um guizo, restringe uma das protuberâncias com um
comprimido depositado no seu interior e automaticamente a parte posterior rompe-
se e o remédio se separa da proteção, deposita-o sobre a cômoda com o cuidado
de anteriormente limpá-la, passa um pano seco e límpido que estava sobre a
cama... protegidos como eu em meu quarto, será?... reminiscências de um ventre
materno aconchegante, tépido, perfeito... enclausurados como meus
pensamentos, presumo que apesar destes serem abstratos estão incutidos até
que eu os expresse de alguma forma... na parte traseira da caixa constam
informações úteis sobre o fabricante, e acompanhando a cartela no interior, uma
pequena folha com letras diminutas e jargões médicos descrevendo a quantidade
de cada substância química contida nos comprimidos... cápsulas que interagem
com o organismo e com o sistema imunológico, conjeturo que este aja no meu
sistema nervoso... abre o folheto dobrado, posologia, precauções, indicação,
contra-indicações, composição, interações medicamentosas, reações adversas,
observa os tópicos de modo aleatório e conclui... pouco elucidativo para racionais
que não possuem nenhum conhecimento de medicina ou da sua enfermidade,
quem os indica são médicos... dobra novamente o folheto e o recoloca com a
miúda cartela na caixa, que concisamente será posta no interior da gaveta... os
objetos vão e vem infinitamente sem que percebamos a importância desses
ínfimos atos... no interior da gaveta também encontram-se diferenciadas caixas de
remédios discrepantes quanto a seus tamanhos e cores, fecha, abre a gaveta
abaixo... roupas, epidermes usadas sobrepostas à minha... cambia as suas
molhadas... e na outra gaveta mais abaixo, minhas roupas íntimas... perscruta o
comprimido e com as extremidades das falanges capta-o... o uso em conjunto com
água é imprescindível, necessito ir até a cozinha... levanta, vai até a porta, abre,
anda até a cozinha, chega e põe em movimento no sentido direito horizontal a
porta de vidro da copeira, abre-a e retira um copo, fita um objeto metálico cilíndrico
exposto e grudado à parede com uma válvula circular acima e contígua a
extremidade, coloca o copo embaixo, gira a válvula do objeto num ângulo
apropriado para que verta água perpendicularmente na pressão correta até que a
medida desejada esteja no recipiente, após ser preenchido ela o desloca em
direção à boca, deglute o comprimido e despeja água esôfago abaixo... estou com
fome... vira-se e mira o refrigerador situado na diagonal oposta à sua localização...
fora transposto há duas semanas, nas anteriores estava sitiado contíguo a esta
folha metálica inoxidável, côncava no ponto eqüidistante dos extremos, sobreposta
ao balcão de madeira com portas e gavetas, este último protegido da torneira que
verteu a substância líquida já ingerida tão necessária para a sobrevivência do
corpo, solicitador incessante de alimentos sólidos, o organismo habitua-se a isso
desde as primícias da formação, e todos os tipos de sistemas constituídos por
órgãos precisam de uma fonte de energia para seu pleno funcionamento, o
principal coordenador do requerimento dessas necessidades é o sistema nervoso
que, inextrincavelmente ploriferado em todo o corpo do ser humano, capta-as
através de uma série de ramificações nervosas interligadas que convergem para a
série de apófises da coluna vertebral, também responsável pela sustentação de
toda minha estrutura óssea, e, em direção à caixa craniana finda-se no bulbo
raquiano, ligado a parte póstero-inferior ou cerebelo, conectado na parte súpero
anterior do cérebro ou encéfalo que, integrado por subdivisões, como o
mesencéfalo, os hemisférios cerebrais ligados pelo corpo caloso, os inumeráveis
neurônios, que depois de usados jamais retornam, os lobos cerebrais e outras
tantas partes no átimo olvidadas, comandam meus vários atos... as partes físicas
conhece-se bem, agora a forma de como os pensamentos amorfos são
engendrados mentalmente é peculiar de cada ser, interferindo nos variados tipos
de personalidades e comportamentos... vejamos o que temos aqui... abre o
refrigerador... nada agradável a meu palato... então olha para a mesa que
sustenta uma bandeja com várias frutas, pega uma de forma arredondada e macia
com a casca marrom contendo diminutos capilares filamentosos abrangendo toda
sua tangência, lava e após a primeira mordida percebe a coloração verde clara
com pequenas sementes escuras no núcleo, degusta o vegetal sem celeridade de
consumá-lo, após, lava os pentadáctilos... agora consigo dormir, o remédio exerce
uma letargia quase instantânea sobre o sistema nervoso... titubeante chega a seu
leito, deita-se consternada, apaga a luz do abajur logo em seguida e
laconicamente dorme, ao passar de algumas horas, acorda de manhã, abre os
olhos vagarosamente devido a forte luz do dia e cortinas quase transparentes,
deixa aos poucos os escassos móveis de seu quarto tomarem forma ante sua
vista, presencia apenas o contorno de início e após um tempo os corpos materiais
claramente na sua totalidade, ouve ondas sonoras provindas de fora do quarto,
quase imperceptíveis, geradas por um aparelho eletrônico com seus respectivos
alto-falantes em caixas acústicas... alguém ligou o aparelho, maneira boa de
despertar numa manhã horrível de raios fulgurantes... vai até a janela, afasta as
cortinas e repentinamente uma rutilante luz heliocêntrica atinge sua face, tenta
protegê-la dos raios sem uma conseqüência plausível, porém, logo escruta poucas
nuvens carregadas enegrecidas distantes... menos mal, tenho a esperança deste
resplendor ser totalmente abolido das minhas pupilas, apesar da esperança ser o
último dos males a escapar da caixa de pandora... ao ir ao lavabo percebe que
todos ainda dormem... mas então quem ligou o aparelho?, no corredor um
calendário justifica o motivo de todos ainda dormitarem, hoje é término de
hebdômada, vou na biblioteca estudar sobre determinadas ciências efetivamente
interessantes... entra e escruta-se no objeto refletor... nada construído, família,
bens materiais imponentes, uma vida sem rumo, sem nexo e o desespero
aumenta, não me conheço e nunca conhecerei o bastante, vinte e três anos e não
vivi nada, nada, mas não iludo-me mais como no passado, o que o acaso e as
parcas me mandarem estará bom, seria melhor uma morte fulminante... o que a
preocupa é seu estado psicológico, patologias, fases que não ultrapassa, também
lucidez é sua preocupação constante, pois lucidez demais a induz ao cometimento
de atos não raciocinados... me olho no espelho, e vejo que o tempo passa, passa,
corrói as bases da vida e me desilude no presente, meu reflexo me desespera
porque não sei o que é isto do outro lado, um ser humano perdido em si próprio,
tateando uma saída para a sua compreensão, essa imagem sou eu, e sei mais a
respeito da imagem exterior do que sobre meu estranho âmago, mas a vida é o
que eu faço de mim... presencia um semblante pálido de pigmentação amarelada
com manchas lívidas na pele circunscrevedora dos oculariórgãos, relativamente
obtidas pelas noites mal dormidas, órbitas solapadas por globos enegrecidos na
região central, ou íris, e pálpebras puxadas pela própria epiderme do rosto em
direção aos auriculariórgãos... principal característica de minha ascendência...
cabelos à altura do maxilar inferior, lábios medianos dispostos metodicamente
com o nariz de porte pequeno e evidente pelo formato suave e harmonioso com o
restante da fisionomia, acumula em suas manipuladoras uma quantidade irrisória
de água devido ao tamanho delas e vagarosamente leva-as ao rosto, esfrega-o
sem força, seca-o e ausenta-se, coloca novamente as roupas utilizadas em horas
anteriores, já secas, menos os calçados... demasiado esmero trocar de roupas em
algumas circunstâncias, ainda bem que tenho díspares pares de calçados, não
suportaria andar agora com os molhados... lembra de usar absorvente higiênico
íntimo, pega certa quantia de capital, já na rua, depois de um período caminhando,
percebe que obliterou a identidade em sua residência, mas não concede a devida
valia ao fato... melhor se faleço como uma indigente, esquecida talvez não, os
consangüíneos constantemente guardam aquele amor patético pela prole, o astro
fere minha visão mas tenho de ir ao local estipulado desta vez planejado com
antecedência, não sei o que seria se o sol estabelecesse uma relação maior com
o planeta Terra, e isto vai acontecer daqui a mais alguns bilhões de anos... o
barulho incessante de veículos automotores passando a deixa afleimada... uma
galeria, ao menos para conter-me dos raios astrisolares, apesar de ser um
processo paliativo... entra... estaco e vejo uma senhora sem um dos membros
inferiores deslocada em uma cadeira de rodas pelos corredores do âmbito por
outra pessoa, também estou deslocada da realidade fútil e trivial percebida pelas
pessoas, pois não sou igual a elas que fogem e fingem serem felizes para si e
para os outros, vivo na realidade para estudar e desvendar seus vários aspectos
escondidos, e para isto se requer uma parcela de interesse por parte do
observador... a galeria possui vários estabelecimentos de materiais para costura e
aviamentos... roupas íntimas, jóias, este local parece direcionado a um certo
público, as mulheres, em uma das entradas pendem expostas algumas fotografias
para documentos, e na lanchonete ao lado uma linda jovem adiposa delicia-se
com alimentos gordurosos, consente que isso tem como coeficiente uma alta taxa
de colesterol em seu organismo e poderá sofrer graves conseqüências, como o
entupimento das artérias, resultando em uma taquicardia repentina, mas se ela
pensar nisso não se alimenta, no centro do corredor principal um relógio de
proporções médias, beira os 200 mm de raio, para que os passantes e
permanecentes possam ver as horas, eu o percebo com um valoroso conteúdo
subjetivo, de súbito me sinto estranha ao ver o ponteiro dos segundos tão rápido,
ele gira e eu não posso fazer nada, nada para contê-lo... cavalgada desatrelada
rumo a... morte, é o que vejo nele!, ela se aproxima para mim e para todos ao
mesmo tempo, nela o tempo não é relativo, se esvai com o pensamento no
instante, por que me sinto deslocada do tempo?, tempo de uma existência incerta
e certa quando se está viva, a vida também é algo estranho e abstrato, eu a tenho
mas não a controlo e a levo até seu fim, não sei defini-la, e para compreender a
morte tenho de estudar a vida, mas de que forma?, não no âmbito morfológico,
gramatical, e sim filosófico, a vida é uma preparação para a morte... qualquer
analogia grega é mero propósito... por qual diretriz começar o estudo da vida é a
primeira de quase infinitas preposições e indagações, a linguagem é um caminho
para a compreensão da vida presente, mas indefinível como seu oposto, a morte,
e os efeitos de todas na sociedade são enormes... atravessa a galeria e a luz
astrisolar retorna... como naquelas pessoas que deflagram impiedosamente
sorrisos sarcásticos quase imperceptíveis sobre aquele elemento de compleição
medíocre, entretanto, param quando ele se interposiciona com a face consternada
e galga a escada de um estabelecimento feral com persianas negras cerradas e
portas azuis escuras abertas, em frente as escadas um tapete deseja boas vindas,
exatamente a funerária que imaginei no prelúdio desta madrugada com meus
consangüíneos obtendo o féretro para minha inumação, o proprietário fez um bom
e duradouro investimento, pois quem não morre?, já aquele estabelecimento de
jogatinas grandioso, interditado por ordem judicial, é datado do início do século
passado, a placa com promessas de capital obtido facilmente permanece, vício
desagradável para os compulsivos guiados por sentimentos e ilusões de bens
materiais que jamais ostentarão após a morte, mais adiante, a mulher que sai da
revendedora de motocicletas tem no couro cabeludo escalvado um desenho feito
com agulhas e tintas geralmente introjetadas na epiderme, resultando em
trabalhos artísticos quase idênticos aos quadros dos pintores dos séculos
passados, não com tamanha perfeição, porque aqueles eram gênios, o desenho
consiste em um azul vago de mares esparsos distantes de encostas sobranceiras
com escarpas submissas aos píncaros reverberantes pela vermelhidão do
crepúsculo dúctil, e aves em revoadas imprecisas dardejam e atravessam nuvens
indefiníveis escumantes no céu, espargindo-se sobre toda a extensão do epicrânio
da mulher, não submissa ao parceiro do seu lado que a obedece sem
reclamações de ordens póstumas auxiliando ela a colocar uma jaqueta... depois
de um tempo passepisando incessantemente, perscruta uma jovem à sua frente
com as pontas dos pentadáctilos amparando uma pequena porção de tabaco
mesclada com outras substâncias não menos viciantes dobradas em papel espiral
especial com a extremidade em brasa já muito próxima do filtro... não compreendo
a utilidade do filtro se o tabaco é nocivo de um ou de outro modo, solta a fumaça
inspirada logo depois de uma tragada e joga o filtro marcado de batom rosa no
lixo, esta é a impressão de seus lábios carnudexcitantes para os homens que
estão dentro daquele estabelecimento onde bebem e falam mal da vida alheia,
investigam sua passagem com os capilares pavoneantes a provocá-los, afinal,
toda mulher gosta de ser desejada... e Camile atravessa a rua surpreendendo-se
com um Canis familiaris, conhecido normalmente por cachorro, a quebrar os ossos
de uma carcaça jogada pelo açougueiro que apoiado sobre o grande depósito de
carnes refrigerado esquadrinha o esfomeado animal, mais ao fundo do
recintaçouge, dependurados, pedaços de paquidermes defumados... o Canis
tritura com uma velocidade tão precípite que se engasga, sua garganta obstruída
força uma regurgitação de todo o alimento mastigado e depositado no estômago
como fuga da situação do organismo, e decerto é sua única refeição para o
restante do dia, porque retorna ao alimento expelido com mais volição que
anteriormente, a fome é um vício intrínseco tanto para os racionais como para os
não dotados de razão... chega a um edifício de porte mediano... na parte superior
frontispicial da biblioteca aglutinaram pedaços de azulejo e engendraram um
mosaico matizado com letras gregas... enfim livra-se da luz heliocêntrica e sente-
se melhor no silencisereno local... a sala de entrada é simplória, agrega um balcão
à sua direita com um guarda-volumes à disposição dos freqüentadores no caso de
alguém portar uma sacola ou algo que seja considerado um porta volumes, e um
objeto cilíndrico feito no meio do recinto indica os pontos cardeais da cidade, ao
menos era o que estava impresso naquele jornal na banca de revistas e outros
objetos de somenos importância por onde passei ontem à tarde... adentra ao
segundo compartimento do edifício... os responsáveis pela ordem e manutenção
dos livros nas prateleiras das estantes empenham-se guardando os restantes de
uma mesa com títulos de matérias escolares certamente recorridos por estudantes
de curso ginasial, mais adiante extenso número de mesas dispostas em sentido
aleatório ocupam o espaço de forma plausível, rodeadas por um conjunto de no
máximo quatro assentos com sustentáculos para a parte posterior dos troncos dos
usuários, toda a extensão relativa ao chão da biblioteca é revestida por milhares
de peças de madeira encaixadas sobre as lajes de concreto armado, formando
respectivamente a figura geométrica de um mosaico tetraédrico, referente ao
tamanho de cada uma das salas... ao entrar, algumas pessoas que lêem se
distraem, elevam os olhos e a seguem por um tempo em seu movimentavanço de
ataque no flanco esquerdo da sala de leitura e, constrangida pelos olhares
convergidos procura lestamente por um interstício seguro e defensivo, apaguiza-
se logo ao avistar um conglomerado considerável de estantes dispostas uma
contígua à outra com placas indicando a enumeração dos livros para serem
encontrados mais rapidamente, sem nenhuma pessoa para incomodá-la seus
olhinhos vorazes lêem os títulos de determinado assunto, então percebe que está
no quadrante errado... entrei justamente no setor de maior decadência do ser,
mistificação, crer que poderes ocultos e objetos como pedras regem essa incerta
existência é patético no meu entendimento, vou para a parte das ciências que
auxiliam realmente para o crescimento de meu intelecto... reconhecendo as
estantes pelo caráter tipográfico de assunto retira um calhamaço de páginas
anexadas organizadamente redigidas por autor desconhecido cuja capa ostenta
um título... eis aqui!, O PASSADO INERENTE E O PRESENTE
CONSUBSTANCIAL, que tanto procurei, no prelúdio descreve-se um texto de
compreensão obnubilada e tolhida: A subjetividade do passado é de superior valia
para o delineamento empírico e atinge vastas proporções subjugando o presente
pela experiência no campo do pensamento, como este não possui forma nem
sentido adequado no tempo, se orienta por si somente no presente
consubstancial, mas o absorto não interdepende estruturalmente do passado nem
do presente, não defendendo o saudosismo, nem o anacrônico, ao oposto, o que
fica no passado é vítima ocasional de extemporaneidade, assim, o devido
presente muda o contexto e a estrutura de como se foi pensado, destrói o
saudosismo e o passado concernente a ele para uma translucidez superior do
futuro, transmutando-se em passado novamente, e engendra um não obstante
ciclo infinito que só o espaço-tempo tem a jurisprudência e certamente o poder
para obstaculizar, retroceder ou adiantar o processo muitas vezes alcançado...
folheia algumas páginas adiante, estanca no meio do calhamaço e perlustra o que
está redigido... A ininteligivibilidade do processo aparece de maneira translúcida e
nesta hipótese tentamos tentaculizar os referentes temas para uma abordagem de
maior amplitude, entretanto, estas subdivisões do pensamento-tempo não podem
transfugir à verossímil acepção inextrincável concernente a constituição e
compreensão da realidade de variadas perspectivas para o entendimento humano.
Pois o que seria a realidade desprovida do pensamento ou das faculdades de
sentido?, os irracionais evidentemente também a percebem de forma análoga,
porém, são desprovidos do consenso de discernimento dela, discrepante da
consciência que o ser racional tem de si em-si... emprestarei este, apesar de ser
extremamente verborrágico, gosto disso, necessito ir à hemeroteca para deter-me
com uma revista ou jornal trivial... após passar por uma série de corredores de
estagnadas estantes atestadas de manuscritos impressos... as tecnologias vem e
vão mas estes permanecem intactos com sua originalidade inexorável, antes os
redigiam com penas, depois com máquinas datilográficas e outros materiais, a
principal importância da criação das obras literárias foi o conhecimento passado
de séculos a séculos, como seria se Alexandria não fosse queimada?, o maior
acervo de todos os tempos ao alcance de qualquer ser que se esmerasse na
empresa de adquirir toda uma gama de conhecimento, tornando-se especialista
em uma estabelecida ciência, ou mesmo de todas as que conseguisse estudar até
o fim de sua vida, agora, chego a uma sala não muito acessada pelo público, com
dimensões inferiores das demais e consequentemente racionais idem, possui
paredes recortadas por planos vidráceos transluzindo dois seres sentados em
mesas opostas de não diferentes aspectos e cores, material rústico com
entalhamentos apreciáveis nas tangências da parte plana circular superior com
diâmetro aproximado de um metro, sustentada por uma pilastra cuja base inferior
equaciona-se e escorre em quatro pequenos apoios retângulo-cúbicos... mesas
confortáveis para um conjunto de três pessoas, algumas exibem escassez de
cadeiras... os dois que ali permanecem apopléticos em sua literatura não suscitam
nenhum músculo do pescoço, nem quando entra... um deles é um homem de
cenho sereno, com capilares grisalhos e compridos encobrindo as hélixes, apalpa
uma revista sobre astronomia, os globos fomentados pelos músculos reto
superior, reto medial e reto inferior derivam de um lado a outro intermitentemente,
parte da cútis facial acinzentada e demarcada por minúsculos pontos negros das
pontas da barba cortada recentemente suponho, veste um casaco de lã fino,
verde, e como seus membros inferiores estão em uma perspectiva não favorável
devido a posição da sua mesa não vejo a cor da vestimenta, folheia
pacientemente as páginas depois de um tempo, enquanto o ser feminil,
bisbilhotando um jornal, vira as páginas quase instantaneamente com seus
pentadáctilos finos e delicados, os olhos dela atuam em conluio, obstados por
grossas lentes vitrificadas presas na armação que se finda atrás de seus pavilhões
auditivos e ficam sobrepostas ao septo nasal com as cavidades de entrada e
saída de ar pequenas, os lábios e a face quase incolores abrangidos por
reentrâncias rugosas, seu sobrecenho e supercílios pregueiam-se por segundos, é
a notícia de capa que lê, ao passar por detrás dela comprovei... Niilista explode
várias bombas, inclusive uma no corpo, matou muitas autoridades... está apenas
com uma camisa de linho e uma peça adstringida à sua cintura pendente sobre os
membros locomotores dobrados encobertos por calçados nas extremidades...
entre as estantes de revistas Camile busca a mais frívola, senta-se em uma
cadeira na qual sua mesa e as duas ocupadas formam um triângulo eqüilátero
imaginário, folheia a revista, limita-se às figuras, mas nada a entretém e sente um
mal estar de súbito... o que faço aqui se odeio improfícuas leituras de revistas
fúteis com assuntos que apresentam impressões e conclusões díspares de
matérias sobre moda?... antes de levantar-se para devolver a revista no devido
lugar, um aviso impresso em letras de fôrma a faz parar... Não guarde livros e
revistas nas estantes, deixe-os sobre as mesas... então vou ao processo
burocrático de empréstimo... escarafuncha a algibeira direita e lembra que
esqueceu os documentos na residência mas encontra na esquerda o documento
para o empréstimo... obliterei-o aqui desde a penúltima vez que vim, ainda está
meio úmido da chuva de ontem e de hoje de madrugada... passa novamente por
todas as salas, corredores, estantes e chega a uma mesa comprida e estreita,
onde um dos funcionários marca o documento de empréstimo com a data de
devolução do aglomerado de idéias transcritas em folhas de papel... ao sair do
recinto o sol está encoberto por nuvens negras... quando saio de um local
qualquer é a inexistência que fica, e a prova de que eu estive ali são as pessoas,
os sons das vozes, o tempo, mas tudo torna-se ilusão, por isso o tempo não está
nas imagens e situações imaginadas, e essa inexistência converte todos os atos
passados em absurdidade, que juntos, se resumem em uma vida qualquer, devia
trazer um receptáculo para proteger o volume, e agora com a ameaça constante
de chuva a situação acentuar-se-á, espero estar no meu quarto antes que as
gotas comecem a cair aleatoriamente... reminiscências de um ventre materno
aconchegante, tépido, perfeito... o espaço de terra que circunda a biblioteca é
agraciado por sublimes jardins, rente a porta, flores secas, apesar da estação
algumas vivazes ainda refletem a beleza da qual são portadoras, seguem à orla
dos caminhos demarcados por calhaus, pintados com a tinta transparente da
natureza, e findam-se em bancos que circundam árvores, estâncias ótimas para
se ler, afastadas o máximo possível dos barulhos que a civilização abriga nas
regiões de maior contingente... pessoas com roupas estranhas detrás de uma das
árvores... no ângulo que estava não via o casal de palhaços treinando com
malabares, e pela técnica ambos provém de uma faculdade circense
notabilíssima, gostaria de apreciá-los por mais tempo, mas preciso atravessar a
cidade de pedra, separada por montes arvorejantes protegidos por leis que
dispersam casas e bairros, para ir naquela livraria que comercializa literaturas de
diversos tipos, posso encontrar outros títulos de maior importância a uma quantia
irrisória, é certo que serão usados mas isso é indiferente, para tal ato necessito de
uma condução apropriada... caminha por minutos avançando os lagares profundos
dos asfaltinegros compactos e superficiais até o terminal de transporte coletivo, ao
desembocar na viela acessível a um âmbito de visão mais abrangente fica
perplexa com cena de tamanha destruição... o terminal é um entulho de
escombros, cercado por várias fitas com avisos... o cheiro de morte, do salgado do
vermelho do sangue ainda é recente, as colunas de concreto que sustentavam a
parte superior estão despedaçadas com os ferros de seu interior retorcidos, como
uma fratura exposta, e isto é o que aqueles homens uniformizados procuram,
coágulos de sangue brilham como lentejoulas sobre as ruínas de uma desgraça
passada, indeléveis para os muitos pedaços de corpos humanos agrupados em
resistentes receptáculos oblongados de polietileno para posterior reconhecimento,
neste ato está contido todo o mal inerente e sentido por todo ser racional, mas
elevado a uma potência estrondosa e incontida, liberdade de certa forma sim,
porém, todo ser é responsável pelos seus atos, e alcançar um ponto de
animalidade como este é extrapolar a própria liberdade a que todos tem direito, se
bem que todos iriam morrer no futuro, mas isso não justifica a concepção e
consequentemente o escopo de uma ação como esta... paisagem de guerra sem
causa... a partir de agora os falecidos estão suscetíveis e aptos a literalmente se
tornarem átomos, não posso fazer nada quanto a isto e ainda terei de andar muito
até à livraria... consterna-se por esse pequeno incômodo e também pela
bestialidade humana dos que sentem a perda dos parentes no atentado, pois
jamais voltarão... minha maior volição seria de estar no momento da explosão e
ser uma entre essas vítimas, agora o próprio dia nublado opera simultaneamente
para que a cena aprimore seus traços lúgubres e sombrios, preciso recobrar o
passo, as nuvens de chuva carregadas se alvoroçam na leveza do céu... afasta-se
da cena de terror, tangencia um edifício de concreto de dois andares com os
ângulos levemente arredondados na junção das extremidades das paredes
exteriores situado em uma esquina... as janelas do segundo andar deste edifício
são perpendiculares com as do primeiro, apresentam três divisões horizontais e
uma vertical, e suprindo o acabamento superior um semicírculo vidráceo com
artes pictóricas de artista desconhecido, com uma pequena sacada em todas as
bases, algumas apóiam vasos de flores ornamentados, outras, à espera dos
cotovelos, antebraços ou manimorfas de alguém sem importância, todas fechadas,
com certeza pelo que está porvir... mas nota que há uma aberta... cortinas com as
pontas rasgadas para fora, balouçam, excitadas pelo vento, amarrotadas, de um
verde desbotado, verossímeis andrajos, o mesmo que a gesticula também impele
lentamente as nuvens negras em uma atmosfera longínqua e plangente,
resultariam em uma bela obra de arte, óleo sobre tela... durante a passagem pelo
edifício percebe que a rua inóspita tremeluz ares ruminantes de soturnidade, num
átimo sente-se melancólica, senta em um degrau defronte a uma das portas
situadas abaixo do toldo afixado em ambas as paredes exteriores, encosta sua
craniface nos genunflexores e logo o líquido incolor da tristeza escorre por suas
nasilaterais, adentra-se aos lábios semi-abertos e então sente o amargo da
consternação em seu palato, permanece na posição por alguns minutos e se
perquiri porque chora, explica de si para si... rememorando a ocorrência dos fatos
que interagiram diretamente com minha pessoa, uma das hipóteses mais
prováveis é por perscrutar aquela cena do desastre, por isso sofri este ato
infausto... passa as mangas do casaco na fisionomia úmida e segue preocupada
com o tempo, sente um fruticheiro lânguido não muito longe... cogitei uma
manobra para proteger o calhamaço caso chova, entro no estabelecimento que
cambia produtos hortifrutigranjeiros por capital, analiso a porta vidrescolada de um
mosaico estrambótico abstrato e logo a porta aciona um objeto com ondas
sonoras suaves de poucos decibéis avisando ao atendente que um ou mais
clientes entraram, vários cheiros fortes de verde-limão, alaranjado-laranja,
vermelho-maçã, e outros, mas o que quero é palatizar o sabor verde dos limões
azedos, do alaranjado ácido da laranja e do vermelho doce da maçã, penso no
que vou comprar mas não há ninguém responsável pelo atendimento...
