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Vice-Presidência Acadêmica Supervisão da Disciplina
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Diretoria de Produção e Revisão Técnica
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Direito e legislação
Camilla Veiga Marcilyanne Moreira Gois
Renata Morais dos Santos

Imagens

empresarial
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Luiz Felipe Nobre Braga Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Braga, Luiz Felipe Nobre
B813l Legislação empresarial aplicada / Luiz Felipe Nobre Braga. –
Londrina : Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2020.
192 p.

ISBN 978-85-522-1676-6

1. Direito empresarial. 2. Empresa. 3. Atividade


empresária. 4. Empresário Individual. 5. Sociedade
Empresária. 6. Tipos Societários. I. Título.

CDD 342.2
Jorge Eduardo de Almeida CRB-8/8753

2020
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Sumário

Unidade 1
Direito e legislação empresarial������������������������������������������������������������������� 7
Seção 1
Introdução ao Direito Empresarial�������������������������������������������������� 9
Seção 2
Direito e legislação empresarial������������������������������������������������������26
Seção 3
Falência e recuperação judicial da empresa����������������������������������41

Unidade 2
Direito e legislação trabalhista�������������������������������������������������������������������59
Seção 1
Os direitos dos trabalhadores na atualidade
e a autonomia privada coletiva�������������������������������������������������������61
Seção 2
Contrato, trabalho remunerado, jornada de trabalho
e direito ao descanso������������������������������������������������������������������������75
Seção 3
Término do contrato de trabalho���������������������������������������������������88

Unidade 3
Direito e legislação tributária������������������������������������������������������������������ 103
Seção 1
Legislação tributária e sistema tributário����������������������������������� 104
Seção 2
Responsabilidade e obrigação tributária������������������������������������ 119
Seção 3
Crédito tributário e sistema tributário diferenciado����������������� 129

Unidade 4
Direito e legislação do consumidor�������������������������������������������������������� 147
Seção 1
Introdução às relações de consumo�������������������������������������������� 148
Seção 2
Práticas abusivas e extinção do contrato de consumo�������������� 163
Seção 3
Responsabilidade nas relações comerciais de consumo����������� 176
Palavras do autor Na Unidade 4, partindo da premissa que é preciso conhecer as normas
que revestem de proteção os consumidores e a segurança quanto ao forne-
cimento de bens e serviços no domínio da atividade empresarial, nosso

O
estudo será finalizado no campo do Direito do Consumidor. Nessa unidade,
lá, caro aluno! Agora começamos a nossa jornada em busca dos
conheceremos os tópicos mais relevantes da legislação consumerista brasi-
conhecimentos mais importantes no campo da legislação empresa-
leira, como aqueles relacionados ao contrato de consumo e suas espécies, as
rial aplicada, a partir dos quais você poderá desenvolver suas ativi-
questões da oferta e da publicidade, as cláusulas consideradas como abusivas,
dades com rigor e devidamente ajustadas às normas jurídicas brasileiras. Os
os bancos de dados e cadastro de consumidores, a extinção do contrato de
elementos que trataremos neste livro servirão para subsidiar a sua atuação
consumo, a responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço, assim
profissional, considerando-se, para tanto, a gama de assuntos indispensáveis
como a decorrente de vícios e suas consequências.
aos mais variados setores de atuação.
Como você pode notar, temos um caminho bem interessante pela frente,
Na Unidade 1, apresentaremos e compreenderemos os fundamentais
cujo objetivo principal, como já indicado, é o de municiá-lo com o instru-
conceitos extraídos da legislação empresarial, caminhando desde os pontos
mental jurídico para a sua própria atuação profissional. Com isso, certa-
introdutórios, a caracterização do empresário individual e da sociedade
mente você estará bem preparado para enfrentar os desafios do cotidiano.
empresária, os tipos societários, as espécies de títulos de crédito, os direitos
Portanto, preste bastante atenção e aproveite o material que foi especialmente
e deveres do credor e do devedor, até o estudo do proeminente tema da
desenvolvido para essa finalidade.
crise empresarial, por intermédio dos institutos da falência e da recupe-
ração judicial e extrajudicial, e os casos de desconsideração da personalidade Bons estudos!
jurídica.
Na Unidade 2, interessam-nos as questões laborais envolvidas no
cotidiano da atividade empresarial, a qual, naturalmente, demanda pela
contratação de mão de obra. Para tanto, abordaremos o Direito e a Legislação
Trabalhista, buscando suas principais leis e normas, inclusive sob a ótica do
Direito Coletivo do Trabalho. Será discutida a questão da negociação coletiva,
o acordo e a convenção coletiva, seguindo-se, a partir daí, para o estudo do
contrato de trabalho e suas espécies, remuneração, jornada, horas extras,
férias, descanso semanal remunerado, extinção do contrato de trabalho,
aviso prévio e os demais direitos decorrentes da rescisão trabalhista.
Na Unidade 3, nosso foco estará nas questões tributárias, de modo a
permitir que você entenda os aspectos centrais do Direito e da Legislação
Tributária do nosso país. Logo, partiremos desde as noções introdutórias
para a compreensão do Sistema Tributário Nacional, conhecendo os tributos
de competência de cada ente político. Estudaremos os tributos em espécie
(impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimo compulsório e
contribuições especiais), buscando uma visão adequada para o entendimento
da incidência concreta do Direito Tributário. Nessa unidade, abordaremos o
nascimento da relação jurídico-tributária, com o fato gerador, a obrigação
tributária, a constituição do crédito tributário, sua extinção e exclusão.
Também será apresentado o sistema diferenciado de tributação das micro-
empresas e empresas de pequeno porte, conhecido como SIMPLES.
Unidade 1 Pois então, caro aluno, é partindo dessas premissas que iniciamos a nossa
caminhada. Onde, afinal, podemos encontrar as normas de direito empre-
sarial que mais nos interessam? O que é um empresário individual e uma
Luiz Felipe Nobre Braga sociedade empresária? Quais são os tipos societários previstos na legis-
lação brasileira?
Direito e legislação empresarial

Convite ao estudo
Caro aluno, a partir de agora iniciamos, efetivamente, os nossos estudos.
Partindo do Direito e da Legislação Empresarial, nosso objetivo é fazê-lo
compreender a dinâmica jurídica que circunda a atividade empresarial em
nosso país.
Você já deve estar imaginando que existe uma série de regras e procedi-
mentos para que uma determinada atividade possa ser prestada no nível da
organização empresarial, não é mesmo? Pois bem, você tem toda a razão.
O modelo jurídico brasileiro encontra-se baseado fortemente nas leis, então
aprovadas pelo Congresso Nacional. A partir delas é que são estruturadas as
condições que precisam ser atendidas para a prática empresarial organizada.
Há uma grande preocupação do Estado brasileiro quanto à normatização
básica da atividade empresarial, de modo que esta consiste em um importante
fator de desenvolvimento econômico, seja no que se refere à geração de renda
e emprego, até mesmo nas questões tributárias. Isso não significa, necessa-
riamente, que o Estado controla absolutamente a atividade empresarial, mas
sim que há normas consideradas como indispensáveis para um mínimo de
padronização e segurança jurídica, isto é, algo que indica o interesse de que
as empresas e a atividade empresarial disponham de elementos de estabi-
lidade, os quais, inclusive, favorecem a adequada prestação de serviços e o
fornecimento de bens no mercado.
O conhecimento das normas relacionadas ao chamado Direito
Empresarial é de fundamental importância, pois é a partir delas que as ideias
serão formatadas à luz do que a legislação brasileira considera como uma
atividade organizada. O interesse dessa proteção legal, como você já pode
imaginar, é, além daqueles que mencionamos, o de proporcionar tranqui-
lidade e segurança tanto para aqueles que empreendem, como para aqueles
que desejam figurar como investidores, bem como para todos aqueles que
trabalharão no nível da gestão empresarial, auxiliando e assessorando na
tomada de decisões. Não é razoável conhecermos os direitos em uma e
noutra situação, para que o emprego de recursos e de esforços valha à pena?
Seção 1 sociedade empresária? Quais são os tipos societários previstos na legislação
brasileira?

Introdução ao Direito Empresarial Praticar para aprender

Diálogo aberto Olá, caro aluno!


Caro aluno, a partir de agora iniciamos, efetivamente, os nossos estudos. Aqui começaremos a tratar especificamente do conteúdo do nosso
Partindo do Direito e da Legislação Empresarial, nosso objetivo é fazê-lo curso. Daqui em diante, iniciaremos o estudo dos aspectos primordiais que
compreender a dinâmica jurídica que circunda a atividade empresarial em constituem o seu interesse no campo da Introdução ao Direito Empresarial.
nosso país. Para isso, caminharemos desde as noções basilares da legislação brasileira,
indicando seus caminhos e apresentando seus conceitos, até a caracterização
Você já deve estar imaginando que existe uma série de regras e procedi-
da empresa e da atividade empresarial, inclusive explorando os variados
mentos para que uma determinada atividade possa ser prestada no nível da
tipos societários existentes no direito brasileiro.
organização empresarial, não é mesmo? Pois bem, você tem toda a razão.
O modelo jurídico brasileiro encontra-se baseado fortemente nas leis, então Você deve entender, desde já, que o Direito Empresarial é uma realidade
aprovadas pelo Congresso Nacional. A partir delas é que são estruturadas as bastante presente no cotidiano da nossa sociedade e, assim, profundamente
condições que precisam ser atendidas para a prática empresarial organizada. ligado às suas perspectivas profissionais. Portanto, é importantíssimo que
você conheça os seus principais institutos, porque certamente lidará com
Há uma grande preocupação do Estado brasileiro quanto à normatização
essas inquietações que, afinal de contas, acometem muitas pessoas com
básica da atividade empresarial, de modo que esta consiste em um importante
espírito empreendedor.
fator de desenvolvimento econômico, seja no que se refere à geração de renda
e emprego, até mesmo nas questões tributárias. Isso não significa, necessa- Imagine que você, juntamente com dois amigos que estão concluindo o
riamente, que o Estado controla absolutamente a atividade empresarial, mas curso de graduação, tiveram a ideia de empreender em uma loja de suple-
sim que há normas consideradas como indispensáveis para um mínimo de mentos alimentares no centro da cidade de Belvedere, um local bastante
padronização e segurança jurídica, isto é, algo que indica o interesse de que atrativo para comércio dessa natureza, tendo em vista a existência de uma
as empresas e a atividade empresarial disponham de elementos de estabi- academia recém-instalada nas proximidades. Cada um possui determinada
lidade, os quais, inclusive, favorecem a adequada prestação de serviços e o quantia em dinheiro para investimento. O problema é que seus amigos não
fornecimento de bens no mercado. sabem ainda o que precisarão fazer para conseguirem realizar a ideia da loja
de suplementos. Não pensaram se precisarão ou não constituir uma empresa,
O conhecimento das normas relacionadas ao chamado Direito
como ficará a questão do capital a ser oferecido por cada um para o objetivo
Empresarial é de fundamental importância, pois é a partir delas que as ideias
comum, eventual divisão de participação e mesmo como será a adminis-
serão formatadas à luz do que a legislação brasileira considera como uma
tração. Também têm muitas dúvidas sobre qual o tipo societário que deverão
atividade organizada. O interesse dessa proteção legal, como você já pode
optar, até mesmo visando, lá na frente, a um sistema de tributação que seja
imaginar, é, além daqueles que mencionamos, o de proporcionar tranqui-
mais favorável ao porte do negócio. Além disso, como funcionará o relacio-
lidade e segurança tanto para aqueles que empreendem, como para aqueles
namento jurídico do negócio (da loja) com a locação do ponto e com seus
que desejam figurar como investidores, bem como para todos aqueles que
fornecedores? Como será que isso funciona? Na hipótese de você, na quali-
trabalharão no nível da gestão empresarial, auxiliando e assessorando na
dade de administrador, ficar incumbido para resolver essas questões, quais
tomada de decisões. Não é razoável conhecermos os direitos em uma e
seriam suas orientações?
noutra situação, para que o emprego de recursos e de esforços valha à pena?
Você já deve ter percebido que diversos são os conceitos e informações
Pois então, caro aluno, é partindo dessas premissas que iniciamos a nossa
legais que permeiam as dúvidas dos seus amigos. Tais dúvidas são de extrema
caminhada. Onde, afinal, podemos encontrar as normas de direito empre-
importância, pois a partir da resposta dada a eles poderemos falar em um
sarial que mais nos interessam? O que é um empresário individual e uma
negócio regular ou irregular, sob o ponto de vista legal, algo que poderá

9 10
acarretar sérias consequências patrimoniais, inclusive pessoais para todos, Direito em sua materialização nas análises práticas e no cotidiano
frustrando, assim, a ideia original. empresarial. Como é determinada, na prática, a aplicação de um
Ao longo do estudo a seguir, discutiremos todos os pontos relevantes princípio jurídico?
para o deslinde dessas inquietações, que a partir de agora também podem ser
origem das suas próprias dúvidas.
A atividade empresarial, de um modo amplo, acha-se conectada profun-
Então, vamos lá! damente com os seguintes princípios: livre iniciativa (CRFB/88, art. 1º, IV e
art. 170, caput); liberdade de concorrência (CRFB/88, art. 170, IV); função
social da empresa (CRFB/88, art. 5º, XXII e art. 170, III) e liberdade de
Não pode faltar
associação (CRFB/88, art. 5º, XVII e XX). Há também outros tantos princí-
pios elaborados pela doutrina especializada, como: preservação da empresa;
Caro aluno, no trato das normas atinentes ao Direito Empresarial, a
autonomia patrimonial da sociedade empresária; subsidiariedade da respon-
primeira fonte que nos surge, no Brasil, é o chamado Código Comercial, que
sabilidade dos sócios pelas obrigações sociais e; limitação da responsabili-
é do ano de 1850. Aqui uma anotação precisa ser feita, de natureza termi-
dade dos sócios pelas obrigações sociais (CHAGAS, 2019).
nológica. Com o advento do Código Civil de 2002 (CC/02) não mais utili-
zamos a expressão “Direito Comercial”, contudo a expressão, hoje mais aceita Como você pode perceber, os princípios que se encontram ligados à
e também utilizada pela legislação contemporânea, de “Direito Empresarial”. atividade empresarial, seja do empresário ou da sociedade empresária,
Isso se dá porque o Direito Empresarial é mais amplo que o Comercial, de dizem respeito à ampla possibilidade de empreender no contexto da socie-
modo que alcança a integralidade do exercício profissional em atividades dade moderna. Algo que não é apenas fruto do desenvolvimento natural das
econômicas organizadas, tanto para a produção, quanto para a circulação de sociedades capitalistas, mas tem a ver com a dinamização quanto à oferta
bens e serviços. (TEIXEIRA, 2018). de produtos e serviços, com a identificação de oportunidades de negócios
e de desenvolvimento econômico e social. A liberdade empresarial, embora
Apesar de o Código Civil de 2002 ser uma fonte privilegiada para que
minimamente regulada quanto a alguns de seus aspectos constitutivos e
consultemos as normas básicas da legislação empresarial, a possibilidade
formais, permite que a alocação de recursos movimente a economia de um
inicial para que ocorra a organização das atividades econômicas decorre
país, gerando renda, emprego e mais oportunidades nas variadas cadeias
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). É
produtivas. Os benefícios do empreendedorismo que se consolida na prática
nesse documento jurídico, político e social que se encontram os principais
empresarial efetiva são muitos (VENOSA; RODRIGUES, 2017).
elementos que caracterizam o Estado Democrático de Direito, o Estado
brasileiro em si, com a previsão de direitos e garantias de várias espécies. Agora que conhecemos um pouco sobre as fontes primordiais do Direito
Dentre eles, os mais importantes para o nosso estudo, neste momento, Empresarial, o que, afinal de contas, entende-se por empresário?
relacionam-se às liberdades econômicas (CRUZ, 2018; VIDO, 2019). Note
Segundo o art. 966 do CC/02, empresário é quem exerce profissional-
que o texto da Constituição possui diversos princípios que animam, inspiram
mente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de
a legislação infraconstitucional (tanto o CC/02, como as demais leis relativas
bens e serviços. Importante atentar para o fato de que algumas atividades
à matéria empresarial, como teremos oportunidade de ver em breve). É
estão expressamente excluídas do conceito de empresário, como aquelas
somente porque há a garantia de princípios ligados às liberdades econômicas
referidas no parágrafo único do art. 966 do CC/02 em comento, que são os
e profissionais que, efetivamente, as empresas existem e se organizam desta
seguintes casos: quem exerce profissão intelectual, de natureza científica,
ou daquela maneira, à luz dos critérios então esmiuçados pelas variadas
literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colabora-
legislações (FILKELSTEIN, 2016).
dores. Tais atividades, como visto, estão excluídas. No entanto, se tais ativi-
dades constituírem elemento de empresa, poderão estar incluídas no conceito
Reflita de empresário (NEGRÃO, 2018).
Os princípios jurídicos consistem em elementos que devem ser seguidos
O conceito de empresário é aplicado tanto para a pessoa física quanto
tanto na interpretação dos dispositivos legais quanto na aplicação do
para a pessoa jurídica. Porém, caso a pessoa física esteja inserida na definição
Direito, sendo o horizonte de compreensão para a concretização do

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apresentada segundo o art. 966 do CC/02, isto é, que exerça profissional- Tal regra aplica-se tanto para as situações do profissional liberal, que é
mente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de aquele que atua sozinho (um advogado, por exemplo), como no caso de uma
bens e serviços, o nome recebido será o de empresário individual. Por outro sociedade uniprofissional (quando vários profissionais liberais se reúnem
lado, caso seja uma pessoa jurídica que atue do mesmo modo, será chamada para a prestação dos seus serviços). Neste último caso, podemos chamar tais
de sociedade empresária (que é gênero e comporta várias espécies que sociedades de sociedades comuns. Caso haja, futuramente, nesse exemplo, a
veremos em breve) ou uma empresa individual de responsabilidade limitada organização dos fatores de produção, aí sim poderão ser consideradas como
(EIRELI). Assim, temos que o conceito de empresário é, na verdade, um sociedades empresárias (TEIXEIRA, 2018).
gênero, que comporta as seguintes espécies: empresário individual, sociedade
empresária e EIRELI. O art. 966 do Código Civil analisa o empresário por Comece a notar que a diferença, inicialmente, entre um empresário
um critério subjetivo, considerando, portanto, a atividade organizada para individual e uma sociedade é o aspecto ligado à reunião e ao encontro de
a circulação de bens ou serviços. Isso porque antigamente só se considerava vontades. Obviamente que o empresário individual presta sozinho a ativi-
efetivamente um empresário ou uma atividade empresarial quem desempe- dade empresária e, como se pode perceber, a sociedade demanda um acordo
nhasse algumas das opções previstas no antigo Código Comercial. Mas, com de vontades tendentes a uma finalidade (empresarial, lucrativa).
o advento dos novos entendimentos e, sobretudo, da livre iniciativa e liber- Assim, o art. 982 do CC/02 dispõe que:
dade de concorrência, o critério objetivo não poderia mais ser utilizado. A
característica agora é a de uma atividade organizada, que pode ser nos mais Art. 982. Salvo as exceções expressas, conside-
variados ramos, como, no exemplo da nossa situação problema, uma loja de ra-se empresária a sociedade que tem por objeto o
suplementos alimentares. exercício de atividade própria de empresário sujeito a
registro, e simples as demais.
Logo, podemos perceber quais são os elementos formadores do critério
legal para uma atividade empresária. Primeiro o profissionalismo, que tem Parágrafo único. Independentemente do seu objeto,
como característica a habitualidade, isto é, a continuidade da atividade. Em considera-se empresária a sociedade por ações e,
segundo lugar, a atividade econômica, ou seja, a finalidade lucrativa do negócio sociedade simples, a cooperativa. (BRASIL, 2002)
(não se exige o lucro real, mas apenas a intenção de lucrar). Em terceiro, a
organização, que se consubstancia na reunião articular dos chamados fatores
Como visto, a lei exclui do âmbito da atividade empresária algumas situa-
de produção, sendo eles: mão de obra, capital, matéria-prima e tecnologia.
ções, ligadas aos profissionais liberais. Porém, se o exercício dessas profissões
Por fim, em quarto lugar, a produção ou circulação de bens e serviços.
(atividades) constituir elemento de empresa, isto é, quando a atividade não
Empresa é a atividade econômica organizada para produção ou circulação for o núcleo, mas sim algo complementar, que cede espaço a outras ativi-
de bens e serviços, que é realizada, como vimos, pelo empresário individual, dades maiores, com natureza empresarial, não haverá problema. O que não
pela sociedade empresária ou pela EIRELI. é possível é um profissional liberal empresário ou uma sociedade empre-
sária de profissionais liberais em que a atividade prestada (o objeto social)
Apesar de o conceito legal de empresa não excluir atividades ou pessoas,
principal seja o próprio trabalho de natureza artística, literária e intelec-
a lei acaba por fazer algumas ressalvas, como indicado no parágrafo único
tual, prestados diretamente e com pessoalidade. É o caso clássico quando
do art. 966 do CC/02. São aquelas atividades as quais, ainda que possuam
tais atividades se acharem integradas em um objeto mais amplo, relativo à
interesse lucrativo, econômico, não articulam todos aqueles fatores de
prática empresarial, como um veterinário que atende no seu consultório,
produção destacados. Assim, é o que acontece nos casos das profissões de
que fica dentro de um pet shop, que também lhe pertence. Outro exemplo
natureza intelectual (científica, artística ou literária). O motivo pelo qual são
interessante, e hoje bastante comum, são as franquias que oferecem serviços
excluídos do conceito de empresário se dá porque nesses casos a organização
odontológicos, caracterizadas por uma oferta para uma clientela indistinta,
empresarial (que é aspecto fundamental para o conceito de empresário)
sem a pessoalidade típica do profissional liberal.
assume uma posição secundária, de modo que o essencial aí será o caráter
pessoal da prestação dos serviços (SANCHEZ, 2018).

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Exemplificando incapacidade pode afetar o âmbito de possibilidades de ações da pessoa, ela
Imagine que um dentista, um psicólogo e um advogado, que se conhecem
será representada legalmente por uma outra, que agirá em seu nome e em seu
desde os tempos da faculdade, finalmente estejam formados e, como
interesse, como já mencionado.
estão no início de carreira, decidem dividir os custos de um local, para Além do mais, para ser um empresário individual, não há nenhum limite
que possam atender os seus clientes. Como são profissionais liberais, eles máximo ou mínimo definido pela lei em termos de investimento de capital.
não se enquadram, especificamente, no conceito estudado de empresário, Ademais, é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de
motivo pelo qual não poderiam constituir uma sociedade empresária Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. O
para efeito de promover seus serviços. Por outro lado, podem constituir registro público mercantil é organizado por meio de dois órgãos e é regido
uma sociedade simples apenas para efeito de regular eventuais obriga- pela Lei nº 8.934/94. O primeiro é o Departamento Nacional de Registro do
ções relacionadas ao local de trabalho, regulando situações negociais Comércio (DNRC), que integra o Ministério do Desenvolvimento, Indústria
em comum entre eles e perante terceiros. Caso não optem por isso, será e Comércio, sendo responsável pelo gerenciamento nacional do registro de
como uma sociedade despersonificada, em que as responsabilidades empresas. O segundo órgão é a conhecida Junta Comercial existente nos
perante terceiros, caso assumidas, serão suportadas de maneira ilimi- Estados e Distrito Federal, sendo submetida ao DNRC e responsável pela
tada por cada um deles. concretização do registro empresarial, os arquivamentos (dos atos constitu-
tivos), autenticações das escriturações e emissão de certidões – são as Juntas
Comerciais que, efetivamente realizam os registros.
Adentrando um pouco no campo do empresário individual, é importante
que você saiba que os requisitos para tanto estão elencados no art. 972 do Importantíssimo saber que o empresário individual não conta com
CC/02. Já ficou claro que empresário individual é a pessoa física que organiza proteção patrimonial, isto é, o patrimônio da empresa acaba sendo o seu
uma atividade empresarial. Basta que essa pessoa física (como você ou um próprio, de modo que sua responsabilidade perante as obrigações que
daqueles amigos do nosso exemplo) esteja em pleno gozo da sua capaci- contrair é ampla e irrestrita – afinal, ele assume todos os riscos do negócio!
dade civil e não tenha nenhum impedimento legal (como uma condenação
Um traço característico da atividade empresarial é o de justamente dispor
criminal, ainda que temporária, ou até um médico com exercício simultâneo
de um patrimônio que esteja separado da pessoa física do empresário ou dos
de empresa farmacêutica, um estrangeiro com visto provisório, condenado
sócios em uma sociedade empresária, só havendo que se falar na responsa-
por crime falimentar ainda não reabilitado).
bilidade patrimonial da pessoa física em algumas situações específicas, que
Vale lembrar que, ocasionalmente, uma pessoa considerada como incapaz trataremos futuramente no campo da desconsideração da personalidade
(um menor de 16 anos, por exemplo) não poderá se inscrever, inicialmente, como jurídica (VIDO, 2019).
empresário. Apesar disso, uma pessoa eventualmente incapaz (seja qual for a causa
As atividades empresariais são constituídas como uma pessoa jurídica,
da incapacidade) poderá continuar a atividade empresária nas hipóteses do art. 974
apartada da figura dos seus sócios, porém integrada por eles. É o que costu-
do CC/02, isto é, quando a incapacidade for superveniente (ex.: começa como um
meiramente falamos como “abrir uma empresa”. Trata-se de uma pessoa
empresário e é capaz, mas acontece uma incapacidade posterior ao registro, como
jurídica de direito privado, que irá adquirir, com o registro próprio (do
um acidente que acomete a pessoa com um estado de impossibilidade de praticar
Contrato Social na Junta Comercial), uma personalidade jurídica específica,
por si só atos da vida civil) ou quando se dá o recebimento da empresa por herança,
autônoma. Daí, é a pessoa jurídica, a “empresa” que contrairá direitos e obriga-
hipóteses essas que, havendo pessoa menor de idade (que é uma das causas de
ções negociais, respondendo, em princípio com seu próprio patrimônio. Os
incapacidade) ou algum tipo de deficiência que impossibilite a pessoa de praticar
sócios, apenas eventualmente, serão chamados a arcar com as obrigações
atos da vida civil (que seria outra possibilidade), a empresa será conduzida pelo seu
empresariais com seus patrimônios particulares. Com isso, pode-se refletir,
representante legal.
caro aluno, sobre a existência de outras figuras empresariais que ofereçam
No caso de o incapaz continuar a atividade empresária como empre- outras possibilidades sobre a questão da responsabilidade patrimonial. Para
sário individual, esta será a única hipótese na qual os bens particulares que que muitas pessoas pudessem sair da situação da informalidade, surgiu no
porventura ele possua e que não tenham sido adquiridos com o exercício Brasil a figura da empresa individual de responsabilidade limitada, que é,
da empresa, ficarão resguardados, blindados (CC/02, art. 974, §2º). Como a basicamente, a figura do empresário individual (embora também possa ser

