Você está na página 1de 65

APRESENTAÇÃO

DE APOIO

MEDICALIZAÇÃO DO
SOFRIMENTO NA ATUALIDADE
Professores
MARIO EDUARDO COSTA PEREIRA CAROLINA NEUMANN DE BARROS FALCÃO
Professor Convidado Professora PUCRS

Psicanalista e psiquiatra, possui mestrado em Saúde Mental pela Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e doutorado em Católica do Rio Grande do Sul (2002), Mestrado em Psicologia
Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Université de Paris VII Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
- Denis Diderot, na França. É professor titular de Psicopatologia (2007) e Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade
Clínica pela Aix-Marseille Université, livre-docente de Psicopatologia Católica do Rio Grande do Sul (2014). É Professora Adjunta do
do Departamento de Psiquiatria da UNICAMP e professor do curso de Graduação em Psicologia da Escola da Ciências da
Programa de Pósgraduação em Psicanálise da UERJ. Atualmente, Saúde e da Vida da PUCRS. É Psicanalista com formação pela
atua também, como professor associado do Departamento de Sigmund Freud Associação Psicanalítica (Porto Alegre). Tem
Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da experiência na área de Psicologia, com ênfase em Tratamento e
UNICAMP, onde dirige o Laboratório de Psicopatologia: Sujeito e Prevenção Psicológica, atuando principalmente nos seguintes
Singularidade (LaPSuS). É diretor da Seção de Epistemologia da temas: psicanálise, técnica psicanalítica, psicopatologia
Psicopatologia da Revista Latino-Americana de Psicopatologia psicanalítica, trauma, sexualidade e gênero.
Fundamenta e diretor do Corpo Freudiano – Núcleo São Paulo.
Ementa da disciplina
Estudo da psicopatologia e do sofrimento. Reflexão sobre a dor e a
medicalização das experiências humanas. Estudo do hedonismo. Exame das
problemáticas da toxicomania e drogadição.
Aula
PSICOPATOLOGIA: A DOENÇA, A PATOLOGIA, O
SOFRIMENTO E O GOZO

MARIO EDUARDO COSTA PEREIRA

Pós-graduação – PUCRS online


Psicanálise e análise do comportamento

1
Campo semântico do termo
“Psicopatologia”

Estudo de doenças Semiologia


Psiquiatria clínica
mentais psiquiátrica

Abordagem Nosologia e Estudo de modelos


descritiva de nosografia dos nosológicos de
sintomas e transtornos transtornos
síndromes mentais mentais mentais

Estudo da relação
entre o sujeito e
seus sofrimentos

2
“Psicopatologia”: um termo da tradição
médica da Europa continental

◼ “Psicopatologia”: termo técnico forjado no século XIX.

◼ Usado pela primeira vez em 1878 pelo médico alemão


Hermann Emminghaus.

◼ Sinônimo de psiquiatria clínica.

3
Pinel: Nosographia philosophica (1798)

4
Charcot e Richer:
“Les démoniaques dans l’art”

5
Jean-Pierre Falret (1794-1870)

Jean-Pierre Falret, Jules


Baillarger, Bénédict-
Augustin Morel:

maladie mentale =
nosographie psychiatrique

Jean-Pierre Falret

6
W. Griesinger (1817-1868)

◼ “Doenças mentais são


doenças do cérebro”.

7
As espécies do gênero “loucura”

Monomanie du jeu Monomanie de


l’envie

Monomanie Monomanie du
militaire vol

8
Charcot e a iconografia da Salpêtrière

9
Kraepelin e os fundamentos da
psicopatologia psiquiátrica
◼ Kraepelin: método de observação
e descrição minuciosa dos fatos
clínicos, dispostos de forma
diacrônica

◼ Objetivo: isolar a entidade


mórbida

◼ Classificação sistemática

◼ DSM: abordagem “neo-


Kraepeliniana”
E. Kraepelin
(1856-1926))

10
S. Freud (1901): Psicopatologia da vida
cotidiana

◼ Pathos faz parte da


normalidade

◼ Existe uma condição a-


psicopatológica no homem?

11
T. Ribot (1839-1916): a “psicologia patológica”

◼ Do ponto de vista
metodológico, a psicopatologia
deve ser considerada como
uma psicologia patológica.