inesperadamente surge uma jovem por uma porta adjacente ao balcão, exibe seus
calcidentes e deseja bom dia... suponho que não será um bom dia, mas por
consideração retribuirei a gentileza adquirindo algumas citrilaranjas, tenho de
captá-las primeiramente... percorre o local com olhar minucioso e encontra-as...
mas ainda estão esverdeadas, mais distantes estão as que quero, mas quantas?,
três é uma boa quantia, todo o trabalho somente por uma sacola de polietileno,
agora não há mais necessidade de me preocupar, isso porque o livro não é meu,
se fosse, seria ainda mais zelosa... após as respectivas trocas, vaza por entre as
portas da frutiverdureira para a rua e passeia por algum tempo, ao olhar
novamente para o céu avista cabos e fios elétricos encapados e abaloados nas
alturas, suspensos em estáticos apoios verticais demasiado altos, então estanca
defronte a um casarão de madeira antigo... a arquitetura aparenta ser gótica,
possui uma pequena varanda antes da porta principal aberta, parece abandonada,
tem duas torres cobertas com ambas as janelas escancaradas, sobre o telhado da
torre esquerda um cata-vento, e sobre a direita o perfil de um galináceo de ferro
com indicadores de norte, oeste, sul, leste, abaixo destes, quatro números
fornecem o ano de término da construção, entre as torres situa-se o primeiro e
único andar, o telhado está postado lateralmente e nas paredes angulares do
sótão existem janelas circulares divididas em quatro partes idênticas, todo o
perímetro do telhado é adornado por peças de madeira pontiagudas e pendentes,
melhor escrutadas das ruas laterais, as tábuas exteriores de toda construção
foram postas horizontalmente, a caixa de correspondência é diferenciada das
demais por ser maior e insólita nos enfeites... abre o portão de ferro enferrujado
sujo e rangente... o caminho que me leva à varanda é de pedra britada, piso sobre
elas e ouço um ruído crocitante, o dono sabe que alguém chega, não reputando o
rangido do obsoleto portão que fica a uma regular distância da entrada, poucas
pessoas vem aqui, muitas não imaginam que encontro todo tipo de literatura e
objetos arcaicos usados de ínfimo valor pecuniário... na porta de entrada um
tapete retangular deseja boas vindas, atravessa a soleira... no interior da casa,
como uma linha delimitadora do chão, um tapete negro com saliências, símile a
uma vereda, percorre todos os cômodos da residência, inclusive posto naquela
escada de acesso ao primeiro andar, tudo com a intenção de auxiliar os
deficientes físicos, pois se encontra onde as pessoas mais transitam, as tábuas do
assoalho rumorejam mais que as da minha residência... um ancião de barbas
alvas crescidas cheias e bem tratadas olha para o nada, suas pálpebras quase
cerradas não deixam transparecer os globos detrás das finas lentes
vidripreparadas opticamente para descanso, padecem para se elevarem e
esquadrinharem a visitante compradora... usa um crachá sem foto, não sei porquê
se ele é o dono, seus pentadáctilos sobre a mesa tiritam de nervosismo, e devido
à constante força exercida sobre ela, causam pequenas ondulações no líquido
negro cálido contido na chávena de vidriasas transparentes, a mesa também
apóia um pequeno ímã que magnetiza vários clipes, alfinetes com as partes
superiores de forma globular coloridas, e tachas, na parede atrás dele, um
pequeno mural suspenso com recortes e fotos variadas, algumas de primeiras
edições de exemplares de obras raras... ela raramente profere algum vocábulo,
procura e se encontra o que quer adquire, a primeira vez que esteve aqui perquiriu
onde estavam os calhamaços de filosofia fenomenológica e romances do gênero,
estancou por motivos desconhecidos nas estantes de psicologia... a casa possui
uma sala imensa com grande número de estantes organizadas e cercada por
quartos transformados em saletas, pois todo o material não coube nesta maior...
os cubículos que abrigam o restante das estantes estão marcados com letras
sobre as portas, e os que encerram objetos e móveis de pequeno porte antigos
não possuem indicação nenhuma... esses tempos adquiri aquela arcaica vitrola e
o rádio que estava ligado hoje pela manhã secretamente, talvez o senhor Steicy
tenha comprado mais coisas, percorrerei as saletas adjacentes até encontrar algo
interessante, já que a estante dos pensadores está ocupada por um rapaz, parece
não se importar com as coisas em seu perímetro visível e invisível, está à procura
do livro Excessivamente Superficial, escutei o nome na última vez que vim e o vi,
inquiria ao ancião sobre o título mas não prestei muita atenção, estava de saída,
tenho de me livrar destas frutas, oferecerei uma delas ao senhor Steicy, apesar de
não cambiarmos muitas palavras... pergunta se ele aceita uma fruta expondo o
motivo... comprei-as apenas em função da proteção do livro... o ancião aceita sem
problemas, replica que não digeria uma citrialaranjadalaranja há tempos,
imediatamente saca um canivete suíço, abre-o e em seguida adstringe a fruta com
suas digitiformas, gira-a enquanto a descasca, e diminutas partículas ácidas da
epiderme alaranjada são dispersas no ar pairando por instantes, espargem-se
para todos os lados como efeitos pirotécnicos sem as cores, devido a compressão
da casca pela lâmina da utilitária arma branca... lembrei que preciso procurar por
um léxico, o meu além de não possuir muitos vocábulos está usado demais, sem
capa, e com páginas perdidas, imagino que estejam no primeiro andar, subir por
meio da série de degraus anexados na parte lateral da parede oposta a do senhor
Steicy... mas ouve barulhos... há alguém lá em cima, por enquanto ficarei aqui e
pesquisarei as saletas interligadas... entra em uma que abriga tipos de materiais
para escrita... máquinas de escrever e as indispensáveis fitas, esferográficas,
penas e respectivas tintas de nanquim de todas as cores primárias, cadernos de
anotações, isto é quase uma papelaria obsoleta, gostaria de comprar uma dessas
penas, aprecio a escrita fina que produzem, todo o material é sustentado por duas
escrivaninhas de iguais tamanhos, já nesta outra saleta sinto uma inefável emoção
ao entrar, tic-tacs com diferentes tons de ressonância, todos os ponteiros agitados
por pêndulos, ou então à corda, inacreditáveis no modo de trabalhar e na
aparência, aqui o tempo está descontrolado e eu possuo o meu próprio tempo
encerrado em minha pessoa, suspeito que este fenômeno não seja apenas a
passagem de momentos da realidade e do pensamento, entretanto, a realidade
não é apenas uma amálgama de movimentos transitórios passados e advindos
propriamente dela, pois ambos estão acima das compreensões expostas pela
mente humana até agora, noto que todas as portas abertas estão obstadas por
pequenos vasos com terra e talvez sementes prontas para germinarem e pesos de
metal de diversos formatos, triangulares, cúbicos, retangulares, para que as
correntes de ar provindas das janelas abertas não induzam as portas ao atrito e
fechamento, estes locais sempre tem um odor de poeira e mofo, mas o odor
deixado em minhas digitifalanges pelas frutas se sobressai entre todos os outros,
preciso lavá-las, espero que a porta do toalete não esteja trancada... rotaciona o
trinco redondo para a direita vagarosamente e impele o maciço retângulo de
madeira vertical com idênticas obras de arte esculpidas em ambas as faces...
sobre um brasão figuram rosáceas entrelaçadas pelos caules espinhosos cortados
simetricamente envolvendo um florete situado no ponto eqüidistante dos extremos
do escudo, terminando de forma ogival na extremidade inferior e de angular reta
na parte superior, todas as portas tem uma tonalidade marrom escuro e o restante
da casa é branco, mas com o passar dos anos a tinta tomou um aspecto de velho
e amarelou-se, o banheiro não é nada parecido com o da minha casa, também
não poderia exigir, sobretudo porque uso emprestado e sempre comparo estes
cômodos... lava os pentadáctilos e os seca nas toalhas de papel reciclado... agora,
sala dos castiçais, lucivelos e candelabros, quão complexo seria redigir à luz de
velas, debilitava muito a visão dos escritores, apesar de ser iluminada por luz
elétrica o dono ainda manteve a originalidade da casa, não retirou os lustres de
bronze ricamente ornamentados, todos com dois andares e apoios distintos para
as velas, o primeiro, maior, agrupa vinte e quatro velas e o segundo, no centro,
possui doze, há querubins que tocam flautas, dependurados em cada uma das
três correntes de sustentação, além dos lustres, candelabros fixados na parede
com a quantidade variando conforme o tamanho do ambiente cooperavam para a
iluminação do local na época... velas recentemente derretidas sobre ambos... não
são muitos os que estão à venda, aquele de cinco velas gostaria de ter, o senhor
Steicy conserva excessivamente bem essas relíquias, deve mandá-las a um
restaurador, estão impecáveis!, geralmente ficam postas sobre móveis suntuosos,
cobertos por tecidos aveludados escuros... consulta a algibeira onde depôs o
restante do capital e para seu esmorecimento o valor do candelabro é maior que
sua quantia... vou ao âmbito das estatuetas, meus membros inferiores se
movimentam e conforme piso fora do tapete negro as solas dos meus calçados
em contato com o soalho provocam um ruído pegajoso, como se ambos se
aderissem, noto somente agora, algum colecionador passou por aqui, haviam em
torno de dez estatuetas, hoje, somente três, o que são aquelas pequenas caixas
sobrepostas em um dos cubos de madeira quase paliativas?, uma delas, a cinza,
possui o tampo plano com desenhos sobressalentes de notas musicais e
estrelas... abre-a como um baú e suas pálpebras puxadas arregalam-se
sopressadamente ao ouvir uma leve e suave melodia em tons quase melancólicos
efetuados em escasso tempo... o revestimento interno é negro com estrelas de
papel prateado, possui dois compartimentos, o convexo abriga o sistema
mecânico responsável pelo som, e o côncavo é para guardar pequenas jóias, mas
contém uma micro boneca trajando vestes de bailarina, a coloco sobre a parte
convexa e procuro o dispositivo para o mecanismo funcionar novamente, pois a
lâmina de aço espiralada que o excita perdeu a força, a boneca principia um
movimento de translação, e por vezes gira em torno de seu próprio eixo, resultado
de uma ação entre dois ímãs, um abaixo dos suas pequeninas sapatilhas e outro
sotoposto pelo plano de vidro, encoberto por uma fina camada de pintura
representando uma estrela, onde a bailarina dancespirala graciosamente... fica por
momentos a esquadrinhar, e ouvir o som, retira a pequena forma feminil, guarda-a
e fecha a caixa... a outra é idêntica a um baú, com um desenho aderido sobre ela,
parece ser de cortiça, uma minúscula chave dependurada em uma fita roxo-clara,
encaixo na fechadura e giro, ruído de metal atritando-se, belo porta-jóias forrado
por um tecido de camurça branco pouco conspurcado... torna a trancá-la e a
deposita no local inicial... as estatuetas remanescentes de épocas e culturas
distintas que não foram compradas parecem incomuns, lindas, nesta de granito o
escultor representou nitidamente o desalento de um racional, com as digitiformas
sobre o epicrânio esconde a tez e com os genunflexores dobrados, senta-se sobre
as partes posteriores das pernas com o corpo inclinado para frente, nesta outra de
bronze um Felis pardus ou pantera, prepara-se para atacar uma presa inexistente,
ao lado, um monstro mitológico de aparência grotesca, com as asas recolhidas,
escamas por todo o corpo e cauda em forma de serpente, o material é um vidro de
coloração azulada, isto mais parece uma exposição de antiguidades do que um
estabelecimento comercial de livros e objetos, uma entrada para o porão nesta
peça da casa que não percebi na vez passada, está obstruída ou não quero abri-
la?, pareço passear pelo meu subconsciente, não irei porque não é permitido, ou
veja coisas que não admito, ou não estou psicologicamente preparada, ou ainda
não tenha confiança apropriada, entrarei... eleva a porta do alçapão e desce uma
escada não circular... revistas em quadrinhos, excedente quantidade delas em
prateleiras de estantes rudimentares, quando era pequena minha geratriz lia para
eu dormir, depois sonhava com as estórias inverossímeis dos personagens, um
dos primeiros fomentos para o início do meu prazer pela literatura, não há
unicamente revistas em quadrinhos, aqui é um depósito, uma caixa sobre aquela
mesa, muitos brinquedos, poucos com defeito, creio que estes estão consertados,
sobrepostas a outra mesa, ferramentas utilizadas em restauração de objetos
primevos, então é o próprio senhor Steicy que faz o processo de restauração,
inclusive dos livros também!, vejo uma pilha deles sem capas, outros abertos com
falta de páginas, uma máquina de costura arcaica, daquelas que é preciso
dinamizá-la com os membros locomotores para desempenhar sua função, não
está oxidada em parte nenhuma e deduzindo a aproximação da época em que foi
fabricada, a conservaram com esmero admirável, talvez eu consiga ver a data em
uma placa de identificação notoriamente anexada na parte inferior, considerando a
data constatada é mais antiga do que cogitei, um gramofone com mínimos
aprimoramentos semelhante ao meu!, aparelhos que desconheço a função
possuem um visual interessante e se alojam num flanco bem iluminado, como o
restante do recinto, que por encerrar objetos arcaicos era de se esperar que
estivesse desorganizado e sujo, mas ao contrário, apresenta-se limpo, situada
unilateralmente aos aparelhos uma caixa com algum vívere, uma ninhada de Felis
catus dorme junto de sua geratriz, afasto-me suavemente sem provocar ruídos e
volto aos livros quase restaurados, ainda bem que não sou cleptomaníaca, vejo
bons livros de bolso que gostaria de ter... escolhe um com as medidas
vulgarmente empregadas pelas editoras, não pela capa, mas pelo título... seria a
capa de um livro uma amostra do que estaria reservado nas páginas seguintes?,
na minha concepção a capa foi inventada para proteger as folhas mais
susceptíveis à rasuras, não obstante, um destes sem capa poderia ser comparado
a uma pessoa como realmente é, este calhamaço é um diário, não me apraz ler
sobre a vida dos outros, este sobre correntes estilísticas pictóricas parece
melhor... folheia o livro seguindo o índice e observa a definição de algumas...
cubismo, caracterizado por linhas retas; expressionismo, visão pessoal expressiva
do artista; impressionismo, visão subjetiva simples do artista recebida da natureza;
naturalismo, reprodução exata da natureza e da vida não prescindindo os
aspectos repugnantes de ambos; realismo, representação exata da realidade sem
fantasias; super-realismo, pinturas provindas do inconsciente sem intervenção do
consciente, e tantas outras vertentes que seria preciso mais tempo para ler
placidamente... ao subir a minescada do porão e brotar pujantemente como uma
rosa na saleta encontra o rapaz inadvertidamente e utiliza a ocasião para oferecer
as frutas restantes, ele apenas meneia a cabeça em concordância sem emitir um
fonema... ato de filantropia aliado a uma necessidade, o léxico!, está no andar
superior, será que o ser que lá estava se foi?, não interessa... passa pelo senhor
Steicy novamente e escalona os degraus em velocidade contínua até o primeiro
andar, no chão do piso superior jaz um imenso tapete com bordados
estrambóticos, as estantes mais afastadas que as da sala de baixo possibilitam
maior mobilidade e facilidade de encontrar o calhamaço que se quer
lepidamente... algumas portas estão cerradas, somente uma no final do corredor
vangloriando toda a beleza da construção ogival está aberta, com inscrições em
grego em volta do ângulo superior dos dois arcos... , arte pictórica
no seu idioma... na entrada, uma tela representa uma batalha entre bárbaros e
soldados de um reino, eqüinos atrelados e selados em uma desatinada corrida
para o combate, espadas degoladoras, acha de armas voadoras, arcos arcados e
flechas precisas perfuram escudos, todos os tipos de armas rústicas existentes e
muitos combatentes, defino nitidamente os dois grupos pela roupagem que trajam,
o exército sobre eqüinos protegido com armaduras é de uma guarda real, devia
defender seu território, ostenta uma peça de tecido retangular grande sobre uma
haste alta, levemente inclinada para trás com o símbolo de uma coroa acima de
um escudo traspassado por uma espada e uma lança, estes soldados estão em
menor número comparado ao outro exército que corre em direção à batalha e não
possui armaduras, trajam-se com peles de animais incrustadas de metais
pontiagudos, utilizam mais lanças e machadinhas, sua bandeira de pele animal é
isenta de símbolo, apenas de cor negra, todos tem partes de seus semblantes
pintados, liderados por um velho bárbaro empunhando uma espada, clamando por
sangue de conquistas e invasões... a dor humana nas fisionomias das cabeças
cortadas, retratada pelo artista... um pequeno papel colado à parede com o nome
da obra... Batalha Bárbara... pura inépcia combaterem por terras, mas necessária,
se não ocorresse isto num tempo distante no passado eu não estaria aqui, neste
imenso vácuo da existência saturada do pensar... a existência material é um
vácuo sem o pensamento, mas o pensamento é demasiado para uma só
existência... não é somente esta tela que impressiona, as outras representando
paisagens são interessantes, mas, por mais que o artista tente, nunca reproduzirá
a natureza em-si, pois a pintura é somente o contorno, o brilho, o volume, as
formas, é um retrato da natureza, ele representa o que vê, é um ato intrínseco de
sua percepção visual, e a beleza da natureza viva, com paisagens, animais,
pássaros, jamais será retratada em sua plenitude, varia de racional para racional
tal compreensão... olha as pinturas demoradamente, e ao fundo da sala mira uma
afastada das demais... uma árvore alta, caule e galhos sobranceiros, raízes à
mostra fincam-se no solo como garras, tonalidades escuras nela e em sua volta, a
lua emerge dentre as nuvens ao fundo e projeta a sombra da velha árvore sem
folhas para o vento farfalhar, as bromeliáceas epífitas do gênero Tillandsia,
geralmente denominadas no Brasil como Barba de velho, emitem um sentimento
de solidão e abandono ainda maior, a idéia de tristeza que o pintor passou sinto
no âmago, não há resquícios de vida no espaço circundante, a longicauleada
aparenta estar morta em uma noite fria de um ano qualquer... no assoalho uma
tela emoldurada parece abandonada... nesta, um vassalo é castigado por seu
suserano em praça pública sem público, o olhar de ódio do verdugo e a aparência
de dor no rosto do escravo redundam em aflições íntimas para apreciadoras como
eu, ligadas ao fato de não excluir os aspectos preponderantes que não denigrem a
riqueza das expressões dos retratados, fiz leituras objetivas mescladas com
formais... retorna à sala do tapete, teias de aracnídeos nos cantos superiores das
paredes, entra no segundo corredor entre as estantes e avista uma poltrona
vermelha próxima a uma janela aberta para a circulação do ar... o tapete amortece
meus passos, provoca um barulho abafado, mesmo assim quem está no térreo
tem noção de onde e quando estou em estado de repouso ou manifestando
passos, léxicos de vários idiomas, quero somente o que comumente utilizo, alguns
em perfeito estado, outros piores que o meu, vejamos... quantidade de verbetes,
origem do termo, coletivos especiais, vozes de irracionais, uso da crase,
transcrição fonética... palavras delgadas, finas, incomplexas substâncias líquidas
secam e permanecem grafadas nas folhas, não desaparecem, mas é o detrimento
do papel que destrói as letras, as palavras, e as frases somem como se nunca
existissem, isso acontece com pensamentos julgados importantes e esquecidos
taciturnamente, este aqui está ótimo... coloca o outro calhamaço envolto pela
sacola sobre uma mesa contígua e senta na poltrona vermelha... bastante usada,
rupturas nos apoiadores dos antebraços, mas muito confortável, bem conservado
o léxico, preciso conferir aleatoriamente algumas páginas, e se por devidas
circunstâncias faltarem poucas recorrerei a outro, mesmo porque são todos
usados... volve as folhas procurando por vocábulos não encontrados no seu, e
encontra-os neste com significações esclarecidas... passos na escada... olha por
entre os livros das estantes, o rapaz já sem as alaranjadas-laranjas estagna
defronte ao corredor e anuncia que gostaria de agradecê-la pelas frutas de alguma
forma, aproxima-se dela e se apóia sobre os braços da poltrona, ela diz que não é
necessário e tenta recuar, o léxico cai sobre o regaço, esboça uma pergunta, o
órgão musculoso central da circulação sanguínea acelera aumentando suas
pulsações, fecha os olhos e sente os lábios dele que ficam por algum tempo
colados na sua testa, depois do ato inócuo ele vira as costas e sai, ela, fica,
perplexa e embaraçada... o ato passou-se tão lépido que não sabia como agir,
agora se foi... pega novamente o léxico e continua a folheá-lo, repentinamente um
tênue reflexo de um fluxo de raio solar aparece... um vestígio de luz amarelada
opaca do astrisolar escapa por entre as nuvens negras, perspassa através da
janela desprovida de cortinas e inunda o soalho paulatinamente até parar em um
certo ponto da sala, obstado pelo tamanho da janela inerente à casa, ao ângulo
em que o astro está e pelas nuvens que se movimentam, e nesta caudal de
circunvoluções fúlgidas da translucidade dos raios díspares e tênues do astro,
dispende a dúvida, estarei aqui no dia de amanhã para ser atormentada por esse
imensurável iconoclasta heliocêntrico?, pois no futuro o planeta Terra perecerá
nele, hoje, sou apenas um mícron no espaço e uma mera observadora do
processo... um grande estrondo seguido de um rápido tremor de terra pelo som
produzido a assusta, suas glândulas sudoríparas agem rapidamente através dos
poros da epiderme e logo sente um suor frio, como se cada poro que libera o
produto resultante de um susto levasse uma série de picadas de agulha não
doloridas, e sim incômodas e agonizantes... o fenômeno aconteceu próximo, a
descarga de eletricidade atmosférica do raio foi demasiado forte... retorna à leitura
do léxico e desconcentra-se ao notar que tudo a seu redor principia rodar em um
procedimento gradativo... não pode ser, como levantar com essa labirintopatia
agora?, espero ser efêmera para que a náusea não surja, apesar de não ter me
alimentado pela manhã, resta algum alimento de ontem ainda não digerido através
do estômago e dissolvido pelo suco gástrico, todas as letras embaralham-se como
se obtivessem vida por um processo ainda desconhecido, apenas a causalidade
de minha percepção avariada, às vezes meu cérebro evidencia surpresas que
ainda não estou preparada para lidar, e quanto mais tento encontrar uma solução,
mais perco-me no seu desconhecido labirinto, não consigo compreender como
posso pensar em tantas coisas numa situação desesperadora como essa, talvez
essas situações sejam excitadoras de minhas melhores idéias, pensar sob
pressão interior e exterior, coisas totalmente antagônicas fora e dentro do
pensamento, preciso levantar-me, não, talvez consiga ficar por poucos minutos
levantada, depois teria de me apoiar em algum objeto, nas estantes não será um
procedimento correto, certamente ao me desequilibrar empurrarei uma, resultando
em uma operação semelhante a das peças de dominó colocadas na vertical uma
após outra, ao empurrar a primeira todas as restantes caem consecutivamente, o
que não posso é ficar estática sem fazer absolutamente nada, espere, não, posso
cair na primeira tentativa, tudo roda, até com as pálpebras unidas me sinto tonta,
tenho de evitar uma regurgitação involuntária conseqüente da situação, estes
desenhos do tapete me deixam mais confusa... um leve zéfiro frio adentra pela
janela e a faz pensar em tomar ar... inspirar, expirar, preciso de oxigenar o
encéfalo, não sei se alivia mas agora toda tentativa de amenizá-la é válida...