15 16
constituída por outra pessoa jurídica, uma sociedade limitada, por exemplo), da personalidade jurídica a fim de que o patrimônio do criador ou adminis-
que constituirá uma pessoa jurídica com patrimônio próprio e personali- trador respondesse por atos por estes praticados.
dade jurídica apartada do seu criador (NEGRÃO, 2018). A inovação trazida Quanto ao capital social, o entendimento é o de que somente fazem jus
a partir da inserção da figura da empresa individual de responsabilidade à limitação da responsabilidade os empreendimentos os quais demandem
limitada (EIRELI) certamente surtiu efeitos para além do específico campo capital inicial superior a 100 (cem) salários mínimos. Destarte, a fixação do
do Direito Empresarial. A EIRELI tem o condão primordial de retirar da capital inicial mínimo também visou dificultar que a EIRELI fosse consti-
clandestinidade e assim regularizar a situação de milhões de profissionais que tuída para fraudar a legislação trabalhista, tal como vem sendo utilizado o
se mantinham à margem do sistema legal. Também é forçoso reconhecer os regime jurídico do microempreendedor individual (MEI), previsto no art. 68
seus benefícios econômicos, sobretudo no que tange ao aumento do número da Lei Complementar nº 123/2006.
de empresas ofertando bens e serviços, que, por sua vez, podem contribuir
para alavancar o dinamismo do mercado quanto à concorrência, quanto à O nome empresarial é o elemento identificador do empresário ou da
arrecadação tributária e, claro, quanto à valorização dos empreendimentos sociedade empresária (arts. 1.155 a 1.168 do CC/02). Da mesma maneira
de pequeno porte. que ocorre com a sociedade limitada (art. 1.158 do CC/02). Porém, em vez
de constar ao final a expressão “limitada” ou sua abreviatura (“Ltda.”), neces�-
Como se deve notar, a EIRELI precisa observar os requisitos e parâme-
sário que conste a expressão “EIRELI”, que é justamente a abreviatura de
tros gerais das sociedades empresárias insertos nos artigos 966 e 1195 do
“empresa individual de responsabilidade limitada”.
CC/02, além dos 4 (quatro) específicos presentes no novo artigo 980-A.
São eles: (I) possuir apenas um sócio detentor da integralidade do capital A criação de uma empresa individual de responsabilidade limitada
social; (II) capital social integralizado no ato de instituição da empresa e no poderá ocorrer de duas maneiras, ou originariamente ou de modo derivado
montante equivalente de pelo menos 100 (cem) salários-mínimos; (III) a ou posterior. O § 3º do art. 980-A do CC/02 preceitua que a empresa indivi-
utilização da expressão “EIRELI” no nome empresarial, seja ao final da firma dual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração
ou da denominação social (critério diferenciador das demais empresas); (IV) das quotas de outra modalidade societária em um único sócio, indepen-
limitação à participação de cada pessoa em apenas uma empresa individual dentemente das razões que motivaram tal concentração. Assim, a Instrução
de responsabilidade limitada, isto é, quem for sócio de uma EIRELI pode Normativa nº 118/2011 do Departamento Nacional de Registro de Comércio
ser sócio de outras empresas individuais ou ser sócio em empresas de outras regulamenta especificamente a transformação de empresário individual em
espécies, contudo não mais do que uma EIRELI. EIRELI e vice-versa.
Pode-se notar com tranquilidade que a questão da responsabilização
patrimonial do sócio na modalidade empresarial aqui tratada é limitada, isto Assimile
é, seus bens pessoais não respondem pelas obrigações da empresa. A grande EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Possui a
vantagem da EIRELI, com efeito, é a identificação separada dos patrimônios, vantagem da proteção patrimonial. Vale relembrar os requisitos para a
elemento definitivo, insculpido no novel artigo 980-A do CC/02. Devemos sua constituição: (I) possuir apenas um sócio detentor da integralidade
perceber que apesar da separação patrimonial consagrada, a técnica da do capital social; (II) capital social integralizado no ato de instituição da
desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada à EIRELI e, empresa e no montante equivalente de pelo menos 100 (cem) salários-
desta maneira, responsabilizar e atingir o patrimônio pessoal do adminis- -mínimos; (III) a utilização da expressão “EIRELI” no nome empresa�-
trador ou criador consoante a situação fática, justamente porque “aplicam-se rial, seja ao final da firma ou da denominação social (critério diferen-
à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras ciador das demais empresas); (IV) limitação à participação de cada
previstas para as sociedades limitadas” (§6º do art. 980-A do CC/02). pessoa em apenas uma empresa individual de responsabilidade limitada,
Futuramente, estudaremos a desconsideração da personalidade jurídica, não isto é, quem for sócio de uma EIRELI pode ser sócio de outras empresas
se preocupe! Apreendemos que se trata de conclusão lógica, pois, com efeito, individuais ou ser sócio em empresas de outras espécies, contudo não
não haveria como vislumbrarmos hipótese em que, preenchidos os requi- mais do que uma EIRELI.
sitos, a EIRELI estivesse livre ou que pudesse esquivar-se da desconsideração

17 18
Mas, ao lado do empresário individual e da EIRELI, também há no o que também vale para a sociedade em comum, isto é, só gera efeito em
ordenamento jurídico brasileiro alguns tipos societários. Vamos conhecê-los? relação aos próprios sócios. O patrimônio serve para o fim almejado pela
sociedade e não para responder perante terceiros (como o patrimônio de
Embora as sociedades sejam constituídas por meio de pessoas jurídicas, uma sociedade personificada responderia).
os conceitos não se confundem. Isso porque não é toda pessoa jurídica que
Vamos, agora, conhecer os tipos de sociedades personificadas? Essas
será uma sociedade, bem como há casos de sociedades que não são constitu-
podem ser: sociedade em nome coletivo; sociedade em comandita simples;
ídas por meio de uma pessoa jurídica. Curioso, não é?
sociedade em comandita por ações; sociedade anônima e; sociedade limitada.
Quer dizer que o direito brasileiro segue o conceito tradicional de socie-
A sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e a
dade, isto é, a união entre duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, para a
sociedade limitada encontram-se plenamente disciplinadas pelo CC/02.
prática de atividades econômicas, cujo objetivo fundamental seja a obtenção
As sociedades anônimas estão reguladas pela Lei nº 6.404/76, lei esta que é
de lucro, que será partilhado pelos sócios.
aplicada, na sua maior parte, à sociedade em comandita por ações.
Há, portanto, aquelas sociedades que são personificadas (por meio de
Vale lembrar que as sociedades personificadas podem ser de tipo simples
pessoa jurídica) e as não personificadas (que não têm personalidade própria,
ou empresária. As sociedades podem ser simples (CC/02, art. 997) porque o
distinta dos sócios).
seu objeto é alguma atividade civil, que não é organizada de maneira empre-
Vale lembrar que a personalização da sociedade traz alguns benefícios, como: sarial (com todos aqueles elementos vistos); havendo tal organização, será
(I) titularidade para a celebração de negócios em nome próprio; (II) titularidade uma sociedade empresária (que necessariamente só poderá ser de algum
em processos judiciais (responde em nome próprio); (III) autonomia patrimonial dos tipos supra listados). Interessante notar que as regras para as socie-
(possui patrimônio próprio e destacado da figura dos sócios, pessoas físicas). Mas dades simples, contidas no CC/02, aplicam-se de modo subsidiário às socie-
quando será que a sociedade adquire personalidade jurídica? Já demos algumas dades empresárias, quando lhes faltar normatização específica. A sociedade
pistas ao longo da nossa caminhada. Segundo o art. 985 do CC/02, a sociedade simples (S/S) é interessante para quem não é empresário (se for atividade
adquire personalidade jurídica quando ela faz o registro do seu ato constitutivo no empresária não pode ser simples). Essa sociedade admite o chamado sócio de
órgão próprio (Junta Comercial). trabalho ou serviço (que não entra com dinheiro na sociedade, mas sim com
o seu trabalho – algo que será impossível nas demais espécies). O registro
Já as sociedades não personificadas, como você já sabe, não se constituem
da sociedade simples é feito no Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas
por meio de pessoa jurídica. Vamos conhecê-las?
(e não na Junta Comercial). Desse modo, a sociedade simples é meramente
Inicialmente, você deve conhecer a figura da sociedade em comum (art. contratual e seus regimes de constituição e dissolução estão todos no CC/02.
986 do CC/02), que nada mais é do que uma sociedade formada por duas O capital é dividido em quotas, que assegura direito de percepção de lucros
ou mais pessoas, com prática de atividade econômica e repartição dos resul- e garante status de sócio, com poder de voto, fiscalização, participação nas
tados, porém, sem que tenha havido o competente registro. Não se trata de deliberações etc. A responsabilidade dos sócios na sociedade simples perante
uma sociedade ilícita, contudo, como não há pessoa jurídica, as obrigações a sociedade é subsidiária (caso haja uma cobrança perante a sociedade, esta
eventualmente contraídas recairão sobre o nome dos sócios, os quais respon- é quem primeiro responde e, somente se não tiver patrimônio suficiente é
derão solidariamente pelas obrigações sociais. que responderão os sócios de maneira pessoal), ilimitada (se a sociedade
não tiver patrimônio, os sócios é que respondem) e proporcional (cada sócio
Em seguida temos a chamada sociedade em conta de participação (art. 991
responde com seu patrimônio pessoal na proporção da suas quotas sociais).
do CC/02), que é muito comum no ramo imobiliário. Nela, há a presença de
duas figuras: o sócio ostensivo (podendo ser uma pessoa física ou jurídica, A sociedade em nome coletivo (art. 1.039 do CC/02), bastante difícil de ser
que exerce o objeto social da sociedade, possui responsabilidade exclusiva encontrada na prática. Pode ser tanto empresária, quanto simples. O grande
e age em seu nome individual) e o sócio oculto ou participante (que pode problema deste tipo societário é quanto à responsabilidade. Integrada por
ser uma pessoa física ou jurídica, que somente participa dos resultados). O sócios pessoas físicas, todos respondem, solidária e ilimitadamente pelas
detalhe importante é que somente o sócio ostensivo é que responde perante obrigações sociais. Porém, de acordo com o parágrafo único do art. 1.039 do
terceiros, de maneira ilimitada. O patrimônio dessa sociedade é especial, CC/02, sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros, podem os sócios,

19 20
no ato constitutivo, ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a restantes). A responsabilidade é, ainda solidária, pela integralização do
responsabilidade de cada um. Então, relativamente às obrigações da socie- capital social. Isso significa, na segunda parte do exemplo, que se não houver
dade, externas, contraídas em nome desta, a responsabilidade dos sócios será capital disponível na sociedade para responder pelas obrigações contraídas
ilimitada, de modo que, caso apareça uma dívida contra a sociedade, não pela sociedade, o eventual credor poderá cobrar, no limite do capital social
restando patrimônio algum para saldá-la, os sócios responderão pessoal- da sociedade, a integralidade do valor de um ou de todos os sócios. É porque
mente de maneira solidária (o credor poderá cobrar a totalidade da dívida todos são responsáveis solidariamente pela integralização (o patrimônio
de um ou de outro). Entre os sócios, por outro lado, poderá haver disposição efetivo disponível na sociedade) e a solidariedade é quando é possível cobrar
diversa, uma repartição de responsabilidade que somente terá efeito entre toda uma dívida de um sócio, mesmo que ele tenha menos quotas sociais (na
eles. prática, esse sócio que acabará arcando com o prejuízo, cobrará os demais,
Na sociedade em comandita simples (art. 1.045 do CC/02) há dois tipos de proporcionalmente).
sócios: os comanditados (pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitada- Até agora vimos as sociedades compostas, sobretudo, por pessoas. Há
mente pelas obrigações sociais) e os comanditários (obrigados somente pelo dois tipos de sociedades, que veremos a partir de agora, caracterizadas
valor da sua quota, isto é, responsabilidade limitada). No contrato social de justamente pela prevalência do capital. São as sociedades de capital, em que
uma comandita simples as categorias são qualificadas. Os comanditados são surgem as figuras das ações e dos os acionistas. Existe um órgão federal de
aqueles que administram e têm poderes de gestão da sociedade. Já os coman- regulamentação destes tipos societários, que é feito pela Comissão de Valores
ditários não decidem, pois são apenas sócios de investimento, sob a promessa Mobiliários (CVM).
de uma participação nos lucros.
A sociedade anônima (S/A) é, regida pela Lei nº 6.404/76, assim, uma
A sociedade limitada (Ltda), prevista a partir do art. 1.052 do CC/02, que sociedade de capitais, cujo capital é dividido em ações, o que permite ampla
é o tipo mais comum quando da constituição de uma pessoa jurídica com negociação no mercado. A responsabilidade dos acionistas é limitada ao
finalidades empresárias. Ela oferece menor burocracia e possui o diferencial preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. A sociedade anônima
da limitação da responsabilidade. Cada sócio terá a obrigação de integralizar pode ser fechada (se não negociar valores mobiliários no mercado de
sua parte para a formação do capital social, conforme a previsão em contrato capitais) ou aberta (caso realize a venda de valores mobiliários no mercado
social (de acordo com o que foi subscrito, isto é, comprometido por cada de capitais). O mercado de capitais é o local onde ocorre a negociação de
um dos sócios). Aqui não é possível a integralização com trabalho, serviço, valores mobiliários das sociedades anônimas de capital aberto.
mas apenas com patrimônio (dinheiro, bens). A responsabilidade dos sócios
A sociedade em comandita por ações segue basicamente o que foi falado
é subsidiária, limitada, solidária (apenas quanto à integralização do capital
sobre a comandita simples, com a diferença de o tratamento ser por ações
social). O limite da responsabilidade é o capital social. Logo, se surgir alguma
e não por quotas. Segue, igualmente, a lei da sociedade anônima, a Lei nº
cobrança contra a sociedade limitada e esta não detiver a integralidade do
6.404/76.
valor da dívida, o que eventualmente restar para pagamento não atingirá os
patrimônios dos sócios. Para entender bem isso, consideremos o exemplo Estimado aluno, percorremos um bom caminho até aqui, não é mesmo?
de haver uma execução judicial de uma dívida no valor de R$ 1.000.000,00 Aprendemos bastante e estamos na trilha do Direito Empresarial. Mas ainda
contra a sociedade. Mas o capital social desta sociedade limitada fictícia é de há o que ser estudado! Vamos em frente!
apenas R$ 100.000,00. Indaga-se: se a execução conseguir alcançar esses R$
100.000,00 (que estão lá, integralizados na empresa), os outros R$ 900.000,00
Sem medo de errar
restantes da dívida, recairão sobre o patrimônio pessoal dos sócios? Não!
Isso porque a responsabilidade dos sócios, como visto, é limitada ao valor do
Muito bem! Agora que percorremos os principais tópicos introdutórios
capital social. Agora, imagine que a sociedade tenha gasto todo o seu capital
do Direito Empresarial, temos perfeitas condições de voltar a refletir sobre a
social, simplesmente sumiram aqueles R$ 100.000,00. Aparece uma cobrança
situação prática que levantamos no início dessa seção, não é mesmo?
judicial de R$ 1.000.000,00 contra a sociedade. Neste caso, o patrimônio dos
sócios será atingido? Sim, mas apenas no limite do capital social, logo os R$ Se você se lembrar, falamos de um grupo no qual você pertence, no
100.000,00 (o credor suportará um prejuízo com os outros R$ 900.000,00 qual todos se conheceram ao longo da faculdade e quando estavam prestes

21 22
a terminar, decidiram sair de seus empregos e formar uma empresa em Faça valer a pena
conjunto. Afinal, de contas, esse era um sonho manifestado por vocês e, como
têm um bom relacionamento, espírito de equipe e perfil empreendedor, nada
mais razoável do que acreditar nesse sonho.
1. O Direito Empresarial é ramo do Direito Privado Brasileiro que tem por
função a normatização, por meio de regras e princípios, também extraídos da
A partir de então, pensaram em montar uma loja de suplementos alimen- Constituição da República, de atividades de natureza econômica com finali-
tares. Mas diversas dúvidas surgiram, pois não saberiam nem por onde dade lucrativa, oferecidas no âmbito dos mercados.
começar, apesar de terem vagas ideias quanto às peculiaridades legais que
Assinale a alternativa correta quanto ao objeto do Direito Empresarial:
envolvem uma atividade empresarial.
a. Regulamentar relações de consumo.
Neste ponto, seus amigos indicaram você, na qualidade de administrador,
para resolver esses problemas, indicando-lhes os caminhos adequados. b. Regulamentar capacidade civil.
Como é pretendido praticar uma atividade organizada, com todos os c. Regulamentar as transações imobiliárias.
elementos característicos da atividade empresária, à luz da legislação em
d. Regulamentar atividades econômicas organizadas.
vigor, sobretudo porque visa à obtenção de lucros, chega-se à conclusão inicial
de que a possibilidade se enquadra no perfil objetivo adotado pelo Direito e. Regulamentar as locações civis.
Empresarial (organização dos fatores de produção mais lucratividade).
Seguidamente, você pôde perceber que, no caso apresentado, seria
2. A atividade empresarial é caracterizada por um certo grau de objeti-
vação e determinação quanto às suas finalidades e modo de funcionamento.
oportuna a constituição de uma sociedade personificada, do tipo limitada.
Por tal motivo, o Código Civil de 2002 estabelece alguns requisitos para se
Isso porque será possível que vocês iniciem um negócio devidamente prote-
considerar ou não uma atividade como empresária e, por conseguinte, quem
gidos, relativamente aos seus patrimônios pessoais. Como cada um pode
poderá ser ou não considerado como empresário.
dispor de certa quantia em dinheiro para efeito de integralização do capital
social, e sendo o valor suficiente para a abertura do negócio, é razoável que Assinale a alternativa correta quanto ao enquadramento no
se elabore um contrato social, optando-se pela forma de administração da conceito de empresário:
sociedade, que poderá ser livremente escolhida por vocês, distribuindo-se
as quotas proporcionalmente à participação societária de cada um, isto é, a. Os incapazes.
proporcionalmente aos valores subscritos (prometidos em contrato) e
b. Quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para
também integralizados (efetivamente aportados na sociedade).
a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Mas essa sociedade empresária do tipo limitada que, por enquanto, apenas
c. Quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou
existe no papel do contrato social, precisa nascer de algum jeito, certo? Nesse
artística.
caso, deverá ser registrada na Junta Comercial do Estado, o que permitirá,
posteriormente, que seja feita a inscrição na Receita Federal para obtenção d. Os profissionais liberais.
de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) e abertura de conta bancária
e. A associação sem fins lucrativos.
em nome da sociedade.
Assim, pronta a sociedade e devidamente registrada, com o capital 3. As sociedades personificadas apresentam vários tipos possíveis, que serão
integralizado, podem iniciar os investimentos concretos para abrir a loja escolhidos conforme o melhor interesse dos eventuais sócios e as finalidades
de suplementos alimentares. Lembrando que a partir da existência jurídica colimadas inicialmente.
da sociedade, as obrigações relativamente à locação de um ponto e perante
Assinale a alternativa que corresponde ao tipo de sociedade cujas ações
fornecedores e futuros clientes será por intermédio da própria sociedade, que
poderão ser negociadas no mercado de capitais.
poderá até mesmo contratar funcionários.

23 24
a. Sociedade simples. Seção 2
b. Sociedade em Comum.
c. Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.
Direito e legislação empresarial
d. Sociedade limitada.
Diálogo aberto
e. Sociedade anônima.
Olá, aluno!
Agora que já conhecemos os requisitos legais para a constituição de uma
empresa, podemos dar seguimento aos nossos estudos, adentrando, de vez,
em um dos grandes temas do Direito Empresarial Aplicado, que é aquele
relativo aos chamados títulos de crédito.
Conforme veremos ao longo desta seção, os títulos de crédito fazem parte
do cotidiano empresarial e o conhecimento quanto aos princípios cambiais
e às regras legais que os fundamentam é de nuclear importância para você,
até mesmo porque, caro aluno, se o objetivo da empresa é a geração de lucro
para os seus sócios, a garantia de recebimento de valores é algo relevante de
ser observado.
Na realidade de uma empresa, não é apenas por meio do dinheiro em
espécie que são pagos os produtos ou bens fornecidos ou em troca dos
serviços eventualmente prestados.
Há, no Direito Brasileiro, uma gama de opções que funcionam como
instrumentos de pagamento das obrigações civis. Tais instrumentos poderão
tanto ser utilizados pelos consumidores e clientes perante a empresa, quanto
pela própria empresa na negociação com seus fornecedores e demais
contratantes.
Considere, por exemplo, dois títulos de crédito de proeminente presença
na prática empresarial – dois títulos típicos, aliás – que são o cheque e a
duplicata. O que esses títulos representam? Qual é a forma correta de
cobrá-los? Diante do inadimplemento, o que se deve fazer? Quais as regras
de constituição de um título dessa natureza? E quanto à letra de câmbio e
nota promissória, além de todos esses questionamentos, quais são as formas
de vencimentos?
Se não bastasse, caro aluno, há outros títulos, conhecidos como atípicos,
que precisam se revestir de alguns elementos legais para que tenham força
executiva, isto é, para que possam ser cobrados extrajudicialmente ou
judicialmente.
Calma! Todas essas dúvidas serão resolvidas ao longo desta seção.

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Vamos imaginar, para início de conversa, que a ideia de montar uma loja de algum tema, o que significa uma aplicação subsidiária (primeiro a lei
de suplementos, enfim, deu certo. A loja está funcionando a pleno vapor, os especial, depois o CC/02).
clientes estão aparecendo e alguns deles até podem ser considerados como Para que possamos bem compreender os títulos de crédito, como toda
fiéis e bons pagadores. Com isso, você, que está na qualidade de adminis- matéria do Direito, é preciso que você conheça alguns princípios relacio-
trador da sociedade empresária, resolve que alguns clientes poderão pagar as nados a esta temática. São os chamados princípios cambiais ou cambiários.
mercadorias por meio de cheques, após a realização de um breve cadastro e
O primeiro deles é o chamado princípio da cartularidade, que vem da
consulta aos órgãos de proteção do crédito. Ocorre que alguns desses clientes
expressão “cártula”, segundo o qual o crédito encontra-se representado
começam a se tornar inadimplentes, comprometendo o fluxo de recebi-
e materializado em um documento (um título). Um cheque ou uma nota
mentos da empresa e causando um grande prejuízo. Alguns títulos, aliás,
promissória representam um crédito, inscrito em um documento, em um
foram mal preenchidos ou faltam informações dos devedores. Inclusive, há
papel. Interessante mencionar que a transferência do título – pensemos em
cheques que foram apresentados para pagamento de maneira antecipada
um cheque – é imprescindível que o documento físico, que materializa o
(antes do acordado com o cliente) e voltaram sem provisão de fundos. Na
crédito, seja efetivamente transferido, por exemplo, de uma pessoa para a
qualidade de administrador responsável pela empresa, você deverá articular
outra. Essa ideia da transferência do título será importantíssima para que
uma solução para essa situação, que já se tornou generalizada. Nesse caso,
você possa, eventualmente, promover a execução judicial do título, por
como você deverá proceder?
exemplo. É preciso, nesse caso, apresentar e portar o documento físico. Em
Antes de responder, note que precisamos apresentar alguns conheci- alguns casos, no entanto, podemos falar em certa flexibilização do princípio
mentos que ajudarão você a formular a melhor alternativa e, inclusive, ajudar da cartularidade. É o caso dos títulos de crédito eletrônicos. Vejamos sobre o
a empresa a evitar passivos futuros relacionados aos títulos de crédito que assunto o art. 889, §3º do CC/02, segundo o qual autoriza-se que o título seja
passou a aceitar como pagamento de seus produtos. emitido dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente.
A chamada duplicata virtual é um título de crédito eletrônico e constitui uma
Seja para corrigir a situação apresentada, seja para prevenir riscos de
exceção ao princípio da cartularidade.
perda financeira futura, vamos caminhar pelo Direito Empresarial, desven-
dando mais esse horizonte do nosso entendimento. Outro princípio é o da literalidade. Segundo este, somente possui validade
para o Direito Cambiário aquilo que está literalmente escrito no respectivo
Vamos lá!
documento (título). Então, se em um cheque lança-se o valor de cem reais, é
este o valor que vale.
Não pode faltar
Temos, ainda, o princípio da autonomia. As relações cambiais são consi-
deradas como autônomas e independentes entre si. Dessa maneira, eventual
Olá! A partir de agora começaremos a estudar as espécies de títulos de
vício em uma relação atinente ao título não afetará outra.
crédito.
Aqui, vamos nos concentrar nos principais, aqueles que mais aparecem
Exemplificando
no dia a dia. São eles: a letra de câmbio, a nota promissória (Decreto nº
Vamos supor, por exemplo, que Tácito esteja vendendo o seu carro por 10
57.663/66 – Lei Uniforme de Genebra); a duplicata (Lei nº 5.474/68); e o
mil reais e Cícero aceita o preço. Mas Cícero quer dar uma nota promis-
cheque (Lei nº 7.357/85).
sória com vencimento para dali a seis meses e já levar o carro, pois alega
Mas devemos nos lembrar que no Código Civil Brasileiro, a partir do impossibilidade de pagamento no ato. Tácito acaba aceitando e entrega o
artigo 887, há também um tratamento a respeito dos títulos de crédito. Por carro para Cícero em troca da nota promissória, cujo pagamento deverá
força do art. 903 do CC/02, somente na ausência de disposição diversa em ocorrer dentro de seis meses, como combinado. A nota promissória é
lei especial é que os títulos de crédito serão regidos pelo Código Civil. Se um título de crédito, como você já sabe, que estampa literalmente um
há uma lei especial para determinado título, deveremos aplicar a respec- crédito. Agora, Tácito é credor de Cícero. O que deu origem à emissão
tiva legislação. O Código Civil será aplicado quando tais leis não tratarem da promissória foi uma compra e venda do carro. Imagine que Cícero,
eventualmente, alegue que o carro apresentou uma série de problemas e