◼ Criação da Cátedra e
Laboratório de Psicologia
Patológica da Sorbonne.
T. Ribot
(1839-1916)

12
Eugene Minkowski (1885-1972):
Psicologia do Patológico

◼ Distinção entre psicologia do


patológico e patologia do
psicológico.

◼ Decide em favor da primeira:


psicologia do patológico

E. Minkowski
(1885-1972)

13
K. Jaspers (1883-1969) e a Psicopatologia
Geral

◼ Allgemaine Psychopathologie,
de Karl Jaspers, 1913.

◼ Abordagem fenomenológica: a
Erlebnis psicopatológica
transcendental

K. Jaspers
(1883-1969)

14
Kurt Schneider (1887-1967)

◼ “Doença mental”: uma


contradição em termos.

15
Psicopatologia e Antropologia

◼ V. von Weizsaecker: “Toda


patologia começa com a
pergunta – o que é o
Homem?”

V. von Weizsaecker
(1886-1957)

16
"Does current psychiatry need a
philosophical anthropology"?

◼ “A psiquiatria precisa de
uma antropologia
filosófica?”

◼ German E. Berrios
(Cambridge University)

17
Subjetividade e psicopatologia?

◼ Ciência e Sujeito.

◼ O ideal de objetividade e
técnica.

◼ A linguagem estritamente
científica da descrição dos
fatos psíquicos

18
Alguns sinais ...

◼ IGDA: International Guidelines for Diagnosis


Assessement

◼ Values Based Medicine / Values Based


Psychiatry

◼ Person Centered Medicine

19
Psychiatry for the person (World
Psychiatry Association – 2005)
◼ “The WPA Institutional Program
on Psychiatry for the Person: from
Clinical Care to Public Health
(IPPP), approved by the 2005
General Assembly, involves a
WPA initiative affirming the whole
person of the patient in context
as the center and goal of
clinical care and health
promotion, at both individual and
community levels. This involves
the articulation of science and
humanism to optimize attention to
the ill and positive health aspects
of the person.”

20
Persona

◼ O sujeito não é a pessoa.

◼ O sujeito não pode ser


reduzido ao cidadão.

21
DSM : nosografia e psicopatologia

22
O diagnóstico pragmático

◼ Deontologização das
categorias diagnósticas em
psiquiatria.

◼ Categorias diagnósticas =
convenções práticas.

23
Freud na Clark University - 1909

24
25
Adolf Meyer (1866-1950)

26
A psicodinâmica e a noção de “reação”

◼ Meyer oferece um ponto de


vista dinâmico para a
compreensão da
psicopatologia.

◼ Ele usa o estudo biográfico


para entender melhor as
formas específicas de
“reação” de cada pessoa.

27
A influência política de Meyer

◼ Presidente da American
Psychiatric Association

◼ Presidente do departamento
de Psiquiatria da Johns
Hopkins University durante 32
anos.

28
DSM – I (1952)

29
SECTION I
0- DISEASES OF THE PSYCHOBIOLOGIC UNIT

◼ INTRODUCTION

◼ Previous changes of the Psychobiologic unit have been restricted by the timing of
each revision. This revision is perfectly timed to include the experiences of
psychiatrists of World War II, the results of several years usage by the military and
Veterans Administration of a revised army nomenclature, the pattern of a new
international code and the results of several years deliberation of the Nomenclature
Committee of the American Psychiatric Association. As a result of all these we were
enabled to offer a completely new classification in conformity with newer scientific
and clinical knowledge, simpler in structure, easier to use and virtually identical with
other national and international nomenclatures.

◼ Qualifying Phrases
◼ .xl With psychotic reaction
◼ . x2 With neurotic reaction
◼ . x3 With behavioral reaction

30
— X DISORDERS OF PSYCHOGENIC ORIGIN OR WITHOUT
CLEARLY DEFINED TANGIBLE CAUSE OR STUCTURAL CHANGE

◼ 000-xlO Affective reactions (301.2)