apóia-se nos braços da poltrona para tomar impulso e ao elevar levemente seus
glúteos do assento cai novamente sobre ele... a náusea, não!... seu diafragma
fomenta o primeiro sinal... agonia, e eu sozinha aqui... a respiração ofegante
resfolegada, tudo gira, descansa o crânio docemente sobre o apoio dorsal da
poltrona e aos poucos o ritmo de seus batimentos cardíacos retorna ao normal,
abre as pálpebras, o teto da casa parece-lhe amorfo e aos poucos toma sua forma
original, de cor brancamarelado... relaxar, relaxar, é isto, placidez, deixar tudo
retomar o seu curso normal, pois de um modo ou de outro é transitório... e a
agonia passa prolixamente até ser totalmente banida... nota que o léxico ainda
permanece sobre seu regaço, parado... como pode acontecer isso?, momentos de
terror na qual tenho a impressão de que não estiveram presentes nos instantes
passados, minha mente é incompreensível certas vezes, e o corpo a acompanha
em seus ataques e defesas imprevisíveis de que muitas vezes é vitima... já
apaguizada deposita o dicionário sobre a pequena mesa ao lado da poltrona
vermelha e concede atenção especial ao tapete... os pêlos são aveludados e
altos, coesos, as estantes enterram os sustentáculos sobre sua maciez...
circunda-as e presta atenção a todos os detalhes delas, como o número de
prateleiras divergentes, as cores, o material, o tamanho... foram colocadas em
uma linha imaginária igualitária, os tamanhos são assimétricos, antagônicas das
demais nas salas do térreo, estas desgastadas se assemelham a refugos
daquelas... fixa-se em um local da sala de onde pondera todo o tapete e nota que
os desenhos antes incompreensíveis agora se conexionam e formam um só, e
este é um Felis tigris, tigre, fica perplexa com a complexidade do olhar inflexível do
felino com garras nas patas, semi-flexionadas sobre um caule na horizontal um
tanto carcomido nas extremidades... abaixo-me e passo as digitiformas sobre as
pontas do tapete no soalho, a resistência da compressão das felpas é delgada
para meu tato mas não para aquele himenóptero, esforça-se para sobrepassar as
barreiras quase intransponíveis de sua senda, toca com as pontas das antenas a
matéria com milhares de felpas erigidas sem ao menos envergarem-se com o seu
peso, deixou ele uma demarcação do caminho de ida ou de volta?, sim!,
hormônios, é tão minúsculo que não o teria visto e poderia esmagá-lo a qualquer
momento se não me abaixasse para sentir a maciez do tapete, mas, e quantos eu
matei sem ter percebido?... eleva-se, dirige-se para a janela... o facho de luz
amarela se foi, efêmero, por estas ruas frontais e laterais da casa não transitam
veículos como na região central movimentada, porque todas as ruas da periferia
convergem justamente para lá... o léxico e as demais coisas permanecem
postadas sobre a mesa e novamente perde-se em seus pensamentos, por vezes
pensa e por vezes deixa o encéfalo vazio de pensamentos, captando coisas
intuitivamente, mas o primeiro pensamento dessa madrugada a atormenta, de
tempos em tempos esparsos recorda de pedaços de sonhos que teve em suas
poucas horas de sono... mas quem irá ler isso afinal?, apenas uma lembrança
vaga de um sonho em que escrevia para o nada, para a posteridade nunca,
aprecio leitura, mas nunca tive volição de redigir e nunca pensei em uma empresa
incomum como esta na qual o fim é incerto, o inseto avançou surpreendentemente
uma grande parte do trajeto mesmo com as dificuldades apresentadas... é como o
gênio, nunca desiste de sua busca, de si mesmo, insiste nas suas idéias, por mais
absurdas e esdrúxulas que pareçam, até o fim de sua incompreendida vida... com
esses pensamentos repentinos imagino que não escreveria uma coisa útil para
outros seres humanos, já se conhecem totalmente para preocuparem-se com
questões demasiado supérfluas... pega seus não pertences e o dicionário, folheia-
o rápido e desce a escada placidamente, deixa na sala as reminiscências dos
pequenos espaços de tempo consecutivos somente para o passado... o rapaz se
foi, adquiro definitivamente o léxico e recebo moedas de troco, guardo-o
cuidadosamente com o outro de autor desconhecido, ainda apresenta um
sobranceiro fruticheiro, ocupa o mesmo invólucro em que estavam as frutas,
coloco as moedas nos bolsos chego na soleira da porta de entrada, hesito por um
instante escrutando o céu, e saio com certa angústia e tristeza, as coisas
conseguidas facilmente não possuem aquela essência de esforço, justamente por
isso me admirei com o inseto, ínfimo no tamanho, mas estupendo no seu brutal
esforço, ainda tenho muito que aprender com os irracionais, e comigo idem... ao
sair os passos repetitivos provocam uma melodia plangente nos minerais
despedaçados... o portão está parcialmente aberto e o cercado de metal contínuo
a ele demarca a totalidade do terreno protegendo a casa, não o fecho e sigo em
direção à esquerda, o terreno é extenso tanto em latitude como em longitude, e ao
findá-lo encontro outra residência, a construção é bastante distinta em
comparação com a da livraria e comércio de coisas relacionadas a escrita e a arte
usadas, assemelha-se as demais da rua, no jardim, um chafariz aparentemente
desativado, os resquícios de poeira e outras substâncias diminutas agregaram-se
e formaram marcas negras descontínuas de camadas de sujeira, na parte lateral
do depósito circular feito para conter certa quantidade de água estão mais
aparentes por ausência de líquido corrente, mas a chuva ao umedecer o chafariz
faz as partículas trazidas pelo vento se anexarem a ele e posteriormente secarem
através do calor do sol que evapora o líquido, mas não o restante... o mesmo
acontece com as estátuas de porte médio brancas, do mesmo material do
chafariz... nesta estátua feminina de braços estendidos obliquamente a
característica mais impressionante foi o modo de como e onde a sujeira se
impregnou, abaixo dos seus oculariórgãos, demarcações de linhas na fisionomia
por onde a água escorre e se finda na mandíbula, estigmas de lágrimas negras,
amargas, e contrastando com esses objetos olvidados e consternativos, rosáceas
vermelhas, negras e rosas resistem com vivacidade, cercadas por gramíneas
ornamentais quase verdejantes, e na parte frontal da casa, num espaço coberto
sem paredes, apoiado por ornatos cilíndricos constituídos de base, fuste, capitel e
cercado por muretas, polipodáceas crescem e caem como uma cachoeira verde,
seus comprimentos ultrapassam a linha dos vasengendrados com ciateáceas
dependurados no teto, mais à frente uma mulher poda uma arbórea com um
objeto apropriado, deformando a paisagem natural, os arbustos tomam
morfologias excêntricas por serem de tamanhos medíocres, suas copas ficam
arredondadas, causalidade de uma transformação exterior, entretanto, possuem a
essência de vegetais, é como meu corpo, transforma-se com o passar dos anos
mas a essência, a idiossincrasia nunca muda, a varoa maneja o instrumento de
corte com aptidão venerável, idêntica a daqueles veneráveis mestres, os
maestros, o som do instrumento é ferruginoso, agradável e único, usa luvas
protectivas e um óculos no caso de uma farpa vir de encontro aos oculariórgãos, o
que não entendi é porque está com pantufos em forma de leporídeo e de pijama,
se advir um erro no manuseio incorreto do objeto pontiagudo cortante, e ele cair
sobre seus artelhos ou frações contíguas, certamente a pantufa amortecerá a
queda, mas a ocasião não é a mais favorável para o uso de pijama... enquanto a
mulher molda os vegetais... um assento, com os pés ligados lateralmente por uma
peça de madeira semicircular, possibilita uma menina de capilares negros
balouçar-se continuamente para frente e para trás, mira seu penetrante olhar em
direção à rua vazia num ponto fixo, está com um casaco vermelho na parte
superior, mas inferiormente não consigo distinguir, a mureta de alvenaria impede,
aliás, esta e todas as demais casas são de alvenaria, exceto a do senhor Steicy, e
que bela exceção!, a menina olha para minha face... e num rápido gesto, aquela
face inocente quase esbranquiçada, esboça e decididamente conclui um grande
sorriso, como gesto amistoso de sua parte para com Camile, que flana na vereda
delimitada lateralmente por calçadas de pedras, incrustadas com incontáveis
pegadas invisíveis indeléveis, e visualiza vegetais sublenhosos com seus
herbaciápices foscos refletindo o tempo irreflexo, também brotam prolíficos dos
lenhosos, plantados muito posteriormente dos maiores por alguma pessoa ou por
meio das próprias de idêntica espécie, pois a possibilidade de crescimento destas
proles, se a semente cair em solo fértil, não é descartada... preciso ir naquele
comércio de vinis constatar se chegou o que procurava há tempos atrás, gostaria
que houvessem vinis para adquirir no comércio do senhor Steicy para não ter de
andar tanto pelas ruas e presenciar coisas contingentes e estranhas... nota as
calçadas com acúmulos de água parada... ao chover, as gotas caem no espelho
das poças de água e causam inúmeras ondulações que se chocam, além disso,
pequena quantidade de líquido salta, forma bolhas de ar pela metade e causa
novas ondulações, expandindo o acúmulo de água, porque dois ou mais corpos
materiais não podem ocupar o mesmo local, uma desconsiderada porção nas
depressões das calçadas é alagada, as gotas também chocam-se com as folhas
oscilantes das arbóreas, depois escorrem até a extremidade e caem no solo, o
interessante é a substância líquida esquisita não ser feita por processos
laboratoriais químicos, também não possui forma geométrica definida, adequa-se
a qualquer recipiente em que é colocada e desaba das nuvens aonde as aves
chegam, o que não entendo é como o líquido não se acumula em suas penas e
elas não caem, imagino que a causalidade do dinamismo contínuo das asas
espargem o excesso de líquido, existe uma ave troquilídea, peculiar e única que
voa para trás por algum tempo e paira em um mesmo local no espaço, consegue
esta proeza porque bate as asas em média oitenta vezes por segundo,
dependendo do tamanho, pois existem múltiplas espécies... um barulho provindo
detrás e do alto a faz parar por instantes, volta sua face para validar a imagem
subjetivamente pensada e comprova empiricamente com o uso da visão e audição
a máquina passar rápido sobre... duas hélices giram lestamente, a maior na
horizontal e a menor na vertical presa ao extremo posterior da aeronave, a hélice
diminuta é a que mantém o controle da máquina, pura coincidência passar um
helicóptero justamente quando pensava no pássaro que voa símile, ambos são
aparelhos interessantes, mas um é belo e munido de vida, por isso necessita de
alimentos, não é um meio de transporte e sua permanência no planeta é
imprescindível, o outro é semelhante, necessita de combustível e apresenta uma
forma de vida mecânica, pois movimenta-se, é um meio de transporte prático e
veloz em localidades urbanas ou inabitadas, pousa em locais de difícil acesso
onde outras aeronaves não aterrisam, largamente utilizado nos salvamentos em
alto mar e regiões montanhosas, pois também voa parado no espaço, nestas
circunstâncias com certeza são indispensáveis, mas nas demais conjeturo ser
prescindível, comparando-o com o pássaro no quesito de vôo, o animal é perfeito,
pois os tamanhos são indubitavelmente desproporcionais o que oferece uma
grande vantagem à ave, e estes acúmulos de água ainda persistem porque o
astrisolar está obstado, o que impede o processo de evaporação... em frente ao
estabelecimento de instrumentos e produtos relacionados ao gênero musical há
um veículo de carga estacionado onde dois homens descarregam uma quantidade
considerável de caixas de papel amarronzado com espessura maior e mais
resistente a lacerações que a trivial, todas marcadas com especificações de
quantidade máxima e de como empilhá-las corretamente, porque, apesar de
serem cúbicas suportam somente um determinado peso e se porventura
ultrapassarem esta capacidade, amassam e causam danos aos produtos... caixas
de tamanhos semelhantes fora e dentro do veículo, agora desponta outro vívere
do interior do prédio com uma espécie de carregador com rodas para auxiliar no
transporte das que já estão prontas para serem entranhadas pelas portas da
fachada do edifício que abrem e fecham independentemente, assim os clientes
saem por uma e entram por outra, e juntas são travadas à noite sem o mínimo
empecilho... o nome de identificação do comércio está xilografado em uma grande
placa situada acima da entrada, esta, situada num plano côncavo em relação às
duas vitrinas e ao restante do prédio, os homens que descarregavam auxiliam o
do carregador com outra remessa de caixas, e quando aquele entra, segue-o... no
interior, instrumentos clássicos por toda parte separados por estilos, alguns no
chão, outros dependurados, o homem com o carregador desvia-se habilmente dos
violinos, saxofones e outros instrumentos de pequeno porte pendurados em barras
de metais aparafusadas ao teto, e desaparece em uma entrada escura que
presumo ser o porão... além dos pequenos instrumentos... os de grande porte,
contíguos às paredes para que o trânsito de compradores flua tranquilamente até
ao local onde efetuam o pagamento, violoncelos, baterias, um obsoleto piano de
cauda com oitenta e oito teclas afastado dos demais, mas perceptível aos órgãos
de visão de quem se aproxima do balcão com diversos compartimentos em sua
estrutura principal de madeira, as partes dianteira e superior são compostas de
vidro ordinário para demonstrar o que seus compartimentos abrigam, e acima dele
uma decrépita caixa registradora sobreposta a uma tábua de espessura medíocre
devido ao tamanho e peso excessivos da registradora, nos vidros constam uma
informação sobre a transparência, superior a setenta e cinco por cento... mas não
há ninguém ali... a atendente confere o material que chega, estes violinos são
maravilhosos depois de montados e pintados... deposita a sacola de poliuretano
com os calhamaços em uma mesa próxima a uma coluna e retira um dos violinos
com extremo cuidado, pesquisando-o minuciosamente... produzem o som por
meio da vibração das cordas fomentadas por uma vareta flexível e provida de um
feixe de cerdas de um extremo a outro, semelhante a um arco, o violino é um
instrumento demasiado complexo em sua construção, possui um total de oitenta e
cinco peças, o que mais se destaca no exterior é o console de cravelhas, usadas
para esticar e conseguir a afinação das cordas ali presas, que, estendendo-se
pelo diapasão, passam pela ponte até chegar ao outro extremo do instrumento,
permanecem sobre a tabela de ressonância que estabelece comunicação entre o
ar exterior e o interior para os efeitos das vibrações, instrumentos frágeis e
delicados, este possui leves arranhões na pintura, com certeza por via do uso
demasiado, mas todos quando novos vem protegidos em estojos de madeira
forrados com um tecido espesso e macio para o caso de bruscos choques no
transporte, muito material artístico relacionado à música reunido em um âmbito,
faltam os músicos para extrair os sons destes instrumentos, transmutá-los em
melodias e entranhar nas almas dos ouvintes o que sentem no oportuno momento
em que tocam... violoncelos avermelhados, marrons claros, pretos, com todas as
características principais, quatro cordas, apoiados no solo por meio de uma haste
de metal e de tamanho superior aos restantes de corda, como no caso da viola, de
tamanho pouco superior ao violino... as baterias ao lado do piano aparentam
serem novas, todos os componentes de estrutura circular, instrumento que requer
coordenação motora acima da normal para cambiar as batidas na caixa, nos
pratos, nos ataques, no surdo e no bombo, todos os membros labutam com o
tempo certo de batida em determinada parte específica... apóia o violino
horizontalmente para tocar mas desiste ao visualizar a atendente saindo do
depósito com o ser varonil e o veículo carregador... despede-se dele e vem em
minha direção, possui cabelos curtos, as solas de seus sapatos no piso lustroso
amarelesbranquiçado engendram um som descontínuo interrompido por concisos
silêncios, com as digitiformas entrelaçadas à altura do púbis perquiri o que me
interessa na loja, ao gesticular o maxilar inferior, a epiderme abaixo em abastada
quantidade move-se freneticamente como uma gelatina, a papada flácida
assemelha-se a de um pelicanídeo, seu relógio de pulso é de um metal incomum
de grande valia pecuniar por ser não oxidável e aduzir um peso considerável...
essas pessoas experientes nos visam meigamente, abordam de um jeito paciente
e nos apaguizam de nossas preocupações ou qualquer mal estar, como no caso
da querida Camile, passando uma confiável placidez invejável... somente aprecio
os instrumentos, senhora?... Margie, replica... afinal, tenho de dialogar com ela, a
comunicação sempre foi um fator preponderante e necessário para a humanidade,
tornou-se mais abrangente com a invenção da impressão tipográfica em grande
escala, e consequentemente atingiu a notoriedade de todos os assuntos de
interesse do contingente populacional através de jornais, revistas, publicidade
propriamente dita... recoloca o violino intocado no local rigorosamente como
estava, recolhe seu diminuto, mas não prescindível e sem importância, fardo... aos
vinis... Margie avisa, ao necessitar de alguma informação basta recorrer a ela...
agradeço-a e caminho até a saleta tão ambicionada, andar, ato tão simples para
muitos, mal sabem a complexidade de músculos, nervos, ossos e a série de
órgãos envolvidos, lado direito, noção de espaço, sinistro, de equilíbrio, agora na
sala deixo a sacola no piso, pego uma das peças especiais, retiro da sua capa e
do polietileno protetor o círculo negro prensado... solo em G menor de violino...
pressiono um botão e regulo a intensidade do som no aparelho, raro objeto e isto
o torna mágico e estupendo por ser mantido em bom estado, mesmo que não
funcionasse meu anelo seria de possuí-lo, deposito a agulha sobre o círculo de
doze polegadas, de dimensão fina entre a parte anterior e posterior, com miríades
de linhas riscadas na superfície em direção ao centro como um caracol, a agulha
atrita-se com os invisíveis pontos aos oculariórgãos nus e transforma-os em uma
doce e leve melodia, a saleta enche-se com as vibrações sonoras produzidas pelo
gramofone e obstam-se nas paredes, ao mesmo tempo sinto algo inexplicável,
inefável, ao fechar as pálpebras perco a noção de espaço e tempo íntimos e
externos em relação a meu corpo e conseguintemente dos outros objetos, porque
sei que não sou nenhum deles encerrados em si mesmos, distintos de minha
unidade transcendente, um sentimento se apossa de meus sentidos, ou esta
colocação não estaria correta por não interagirem um com outro mesmo em um
único corpo?, não sei, apenas sinto que o som torna meus sentidos ébrios e ao
mesmo tempo estimula várias reminiscências de meus sentimentos apreendidos
subjetivempiricamente com o passar dos anos, resultado da evolução sofrida por
meu corpo... deixa transparecer suas íris novamente e rotaciona o corpo para
reparar nos demais objetos que porventura ali estão, além de discos, também
apoiados nas paredes por uma fina canaleta de alumínio, visa uma cadeira...
possui um recosto trabalhado, subdividindo-se em três partes quadrangulares a
partir dos extremos laterais, o assento é almofadado recoberto com couro
amarronzado rugoso, as quatro estruturas de sustentação, levemente onduladas,
cada uma com formato símile ao décimo nono caractere do alfabeto português,
que, como muitos idiomas é de origem grega e latina com etimologias
concatenadas de ambos os idiomas... traz para perto de si, senta-se
confortavelmente, apóia a parte inferior do crânio sobre as digitifalanges dobradas
e visualiza o aparelho à sua frente com o disco a circular ininterruptamente... o
sistema sonoro do gramofone é análogo ao dos meus auriculariórgãos... tudo que
o ser humano arquiteta e engenha é fundamentado em seu corpo e em seus
sentidos... a hélix, anti-hélix, concha, trágus, antítragos são partes do pavilhão
auditivo e juntos com o canal acústico formam o ouvido externo, ambos funcionam
como órgãos de captação do som, que depois de adentrar ao canal acústico vibra
o tímpano, onde começa o ouvido médio, repassando as vibrações sonoras aos
menores ossos do corpo humano, o martelo com o cabo conectado ao tímpano, a
bigorna, e o estribo conectado à janela oval, respectivamente, estes ossículos são
a parte mecânica do processo e estão suspensos na cavidade timpânica no osso
temporal, a seguir a orelha interna entra no processo com a cóclea, possuindo as
janelas redonda e oval, esta última ao ser movimentada, transforma as vibrações
mecânicas do estribo em vibrações hidráulicas no líquido que preenche a cóclea,
as vibrações no líquido são captadas por células ciliares do órgão de Corti
localizado sobre a membrana basilar da cóclea, as células ciliares mais próximas
à janela oval são sensíveis as freqüências mais altas, e conforme se distanciam, a
sensibilidade das freqüências diminui, são estas células que transformam a força
hidráulica em impulsos nervosos, transferidos através do conjunto de fibras do
nervo auditivo com as informações das freqüências do que se ouve, e enfim o
cérebro interpreta e aperfeiçoa o tipo de som, agora recordei do vestíbulo e dos
canais semicirculares que também fazem parte do ouvido interno e são
responsáveis pelo equilíbrio do corpo... o som pode afetá-la física, fisiológica e
psicologicamente, mas se as vibrações ficam no mesmo espaço-tempo do
passado das imagens, se não são matéria ela não sabe... as ondas sonoras
contém importantes fatores na operação, porque ao atingirem o ar, fomentam sua
compressão e descompressão alternadamente, e conseqüentemente este
processo propagado através de oscilações repetidas por este objeto emissor de
sons não chegaria finalmente aos meus auriculariórgãos, essas oscilações, por
indício, tem odor doce e melancólico... sinestesias... pressuponho que seja quase
impossível de senti-las sem um fator preponderante extrínseco, e usufruir ao
menos um destes colapsos em que o encéfalo se inextrinca com a percepção e
confunde as características inatas dos sentidos seria uma experiência inusitada...