27 28
que não pagaria a nota promissória. Tácito diz que Cícero tem que pagar
precisa de causa específica; no entanto, podem haver algumas limitações.
a nota promissória de qualquer jeito. Isso acaba se tornando um processo
A letra de câmbio, por exemplo, não cabe no caso de uma compra e venda
judicial movido por Tácito contra Cícero. Neste caso, como há uma
mercantil, pois para essa hipótese, segundo a legislação, é aplicável a dupli-
relação direta entre os dois quanto à formação do título (compra e venda),
cata. Por último, o título pode ser não-causal, isto é, prescinde de uma causa
Cícero poderá defender-se no processo alegando que o carro comprado
determinada para sua emissão, como são os casos, no geral, das figuras da
apresenta defeitos e que, afinal, não é razoável que ele seja obrigado a
nota promissória e do cheque.
pagar a nota promissória. Porém – e aqui está a questão da autonomia Quanto à estrutura, o título pode ser: ordem de pagamento e promessa
-, imagine que Tácito tenha transferido, de boa-fé, a nota promissória de pagamento.
para uma outra pessoa, para Murilo. Entre Murilo e Cícero não há
Quanto à ordem de pagamento, aparecem as figuras daquele que dá a
relação nenhuma. A pergunta aqui é: pode Murilo executar (cobrar) a
ordem para o destinatário, que efetuará a ordem para o tomador ou benefici-
nota promissória independentemente da questão dos problemas com o
ário do título. A letra de câmbio, a duplicata e o cheque são exemplos.
carro, segundo as alegações de Cícero? Sim! Isso se dá porque as relações
cambiais são autônomas. A relação entre Cícero e Murilo (nova, decor- Promessa de pagamento, diferente da situação anterior, possui apenas
rente da transferência) são autônomas. Murilo pode, enfim, cobrar duas figuras: o promitente ou subscritor (quem faz a promessa) e o tomador
tranquilamente de Cícero o valor da nota promissória. beneficiário (quem receberá a promessa, o credor). Exemplo é a nota
promissória.
Com isso, aprendemos que essa autonomia dos títulos de crédito também Quanto à circulação, poderá ser: ao portador, nominativo, que pode ser à
faz surgir a noção de abstração, isto é, a não vinculação a nada além do que ordem ou não à ordem.
está no documento, quando ocorre a transferência de boa-fé do título.
Ao portador é o título no qual não há identificação do beneficiário, ou
Com tais princípios, estamos prontos para conhecer o conceito de título seja, ele circula livremente, com a mera entrega do documento (juridica-
de crédito, dado pelo jurista Cesare Vivante (apud MAMEDE, 2019, p. 12), mente chamada de tradição, a entrega). Desde a Lei 8.021/90 não se admite
que é o “documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo mais título ao portador, salvo se a lei especial trouxer essa permissão. Do
nele mencionado”. Esse é o próprio conceito adotado pelo CC/02, em seu contrário, não é admitida (MAMEDE, 2019).
artigo 887, segundo o qual título de crédito é o “documento necessário ao
No título nominativo é identificado o beneficiário. Pode ser à ordem,
exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito
quando sua transferência se dá por endosso e tradição. Nesse caso, quem
quando preencha os requisitos da lei” (BRASIL, 2002).
endossa o título responde pelo pagamento, pela solvência do crédito.
Caro aluno, a partir de agora veremos a classificação dos títulos de crédito.
Quanto ao modelo, o título pode ser vinculado ou livre. Vinculado é o Exemplificando
título que precisa observar alguns requisitos específicos exigidos pela legis- Se, por exemplo, Caio transfere e endossa um cheque para Mário e o
lação, como a forma e a formatação. Há um padrão. Por exemplo, a dupli- cheque retorna sem provisão de fundos, Mário poderá propor uma
cata e o cheque são títulos vinculados (possuem forma adequada segundo o ação judicial contra Caio, a fim de que este seja obrigado a responder
estipulado pelo Conselho Monetário Nacional). pela dívida.

Já o título livre não precisa de nenhuma forma específica. A nota promissória é


o grande exemplo. Qualquer pedaço de papel (que contenha as informações neces- Diferente é o título nominativo não à ordem, em que não há transfe-
sárias) pode servir para uma nota promissória (NEGRÃO, 2018). rência por endosso, mas por mera cessão civil. Na cessão civil, quem trans-
fere não responde pelo pagamento do título.
Quanto às hipóteses de emissão, o título pode ser causal, que precisa de
uma causa específica que dê razão para a sua emissão. É o caso da dupli-
cata, que só pode ser emitida em duas situações: compra e venda mercantil
ou decorrente de prestação de serviço. Também pode ser limitado, que não

29 30
Assimile Agora que vimos as características gerais dos títulos de crédito, caminha-
Endosso é a transferência do crédito a outra pessoa, com a tradição remos para o estudo dos principais títulos. Vamos lá!
(entrega física) da posse da cártula. Endossante é quem transfere, e
Estudaremos, agora, a letra de câmbio, regulada pelo Decreto nº
endossatário, quem recebe. Assim, há dois efeitos desse ato: transfere
57.663/66. Trata-se de um título resultante de relações de crédito entre duas
a titularidade do crédito, do endossante para o endossatário, e torna o
ou mais pessoas, por meio do qual aquela designada como sacador determina
endossante corresponsável pelo pagamento do título.
a ordem de pagamento a uma outra pessoa, que é o sacado, seja em favor
O endosso pode ser dado no verso do título, bastando uma assinatura.
deste ou de terceira pessoa (que é o tomador ou beneficiário), relativamente
Pode ser também no anverso (frente do título), mas neste caso precisará
ao valor previsto e nas condições especificadas. Suponha que a pessoa X está
de uma assinatura e uma expressão de identificação (exemplo: endosso a
devendo certa quantia à pessoa Y. X emite uma letra de câmbio determi-
Carlos; transfiro a Paulo).
nando que Y o pague. Agora imagine que X esteja devendo a Z; X, então,
O endosso pode ser em branco (quando não identifica o endossatário) ou
emite uma letra de câmbio para que Y (que deve a X) pague diretamente a Z.
em preto (que possui a identificação do endossatário). Se não colocar o
nome de alguém na expressão “endosso a…”, está em branco, sem identi- O que precisamos saber é sobre os atos cambiais existentes no âmbito da
ficação do endossatário. Mas, se é colocado, por exemplo, “endosso a letra de câmbio. O primeiro dele é o chamado saque, que é o ato de criação
Carlos”, tem-se o endossatário identificado, em preto. ou emissão de um título de crédito. Como a letra de câmbio é uma ordem
Deve-se lembrar que o endosso parcial (quanto a apenas uma parte de pagamento, há três figuras: quem dá a ordem; quem recebe a ordem; e
do valor que consta no título) é nulo. Somente é possível, portanto, o o tomador beneficiário. Quem dá a ordem será chamado de sacador; quem
endosso total (isto é, da integralidade do valor que consta no título). recebe a ordem será chamado de sacado. Então, diante do último exemplo
Também há o chamado endosso impróprio. No endosso impróprio não dado, o X será o sacador, que dá a ordem para o sacado, Y, pagar Z, que é
ocorre a transferência do crédito, apenas do título. Pode ser de dois tipos: o tomador beneficiário. Quando X emite essa ordem para Y, ele o procura
endosso-mandato e endosso-caução. No endosso-mandato, transfere-se e pergunta se concorda ou não com tal ordem. Nesse momento, surge um
o título para fins de cobrança. No endosso-caução, transfere-se o título outro ato cambial importante, que é o chamado aceite.
para fins de garantia (TEIXEIRA, 2018).
O aceite nada mais é do que o ato pelo qual há concordância com uma
ordem de pagamento dada, que é um ato privativo do sacado (ninguém mais
O CC/02, no art. 921, faz menção a título nominativo, mas em um sentido pode aceitar, apenas ele). Se houver aceite, o sacado é aceitante. Na oportuni-
adicional. Segundo esse dispositivo, o título nominativo é aquele emitido dade de o sacado efetuar o aceite, ele se torna o principal devedor do título.
em favor de pessoa cujo nome conste no registro do emitente, quer dizer, No exemplo dado, se Y der o aceite, ele se torna devedor principal do título,
o nome do beneficiário não está escrito no título, porém deve aparecer no enquanto que o X, sacador, será corresponsável. Note, no entanto, que na
registro daquele que o emitiu. Como o CC/02 permite a criação de títulos de letra de câmbio o aceite é facultativo. O sacado pode, assim, recusar o aceite.
crédito atípicos, é possível que seja criado um título, que será registrado em Porém, nessa situação, se houver a recusa do aceite, isso resultará em dois
livro próprio, com o nome do credor; quando este credor transferir o título efeitos: vencimento antecipado do título; e o sacador se torna o devedor
para outrem, haverá o registro desta operação de transferência, com o nome principal (FILKESTEIN, 2016).
daquele para quem se transferiu. É uma hipótese mais difícil de acontecer,
O aceite poderá ser parcial. Nesse caso, poderá ser limitativo (quanto ao
todavia, possível.
valor – o sacado não aceita o valor total inicialmente previsto, assumindo
Por fim, vale ressaltar que os títulos de crédito a serem estudados a a obrigação principal em relação ao que ele efetivamente concordou) ou
seguir (letra de câmbio, nota promissória, duplicata e o cheque) são títulos modificativo (quanto às condições do título, modificando, por exemplo, a
executivos extrajudiciais, de acordo com o art. 784 do Código de Processo data do vencimento antes estipulada).
Civil Brasileiro. Quer dizer que, como títulos executivos extrajudiciais, os
E quanto ao endosso, será que é possível na letra de câmbio? Será que é
títulos de crédito têm à sua disposição um procedimento mais rápido para a
possível a transferência da letra de câmbio? Sim! Quem endossa, na letra
cobrança judicial, desde que respeitados os respectivos prazos prescricionais
u nas leis especiais de cada um.

31 32
de câmbio, é corresponsável pelo pagamento do título, pela sua solvência de quantia determinada, em seu favor ou de outra pessoa, nas condições
(SANCHEZ, 2018). especificadas no título.
Além disso, é possível aparecer a figura do aval, que segundo o art. 30 do Assim como a letra de câmbio, a nota promissória também está discipli-
Decreto nº 57.663, poderá ser total ou parcial, relativamente ao valor. nada no Decreto nº 57.663/66.
Não há aceite na nota promissória, pois como é uma promessa não há
Assimile ordem de pagamento.
Aval: trata-se de um ato cambiário resultante da manifestação unilateral
Logo, o devedor principal é o emitente da nota, isto é, o subscritor –
de vontade, por meio da qual uma pessoa, física ou jurídica, chamada
aquele que realiza a promessa de pagamento.
avalista, compromete-se a pagar determinado título de crédito, nas
mesmas condições que o devedor originário ou codevedor do mesmo O endosso é perfeitamente possível, nos mesmos moldes do que foi
título, então, avalizado. O avalista é um garantidor do pagamento do estudado quanto à letra de câmbio. Da mesma forma, as mesmas regras do
título. aval, já estudadas, são aplicáveis à nota promissória.
Para que o aval seja dado em um título de crédito, duas opções são
Quanto ao vencimento, poderá ser: à vista; data certa; a certo termo de
possíveis: uma assinatura simples no anverso do título, ou assinatura
data – seguem o já estudado. Mas, quanto ao vencimento à certo termo de
acompanhada de expressão identificadora no verso (ex. Avalizo a…; por
vista, o prazo não será contado a partir do aceite, porque não há aceite na
aval a…).
nota promissória, porém será contado a partir do visto. Exemplo: se K emitir
Aval poderá ser em branco (sem identificação do avalizado) ou em preto
uma nota promissória em nome de M, com vencimento a certo termo de
(o avalizado está identificado).
vista, isto significa que M apresentará o título a K, que oporá o visto, a partir
O aval é um ato cambiário autônomo, que subsiste ainda que, por
do qual correrá o prazo estipulado, portanto.
exemplo, o avalizado faleça, a empresa entre em falência, o avalizado
seja incapaz etc. Quanto à prescrição para executar judicialmente a nota promissória,
Como o avalista se compromete ao pagamento do título junto com o seguem-se os mesmos prazos da letra de câmbio (VENOSA; RODRIGUES,
devedor do título, ele poderá ser executado diretamente pelo credor, 2017).
não havendo o chamado benefício de ordem.
Trataremos, a partir daqui, da duplicata, que está disciplinada na Lei nº
Interessante que, se o avalista for casado, somente poderá prestar o aval
5.474/68. É uma ordem de pagamento causal, que resulta de uma compra e
com autorização do respectivo cônjuge, exceto no regime de separação
venda mercantil ou prestação de serviço. Há, assim, as figuras do sacador,
total dos bens.
sacado e do tomador beneficiário. Suponha que uma empresa vendeu certa
mercadoria e precisa receber. O vendedor dá uma ordem de pagamento
Quanto ao vencimento, a letra de câmbio pode ser: à vista (exigida a para que o devedor efetue o pagamento, mas é preciso que se emita uma
qualquer tempo); data certa (fixada, por exemplo, para dali a 20 dias); a certo fatura (uma nota fiscal). Para que o credor execute ou transfira essa fatura
termo de data (é o número de dias a partir de uma data inicial, por exemplo, em um título de crédito é preciso duplicar as informações ali constantes em
20 dias a partir da emissão); a certo termo de vista (é o número de dias a um título, que é justamente a duplicata (isso porque a fatura ou nota fiscal
partir da data do aceite) (SANCHEZ, 2018). não reúne os elementos legais de um título de crédito, para que possa servir
de base para um protesto ou uma execução, por exemplo). A duplicata (um
Por fim, para executar o devedor principal e eventual avalista, na letra
espelho) contém todas as informações da fatura (que é elemento indispen-
de câmbio, o prazo é de três anos (prazo prescricional) do vencimento;
sável) (VENOSA; RODRIGUES, 2017).
para codevedor ou avalista de codevedor, o prazo será de um ano contado
do protesto.
Passamos, agora, a estudar a nota promissória. Trata-se de uma promessa
pura e simples de pagamento feita pelo emitente a outra pessoa, beneficiário,

33 34
Reflita necessidade da materialização da duplicata em papel. Existe o enten-
Caso ocorra a perda ou o extravio de uma duplicata, seria possível a dimento dos Tribunais que não é necessário o título ser cartularizado,
emissão de uma outra via? Em caso positivo, como seria chamada essa exatamente por ser considerado um documento eletrônico.
nova via? O aceite se dará pela assinatura eletrônica a qual fará a validação do
próprio documento, conforme fundamentado pelo art. 8º da Lei nº
9.492/97 cumulado com o art. 889, § 3º, do CC/02. Respeitados os requi� -
Na duplicata, o aceite é obrigatório. O sacado, por conseguinte, está
sitos que a lei impõe, os títulos de crédito produzidos por meio eletrônico
obrigado a dar o aceite. Somente em algumas hipóteses, segundo os art. 8º e
não perdem o caráter de título executivo extrajudicial, o que permite
21 da Lei nº 5.474/68, é que poderá haver recusa do aceite, quais sejam: em
ao credor maior segurança no recebimento do seu crédito. Quanto à
caso de avaria, não recebimento da mercadoria e em caso de não prestação do
execução do título, é perfeitamente possível, contanto que devidamente
serviço; em caso de vício ou defeito de quantidade ou qualidade do produto
acompanhada dos instrumentos de protesto e dos comprovantes de
ou serviço; e em caso de divergência quanto ao prazo, preço e condições de
entrega da mercadoria e da prestação do serviço, o que assegura a execu-
pagamento.
tividade do título eletrônico.
Quanto ao endosso, o art. 25 da Lei nº 5.474/68 diz que se aplicam as
mesmas regras já vistas da letra de câmbio.
Finalmente, vamos ao estudo do cheque, que está disciplinado na Lei nº
No que se refere ao aval, prevalece o entendimento de que se aplicam as 7.357/85. Trata-se de um título de crédito pelo qual uma pessoa, emitente
mesmas regras da letra de câmbio. Já no que se refere ao vencimento, a dupli- ou sacador (correntista), a partir de prévia provisão de fundos em poder
cata pode ser: à vista ou com data certa, apenas. de banco ou instituição financeira congênere, designado como sacado, dá
contra este uma ordem incondicionada de pagamento à vista, em seu próprio
Na execução judicial de uma duplicata, temos duas situações. Se houver
benefício ou em favor de terceiro, designado tomador beneficiário (credor).
aceite, tudo bem. Se não houver aceite, nas situações informadas (isto é, em
caso de avaria, não recebimento da mercadoria e em caso de não prestação O cheque é ordem de pagamento à vista. Mas imagine que seja pós-da-
do serviço; em caso de vício ou defeito de quantidade ou qualidade do tado (usualmente pré-datado), para dali a cinco meses. Se o beneficiário
produto ou serviço; e em caso de divergência quanto ao prazo, preço e condi- apresentar o título imediatamente, o banco (sacado) pagará da mesma
ções de pagamento), é preciso que haja uma cumulação de elementos: dupli- maneira, pois é título de crédito à vista. Ocorre, no entanto, que essa apresen-
cata, protesto e o comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação do tação antecipada é uma conduta desleal, pois o combinado foi outra data. Por
serviço. tal motivo, segundo o Superior Tribunal de Justiça, caracteriza dano moral a
apresentação antecipada do cheque (VIDO, 2019).
O prazo prescricional para executar o devedor principal ou avalista é de
três anos do vencimento. Se é para executar codevedor ou avalista, o prazo Como não há aceite no cheque, havendo fundo disponível e apresentado
será de um ano a partir do protesto (VENOSA; RODRIGUES, 2017). o cheque, o banco ou instituição financeira deverá pagá-lo.
Quanto ao endosso, segue as mesmas regras da letra de câmbio: assinatura
Assimile no verso do cheque ou assinatura acompanhada de uma expressão identifica-
Duplicata virtual: influenciada principalmente pelo desenvolvimento da dora no anverso. Também poderá ser em preto (identificado) ou em branco
eletrônica e da informática e a fim de viabilizar um procedimento célere, a (sem identificação). Ademais, não há limitação para o endosso. Igualmente,
duplicata vem sendo utilizada pelo meio eletrônico, sendo assim conhe- não é possível o endosso parcial, apenas total.
cida como duplicata virtual. Para que o título surta efeito é necessária a
O aval também será possível, total ou parcial. Será, como visto, no anverso
data de emissão; indicação precisa dos direitos que confere e assinatura
(com simples assinatura) ou no verso (assinatura acompanhada de expressão
do emitente (assinatura digital). Esse modelo de título é caracterizado
identificadora). Será em preto ou em branco, nas regras já estudadas (VIDO,
pelo lançamento em meio magnético. A duplicata é remetida a uma
2019).
instituição financeira, que emite um boleto bancário e encaminha aos
sacados, para que assim efetuem o pagamento. Portanto, não tem a

35 36
Importante quanto ao cheque é a questão da apresentação para o respec- Na hipótese de o cheque encontrar-se prescrito, também é possível, assim
tivo pagamento. O prazo de apresentação será de 30 dias (se for da mesma como para as demais espécies de títulos de crédito, o manejo da chamada
praça) ou 60 dias (se for de praça diferente), contados da data da emissão. ação monitória, que considera o título prescrito, então não executável por
Se o cheque for oriundo de São Paulo, por exemplo, mas apresentado em procedimento mais célere, como um instrumento de dívida civil.
Brasília (praças diferentes), o prazo é de 60 dias, portanto (CRUZ, 2018).
Com isso, caro aluno, encerramos o estudo dos títulos de crédito,
O estudo dos prazos é para fins de contagem da prescrição, isto é, o tempo buscando os fundamentais e mais relevantes aspectos que permitirão a utili-
de que o credor dispõe para executar judicialmente o título. Mas atente-se: só zação desses importantes instrumentos no âmbito da prática empresarial.
é possível a execução do endossante se o cheque tiver sido apresentado dentro
do prazo legal, segundo o art. 47, II, da Lei nº 7.357/85. Quanto ao emitente e
Sem medo de errar
seus avalistas, sem problema. A vedação da lei é quanto ao endossante.
É possível que o credor apresente o cheque para pagamento e o banco Muito bem! Percorremos até aqui um caminho muito interessante, repleto
(sacado) faça a devolução indevida do cheque, quando, por exemplo, ocorre de conhecimentos indispensáveis no que se refere aos títulos de crédito. Com
um equívoco administrativo e o banco não verifica o saldo suficiente para isso, você poderá otimizar muito mais o recebimento decorrente das vendas
a cobertura da ordem. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a simples de sua empresa, caso ela forneça bens de consumo, ou em razão dos serviços
devolução indevida do cheque caracteriza dano moral (NEGRÃO, 2018). que presta.
E a sustação do cheque? Tem-se a chamada contraordem ou revogação, No caso que destacamos, vimos que a loja de suplementos está dando tão
que é dada pelo emitente e somente produz efeitos depois do prazo de certo que, para alguns clientes, foi dada a oportunidade de realizar pagamentos
apresentação do cheque. A outra modalidade de sustação é a oposição ou por meio de títulos de crédito, como o cheque. Porém, alguns clientes estão
simplesmente sustação. Neste caso, tanto o emitente quanto o portador legiti- inadimplentes e devido à falta de controle e conhecimento por parte dos
mado terão tal possibilidade. Aliás, essa oposição poderá ocorrer até mesmo outros sócios da loja (sociedade empresária), resta dificultado o recebimento
durante o prazo de apresentação, diferentemente da modalidade anterior. dos créditos, porque alguns títulos, aliás, foram mal preenchidos ou faltam
informações dos devedores. Inclusive, há cheques que foram apresentados
Tema de relevância é a questão da execução do cheque por meio judicial.
para pagamento de maneira antecipada (antes do acordado com o cliente) e
Nesse caso, o prazo prescricional é de seis meses contados do fim do prazo de
voltaram sem provisão de fundos. Nesta situação hipotética, na qualidade de
apresentação para o ajuizamento da ação em face do emitente e seu avalista.
administrador da sociedade empresária, você ficou responsável pela correção
Caso seja uma execução contra o endossante e seu avalista, o prazo será de
e instrução quanto aos procedimentos que deveriam ser adotados a partir de
seis meses a contar do protesto ou da declaração da Câmara de Compensação.
então. Vamos lá?
Se você acompanhou o nosso percurso até aqui, será capaz de entender
Dica
que o cheque possui uma sistemática própria, que é aquela de lei especial,
Segundo a Lei nº 10.214/2001, Câmara de Compensação é uma central ou
a Lei nº 7.357/85, a qual deverá ser obrigatoriamente observada. Como o
mecanismo de processamento central por meio do qual as instituições
cheque é uma ordem de pagamento à vista, os campos da assinatura e do
financeiras acordam trocar instruções de pagamento ou outras obriga-
beneficiário tomador devem estar preenchidos.
ções financeiras (como valores mobiliários). As instituições liquidam
os instrumentos trocados em um momento determinado com base em Posteriormente, em casos de compras de grande vulto é possível a exigência
regras e procedimentos da Câmara de Compensação. Em alguns casos, a de um avalista do emitente (devedor originário), o que permitirá maior chance de
Câmara de Compensação pode assumir responsabilidades significativas recebimento forçado (judicial) na hipótese de inadimplência (caso o cheque seja
de contraparte, financeiras ou de administração do risco para o sistema devolvido pelo sacado – instituição financeira – sem provisão de fundos).
de compensação.
Ademais, como o cheque é um título de crédito, você deverá informar
aos demais sócios da empresa que o valor deverá ser preenchido de modo
bastante claro, em respeito ao princípio da literalidade.

37 38
Em seguida, esclareça que apesar de o cheque ser uma ordem de 2. A duplicata é título de crédito decorrente de compra e venda mercantil ou
pagamento à vista, é possível que ele seja pós-datado (o famoso cheque da prestação de serviços e deverá ser acompanhada da respectiva fatura (nota
pré-datado do dia a dia), em que o emitente coloca a expressão “bom fiscal) para o seu cumprimento e, inclusive, quanto à sua execução judicial,
para…” no anverso do título. Muito embora não haja previsão legal para essa deverá estar em conjunto com o comprovante da entrega das mercadorias ou
prática, nada impede que, caso o cheque seja apresentado para pagamento, o da prestação do serviço, além do documento que a encarta (duplicata em si),
sacado concretize a ordem. No entanto, tal prática apesar de não violar a lei a fatura, mais o protesto.
cambiária, viola a boa-fé objetiva no que se refere às relações comerciais, de
Na duplicata, o aceite é ato fundamental. O sacado poderá opor-se ao aceite
modo que, segundo o Superior Tribunal de Justiça, configura dano moral a
em qual situação descrita a seguir?
apresentação antecipada do cheque pós-datado. Por tal motivo, você deverá
recomendar, enfaticamente, que os prazos de apresentação para pagamento a. Quando a mercadoria for devidamente entregue quanto à quantidade.
sejam estritamente respeitados, para não gerar o risco de um grave passivo
b. Quando for entregue mercadoria a mais do que o pedido.
judicial em função da configuração do dano moral respectivo.
c. Quando não houver vícios de quantidade na mercadoria entregue,
Além de tudo isso, você deverá lembrar aos sócios acerca dos prazos de
mas o sacado opta por não opor o aceite.
apresentação do cheque para pagamento, sendo 30 dias para mesma praça ou
60 dias para praças diferentes. O término desse prazo faz iniciar a contagem d. Diante de divergência quanto ao prazo, preço e condições de
de um outro prazo, o chamado prazo prescricional, que será de seis meses pagamento.
para que se empreenda a execução direta do cheque na Justiça, tendo em
e. Por mera vontade, o sacado nega a efetuar o aceite.
vista que ele é um título executivo extrajudicial. Ultrapassado esse prazo, no
entanto, será possível o manejo de outras ações, como a ação monitória, que
considera o cheque prescrito como prova pré-constituída de uma dívida civil.
3. O cheque é espécie de título de crédito por meio do qual o emitente dá
uma ordem de pagamento à vista, para que o sacado cumpra em benefício
Mas até aí você já ajudou o suficiente! Com as suas recomendações técnicas, de determinada pessoa, mediante provisão de fundos. No entanto, é usual
a empresa conseguirá articular da melhor maneira o controle de recebimentos e a a possibilidade de emissão de cheque pós-datado, comumente chamado de
gestão da inadimplência, favorecendo, assim, a própria saúde do negócio. cheque pré-datado.
Sobre o chamado cheque pós-datado, assinale a alternativa correta.
Faça valer a pena
a. A lei cambiária admite expressamente o cheque pós-datado.
1. O princípio da cartularidade indica que o título de crédito é representado b. Embora a lei cambiária não admita, é prática comum, mas a apresen-
por um documento escrito, no qual se farão constar informações como o tação para pagamento antes do prazo estipulado, apesar de não
emitente e o beneficiário, por exemplo. impedir o pagamento, configura dano moral, segundo o Superior
Tribunal de Justiça.
Indique a alternativa adequada que representa os demais princípios relacio-
nados aos títulos de crédito: c. É possível na prática, e como o cheque é ordem de pagamento à vista,
mesmo se pós-datado e apresentado para pagamento antes da data
a. Literalidade, autonomia e abstração.
fixada, não haverá nenhuma consequência.
b. Literalidade, vinculação e concretude.
d. Configura dano moral o ato de pós-datar um cheque, em qualquer
c. Literalidade, autonomia e dependência. hipótese, tendo em vista que é título de pagamento à vista.
d. Abstração, dependência e circularidade. e. O cheque pós-datado desvirtua completamente o título, não produ-
e. Autonomia, literalidade e não-circularidade zindo quaisquer efeitos na prática.