◼ 000-xll Manic depressive reaction, manic type (301.0)
◼ 000-xl2 Manic depressive reaction, depressive type (301.1)
◼ 000-xl3 Manic depressive reaction, other (301.2)
◼ 000-xl4 Psychotic depressive reaction (309.0) *
◼ 000-x20 Schizophrenic reactions (300.7) *
◼ 000~x21 Schizophrenic reaction, simple type (300.0)
◼ 000-x22 Schizophrenic reaction, hebephrenic type (300.1)
◼ 000-x23 Schizophrenic reaction, catatonic type (300.2)
◼ 000-x24 Schizophrenic reaction, paranoid type (300.3)
◼ 000-x25 Schizophrenic reaction, acute undifferentiated type (300.4)
◼ 000-x26 Schizophrenic reaction, chronic undiffercntiated
◼ type (300.7)
◼ 000-x27 Schizophrenic reaction, schizo-affective type (300.6)

31
DSM-II (1968)
IV. NEUROSES (300)
◼ 300 Neuroses
◼ .0 Anxiety neurosis
◼ .1 Hysterical neurosis
◼ .13* Hysterical neurosis, conversion type*
◼ .14* Hysterical neurosis, dissociative type*
◼ .2 Phobic neurosis
◼ .3 Obsessive compulsive neurosis
◼ .4 Depressive neurosis
◼ .5 Neurasthenic neurosis ((Neurasthenia))
◼ .6 Depersonalization neurosis ((Depersonalization syndrome))
◼ .7 Hypochondriacal neurosis
◼ .8 Other neurosis
◼ [.9 Unspecified neurosis]

33
302 Sexual deviations

◼ .0 Homosexuality
◼ .1 Fetishism
◼ .2 Pedophilia
◼ .3 Transvestitism
◼ .4 Exhibitionism
◼ .5* Voyeurism*
◼ .6* Sadism*
◼ .7* Masochism*
◼ .8 Other sexual deviation
◼ [.9 Unspecified sexual deviation]

34
The loss of importance of psychopathology in
the contemporary psychiatry

◼ The loss of importance of the professional-


patient relationship in the daily clinical practice.

◼ Greater importance of diagnosis and
biological/neuroscientific theories of mental
disorders.

◼ The loss of importance of psychopathology.

35
The term disorder mental as a central
psychopathological problem.

◼ Mental disorder concept as a pragmatic issue.

◼ It is an arbitrary construct organized in a positive,


objectivable way around concrete goals that are to be
attained.

36
◼ G. TUCKER, “Putting DSM-IV in perspective” (editorial),
The American Journal of Psychiatry, 1998.

❑ “the new DSM diagnostic process has dominated the


research, teaching, and contemporary practice of
psychiatry”.

❑ The central point of his argument was that “our current


diagnostic process and zeal may also be ruining the
essence of psychiatry” because of the damages its practice
had introduced, such as:

37
◼ 1. The loss of contact with the patient and his or her
story;

◼ 2. The diagnosis, not the patient, often gets treated;

◼ 3. The study of psychopathology has become


almost nonexistent; and

◼ 4. The strict focus on diagnosis has made psychiatry


boring.

38
Answers to Tucker’s editorial by
Robert Spitzer and Michael First

◼ Misuse must be avoided: DSM should be


taken as a guide to psychiatric practice.

◼ As for teaching, teachers should take care that


the diagnosis systems be not presented as
substitutes for psychopathology, or as the
main element of the psychiatric practice.

39
So...

◼ What should a psychopathology be in order


to be able to respond to the contemporary
psychiatric problems, especially in what
regards clinical practice?

40
O termo disorder (transtorno) como um
problema psicopatológico central

◼ Conceito de Mental disorder (transtorno mental) como


uma questão pragmática

41
Order e disorder na psiquiatria contemporânea

◼ A tarefa dos psiquiatras seria simplesmente a de trazer os


“desordenados” de volta à ordem?

◼ Qual é a ordem subjacente, nunca explicitamente discutida, à noção


de mental disorder?

42
◼ A “repatriação” do conceito pragmático de disorder para o reino da
biologia.

◼ Ex.: A análise teórica de Jerome Wakefield das disfunções


nocivas (harmful dysfunctions) dos transtornos mentais dentro de
um quadro biológico evolutivo.

43
Visões de mundo, suposições a priori e
valores ontológicos (Sadler, 2005)
◼ 1. Empirismo

◼ 2. Hiponarratividade

◼ 3. Individualismo

◼ 4. Naturalismo

◼ 5. Pragmatismo

◼ 6. Tradicionalismo

44
◼ “Concepts of disease do not merely describe
features of nature, or evaluate states of affairs; they
are, within a particular community, collectively
performative. That is, they redefine medical and
social reality.”