ondas sonoras odoríferas, cores sentidas por meio do paladar, ou então visões
com ondas sonoras coloridas, a capacidade da imaginação é inesgotável... três
movimentos da música de cada lado do vinil, apenas linhas superficiais que
encantam seres como eu, após determinadas sucessões de momentos e
movimentos a agulha findará sua rota e tanto o som produzido pelo vinil como o
gramofone, estancarão, o tempo dos movimentos não é idêntico em relação aos
da minha consciência, placidamente a música que se conserva no tempo dos
meus cogitativos poderia se concluir anteriormente em meus pensamentos e
posteriormente no aparelho que subsiste no tempo, pois no espaço exterior de
meu corpo ela agora faz parte do passado, mas, e onde fica o passado fora de
minha consciência?, torna-se inexistente?, no sentido material tudo pode se tornar
inexistente quando o núcleo de um átomo é fissionado, pois uma reação em
cadeia é provocada e enorme quantidade de energia é produzida, então as
partículas do átomo fragmentadas colidem-se ininterruptamente, não perdurando e
não deixando outras perdurarem no espaço-tempo, e após algumas de suas
propriedades iniciais extinguirem-se não transubstanciam-se em outras coisas
materiais, apenas destroem, porém, o tempo não é material e somente a
comensurabilidade de sucessão de átimos e movimentos, estas são apenas
propriedades dele, não há como classificar algo que é inerente e essencial de
cada ser, objeto, enfim, o que existe, existiu ou existirá... tudo propende a seu
tempo peculiar... é como o pensamento, mas o tempo pode ser denominado
interior ou subjetivo, ou exterior e objetivo, este não está em minha pessoa, passa
e não percebo, a não ser que presencie a transmutação de vontade para ato,
como na música, que, de notas redigidas em um papel se metamorfoseiam em
sons de uma orquestra regida por um maestro que sabe exatamente quem está
com o instrumento desafinado ou não acompanha como deveria, então o tempo
objetivo aparece, não quero extrapolar mas gostaria de ouvir o outro lado do vinil,
pois a atendente pelo que infiro aparenta ser a proprietária e com todos os seus
afazeres administrativos possivelmente olvidou de minha presença, apesar de
ouvir a canção despercebidamente, presumo... procura por mais raridades
dedilhando lepidamente as capas quadrangulares dos discos e
despreocupadamente avista através da translucidez dos vidros da janela na
parede adjacente a pequena mesa em que se situa o fonógrafo, escassos seres
varonis e feminis... caminham com suas preocupações, os feminis pensam em
várias coisas quase ao mesmo tempo, envolvendo sentimentos por encerrar
diferenças na constituição do encéfalo, principalmente no corpo caloso que é
maior, aumentando a possibilidade de câmbio de informações entre as partes
destra e sinistra, possui neurotransmissores responsáveis à amamentação e aos
cuidados com os recém-nascidos, enquanto os varonis refletem sempre
metodicamente a resolução de um dado problema, concentram-se com mais frieza
e calculismo, isto surgiu nas épocas mais remotas e arcaicas quando os homens
saíam com o único objetivo de caçar, e os feminis além de cuidarem dos filhos
eram também responsáveis pelos afazeres domésticos, desenvolveram então esta
peculiaridade de pensar e desempenhar várias tarefas quase ao mesmo tempo, e
muitos não importam-se ou não pesquisam informações de importância primordial
sobre a estrutura do próprio corpo, músculos e ossos todos possuem, aprazería-
me que constatassem pensamentos e ações válidas coerentes nos campos do
conhecimento e investigação dos fenômenos, desde os de menor até os de maior
complexidade no interior e exterior dos seus corpos e pensamentos... apenas
indivíduos réprobos à morte, todos, alguns têm consciência, outros não... sou um
destes racionais que meticulosamente reflete sobre quando virá a fragmentação e
destruição total do meu corpo pelo tempo... coloca o vinil em sua respectiva capa
protetora, na parte frontal figura a foto de um racional másculo de costas com
aparência fornida, seus membros de apreensão elevados a certa altura com uma
das extremidades sustendo uma batuta... o maestro denota movimentos ágeis
regendo uma grande orquestra em segundo plano, na parte posterior da capa os
movimentos da música enumerados, não posso demorar-me por mais tempo
aqui... recoloca o disco no lugar exato do receptáculo arcaico constituído de uma
superfície plana, lisa, horizontal, sustentada por vários esteios e fracionada
igualmente na parte superior com os espaços preenchidos por discos, dispostos
por ritmos e em outros casos por ordem alfabética, pega os calhamaços
embrulhados, deposita-os embaixo das concavidades axilares, desliga o aparelho
e sai... entretida com os lucros e despesas do comércio a proprietária apóia-se
com as articulações medianas dos membros superiores sobre uma parte da orla
estrutural do balcão, sentada, parece muito concentrada com seus cálculos, eleva
por vezes suas digitiformas e fricciona o cranicouro cabeludo com o lápis que
redige, de madeira no exterior e carbono preto no interior, o diamante também é
de carbono, em seu estado bruto apresenta estrutura octaédrica, possui a maior
dureza existente e pode riscar qualquer material, diferencia-se da grafita somente
pelo modo de organização dos átomos de carbono puro cristalizado, esta
organização é designada de alotropia, no presente a mulher digita valores com os
pentadáctilos hiperbólicos, tateando as teclas cegas de uma máquina de calcular
em movimentos frenéticos como os reflexos, e no futuro?... Camile passa pelas
portas de saída e prontifica-se de que não esquecera nada... minha consciência
me atormenta com as idéias de que deixei algo naquela loja, pensando bem tenho
certeza de que foi, e a cada segundo que ultrapasso, o passado, as ínfimas
transitoriedades das coisas mais banais da vida são executadas e deslizam na
história de forma idêntica a um imenso acontecimento ou conquista exercida pela
espécie Homo sapiens, o que difere é apenas a importância dos fatos lembrados
por seus respectivos engenhadores e espectadores... contígua a uma formação
vegetal uma amálgama de celulose molhada fundiu-se, algumas folhas ainda não
estão totalmente rasuradas após serem pisoteadas sem a percepção dos
transeuntes que inconscientemente a formaram, e como conseqüência da
compactação, as letras impressas se sobrepuseram e se tornaram ininteligíveis...
consigo ver a palavra História, e as últimas notas do concerto do vinil insistem em
permanecer na minha memória, tento me desvencilhar mas não consigo, quanto
mais caminho, mais me deparo com uma procura angustiante de me livrar delas,
impelem-me a sentimentos estranhos e pensamentos nefelíbatas... atravessa a
avenida isenta de hipóteses de qualquer veículo atropelá-la, ao perceber, ouve um
barulho estridente de pneus escorregando como sabonete no asfalto,
instantaneamente sua tez obtém coloração lívida, suas diminutas formas
orbiculares se abrem ao máximo, seu corpo e pensamentos estancam diante da
cena, o número de sístoles e diástoles aumenta consideravelmente, uma
sensação gelada percorre sua série de apófises dorsais e paralisada inspeciona o
motorista desviar e proferir vocábulos de maior atenção, denotando seu susto e
descontentamento com o ato que acabara de ocorrer... o veículo surgiu depressa,
e num simples ato de distração que cometi, iria para o hospital, ou senão,
dependendo da velocidade do mesmo ao se chocar com meu corpo seria
arremessada a alguns metros adiante e certamente morreria... continua sua
caminhada pensativa, após o efêmero e quase inelutável incidente de trânsito,
acalma-se ao chegar a uma praça onde poucas criaturas infantis folgueiam
sempre perscrutadas por seus geradores, senta-se e paulatinamente recobra sua
serenidade ao prestar atenção nas formas de diversão dos pequenos... não há
preocupações nem responsabilidades em seus cérebros, sorriem aberta e
inocentemente sem perceberem de que carregam a esperança dos genitores que
não pensam em suas mortes e não esperam por um provável futuro pessimista, ao
contrário, criam suas proles para que sejam cidadãos exemplares, entretanto, se
penso demasiado na morte esqueço de viver, e por mais complexa e agonizante
que seja a vida tenho de inventar algo para não me entediar e torná-la pior, apesar
de ser estimulante em alguns aspectos, primordialmente por ser uma incógnita, e
tentar antes de tudo compreender as perspectivas mais triviais é uma tarefa árdua
e requer alguma disciplina, principalmente de pensamentos que sigam
logicamente um estado ou uma postura crítica, porém, para criticar tem de se
obter um vasto conhecimento do que irá ser refutado, do contrário, seriam apenas
palratórios sem fundamentos sobre o que é a vida... vida... algumas crianças
despreocupadas com essas questões galgam uma série de degraus e deslizam
sobre uma plataforma oblíqua com proteções laterais para o corpo não se desviar
do seu escopo, em questão de segundos são amparadas por seus prolíficos com
amplexos afetuosos, outras, vagueiam com veículos compostos de duas rodas
com raio aproximado de 140 mm impelidos por meio dos membros inferiores,
adjacentes aos seus genitores apresentando formação corpórea e
psicomotricidade aptos para desempenhar tal atividade, os menores que não
obtém um resultado favorável devido ao desequilíbrio, recorrem a uma solução
adequada plausível para burlar tal incapacidade, consistindo no anexamento de
duas rodas diminutas nas laterais póstero-inferiores do veículo, e, após manter a
atividade motora coerente com o estímulo cerebral peculiar desenvolvido, as
diminutas peças circulares que giram em torno de um eixo fixo são subtraídas e a
pequena prole tramita trivialmente pedalando sem o auxílio de qualquer suporte,
como aquela que vejo, com notória discrepância quanto às medidas em escala do
seu veículo se comparado ao do seu consangüíneo, ambos transitam em meio as
sendas delimitadas por jardins de vegetais com aparência não contundente com
sua original, devido à estação do ano... preparam-se para posterior floração...
mais adiante em uma estrutura composta de dois pilares de altura considerável
fixados no solo com uma barra transversal sobre suas partes superiores
dependurando correntes de idêntico tamanho que escorrem paralelamente aos
pilares e suspendem um pequeno assento, parado, situado à certa altura do solo,
agora uma garota chega com outra e senta, logo sua amiga exerce uma força
oscilatória sobre o banco suspenso e ela se movimenta como o pêndulo de um
vetusto relógio... pensa sobre o tempo novamente... um ano depende de um
segundo, como o que passa agora, a mais ou a menos, este câmbio é recíproco e
sem um segundo, um ano, uma vida inteira não existiria, e novamente a
interrogação:, por que viver?, o ser é impelido a viver pela ansiedade e esperança
do que se sucederá no seu e nos demais futuros, isto é, o desconhecido, a
curiosidade, o gosto pelo descobrimento e pela ulterior transitoriedade de
obstáculos que surgem em volta de si para se adaptar a tudo que lhe é imposto, e
tudo isto está pendente como um aracnídeo em sua tênue teia, dependendo de
um simples mas não desconsiderado segundo, e tempo é espaço e vice-versa,
também não há como negar a similaridade do tempo com o pensamento e do
espaço com o corpo humano, e outra concepção seria, se tempo é movimento e o
espaço tem de se mover para o tempo existir, então o espaço também é relativo
como o tempo, e supondo ser o espaço finito, com a simples dedução de não se
sustentarem as estruturas das matérias não concatenadas sem ocuparem um
local definido nele, não haveriam nem os pensamentos que nele pensam, matéria
invisível mas existente, pois constato apenas os objetos ocupando um
determinado lugar nele, no entanto, está em tudo e acaba em si, retornando
sempre como uma forma geométrica circular, idêntica àquela esfera com oxigênio
em seu interior, que aquele pequeno grupo brinca, seres infantis interagindo com
outros da sua espécie e com o objeto, apalpam e passam ao próximo sem
analisarem, sua consciência diz que é um objeto próprio para a temática exercida
neste comenos... todos possuem uma característica notória, seus corpos e a
realidade subsistem em estruturas tridimensionais... para desenhar em três
dimensões os objetos e seres, algumas pessoas usam lápis e prancheta, sabem
que é necessário estipular uma linha imaginária, nomeada linha do horizonte, em
que marcam o ponto de fuga e por meio deste traçam as perspectivas que
formarão o objeto, mas o que fazer diante das perspectivas da vida?, são várias e
consequentemente dependem da escolha para o resultado não ser desagradável
e por vezes não desejado, mas nada pode ser feito diante do futuro... e
abrangendo tudo isto, a realidade, surgindo como uma imensa dúvida... o que
seria a realidade para eles?, simplesmente o que presenciam com os sentidos, ou
a que ilação poderiam chegar se conjeturassem apenas uma alusão de tudo que é
presenciado e não presenciado neste local, mas ocorre em outra parte do planeta,
são projeções do pensamento como se tudo fosse criação dele?, as crianças
possuem inconscientemente o poder de transmutar e moldar o seu mundo, mas
não sabem expressá-lo, impressionam-se com tudo e distraem-se rapidamente
com qualquer coisa próxima, sua imaginação é tão ulterior que o banco na qual
estou sentada poderia ser o banco de um automóvel imaginário para uma criança,
ou então aquele pedaço de galho seco na minha frente substituiria algo para
desenhar ou escrever qualquer coisa a priori em partes do solo descoberto de
gramíneas ornamentais da praça, é o que fazem as meninas mais adiante, os
garotos, como sempre, fazem algazarra e correm, mas seus genitores estão
atentos ao menor movimento executado para que suas proles não sofram
nenhuma avaria, como o pequeno ciclista que ao virar numa das sinuosidades do
caminho entre os jardins cai e machuca um de seus genunflexores... a relva
ressecada e maltratada está protegida por cercados baixos e somente quem não
usa o bom senso pisa sobre, o cercado é constituído de pequenos aros de cento e
oitenta graus interligados nas tangentes... na parte central da praça, uma árvore
imensa no que concerne à altura, mas também a copa é sobrestante, ao longe,
um monumento de complexas estruturas esculturais estranhas medianas emite
água com força, formas abstratas em volta dele enriquecem o ambiente, arte
contemporânea, um jovem sentado detrás de uma mesinha expõe alguma coisa,
mas devido a distância não distingo, depois analiso, agora quero me perder em
pensamentos absortos e descansar o corpo por prolixo tempo, apesar da distância
entre esta praça e a loja de instrumentos musicais não ser exasperada, mas por
todos os locais e tempo caminhados hoje, meus membros locomotores merecem
um descanso, a base de toda a estrutura corporal e a parte mais esquecida, ou
quem repara mais nos metatarsos revestidos pelas várias camadas da pele, do
que nos pentadáctilos?, o motor central da circulação possui uma força
descomunal, pois a cada movimento de contração e dilatação nas cavidades
auriculares superiores e cavidades ventriculares inferiores, faz circular o líquido
saguirubro para todo o corpo, inclusive para as extremidades dos membros mais
longínquos, esses movimentos agem contra a gravidade e fazem o hematolíquido
voltar, é por este motivo que muitas pessoas quando decrépitas manifestam uma
série de veias permanentemente dilatadas e salientes denominadas comumente
de varizes, isso porque ficam demasiado tempo paradas em um só local durante
sua vida, e para evitar eventuais problemas um pouco de caminhada resolve,
todavia, tudo feito em excesso é prejudicial... ao passar algum tempo, nota que
pessoas vem e vão, nunca permanecem por muito tempo no mesmo local, como
na natureza, nada dura continuamente, há uma desagregação dos átomos e
posteriormente o surgimento ou o desaparecimento cabal das substâncias, jovens
chegam e se postam próximos a uma bancada meio longe de onde está sentada,
observa atenta a movimentação, a seguir aproxima-se um veículo de porte médio
com amplificadores, caixas de som, microfones, e outros equipamentos
relacionados com som... farão um comício ou protesto ali, descarregam os objetos
e com a contínua labuta e chegada dos demais interessados a parafernália do
som é montada em escasso tempo, algumas pessoas curiosas estagnam para ver
o que se sucederá, as crianças que ali se divertiam não se encontram mais,
desapareceram num átimo com seus genitores e geratrizes... os seres juvenis
esperam o acúmulo de mais pessoas para começarem o discurso, ao percebem
que o excesso de contingente atingiu o seu limite, uma mulher com idade entre
vinte e cinco a trinta anos parece agitada mas não nervosa, testa o som
articulando fonemas no microfone com os demais jovens a seu lado, cada um
espera a sua vez, e começa a prolatar em tom incisivo e decidido... Peço a
atenção de vocês por um lacônico instante, colocarei meu ponto de vista sobre
três assuntos referidos aos dias atuais, a seguir, o capitalismo, o consumismo e o
estado. Começarei abordando características concernentes ao capitalismo e seus
aspectos desvantajosos para muitos países subdesenvolvidos, escopos da
exploração de grandes corporações multinacionais dos países desenvolvidos, que,
competindo com empresas de nações pobres impõe desemprego, pois as
concorrentes não possuem vantagens e tecnologias desenvolvidas para
permanecer no mercado, é certo que as multinacionais pagam impostos para o
governo, mas por outra perspectiva, arrecadam para o seu país a maioria dos
lucros obtidos com facilidade inverossímil, desabilitam e afetam assim a economia
do país sitiado. Comprovamos que se o valor resultante do produto interno bruto
do país afetado for alto não há necessidade de instalar multinacionais, e com a
economia estabilizada, uma das conseqüências vantajosas seria a queda da
importação, assim o país importador não precisaria pagar os impostos que os
produtos importados impõem, e aumentando a taxa de exportação outro fator
corroborativo é a diminuição das taxas de juros consideravelmente, assim o país
fecha-se com sua economia sem intervenção e dependência de outro,
possibilitando uma forma de vida melhor para a população, com as empresas
nacionais gerando renda somente para o seu país certamente conquistará uma
auto-suficiência significativa na economia mundial, entretanto, não importando ou
não estabelecendo relações internacionais um país portador de recursos naturais
tem de desenvolver propriamente um método de transmutar matéria-prima em
produtos comercializáveis, mas quando não possui o meio para tal efeito com
certeza terá de recorrer a um país portador de uma tecnologia mais avançada,
contudo, sem a intenção de haver cobrança de impostos e exploração de ambos
os lados, pois o câmbio teria de ser recíproco. Mas nos dias atuais isto é utopia,
no capitalismo não é possível, pois uma potência maior se acerca da situação e
mantém o controle sobre a economia mundial. Importa matéria-prima muito mais
barata dos países subdesenvolvidos e retorna a matéria modificada em produtos
comercializáveis com uma taxa de impostos abusiva e absurda, incentivando o
consumismo exagerado da população sem noção de que é solapadamente
enganada, isso também envolve informação, veículos de comunicação em
massa... Este último com maior poder de influência para o consumismo
desenfreado, intrinsecamente relacionado com o sistema na qual o estado adota,
por que o estado adota o consumismo? Porque a maioria da população não tem
discernimento do que seja a exploração consumista, principalmente nos países
subdesenvolvidos em que a concentração de pobreza intelectual é imensa, os
encéfalos ocupam-se em adquirir bens e mais bens materiais, metamorfoseando-
se em presas suscetíveis e apodíticas para ele, que impõe uma lobotomia
evidenciada pela ignorância e manipula-os como quer. Isso acontece com
dissidência maior em países onde as pessoas não possuem aspectos e
características políticas fundamentais apropriadas, o estado, ou sistema, faz as
pessoas se sentirem insatisfeitas consigo, usando estratagemas para substituir
essa insatisfação pessoal pelo consumismo exagerado... outro rapaz começa um
novo discurso... A maior arma do sistema é não deixar que o indivíduo pense por
si mesmo, se todos começarem a pensar e atuar notarão que vivem em uma
imensa loucura, ou é normal viver submetido a regras desde o nascimento?
Começamos a nos acostumar com as regras na vida familiar, porque os genitores
exercem uma autoridade implícita em nossa consciência, exatamente como
aconteceu a eles, isto é o sistema, mas a partir do momento que quebramos
essas regras um elo da corrente será arrebentado, passaremos a pensar de
modos diferentes e perceberemos que tudo não passa de um estado
sistematizador, em que cada um de nós é uma peça trabalhando demasiado, mas
pensando incessantemente em parar as contíguas, então, nossos pensamentos
se transmutam em atos, mas como a maioria ainda está sob o controle de peças
desconhecidas esta fagulha de revolta é apagada e o sistema caminha rumo à
total aniquilação dos pensamentos que permanecem nessa alienação massificada
sem ninguém a se indagar o por quê das coisas, resultando em modos de vida
totalmente definhados e... uma turma peculiar com roupas estrambóticas,
capilares coloridos e pontiagudos observa tudo ao longe e concorda com o que o
jovem fala, bradam a seguir vocábulos de liberdade, paz, igualdade, os membros
distribuem panfletos, um deles vem até Camile e pede algo em troca de adesivos
feitos artesanalmente, diz que são mensagens-protestos contra vivisecção,
consumismo, capitalismo, exploração do proletário e assuntos referentes ao do
discurso, ela faz a cambiação e distancia-se do banco caminhando em direção à
pequena mesa, passa vagarosamente em frente ao vendedor sentado mas não
pára... livros expostos sobre uma pequena mesa coberta por uma malha fina de
algodão branca jazem com as capas umas sobre as outras somente nas
extremidades inferiores e deixam os títulos na parte superior bem expostos...
caminhadentra a uma viela conhecida, as luminárias de séculos passados pendem
sobre seu epicrânio, dependuradas nas paredes de tijolos que pululam
simetricamente, o espaço eqüitativo entre eles é peculiar e trivial em algumas
residências... os telhados, alguns de formas prismáticas outros trapezoidais
parecem escamas de peixes e quase se tocam com suas extremidades laterais,
das portas das casas esparramam-se séries de degraus estagnados pelos
penedos azulados cúbicos em que piso, contrastando com a coloração da terra,
situada intermitente e os fragmentando, uma grande quantidade de residências
com umbrais mais arcaicos nesta viela ostentam pomposidade no quesito
ornamental... adiante uma placa pendente indica um estabelecimento baseado em
tabernas dos séculos anteriores, aparentemente com poucas pessoas a dialogar...
apenas o murmúrio de vozes, igual ao sistema de som do protesto próximo dos
noventa decibéis que ouço, apesar de estar distante do local, mesmo com a
ameaça de chuva não param o ato, estão em uma estrutura coberta, porém, no
caso dos observadores a situação difere, e com a ausência destes últimos os
palestrantes não palrariam para eles mesmos... passa defronte à taberna e de
súbito surge ante sua presença um anão embriagado caminhando
desalinhadamente, tateia as paredes próximas antes de se apoiar definitivamente,
mas ao ouvir o estrépito resultante de descargas elétricas consumadas na
atmosfera terrestre procura desorientado precipitadamente por um subterfúgio,
não encontra e continua cambaleando até sua prevista queda... trajado com uma
calça de cor anil, um emblema desconhecido na parte traseira de sua jaqueta de
couro branca nova, calça botas à altura da rótula, está em decúbito frontal sobre
um dos antebraquiais, preciso medir suas pulsações para constatar se não está
em estado de coma, os capilares e as hélixes protegidos por um barrete, usa luvas
com as extremidades decepadas e os microdáctilos expostos, inclusive no anular
esquerdo um objeto mineral indica seu estado civil, a boca ocultada por uma
grossa camada de pêlos supra-labiais, ainda respira e exala um forte odor de
bebida alcoólica... a situação força-a a telefonar para um hospital e requerir a
remetência de uma ambulância, e como tudo parece corroborar à obsequiosidade
do absurdo ato inusitado, um telefone público contíguo a vítima está disponível
para os meios atingirem o escopo desejado, então telefona e dispõe as
coordenadas necessárias para a ambulância estacionar o mais próximo possível,
já que a viela não possui o tamanho transversal limite para um veículo tramitar, o
anão produz uma saliva viscosa que escorre pelas extremidades laterais dos
lábios, e antes de deixá-lo pensa em testar os reflexos, mas logo continua sua
deambulação... por que os freqüentadores do estabelecimento não o ajudam?, as
perguntas mais triviais sempre são as mais complexas de se refutar... no trajeto
posterior a viela, mansões com ares imponentes pelo tamanho com aspectos
descoloridos e inóspitos na referência à hospitalidade... naquela simplória chega
um visitante decrépito no presente momento, munido de malas de viagem, a porta
é aberta, antes de entrar retira o chapéu como forma de respeito aduzindo as
poucas cãs e em seguida desaparece engolido pela entrada em questão de
segundos... duas residências depois da ocorrência... muito singular esta
construção que fugazmente incontém todos os frascos freirinviolados, vazios, sem
tampos e resguardados involucrados em sacolas reforçadas sobrevistas pelos
meus oculariórgãos, farão uma longânima viajem não sei para onde depois de
requisitadas e recolhidas da calçada por aquele mendigo que revira a lixeira com
cuidado para não se deparar com algum objeto que fira sua integridade física e
posteriormente sofra uma hemorragia ou demais doenças tratadas no precário
sistema salutar público em que boa quantidade de verba é desvirtuada, o mesmo
sucede com os outros famigerados setores públicos, e o reflexo disso tudo é o
descaso da sociedade para com estes moradores de rua e demais grupos
excluídos, por quê?, não adianta discursar para uma parcela se o todo não
percebe que nada é infinito e seus corpos também não são, então por que supor
ser melhor que o próximo?... passa pelo excluído e pára na vitrina de uma loja de
animais... pássaros em gaiolas privados da coisa mais importante de suas vidas, a
liberdade de voar, voar para o desconhecido!, e mais distante a caricatura de um
Mus rattus, rato doméstico, em uma pequena caixa, embalagens de venenos para
os roedores, o que enoja ao fitá-los é o rabo sem pêlos como se estivessem com
sarna, grandes ratazanas, focinhos pontiagudos asquerosos, estrambóticos
modos de se limparem, passam as patas dianteiras no rosto... segue uma calçada
análoga a um mosaico e nota uma falha com acúmulo de água esverdeada e
algumas criptogâmicas filamentosas submergidas... essa coloração do solo
esverdeado com miríades de bolhas de ar exprimem repulsa, mas a chuva que
titubeia para cair deverá espalhar e fazer o que a tempestade dessa madrugada
não fez, e se o sistema de escoamento produzisse o efeito desejado não
permaneceriam tantas poças inércias como esta em toda a cidade... conforme o
crescimento populacional aumenta, os problemas idem, e consequentemente
geram mais trabalho para os engenheiros responsáveis pela arquitetura e
urbanismo dos municípios, uma jovem perscruta-a por instantes... o olhar dela, a
conheço de algum local, não, apenas impressão, estou somente há algumas
semanas na casa de meus consangüíneos, a garota leva um instrumento de corda
médio, teve, ou ainda tem aulas em que aprende a manejá-lo, nunca pensei em
praticar música, aprecio os que conseguem, o mercado fonográfico movimenta
bilhões na economia mundial todos os anos, mas com o advento do plágio as
indústrias de cópias faturam mais que os artistas sem fazer o mínimo esmero, pois
copiar é mais fácil que engendrar, isso é de somenos neste instante, o que anelo
com veemência é chegar em casa antes que a chuva dê o primeiro sinal com seu
primogênito pingo sobre meu corpo, mas por que a celeridade se não tenho o que
fazer no meu cubículo de devaneios?, e quem impõe a celeridade?, o tempo?, as
pessoas?, a natureza?, conjeturo que esta última não tenha a mesma pressa dos
seres humanos, ela própria se comanda, por isso é tão inexorável e perfeita em
suas belezas, mas não entendo a pressa do ser humano, não há motivos para se
desesperar em fazer certas tarefas velozmente, por que a rapidez se da morte
ninguém passa?, percebo o homem se desesperar para conseguir as coisas e não
em gozar a vida, o que deveria ser o direito se tornou dever, alienação, em vez de
fruírem a vida subordinam-se a ela, não correm contra o tempo e sim contra a
vivência plena da vida e contra o medo da morte repentina, então surge o
cingimento no coração denominado aflição, Mentes aflitas ou despreocupadas, o
que vai ser hoje para o senhor?, se fosse uma garçonete indagaria aos clientes
para apreciar a reação deles ante a questão, e parcialmente titubeantes
reputariam educadamente a incógnita retorquindo que prefeririam o prato da casa,
apenas tergiversações paliativas, somente os consumidores com concepções
estioladas não dariam a devida importância à questão em relevo, poderiam ser
mais cônscios e usarem as suas dúvidas como uma mola de propulsão para a
motilidade de uma conceituação plausível não intentando um possível
escaramuçar de nenhuma resposta... lembra-se dos calhamaços que carrega e
pensa no prazer da leitura, desdobra o receptáculo de polietileno móvel de
compleição robusta, nota a figura grafada branca da primeira letra do alfabeto
português no interior de um círculo e o restante da sacola de coloração negra...