39 40
Seção 3 seja possível adimplir com todas as obrigações então assumidas, porém até
o momento não satisfeitas. Os credores não param de enviar notificações de
cobrança e, além de tudo, os juros e a correção monetária somente pioram
Falência e recuperação judicial da empresa com o passar do tempo. Considerando a necessidade de uma reformulação
do gerenciamento da empresa, como você, na qualidade de administrador,
Diálogo aberto orientaria para a resolução dessa grave crise?
Pois bem, para tanto será necessário mobilizar uma série de conceitos e
Olá, aluno!
articular diversas informações.
Nesta seção abordaremos a questão da falência e da recuperação judicial
Vamos lá!
da empresa. Discutiremos a falência e os seus reflexos, a recuperação
judicial e extrajudicial, bem como finalizaremos discutindo as hipóteses de
desconsideração da personalidade jurídica, quando, em algumas situações, Não pode faltar
o patrimônio dos sócios, do empresário e do administrador da sociedade
responde diretamente. Começaremos a tratar do instituto da falência, disciplinada pela Lei nº
11.101/2005. Na hipótese de uma relação entre credor e devedor, o credor
O que é mais importante nesta seção, caro aluno, é pensarmos na situação
possui diversas possibilidades para buscar a satisfação dos seus créditos.
da empresa que passa por crise financeira. Essa crise está ligada à eventual
Ele pode, por exemplo, promover cobrança judicial por meio de uma ação
incapacidade de a empresa cumprir com as obrigações assumidas, fazendo
de execução, uma ação monitória, assim como pode ajuizar uma ação de
com que os débitos que detenha superem a sua capacidade de adimplemento
falência. Com essa ação, se decretada a falência, reconhecido estará o estado
(pagamento).
de insolvência do devedor (isto é, quando seu passivo supera o seu ativo e
Sabe-se que não é fácil manter uma empresa, assegurando sua boa a sua capacidade de recuperar-se). Além disso, será encerrada a atividade
“saúde”, pois há vários elementos contingentes do cotidiano que interferem da empresa e reunidos todos os seus ativos, que serão colocados a cargo de
nas atividades, sobretudo os problemas de natureza econômica e jurídica, um administrador judicial nomeado que procederá a sua avaliação e venda.
como a redução da capacidade de consumo, alta carga tributária, passivos O produto dessa venda, ou seja, o montante obtido, será utilizado para
trabalhistas, dentre tantos outros. pagamento de todos os credores do devedor falido e não apenas daquele que
eventualmente tenha proposto a ação, conforme uma determinada ordem de
O objetivo aqui é o de apresentar os instrumentos legais que possibilitam
preferência dos créditos (MAMEDE, 2019).
o restabelecimento da empresa, como é o caso da recuperação (judicial ou
extrajudicial), ou, quando realmente não há mais jeito, porém é preciso satis- Assim, de acordo com Ricardo Negrão (2018), a falência é um processo
fazer o crédito dos credores, a hipótese da falência. de execução coletiva, em que a integralidade do patrimônio de um empre-
sário ou sociedade empresária declarados falidos é arrecadado (reunido),
Isso serve para mostrar que o Direito Empresarial possui uma preocu-
com o objetivo de pagar a universalidade de credores. Trata-se de um
pação e um tratamento jurídico que vai desde a constituição da empresa até o
processo judicial bastante complexo que compreende a arrecadação dos
seu fim mais inoportuno, no caso da falência. Essa preocupação do Direito e
bens, sua administração e conservação, assim como a verificação minuciosa
do Estado tem uma razão especialmente econômica de ser: afinal, as empresas
dos créditos, para posterior liquidação (venda) dos bens e realização de
constituem importante vetor da economia nacional, gerando e distribuindo
rateio entre os credores, de acordo com a ordem de preferência estabelecida
renda, criando postos de trabalho e dinamizando o fluxo de capitais.
pela legislação, no art. 83 da Lei de falência (NEGRÃO, 2018). Ademais, há
Suponha, neste sentido, que a empresa que você constituiu com seus a previsão de diversos crimes que podem ser cometidos pelo devedor falido,
amigos de faculdade esteja passando por um sério momento de crise finan- de modo que a Lei nº 11.101/2005 prevê as respectivas hipóteses nas quais
ceira. Há um grande passivo relacionado ao pagamento dos fornecedores, haverá punição. É, por conseguinte, um instituto do Direito Empresarial
bem como há dívidas de origem trabalhista e fiscal. O interesse de vocês é muito sério e que pode acarretar muitas consequências, inclusive penais
a continuidade da atividade empresária, mas, para tanto, será necessário (FILKELSTEIN, 2016).
tomar algumas providências, permitindo enxergar um horizonte no qual

41 42
Mas, quem pode ser autor de uma ação de falência, quem poderá ajuizá-la? É interessante mencionar que a Fazenda Pública, caso tenha crédito
tributário para receber, não poderá propor ação de falência contra o devedor,
A primeira hipótese é a da chamada autofalência, quando o próprio
pois dispõe de mecanismos próprios para esta cobrança (CRUZ, 2018).
devedor confessa o estado de insolvência, percebendo a impossibilidade de
pagar suas dívidas. Nos termos do art. 105 da Lei nº 11.101/2005: “O devedor E quem poderá ser réu da ação de falência? Poderão ser sujeitos passivos:
em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para o empresário individual, a sociedade empresária e a EIRELI. O art. 2º da
pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, Lei nº 11.101/2005 traz duas hipóteses de exclusão (não poderão sofrer ação
expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade falimentar). No primeiro grupo, tem-se as figuras totalmente excluídas (em
empresarial […]” (BRASIL, 2005,). nenhuma hipótese sofrerão ação falimentar), que são: as empresas públicas e
as sociedades de economia mista (entidades integradas por dinheiro público).
Assim, somente é possível quando o devedor estiver em estado de crise
No segundo grupo, tem-se as figuras parcialmente excluídas, quais sejam:
econômico-financeira e não ser caso de recuperação judicial (pois se esta
instituições financeiras, cooperativas de crédito, sociedades de capitalização,
couber, pelo princípio da preservação da empresa, deve-se intentá-la antes
operadoras de consórcio, seguro, planos de saúde e previdência comple-
da falência).
mentar – são parcialmente excluídas pois não é possível o ajuizamento de
Além da autofalência, a Lei 11.101/2005, prevê em seu art. 97: uma ação falimentar diretamente contra estas instituições, porém, como elas
estão sujeitas à possibilidade de liquidação extrajudicial (regida pela Lei nº
Podem requerer a falência do devedor: I – o próprio 6.024/1974), o liquidante (nomeado pelo Banco Central) é quem poderá,
devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta eventualmente, pedir a falência.
Lei; II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do
Além disso, em que local deverá ser proposta a ação de falência? Ela
devedor ou o inventariante; III – o cotista ou o acionista
deverá ser proposta na Justiça Comum Estadual, no local do principal estabe-
do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da socie-
lecimento do devedor ou da filial da empresa que tenha sede fora do Brasil,
dade; IV – qualquer credor. (BRASIL, 2005, [s.p.])
de acordo com o art. 3º da Lei nº 11.101/2005.

Assim, o pedido de falência (que é feito judicialmente) também pode Exemplificando


resultar de manifestação por parte dos sócios ou acionistas da empresa. Imagine que determinado credor pretenda ajuizar ação de falência
Pode ocorrer relativamente ao espólio de um empresário individual, cuja contra a empresa AXY, que possui sede no município de Resende, no
manifestação judicial partirá do cônjuge sobrevivente, do herdeiro ou até do Estado do Rio de Janeiro. O credor, no entanto, tem domicílio ou sede
inventariante. no município de Guaratinguetá, que fica no Estado de São Paulo.
Em qual local esse credor poderá formular o pedido de falência da
Por fim, como regra geral para a realização do pedido judicial de falência
empresa AXY? Seria em Guaratinguetá-SP ou em Resende-RJ?
de uma empresa, qualquer credor poderá ajuizar a respectiva ação. No
A ação deverá ser proposta em Resende-RJ, pois é neste local a sede da
entanto, se este credor que vier a promover a ação de falência, for empresário,
empresa devedora contra a qual se objetiva a decretação do estado de
sociedade empresária ou EIRELI, somente poderá ajuizar a ação caso esteja
insolvência e, assim, do estado falimentar.
devidamente registrado na Junta Comercial. Este requisito não se aplica
para a autofalência – ainda que não haja registro (sociedade em comum e
sociedade sem registro) é possível a autofalência. Caso o credor não tenha A situação que autoriza o ajuizamento da ação de falência é a insolvência,
domicílio no Brasil, precisará prestar caução (garantia) para promover a ação que pode ser de dois tipos: a) confessada (que é a hipótese da autofalência); e
de falência (isso serve para evitar desonestidade no momento do ajuizamento b) presumida. São três hipóteses da insolvência presumida, descritas no art.
da falência, que, aliás, se no final do processo o juiz perceber que não é caso 94 da Lei nº 11.101/2005:
de falência, condenará o autor da ação ao pagamento de indenização contra
o suposto devedor contra o qual se intentou o pedido falimentar).

43 44
I – o devedor, sem relevante razão de direito, não paga, No processo de falência, o juiz poderá declará-la procedente ou impro-
no vencimento, obrigação líquida materializada em título cedente. Em caso de procedência do pedido de falência, será nomeado um
ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o administrador judicial para administrar a massa falida, bem como a apresen-
equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do tação nominal dos credores e os respectivos créditos (VIDO, 2019).
pedido de falência (chamada impontualidade); II – execu-
tado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita
Assimile
e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo
O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente
legal (chamada execução frustrada); III – pratica qualquer
advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou
dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recupe-
pessoa jurídica especializada (art. 21, da Lei 11.101/2005).
ração judicial: a) procede à liquidação precipitada de seus
ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para
realizar pagamentos; b) realiza ou, por atos inequívocos, O falido fica, ainda, inabilitado para exercer qualquer atividade empre-
tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou sarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas
fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte obrigações (que é uma decisão de reabilitação, em que o juiz reconhece que
ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não; o devedor falido de fato extinguiu todas as suas dívidas). Além disso, todas
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, as ações de que for réu o falido serão suspensas e atraídas para o juízo que
sem o consentimento de todos os credores e sem ficar decidiu a falência, para que este as decida (exceto as causas trabalhistas e
com bens suficientes para solver seu passivo; d) simula fiscais).
a transferência de seu principal estabelecimento com o
Com isso, há o final da primeira fase do processo de falência.
objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para
prejudicar credor; e) dá ou reforça garantia a credor por A segunda fase do processo falimentar inicia-se com a sentença decla-
dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres ratória de falência e vai até a sentença de extinção das obrigações do falido.
e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo; f) Nessa segunda fase ocorrerá a arrecadação dos bens (ativos) e venda para
ausenta-se sem deixar representante habilitado e com satisfação do crédito dos credores, por parte do administrador judicial
recursos suficientes para pagar os credores, abandona (TEIXEIRA, 2018).
estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do
Os credores deverão ser pagos mediante a observância de uma determi-
local de sua sede ou de seu principal estabelecimento; e
nada ordem de preferência legal (alguns créditos, devido a sua natureza, serão
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação
pagos primeiro que outros). Assim, é importante diferenciar os chamados
assumida no plano de recuperação judicial. (BRASIL,
créditos extraconcursais (que surgem em virtude do processo de falência,
2005, [s.p.])
após a sua decretação), dos créditos concursais (que são anteriores à decre-
tação da falência e que constam como habilitados para satisfação).
Ajuizada a ação de falência, citado, o devedor terá o prazo de dez dias para Os créditos extraconcursais, pagos em primeiro lugar, são os seguintes,
apresentar sua defesa no processo (art. 98, da Lei 11.101/2005). O devedor conforme o art. 84 da Lei nº 11.101/2005:
também poderá efetuar o chamado depósito elisivo (deposita em juízo o
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus
dinheiro, atestando sua capacidade econômica), hipótese em que o juiz estará
auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou
impedido de decretar a falência. Esse depósito, que impede a falência, deve
decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços
ser efetuado no prazo para a defesa (dez dias), acrescido de juros, correção
prestados após a decretação da falência; II – quantias
monetária e honorários advocatícios. O devedor pode, ainda, dentro do
fornecidas à massa pelos credores; III – despesas com
prazo, pedir recuperação judicial (ainda há possibilidade de pagamento, mas
arrecadação, administração, realização do ativo e distri-
dependerá da elaboração de um plano).
buição do seu produto, bem como custas do processo de

45 46
falência; IV – custas judiciais relativas às ações e execuções
dos respectivos créditos. Se determinado credor for preterido ou excluído
em que a massa falida tenha sido vencida; V – obrigações
da estrita obediência da ordem legal de pagamento poderá manifestar-se
resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a
perante o Juízo da Falência, demonstrando o ocorrido e requerendo que seu
recuperação judicial, ou após a decretação da falência, e
crédito seja satisfeito de acordo com o comando legal.
tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decre- Após o estudo da falência, precisamos conhecer outro importante insti-
tação da falência. (BRASIL, 2005, [s.p.]) tuto disciplinado na Lei nº 11.101/2005, que é a recuperação judicial da
empresa. Desse modo, já no art. 47 da citada lei encontramos a sua finali-
Já a ordem de preferência dos créditos concursais é a seguinte: dade, que é a de
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, […] viabilizar a superação da situação de crise econô-
limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos mico-financeira do devedor, a fim de permitir a
por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho; manutenção da fonte produtora, do emprego dos
II - créditos com garantia real até o limite do valor trabalhadores e dos interesses dos credores, promo-
do bem gravado; III – créditos tributários, indepen- vendo, assim, a preservação da empresa, sua função
dentemente da sua natureza e tempo de constituição, social e o estímulo à atividade econômica. (BRASIL,
excetuadas as multas tributárias; IV – créditos com 2005, [s.p.])
privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 964
do CC/02; b) os assim definidos em outras leis civis
e comerciais; c) aqueles a cujos titulares a lei confira O grande interesse da recuperação judicial é permitir que a empresa
o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; elabore um plano para a satisfação dos seus credores, que seja viável e
d) aqueles em favor dos microempreendedores indivi- exequível. Isso para que a empresa seja preservada, isto é, para que ela
duais e das microempresas e empresas de pequeno continue a existir (VENOSA; RODRIGUES, 2017).
porte de que trata a Lei Complementar nº 123/2006.;
Trata-se de um procedimento que ocorre perante a justiça, dependendo,
V – créditos com privilégio geral (previstos no art. 965
assim, da manifestação de um juiz de direito.
do CC/02); VI – créditos quirografários, a saber: a)
aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo; Mas quais seriam os requisitos para a recuperação judicial? De acordo
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da com o art. 48 da Lei nº 11.101/2005, somente o devedor (empresário indivi-
alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; c) os dual, sociedade empresária e EIRELI) pode pedir a recuperação judicial.
saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho Não basta, porém, ser devedor, é preciso que esteja em atividade regular
que excederem o limite estabelecido de 150 (cento há mais de dois anos, ou seja, devidamente registrado na Junta Comercial.
e cinquenta) salários-mínimos por credor; VII – as Além disso, há outros requisitos que precisam ser observados e conhecidos,
multas contratuais e as penas pecuniárias por infração tal como previsto no art. 48 da Lei nº 11.101/2005. Por exemplo, o empre-
das leis penais ou administrativas, inclusive as multas sário não pode ter sofrido falência anteriormente. Caso tenha falido, preci-
tributárias; VIII – créditos subordinados, a saber: a) os sará demonstrar que as obrigações foram todas satisfeitas (o que ocorre por
assim previstos em lei ou em contrato; b) os créditos meio da declaração judicial de extinção das obrigações e de reabilitação do
dos sócios e dos administradores sem vínculo empre- falido) para que proceda ao pedido de recuperação judicial. Além disso,
gatício. (BRASIL, 2005, [s.p.]) não pode ter sido beneficiado com concessão de recuperação judicial pelo
menos nos últimos 5 (cinco) anos. Deverá, portanto, esperar esse prazo até o
pedido da nova recuperação. Por fim, não poderá ter sofrido condenação por
O respeito à ordem de pagamento é de fundamental importância, pois qualquer crime falimentar, bem como não poderá a empresa ter, como sócio
trata, sobretudo, de uma opção legislativa que prevê prioridades conforme ou administrador, pessoa condenada por crime de mesma natureza.
a natureza, importância e também quanto ao momento de surgimento

47 48
É importante saber que não são todos os créditos que autorizam o pedido de dar, com a indicação do endereço de cada um, a
de recuperação judicial. Logo, o art. 49 da Lei nº 11.101/2005 dispõe que natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito,
“[…] estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data discriminando sua origem, o regime dos respectivos
do pedido, ainda que não vencidos” (BRASIL, 2005, [s.p.]). Isso significa vencimentos e a indicação dos registros contábeis de
que na data da propositura de uma ação de recuperação judicial, todos os cada transação pendente; IV – a relação integral dos
créditos existentes deverão integrar o plano de recuperação então proposto empregados, em que constem as respectivas funções,
para a satisfação das dívidas. salários, indenizações e outras parcelas a que têm
direito, com o correspondente mês de competência, e
Os créditos que podem fazer parte do plano de recuperação judicial são:
a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
crédito trabalhista e decorrente de acidente de trabalho; crédito com garantia
V – certidão de regularidade do devedor no Registro
real (contratos com garantia, como uma hipoteca, um penhor, quando se
Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e
oferece um bem imóvel ou móvel como garantia de um empréstimo, por
as atas de nomeação dos atuais administradores; VI
exemplo); crédito com privilégios especial e geral (descritos nos art. 964 e
– a relação dos bens particulares dos sócios contro-
965 do CC/02); crédito quirografário (contratos em geral, títulos de crédito
ladores e dos administradores do devedor; VII – os
em geral). E eventuais créditos posteriores ao pedido? Esses são os chamados
extratos atualizados das contas bancárias do devedor
créditos excluídos, que estão discriminados no §3º do art. 49 da Lei nº
e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer
11.101/2005. Mais importante, nesse assunto, é saber que os créditos tribu-
modalidade, inclusive em fundos de investimento ou
tários não estão incluídos dentre aqueles possíveis para o plano de recupe-
em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas insti-
ração judicial. Então, se a empresa é devedora de tributos, sejam eles federais,
tuições financeiras; VIII – certidões dos cartórios de
estaduais ou municipais, o plano de recuperação judicial não poderá incluí-
protestos situados na comarca do domicílio ou sede do
-los de modo a estabelecer formas diferenciadas, outros prazos ou redução
devedor e naquelas onde possui filial; IX – a relação,
de encargos para o pagamento da dívida tributária. A dívida tributária, uma
subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em
vez que expressa interesse público do Estado quanto à arrecadação, é tratada
que este figure como parte, inclusive as de natureza
de outras maneiras, com previsão em legislações específicas.
trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores
Agora que sabemos os requisitos, como será que ocorre o processamento demandados. (BRASIL, 2005, [s.p.])
da recuperação judicial?
A recuperação judicial começa com uma petição inicial, redigida por
Se todos os documentos forem apresentados, o juiz deferirá (autori-
advogado. Esta petição deve preencher os requisitos do art. 51 da Lei nº
zará) o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato, nomeará o
11.101/2005, como:
administrador judicial, bem como determinará a suspensão de todas as ações
I – a exposição das causas concretas da situação patri- judiciais contra o devedor.
monial do devedor e das razões da crise econômico-
-financeira; II – as demonstrações contábeis relativas
Atenção
aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas
As ações de natureza tributária não serão suspensas. Elas continuam em
especialmente para instruir o pedido, confeccio-
seus processos próprios, normalmente.
nadas com estrita observância da legislação societária
aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço
patrimonial; b) demonstração de resultados acumu- Depois que o juiz profere essa decisão, é determinada a publicação de um
lados; c) demonstração do resultado desde o último edital público, que trará o conteúdo da decisão judicial e a relação nominal
exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa dos credores. Publicado o edital, o devedor deverá apresentar o plano de
e de sua projeção; III – a relação nominal completa dos recuperação judicial. O prazo para essa apresentação é de 60 dias. Caso o
credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou devedor não o apresente, a recuperação judicial será transformada em

49 50
processo de falência. O plano de recuperação deve conter alguns elementos reprovado. Logo, o plano somente é aprovado quando todas as classes
de acordo com o art. 53 da Lei nº 11.101/2005, como a discriminação dos assim deliberarem.
mecanismos que serão utilizados para efeito da recuperação, inclusive com
a competente demonstração de que tais mecanismos empregados são viáveis
do ponto de vista econômico. Além disso, o plano deverá apresentar um Se em 30 dias depois de apresentado o plano de recuperação nenhum
laudo de natureza econômico-financeiro que dê suporte às pretensões elabo- credor se manifestar contrariamente, significa que o plano foi aprovado.
radas para a satisfação das dívidas e restabelecimento da empresa. Por fim, Nesse caso, o juiz proferirá uma decisão, chamada de concessiva, que autori-
deverá apresentar uma relação completa dos seus bens e ativos. zará, de vez, a recuperação judicial. No entanto, a Lei nº 11.101/2005 prevê
condição para esta decisão final. Ela somente poderá ser proferida caso o
O plano de recuperação é, inicialmente, livre, dentre as possibilidades
devedor apresente Certidão Negativa de Débitos Tributários (CND), infor-
legais, para propor a melhor maneira pela qual deverá ocorrer o pagamento
mando que não há débitos perante o Fisco (federal, estadual e municipal),
das dívidas.
mesmo depois de apresentado e aprovado o plano de recuperação. A questão
é bastante polêmica, pois a Fazenda Pública dispõe de mecanismos próprios
Reflita para a cobrança dos créditos tributários e, segundo o princípio da preser-
Sabendo que o plano de recuperação judicial conta com uma ampla vação da empresa, que é o objetivo fundamental da recuperação, não haveria
liberdade para o pagamento dos credores, isto é, com extensa margem de sentido nessa exigência. Por tal motivo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu
criatividade – ainda que dentro da legalidade – quais ideias você poderia que este requisito (apresentação da CND) não é obrigatório para a concessão
conceber para tal finalidade? da recuperação judicial.
A decisão que concede a recuperação judicial implica em novação (extin-
Após apresentado o plano de recuperação, o juiz determinará a comuni- gue-se a dívida anterior e é criada uma nova dívida, isto é, aquela constante
cação aos credores. Caso eventual credor verifique que não foi incluído no no plano judicial de recuperação). Além disso, tal decisão será considerada
plano ou que apresente alguma divergência, deverá promover a chamada título executivo judicial (o que significa que, caso o plano seja descumprido,
habilitação de crédito no prazo de 15 dias a contar da publicação do edital, os credores poderão executá-lo diretamente na Justiça, sem a necessidade
encaminhando sua manifestação para o administrador judicial nomeado. de um longo processo em que precisariam explicar a origem da dívida, por
Depois desse prazo, o administrador judicial deverá providenciar nova exemplo; é um processo direto, que vai buscar a satisfação do crédito).
relação de credores em 45 dias.
Depois de tratarmos da falência e da recuperação judicial, resta-nos uma
Apresentado o plano de recuperação, caso o credor não concorde, deverá última possibilidade a ser estudada, que é a recuperação extrajudicial da
apresentar a chamada objeção, no prazo de 30 dias. Nesse caso, o juiz convo- empresa, que também está prevista na Lei nº 11.101/2005.
cará a realização de assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano.
Os requisitos para a recuperação extrajudicial são praticamente os
Essa assembleia pode aprovar ou reprovar o plano. Se for reprovado, o juiz
mesmos daqueles estudados quanto à recuperação na esfera judicial. A
decretará a falência.
diferença importante de ser mencionada e que constitui a sua própria
natureza, é que a negociação ocorrerá entre as próprias partes interessadas,
Assimile sem um processo judicial que faça a intermediação.
A assembleia de credores é composta por três classes: 1ª Classe integrada
Assim, o devedor que preencher aqueles requisitos do art. 48 da Lei nº
pelos credores trabalhistas e decorrentes de acidentes de trabalho;
11.101/2005 poderá propor e negociar diretamente com os credores um
2ª Classe, pelos credores com garantia real; e 3º Classe, pelos demais
plano de recuperação extrajudicial, com a finalidade de satisfazer os créditos
credores. Para efeito de aprovação ou rejeição do plano de recuperação
existentes. Porém, no plano de recuperação extrajudicial não é permitida a
judicial, é preciso um número mínimo de credores, em cada classe. Para
inclusão de créditos de natureza tributária, bem como aqueles oriundos da
a 1ª Classe é preciso obter maioria simples dos credores presentes. Para as
legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho.
2ª e 3ª Classes, é preciso tanto a maioria dos credores, quanto a maioria
dos créditos presentes. Se alguma classe reprovar, o plano inteiro será