Cherry MJ. Polymorphic Medical Ontologies: Fashioning Concepts of


Disease. Journal of Medicine and Philosophy 2000; 25(5): 519-538.

45
O objeto da psicopatologia

◼ Experiência psicopatológica = um todo psíquico

◼ Funções mentais extremamente complexas estão envolvidas, como


linguagem, simbolismo, memória e desejo.

◼ Todo este conjunto só encontra sentido num contexto em perpétua


mudança que inclui a presença do outro, da história, da cultura e da
linguagem.

46
O pathos da “Psicopatologia”

◼ Sofrimento

◼ Passividade

◼ Paixão

◼ Doença: Pathos

Nosos

◼ Literalmente, “psicopatologia” diz respeito ao discurso racional


sobre os sofrimentos próprios à alma.

47
Fatos em psicopatologia

◼ A “repatriação” do conceito pragmático de disorder para o campo da


biologia.

❑ Genética
❑ Neurociências

48
Ateórica ou baseada em valores?

◼ Facts and values in


psychiatric diagnosis

49
Valores?

Nietzsche Schopenhauer

Heidegger Derrida

50
Georges Canguillem

◼ La normalité découle
de la vie elle-même.

51
Michel Foucault e o Poder Psiquiátrico

52
Heidegger: o Dasein como Lichtung

53
Seminários de Zollikon (1959-1969)
◼ “Este desenho visa tão-somente deixar claro que o
existir humano em seu fundamento essencial
nunca é apenas um objeto presente em um lugar
qualquer, e, menos ainda, um objeto fechado em
si. Ao contrário, esse existir consiste em "meras"
possibilidades de apreensão, que são dirigidas para o
que se lhe entrega no encontro e que não podem ser
apreendidas pela visão ou pelo tato. Todas as
representações capsulares objetificantes de uma
psique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma
consciência, usadas até o presente momento na
psicologia e na psicopatologia, devem desaparecer, na
visão daseinsanalítica, em favor de uma compreensão
completamente diferente. [...] O que o existir
enquanto ser-o-aí significa é a manutenção da
abertura de uma região, fundada no poder-
apreender as significações daquilo que se dá e que
se lhe entrega [sich ihm zuspricht] a partir de sua
claridade. O ser-o-aí humano como região do poder-
apreender nunca é um objeto meramente presente. Ao
contrário, ele não é de forma alguma e, em nenhuma
circunstância, algo que deva ser objetificado”.

HEIDEGGER M., Seminários de Zollikon. 2 ed. rev. Petrópolis: Vozes; Bragança


Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2009.

54
O campo da psicopatologia na clínica
psiquiátrica

“Psychopathology as the basic


science of psychiatry”

BJP 2014, 205:169-170.


Giovanni Stanghellini and
Matthew R. Broome Giovanni Stanghellini

55
◼ “In contemporary usage, the term
‘psychopathology’ is employed in
a number of different ways. A
common way to use it is to
conflate psychopathology with
symptomatology – the study of
isolated symptoms in view of their
diagnostic and aetiological
significance. Assessing symptoms
allows the identification of specific
diagnostic entities that, in turn,
enable prediction of natural history
and response to treatment.”

56
◼ “Psychopathology is about that,
but not just about that. Whereas
symptomatology is strictly illness
oriented, psychopathology is also
person oriented, since it attempts
to describe the patient’s
experience and her relationship to
herself and to the world.”

57
◼ Biomedical science was in part
built upon the transformation of
a complaint into a symptom.
This allowed medical science to
see in a complaint (e.g.
exhaustion) the effect of a
pathological cause active in the
human body (e.g. an endocrine
dysfunction).

◼ This move from complaint to


symptom to pathophysiology
may overshadow the fact that
a complaint has a meaning for
the individual sufferer: it
expresses a question or
desire.

58
◼ “A person may not
necessarily seek elimination
of his complaint, but rather
fulfilment of his desire (e.g. to
see the doctor fail and
himself triumphantly to
become an incurable
patient).”

59
O campo próprio de (Psico)Patologia

◼ Doença ◼ Sintoma

◼ Transtorno ◼ Mal-Estar

◼ Sofrimento ◼ Transferência

◼ Paixão ◼ Desejo

◼ Gozo ◼ O Sujeito e seus impasses

60
Mário Eduardo Costa Pereira

pereiram@unicamp.br

61

Você também pode gostar