espero não me decepcionar com este livro da biblioteca, a julgar pelo título
presumo ser útil para esclarecimentos sobre a natureza da realidade das coisas
que tanto me fascinam... agora tantas pessoas passam por ela nesta grande
metrópole em que se encontra... tento evitá-las, passeio por vielas inóspitas mas o
contingente é superior ao que a cidade comporta, cidades, edifícios, evoluções de
imensos castelos da idade média, mas o que há de tão interessante nelas que
provocam muitas vezes êxodo rural?, condições de vida melhores, em países
subdesenvolvidos é a hipótese mais provável, saem da tranqüilidade do campo
para se abarrotarem em aglomeradas moradias construídas em espaços
delimitadamente pequenos, ocupam-se geralmente do setor mercantil e industrial,
e a maioria assemelha-se a autômatos, alguns não são alienados ao sistema,
estes, o estado os combate... mas tudo é uma questão histórico-social... inúmeras
culturas entranhadas nos seres de um planeta que paira no espaço sideral, como
meus pensamentos talvez, mas para onde tudo isto se dirige?, qual a direção em
que cada ser, único, caminha?, estão todos abandonados e perdidos no universo
a espera de eventualidades?... pára defronte a um semáforo... semáforos
controlam os veículos e as pessoas, luzes que piscam intermitentemente com
vidas a dependerem delas, controlam o fluxo das ruas construídas visando mais
os veículos do que as pessoas, vou a um daqueles outeiros paradisíacos que
ficam próximos... já sobre um dos montes arvorejantes divisores da cidade, senta
em um dos bancos com vista superior e parcial da mesma... o canto escasso das
várias espécies de aves, o despontar das rosáceas vermelhas cultivadas em meio
a selvagens ervas daninhas, o girassol em busca contínua pelos espectros
astrisolares inexistentes agora, as folhas secas despencando, o vento descolorido,
a cor da terra arenosa escura e meus vôos transcendentais para lugares inóspitos
e bucólicos, meu interior clama por calma e tranqüilidade exterior, por isso estou
aqui, vejo a tristeza do silêncio e a alegria da solidão das nuvigasosas, ao longe
encobrem uma cadeia de montanhas escuras verdejantes, e lá embaixo, o barulho
dos automóveis ecoa, a civilização, as casas, os prédios, a evolução construtiva e
destrutiva do homem, ouço até o cantar verde dos grilos saltitantes e noto que
este é apenas um dos momentos finitos de minha vida, e, a cada segundo ou
minuto passado eu a sinto se esvair, escoar em direções contingenciais com um
único escopo, nenhum instante pode ser desperdiçado, ela é somente uma, com
situações complexas e triviais, mas todas podem ser ultrapassadas, nada dura
para sempre, somente o tempo... ao longe no céu esverdeado uma ave desafia a
gravidade... se no espaço sideral só há vácuo, como é exercida a força da
gravidade do sol sobre os planetas?, então desconfio que no vácuo haja força...
ao elevar-se sente um líquido afluir por seu aparelho reprodutor... sangue em
minhas partes íntimas, findou-se o processo mensal de fluxo sanguíneo
proveniente do sistema reprodutor, mas hoje me precavi conscientemente, pois sei
que os óvulos não fecundados produzidos pelos órgãos chamados ovários
desprendem-se e passam pelo interior das trompas de falópio ligadas ao útero,
responsável pela geração do feto caso ocorra a fecundação do óvulo por um
gameta masculino, se o processo não acontece os óvulos continuam sua trajetória
transmigrando pelo canal exterior, ligando o útero às partes exteriores, o clitóris e
os pequenos e grandes lábios denominados de vulva, para enfim umedecerem
meu absorvente, a cada vinte e oito dias o ciclo se repete, além deste, outros
fenômenos diferentes ocorrem no meu corpo, a característica mais nítida é o
intumescimento dos órgãos protuberantes médios encontrados na parte súpero-
anterior do meu tórax, no interior deles, inúmeras ramificações convergem para os
mamilos, suas glândulas secretam leite após o período de gestação dos seres
feminis para alimentar o galactófago, que após uma breve fomentação retrai o
alimento essencial para seu desenvolvimento, agora preciso ir para casa para
retirar este incômodo absorvente úmido... no caminho sente-se angustiada e
pensa... é provável que se cogitar no sentido negativo das coisas ou sempre na
morte, nunca farei nada por minha pessoa e morrerei como se nunca houvesse
nascido, o que geralmente acontece com a maioria dos seres humanos, pensando
nisso cheguei a ilação que não sou uma perdedora e pela lógica, vencedora,
perdedora somente no sentido de perder a vida, mas perdê-la sem fazer algo é
inadmissível, talvez este seja um dos segredos da vida, apenas vivê-la sem as
preocupações que os gananciosos impõem, se não fosse o homem condenar-se a
si e aos outros com seus desejos desnecessários de ostentação a desigualdade
não existiria... o ser que luta consigo e consegue se vencer respeitando seus
limites, obtém grandes méritos porque ganha em auto conhecimento... gostaria de
saber de tudo, mas não sei absolutamente de nada, afinal, o que é o nada?, a
ausência de tudo?, lembro que esses tempos procurei no léxico e constava a não
existência, mas por que sempre relaciono o nada com a existência e não com o
tudo?, sei que nada pode vir do nada, nem mesmo o nada, mas essa idéia surgiu
de algo, ou seja, o homem a criou juntamente com o tempo e não sabe o que são,
conjeturo que ambos encerram uma interdependência, mas quando não possuo
míseros dados caracterizando o que procuro analiso a opinião meticulosamente,
porém, é uma busca infinita e meu raciocínio ainda não está preparado, neste
âmbito também estão inclusos os estudos de qual dimensão reside ou permanece
o passado, ou mais visceralmente, onde ficam os momentos e movimentos do
passado e do futuro, porque não sei o que pode ocorrer daqui a um minuto... a
humanidade imagina que sabe das coisas, não sabe nem onde está no universo,
este universo é ela própria... julgar saber das coisas mas não saber de si próprio,
antítese esdrúxula... ao longe uma estátua com a visão obstruída por uma venda
segura uma balança... tribunais, vários homens brincam de sentenciarem outros,
vidas dependem de juízes, promotores, advogados, o réu, inocente até que se
prove o contrário, todo delator tem um motivo para seu crime, variando desde o
contexto social em que está inserido, até os traumas psicológicos de infância, mas
isto não é julgado, o estado não é acusado por esses crimes e sim quem expõe
suas falhas, que são muitas... em um ponto de ônibus observa um velho mendigo
que trava conversa com um jovem e senta por instantes para ouvir o diálogo...
Mendigo: Então qual é o verdadeiro sentido da vida para você?
Jovem: Ah!, primeiramente estudar para obter um bom emprego, para depois
formar uma família, envelhecer, ter netos...
Mendigo: A vida para você se resume apenas a isto?
Jovem: Sim, você teria coisa melhor em mente no estado em que se encontra?
Mendigo: Não sei se você sabe, mas o sentido da vida na minha opinião, e para
todos é a morte, enfatizo no sentido literal; estudar trabalhar, constituir uma
família, hoje sei que tudo isso é segundo plano, não consegui fazer tudo com
dúvidas atormentando-me frequentemente.
Jovem: E quais são essas dúvidas?
Mendigo: Você sabe que a vida não é feita somente de aquisições e seu sentido
não é o ser quem traça, por uma inelutabilidade planos podem ser desfeitos em
questão de segundos, então para que me serviriam riquezas, bens materiais,
sentimentais se eu possuísse uma doença incurável?, ninguém poderia me ajudar
e não iria sequer aproveitar o que adquiri e labutei a vida toda se já estivesse
velho, e de que me valeu o esmero empregado?, sujeitei-me a tal padrão de vida,
empregado não sei por quem, ou porquê, e me esqueci de compreender o mais
importante:, quem eu sou, para que serve tudo isto se não sei porquê existo e qual
a real utilidade desta existência?
Jovem: Indagações capciosas, mas não há como sobreviver no mundo atual
somente de perquirições, e ainda deste gênero, explique-me como sobreviverias
tu sem um sustento para teu corpo, que pela lógica fisiológica afetaria obviamente
o cérebro e sem ele você não formularia nem a mais esdrúxula cadeia de
raciocínio?
Mendigo: Não proferi algo a respeito de sustento, sei que necessito de uma fonte
de valor pecuniário, mas para isso existem vários meios alternativos, mesmo
precários, pois um ser humano não necessita de mais de três refeições diárias
para sobreviver e comparando-o com os animais, notou que sobrevivem muitos
anos apenas com o que conseguem capturar?, e o interessante é que não
raciocinam!, e não há egoísmo entre eles como nos humanos, neste ponto não
generalizo, mas algumas pessoas apresentam uma acentuação latente para tal
sentimento, pensam apenas em si desdenhando o próximo, enquanto que nos
animais isso é inexistente, ou seja, cada um possui a sua parte por mísera que
seja. Enfim, conjeturo que não é preciso uma alienação tão desenfreada na busca
de bens, status, futuro garantido, porque o ser está sujeito a miríades de
fatalidades, e desta maneira o futuro pode não chegar para certo sujeito e o que
almejou e batalhou para conseguir até o presente pode se findar em uma morte
repentina e indesejada.
Jovem: Então seu pensamento dá a entender que tudo finda na morte e por isso
não devo me preocupar com o futuro?
Mendigo: Replico esta perquirição com outra: Você já observou com seus próprios
oculariórgãos alguém que não fosse susceptível à morte?... Interlocuções
evasivas de uma resposta friamente calculada do mandrião incomum, avultando
uma inteligência supra ordinária em comparação às indagações do jovem que não
parece repudiá-lo como os demais transeuntes, qualidade admirável, e ninguém
se impressiona com a forma de despreconceito do rapaz, porta uma mala
característica de executivo, veste um ilegítimo terno de uma grife notória e
estabelece contato vocabular com o mendigo, em dado momento da conversa o
vetusto diz que continuamente procura se atualizar e adquire conhecimento auto
didaticamente lendo, porém não entendi minha curiosidade para ser capaz de
sentar no ponto de ônibus e ouvir o diálogo entre os dois cidadãos, é, realmente
hoje presencio coisas normais e estranhas, ou mais que isso, vivencio e percebo
como coisas triviais e notórias são tão interessantes, como aquelas nuvens
estacionadas sobre parte da cidade, e esta mulher que passa pressionando uma
espécie de buzina para chamar a atenção de quem estiver na rua, vende algodões
doces, carrega-os em um tipo de veículo pequeno, uma adolescente aproxima-se,
vestida com uma calça cinza e no casaco um herói ilustrado... heróis, qual sua
serventia?... apenas resultado da imaginação do desenhista que gostaria de ser a
criação, então cria um ser perfeito para ele, tenho noção de um caso semelhante
em que há uma gama de possibilidades a serem analisadas, caso antropomórfico
muito conhecido... transita pelo mesmo beco onde encontrou a pintura, na noite
anterior... agora vejo o que realmente é o desenho na parede, um animal
mitológico metade mulher, metade peixe, esqueci o seu nome, sei que na
antiguidade os navegadores acreditavam serem hipnotizados pelo seu canto
inefável e maravilhoso, não sei se os de hoje acreditam nessas estórias, mas é
deste jeito que o ser humano destrói suas fábulas, esquecendo-as, com isso
perdem o poder de criar e desfrutar de belas estórias de lendas e mitos, é certo
que muitos não existem e foram criados por alguém, mas aquele pensamento teve
a capacidade de fazer algo que ninguém até aquele momento havia imaginado, aí
está o instinto criador e criativo do homem, hoje substituído por coisas materiais, a
importância do humano está em criar e ser, e não em destruir e ter, mas é isto que
acontece hoje, derrubam ou queimam florestas, matam animais, poluem os mares,
são tão néscios por sua ganância destruindo a si mesmos, por mais que queiram
independência criando máquinas e progredindo como proferem, são dependentes
assíduos da natureza, porque para construírem as máquinas com que destroem
usam essencialmente materiais retirados da natureza... Quando aprenderá a se
conhecer e esmagará sua ignorância?... sereia, esse é o nome da entidade que
pondero neste átimo, os móveis carcomidos e outras coisas que estavam aqui
foram retirados à horas pelo órgão responsável da coleta dos materiais
imprestáveis, não para os catadores de materiais recicláveis que andam com uma
espécie de carroça e em lugar de animais eles próprios carregam o veículo, chega
ao triplo do seu peso em quilogramas quando cheio, pessoas descartadas como
garrafas biodegradáveis pela sociedade, mas as garrafas podem ser recicladas,
agora, quantas um catador tem de juntar para ganhar alguns centavos eu não
sei... não mudou nada desde a idade média, os senhores feudais agora são os
grandes empresários e os vassalos são os empregados, meros peões que quando
não servem mais são considerados inúteis para o sistema, e valem menos que
materiais recicláveis... para eles o mundo deve ser visto por outra perspectiva,
diferindo da minha, gostaria que não houvesse desigualdade de classes neste
planeta e nem no universo inteiro, se é que este possui dimensões, mas por que
há desigualdade?, a meu ver, uma das respostas é que alguns nascem pobres,
outros nascem ricos, mas ambos morrerão, e quem não nasce jamais saberá o
que é a vida, e é impossível que seja apenas de desilusões, sempre se
manifestarão momentos de ilusões, falsos, no entanto não era neste sentido que
pensava e sim no ponto em que ambos não se ajudam, ao contrário, muitos ricos
retiram ainda mais dos que não possuem quase nada, “quem é pobre ficará mais
pobre e quem é rico ficará mais rico”, li esta mensagem em algum livro em
determinado dia do tempo que passou... tropeça em algo amolecido e se depara
com um felino... Felis catus, é o gato de hoje e por motivos desconhecidos entrou
em estado de óbito, com as pálpebras abertas e os lindos oculariglobos quase
saltados da órbita, que maldade, sua boca apresenta uma considerável incidência
de saliva, foi envenenado ou alimentou-se com algo não apropriado a seu sistema
digestivo, em suas narinas também há ocorrência de muco expelido em grande
quantidade, seu pêlo está molhado por cair justamente em uma das miríades de
poças de água parada acumulada, agonizou muito tempo antes de falecer se foi
por envenenamento, esses casos sempre apresentam características similares,
não entendo o porquê de um racional matar um irracional indefeso que age por
impulso e não raciocina antes de fazer um ato, é movido por instinto e vontade, o
humano que o assassinou rebaixou a si mesmo ao planejar para posteriormente
matar o animal, estudou a situação para depositar o veneno em algum tipo de
alimento e em determinado local por onde o felino passava... o ser humano é o
único que planeja e efetua a morte de um semelhante ou animal por egocentrismo
ou prazer, pois os irracionais não julgam e se matam entre eles porque se odeiam,
um homem, ao matar outro, deixa seu instinto irracional prevalecer sobre o
raciocínio, isto não é motivo para abolir os sentimentos, mas saber controlá-los é a
principal chave para não agir por impulso, o que pode acarretar conseqüências
graves diretamente para ele e indiretamente para outros... um paniaroma é trazido
por uma convalescente brisa, ratifico de onde provém, na panificadora ao lado
oposto da rua uma senhora apoiada no balcão segura uma grande sombrinha e ao
prolatar, sua voz escapa da boca e escorre pela rua através de um débil eco, esse
cheiro aguça minha vontade de comer, basta imaginar o que estes
estabelecimentos cambiam para minhas glândulas salivares produzirem
inconscientemente saliva em demasia, um reflexo e uma resposta do corpo de que
não tenho controle, apenas acontece por meio de um estímulo exterior, bolos com
variadas coberturas, biscoitos, pães em uma temperatura tépida e tantos outros
alimentos servidos nos cafés da manhã e nos lanches do restante do dia, “Panis et
Circenses”, ao ver a senhora com o receptáculo de celulose em que leva os pães
esta sentença surge em meus pensamentos e é usada até hoje pelo que constato,
literalmente, algumas nações usam deste subterfúgio para manter a população
iludida e ocupada em tarefas por mais tempo do que se divertindo, a máxima é
válida desde os tempos de Roma até o presente, o capitalismo oferece apenas
poucas horas de alegria ilusória, então se é somente ilusões que o sistema
oferece prefiro ficar com as minhas, por mais que me atormentem não sou
subjugada pelo exterior e sim por minha essência, meu eu interior... um ser infantil
segura três palitos em suas digitifalanges... o responsável pela menina conversa
com outro adulto, mas amiúde a admoesta, ela aproxima-se e perquire o que
segura entre suas adstringifalanges cerradas, rapidamente respondo que são três
palitos, então olha dubitativa e desconfiada, mostra-me três pirulitos e sorri, chego
a ilação de que meus sentidos podem me enganar a qualquer instante, como
neste simplório ato, e não são a prova de que confirmam a realidade memorizada
agora em toda sua dimensão e tempo... um vento forte e repentino passa por ela...