51 52
Uma vez aprovado o plano de recuperação por todos os credores, isto é, Já a confusão patrimonial é quando não há separação de fato entre os
havendo consenso, o devedor poderá requerer a homologação (confirmação) patrimônios da empresa e dos sócios, quando, por exemplo, o pagamento de
em juízo, apresentando sua justificativa e o documento que contenha seus obrigações pessoais dos sócios ou dos administradores é feito por intermédio
termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram. da pessoa jurídica. Também ocorrerá a confusão patrimonial quando houver
transferências de valores entre a pessoa jurídica e os sócios ou administra-
O plano de recuperação homologado constitui título executivo judicial
dores sem justificativa para tanto (o dinheiro vai de uma conta corrente para
e somente produz efeitos depois de efetivamente homologado pelo juiz.
outra sem critério).
Interessante destacar que as disposições atinentes à recuperação extrajudi-
cial não implicam na impossibilidade de realização de outras modalidades de Nessas situações, o credor eventualmente lesado, ou até mesmo o
acordo privado entre o devedor e seus credores (SANCHEZ, 2018). Ministério Público (nos casos que lhe competir intervir no processo, como
para proteger interesse de menores), poderá requerer no Judiciário que seja
Por fim, é preciso conhecer o instituto da desconsideração da persona-
desconsiderada a personalidade jurídica da empresa para fins de se atingir
lidade jurídica. Afinal de contas, é possível que os sócios de uma sociedade
pessoalmente o patrimônio dos sócios ou administradores que hajam incor-
respondam pessoalmente, com seus bens particulares, pela prática de atos
rido em alguma das hipóteses apresentadas.
que a lei considera como fraudulentos? É justamente dessa hipótese que trata
o referido instituto, pois garante que credores não sejam prejudicados em
razão de atos espúrios cometidos por intermédio da empresa. Exemplificando
Um exemplo de cometimento de abuso por meio da pessoa jurídica é o
O fato de a pessoa jurídica, representada por uma sociedade empresária,
ato de o sócio ou sócios constituírem várias empresas com a finalidade de
por exemplo, possuir autonomia quanto à sua personalidade e patrimônio,
contrair empréstimos junto a instituições financeiras. Posteriormente, as
não pode servir de meio para fraudar eventuais atos ilegais praticados
dívidas não são pagas e os sócios simplesmente desaparecem, permane-
pelos seus sócios. Aí surge o fenômeno da desconsideração da personali-
cendo o passivo em nome da pessoa jurídica. Se demonstrado o intuito
dade jurídica, aplicando-se quando os sócios de alguma maneira abusam da
fraudulento, poderá acontecer de, em processo judicial de cobrança de
autonomia jurídica da pessoa jurídica para o cometimento de atos ilícitos.
dívida, haver a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e a
Trata-se de uma técnica levada a efeito no âmbito de um processo judicial responsabilização pessoal dos respectivos sócios.
– logo, somente o juiz pode desconsiderar o patrimônio de uma empresa, sua
autonomia, e avançar sobre o patrimônio dos sócios, desconsiderando, assim,
Com isso, caro aluno, encerramos mais um percurso dos nossos estudos,
a separação patrimonial que via de regra os protegeria.
agora com conhecimento acerca dos instrumentos legais que regulam a
Então, em uma sociedade limitada, por exemplo, sabe-se que o patri- quebra da empresa (falência) e as possibilidades de sua recuperação, seja na
mônio da pessoa jurídica é diverso daquele dos sócios. Casos esses cometam via judicial ou extrajudicial.
alguma ilegalidade, o juiz pode desconsiderar essa separação e buscar a
responsabilidade pessoal dos sócios.
Sem medo de errar
De acordo com o art. 50 do CC/02, só se aplica a desconsideração da
personalidade jurídica quando houver abuso da personalidade jurídica da Agora que conhecemos os pontos principais relacionados às situações de
empresa (pessoa jurídica). crise da empresa e percebemos que os institutos da falência e da recuperação
judicial e extrajudicial servem, precipuamente, para a preservação da ativi-
Tal abuso pode se dar de duas formas: pelo desvio de finalidade ou pela
dade empresária, isto é, para a continuidade da empresa, temos condições de
confusão patrimonial.
nos debruçar sobre a situação-problema proposta.
O desvio de finalidade nada mais é do que a utilização da pessoa jurídica
Você deve se lembrar de que a empresa que você constituiu com seus amigos
com o propósito de lesar credores, isto é, para escapar de obrigações
de faculdade está passando por sérios problemas econômico-financeiros.
assumidas, bem como quando a pessoa jurídica é empregada para efeito de
se praticarem atos ilícitos.

53 54
Você tem conhecimento que há uma grande dívida com os fornecedores, um plano de recuperação judicial, no qual convocará todos os credores para
bem como há dívidas trabalhistas e tributárias que correspondem a expres- sua aprovação e início do processo de regularização.
sivo montante. A situação, aliás, apenas piora com o passar do tempo, pois há
incidência de juros e correção monetária. Nesse contexto, assinale a alternativa correta acerca do plano de recuperação
judicial:
Apesar da situação bastante difícil, ainda há o interesse em continuar com
a atividade da loja de suplementos, mas, para tanto, seria necessário a tomada a. O plano de recuperação judicial poderá prever prazo superior a um
de atitude consciente e imediata, que permita promover o progressivo resta- ano para efeito de quitação de dívidas de natureza trabalhista.
belecimento da saúde econômico-financeira da empresa.
b. O prazo para quitação de dívida trabalhista deverá ser de, exatamente,
Logo, você já deve estar pensando que uma alternativa viável é o pedido um ano.
de recuperação, que poderá ser judicial ou extrajudicial.
c. O plano de recuperação judicial somente pode prever as hipóteses
A depender do bom relacionamento que porventura sua empresa tenha legais quanto à satisfação dos créditos, dentre as quais, por exemplo, o
com os credores, o plano de recuperação poderá ser feito extrajudicialmente parcelamento com incidência de juros e correção monetária.
e depois submetido à homologação judicial para que produza os seus efeitos
d. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior
de Direito.
a um ano para efeito de quitação de dívidas de natureza trabalhista.
Contudo, caso prefira optar pela via judicial, por ser tratar de elaboração
e. A liberdade quanto ao plano de formulação do plano de recuperação
de um plano mais complexo e diante da eventual dificuldade encontrada de
judicial não implica na possibilidade de venda de ativos.
discutir extrajudicialmente com os credores, poderá utilizar-se de tal medida
tranquilamente, com base nos dispositivos da Lei nº 11.101/2005. 2. Na recuperação judicial da empresa, o plano de recuperação deverá
mencionar nominalmente os credores do devedor, bem como as dívidas,
Lembre-se de que você dispõe de ampla margem para a elaboração do
com grande detalhamento, além da proposta para o pagamento.
plano de recuperação a ser aprovado pelos credores, como proposta de
redução de juros, abatimentos nas dívidas, parcelamentos, concessões em Assinale a alternativa que corresponda ao tipo de crédito excluído do plano
relação à maneira de administrar a empresa, proposta de fusão, incorpo- de recuperação judicial.
ração, criação de empresas subsidiárias, venda de bens e ativos etc.
a. Crédito quirografário.
Porém, nada poderá ser feito, no âmbito da recuperação judicial (e mesmo
b. Crédito com garantia real.
na extrajudicial) quanto às dívidas de natureza fiscal, pois, como você sabe,
estas deverão ser objeto de questionamento próprio perante o Fisco, sendo c. Crédito subordinado.
exceção aos créditos que integram o pedido de recuperação judicial.
d. Crédito trabalhista e decorrente de acidente de trabalho.
Com a aprovação do plano de recuperação e a sua correta administração,
e. Crédito tributário.
a empresa terá condições que galgar, progressivamente, o seu restabeleci-
mento, desde que, claro, haja o efetivo e estrito cumprimento do plano de 3. O abuso da personalidade jurídica da pessoa jurídica poderá resultar na
recuperação, de modo que eventual novo inadimplemento ou desobediência sua desconsideração, quando ficar demonstrado que o sócio ou adminis-
às condições estabelecidas não resulte em pedido de falência, algo que, certa- trador assim agiu para efeito de esquivar-se de obrigação contraída.
mente, é danoso para efeito de preservação da empresa em crise.
Nesse sentido, considere as afirmativas a seguir:
I. É caso de confusão patrimonial o cumprimento repetitivo pela socie-
Faça valer a pena
dade de obrigações do sócio ou do administrador.
1. A empresa em situação de dificuldades econômico-financeiras que não
II. Nos casos de abuso da personalidade jurídica pode o juiz, a reque-
consegue arcar com a integralidade das obrigações contraídas, poderá propor
rimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber

55 56
intervir no processo, desconsiderar a personalidade jurídica para Referências
que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de
pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 1988. Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Constituicao.htm. Acesso em: 21 nov. 2019.
III. Não caracteriza desvio de finalidade a transferência de bens para
a pessoa jurídica, por parte de sócio, com a finalidade de impedir BRASIL. Presidência da República. Decreto Lei nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966. Promulga as
eventual partilha em processo judicial de divórcio de que seja parte, Convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias.
constituindo, tal ato, em exercício regular de Direito. Diário Oficial da União, Brasília, 24 jan. 1966.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
IV. A desconsideração da personalidade jurídica tem como objetivo a
Brasília, 10 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.
proteção de credores prejudicados por atos fraudulentos cometidos Acesso em: 21 nov. 2019.
por sócios ou administradores de pessoas jurídicas, que as utilizam
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.101/2005, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recupe-
para efeito de criar situação de impossibilidade de adimplemento
ração judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da
obrigacional. União, Brasília, DF, 9 fev. 2005.
É correto o que se afirma apenas em: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968. Lei das Duplicatas. Diário
Oficial da União, Brasília, 18 jul. 1968.
a. I.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985. Lei do Cheque. Diário
b. III e IV.
Oficial da União, Brasília, 2 set. 1985.
c. I, II e IV.
CHAGAS, E. E. Direito Empresarial Esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
d. II.
CRUZ, A. S. Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Método, 2018.
e. I, II e III.
FILHO, M. M. S. Visão histórico-evolutiva do direito recuperacional. [S.l.; s.d.]. Disponível em: http://
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57
Unidade 2 Temos um estudo bastante importante pela frente, de modo a prepará-lo
para compreender e resolver as questões do dia a dia empresarial com consci-
ência legal e seriedade.
Luiz Felipe Nobre Braga
Vamos lá!

Direito e legislação trabalhista

Convite ao estudo
Olá, aluno! Nesta Unidade 2 nos dedicaremos a estudar Direito e a legis-
lação trabalhista, dando especial ênfase aos tópicos e temas mais incidentes
no cotidiano da prática profissional. É notório que a prática empresarial
precisa muito do conhecimento da legislação do trabalho, até mesmo para
não incorrer em graves e severos riscos patrimoniais decorrentes da desobe-
diência das normas trabalhistas. Além disso, é claro, a observância das
normas que resguardam as relações laborais serve para que haja clareza e
mútuo entendimento entre empregadores e empregados, de modo que uns e
outros possam atuar com tranquilidade e respaldo legal em suas respectivas
atividades.
Para tanto, percorreremos um interessante caminho: passando pelas
noções gerais acerca das leis e normas aplicadas ao Direito do Trabalho,
os princípios do Direito do Trabalho, a autonomia privada coletiva, assim
como conheceremos os principais instrumentos da negociação coletiva: o
Acordo Coletivo e a Convenção Coletiva de Trabalho. Nesse contexto, desta-
caremos aqueles direitos que podem ou não sofrer modificações em razão
dos processos de negociação coletiva em âmbito privado, sobretudo a partir
da reforma trabalhista pela Lei nº 13.467/2017.
Na Seção 2.2, estudaremos o Contrato de Trabalho, suas espécies e formas
de remuneração, bem como as questões relativas à jornada de trabalho,
especialmente quanto às horas-extras. Por fim, estudaremos os períodos de
descanso, como as férias, os direitos daí decorrentes e o descanso semanal
remunerado (DSR).
Na Seção 2.3, o nosso foco restará na questão do término do contrato de
trabalho. Para tanto, conheceremos as modalidades de extinção do contrato,
saberemos o que significa o aviso-prévio e o que resulta daí, assim como
todos os direitos que decorrem da rescisão contratual.
Seção 1 e sócios para solucionar essas questões e apresentar um relatório funda-
mentado com a discriminação dos direitos trabalhistas de titularidade dos
empregados, bem como para indicar quais normas são aplicadas ao caso. O
Os direitos dos trabalhadores na atualidade e a conhecimento indispensável para a resolução dessas questões será apresen-
autonomia privada coletiva tado adiante. Vamos desbravar o mundo do Direito do Trabalho!

Não pode faltar


Diálogo aberto
Daremos início ao nosso aprendizado sobre o Direito do Trabalho voltado É interessante conhecer, ainda que brevemente, a história do Direito
às suas atividades profissionais como administrador. do Trabalho no Brasil. Como nosso país foi alvo de um amplo processo de
colonização, a primeira característica do trabalho em nossa terra foi a de uma
Para isso, serão abordadas as noções gerais sobre as leis e normas
grande exploração, sobretudo da grande mão de obra oprimida pelos coloni-
aplicadas ao Direito do Trabalho, considerando os aspectos mais atualizados
zadores, inicialmente, em relação aos indígenas. Porém, como eles não se
sobre a matéria.
mostravam fisicamente dispostos ao trabalho intenso, a mão de obra escrava
Afinal, de onde devemos partir para dar início a este estudo? Quais as foi logo assumida como opção mais viável, promovendo a brutalidade em
fontes legislativas mais importantes e que precisamos conhecer? relação às pessoas negras, violentamente trazidas do continente africano.
Instalara-se no Brasil, por conseguinte, o longo e tenebroso período escravo-
Em seguida, falaremos sobre a questão da autonomia privada coletiva
crata (CASSAR, 2018; JORGE NETO; CAVALCANTE, 2019). Nesse período,
e sobre a negociação coletiva, dois assuntos de extrema importância na
você pode imaginar, não havia nenhuma previsão de direito trabalhista.
atualidade em razão das modificações introduzidas pela chamada Reforma
Trabalhista, Lei nº 13.467/2017. A abolição da escravatura aconteceu apenas em 1888, pela Lei Áurea.
Somente com a Constituição de 1891 (já o Brasil em seu início de vida
Será fundamental o conhecimento da margem de liberdade que existe
republicana) é que foi consagrado o trabalho assalariado, à luz do princípio
quanto à discussão dos direitos que permeiam as condições de trabalho,
da liberdade laboral. Apesar disso, não se contava com um corpo de normas
como salário, jornada, férias, etc. Saberemos o que pode ou não ser objeto
de proteção das relações trabalhistas, ainda muito permeadas por forte
dessa negociação coletiva, momento em que aprenderemos que os instru-
ingerência dos poderes econômicos. Depois do final da primeira guerra
mentos que irão expressar o resultado dos entendimentos entre empregados
mundial, muitos imigrantes europeus vieram para o Brasil, o que influenciou
e empregadores são: o Acordo Coletivo e a Convenção Coletiva de Trabalho.
o processo de organização das classes trabalhadoras que queriam lutar para
Para que possamos bem encaminhar a nossa aprendizagem, vamos assegurar os chamados direitos sociais (entre os quais, além de educação,
contextualizar o conhecimento necessário para nosso estudo. saúde e previdência públicas, incluem-se os direitos trabalhistas) (BASILE,
2018; LEITE, 2019).
Para a loja de suplementos que você e seus amigos estruturaram após o
término da faculdade, há a necessidade de contração de trabalhadores, que Apenas com o Decreto-Lei nº 5.542, de 1º de maio de 1943, a chamada
serão empregados da pessoa jurídica respectiva. Nesse sentido, há dúvidas Consolidação das Leis do Trabalho, começou, de fato, uma regulamentação
quanto às normas que deverão ser observadas para efeito da contratação dos mais extensa sobre os direitos trabalhistas com a finalidade de o Estado tutelar
empregados e ainda não se sabe ao certo quais são os direitos trabalhistas as relações decorrentes dos variados vínculos laborais. Depois do longo
aplicados nesse caso concreto. Frente a isso, haveria a necessidade de controle século XX e após o período de redemocratização brasileira, veio à lume a
da jornada de trabalho? Caso haja, devem ser pagas horas-extras? No que Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), em 5 de outubro
consiste o descanso semanal remunerado? Quando e como são feitos os de 1988, que consagrou uma série de direitos ligados à proteção do trabalho
pagamentos do décimo terceiro salário e das férias? Será que os empregados e do trabalhador, considerados como Direitos e Garantias Fundamentais, os
teriam esses e outros direitos? quais sequer podem ser suprimidos pelo Poder Legislativo (MANUS, 2015).
Na qualidade de administrador da sociedade empresária e administrador
da loja de suplementos alimentares, você foi requisitado pelos seus amigos

61 62
Os direitos sociais do trabalho começam a surgir em todo o mundo em cional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias;
razão da consciência que os Estados passam a ter acerca da necessidade de XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
empregar meios de concretizar a igualdade em sua dimensão material. Ora, de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII – adicional
é inegável que se o Estado não garante direitos, não os protege, é da própria de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou
ordem do sistema econômico a maior e progressiva exploração das pessoas perigosas; XXIV – aposentadoria; XXV – assistência gratuita
hipossuficientes (com carência de recursos, de meios próprios para a subsis- aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco)
tência, que precisam vender sua força de trabalho) (MARTINEZ, 2018). anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI – reconhe-
Assim, a previsão dos direitos trabalhistas é medida que vai além da igual- cimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
dade de todos perante a lei (igualdade formal), tal como, por exemplo, encon- XXVII – proteção em face da automação; XXVIII – seguro
tra-se previsto no art. 5º da CRFB/88, buscando uma dimensão material da contra acidentes de trabalho; XXIX – ação judicial, no prazo
igualdade para assegurar os direitos que compensam os naturais desníveis do de 5 anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o
sistema econômico, capitalista, vigente nas sociedades ocidentais (MOURA, limite de 2 anos após a extinção do contrato de trabalho;
2016). XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo,
Nesse sentido, os direitos constitucionais do trabalhador representam
idade, cor ou estado civil; XXXI – proibição de qualquer
verdadeira conquista civilizatória (CISNEIROS, 2018). O art. 6º da CRFB/88
discriminação no tocante a salário e critérios de admissão
indica que o trabalho é direito social. O art. 7º prevê que são direitos dos
do trabalhador portador de deficiência; XXXII – proibição
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua
de distinção entre trabalho manual, técnico e intelec-
condição social:
tual; XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso
I – proteção contra a despedida arbitrária; II – seguro-de- ou insalubre a menores de dezoito anos ou de qualquer
semprego; III – fundo de garantia por tempo de serviço; IV trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição
– salário-mínimo; V – piso salarial proporcional à extensão de aprendiz a partir dos quatorze anos; XXXIV – igualdade
e complexidade do trabalho; VI – irredutibilidade do de direitos entre o trabalho com vínculo de empregatício
salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo; permanente e o trabalhador avulso. (BRASIL, 1988, [s.p.])
VII – garantia de salário mínimo, para quem percebe
remuneração variável; VIII – décimo terceiro salário; IX –
Todos esses direitos são posteriormente especificados e regulamentados
remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X
pela legislação infraconstitucional, porque cabe à Constituição prevê-los, de
– proteção do salário, sendo crime sua retenção dolosa; XI
modo que seja obrigatório o cumprimento respectivo (RENZETTI, 2018).
– participação nos lucros e resultados; XII – salário-família
pago ao dependente do trabalhador de baixa renda; XIII –
jornada de trabalho de até oito horas diárias e quarenta Atenção
e quatro semanais; XIV – jornada de seis horas para o O art. 7º da Constituição da República Federativa de 1988 consagra os
trabalho realizado em turnos ininterruptos de reveza- direitos trabalhistas em um longo alcance. Como tal artigo está incluído
mento; XV – repouso semanal remunerado, preferencial- no Título II – Dos Direitos e Garantais Fundamentais, não poderá haver
mente aos domingos; XVI – remuneração do serviço extra- modificação para piorar o que já se encontra previsto. Isto é, o legislador,
ordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à no caso, o Congresso Nacional, não poderá votar ou aprovar proposta
do normal; XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, de emenda constitucional tendente a abolir tais direitos, com base no
pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII art. 60, §4º da CRFB/88. Trata-se de uma importante conquista que
– licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, protege a dignidade nas relações do trabalho e, no campo da previsão
com a duração de cento e vinte dias; XIX – licença-pater- normativa, impede que o Estado retroceda a uma situação de menor
nidade; XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, proteção. Trata-se da incidência do princípio da vedação do retrocesso
mediante incentivos específicos; XXI – aviso prévio propor- social. Assim, só é possível uma proposta de emenda constitucional ser

63 64
for para favorecer, para melhorar e nunca para piorar a situação dos
que foi justamente essa desigualdade real, historicamente construída, que
trabalhadores e das relações laborais em geral.
levou às grandes lutas de classe nos séculos XIX e XX e até os nossos dias
(CASSAR, 2018).
Além dele, há o chamado princípio in dubio pro operario (na dúvida, para
O Direito do Trabalho é ramo autônomo do Direito, que contém
o operário e em prol do vínculo empregatício), o que significa que, no caso
normas (regras e princípios) que visam à proteção das relações laborais.
concreto, havendo alguma dúvida relacionada ao emprego ou à condição de
Especificamente, é preciso que façamos uma distinção para entendermos
trabalho, bem como dúvida quanto à interpretação de determinada norma,
que o conceito de relação de trabalho é amplo, enquanto que o de relação de
deve-se sempre privilegiar a interpretação e a aplicação que favoreçam tanto
emprego é mais objetivo. O Estado brasileiro protege as relações de trabalho,
o empregado (trabalhador) quanto a estabilidade e permanência da relação
isto é, todas as formas de contratação praticadas socialmente, contudo, a
de emprego.
maior parte da incidência do Direito do Trabalho é quanto às relações de
emprego propriamente ditas, ou seja, quando há a presença de alguns requi- Depois, há o princípio da prevalência da condição mais benéfica, isto é,
sitos legais que a legislação considera como relevantes para suscitar uma que faz com que as eventuais vantagens dadas aos trabalhadores, por mera
proteção mais específica do trabalhador-empregado. vontade dos empregadores, adiram ao contrato de trabalho, não podendo ser
suprimidas posteriormente.
A partir de agora, vamos falar sobre as fontes do Direito do Trabalho,
pois, a partir disso, identificaremos os principais elementos que consti- Há também o princípio da primazia da realidade, segundo o qual, o que
tuem a origem legislativa das normas trabalhistas. Afinal, onde estão as ocorre na realidade, no mundo dos fatos, prevalece sobre aquilo que está
normas trabalhistas? Pois bem, em primeiro lugar, como já vimos, estão previsto ou não no contrato.
na Constituição Federal de 1988. As normas trabalhistas também poderão
ser encontradas em outros instrumentos, como Leis Ordinárias (tal como
Exemplificando
a CLT), e até em atos do Poder Executivo, como decretos, portarias (dos
Imagine que você contratou um empregado para trabalhar na sua
Ministérios, por exemplo). Também é possível que Medidas Provisórias (que
loja com a jornada de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira. Você
é uma espécie de ato legislativo atípico editado pelo Presidente da República
ofereceu a ele meio salário mínimo e ele aceitou. Você não recolhe os
em casos de relevância e urgência) tratem de matéria trabalhista.
tributos devidos, não paga décimo terceiro, férias mais um terço, horas-
Além disso, constituem especiais fontes do Direito do Trabalho os Acordos -extras, descanso semanal remunerado. Caso esse trabalhador acione
Coletivos, as Convenções Coletivas e a chamada Sentença Normativa, que você na Justiça do Trabalho, pleiteando o recebimento das diferenças e
discutiremos em breve. demais direitos (como aqueles previstos na Constituição), você poderá
alegar que ele assinou um contrato em que constava a renúncia desses
A partir de agora, falaremos sobre os Princípios do Direito do Trabalho,
direitos? Não! Embora o contrato diga uma coisa, no Direito do Trabalho
que servem para dar base, sustento à aplicação das demais normas traba-
prevalece a realidade: a de que o trabalhador foi empregado da sua loja,
lhistas. Servem para que estas atinjam o melhor sentido possível, bem como
fazendo jus à integralidade dos direitos trabalhistas correspondentes.
constituem elementos que limitam a produção de normas trabalhistas que
não estejam em conformidade com eles. Tais princípios estão implicitamente
contidos na Constituição da República e são sempre explorados tanto pela Igualmente, há o importante princípio da irrenunciabilidade dos direitos
doutrina especializada quanto pelas decisões dos Tribunais brasileiros em trabalhistas, isto é, o trabalhador jamais poderá renunciar aos direitos que
matéria laboral. São, assim, muito importantes, e é preciso que conheçamos lhe assistem, decorrentes da relação laboral, ainda que seja assinado contrato
os principais. em sentido contrário. Há uma proteção estatal pública para garantir que as
relações laborais não voltem ao tempo da exploração desumana e degradante.
O primeiro a ser conhecido é o princípio da proteção, que é a verdadeira
É nesse sentido, aliás, o teor do art. 9º da CLT, segundo o qual: “serão nulos
base do Direito do Trabalho. É preciso proteger e garantir equilíbrio na
de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir
relação laboral, que, não fosse o sistema estatal, incorreria em grave desigual-
ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”
dade, principalmente em detrimento do trabalhador. Não podemos esquecer
(BRASIL, 1943, [s.p.]).

65 66
Reflita contratado por esse motivo, não poderá ser despedido arbitrariamente,
Você já sabe que os direitos trabalhistas não podem ser suprimidos em bem como não poderá ser suspenso, sofrer penalidades injustificadas,
virtude do princípio da vedação do retrocesso social. Nesse sentido, ser transferido para locais distantes, ter seus horários de trabalho
você seria capaz de pensar criativamente outros direitos ou propostas alterados, sofrer redução salarial, tampouco incluído em listas negras,
de melhorias de condições de trabalho, fora aqueles que já vimos? impedindo-o de se recolocar no mercado de trabalho.