o vento enlouquece os cegos com seu barulho de borbulhas cintilantes
alantejouladas, as plêiades entristecem os mudos porque não podem definir a
beleza delas por palavras, a luz do astrisolar brilha para todos, mas é o surdo que
ouve seus espectros amarelados atingirem a crosta terrestre e, enfim, o ser
humano que não se locomove voa até o cume do arco-íris e escorrega na sua
formosura, o fenômeno da beleza do arco-íris surge quando o deus egípcio Rá
com ouriraios astrisolares constituídos de cores primárias, aparece em um local
antagônico a outro que chove e o observador fica entre os locais constatando a
refração e reflexão dos espectros astrisolares sobre os pingos de água... em uma
construção alguns construpedreiros trabalham, produzindo um barulho metálico
ecoante que vaza do interior da grande estrutura de concreto e tijolos... martelos e
cinzéis em plena atividade incessante, tijolos sobre tijolos feitos de barro
sobrepostos organizadamente, um mineral moído mesclado com água e areia
após um tempo enrijece e firma-os dando forma à estrutura, com isto os
trabalhadores são capazes de elevar edificações de portes pequenos, médios e
grandes, terminando-os em poucas semanas, usam elmos amarelos e
vestimentas de malhas reforçadas, um homem sobranceiro coordena os demais
sempre atento e prestativo, é o que parece, mas as aparências nem sempre são
convincentes, não confio mais nos meus sentidos pela simples prova que obtive a
átimos passados, agora me pergunto se estes homens tem consciência de que
são únicos no universo, ou simplesmente pensam em desempenhar sua labuta
neste instante?, e como é uma profissão de risco, pensam constantemente na
morte?, todo racional é capaz de pensar, mas saber que sua própria existência e
as coisas circundantes são pensamentos, poucos sabem, e a noção do saber
ainda menos, pois não sei como conclui este pensamento ou porquê o universo
existe, sei que enquanto vivos todos permanecem na realidade imaginada por um
determinado e contingente período para posteriormente morrer, espero não morrer
da maneira que aquele animal visto há minutos, porque sofrer antes da morte não
deve ser aprazível, e apesar da vida já ser um vácuo, o pior tudo é saber que
nasci para morrer... no jardim frontal de uma empresa, vivas flores lilases
destacam-se das demais ressecadas... lindas flores de outono, em psicologia são
relacionadas a sexo, tenho de traspassar o braço por entre estas grades e obter
uma lilásflor perfumada!, mas que néscia eu, ali há uma do lado de fora da cerca
e, ui!, ai!... onomatopéias imprecisas... seus caules tem espinhos, não
desconfiava, cheiro suave, não devo aspirá-la com tanta intrepidez, o pólen irrita
minhas mucosas nasais e a-a-a... espirra violentamente a uma velocidade média
de 120 km/h, e as bilhões de gotículas salivares expulsas, espargem-se no ar,
fecha as pálpebras durante o ato, pois jamais observou alguém efetuar a proeza
de espirrar com as pálpebras abertas, ao abri-las olha para baixo e percebe que
andava com o cadarço do calçado esquerdo desamarrado... lembro de ter
apertado bem o laço para isso não acontecer, gostaria de saber a quanto tempo
ando assim, poderia ocorrer um acidente indesejado por um motivo frívolo como
este... abaixa-se e amarra-o devidamente, quando se eleva vê um grupo de
pessoas principiando a se equacionar, conversando em excesso, ao efetuarem a
passagem pelas laterais desdenhando-a, rapidamente unem-se novamente sem
olharem para trás... não sei qual o motivo, mas ao gravar esta cena obtive um
sentimento estranho, culpada por fazer algo errado, talvez por obstar a passagem,
suponho sentir o que eles não sentem agora, ódio, mas basta a visão de um belo
animal para me apaguizar, como a daquele mamífero carnívoro quadrúpede
doméstico da família Canídea passeando com sua proprietária, ela leva uma
exígua pá e uma sacola para colocar os dejetos do irracional, ele, obedece a dona
porque ela é substituída pelo chefe da matilha, quando selvagens vivem em
coletivo e existe a hierarquia de um animal comandando os demais inerente a esta
espécie domesticada desde a pré-história, a coleira em torno do seu pescoço é
alaranjada com peças de metal obtusas circundando-a, uma plaqueta pendente
identifica o nome e os demais dados do digitígrado no caso de se perder, agora
demonstra a língua que funciona como um termômetro natural e mantém a
temperatura de seu corpo estável, patipateia cheirando o chão e na mesma
velocidade da proprietária que tranquilamente mastiga uma barra de cereais,
traspassam para o outro lado da rua e eu continuo no mesmo, mas que matéria é
aquela ali na divisão da calçada com o tufo de ervas?, ainda protegidos pela
embalagem translúcida, um par de adiáforos!, habitualmente usados fixados aos
auricularilóbulos furados, nos tempos passados os piratas usavam brincos em
forma de grandes argolas, aliás, as batalhas travadas nos mares deviam ser as
mais angustiantes, pois não haviam lugares secos para fugir, e após a invasão, o
saqueamento e o naufrágio da embarcação que perdia a batalha, os tripulantes
faleciam afogados, ou eram devorados por grandes seláquios carnívoros e demais
peixes, conhecidos como peixes piloto, estes, vivem das sobras alimentares
daqueles predadores, os mares abrigam maior quantidade de espécies de seres
vivos do que nos continentes, pois ainda não há conhecimento das suas regiões
abissais pormenorizadamente, assim como dos que vivem em terra, alvitrei do
meu peixe ornamental produzido em cativeiro, tenho de alimentá-lo, vive no seu
delimitado aquário, sobre sua memória especialistas nessas espécies
comprovaram que cada sentimento advindo ao anterior é omitido, ou seja, quando
alimento ele, se sente feliz, mas se eu bater no aquário com algo por acidente ele
se assustará, obliterando a sua felicidade por completo, sua situação não difere
muito da minha, ao me recordar dos sentimentos da noite passada não os sentirei
de idêntica maneira, mas lembrarei do momento... neste momento rompe o
embrulho, fica atônita com a sonoridade dos objetos e fascinada com as formas
metálicas delineadamente sinuosas e coerentes suspendendo um elemento
mineral... certamente é jaspe pois são semi-amorfas e de um verde adiáfano, vou
usá-los, entretanto, é anormal encontrar coisas deste tipo, principalmente nesta
via por onde um fluxo regular de passeantes percorre, como não consigo colocá-
los nos orifícios lobulares a solução é guardá-los, engraçado, as nuvens negras
transferiram-se para outro local, mas o tempo continua nublado e a temperatura
parece diminuir consideravelmente, da próxima vez trarei as luvas, os extremos do
corpo congelam mais celerigradamente em casos de hipotermia, nas estâncias
excessivamente frias o sangue congela-se antes de retornar ao órgão central da
circulação sanguínea, mas isto não pode ser empregado em uma situação como a
de hoje, sequer se aproximou dos zero graus, porém, as pessoas exageram nas
vestimentas, como aquele homem que pensa estar no pólo norte, geralmente as
bússolas, aparelhos circulares com proteção envidraçada e uma agulha
magnetizada perpendicular a uma rosa-dos-ventos em seu interior, apontam para
a direção norte mostrando as direções indicativas dos pontos colaterais,
subcolaterais e cardeais para quem se encontra com dificuldades do rumo a
seguir nos mares, nas florestas, nos ares e nos desertos, mas logo não serão
mais usadas, a chegada dos aparelhos de G. P. S, ou Sistema de Posicionamento
Global, tornaram as leituras mais precisas, estes aparelhos recebem sinais de
satélites situados em variados pontos no espaço sideral em órbita do planeta
terra... obsta os passos na entrada de uma loja de conveniências com muitas telas
eletrônicas coloridas projetando uma imagem inumana... mas o que é isto, uma
película ou a realidade?, a imagem de um ser humano assassinado atrozmente
em uma guerra!, não entendo como o ser humano não percebe que isto não o
levará a lugar algum, em vez de evoluírem seus cerebelos os definham mais com
atos irrefletidos e insensatos como estes, mais inescrupulosos foram os que
gravaram as imagens para serem aduzidas, me consternam profundamente, não
desdenho nem os microorganismos outrora víveres, agora mortos, pois devo pisar
sobre milhares neste local, e quando recordo a imagem daquele pequeno corpo
desfacelado na madrugada de hoje algo de funesto retorna às minhas reflexões,
tentarei não relembrar mais a cena... o reflexo da luz diária produzido na tela
mostra pessoas atrás dela assistindo estupefatas as imagens apresentadas, ouve
comentários murmurantes, vira-se unilateralmente e continua a caminhada... após
a demonstração ignóbil do poder de destruição do artefato explosivo atômico o
mundo vive em estado de alerta e medo, um ato de barbárie que nem os
irracionais, agindo unicamente por instinto, engendram, o ser humano usa o
raciocínio tanto para construir como para destruir, sabe e realiza com primazia
este último, pois foi o ser mais prejudicial ao planeta desde seu surgimento, ainda
mata semelhantes sem comiseração em benefício próprio, um dia a humanidade
irá superar e ultrapassar esta fase para vir-a-ser mais perfeita, consciente de seus
atos e conviver sem desigualdades, senão as utopias nunca existiriam!, ou então
destruir-se-á completamente... uma garota passa pedalando um monociclo
obstinadamente e desvia-se agilmente dos pedestres... como mantém o equilíbrio
perfeitamente!, mas por que porta aqueles rolamentos amarrados no seu cinto?,
pelos aspectos dos sinais feitos para conversar com aquele adolescente deduzo
que seu sistema fonoaudiológico não desempenha a função adequada, ou atribuo
ao rapaz a deficiência da fonografia, pois agora vejo em uma das manimorfas da
garota um aparelho fônico que projeta as ondas sonoras da voz com maior
intensidade, ou seja, um megafone, não percebido anteriormente pela velocidade
da passagem dela por mim... a jovem arrima o monociclo zelosamente a uma
parede... entra em um edifício com grandes portas, despedindo-se antes do seu
amigo com gestos céleres, sobre aquelas, um logotipo com o nome da empresa
em amarelo, Publicidade Verbal, a garota deve exprimir uma qualidade
verborrágica latente, empresas deste porte sempre contratam pessoas
dominadoras de uma eloqüência acentuada para expor os produtos de outras
empresas, é interessante como as necessidades das empresas concatenam-se
criando uma série de vantagens para outros setores da economia e
consequentemente para as pessoas, a não ser quando exploram os proletários, o
que acontece com assiduidade nas empresas não idôneas, a garota sai agora
confiando uma ruma de celulose rosa grafada, cortada em uma guilhotina na
direção transversal com a medida de 100 mm, e longitudinal com a proporção de
140 mm, maniatada a um liame agora arrebentado e depositado em um dos vários
bolsos de sua calça negra com vocábulos vermelhos sobrescritos em uma
linguagem ininteligível, ela oferece um panfleto com um aviso na parte inferior em
uma adunação de vogais, consoantes e um sinal de exclamação na ilação do
axioma proposto com a intenção de preservar o meio ambiente, apresentando um
aforismo negativo seguido de um afirmativo, resultando em uma morfologia
cognoscível, ou seja:, não jogue o folheto no chão, pois é reciclável!, a mensagem
principal propaga a idéia de venda de imóveis ou o processo de câmbio de
residências por quantias de valiosos papéis, o pulso da garota está cingido por um
aparelho supressor das horas ou da passagem de seus movimentos e atitudes
durante sua labuta, após o final de uma determinada sucessão de trinta dias,
receberá por todo seu esmero um salário que poderá voltar para as mãos do seu
empregador dissimuladamente, com certeza ela despenderá com coisas
necessárias como nutrimento e supérfluas como xampu, e pelo aroma, usa o
mesmo que eu, testado dermatologicamente, mas não em animais, como
notoriamente fazem algumas empresas de cosméticos e produtos de limpeza e
higiene, quando se aproximou trouxe consigo a fragrância suave de extrato de
trigo e silicone como principais componentes, foi o que vi destacado na parte
anterior do frasco de 500ml ou 50cm³ do meu, além de uma grandeza de
informações na parte posterior, de como usar, a composição, os efeitos para
definidos tipos de capilares, o endereço de onde são fabricados, os números de
identificação da empresa como pessoa jurídica ou C. G. C., etc., para o governo
recolher os impostos de renda em conformidade com o que a indústria gera de
lucro para ulteriormente ser revertido em obras fundamentais como saúde,
educação, alimentação, preservação, segurança pública, geralmente incumbida de
aplicar um conjunto de leis por meio de uma corporação designada de polícia,
revisão do poder judiciário, que condena os pobres e absolve os corruptos neste
país, enfim, esta garota pode não ter noção da importância dela para o mundo,
mas se não existisse e não viesse me entregar o panfleto, eu não teria ao menos
pensado que ela é um ser monogástrico... e a jovem continua a distribuir para os
transeuntes... não percebo nada de novo neste planeta e não vejo seres diferentes
dos existentes coabitando comigo este mundo insular nesse mar universal, o
universo movimenta os planetas como uma onda que leva e traz inumeráveis
grânulos minerais à praia, refletindo sobre praia, é interessante saber porque a
forma de retenção de energia calorífica dos grãos de areia e da água diferem, nos
grãos minerais o aquecimento é conciso, na água é prolixo, em compensação esta
última perde calor mais lentamente, pois a quantidade de ambos é de uma
discrepância exorbitante e a constituição das matérias sólidas e líquidas são
díspares, e óbvio que o fator energia, emitida e difundida pelo astrisolar para todo
o planeta com a gama de variações de temperatura dos corpos é absoluto,
recordo quando cheguei à beira de uma praia e vi o mar pela primeira vez, era
noite e ventava, vi uma linha reta formada no horizonte e o marulho das ondas me
deixou admirada, quando pisei naquela areia fofa e minha locomoção se debilitou,
me senti maravilhada, a cada passo avançado ouvia um rumor pegajoso e fino
ocultado pelo vento às vezes, então peguei um punhado de areia e senti sua
temperatura tépida escorrendo por entre minhas digitifalanges, os grânulos sendo
conduzidos até incerta distância, visão muito diversa desta apreciada agora,
calçadas, betume, macadame cobrindo o solo como uma capa destrutiva, pois um
animal que precisa do solo e dos astriraios não sobrevive com esta camada
artificial se sobrepondo às suas condições de adaptabilidade, só porque o ser
humano se habitua a qualquer ambiente com mais facilidade que os demais supõe
a adaptação de todos os organismos vivos com idêntica velocidade... em uma loja,
alguns cabides sustentam camisetas com pinturas serigráficas de caveiras... todos
são isto por baixo dessas máscaras faciais, também possuo uma, mas a todo
momento a arranco para meus parentes, tenho de voltar logo para não preocupá-
los e não participar mais do tratamento, meus genitores seguiram o conselho do
analista e me mandaram para esta cidade viver com meus tios, meu tio é bonito
como meu pai, talvez seja uma substituição pensada pelo analista, mas ele
deveria saber que já superei o complexo de Electra na infância... o motivo de
desligamento com seus pais não foi este... no entanto, aprecio morar aqui, no
primeiro dia mostraram as coordenadas de como encontrar os locais
habitualmente freqüentados por mim, mas frequentemente me perco, como ontem
e hoje, tenho de explorar mais estas ruas amanhã, agora quero retirar o
absorvente e me nutrir, alvitro amiúde de talheres friccionando-se nas louças...
talheres, copos, colheres, garfos, facas e pratos, tudo para uma única refeição e
milhares de crianças não tem nem o que comer... em uma noite do ano passado
com toda a família reunida para a ceia expus uma idéia em forma de vocábulos
coerentes de modo balbuciante e timorato, pensando que não iriam concordar
com o ato benéfico a terceiros, mas ao trocarem olhares titubeantes e se sentirem
mal diante da proposta, rapidamente depositaram os alimentos em embalagens
térmicas e embarafustaram-se em direção às ruas à procura de mendigos,
encontrados em grupos dispersos, o sorriso deles era a recompensa do ato para
meus parentes que deveras se esforçaram para nutrir apenas por um dia os
esfaimados, entretanto, no começo havia resistência ao chegarmos com os
alimentos, pois ficavam perplexos e dubitativos, mas depois de experimentados
por um membro da família, os confiantes e intrépidos cavaleiros pedintes se
deliciavam, nutriam-se e hauriam tragos intermitentes de suas bebidas alcoólicas,
reminiscências passadas, no presente fito aquele rapaz do estabelecimento do Sr.
Steicy em um telefone público, aliás, dois aparelhos em alturas desproporcionais,
um é particularmente para os anões... o que se sucedeu com o anão?, ela gostaria
de esperar os profissionais de saúde para saber o diagnóstico, espera ao menos
bom atendimento a ele... o rapaz me cumprimenta, retribuo e sigo adiante como
uma nômade à procura de minha habitação com as condições climáticas
favoráveis já existentes, um cinema nesta rua, locais em que humanos cultuam
humanos, em uma grande câmara escura com vários assentos, espectadores
visualizam imagens com efeitos reais ou não, tudo resultado do processo da
concatenação de um filme, um projetor e um sistema de sonorização, o primeiro,
um imenso rolo de película de celulóide preparada para receber imagens
fotográficas sucessivas de cada micro momento de uma cena, é colocado em uma
câmera filmadora para as imagens serem gravadas e se tornarem cenas
seqüenciais para passarem a impressão de movimento nas personagens, o
processo seguinte consiste na reflexão das imagens através de um projetor em
uma grande tela, com o respectivo sistema de sonorização para cada cena,
quando fui, analisei o comportamento das pessoas expressando seus sentimentos
ao mesmo tempo quando assistiam a uma cena plangente ou burlesca, o mais
estranho é que pessoas pagam para verem outras fingindo ser o que não são, e
isto não é paradoxal na realidade, muitos hipócritas dissimulam sua própria
exterioridade parecendo serem outros, apenas máscaras, não como aquelas
personificadas usadas nas antigas peças de teatro gregas, estas são usadas para
esconderem as incapacidades apresentadas ante si mesmos, e eles não tem
sequer denodo para combaterem estes obstadores psicológicos, sou uma
desequilibrada mas quem não é?, esmiuçarei meus problemas de barro e forjarei
outros de ferro para me conhecer e equilibrar psicologicamente, muitas pessoas
mascaram-se para as ocasiões, o pior é se mascararem para a vida... assusta-se
com vozes encanadas provindas de um bueiro ecoando de repente... moradores
nos subsolos desta cidade, ou minhas férteis imaginações se concretizando?,
preciso andar depressa, rua soturna esta... ao dobrar a esquina com ângulo não
maior que noventa graus, avista uma placa... homens trabalhando, e pelo
conhecido nome da empresa de telecomunicações, Tele-Comuna, em alaranjado
e verde, as vozes ouvidas com certeza são dos operários que prestam algum
serviço de manutenção ou instalam novos cabos para a obtenção de melhores
resultados e uma intercomunicação mais abrangente entre as pessoas, eu deveria
fazer um cálculo longimétrico para saber o quanto caminhei... mais adiante
calçadas são construídas em frente a uma delegacia de polícia e de um posto
médico pintado de um verde azulado... trabalhadores com roupas de aparência
estrambótica, mas condizentes com o esmero executado tranquilamente,
utilizando cimento, máquinas e músculos, a massa de concreto é preparada,
depois lançada na parte intersticial ligando a estrada ao complexo de segurança
pública, o terreno aplainado com milhares de pedritas, talvez ígneas, metamórficas
ou sedimentares compactadas, está propício para a recepção da massa que será
nivelada para sua secagem permanente, a máquina niveladora não possui uma
fonte própria como uma bateria e está ligada a uma corrente elétrica, o cabo
ligado ao fornecedor de energia tem um encapamento reforçado, pois o serviço é
feito em ambiente úmido e qualquer deslize do operador o encapamento pode ser
rompido ocorrendo uma eletrocussão instantânea fatal, o sujeito que a maneja usa
uma força irrepreensível, e a força da máquina exercida sobre a calçada depende
da aceleração e da massa deslocada abaixo dela por meio das rotações, que não
são poucas por minuto, pois o diâmetro da plataforma rotatória da máquina é
pequeno, parece uma enceradeira em escala ampliada, houveram muitas pessoas
envolvidas no processo de fabricação desta máquina, desenhando-a, projetando-
a, montando as peças engrenadas para executar um único movimento repetitivo...
e tudo para o posterior desfrutar dos transeuntes, protegendo-os de eventuais
acidentes... passo pelo prédio do órgão responsável por elaborar ofícios, atas, e
documentos de registros de nascimento, casamento, morte e outros, as janelas
são grandes, de estilo barroco e estão abertas, dois vasos enormes com pinturas
românicas falsificadas guardam as laterais da porta de entrada, uma
movimentação lenta de pessoas no interior do cartório demonstra a quantidade de
usuários escassa, devido ao dia... os dias passam e surgem, mas quantos dias
existe desde seu nascimento não sabe... se anotasse apenas um dia de tudo que
consigo captar, sentir, pensar... o que foi ela nos dias passados, e será nos dias
advindos?... conhecer uma pessoa por seus pensamentos durante um dia é
impossível, seria como conversar com um desconhecido e deduzir hipóteses sem
saber o mínimo dele, como estas pessoas passando, assim é o universo, sabe-se
o mínimo deste grandioso conjunto, sou um himenóptero diante dele, porém, o
que me intriga são os que pensam serem grandes, poderosos, e não percebem
sua pequenez de inteligência e sublime inépcia, vidas patéticas existentes por
mísero tempo comparado ao do universo mas... nela a vontade de viver se
esvanece aos poucos e a angústia sobrevém... tudo que escoa no tempo são
imagens de momentos, como se fossem fotografias estimuladas incessantemente
em um rolo de filme, aquelas pessoas de origem nipônica se exercitam em uma
escola de dança ao ar livre!, o efeito da dinâmica dos leques usados
desordenadamente provoca um barulho de vento abafado, e um aparelho
radiofônico portátil ligado toca uma música plácida, todos cantam e dançam
mesmo com a composição isenta de letra, um jovenzinho com uma faixa na
cabeça, representando a bandeira do seu país, destaca-se no grupo após uma
frenética série de movimentos lépidos e sensacionais, as mulheres usam roupas
de coloração diferente das dos homens, não há professores ou alguém ditando
regras de comportamento, cada um faz a coreografia que bem entender mas sem
sair dos limites espaciais estipulados inconscientemente, entre todos há um
respeito mútuo de limites, isto me lembra uma tribo de índios moicanos, sem
líderes, mas por que existem líderes?, porque a massa os segue, porque se não
houvesse o espírito de coletividade inconsciente bélica, guerras e tragédias seriam
evitadas, principalmente a mundial, ocorrida em meados do século passado,
justamente porque um país havia saído de uma guerra e estava fragilizado,
principalmente no campo psicológico, e deixou se levar pelas idéias racistas e
ignóbeis de um demente... invasões, desgraças, sangue, morte... a guerra é o ímã
da inexistência, e enquanto suas garras não se satisfazem, o sangue de crianças
e adultos vertem em um caudaloso insípido e pútrido, meu desejo é de não
presenciar uma irracionalidade destas jamais, mas como existem alienados para
apoiar estas situações, a improbabilidade não é anulada, e sempre são motivos
fúteis que impelem estes acéfalos para o combate, o motivo maior?, a ganância e
a ostentação de poder e armamento bélico com tecnologias avançadas, por que
proteger os interesses do país se o mundo é somente um e todos vivem nele?, o
poder ao subir à cabeça é difícil de ser controlado, e uma catástrofe, resultada
obviamente de um cérebro deturpado como o são os dos chefes de estado de
certas nações, pode acontecer em questão de segundos... ao longe... o esqueleto
de uma construção sem paredes sustentado por vigas de ferro enferrujadas, obra
parada por considerável tempo, placas de aviso no perímetro do terreno indicam
área perigosa e risco de desmoronamento da obra inacabada, uma espécie de
musgo impregnado entre uma placa e outra me causa aversão, sinto uma
sensação estranha de invadir a propriedade, transgredir a lei, parece que minhas
roupas estão coladas ao corpo, sinto a idêntica sensação desconcertante da que
obtive ao sair da galeria, este sentimento de inexistência é a batalha do ser da
vida contra o descanso eterno, até que meus átomos, depois de morta, se liguem
em outro ser vivo, a não ser que matéria orgânica se transmute em inorgânica por
um processo ainda desconhecido, mas o universo é um infinito ciclo de
transformações, muitas se operam em mim porque estou viva e penso, reações
químicas, físicas, elétricas, fenômenos ininterruptos bombardeando o cérebro e eu
devaneando, quanta coisa!, não entendo e nem por toda vida conseguiria
compreender, para isto existem os especialistas, detentores, no bom sentido, de
um determinado conhecimento de patologias específicas para auxiliarem os
outros, por isso não há como entender o mundo, vários conhecimentos, estágios,
mentes, passando e progredindo, se soubesse mais sobre o que ocorre no corpo
e no pensamento... como pode ela reproduzir imagens mentais, ou por que seu
corpo se desgasta e morre?... imagino o quão exaustivo seria alguém relatar tudo
percebido e sucedido no interior do meu corpo, principalmente na minha essência
reflexionada, como descreveria esta rocha, aduzindo pingos circulares de diâmetro
muito inferior ao da roda daquele veículo, e como saberia quantas gotas de tinta
verde fluorescente caíram justamente nela?... dezesseis... mais adiante um
extenso laivo no betume, a situação mais provável é que um automóvel
transportando tintas tenha tombado ao passar por esta curva, com o ângulo menor
do que o incerto veículo poderia trafegar, minhas probabilidades são
comprobatórias ao ver incerta quantidade de cacos de vidro cintilantes, como um
mineral precioso, sendo aglomerados em um montículo por um morador da região
e colocados no interior de uma sacola reforçada para não se romper,
eventualmente será posta em um daqueles receptáculos de lixo, que divididos a
um plano meridiano se tornam hemicilindros, fabricados a partir da fundição de um
tipo de metal específico em uma indústria metal mecânica desta cidade industrial,
um dos principais pólos econômicos da região, inclusive importa seus produtos
para países desenvolvidos e subdesenvolvidos... o ronco de um motor, e um
veículo de grande porte surge virando a esquina lentamente... apesar deste não
ter um comprimento demasiado, passa com dificuldade, é um dos que executam a
coleta de lixo, o mecanismo prensador dos detritos é movido por pressão
hidráulica, a hidrostática foi importante neste caso, o cárter e o bloco do motor
foram produzidos naquela empresa de metais, no presente não recordo o nome,
um homem desce da parte traseira do veículo e joga os detritos de origem
orgânica e reciclável devidamente separados na carroceria... o motor do veículo
alimentado por combustível é análogo a seu sistema cardíaco impulsionador do
sangue... pessoas falam alto, mas não distingo de qual direção provém as vozes,
o que acontece nesta casa?, aparenta ser uma festa, as crianças folgueiam na
parte frontal do terreno, os jovens sentados em duplas em volta de uma pequena
mesa conversam acaloradamente jogando cartas, os decrépitos dialogam
próximos da porta de entrada principal da residência, um adulto gordo vestindo
suspensórios sentado junto a eles chama alguém, movimentando a cabeça para
que sua voz seja ouvida limpidamente sem interferências, ato resultante de um
instinto, pois um aparelho de som está tocando música a um volume mediano, em
poucos instantes surge um garoto trazendo um objeto plano circular e prateado,
com um segmento de reta partindo do ponto central da bandeja de
aproximadamente 150 mm, sobre ela, apesar da distância entre eu e os objetos,
avalio no mínimo oito copos ou mais, a seguir uma mulher transporta um jarro
translúcido, contendo uma substância líquida de coloração vermelha, ela chama
as três crianças que atendem correndo na direção dela, sorrindo de felicidade os
pequenos pegam os copos e se sentam na escada situada na frontaria da
varanda, os adultos e velhos também pegam os seus, mas faltam dois que
rapidamente são trazidos pelo garoto, então a mulher inicia a distribuição do
líquido primeiramente aos pequenos que olham para cima e erguem os copos, e o
líquido flui, caindo de um receptáculo maior para outros menores, dividido em
equidade entre os presentes, ao perceber que faltará para alguns adultos, ela
adentra à residência e restitui o líquido faltante no jarro para a alegria de todos,
que conversam e se divertem... os jovens também querem, mas a mulher
responde o pedido com desdém e um brusco: Busquem vocês mesmos!... vejo
que existe uma distância particular químifísiaritmétibiológigeogra-
fihistórisociológipsicológifilosófica entre eu e todos eles, química porque
inumeráveis átomos que compõem o ar estão entre nós, física porque há uma
força de atração entre as ligações moleculares dos átomos, aritmética porque é
possível calcular a quantidade de moléculas entre o espaço de todos, biológica
porque há uma diferença genética entre as células que compõem os seres vivos
invisíveis a olho nu coabitando nesta distância calculável, geográfica porque estou
em um ponto de latitude, em relação à linha do equador e longitude, em relação
ao meridiano de Greenwich, que difere da posição deles em relação ao planeta,
histórica porque cada um possui sua história pessoal, sociológica porque
apresentamos modos diferentes e evolutivos de viver em sociedade coletiva,
psicológica porque cada indivíduo possui sua idiossincrasia e seu modo de lidar
ou superar seus complexos, quando não é preciso da ajuda de um profissional, e
enfim, filosófica porque temos um modo único de perceber a realidade e interesse
de conhecer peculiaridades, além desta última englobar todas as demais, pois
sem amor ao conhecimento as outras jamais seriam criadas com o objetivo de
investigação, mas desconsiderando essa distância abrangente, estamos a cada
passo mais próximos da morte, todos os seres vivos são meros mortais e não há
como refutar ou fugir da morte... um dos homens parece chamar Camile, pois o
terreno é largo o bastante para percorrê-lo rapidamente, ela olha, vem um dos
pequenos infantes e a convida para tomar o fluído... do modo como fala
demonstra sinceridade, seu olhar não diverge do interlocutor, está calma e seus
gestos não são bruscos, denota segurança no seu modo de se expressar... recusa
e palra o pretexto de que está com pressa, mas a insistência da criança a faz
entrar, destrava o pequeno portão de madeira com espaços entre as tábuas de
compleição retangular, a extremidade superior semicircular e a inferior serrada
horizontalmente, e adentra, caminhando na estreita vereda com o ser infantil à sua
frente, ao chegar próxima dos festantes, surge do interior da casa um de seus tios,
fica perplexa por encontrá-lo justamente ali, ele explica que são vizinhos, no futuro
ela iria conhecê-los, só então percebe a proximidade da residência dos seus tios,
restando poucas quadras... inconscientemente vou para casa por ruas
desconhecidas, foi por esta que passei ao chegar na cidade, tantas ruas que me
confundo, preciso chegar logo para tirar o absorvente, melhor se puder usar o
toalete desta casa e me libertar deste incômodo... indaga a seu tio onde se situa o
cômodo apropriado para as necessidades fisiológicas, ao entrar no local retira o
absorvente, joga-o no lixo, faz a devida higienização das partes íntimas e evade-
se, pronunciando ao tio que irá para casa, ele a adverte para ter cuidado... agora
sentindo-me aliviada posso continuar calmamente, flanando por veredas quase
obscuras, passarei pelo museu artístico... um rapaz sozinho na praça do museu
segura um pequeno bloco de notas... sentado em um dos bancos, apóia o bloco
em um de seus genunflexores e ampara suas costas em uma das laterais da
mesa, local propício para se redigir e pensar, com uma lagoa à sua frente, e o
museu, uma casa do século XVIII quase a seu lado, ele observa o guarda
alimentar os animais guelrrináuticos escamosos, jogando pedaços de pão a esmo,
depois de alimentá-los desobstrui sua garganta escarrando na relva semi-aparada
e anda até seu posto de observação abrangente na varanda do museu, os
aquáticos submersos emergem e saltisaem da massa líquida, permanecem no ar
por milésimos de segundo e depois retornam para seu habitat, no outro lado da
pequena lagoa uma ave pousa entre os três apoios cúbicos de um banco, pega
algo com o bico e retira-se rapidamente, é curioso ver a ave captar as coisas com
o bico, a dificuldade para um gajo acostumado com os manidígitos seria
extravagante, mas elas têm a capacidade de voar e pousar em qualquer local dos
vegetais, um gajo não, o rapaz continua a pensar, provavelmente logo começará a
expelir fumaça pelos auriculariórgãos, causada pela combustão dos neurônios, e
paire sobre seu crânio como uma diminuta nuvem com cheiro de queimado, com
certeza apenas linguagem figurativa, o que literalmente ocorre em seu cerebelo é
devido às células nervosas usadas em quantidades enormes por meio de
impulsos eletroquímicos enquanto pensa e permanece vivo, o que não acontece é
sair fumaça do cérebro como resultado deste processo, e sim idéias, muitas, e
isso se sucede agora com ele, pois escreve freneticamente, será algo concernente
àquela obra de arte de concreto, que parece flutuar sob o líquido plano observada
por ele?, a base abaixo da água tem de ser firme e resistente, inferindo pelo
tamanho da estrutura da obra demasiado pesada, ao longe um cano de
circunferência medíocre despeja água na lagoa, dissolvendo oxigênio e água
corrente para os entes aquáticos sobreviverem, é necessário o movimento das
moléculas de água para haver vida dentro dela, agora veículos chegam e
estacionam no extenso pátio do museu, um deles é de uma clínica veterinária, de
todos descem mulheres e todas conhecem a responsável pelo caderno de
assinaturas dos visitantes da exposição de desenhos em nanquim, com o nome
do artista responsável grafado em uma grande placa dependurada acima de uma
das janelas superiores da casa, o telhado está protegido por gárgulas inertes,
figuras grotescas com a cabeça voltada na direção da porta de entrada, o nome
da exposição me parece interessante, mas irei outro dia, o rapaz pega sua
bicicleta branca e evacua a praça, some como um gás expandido, vou sentar onde
ele estava para perceber os objetos e seres do mesmo ângulo, sento nos bancos
de granito pouco confortáveis e deixo os livros embrulhados sobre a mesa, o
panorama do local é convincente, porém, observo os objetos e demais coisas e
aos poucos noto tudo diferente, por mais triviais que as coisas pareçam e penso
saber sobre elas, não sei absolutamente nada nem tudo, ou como estas árvores
podem viver, imóveis, mas com uma pujança vertical e desafiadora da gravidade
estupenda?... supor o que é a vida, se não sei quem sou, em quais possibilidades
pensar, e quais conjeturas partir para descobri-la?, inefável... porque não há como
defini-la e acaba... estranha e incerta a ponto de resvalar para o desconhecido da
inexistência, por que tem um início e um fim?, talvez esta simples questão perdure
por séculos sem uma resposta convincente, pois pareço viver numa ilusão em que
o mundo existe somente da maneira percebida por mim, diferente da percepção
das outras pessoas, porque elas também são ilusões, vultos, como se tudo não
existisse materialmente e sim nas ilusões aparentes, local inspirador este, aqui a
imaginação toma proporções tão férteis que uma nefelíbata como eu sente
torrenciais orgasmos mentais... ao constatar reflexos nas ondulações na face da
lagoa espelhada os objetos e seres reflexionados à orla oscilam causando uma
ilusão de óptica peculiar e admirável... um pássaro voa através do jato de água
expelido do cano que alimenta a lagoa, o vento sopra e leva folhas marrons, em
tudo ao meu redor há dinâmica e cada objeto tem o tempo certo em que executa o
movimento, esta é a relatividade, presente também nos micro movimentos das
moléculas dos átomos debatendo-se, não as vejo, mas se não existissem, a mesa,
o banco, o lago, não existiriam, porém, é incomum tudo ter seu tempo se tudo
pode ocorrer ao mesmo tempo e no mesmo espaço que minha, ou demais visões
alcançam, tanto lateral quanto profundamente, não sei como o tempo se passaria
sem a compreensão exata da mente, imagino-o como uma ponte suspensa sem
as extremidades presas a nenhum ponto da terra, atrás de mim ela se fragmenta,
forçando-me a andar para frente e impossibilitando-me de voltar ao passado, o
presente é o momento que ando, e o futuro é o que falta percorrer, mas em um
momento e parte do trajeto a ponte cessa, não há como ficar no presente e o que
resta é apenas o precipício nebuloso da inexistência, da morte, do nada... porque
depois de nascer ela não teve como se libertar da abstração do tempo... as coisas
mudam, o passado muda de uma forma tão rápida, e quando percebemos nos
resta somente o gosto amargo da nostalgia, então notamos que a vida se converte
em passado, lembranças de momentos cômicos, tristes, de rebeldia, de
adrenalina, mas tudo é perdido e nada, nenhum daqueles momentos voltam
concretamente, são somente imagens vagas, perdidas... que vão compondo uma
vida no presente para o futuro retirar a sua triste melodia, a melodia da
inexistência, de uma vida que passa e sucumbe até não existir nem mais na
memória das pessoas... perco-me nos labirintos do passado e me desnorteio do
futuro, estranho como a vida, uma aventura que acaba de forma trágica para
todos, e as cortinas se fecham... ninguém sai vivo desta peça... não gosto de
lembrar do passado, tempos de glórias, erros, melancolias, ansiedades e, nada
muda, apesar das pessoas serem únicas todas tem um passado, porque vivem o
presente e viverão o futuro, mal sabem dele, pois é imprevisível e mais absurdo do
que o presente do que sou agora, no passado jamais imaginava descobrir uma
verdade, acabarei sotoposta pela terra a sete palmos e não haverá outra vida
além desta, o que não entendo é como pessoas se preocupam tanto com
futilidades feitas ou não por nós, se às vezes nós mesmos não nos
preocupamos?,o que eu faço aqui?, eu, esta palavra é tão estranha quanto seu
significado, como sei que nasci e não outro?, porque impuseram, eu seria a
Camile, mas não sei quem ou o que é o Eu... tristes divergências existenciais em
uma formação individual, provaram que existimos, mas quem somos ainda não...
creio ser um problema individual e subjetivo, entretanto, quem descobrir uma
mísera diretriz ajudará aos que tateiam e nada descobrem como eu... apesar de
escarafunchar e insistir sempre neste ponto... nasci e tomei consciência de mim
depois de adulta?, isto me foi ensinado, então, mesmo não querendo, faço parte
de um sistema chamado cultura, e deste não há como fugir, é melhor enfrentá-lo
porque esbarro em mim, apreendo meus costumes e modos geralmente não
percebidos e inicio meu auto conhecimento... todavia, está ao acaso e não há
como ter a certeza de concluir algo, mas tentar é um início... abandonada ao
acaso, porém, se estou assim, a pessoa mais indicada e responsável a tomar a
iniciativa de traçar e decidir um rumo sou eu, presa em um planeta sem o
conhecimento do futuro na galáxia, pois a Via-láctea está toda em movimento no
universo, ou estaria parada, qual a certeza de ambos?, tudo pode estar parado até
que o pensamento o movimente, ele é a força motriz de tudo, pois não há como
saber se o pensamento movimenta-se, se não há como senti-lo com os sentidos e
nem por ele próprio, é interessante pensar no pensamento, do que é composto, e
ainda, não posso tocá-lo, mas a árvore reflexionada por ele à minha frente... mais
um carro chega... pessoas desembarcam munidas de máquinas apropriadas para
congelarem suas imagens por meio de fotos, gostaria que me enregelassem hoje
para voltar a viver em um futuro remoto e constatar a evolução do pensamento
humano, mas a criogênese ainda não é uma realidade, que barulho é esse?...
analisa em volta e não nota nada de anormal, mas ouve... o barulho de
adolescentes rindo e falando alto se aproxima rapidamente e não estão correndo!,
desviam do depósito de lixo, um receptáculo verdimóvel, do ponto de parada do
transporte coletivo, e cumprimentam uma anciã sentada esperando o ônibus,
deslizam sobre as calçadas com botinhas e sob estas uma série de rodas
transparentes de gel, rolamentadas, para a velocidade de locomoção aumentar
gradativamente, os três jovens estão equipados apropriadamente, cada um
carrega uma mochila, certamente vêm de um local, denominado ponto inicial, que
tem de ser subtraído do ponto final para saberem o deslocamento de espaço
percorrido, o mesmo podem fazer com o tempo, diminuem o tempo inicial do
tempo final, gerando assim o deslocamento de tempo que levam para se deslocar
de um ponto a outro, e se calcularem da próxima vez saberão quanto tempo
passará ao percorrerem certa distância, poderão computar até a velocidade
média, dividindo o espaço percorrido pelo tempo obtido da subtração do tempo
inicial pelo tempo final, cálculos simples para tornar os problemas práticos, mas
agora se avaliarem pelo tempo relativo, estes estabelecidos valerão somente nas
fórmulas, cada pessoa do trio terá uma concepção diferenciada da passagem do
tempo, agora um tirilintintar refulgente escoa em ondas sonoras quando ouço o
atrito dos metais cilíndricos daquele mensageiro dos ventos suspenso no teto
pronto para atingir o assoalho da casa secular como uma flecha, na beira da lagoa
pequenos vasos com flores ornamentais, diminutos seres vivos vegetais
desafiando a força centrífuga da terra, sobre o lago plantas aquáticas com botões
esperando para desabrochar e sob meus calçados terra e água, lama, esta parte
da praça não tem as ervas que cobrem o solo mais adiante, os tijolos são feitos
desta substância mole e escorregadia, mas conforme é feita a mistura de
componentes a consistência da massa varia e depois de colocada em fôrmas com
os devidos tamanhos é levada aos fornos da olaria e cozida para a água evaporar,
o barro tomar forma, enrijecer e depois ser usado em construções, também usam
concreto e ferros para a armação, existem tipos de casas na qual a armação é
feita de madeira, são chamadas de modelo enxaimel, já para construções de
grande porte, como a fábrica onde surrupiei esta bela flor, são utilizados pré-
moldados, ou seja, os pilares de fundação e sustentação das paredes são feitos
antecipadamente e cravados no solo até certa altura com o auxílio de máquinas
bate-estacas, produzem um barulho insuportável por ser repetitivo, aquela fábrica
foi construída por máquinas e seres muito obstinados, que ao término de um dia
de esmero vão a restaurantes e bares tomar algum líquido, um dos costumes das
pessoas desta cidade é beber um líquido amarelado e fermentado da cor de urina
com um gosto levemente amargo, as empresas produtoras deste tipo de bebida
alcoólica contratam profissionais especializados com paladar mais refinado para
experimentarem a bebida antes de ser comercializada, o paladar é uma fonte de
prazer para os glutões e os que não superaram a fase oral, mas as pessoas que
não notam o paladar não sabem de sua importância, imagino se não sentisse o
gosto dos alimentos, comeria qualquer coisa, até mesmo aquelas ervas ali no
chão ou esta lama e não sentiria nenhum tipo de gosto peculiar, e a alimentação é
uma das necessidades básicas da vida, as empresas alimentícias também
possuem os seus deglutidores especializados, e estas, ao contrário das de
bebidas são as que tem menor propensão de ir à bancarrota, todos os seres
humanos precisam de alimentos, além de roupas, moradia, água e outras coisas
essenciais, as roupas variam de acordo com o clima predominante na região
habitada, a água é indubitavelmente importante, pois aproximadamente sessenta
por cento do corpo humano é constituído dela e a moradia é essencial para as
pessoas se protegerem das intempéries causadas pelo tempo, nas regiões de
muito frio as casas são feitas de pedras de água solidificada, é interessante,
mesmo de gelo a edificação é mais quente que o exterior porque há troca de calor
entre o habitante e o ar interior, isso em regiões árticas e antárticas do globo
terrestre, onde ocorrem frequentemente tempestades de neve, ao contrário, nas
regiões desérticas as tempestades são de areia, mas o modo de vestimenta de
ambos é parecido porque, enquanto um povo usa roupas grossas para se proteger
do frio, o outro as usa para evitar a evaporação de líquido contido no corpo, pois o
calor intenso do dia contribui para a desidratação, à noite a temperatura é
antagônica e atinge graduações próximas ou até abaixo de 0° Celsius, 32,00°
Fahrenheit e 273,2° Kelvin, e os animais não falecem com as oscilações de
temperatura, o dromedário acostumou-se com as condições climáticas, deve ter
uma pele muito grossa que o protege do frio e do calor, a capacidade de conter
água dentro de si é enorme, pode ingerir até cem litros de uma vez, as aves
chamadas abutres vivem em grande quantidade nos locais próximos às
populações, somente assim sobrevivem, alimentando-se de cadáveres, a natureza
trabalha coerentemente, pois os vegetais desérticos também encerram incerta
quantidade de água, como os cactos com muitos espinhos, forma de proteção,
interessante é um dos maiores rios do mundo se encontrar no deserto, grandes
belezas do planeta feitas pela natureza, mas várias produzidas pela humanidade
também, aquela muralha imensa em um dos continentes com o maior contingente
populacional do mundo, continentes separados por placas tectônicas, estas,
responsáveis pela formação de cordilheiras que demoram milhares de anos para
se formarem, alguns países ficam sobre as divisões das placas, ao colidirem-se
causam tremores na superfície terrestre, terremotos, medidos por sismógrafos,
nos mares são maremotos, e nos ares são furacões, quando ocorrem em regiões
habitadas, provocam gigantescas catástrofes, aliás, a humanidade está
acostumada com catástrofes, tanto com as provocadas pela natureza como as
provocadas por ela própria... uma árvore próxima do ponto de ônibus na calçada
está prestes a cair, entretanto, apoiaram-na em um madeiro posto em uma parte
íngreme do terreno ... a primeira célula vista em um microscópio rudimentar foi da
cortiça de uma árvore, não sabiam que era constituída de núcleo, vacúolo, retículo
endoplasmático, complexo de golgi, cloroplasto e mitocôndria, e somente depois
de ser criada a citologia, uma ramificação da medicina, e outros avanços da
biologia, descobriram as células procariontes e eucariontes, e puderam saber
todos os componentes de uma célula animal, esta, mais complexa que a vegetal,
é formada de núcleo, que se subdivide em nucléolo, cromatina, e a membrana
nuclear com poros... entre o núcleo e a membrana plasmática da célula existe um
espaço denominado citoplasma... e no fluído chamado de hialoplasma, composto
por água, microfilamentos e microtúbulos, flutuam os orgânulos celulares como os
lisossomos, os vacúolos digestivos, os peroxissomos, as mitocôndrias, o retículo
endoplasmático rugoso e o liso, os ribossomos, e o complexo de golgi, cada qual
com a sua função, pois existem células específicas para cada parte do corpo...
levanta-se e continua a peregrinação, obsta em um ponto determinado e aprecia
por instantes... triunfantes correligionários sorriem em uma coreografia recíproca,
incitando passos correlacionais em direções convergentes e com um amplexo
retardante se cumprimentam como velhos amigos, encontraram-se por acaso em
idêntico horário, dia, mês, ano e rua, cidade, estado, país, mundo, pois este último
é único, será?, ambos aperciptaram-se de longe, houve um instante dúbio que não
se dilatou, a aproximação entre eles foi lacônica, e aplicados os pragmatismos
cumprimentais dialogam com ansiedade e surpresa, não por muito tempo, pois
logo seguem caminhos divergentes em uma marcha constante até o momento que
desaparecem do meu raio de visão, aqueles homens jamais se conheceriam se no
passado não obtivessem uma condensada concatenação amigável iniciada por
um intuito exterior de sociabilidade, isto frequentemente ocorre quando o ser
humano se torna consciente de que apenas com o uso da linguagem consegue se
relacionar com os demais, o choro do bebê é uma forma de linguagem rústica,
mas alerta a geratriz sobre a necessidade de alimento ou algo concernente às
necessidades fisiológicas... uma loja de aparelhos ortopédicos demonstra um
esqueleto humano minimizado, e aparelhos usados por pessoas com defeitos
corporais desperta sua atenção... cadeiras de rodas, não deve ser agradável
locomover-se com isto, lembrei da decrépita de hoje, usando uma, estranho o
modo de como memorizo e imagino as situações, reproduzo as imagens móveis
ou paradas delas, entretanto, não posso vê-las, ouvi-las, cheirá-las ou tocá-las, as
visualizo de idêntico modo como se o objeto ou o ser humano daquele momento
estivesse aqui, e se escrever sobre isto e pessoas lerem, certamente imaginarão
coisas existentes e inexistentes no âmbito material, mas nunca pensarão na
imagem que meu pensamento reproduz, não pode ser sentida pelos sentidos
como a imagem do esqueleto, pois a vejo e isto é o uso de um sentido, mais ao
fundo da loja um extintor de incêndio vermelho, à base de CO 2 ou gás carbônico,

se ocorre um incêndio causado pela energia elétrica não pode ser usada água
para combater a combustão, pois conduz corrente elétrica, no andar superior da
loja mora alguém, as persianas foram fechadas agora, sinto um leve aroma de pó
de sorvete que vem... perscrucircunda o ambiente de uma perspectiva
minuciosa... daquele local com as paredes frontais desenhadas, esferas de
tamanhos similares de equacionáveis cores que podem ser modificadas ao
adicionarem outras sem uma potenciável diferença na matiz diminuindo uma
possível multiplicidade de cores, resultando em uma porcentagem depreciativa e
obtendo-se a radiciação da cor principal, não afetando a permutação do resultado
final, que segundo minha crítica comprobatória são belas, e ao lado, uma loja de
tintas... avista bancos a uma considerável distância, não vai até eles, utiliza o
sentido oposto e logo... um hospital próprio para parturientes, nasci em um menor,
ao menos é o que meus procriadores palram, levaram-me para o quarto do
nosocômio onde vi uma luz artificial pela primeira vez e tive o desprazer de ser
traumatizada com a mudança de ambiente ventre-mundo, ficaram na memória
apenas resquícios do passado de presentes que já foram... sente a cintura da
calça folgada... parece que o zíper se abre conforme me desloco, venho
pressentindo a algum tempo, mas somente agora confirmo, a calça quase cai,
preciso deixar o invólucro com os calhamaços em um local árido, voltarei aos
bancos e a ajeitarei, aproveito e dou mais uma olhadela neste livro, esta minha
poreomania é compulsiva enquanto estou nas ruas, ao me sentar cessará por
instantes, mas logo... avista uma casa comercial com a vitrina obstada com uma
grande mensagem escrita em papel reciclável: Grande Promoção de Calçados e
Vestimentas!... compradores frenéticos escolhem os calçados de vários
paradigmas, eu, preciso de um par de meias, na infância tinha pares de variadas
cores com desenhos de bichinhos, ursinhos, girafas, cães, todas furadas, os
dedartelhos pareciam extravagantes, mas por que penso em meias? Agora é
absolutamente conveniente ser sucinta e ajeitar minha calça, já cheguei aos
bancos, e o cheiro do pó de sorvete divagando pela rua ainda é forte e parecido
com o daquelas velas decorativas perfumadas que meus parentes usaram no
jantar do primeiro dia de minha estadia, acenderam diversas com o formato de
conchíferas e ornamentaram a mesa não sei por qual motivo, descobri o motivo do
zíper se abrir, posterguei o abotoamento da calça após o uso do toalete naquela
casa... executa a relativa tarefa para a calça não cair e ao recolher o receptáculo
móvel para evadir-se do local... uma mulher com a blusa malhada lembrando os
pêlos de bovináceos ungulados de uma certa casta atravessa a calçada e logo
identifica-se como uma vendedora, oferece-me um conjunto de três porta-retratos
de distintos tamanhos, um grande, para fotos ampliadas, um mediano e um
pequeno, molduras requintadas nos detalhes curvos e sobressalentes nos quatro
ângulos retos e como forma de acabamento foram envernizados, a vendedora
parece ansiosa esperando a réplica, preciso argumentar que não estou
interessada... apesar da refutação negativa... ela não parece decepcionada, às
vezes as pessoas apresentam reações adversas às imaginadas por nós, presumo
que seja o resultado da superação de uma incapacidade transformada em
incentivo para as várias tentativas e abordagens concebidas por ela a outras
pessoas, não posso sentir o palato do que vejo, ou mesmo das cores, mas a calça
dela levemente amarronzada parece possuir um gosto nauseante e a blusa branca
com manchas pretas parece gelada, os porta-retratos são usados para ostentar
imagens de momentos ou pessoas que não queremos esquecer, nunca fui
fotogênica e não me apraz ser fotografada, nas fotos o tempo paralisa, não há
movimento, são obras de arte prontas, desiguais das pinturas, mas com o mesmo
intuito, o de preservar aquele instante para a posteridade dos descendentes de
uma família ou um contingente populacional maior, a arte serve tanto para deleite
dos sentidos do admirador como para postergar a vida do artista, que extravasa e
traduz os sentimentos e pensamentos do seu interior naquele momento de
inspiração, ou o que sente e pensa durante toda sua vida vivo, todos moldam suas
vidas porque todos são artistas, um gajo possui uma qualidade e desempenha
uma tarefa com a prática conhecida somente por ele, portanto, eu o considero um
artista não reconhecido pela maioria, mas é complexo entender porque certas
pessoas almejam a posteridade, algumas querem mostrar sua capacidade, outras,
passar mensagens ou o que pensam, e outras ainda, vaidade e auto-afirmação...
a vendedora depois da réplica negativa persuade um pedestre de idade
avançada... tenho uma vista parcial do que aparenta ser um grande moinho, se
andar naquela direção irei circunspeccioná-lo de uma perspectiva retificada para
visualizar a maior fração possível da estrutura... burla algumas ruas... apesar de
ser imenso e com um rumor adiáfano que ouço baixo devido à distância, cogito
como seja o interior desta indústria trituradora de grãos, os dois cilindros
gigantescos são os depósitos onde armazenam o produto bruto ou o próprio para
mercantilização, as janelas opacas transparecem as máquinas oscilando, a
quantidade de pó é insuportável sem nenhum tipo de máscara para respirar, neste
momento chega uma carga e o veículo estaciona em uma das plataformas
numeradas para o descarregamento, provavelmente tem toneladas de grãos de
cereais, passarão por muitos processos até chegarem aos consumidores direta ou
indiretamente, a fábrica foi construída em uma estância estratégica, situa-se
defronte a um rio facilitando o transporte por navegação, de símile modo é
empregado o setor ferroviário, cuja ferrovia está contígua à parte traseira do
moinho, moinhobra monumental bem projetada, há uma parte da cobertura sem
telhas de onde desponta um epicrânio, surgindo depois o restante do homem
trajado com uniforme branco, pisa com cuidado, está cingido por uma corda na
parte mediana do corpo, outro homem aparece e apenas o auxilia, entrega-lhe
uma mangueira ou algo semelhante, pois não tenho uma visão perspícua daqui,
parecem dois himenópteros perdidos na grandeza da estrutura, um jato de água é
expelido, mas a limpeza teve início em dias anteriores, porque um terço da
cobertura deste lado está mais límpida, ele somente continua, o risco de morte
desenvolvendo essa atividade é maior do que a dos operadores de máquinas
apropriadas para trabalhos pesados que descarregam o caminhão, não vejo sinal
de embarcações ou trens pela área, devido ao movimento e ao dia algumas
empresas não labutam hoje, esta fábrica é uma das que não podem parar,
manipulam produtos alimentícios perecíveis e se estes ficarem muito tempo
armazenados se deterioram... desvia da rua que leva à fábrica e vaga para o
leste... um muro semelhante ao de uma fortaleza mais adiante, arquitetado com
minerais litóides hexaédricos, estanca uma desmesurada medida de terra, pois
devido aos acidentes apresentados pelo terreno, teve de ser contida para não
avançar e ocupar o espaço reservado aos passeantes, protegendo-os, e sobre um
outeiro distante do muro, a casa, em meio a muitos vegetais longicauleados
plantados em lacunas simétricas limitando uma senda desde o alto portão de
entrada até a garagem, a residência em sua totalidade é uma admirável
edificação, os habitantes desconheço quem sejam, porque está abandonada, mas
nada impede a ocupação de pessoas, uma parte do telhado cedeu, será que o
proprietário irá deixá-la assim para o tempo destruir?, deveria conservá-la... uma
placa retangular branca com verbetes em preto, mostra que está para alugar...