Por fim, interessante destacar o princípio da continuidade, ou seja, presu- Os sindicatos são autônomos, de modo que a legislação não poderá
me-se que os contratos de trabalho são por tempo indeterminado, que conti- exigir qualquer tipo de autorização para que um sindicato seja, por exemplo,
nuam no tempo. criado, fundado, havendo uma única ressalva quanto ao registro no órgão
competente apenas para fins de regularização formal (que se dá mediante
Uma vez que conhecemos os elementos introdutórios sobre o Direito
registro dos atos constitutivos no Cartório Civil de Pessoas Jurídicas).
do Trabalho, é chegado o momento de discutirmos a questão da autonomia
privada no âmbito da negociação coletiva, oportunidade em que o Acordo Nas empresas que contam com mais de duzentos empregados, é assegu-
Coletivo de Trabalho e a Convenção Coletiva de Trabalho surgem como rada a eleição de um representante dos trabalhadores para efeito de buscar
importantes instrumentos de estudos. formas de entendimento sobre as condições de trabalho junto aos emprega-
dores (CALVO, 2019).
O âmbito de aplicação desse tópico se dá no campo do Direito Coletivo
do Trabalho. Trata-se de uma parte do Direito do Trabalho dedicado ao Como se nota, a ideia é a de que a atividade sindical e de representação
estudo do disciplinamento jurídico da organização sindical, da represen- dos trabalhadores no âmbito da discussão das condições de trabalho deva
tação dos trabalhadores, da negociação coletiva e também do direito de greve ser absolutamente respeitada. E é justamente para isso que existe a proteção
(MARTINEZ, 2018). do Estado, para assegurar a plena autonomia privada coletiva, isto é, a possi-
bilidade de os empregados e os empregadores, diretamente ou por meio dos
Inicialmente, deve-se dizer que é livre a associação profissional ou
sindicatos respectivos, deliberaram sobre alternativas as regras já existentes e
sindical, exceto para os militares. Ademais, como o trabalhador dispõe de tal
mesmo já previstas nos correspondentes contratos de trabalho. A negociação
liberdade, de acordo com o art. 8º, V, da CRFB/88, “ninguém será obrigado a
coletiva dispõe, assim, de autonomia para discutir livremente o incremento
filiar-se ou manter-se filiado a sindicato” (BRASIL, 1988, [s.p.]).
das condições de trabalho, buscando sempre, como de rigor, a melhoria da
Quanto aos sindicatos em si, é vedada a criação de mais de uma organi- situação social da classe trabalhadora.
zação sindical, seja de categoria econômica (dos empregadores) ou de
Nesse caso, é de fundamental importância conhecer os instrumentos a
categoria profissional (dos empregados), na mesma base territorial, não
partir dos quais o conteúdo das deliberações mencionadas é colocado nos
podendo ser inferior à área de um município, de acordo com o art. 8º, II, da
seus devidos termos, tornando-se obrigatório e vinculante para todos que
Constituição. Os sindicatos gozam de especial proteção, de modo que seus
delas fizeram parte. Tratam-se do Acordo Coletivo, da Convenção Coletiva e
dirigentes, bem como seus filiados, não poderão sofrer quaisquer tipos de
da Sentença Normativa (CALVO, 2019).
prejuízos em seus empregos, não sendo tolerados atos que constranjam o
funcionamento sindical (CASSAR, 2018). Acordo Coletivo é o instrumento que, em suas cláusulas, prevê o resul-
tado da discussão sobre condições de trabalho debatidas e aprovadas pelo
Sindicato dos Trabalhadores (categoria profissional) e uma ou mais empresas.
Exemplificando
Já a Convenção Coletiva é o resultado da negociação, também sobre condi-
São considerados antissindicais aqueles atos, geralmente por parte
ções de trabalho, entre o Sindicato dos Trabalhadores e o Sindicato dos
dos empregadores, que constrangem seus empregados sindicalizados,
Empregadores (categoria econômica), também chamado de Sindicato
seja impondo-lhes condições de trabalho mais difíceis ou prejudiciais
Patronal. A Sentença Normativa é uma decisão judicial proferida em um
ou mesmo buscando impedir o funcionamento normal das atividades
processo trabalhista decorrente da ausência de acordo entre o Sindicato
sindicais. Então, por exemplo, o empregador, diante de um empre-
dos Trabalhadores e o Sindicato Patronal. Como essas duas entidades não
gado sindicalizado, no exercício dessa função, não poderá deixar de ser

67 68
chegaram a uma Convenção Coletiva, as questões são submetidas à Justiça do tuindo crime sua retenção dolosa; VIII – salário-família; IX –
Trabalho, que, então, irá produzir uma decisão (sentença) fixando as condi- repouso semanal remunerado; X – remuneração do serviço
ções de trabalho para aquela específica situação, que serão obrigatoriamente extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal;
observadas (aspecto normativo) (JORGE NETO; CAVALCANTI, 2019). XI – número de dias de férias devidas ao empregado; XII –
gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um
terço a mais do que o salário normal; XIII – licença-materni-
Assimile
dade de 120 dias; XIV – licença-paternidade; XV – proteção
Acordo Coletivo – entre sindicato dos trabalhadores e empresa.
do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
Convenção Coletiva – entre sindicato dos trabalhadores e sindicato
específicos; XVI – aviso prévio, de no mínimo 30 dias; XVII
patronal.
– normas de saúde, higiene e segurança; XVIII – adicional
Sentença Normativa – decisão judicial proferida em processo em que
para as atividades penosas, insalubres ou perigosas; XIX –
foram partes os sindicatos dos trabalhadores e o patronal.
aposentadoria; XX – seguro contra acidentes de trabalho,
a cargo do empregador; XXI – direito de ação judicial; XXII
Ainda quando a lei dispuser de algum modo específico relativamente a – proibição de discriminação contra pessoas deficientes;
determinado direito trabalhista (como jornada de trabalho, plano de cargos, XXIII – proibição do trabalho noturno para menores de 18
regulamento da empresa, teletrabalho, regime de sobreaviso, participação anos e de qualquer trabalho para menores de 16, salvo
nos lucros e resultados, dentre outros), de acordo com o art. 611-A da CLT, aprendiz a partir dos 14; XXIV – proteção de crianças e
a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho terão prevalência. Isso adolescentes; XXV – igualdade entre trabalhador perma-
significa que nas situações do dispositivo mencionado, o negociado coletiva- nente e avulso; XXVI – liberdade associação profissional ou
mente prevalecerá sobre aquilo que porventura a legislação haja pré-deter- sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer,
minado. Há, desse modo, maior importância às negociações, privilegiando a sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança
autonomia privada coletiva. ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva
ou acordo coletivo de trabalho; XXVII – direito de greve,
Deve-se mencionar que se for pactuada cláusula que reduza o salário ou
competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportu-
a jornada, a Convenção Coletiva ou o Acordo Coletivo de Trabalho deverá
nidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam
prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o
por meio dele defender; XXVIII – definição legal sobre os
prazo de vigência do instrumento coletivo. 
serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre
Enquanto há uma série de possibilidades para o âmbito da negociação o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade
coletiva, sobretudo após a reforma trabalhista, dada com a Lei nº 13.467/2017, em caso de greve; e XXIX – tributos e outros créditos de
há limitações, consoante previsto pelo art. 611-B da CLT, segundo o qual terceiros. (BRASIL, 1943, [s.p.])
constituem objeto ilícito de Convenção Coletiva ou de Acordo Coletivo de
Trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
Relativamente a tais direitos e condições mínimas – que precisam ser bem
conhecidos – encontramos os limites objetivos à negociação coletiva. Afinal,
I – normas de identificação profissional, inclusive as anota- embora no atual sistema haja maior apreço à importância do direito do trabalho
ções na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II – negociado, os direitos básicos permanecem irrenunciáveis como forma de
seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; continuidade na proteção do trabalhador até mesmo contra a usurpação dos
III – valor dos depósitos mensais e da indenização resci- preceitos então garantidos pelo art. 7º da Constituição Federal de 1988.
sória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
IV – salário mínimo; V – valor nominal do décimo terceiro
salário; VI – remuneração do trabalho noturno superior à
do diurno; VII – proteção do salário na forma da lei, consti-

69 70
Dica normal, cada hora deverá ser remunerada em pelo menos 50% do valor da
Com a reforma trabalhista, empreendida pela Lei nº 13.467/2017,
hora normal de trabalho; e a garantia do salário-mínimo, contudo, é preciso
o trabalhador tem o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia
verificar se não há Convenção Coletiva firmada entre as categorias profis-
anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em
sional e patronal, para se saber se há algum piso salarial ou mesmo questões
Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo de Trabalho.
diferenciadas sobre horas extras, participação nos lucros e resultados,
bem como recebimento de valores extras, como aqueles ligados à eventual
comissão pela venda dos produtos da loja.
Com isso, caro aluno, encerramos a primeira etapa do nosso estudo
Ademais, também serão indispensáveis o pagamento e o direito de férias
do Direito e Legislação Trabalhista conhecendo os principais aspectos que
acrescidos de pelo menos um terço do salário normal, décimo terceiro salário
possivelmente aparecerão na sua vida prática.
e descanso semanal remunerado.
Os direitos básicos do trabalhador deverão ser respeitados e a conclusão
Sem medo de errar
do seu relatório é de que deverão ser aplicados em conjunto a Constituição
Federal de 1988 (porque prevê os direitos sociais do trabalho), a Consolidação
Muito bem! Agora que percorremos os principais tópicos iniciais do
das Leis do Trabalho (CTL, porque regula especificamente a forma de
Direito do Trabalho, temos perfeitas condições de voltar a refletir sobre a
operação e aplicação dos direitos trabalhistas), e, por fim, eventual Acordo
situação prática que levantamos no início desta seção, não é mesmo?
Coletivo ou Convenção Coletiva de Trabalho entre as categorias profissional
Caso não se lembre, a situação era a de que na loja de suplementos que e patronal.
você e seus amigos estruturaram após o término da faculdade, houve a neces-
Note que foi possível identificar com clareza os direitos mais basilares
sidade de contratação de trabalhadores que figurariam como empregados da
que deverão, obrigatoriamente, ser respeitados no ato e na continuidade da
pessoa jurídica, da sociedade empresária.
contratação dos empregados para que o funcionamento da empresa e da sua
No entanto, não se sabia ao certo quais normas que deveriam ser obser- atividade-fim possa transcorrer naturalmente, com total ciência dos encargos
vadas para efeito de viabilização da contratação desses empregados, bem e obrigações legais relativas à seara laboral.
como não havia muita ideia concreta acerca de quais direitos trabalhistas
– se é que há no caso – devem ser garantidos por força de lei. Há uma noção
Faça valer a pena
vaga, porém incerta, quanto ao assunto. Haveria a necessidade de controle
da jornada de trabalho? Se for o caso de extrapolar a jornada normal, há
incidência potencial de horas-extras? E descanso semanal remunerado? E
1. A previsão de direitos trabalhistas dependeu, e ainda depende, de
variados processos de reconhecimento de que a relação de trabalho se
o décimo terceiro salário e as férias? Será que os empregados teriam esses e
encontra permeada necessariamente por uma situação de desigualdade entre
outros direitos?
o empregador e o empregado. Somente com o passar do tempo e com as lutas
Na qualidade de administrador da sociedade empresária, você foi requi- operárias, o Estado percebeu que deveria intervir na realidade social a fim de
sitado pelos seus amigos e sócios para solucionar essas questões e apresentar tentar equalizar o convívio social e garantir alguns direitos responsáveis pela
um relatório fundamentado com a discriminação dos direitos trabalhistas de tentativa de balancear as disparidades próprias do nosso sistema econômico.
titularidade dos empregados, bem como para indicar quais normas devem Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em
ser aplicadas ao caso. seu artigo 7º, previu um amplo rol de direitos trabalhistas, visando, justa-
mente, a promoção da chamada igualdade material.
Você já deve ter percebido, após o nosso estudo introdutório, que os
empregados a serem contratados pela loja de suplementos possuirão sim Nesse contexto, assinale a alternativa correta.
direitos trabalhistas. Todos eles estão, inicialmente, elencados no art. 7º da
a. A supressão dos direitos sociais do trabalho é perfeitamente possível
Constituição Federal, como estudado. Dentre esses direitos, destacam-se
à luz do texto da Constituição Federal de 1988.
alguns, como a jornada de trabalho, limitada a oito horas diárias e 44
semanais, sendo que, se houver horas-extras, isto é, trabalho além da jornada

71 72
b. O princípio da vedação do retrocesso social não é relevante para efeito de Nesse sentido, assinale a alternativa que corresponde a um direito do traba-
se determinar a possibilidade de flexibilização ou mesmo a abolição de lhador previsto no art. 7º da Constituição da República:
alguns dos direitos previstos no art. 7º da Constituição Federal de 1988.
a. Possibilidade de diferença salarial para funções equivalentes.
c. Entre os direitos sociais do trabalho não há previsão quanto à proteção
b. Jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais.
contra a despedida arbitrária.
c. Licença-paternidade de 120 dias.
d. Os direitos sociais do trabalho constituem importantes conquistas
civilizatórias de proteções aos trabalhadores, de modo que não podem d. Aviso prévio, não inferior a 15 dias.
ser suprimidos ou abolidos, em homenagem ao princípio da vedação
e. Possibilidade de o empregador reter o salário em caso de falta grave
do retrocesso social.
cometida pelo empregado.
e. O trabalho rural não está contemplado no âmbito de proteção da
Constituição Federal de 1988, prevalecendo apenas aquela quanto ao
trabalhador urbano.

2. A autonomia privada coletiva é importante pressuposto para que a


negociação coletiva atinja os seus principais objetivos, quais sejam os de
criar melhores condições de trabalho para as categorias profissionais repre-
sentadas pelos Sindicatos. Trata-se de conquista civilizatória que tem como
ponto de partida a ideia de formação de entendimento mútuo entre partes, a
princípio, desiguais; de um lado os empregados e, de outro, os empregadores.
Com base nos conhecimentos adquiridos acerca dos instrumentos da autonomia
privada coletiva e da negociação coletiva, assinale a alternativa correta.
a. O Acordo Coletivo de Trabalho é espécie de avença levada a efeito
entre o Sindicato Profissional e os empregadores.
b. Acordo Coletivo de Trabalho é espécie de avença entre os Sindicatos
Profissional e Patronal.
c. Convenção Coletiva é aquela celebrada entre Sindicato Profissional e
empregadores.
d. Via de regra, o Dissídio Coletivo na Justiça do Trabalho ocorrerá
mesmo diante de consenso e acordo no âmbito da negociação coletiva.
e. Atualmente, não se pode falar em autonomia privada coletiva, pois
não há espaço de negociação por parte dos sindicatos profissionais.

3. Diversos são os direitos trabalhistas previstos no rol não exaustivo do


art. 7º da Constituição da República de 1988, sendo importante elemento de
proteção do trabalho e também das relações trabalhistas em geral. Como se
trata de um rol exemplificativo, pode ser que outros direitos sejam adicio-
nados ao longo do tempo e conforme a dinamização das relações laborais,
concretamente observadas no campo social e econômico.

73 74
Seção 2 Não pode faltar

Para falarmos de contrato de trabalho e algumas de suas espécies, preci-


Contrato, trabalho remunerado, jornada de trabalho e samos ter bem clara a ideia de que a relação de emprego é algo específico, que
direito ao descanso depende do preenchimento de alguns elementos para ser assim considerada.
Então, isso significa dizer que nem toda relação de trabalho será necessaria-
mente uma relação de emprego (CISNEIROS, 2018).
Diálogo aberto
Consideremos, para início de conversa e como forma mais usual do dia
Olá, aluno! Já estudamos os elementos introdutórios do Direito do
a dia, o caso do trabalho urbano comum, tal como um funcionário de um
Trabalho e com isso podemos identificar seus princípios fundamentais e os
escritório de contabilidade. Vamos perceber que os requisitos para a carac-
direitos dos trabalhadores na legislação trabalhista brasileira.
terização da relação de emprego estão todos descritos na lei; no caso, esta
A partir de agora, aprofundaremos os nossos estudos no campo da lei é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que, no art. 3º, dispõe que
relação de emprego, de modo a perceber suas especificidades e os pontos que, “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza
a partir da lei, permitem dizer se determinado caso é ou não modalidade de não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”
emprego, hipótese que, se positiva, atrairá uma série de direitos. (BRASIL, 1943, [s.p.]).
Ao longo desta seção estudaremos as espécies de contrato de trabalho e as Note que são cinco os elementos presentes no conceito legal de empre-
formas de remuneração. Além disso, a jornada de trabalho e as regras quanto gado: pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosi-
a hora extra serão abordadas à luz das disposições da Consolidação das Leis dade. Somente uma pessoa física pode figurar como empregada numa dada
do Trabalho. relação, não sendo possível que uma pessoa jurídica seja empregada de outra.
A pessoalidade significa que o trabalhador presta o serviço por si mesmo,
Como não poderia faltar, também abordaremos a importante questão do
sem o intermédio de outra pessoa ou fazendo-se substituir. A não-eventu-
descanso do trabalhador, especialmente quanto aos intervalos intrajornada e
alidade significa que o trabalho é prestado de maneira habitual, com frequ-
interjornada, o descanso semanal remunerado e as férias.
ência, sendo interessante lembrar que os Tribunais brasileiros consideram,
Suponha que você e seus amigos contrataram empregados/vendedores geralmente, que uma frequência igual ou maior de três vezes por semana já é
para a loja de suplementos (que vai muito bem, aliás). Nem todos foram suficiente para caracterizar a não-eventualidade e, assim, a habitualidade do
admitidos de uma só vez; alguns deles já estão há mais de 1 (um) ano traba- trabalho (LEITE, 2019).
lhando para a sua empresa e começaram a questionar se haverá ou não a
concessão de férias, bem com o recebimento de algum valor a mais para o
Dica
gozo desse período. Além disso, os empregados também estão reclamando
Nas relações domésticas de emprego, conforme determinado pela
sobre a ausência de pagamento do descanso semanal, alegando direito a tal
Lei Complementar nº 150/2015, a habitualidade (não-eventualidade)
valor.
estará configurada quando a frequência ocorrer por mais de 2 (dois)
Seus sócios não entendem muito do assunto e, até então, pensam que dias por semana.
está tudo dentro da legalidade e da normalidade. Frente a isso, eles procu-
raram você para que, na qualidade de sócio-administrador da loja de suple-
A subordinação, como elemento da relação de emprego, é subordinação
mentos, dê a solução mais adequada para a situação, respondendo quanto
jurídica, pois o trabalhador está à disposição do empregador para cumprir
aos direitos relativos às férias e ao descanso semanal. Neste caso, quais seriam
as ordens e as tarefas que lhe forem dadas, consoante descritas no contrato
suas orientações?
de trabalho (CASSAR, 2018). É a partir dessa prestação, que deve seguir o
Ao longo desta seção, mobilizaremos os conhecimentos necessários para combinado no contrato de trabalho, podendo o trabalhador exigir a contra-
que você possa responder a essas e outras questões que possam surgir. prestação (salário). O último requisito é a onerosidade. A relação de emprego
é necessariamente de natureza econômica; há, por conseguinte, necessidade
Vamos lá!

75 76
de remuneração como forma de contraprestação quanto ao trabalho desem- 2019). Tal contrato serve para serviços cuja natureza justifique seu caráter
penhado pelo empregado (CASSAR, 2018). transitório, bem como para a contratação de empregado em caráter de experi-
Agora que já vimos os elementos que caracterizam a relação de emprego, ência. No contrato por tempo determinado, não há garantia de recebimento
surge a pergunta: quem é considerado empregador? De acordo com o art. de aviso prévio (pois é verba trabalhista ligada à interrupção do contrato por
2º da CLT “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, tempo indeterminado – ora, se já se conhece o termo final do contrato, não
que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige há sentido em falar em aviso prévio); multa de 40% do Fundo de Garantia
a prestação pessoal de serviço” (BRASIL, 1943, [s.p.]). Por equiparação, o por Tempo de Serviço (FGTS, que é também hipótese aplicável, sobretudo
mesmo art. 2º, §1º, dispõe que “os profissionais liberais, as instituições de à rescisão de contrato por prazo indeterminado) e o seguro-desemprego
beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucra- (BASILE, 2018).
tivos, que admitirem trabalhadores como empregados” (BRASIL, 1943). Há O contrato de experiência tem duração máxima de noventa dias, que
aqui também uma série de requisitos a serem analisados. Primeiro, suportar serve, geralmente, para um período de prova do empregado, tendendo a
os riscos da atividade econômica é responsabilidade do empregador, o que sistemática trabalhista, pelo princípio da continuidade das relações laborais
significa que o empregado não responde pelas obrigações ou prejuízos a converter referido contrato de experiência em contrato por prazo indeter-
sofridos pelo empregador em função do curso normal e variável do objeto minado (CASSAR, 2018).
que persegue economicamente (JORGE NETO; CAVALCANTI, 2019).
Há uma inovação trazida pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista)
O empregador possui, também, o poder de direção, que, na qualidade de
quanto ao trabalho intermitente, que, segundo o art. 443, §3º da CLT, dispõe:
tomador dos serviços, autoriza-o a organizar (escolha do ramo de atividade),
regulamentar (regras de conduta no ambiente de trabalho), controlar (fisca-
lizar a adequada prestação dos serviços) e disciplinar (aplicação de penali- [...] é aquele no qual a prestação de serviços, com subor-
dades caso o empregado descumpra o contrato de trabalho e outros deveres), dinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de
sempre limitadamente e à luz da lei, as atividades e o serviço, como um todo, períodos de prestação de serviços e de inatividade, determi-
prestados pelos empregados (CISNEIROS, 2018). nados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo
de atividade do empregado e do empregador, exceto para
os aeronautas, regidos por legislação própria. (BRASIL, 1943)
Reflita
Você já ouviu falar na terceirização da atividade-fim no âmbito do Direito
do Trabalho? Pense sobre a questão, sobretudo quanto à mitigação dos Mas quanto à remuneração, como funciona essa questão no campo da
direitos sociais do trabalho em razão da precarização ou não que essa relação empregatícia?
prática pode trazer no atual cenário brasileiro.
É preciso saber, de antemão, que remuneração é gênero e salário é
espécie. O salário é uma contraprestação em dinheiro ou em utilidade que
Agora que conhecemos os elementos que caracterizam o vínculo empre- o empregador entrega ao empregado como contraprestação do trabalho
gatício, vamos nos dedicar às espécies de contrato de trabalho que podem desempenhado à luz do contrato de trabalho e para que possa servir de fonte
ser: a) por prazo determinado e b) por prazo indeterminado. de sustento de suas necessidades vitais.
O contrato por prazo indeterminado é aquele da regra que já conhe- O salário poderá ser estipulado por unidade de tempo (quando a quanti-
cemos, isto é, se não houver disposição diversa, o contrato será interpretado dade da produção não importa), por unidade de obra (quando apenas a
como por prazo indeterminado em razão do princípio da continuidade. produção é levada em conta) e por tarefa (quando se considera a produção e
o tempo para realizá-la, conjuntamente).
O contrato por prazo determinado é aquele cuja duração já se encontra
fixada, ou seja, já consta de seus termos a previsão do encerramento do De acordo com o art. 457, §1º da CLT, o salário, como parte da remune-
vínculo empregatício. Essa espécie de contrato não poderá exceder o prazo ração, é composto por importância fixa (salário-base em dinheiro ou utili-
de duração de dois anos, sob pena de subverter sua finalidade essencialmente dades), gratificações legais e comissões pagas pelo empregador (parcela variável
transitória e converter-se em contrato por tempo indeterminado (CALVO, relacionada à porcentagem sobre a receita de determinada venda, por exemplo).