aluguéis são uma boa forma de renda, sempre haverá o dependente de moradia e
o proprietário dependente do retorno da ocupação em capital, mas neste caso é
uma imobiliária que oferece o possível fechamento de contrato se o inquilino
possuir o montante pecuniário essencial, no frontispício do terreno há um ponto de
parada de ônibus com a armação de ferro e a cobertura de um tipo de metal
desconhecido no momento, a parte traseira do assento forma um ângulo de
noventa graus com um retângulo plano de poliuretano translúcido, neste,
anexaram com tenacidade alguns cartazes, ulteriormente rasurados, um de
formato A3 é mais evidente por ser amarelado, anuncia a apresentação de um
grupo musical... confere a data... aconteceu mês passado, nestes locais de
apresentações e grande concentração de seres humanos se encontra um
manancial numeroso de detalhes, no vestuário, no modo como se portam as
pessoas, nos movimentos, nos tons de vozes, inclusive, essas atitudes redundam
em avaliações de modo precário dos tipos de personalidades, dos artistas que se
apresentam e dos apreciadores... nos teatros e nos cinemas o comportamento dos
agrupamentos não é o mesmo... um grupo de empregados azuniformizados com
irrelevantes emblemas em suas camisas e calças respingadas de tinta branca
trafegam por vias de entrarem no edifício adiante para efetuarem transações
bancárias, mascam uma goma que não deglutem mas também não jogam fora,
repentinamente grandes esferas aparecem de permeio aos lábios de dois deles,
produzidas obviamente por suas línguas, músculos faciais e assistência dos
pulmões com ar contido para insuflá-las, os pulmões são responsáveis também
pela hematose, transformando o sangue venoso em arterial com o contato do ar
aspirado, além de desempenhar diversos fatores relevantes no corpo humano,
todos os órgãos são essenciais e desempenham suas funções, sem um deles o
corpo sofre conseqüências graves, o mesmo aconteceria com o estado se uma
daquelas pessoas que descem daquele ônibus não desempenhasse uma função...
apenas joguetes na mão do estado... o condutor opera a máquina com
movimentos mecanizados, torna-se parte do corpo metalizado do automóvel,
conjeturo que optando pelo transporte coletivo em vez do particular, as taxas de
poluição diminuiriam bastante, porém, as empresas dos transportes não deveriam
abusar no valor das tarifas, nesse tipo de transporte são cobradas através de
cartões inseridos ou aproximados a pequenos objetos eletrônicos totalmente
automatizados, no passado presenciei um acidente no interior de um ônibus,
quando um homem sentado próximo das portas com uma criatura infantil no seu
colo não percebeu que a pequena, sem noção do perigo, deixou suas manimorfas
contíguas a uma das portas automáticas do veículo quando se abriram, e ao
fecharem-se, prenderam e esmagaram as frágeis digitifalanges, causando
convictamente comoção mas também transtorno para os passageiros, que
precisavam chegar em locais e tempo estipulados por outrem, tudo isso é tempo,
e se não ocorressem esses fatos e mobilidades dos objetos o tempo não teria
passado, este tempo universal e relativo não é o mesmo de um relógio,
mecanizado, é visível na forma de movimentos de entes orgânicos vivos e inertes
inorgânicos, como os metrôs, ainda não constatei nenhum sinal de entrada para
estações, suponho que os subterrâneos desta cidade não comportam a
envergadura desse tipo de construção, mas comportam o ônibus, que arranca
lentamente com as sílabas de luzezinhas acesas na parte súpero-anterior
indicando sua trajetória pela cidade, deglutiganhando o negriasfalto sinuoso
sinalizado por faixas de segurança brancas, estancando carros afoitos para
partirem, os pedestres atravessam com segurança inefável e galgam
perigosamente as calçadas alpestres quase inexcaláveis pelos himenópteros
alpinistas, mais à frente um bolo de mínimos voadorinsetos circunveccionam
diametralmente evoluções iniguais, cada um segue sua direção sem evadir-se do
conjunto coletivo a que permanecem submetidos até o termo de suas vidas, com a
humanidade não é diferente, para eles o mundo é um universo como para mim o
universo é um mundo com as cortinas fechadas, a humanidade presume estar
sozinha neste espaço ainda desconhecido, às vezes olho pela minha janela e
percebo que... os mistérios da vida são maiores do que imagina, mas... um dia
tudo é desvelado e todos os fenômenos nunca são cabalmente inescrutáveis para
a cognoscibilidade do pensamento ainda incognoscível, essencial, principalmente
para formular reflexões sobre ele mesmo... já que tudo tem uma parcela de
inexistência, inclusive o cogito... aquela canção ainda redunda em minha memória,
e melhor reproduzida que no gramofone com seu complexo sistema de
funcionamento por meio de fios, conexões, impulsos elétricos, peças mecânicas e
eletrônicas como o transformador, fusível, placa eletrônica com diodos, resistores,
capacitores, memórias e outros componentes soldados a ela, a parte mecânica é
o prato rotacionado por um pequeno motor, a agulha que se anexa ao braço, e
demais componentes que cessam o movimento após o término de um dos lados
do vinil, matérias brutas transformadas pelos racionais, aquele veículo foi
transformado em uma residência ambulante com a mobília essencial devido ao
espaço no seu interior, a maioria das residências é maior, geralmente são
divisionadas em salas, quartos, cozinhas, toaletes, lavanderias, et cetera, por isto
encerram demasiada mobília, muitos dos móveis são superficiais e servem
apenas para enfeitar, mas por que tantas coisas supérfluas?, para compensarem
algo que não obteram na infância?, esta é a fase de maior interesse e captação da
realidade, ao tornar-se adulto o racional julga saber de tudo que precisa saber,
porém, ignora que apenas começa a aprender, cada dia de vida é novo e único,
nunca acontecem fenômenos iguais, pois os movimentos não são executados de
uma mesma maneira, como o abrir e fechar de pálpebras inconscientemente
realizados agora, pois nunca fiz o ato neste segundo, nesta velocidade e no
mesmo ímpeto reflexional que se cerrariam quando algo perigoso fosse percebido
se aproximando dos oculariórgãos, a quantidade de ar que respiro, a intermitência
das expirações, feitas somente uma vez na vida, mas tudo isto se amálgama e
torna-se unívoco, atingindo a sublimação nos meus e demais pensamentos...
descobre a localização do Mercado Municipal... meus tios proferiram algo atinente
a este comércio específico, está fechado, aqui se efetuam vendas de produtos
artesanais de artistas locais... uma praça em uma das laterais com um proscênio
para eventuais apresentações... notei que em algumas praças desta cidade
construíram um palco, todas bem conservadas, contudo, inexistem aves
columbinas, geralmente fervilhinvadem as praças da minha cidade natal,
alimentadas pelas almas caridosas e filantrópicas, que descansam ou
simplesmente pensam e observam os pedestres, mas às vezes todos os
transeuntes ou permanecentes estão susceptíveis a receberem uma contribuição
como forma de gratidão nada aprazível, inexoráveis bombardeios de cloacas
pérfidas despejam os detritos atômicos em vítimas inócuas e distraídas,
incomplexos escopos móveis, aqui, perto de um dos jardins, somente o busto de
uma mulher não conhecida, fez algo de importante para ser lembrada, no entanto,
agora não pode fazer mais nada, essas pessoas se destacam porque fazem algo
no momento em que lhes surge a idéia ou melhor, a transformam em ato,
quebrando as conformidades protocolares de sua época e revolucionando
seguimentos concernentes à mudança proposta... mas também são pessoas
comuns como ela que labutam nos bastidores das reminiscências e obliterações
da história... às vezes eu quero, mas querer não é poder e poder não é fazer,
posso querer fazer um ato influente, mas não sei como iniciar, então só farei se
aprender e transformar o querer em fazer por meio do poder, que são vontades
não realizadas, pois nenhum deles está concretamente feito, são apenas
possibilidades, e querer ser um pensamento tentando sobreviver hoje num
diminuto espaço do tempo, uma vida logo inexistente, é complexo, pois o que são
cem, cinqüenta anos em comparação à miríades?, os corpos apenas passeiam
por entre as florestas densas e grandiosas da existência e os pensamentos?, bem,
os pensamentos criam as florestas, a existência, o tempo, o tudo e o nada, mas o
que quero no universo, com um simples passeio pelo planeta das florestas se
minha vida flutua como aquelas esbranquiçadas nuvens remotas contrastantes
com o dia?, nuvens dispostas como rápidas pinceladas, símiles a uma inexorável
proporção mediana de fios, fios muito finos como a fumaça de um líquido,
parecem pinturas, inertes, enxergo-as até certa altitude, depois, resta o universo
incomensurável a ponto de meus pensamentos ou percepção não conseguirem
definir... repentinamente tudo fica silencioso... então me sinto sozinha e a tristeza
retorna como um furacão, provocando desordens interiores com sentimentos de
angústia, tenho de transferir o problema do âmbito enfraquecido para o reacional,
traçar um plano para a ocupação rápida do terreno árido e revoltoso dos meus
sentimentos para a razão ser restabelecida antes que algo de importância maior
sobrevenha... e os pensamentos suicidas reaparecem, tênues... agora sou a única
aqui, o pior na solidão é não ter o que pensar, não se torna algo a ser descoberto
e sim entediante, solidão e silêncio se combinam, a única pessoa com quem se
fala é a si mesmo, será a solidão minha sombra perpétua?... ao morrermos
também ficamos sós... pois não há racional que nunca tenha se sentido sozinho
em nenhum instante de sua vida, neste instante me sinto só exteriormente, mas
acompanhada e preenchida de meus pensamentos, sentimentos e sensações...
suicidas... o exterior é sem consistência, superficial e o que provém dele é uma
forma de cópia, antagônico ao abismo desconhecido do meu interior abrangendo
conhecimentos retidos, mas de nada servem se eu não exteriorizá-los a outro de
formas organizadas, por isto ambos necessitam estabelecer relações mesmo que
obrigatoriamente, se não existissem os opostos, ou tudo seria extremamente
incomplexo, ou complexo, mas creio que a maioria das dificuldades são
concepcionadas intimamente, assim a pessoa já encontra certa inextricabilidade
de compreender o exterior, pois tudo fecundado no âmago, reflete-se no exterior,
nas atitudes inconscientes da pessoa, lentamente começo a ouvir o barulho do
vento como uma melodia natural, não propriamente dele mas das coisas movidas
por ele, sinto seu afago na beleza de meus capilares, interessante também são os
passos avançados a seu favor, gostaria de desprender meus calçados da calçada
e voar como o vento, mas meu corpo não pode, e se todos pudessem teriam de
estipular um controle de direções, senão haveria uma colisão de massas corporais
ininterrupta, se no solo já esbarram-se... sentir-se só é completamente diferente
de estar só... principalmente nas cidades, não demorou para uma adulta com um
chapéu esquisito e toda enfeitada aparecer, sai de casa, gostaria de inquirir às
pessoas se elas enfeitam-se para si ou para os outros, às vezes ataviam-se para
adquirir encômios, li que muitos seres feminis casados quando vão à festas,
enfeitam-se para as outras mulheres e não para si ou seus maridos, seria uma
exposição ou auto-afirmação inconsciente de que não possuem confiança em si
próprias?, as pessoas têm vários modos de expor seus complexos sem que elas e
os outros percebam, muitos optam por destacarem-se, parecendo importantes
para não demonstrar sua real inferioridade, a mulher acena para alguém, um
menino sentado na varanda lê um jornal, cobrindo a parte superior de seu corpo, a
adulta deve ser sua mãe, preconiza vocábulos inintendíveis e ele parece não dar
atenção, ela entra em um automóvel e o dirige para um local qualquer, o capô do
seu veículo sustenta um enfeite com a forma de um ser humano cavalgando em
uma borboleta bicolor... diferente da borboleta da morte metalicinza sem asas,
destrói muitas vidas ao chocar-se com algum objeto, não tem olhos mas sempre
atinge o fito designado e traz dor e desgraça para as humaniflores... uma máquina
ambulante produtora de pipocas surge na esquina e chama a atenção do menino,
que permanece inexorável na cadeira com aparente tristeza observando-a, neste
instante passa por mim com o barulho dos grãos de milho a rebentarem, ato
resultante do aumento e da passagem de caloria no interior do utensílio de
cozinha, fabricado com o metal alumínio, abafando os pequenos fragores
manufaturados de forma díspar com maior intensidade, o proprietário da empresa
móvel me cumprimenta, preciso perquirir quanto está cada saquinho cheio... o
homem refuta o valor... presumo ainda ter esta quantia... procura nas algibeiras e
encontra as moedas... preciso escolher qual o sabor que agradaria o menino,
escolherei o doce... pipocas doces... efetuado o câmbio tenho de chamá-lo... o ser
infante ao ver Camile projetando acenos e segurando a tão desejada matéria
alimentícia vai até ela placidamente, faz a aquisição do bem oferecido com olhar
de alegria e a agradece várias vezes... pode ser que nunca mais o veja por
indeterminadas causas, talvez faça o mesmo algum dia, e já que não me sinto,
posso deixá-lo feliz com um simples ato, é uma forma de substituir minha
infelicidade pela alegria dele, sempre reverberamos inconscientemente os nossos
sentimentos nos objetos ou pessoas, um exemplo é o amor, se amo outra pessoa
demasiadamente, significa que me amo daquela maneira, ou não, é uma
reciprocidade redundante na própria pessoa que sente, outro sentimento é o
ciúme, se sinto ciúme de uma pessoa na qual me apaixono é porque não confio
nessa pessoa, o que representa: não confio em mim, é como um reflexo no
espelho, a imagem seria o consciente e eu o inconsciente, entretanto os genitores
do garoto deveriam admoestá-lo a não manter diálogos com estranhos, mesmo
por forma de pantomima... e na casa ao lado... uma mulher escavoca a terra de
um pequeno canteiro e rasga um pacote de papel, despejando em seguida o
conteúdo, sementes, é incrível que de algo tão minúsculo possam germinar coisas
grandiosas como certos vegetais sublenhosos, ou lindas como flores, ou
alimentícias como frutas e verduras, brócolis, tomates, cenouras, e um homem
observa a plantadora deficientemente, está com um curativo em um dos
oculariórgãos, talvez seja uma daquelas doenças provocadas por um derrame
purulento na câmara anterior dos mesmos, designada de hipópio... reencontra a
via férrea próxima a uma obsoleta estação ferroviária com a fachada bem
arquitetada e uma torre lateral, os trens, transportadores de produtos
industrializados, parados... a torre não possui ameias, tem uma cobertura
prismática cujas faces côncavas e arestas curtas protegem as paredes laranjas,
revestidas de uma camada de concreto trabalhada, da chuva até determinada
altura, existe somente uma porta para entrada e saída, e parece ser pequena
comparando-a com a torre de quase dezesseis metros, não vejo nenhuma janela
para a entrada ou saída de ar, mas seu perímetro constata uma imensa circulação
de ar em seu interior, as portas ficam sempre abertas, agora no alto da torre
aparece um homem com uma criança no colo, as expressões faciais dela denotam
engodo e um fragmento de alegria, o adulto aponta para diversas direções,
querendo situá-la ou mostrar os pontos mais bonitos da cidade catatônica e
melancólica, mas apesar disso tem seus lindos prédios datados do final do século
XIX... Camile tem a impressão de ser observada... logo chego àquele da esquina,
parece abandonado, e sigo à esquerda, equivoquei-me, o prédio foi ocupado por
aqueles anarquistas da praça do protesto, sentados nas escadas dividem bebidas
com mendigos e outros excluídos pela sociedade, exemplo de humanismo e
convergência de interesses com partilhas mútuas de bens, não vivem apegados
às coisas, mas à vida, e apesar do sofrimento não a abandonam, a usam para
tornar essa lama triste que está o mundo em algo melhor e igual para todas as
classes, nenhum deles sorri, bebem em um silêncio desiludido, um deles chega,
me olha rapidamente, passa e diz a eles que vendeu todos os adesivos e terão o
que comer, outro, agora levanta, desequilibrado, e gritentoa: Escória de todo o
mundo, a revolução dos parias sociais se aproxima!, sejamos nós os primeiros!,
são os que menos colaboram com a máquina, aprecio seus esforços porque
realmente lutam por seus ideais independentemente da situação apresentada... o
que foi uma bela praça... resta somente uma árvore grande e bancos na sua orla,
assimétricos devido às raízes da planta se alongarem antes de adentrar ao solo,
alguns com as bases sem o equilíbrio apropriado titubearão se um corpo
descansar sobre eles, um dos morros verdejantes à direita impede a luz do
astrisolar de alcançar e secar o solo após as chuvas constantes, a tampa azul de
uma garrafa qualquer destaca-se em contraste com os bancos cinzas e
deprimentes, ruínas do que foi uma obra de arte no centro da praça, um crânio
semi-rachado, isto novamente relembra a criança, que impacto horrível deve ter
sofrido, aquilo me provocou psicologicamente, e a cena do pequeno corpo... isso a
incomoda... coisas que não aconteceriam se não nascesse, mas não vejo porque
me lamentar se... a morte é inelutável e necessária para o ser humano aperceber-
se de que não existem diferenças nos extremos, nascimento e morte... todos
nascem e vivem, independentes de local, cultura, poder aquisitivo e demais
fatores, depois falecem e tudo volta a inexistência anterior ao nascimento, com
uma diferença, estiveram presentes em algum local do espaço e do tempo
representando com sua persona, como aqueles jovens que vejo agora, encenam
uma peça daquele poeta e dramaturgo inglês, na minha concepção o melhor de
todos os tempos, um dos personagens segura um crânio e inicia o monólogo, li a
peça há algum tempo, melancólica, profunda, linda, como a personagem que usa
vestes reais e posteriormente será assassinada, as melhores peças de teatro são
as trágicas, independente de época, não compreendo como uma pessoa pode
criar algo que nos faz sentir no âmago o que sentia, estas são as mentalidades
geniais, jamais as alcançarei, a coesão dos pensamentos transformados em
escritos tornam os sentimentos uma coisa translúcida, e expor os sentimentos é
imprescindível ao ser humano, afinal, é o único ser vivo que lastima, o choro, a
inspiração insufla o tórax, a garganta trava, a respiração divide-se em espasmos
violentos do diafragma, então o cérebro transmite a sensação ao coração e as
lágrimas vertem, como me aconteceu hoje, não há espectadores para a peça,
encenações mirabolantes, cingidas por interrupções de frases bem elaboradas
estimulando o raciocínio mais calculista para o sentimento... uma garota do grupo
finge sofrer de esquizofrenia como se estivesse atada a uma camisa de força...
alguns sintomas desta doença consistem em pensamentos aleatórios, mania de
perseguição, pessoas imaginárias, comportamento desorganizado e no estágio
avançado o paciente não percebe quais são as situações imaginárias e as reais,
apesar de ter os sintomas não sou uma psicopata com um grau elevado de
ameaça à sociedade... isto surge quando o subconsciente projeta no campo
consciente mais volúvel algum problema que fora reprimido em outras ocasiões,
assim a pessoa afetada sente a mudança repentinamente, e um simples
desequilíbrio basta para acarretar graves problemas se não forem tratados na fase
inicial, a fissura entre estes dois muros invisíveis ocorre quando a pessoa recebe
um choque do exterior, como a morte inesperada de um parente, o uso
exacerbado de medicamentos ou substâncias que agem no sistema nervoso, e,
sentindo-se deslocado da realidade o subconsciente libera todos os conteúdos
mantidos reprimidos sem conhecimento da pessoa, preenchendo as lacunas
vazias conscientes... e conforme a gravidade da psicopatologia, certamente
algumas lesões no tecido cerebral surgem, mas o uso controlado de remédios
fortíssimos corrobora para a melhora do afetado, porém em certos casos causa
forte dependência, pois o remédio age na ligação entre as células
neurotransmissoras do cérebro, alterando o estado sentimental, porque a
liberação de serotonina é maior que a normal para suprimir as condições
melancólicas ou depressivas do paciente, tornando-o complacente, e nos casos
em que há irritação e violência descontrolada os métodos aplicados são outros,
indo de aplicações intramusculares na corrente sanguínea atingindo assim o
cérebro em menor tempo, até os eletro choques, que parecem debilitar ainda mais
o estado do indivíduo afetado... mas indispensáveis no tratamento, este barulho
de moedas se atritando... separa-as de acordo, com uma em cada bolso, como
possui sete sobram cinco, o número de bolsos é insuficiente... darei as restantes
para estas pessoas que medem uma caixa de dimensões idênticas e em seguida
um objeto amorfo que parece pesado, elas não tem um objeto apropriado para
colocá-lo no interior da caixa, a solução mais prática seria levantar a caixa e
colocá-la sobre o objeto como uma capa, depois virá-lo cuidadosamente, neste
caso a física mesclada com imaginação auxiliariam muito, especulações
convertendo-se em prática, abstrato em palpável... repentinamente, estampidos de
fogos de artifício... resultado da queima de pólvora, a invenção desta substância
ocasionou grandes avanços, principalmente nas indústrias bélicas, contribuindo na
dizimação da espécie humana por meio de armas, veículos de guerra, bombas;
pessoas inocentes, vítimas constantes de bombas terrestres enterradas após uma
guerra... membros decepados... como seria viver sem um dos membros
locomotores?, acredito que as dificuldades seriam maiores, mas a superação
delas seria compensatória, e o pensamento do ser humano pode criar, basta um
modo de expressar suas idéias, porém não há como negar ou repudiar uma parte
do corpo, todas são essenciais e quem sabe o mais importante seja estar vivo
para senti-las ou pensar, apesar de pensar muito sobre a questão de hoje de
madrugada, ao elevar os dados dos aspectos da resposta na busca de obter uma
perspectiva profícua deparei-me com circunstâncias obstadoras, a principal:, me
acostumei com a vida, é claro que não sou hipócrita para dizer o contrário, todos
acostumam-se, alguns a suportam por determinado tempo, mas dão o ultimato
conscientes e com o uso da razão, outros matam-se por sentimentos, estes, não
fazem o uso da razão diretamente, os sentimentos tem maior domínio sobre o
raciocínio, não que pensamento seja desprovido de sentimento, a razão tem
sentimentos, mas os sentimentos não possuem a razão por serem frutos desta
última, com isso são apenas passivos de novas experiências impostas do exterior
para a razão, transmutando uma parcela de si própria aos sentimentos, por este
motivo os racionais tem uma capacidade maior de sentir a complexidade que
acontece consigo em determinados momentos ou situações, estas, sempre
exteriores, porque se um ser humano for cerrado em algum local sem contato com
seus símiles desde seu nascimento até sua morte, desconsiderando as
experiências e reminiscências guardadas durante a gestação não terá sentimentos
tão aflorados como um ser humano comum, porque não sobreviveria tanto
solitariamente como coletivamente, e a parcialidade cedida via razão ao
sentimento do ser humano é irrisoriamente desprezível, tendo o sentimento de
buscar um equilíbrio consigo, resultando em um princípio de neurose sentimental,
é o que sinto em meus acessos impetuosos de melancolia, mas hoje os objetos
seres e pensamentos apresentam um aspecto diferenciado, como as lindas flores
daquele jardim doirado de sons passarais platinados com os seus bicos de ossos
vitralizados, melhor que um dia ensolarado, mas não nego que seus raios
coloridos transferem aos objetos e seres vivos maior poder de visualidade e
distinção das cores amorfas e etéreas, nunca presenciei um ser humano segurar a
cor amarela ou a verde que se propaga no espaço da parede daquela casa,
porém, consigo distingui-las conforme minha visão capta do exterior, mas ainda
não pensei e reproduzi uma cor jamais pensada por alguém, as cores identificam
as coisas mas não se identificam para os deficientes visuais... agora sua vida
manifesta um de seus sentidos e a realidade apresenta-se da forma mais
translúcida possível... enfim, a rua definitiva, avisto apenas parte da sexta casa
verde a partir da entrada da rua, ruas da cidade ligadas como inextrincáveis
emaranhados, parecem teias, gosto delas porque são perfeitas, tenho fascinação
pelos insetos aracnídeos, principalmente pela viúva negra, que após o ato de
reprodução arranca os órgãos reprodutores do espécime masculino e depois da
morte dele ela se alimenta do cadáver, servindo inclusive às suas crias os
pedaços do pai, um final infeliz para ele, entretanto, a fêmea não tem consciência
de que também irá morrer, eu tenho, mas não sei quando e nem onde, preciso
traspassar a rua para... olha para os lados e atravessa rapidamente perscrutando
a porta frontal da residência, o vento aumenta e as folhas secas sobre a calçada
elevam-se em movimentos rotativos, distraída pisa em falso na calçada, tropeça,
perde o equilíbrio em questão de segundos e observa sem reação uma rocha
pontuda no chão aproximar-se, vira a cabeça para o lado, único movimento
coerente que executa, então sente uma matéria rija e coesa perfurando uma das
têmporas... meu sangue escorre diante de meus olhos... e antes de suas
pálpebras fecharem-se definitivamente um derradeiro pensamento lhe vem à
mente... Morri!... a frágil sacola rasga-se quando cai, e os livros libertam-se com o
vento a folhear as páginas...

Joinville
Novembro de 2004 – Março de 2006

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