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Há ainda os chamados adicionais (noturno, insalubridade, periculosidade, Assimile
de transferência, de horas extras, etc.), que também integram o conceito de Trabalho de igual valor é aquele feito com igual produtividade e com
remuneração, segundo o dispositivo mencionado (CALVO, 2019). a mesma perfeição técnica entre pessoas cuja diferença de tempo de
Há, ainda, a gratificação natalina – o conhecido décimo terceiro salário –, serviço para o mesmo empregador não é superior a quatro anos e a
prevista na CRFB/88, no art. 7º, VIII e regulamentada pelas leis nº 4.090/62 diferença de tempo na função não é superior a dois anos (art. 461, §
e nº 4.749/65. O décimo terceiro também possui natureza salarial, de modo 1º, CLT).
que todo empregado faz jus a 1/12 da remuneração devida em dezembro, a
cada mês ou fração superior a quinze dias trabalhados no ano respectivo.
Vale lembrar que o empregador não poderá proceder a qualquer tipo de
desconto no salário do empregado, exceto se ocorrer em virtude de adianta-
Exemplificando mentos concedidos ou em função do que, porventura, tenha sido ajustado
Caso um determinado empregado tenha sido admitido e trabalhado por 8 em contrato coletivo de trabalho.
(oito) meses completos ou em algum deles em fração superior a 15 (quinze)
O pagamento de salário deverá ser feito contrarrecibo, em que o empre-
dias, ele perceberá, por ocasião do pagamento do décimo terceiro salário
gado assina, confirmando o respectivo recebimento. Se, por acaso, for pessoa
pelo empregador, a importância relativa a 8/12 (oito doze avos).
analfabeta, ela deverá confirmar o recebimento colocando sua impressão
digital no recibo ou pedir a uma pessoa de sua confiança, na presença de duas
Conforme o artigo 458 da CLT (BRASIL, 1943), podemos identificar que testemunhas, que realize a confirmação. Se o pagamento for feito mediante
o pagamento em dinheiro não é o único elemento que integra a remuneração transferência bancária, direto para a conta do empregado, o comprovante da
do empregado. Isso porque, também é entendido como salário a habitação transação valerá como recibo (JORGE NETO; CAVALCANTI, 2019).
disponibilizada, o vestuário ou outras prestações in natura, quando forne-
Fixadas as regras sobre o pagamento do salário e quais as parcelas que
cidos de maneira habitual pelo empregador. Evidentemente que não é
o integram, é preciso ressaltar que a remuneração do empregado é o resul-
permitido nenhum tipo de pagamento com bebidas alcoólicas e drogas
tado da soma do salário que lhe é devido acrescido de qualquer importância
nocivas, mas é importante distinguir aquelas utilidades que são fornecidas
recebida em função dos serviços prestados.
pelo empregador para efeito do trabalho em si, como, por exemplo, roupas
e equipamentos para serem utilizados no local de trabalho, eventual custeio
educacional em prol dos empregados, o transporte destinado ao trânsito para Exemplificando
o trabalho, a assistência médica, os seguros de vida e de acidente pessoal, etc., As gorjetas cobradas na nota de serviço ou espontaneamente ofere-
que, por força do § 2º, do art. 458 da CLT, não são considerados como salário.   cidas pelos clientes, conforme o entendimento do Tribunal Superior do
Trabalho, órgão máximo da Justiça do Trabalho, integram a remune-
De acordo com o art. 459 da CLT (BRASIL, 1943), o pagamento do salário
ração do empregado, mas não servem de base de cálculo para as
deve corresponder ao período máximo de 1 (um) mês, devendo ser pago até
parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso
o quinto dia útil do mês subsequente. Isso quer dizer que não se pode conven-
semanal remunerado (Súmula nº 354, TST).
cionar que o salário será recebido de dois em dois meses ou de três em três. A
única exceção é quanto ao recebimento de comissões, percentagens e gratifica-
ções cujo pagamento poderá ocorrer de forma diversa. (CALVO, 2019). Encerrado o tema da remuneração, vamos falar agora sobre a jornada de
trabalho e sobre as horas extras. De acordo com o art. 7º da CRFB/88: “são
Se, porventura, o salário não tiver sido combinado com o empregado
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais [...] XIII – duração do trabalho
quando do início do contrato de trabalho, ele terá o direito de receber o mesmo
normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facul-
valor pago à pessoa que exerce atividade equivalente ou o valor habitual-
tada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou
mente pago pelo mesmo serviço. E se não bastasse, sendo idêntica a função,
convenção coletiva de trabalho” (BRASIL, 1988, [s.p.]).
a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, no mesmo
estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de A jornada de trabalho diz respeito, substancialmente, à duração do
sexo, etnia, nacionalidade ou idade (JORGE NETO; CAVALCANTI, 2019). trabalho, isto é, a um lapso de tempo contratualmente previsto de acordo

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com as limitações constitucionais e legais, em que o empregado se encontra à diária e semanal não se prolongue além do necessário e do razoável (JORGE
disposição do empregador para a execução das tarefas que lhe foram assina- NETO; CAVALCANTI, 2019).
ladas pelas necessidades do negócio e da avença. Há vários tipos de descanso (intervalos especiais de acordo com a
Nesse sentido, não se inclui na jornada de trabalho o tempo despendido profissão, intervalo intrajornada e interjornada, descanso semanal remune-
para deslocamento do empregado da sua residência até o local de trabalho, rado, férias, etc.), mas trataremos apenas de alguns. Os intervalos interjor-
assim como para o seu retorno, independentemente se foi utilizado algum nada e intrajornada constituem um lapso que separa duas jornadas ou duas
meio de transporte fornecido pelo empregador ou não, segundo o art. 58, partes de uma mesma jornada. Neste último caso (intervalo dentro de uma
§2º, da CLT (BRASIL, 1943).  mesma jornada), surge o chamado intervalo intrajornada, para refeição e
descanso. Conforme previsão do art. 71 da CLT (BRASIL, 1943), se o trabalho
Da mesma maneira, não se considera jornada extraordinária caso haja
for contínuo e perdurar por mais de 6 (seis) horas, deverá haver um intervalo
variação de horário no que se refere ao registro de ponto, desde que não
de, no mínimo, 1 (uma) hora, não podendo exceder a 2 (duas) horas, a não
excedente o tempo limite de cinco minutos, admitindo-se no máximo dez
ser que seja disposto de modo diferente em acordo ou convenção coletiva de
minutos por dia. 
trabalho. Se a jornada for entre 4 (quatro) e não passar de 6 (seis) horas, o
Todo trabalho que exceda a jornada legal ou contratual será considerado intervalo deverá ser de 15 (quinze minutos). No caso de trabalho contínuo
como hora extra, as quais deverão ser pagas com o acréscimo de 50% sobre o de até 4 (quatro) horas, a lei não determina a necessidade de intervalo. A não
salário-hora normal. (CALVO, 2019). concessão ou a concessão parcial do intervalo para refeição e descanso impli-
cará no dever de indenizar o empregado, relativamente ao período supri-
Assim, já sabemos que à duração diária do trabalho poderão ser acres-
mido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da hora
cidas horas extras. Essas horas, no entanto, não poderão superar duas.
normal de trabalho.
Eventualmente, mediante convenção coletiva ou acordo coletivo, poderá
haver a dispensa do acréscimo de salário em razão das horas extras traba- A outra modalidade de intervalo é o interjornada. Trata-se do período
lhadas, desde que o excesso de horas (então não remuneradas) seja compen- de descanso entre duas jornadas, o qual, de acordo com o art. 66 da CLT
sado pela redução da jornada em um outro dia de trabalho. Nesse caso, a (BRASIL, 1943) deverá ser de, no mínimo, 11 (onze) horas consecutivas.
compensação não poderá ser superior, num período de um ano, de acordo Tal como na regra anterior, a eventual supressão desse período mínimo de
com o art. 59, §2º, da CLT (BRASIL, 1943, [s.p.]) “à soma das jornadas descanso resulta no dever de o empregador indenizar o empregado pelas
semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de horas suprimidas acrescidas de 50% (cinquenta por cento) do valor da hora
dez horas diárias”. normal de trabalho (LEITE, 2019).
Há também o Descanso Semanal Remunerado (DSR), direito de todo
Dica empregado, que será de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, preferen-
De acordo com o art. 61 da CLT (BRASIL, 1943), é possível que haja cialmente aos domingos (art. 67, CLT). Eventual período suprimido será
necessidade de realização de horas extras superando o limite legal de indenizado com 50% (cinquenta por cento) do valor da hora normal de
duas horas diárias quando há razão de força maior (um desastre natural, trabalho. No que se refere à remuneração do descanso semanal, há algumas
por exemplo) ou, então, para que se concluam serviços que não podem distinções que precisam ser feitas. Conforme o art. 7º da Lei nº 605/1949, se
ser adiados ou que, se adiados, poderão causar evidente prejuízo. o contrato de trabalho for por dia, semana, quinzena ou mês, a remuneração
será equivalente àquela de um dia de serviço mais as horas extras habituais; se
o trabalho for por hora, corresponderá ao valor dessa hora também somado
Vamos tratar, a partir de agora, dos chamados períodos de descanso do
às horas extras habitualmente prestadas; se o trabalho for por peça ou por
trabalhador. Aqui, abordaremos os intervalos intrajornada e interjornada, o
tarefa, o valor da remuneração corresponderá àquele da peça ou da tarefa
descanso semanal remunerado e as férias.
realizada em horário normal de serviço dividido pelo número de dias efeti-
Os períodos de descanso são fundamentais para os trabalhadores, pois vamente trabalhados; por fim, para o empregado que trabalha em domicílio,
garantem dignidade no âmbito da prestação dos serviços para que a jornada será o equivalente ao resultado da divisão por 6 (seis) da importância total da
produção ao longo da semana.

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As férias, também constituem um importantíssimo direito do trabalhador. Para o caso de empregados contratados há menos de 12 (doze) meses,
Trata-se de período de descanso com remuneração (CALVO, 2019). De acordo eles gozarão, na oportunidade, de férias proporcionais, iniciando-se, então,
com o art. 129 da CLT “todo empregado terá direito anualmente ao gozo de novo período aquisitivo.
um período de férias, sem prejuízo da remuneração” (BRASIL, 1943, [s.p.]).
Como foi dito, no período de férias, o empregado perceberá a remune-
A cada 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho – chamado de
ração que lhe for devida na data da sua concessão, sendo válido lembrar que
período aquisitivo –, o empregado adquire o direito de usufruir um período
os adicionais por trabalho extraordinário, noturno, insalubre ou perigoso
de férias. Esse período poderá ter duração variável, conforme a situação.
serão computados no salário que servirá de base ao cálculo da remuneração
Então, se o empregado não faltou ao serviço mais de 5 (cinco) vezes, o
respectiva (BASILE, 2018).
período de férias será de 30 (trinta) dias corridos; se as faltas do empregado
estiverem entre 6 (seis) e 14 (catorze), as férias serão de 24 (vinte e quatro) É de suma importância lembrar que o art. 7º, XVII, da CRFB/88 prevê
dias; entre 15 (quinze) e 23 (vinte e três) faltas, será de 18 (dezoito) dias; que é direito do trabalhador o gozo de férias anuais remuneradas, porém,
e, por fim, serão apenas 12 (doze) dias de férias, caso o empregado tenha como visto, com um acréscimo de um terço a mais do que o salário normal
faltado entre 24 (vinte e quatro) e 32 (trinta e duas) vezes (BRASIL, 1943). (é o chamado terço constitucional). Tanto em relação ao pagamento das
férias integrais quanto proporcionais, gozadas ou não, haverá a incidência do
Em algumas situações, previstas no art. 133 da CLT (BRASIL, 1943),
terço constitucional.
o empregado não terá direito às férias. Isso acontecerá caso o empregado,
no período aquisitivo, deixar o emprego e não for readmitido em até 60
(sessenta) dias, contados da sua saída; se permanecer em licença remunerada Exemplificando
por período superior a 30 (trinta) dias; se tiver deixado de trabalhar com Supondo um salário no valor de R$ 1.800,00, caso haja direito de gozo
remuneração em período superior a 30 (trinta) dias, na hipótese de parali- de férias integrais, a remuneração que o empregado receberá nesse
zação total ou parcial dos serviços da empresa; e se tiver recebido benefício período será o resultado da soma de R$ 1.800,00 acrescidos de 1/3 do
previdenciário relacionado à acidente de trabalho ou auxílio-doença por salário (R$ 600,00), isto é, R$ 2.400,00.
mais de 6 (seis) meses, ainda que de modo descontínuo (BRASIL, 1943). 
De acordo com o art. 134 da CLT (BRASIL, 1943, [s.p.]): “As férias serão É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a
concedidas por ato do empregador, em um só período, nos 12 (doze) meses que tiver direito em abono pecuniário (venda das férias) no valor da remune-
subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito” (período ração que lhe seria devida nos dias correspondentes na forma do art. 143 da
concessivo), sendo que a época da concessão das férias será a que melhor CLT, devendo ser requerido até 15 (quinze) dias antes do término do período
estiver aos interesses do empregador. aquisitivo (RENZETTI, 2018).
Além disso, o art. 134 §1º da CLT (BRASIL, 1943) permite que, mediante Com isso, caro aluno, encerramos mais uma etapa dos nossos estudos,
aceitação do empregado, as férias possam ser usufruídas em até três períodos, compreendendo as especificidades da relação de emprego e os principais
desde que um deles, ao menos, não seja inferior a quatorze dias corridos e os direitos daí decorrentes. Agora ficou muito mais fácil entender essas questões,
restantes não sejam inferiores a cinco dias. não é mesmo? Há ainda muito o que estudarmos, mas certamente estamos
percorrendo um excelente caminho! Vamos em frente!
Vale lembrar que caso as férias forem concedidas após o prazo de 12
(doze) meses, superando o período concessivo, o empregador deverá pagar
dobro a respectiva remuneração (CALVO, 2019).  Sem medo de errar
As férias coletivas a todos os empregados da empresa ou de um deter-
Olá, aluno!
minado setor também são possíveis na forma do art. 139 da CLT (BRASIL,
1943), podendo ser usufruídas em (2) dois períodos anuais, desde que não Estudamos muitos pontos relativos à relação de trabalho e de emprego,
sejam inferiores a 10 (dez) dias corridos. não é mesmo? Enfim, conhecemos a configuração dos variados direitos
sociais do trabalho que estamos aprendendo desde o início desta Unidade.

83 84
Voltando à situação-problema proposta, você deve se lembrar de que um acréscimo de 50% (cinquenta por cento) do valor da hora normal de
houve a contratação de alguns vendedores na loja de suplementos da qual trabalho, visto a caracterização de horas extras.
você é sócio. Agora que você já sabe como proceder ao que aconteceu, saberá, certa-
mente, corrigir eventuais falhas e evitar novas indenizações no futuro, eis que
Como nem todos foram admitidos de uma só vez, isso gerou necessi-
conhece os direitos dos seus empregados.
dades diversas que você precisou refletir para responder. Alguns desses
empregados já completaram mais de um ano de contrato, enquanto outros,
apenas recentemente, passaram a integrar o quadro da empresa. Faça valer a pena
Aqueles que já estão há mais de um ano na loja questionaram a respeito
das férias: quando, afinal, elas devem ser concedidas e qual o valor que
1. Para a configuração da relação de emprego, com base no art. 3º da Conso-
lidação das Leis do Trabalho (CLT), alguns requisitos devem estar presentes
receberão? Outros também indagaram quanto ao descanso semanal remune-
na situação fática, a fim de caracterizá-la e atrair a incidência dos direitos
rado, que, segundo eles, trata-se de uma parcela que não estariam recebendo.
trabalhistas. Embora possa haver disposição contratual em sentido diverso,
Pois bem, para o caso dos vendedores que já completaram um ano de a realidade sempre prevalecerá, dado que o vínculo empregatício possui
contrato de trabalho, você já deve ter percebido que esse lapso temporal proteção especial do Estado.
equivale justamente ao chamado período aquisitivo, que são os 12 (doze)
Considerando os elementos que caracterizam a relação empregatícia, assinale
meses, por meio dos quais o empregado adquire o direito de usufruir as
a alternativa que identifica os requisitos legais para a figura do empregado:
férias – aliás, trata-se de um direito fundamental, conforme estudado à luz
da Constituição da República. a. Pessoa jurídica, impessoalidade, eventualidade, subordinação e onero-
sidade.
Logo, uma vez que tal período esteja completo, a empresa, na qualidade
de empregadora, disporá do chamado período concessivo de também 12 b. Pessoa jurídica, pessoalidade, habitualidade, subordinação e gratuidade.
(doze) meses para que os empregados possam usufruir suas férias.
c. Pessoa física, impessoalidade, não-eventualidade, não-subordinação
No caso, como todos fazem jus à integralidade do período de férias a e onerosidade.
serem gozadas, isto é, 30 (trinta) dias corridos (à medida que não houve
d. Pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosi-
notícia de faltas em período superior a cinco dias no período aquisitivo),
dade.
a empresa, como empregadora, poderá, conforme a sua própria necessi-
dade, deliberar em quais períodos serão concedidas as férias para cada um e. Pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e gratuidade.
daqueles que tiverem completado o período aquisitivo. Depende do empre-
gador, como você sabe, determinar o momento da concessão, que não poderá 2. O contrato de trabalho é o instrumento segundo o qual se estabelece, por
ultrapassar o período concessivo máximo, sob pena de pagamento de férias meio da tutela jurídica, a relação de emprego entre empregador e empregado,
em dobro diante dessa violação. fixando-se, caso a caso, a partir dos limites legais e constitucionais, elementos
como jornada de trabalho, salário e outros. O contrato de trabalho poderá ser
As férias deverão ser remuneradas no valor do salário do empregado,
por tempo determinado ou indeterminado. No caso do contrato por prazo deter-
com o acréscimo do terço constitucional (1/3).
minado, há um prazo máximo a ser observado para que reste configurado.
Já para os empregados que questionam acerca do descanso semanal
Nesse contexto, assinale a alternativa correta:
remunerado, você deverá explicar que esse pagamento é sim devido e corres-
ponderá, no caso deles, em que perfazem jornada normal de trabalho, ao a. O contrato por prazo indeterminado não é a regra no Direito do
período de repouso, preferencialmente aos domingos. A remuneração Trabalho Brasileiro.
será como a de um dia de trabalho normal. Além disso, caso você identi-
b. O contrato por prazo determinado tem prazo máximo de dois anos,
fique que não houve o adequado pagamento desse período importante de
sendo que, posteriormente, havendo prorrogação, será convertido e
descanso, além do pagamento correspondente, deverá ser indenizado com
tratado como por prazo indeterminado.

85 86
c. O contrato por prazo determinado tem prazo máximo de 1 ano. Seção 3

d. O contrato por prazo indeterminado não confere direito às férias.


e. O contrato por prazo determinado é a regra no Direito do Trabalho
Término do contrato de trabalho
Brasileiro.
Diálogo aberto
3. Os períodos de descanso são fundamentais para os trabalhadores, pois Olá, aluno!
garantem dignidade no âmbito da prestação dos serviços para que a jornada
diária e semanal não se prolongue além do necessário e do razoável. De Estudaremos os tópicos finais quanto ao Direito e legislação trabalhista.
acordo com o art. 129 da CLT, todo empregado terá direito anualmente ao Precisamos conhecer a situação em que ocorre o término da relação de
gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração. Assim, após cada emprego, o que, como veremos, poderá acontecer por variados motivos.
período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho (período
Para tanto, percorreremos os temas que dizem respeito, sobretudo,
aquisitivo), o empregado terá direito às férias.
aos direitos que o trabalhador possui em uma e outra situação, buscando
Nesse sentido, assinale a alternativa correta: instruí-lo para que o encerramento da relação de emprego, caso a caso, esteja
conforme a lei e a Constituição.
a. As férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período, nos
12 (doze) meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o Logo, além das modalidades de extinção do contrato de trabalho,
direito (período concessivo), sendo que a oportunidade será a que melhor falaremos sobre o aviso prévio e os direitos decorrentes da rescisão trabalhista.
estiver em conformidade aos interesses do empregador.
Considere, então, que a loja de suplementos que você e seus amigos
b. As férias serão gozadas pelos empregados imediatamente após a conclusão empreenderam em conjunto está indo muito bem, porém tem apresen-
do período aquisitivo de 15 (quinze) meses, sendo que o empregador tado alguns pequenos problemas em relação a um empregado. Isso porque
poderá concedê-las nos 20 (vinte) meses subsequentes. ultimamente ele não parece estar muito comprometido com o trabalho. Por
diversas vezes os clientes chegam na loja, perguntam sobre os produtos e ele
c. Na hipótese de ter sido superado o período concessivo de férias e o empre-
simplesmente nada faz, não dá a devida atenção.
gador não tiver oportunizado o respectivo gozo àqueles empregados que
porventura teriam tal direito, nenhuma indenização será devida. Apesar disso, embora não pareça que ele tenha vocação para a área de
vendas e ainda seja um pouco disperso no trato com os funcionários, você,
d. As férias serão sempre remuneradas em dobro, independentemente da sua
como sócio-administrador da sociedade empresária, convida-o para uma
concessão ter ocorrido ou não no lapso do período concessivo de 12 (doze)
conversa e pergunta o que está acontecendo, pois sabe que ele não costu-
meses ou ainda que o empregado não faça jus à integralidade do prazo de
mava agir dessa forma. Durante a conversa, fica patente para você que ele não
30 (trinta) dias corridos para gozá-las.
mais se encaixa no perfil da loja e que, infelizmente, precisará ser dispensado.
e. A incidência do terço constitucional de férias é elemento facultativo, Depois de decidir pela rescisão do contrato de trabalho desse empregado,
somente sendo devido caso o empregador deixe de oportunizar o período você o chama e comunica a decisão. Ele a aceita e diz que aguardará os proce-
de descanso aos empregados que o tenham adquirido, no lapso do período dimentos rescisórios, bem como os valores que deverá receber. Ocorre que,
concessivo. de pronto, você não tem condições de dizer quais os direitos que ele terá em
função da demissão.
Afinal, há aviso prévio? Férias proporcionais, saldo salarial, décimo
terceiro? Quais direitos ele tem para receber? E o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço? Como você agiria em relação a estas indagações?
Na qualidade de administrador da empresa e da loja, você deverá elaborar
um relatório no qual constem os respectivos direitos que serão assegurados

87 88
ao empregado, tendo em vista que não se trata de uma dispensa por justa
prática, desses requisitos, para que não fique configurada a despedida
causa, mas sim algo que foi fruto de uma decisão negocial, empresarial, afinal
arbitrária? Quais seriam as consequências de tal despedida?
você precisa contratar funcionários que sejam mais diligentes com o serviço
de vendas.
Os motivos que podem dar ensejo a dispensa do empregado por justa
Vamos lá, então! Bons estudos!
causa estão elencados na Consolidação das Leis do Trabalho no art. 482. São
as seguintes:
Não pode faltar
a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau
Faz parte do mundo contratual que as avenças porventura firmadas
procedimento; c) negociação habitual por conta própria
cheguem a um determinado fim. No Direito do Trabalho essa é uma reali-
ou alheia sem permissão do empregador, e quando consti-
dade bastante comum, sobretudo em função do alto grau de dinamismo
tuir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o
da nossa economia. Embora desejável que os contratos de trabalho sejam
empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação
estáveis e contínuos, à luz dos princípios que já estudamos, a realidade dos
criminal do empregado, passada em julgado, caso não
vínculos contratuais que são encerrados merece atenção específica. Ora, é a
tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia
manutenção do emprego, dentre tantos outros fatores, que garante o fluxo de
no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez
consumo e distribuição de renda nas sociedades capitalistas. O desemprego
habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa;
é, sem dúvida, um grande problema. Mas, quando pensamos na ruptura do
h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono
contrato de trabalho, quanto ao seu término, sua extinção, logo devemos
de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama prati-
ter em mente, mais uma vez, a ideia de que o sistema jurídico brasileiro
cado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas,
contempla um amplo espectro de proteção do trabalhador. Isso quer dizer
nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa,
que existem direitos que serão acionados quando da rescisão do contrato de
própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa
trabalho. E há situações em que é possível o próprio empregado rescindir o
fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e
contrato de trabalho, conforme estudaremos (CASSAR, 2018).
superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa,
Assim, são diversas as modalidades de extinção do contrato de trabalho. própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar;
Podemos falar em modalidades, como também em diferentes causas que dão m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos
ensejo à rescisão trabalhista. em lei para o exercício da profissão, em decorrência de
conduta dolosa do empregado. (BRASIL, 1943, [s.p.])
Inicialmente, trataremos da extinção do contrato de trabalho por tempo
indeterminado, pois o contrato por prazo determinado será extinto, obvia-
mente, quando alcançar o seu termo final, isto é, no término da sua vigência Uma vez verificada a hipótese de justa causa, tendo como motivo a falta
(CASSAR, 2018). Aquele poderá ser extinto em virtude de diversas circuns- cometida pelo empregado, o empregador rescindirá o contrato de trabalho,
tâncias: com justa causa; sem justa causa, morte do empregador quando pautando sua conduta pela proporcionalidade da medida; afinal, não se pode
pessoa física e falecimento do empregado (CISNEIROS, 2018; LEITE, 2019). alegar a presença de uma das causas do art. 482 da CLT sem que haja motivo
suficiente. No caso da dispensa por justa causa, o contrato de trabalho encon-
trará seu termo final; é importante frisar que o empregado não receberá
Reflita
todas as parcelas decorrentes dessa rescisão contratual. Não terá direito à
O art. 7º, I, da CRFB/88 dispõe que são direitos dos trabalhadores
multa rescisória, 13º salário e férias proporcionais e ao saque dos depósitos
urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra a despedida
de FGTS. Apenas se, judicialmente, o empregado demonstrar que não era
arbitrária ou sem justa causa. A ausência de justa causa apresenta
caso de rescisão por justa causa, receberá todos os direitos relativos às verbas
alguns elementos (motivos, por exemplo, técnicos, econômicos ou
respectivas, bem como poderá sacar o FGTS acrescido de multa – isso porque
financeiros). Nesse caso, reflita: como se daria a demonstração, na
inexistindo justa causa, a demissão é convertida em dispensa sem justa causa,
fazendo jus, o trabalhador, à integralidade dos direitos rescisórios.

89 90
Assimile Justiça do Trabalho, a multa de 40% do montante de todos os depósitos reali-
No caso de demissão sem justa causa, haverá uma multa incidente
zados na conta vinculada do trabalhador no FGTS será de 20% (RENZETTI,
sobre o saldo do FGTS da conta vinculada do empregado, que será paga
2018; CALVO, 2019).
pelo empregador. Assim, dispõe o art. 18, §1º da Lei nº 8.036/1990 que De fundamental importância é o conhecimento da nova hipótese de
na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, deposi- rescisão do contrato de trabalho trazida pela Reforma Trabalhista (Lei nº
tará este, na conta vinculada do trabalhador (FGTS), importância igual 13.467/2017), que incluiu o art. 484-A na CLT. É a hipótese de rescisão por
a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados acordo entre empregado e empregador (distrato), caso em que serão devidas
durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetaria- verbas trabalhistas diferenciadas. Logo, quando houver tal acordo, as verbas
mente e acrescidos dos respectivos juros. devidas serão as seguintes: I – por metade: a) o aviso prévio, se indenizado; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço;
II – na integralidade, quanto às demais verbas trabalhistas e, movimentação
Por outro lado, o contrato de trabalho também poderá ser rescindido por
da conta vinculada do trabalhador no FGTS, limitada até 80% do valor
iniciativa do empregado, nas hipóteses previstas no art. 483 da CLT. Trata-se
dos depósitos.
da chamada rescisão indireta. É quando o empregador pratica alguma falta
grave. São as seguintes:
Dica
Conforme o art. 484-A, §2º, da CLT, a extinção do contrato de trabalho
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças,
por acordo entre empregado e empregador não autoriza o ingresso no
defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios
Programa de Seguro-Desemprego.
ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores
hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto O empregado também poderá optar pelo pedido de demissão cuja causa
de mal considerável; d) não cumprir o empregador as é apenas a sua vontade de rescindir o contrato de trabalho. Tal pedido deverá
obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus ser formulado por escrito (BASILE, 2018). Neste caso, o empregado que pediu
prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo demissão receberá o saldo de salário, décimo terceiro salário, assim como
da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos as férias vencidas e proporcionais, acrescidas de um terço constitucional,
ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima contudo perde o direito a indenização de 40% e não poderá movimentar o
defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o saldo do FGTS, tampouco ingressar no programa de seguro-desemprego.
seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a
Demais razões, como mencionado, poderão dar ensejo à extinção do
afetar sensivelmente a importância dos salários. (BRASIL,
contrato de trabalho.
1943, [s.p.])
No caso de falência da empresa, a rescisão será no padrão da demissão sem
justa causa, isto é, o empregado fará jus à totalidade dos direitos rescisórios.
Nesses casos, o empregado receberá a integralidade dos direitos, como
se fosse uma rescisão sem justa causa. Também o art. 483, §2º dispõe que no Outro caso de rescisão do contrato de trabalho é por força maior, quando
caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facul- ocorre um evento imprevisível, sem culpa do empregador, do qual decorre
tado ao empregado rescindir o contrato de trabalho. Interessa perceber que a extinção da empresa (ou do estabelecimento), por exemplo, diante de um
poderá haver a chamada culpa recíproca. Ambas as partes do contrato de desastre natural. Nessa hipótese, o empregado receberá o saldo de salário,
trabalho, empregado e empregador, cometem faltas graves, justos motivos. aviso prévio indenizado, décimo terceiro, férias vencidas (se houver) e
Neste caso, segundo o art. 484 da CLT, o Tribunal de Trabalho reduzirá a proporcionais, com o terço constitucional, e indenização relativa à metade
indenização a que seria devida em caso de culpa exclusiva do empregador do que seria devido em caso de rescisão sem justa causa (BASILE, 2018).
pela metade. Também segundo o art. 18, §2º da Lei nº 8.036/1990, quando
No que se refere à extinção do contrato por prazo determinado, há
ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela
alguns comentários que precisam ser feitos. Como se sabe, diante da data

91 92
prevista o contrato será encerrado. No entanto, é possível que o empregador acarretará reflexos nas verbas rescisórias, relativamente aos recebimentos
rescinda antecipadamente e sem justa causa, situação na qual estará obrigado proporcionais de décimo terceiro, férias e salário.
a indenizar o empregado em valor correspondente à metade a que este teria Também no caso da rescisão indireta (quando o empregado busca
direito até o término do contrato, de acordo com o art. 479 da CLT. Esse a rescisão com percepção de todos os direitos trabalhistas, em virtude
pagamento terá natureza indenizatória. do descumprimento de dever do empregador), haverá necessidade de
Mas o empregado também não está autorizado a encerrar o contrato por pagamento de aviso prévio a ser indenizado pelo empregador, à luz do art.
prazo determinado antes do prazo nele previsto sem que haja justa causa para 487, § 4º, da CLT.
tanto, pois, se isso acontecer, na forma do art. 480 da CLT, estará obrigado
No caso do aviso prévio, que deverá ser concedido também pelo empre-
a indenizar o empregador nos prejuízos resultantes deste ato, com o limite
gado ao empregador (em caso de pedido de demissão), se não for concedido,
máximo equivalente ao da metade da remuneração que o empregado faria
o empregador poderá descontar do salário do empregado os dias respectivos,
jus na situação inversa.
mas limitado a, no máximo, 30 (trinta) dias de desconto.
Neste contexto, estudaremos um importante tema: o aviso prévio.
Haverá modificação nos horários de trabalho. Se porventura a rescisão do
O art. 487 da CLT determina que não havendo prazo estipulado, a parte contrato de trabalho tiver sido promovida pelo empregador, a carga horária
que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra da diária do empregado será reduzida em 2 (duas) horas, sem que isso lhe preju-
sua resolução com a antecedência mínima de: I - oito dias, se o pagamento dique a integralidade do salário. Outra opção é o empregado faltar por 7
for efetuado por semana ou tempo inferior; II - trinta dias aos que perce- (sete) dias corridos, também sem redução do salário, a fim de buscar nova
berem por quinzena ou mês, ou que tenham mais de 12 (doze) meses de colocação no mercado (LEITE, 2019).
serviço na empresa (BRASIL, 1943).
Vale ressaltar que, segundo o entendimento do Tribunal Superior do
A Lei nº 12.506/2011 trouxe elemento adicional, fazendo incluir a propor- Trabalho, o direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido
cionalidade. Então, aos 30 (trinta) dias de aviso prévio, foram acrescidos 3 de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o respec-
(três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de tivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido
60 (sessenta dias), perfazendo um total geral de até 90 (noventa) dias de aviso novo emprego.
prévio. Nota-se que esta norma privilegia um grau a mais de proteção do
trabalho diante da rescisão do contrato de trabalho, sobretudo para empre-
Exemplificando
gados mais antigos de uma mesma empresa que se encontrem em situação de
Imagine a situação em que o aviso prévio seja dado pelo empregador
dispensa iminente, pois poderão melhor preparar-se para tanto (CASSAR,
ao empregado. Porém, o empregado dispensado já consegue encontrar
2018).
um novo emprego, que demanda início imediato. Neste caso, deve-se
O aviso prévio é uma cláusula que diz respeito aos contratos de trabalho aplicar a regra da dispensa imotivada pelo empregador, devendo este
por prazo indeterminado. Como não há ciência do termo final da relação, arcar com os pagamentos dos direitos do trabalhador, ressalvando-se,
tendo em vista a continuidade presumida do vínculo empregatício, trata-se apenas, a integração do período do aviso como tempo de serviço e a
de instituto que visa à comunicação, ao empregado, da rescisão do contrato, indenização pelo tempo não cumprido.
informando-lhe, portanto, o termo final do vínculo.
Quando o empregador não concede o aviso prévio ao empregado, este Agora, quais seriam os direitos decorrentes da rescisão do contrato
fará jus ao salário correspondente aos dias de prazo suprimido. de trabalho?
O aviso prévio projeta o contrato virtualmente para frente. Inclusive, Neste caso surgem algumas perspectivas de direitos. As verbas rescisó-
ainda quando o aviso prévio for apenas indenizado, sem que tenha havido rias devidas ao empregado, eventual levantamento do FGTS e ingresso no
efetivamente trabalho neste período, a data de encerramento do contrato de programa de seguro-desemprego é que deverá nortear nossos estudos a
trabalho será aquela do fim do prazo do aviso prévio, o que naturalmente partir de agora.

93 94
As verbas rescisórias são aquelas “vencidas antecipadamente em função os trabalhadores na busca ou preservação do emprego, promovendo, para
da ruptura do vínculo empregatício” (BASILE, 2018, p. 195). Incluem: tanto, ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional
(MARTINEZ, 2018). O art. 3º da mencionada lei dispõe, ainda, que o traba-
• Saldo de salário (quanto aos dias trabalhados no mês da rescisão). lhador dispensado sem justa causa terá direito à percepção do seguro-desem-
• Aviso prévio indenizado (se não houver a comunicação no prazo legal prego, devendo comprovar os requisitos ali elencados.
ou com prazo menor). O seguro-desemprego, nos termos do art. 4º, da lei 7998/90, será conce-
dido ao trabalhador desempregado, por período máximo variável de 3 (três)
• Décimo terceiro salário proporcional (que será calculado à razão de um
a 5 (cinco) meses, de forma contínua ou alternada, a cada período aquisi-
doze avos por cada mês ou fração igual ou superior a quinze dias, no ano).
tivo, contados da data de dispensa que deu origem à última habilitação, cuja
• Férias vencidas (relativamente ao último período aquisitivo completo duração será definida pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao
e não concedido). Trabalhador (Codefat) (BRASIL, 1990). 
• Férias proporcionais (que será calculada à razão de um doze avos por Finalmente, uma vez encerrado o contrato de trabalho, o empregador
cada mês ou fração igual ou superior a quinze dias, quanto ao novo deverá fazer as competentes anotações na Carteira de Trabalho e Previdência
período aquisitivo). Social (CTPS), bem como efetuar a comunicação da dispensa aos órgãos
oficiais e proceder ao pagamento das verbas rescisórias dentro do prazo,
No caso de dispensa sem justa causa, todas as verbas supralistadas serão
que é de até 10 (dez) dias contados a partir do término do contrato. Deve-se
devidas, bem como o trabalhador poderá levantar o saldo do FGTS acrescido
elaborar o chamado Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT),
de multa de 40%.
com especificação da natureza de cada verba paga, com discriminação dos
Se for o caso de dispensa com justa causa, o empregado receberá apenas: respectivos valores.
a) saldo salarial; e b) férias vencidas, acrescidas de 1/3 constitucional.
O pagamento a que fizer jus o empregado será efetuado: I - em dinheiro,
Na rescisão indireta (aquela que é pedida pelo empregado em razão da falta depósito bancário ou cheque visado, conforme acordem as partes; ou II - em
grave cometida pelo empregador), as mesmas verbas rescisórias da dispensa dinheiro ou depósito bancário quando o empregado for analfabeto. 
sem justa causa, quais sejam: saldo salarial; aviso prévio indenizado; décimo
Se o pagamento for feito fora do prazo de 10 (dez) dias, o empregador
terceiro salário proporcional; férias vencidas e proporcionais, acrescidas de um
estará obrigado a pagar uma multa em favor do empregado equivalente ao
terço. Poderá, ainda, levantar o saldo do FGTS acrescido de multa de 40%.
seu salário, salvo quando, comprovadamente o trabalhador der causa à mora
No pedido de demissão, há apenas: saldo salarial; décimo terceiro salário; (ao atraso).
férias vencidas e proporcionais, acrescidas de 1/3 constitucional.
Enfim, caro aluno, vimos os mais importantes aspectos relacionados
Se for caso de culpa recíproca, as verbas serão: saldo salarial; 50% do ao término do vínculo empregatício, percorrendo os direitos resultantes e
aviso prévio indenizado; 50% do décimo terceiro salário proporcional; férias as obrigações do empregador. Com isso, temos suficiente conhecimento do
vencidas; e 50% das férias proporcionais. Ademais, o levantamento do FGTS Direito e legislação trabalhista, algo que certamente será muito útil no seu
poderá ser realizado com multa de 20%. dia a dia profissional.
No acordo ou distrato, são exigíveis: saldo salarial; 50% do aviso prévio indeni-
zado; décimo terceiro salário proporcional; férias vencidas; e férias proporcionais. Sem medo de errar
Aqui, também o levantamento do FGTS poderá ser realizado com multa de 20%.
Olá! Agora que conhecemos os direitos trabalhistas, sobretudo as
O seguro-desemprego é um benefício de natureza previdenciária que, de
questões que envolvem o término do vínculo empregatício, temos condições
acordo com o art. 2º, I e II da Lei nº 7.998/1990, visa prover assistência finan-
de refletir sobre a resolução da situação-problema proposta.
ceira ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa,
inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime
de trabalho escravo ou da condição análoga à de escravo, além de auxiliar

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Você deve estar se lembrando de que no caso apresentado, um empregado • Férias vencidas, acrescidas de 1/3 constitucional (relativamente ao
da loja de suplementos não está comprometido com o desempenho de suas último período aquisitivo completo e não concedido).
funções, o que acaba por gerar problemas para o faturamento da empresa.
• Férias proporcionais, acrescidas de 1/3 constitucional (que será calcu-
Diante dessa situação, chega-se à conclusão que não há alternativa a lada à razão de um doze avos por cada mês ou fração igual ou superior
não ser o encerramento do contrato de trabalho do empregado. Trata-se, a quinze dias, quanto ao novo período aquisitivo).
assim, de uma rescisão do contrato de trabalho levada a efeito por iniciativa
No caso apresentado, ainda, o trabalhador dispensado poderá levantar o
do empregador, pessoa jurídica (loja de suplementos) que tem você como
saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) da conta vincu-
sócio-administrador.
lada, acrescido de multa de 40% a ser paga pelo empregador, bem como
Ocorre, no entanto, que quando o empregado foi avisado acerca da deverão ser entregues as guias do seguro-desemprego para que o empregado
dispensa, você e seus sócios ainda não compreendiam a extensão dos direitos possa requerer tal benefício.
rescisórios relativamente àquela específica relação.
Com isso, caro aluno, você já tem a adequada dimensão dos direitos
Afinal, haveria necessidade de cumprimento de aviso prévio ou este devidos, estando apto a observar estritamente as normas trabalhistas e
poderia ser indenizado? Férias proporcionais, saldo salarial, décimo terceiro? aplica-lás sem dificuldade.
Quais direitos o empregado teria para receber? E o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço?
Faça valer a pena
Na qualidade de administrador da empresa e da loja você deve elaborar
um relatório no qual constem os respectivos direitos assegurados ao empre- 1. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art.
gado dispensado, tendo em vista que não se trata de uma dispensa por justa 7º, I, prevê que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a relação
causa, mas sim algo que foi fruto de uma decisão negocial, empresarial. de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.
Logo, até mesmo a dispensa sem justa causa possui alguns elementos que a
Depois do que foi estudado, agora ficou mais fácil, não é mesmo?
sustentam, isto é, há sempre uma justificativa mínima, visto que a despedida
A primeira informação que precisa ficar bem clara é que todas as puramente arbitrária não é possível e até mesmo vedada pelo ordenamento
verbas trabalhistas serão devidas ao empregado demitido, pois se trata de jurídico brasileiro.
dispensa sem justa causa, isto é, não há nenhuma circunstância verificada
Nesse contexto, indique a alternativa que apresenta os motivos aceitáveis
para o rompimento do vínculo em razão da falta grave praticada por parte
para efeito de uma demissão sem justa causa por iniciativa do empregador.
do empregado. A decisão da dispensa decorreu, basicamente, do interesse
da empresa empregadora. Como o contrato de trabalho é, via de regra, por a. A mera vontade do empregador é o bastante.
tempo indeterminado, a totalidade das verbas trabalhistas serão devidas.
b. Não é preciso nenhuma motivação, ainda que mínima, para demissão
Então, no seu relatório deverão constar expressamente as seguintes verbas sem justa causa.
para a consolidação do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT):
c. A dispensa sem justa causa somente ocorre nas situações taxativa-
• Saldo de salário (quanto aos dias trabalhados no mês da rescisão). mente previstas na CLT.
• Aviso prévio indenizado (se não houver a comunicação no prazo legal d. A demissão sem justa causa sempre parte do empregado, por isso é
ou com prazo menor) ou aviso prévio trabalhado que, neste caso, dispensada a motivação.
haverá as hipóteses de redução da jornada de trabalho, de duas horas
e. Para a configuração motivacional da dispensa sem justa causa por
diárias ou falta por sete dias corridos sem desconto nas verbas.
iniciativa do empregador, é possível alegar motivos técnicos, econô-
• Décimo terceiro salário proporcional (que será calculado à razão de micos ou financeiros.
um doze avos por cada mês ou fração igual ou superior a quinze dias,
no ano);

97 98
2. Existem diversas modalidades de extinção do contrato de trabalho. Via b. O empregador deverá pagar ao empregado as férias e décimo terceiro
de regra, o término da relação empregatícia ocorre em meio ao contrato por salário proporcionais, férias vencidas e multa de 40% do FGTS, além
prazo indeterminado, hipótese a partir da qual serão verificados os direitos da integralidade do aviso prévio indenizado.
trabalhistas decorrentes do motivo do encerramento contratual. Constitui
c. Não haverá pagamento de quaisquer verbas rescisórias, vez que, no
exceção, no entanto, ao princípio da continuidade do contrato de trabalho o
caso de acordo, segue-se a regra da dispensa com justa causa.
contrato por prazo determinado, pois desde o seu início tanto o empregador
quanto o empregado já estão cientes do momento em que chegará ao fim a d. No caso de acordo, o empregador pagará saldo salarial, 50% do
relação mantida por ambos. aviso prévio indenizado, décimo terceiro salário proporcional, férias
vencidas e proporcionais, acrescidas do 1/3 constitucional, bem como
Sobre o encerramento antecipado do contrato de trabalho por prazo deter-
sobre o saldo dos depósitos de FGTS incidirá a multa de 20%.
minado, assinale a alternativa correta.
e. Serão devidos o saldo salarial e a multa de 40% sobre o saldo dos
a. Se o empregador rescindir antecipadamente e sem justa causa não
depósitos de FGTS.
estará obrigado a indenizar o empregado.
b. Se o empregador rescindir antecipadamente e com justa causa será
obrigado a indenizar a totalidade das verbas trabalhistas ao empre-
gado.
c. Se o empregador rescindir antecipadamente e sem justa causa será
obrigado a indenizar o empregado em valor correspondente à metade
a que este teria direito até o término do contrato, e tal pagamento terá
natureza indenizatória.
d. O empregado jamais poderá rescindir antecipadamente o contrato
de trabalho por prazo determinado, mesmo diante de falta grave
cometida pelo empregador, em homenagem ao princípio da continui-
dade do contrato de trabalho.
e. Se o empregado rescindir antecipadamente, o contrato de trabalho
por tempo determinado não estará obrigado a indenizar o empre-
gador pelos prejuízos eventualmente causados.

3. Até o advento da Reforma Trabalhista em 2017, a extinção do contrato


de trabalho somente poderia ocorrer, via de regra, ou por iniciativa do
empregador ou do empregado, nas situações discriminadas na legislação
do trabalho. Com a Reforma, tornou-se possível a extinção do contrato
por acordo celebrado entre empregado e empregador, o que constitui uma
inovação, sobretudo quanto às verbas rescisórias.
Sobre o acordo celebrado entre empregador e empregado para extinção do
contrato de trabalho, assinale a alternativa correta.
a. Não haverá diferença quanto ao recebimento, por parte do empre-
gado, das verbas rescisórias, que seguirá, ainda no caso de acordo, a
regra da dispensa sem justa causa.

99 100
2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências.
Referências
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janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar
a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF: 13 jul. 2017. 

BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade


Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de
2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007,
12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de
2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a
Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943;
revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de
Unidade 3 Seção 1

Luiz Felipe Nobre Braga Legislação tributária e sistema tributário

Direito e legislação tributária Diálogo aberto


Olá, aluno!
Convite ao estudo A partir de agora começamos os nossos estudos no campo do Direito
Tributário. Buscamos aqui o conhecimento suficiente para que você possa
Olá, aluno!
saber consultar a legislação tributária, a partir da interpretação dos seus
Nesta unidade o nosso desafio é quanto às questões de ordem tributária, principais dispositivos, bem como a maneira pela qual, em cada esfera de
para as quais sempre se buscará construir um conhecimento objetivo e, ao tributação, ocorre a necessidade de cumprimento das obrigações respectivas.
mesmo tempo, suficiente para a sua atuação profissional como adminis-
Para que isso seja possível, percorreremos um interessante caminho que
trador de empresas.
tem, ainda, a função de situá-lo quanto ao direito tributário brasileiro, algo
Apesar de bastante intrincado e complexo, o sistema tributário brasileiro que é certamente importante não apenas do ponto de vista da atividade
apresenta elementos bastante lógicos e fáceis de serem entendidos. Como empresarial em si, sobretudo quanto à administração, mas também do ponto
toda disciplina jurídica, é altamente especializado e está envolvido na maior de vista da cidadania, pois, afinal de contas, é relevante saber o que exata-
parte das operações de natureza empresarial, visto que o fluxo de capitais, mente acontece em termos de incidência de tributos, assim como qual é a
mercadorias, bens e serviços faz surgir a tributação como forma pela qual o função da arrecadação tributária por parte do Estado e quais são as possibi-
Estado arrecada dinheiro para os cofres públicos. lidades legais conferidas aos cidadãos, enquanto contribuintes, face ao poder
tributário.
Por isso, saber quais são os tributos de competência de cada Ente (União,
Estado, Distrito Federal e Município) é algo que precisa ser adequadamente Nesse sentido, estudaremos os tópicos primordiais do Direito e da legis-
conhecido, sobretudo para se evitar o pagamento a mais do que se deve ou lação tributária, buscando informações objetivas e diretas quanto à compe-
até mesmo o pagamento de forma equivocada. tência para a instituição e majoração de tributos por parte dos Entes Políticos
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
As normas de Direito Tributário nos auxiliarão a entender o modo de
funcionamento do processo de arrecadação mencionado, sobretudo para Imagine, então, que você foi contratado por uma empresa, recentemente
que, no caso específico da empresa, seja possível vislumbrar um quadro de constituída, que presta serviços de jardinagem em domicílio.
tributação justa e adequada ao seu porte e à sua capacidade econômica.
Considere que a empresa admitiu empregados, regularmente contratados
Logo, estudaremos a legislação tributária e o sistema tributário, desta- sob as normas trabalhistas brasileiras, para efeito de alocá-los nos processos
cando as competências federal, estadual e municipal quanto à criação e internos e externos de prestação de serviços.
majoração de tributos, as espécies tributárias (impostos, taxas, contribuições
Trata-se de uma sociedade empresária de responsabilidade limitada que
de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições especiais). Também
iniciou suas operações há pouco tempo e ainda não tem a exata dimensão
falaremos sobre a obrigação tributária, o fato gerador, a responsabilidade
da carga tributária que deverá suportar no âmbito da consecução do seu
tributária e suas modalidades, encerrando com a constituição do crédito
objeto social. Com isso, é necessária a visualização dos tributos porventura
tributário, as causas que suspendem sua exigibilidade, o extinguem e o
incidentes na prática empresarial e cujo objeto principal é a prestação de
excluem, culminando no estudo quanto ao Sistema Simples Nacional, que
serviços de jardinagem em domicílio. Vale ressaltar que, além dos serviços
terá, com efeito, especial importância para sua vida profissional.
em si, mediante mão de obra própria, a empresa efetua a aquisição periódica
Vamos lá! de insumos e ferramentas, então destinados à melhoria da técnica e eficiência
junto aos clientes.

104
Na qualidade de administrador, e como consultor contratado para esta Devemos notar que a definição legal em comento apresenta uma série de
finalidade, quais seriam os tributos que os fiscos federal, estadual e municipal elementos, cuja compreensão nos fornece importantes informações sobre o
exigirão dessa empresa, considerando suas operações mercantis? Neste que está abrangido pelo Direito Tributário como um todo. Note, caro aluno,
sentido, quais são os fatos geradores dos eventuais tributos incidentes, para, que o art. 3º do CTN (BRASIL, 1966) traz os seguintes elementos:
desta maneira, compreender-se, numa visão analítica, o perfil tributário que
• Prestação pecuniária.
a empresa contratante terá que incorporar aos seus custos operacionais?
• Compulsoriedade.
Para isso, prezado aluno, serão necessários alguns elementos do Direito
Tributário brasileiro, que passaremos a estudar agora! • Tributo (não é sanção por ato ilícito).
Vamos lá! • Instituído por meio de lei.
• Cobrado por atividade administrativa plenamente vinculada.
Não pode faltar
Vamos saber um pouco mais sobre cada um desses elementos?
O nosso primeiro passo é quanto à Teoria Geral do Tributo. É preciso A prestação é o próprio objeto da relação jurídico-tributária e podemos
que entendamos o que significa a ciência do Direito Tributário, o que é um dividi-la em dois elementos para sua adequada compreensão. De um lado, a
tributo, à luz da sua definição legal, com todos os seus elementos, a classifi- prestação é o valor do tributo, em si, que é pago e que chamaremos de prestação
cação dos tributos, assim como a importante noção da chamada regra-matriz principal; de outro lado, a prestação também envolve o cumprimento dos
de incidência tributária. chamados deveres formais, acessórios, instrumentais, como, por exemplo, a
emissão de notas fiscais e a entrega das declarações do Imposto sobre a Renda
A ciência do Direito Tributário constitui ramo autônomo da pesquisa
(IR). A prestação principal, aliás, é de natureza pecuniária, isto é, em dinheiro,
jurídica (especialmente face ao Direito Financeiro) e, portanto, possui
via de regra. Isso porque não é possível o pagamento do tributo por meio de
princípios e campo próprio de investigação. Importante lembrar que, embora
bens móveis (cujo termo técnico é pagamento in natura) (NOVAIS, 2019).
seja uma ciência autônoma, essa é uma classificação meramente didática, até
mesmo porque o Direito Tributário sempre irá dialogar com outras disci-
plinas, a exemplo do Direito Civil, quanto à definição de alguns institutos Atenção
(como a propriedade), do Direito Penal (crimes contra a ordem tributária), Embora não seja possível o pagamento de tributo por meio de bens
do Direito Administrativo (processo administrativo tributário) e, sobretudo, móveis (por exemplo, pagar o valor do Imposto sobre a Renda com
do Direito Constitucional (AMARO, 2017; SCHOUERI, 2018). a entrega de uma safra de soja), não se pode confundir esse impedi-
mento com a possibilidade de extinção do crédito tributário por meio
Como objeto, o Direito Tributário dedica-se ao estudo das características
da dação em pagamento de bens imóveis (prevista no art. 156, inciso
dos tributos instituídos pelo Estado, assim como a relação entre os entes
XI, do CTN) (BRASIL, 1966). Trata-se de uma alternativa quanto à forma
tributantes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), como sujeitos
de adimplemento (pagamento do tributo), que equivale ao pagamento
ativos da obrigação tributária e sujeitos passivos (contribuintes e responsá-
feito em dinheiro. Então, se há um débito perante o fisco, é possível dar
veis tributários), a partir da conjugação entre os interesses do Estado quanto
em pagamento um imóvel (uma casa, um apartamento).
à arrecadação de receitas e as limitações constitucionais impostas ao mesmo,
por meio de normas de proteção (regras e princípios).
Além do mais, a prestação tributária é compulsória, isto é, é uma obrigação
A definição legal de tributo é encontrada no art. 3º do Código Tributário
que todos, enquanto contribuintes, têm perante o Estado. É inescapável, salvo
Nacional (CTN), segundo o qual: “Tributo é toda prestação pecuniária
em situações muito específicas ligadas ao tema do planejamento tributário,
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
nas quais é possível reduzir a carga tributária. Quando essa redução decorrer
constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
dos próprios processos empresariais que visem à eficiência das operações,
administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966, [s.p.]).
não há possibilidade de não efetuar o pagamento dos tributos (SCHOUERI,
2018).

105 106
Dica O tributo decorre de uma previsão legal. Sem lei, via de regra, não há
No que se refere ao planejamento tributário, o Código Tributário possibilidade de instituição (criação) ou majoração (aumento) do tributo. No
Nacional (BRASIL, 1966) possui regra específica quanto ao tema, justa- geral, fala-se aqui de lei ordinária (que é a espécie legislativa mais comum).
mente para evitar que a eventual redução da carga tributária incidente Note, porém, que há atenuações (flexibilizações), isto é, algumas situações,
sobre as operações de uma empresa, por exemplo, seja objeto de relativamente a alguns tributos, que não dependem, na questão tributária, de
esforço próprio, com esta finalidade. Isso quer dizer que, atualmente, lei em sentido estrito para a modificação de alguns de seus elementos (como
no Brasil, no campo empresarial, sobretudo, somente se admite a alíquota e base de cálculo, por exemplo). Tais tributos poderão ser modifi-
redução da carga tributária, que incidiria sobre determinadas opera- cados por atos infralegais, como um decreto do Poder Executivo. Então, um
ções, se essa redução for um resultado do empenho da empresa em ato do prefeito municipal poderá, por exemplo, atualizar a base de cálculo
melhorar e aperfeiçoar as suas operações. A empresa não pode querer do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) em
simplesmente reduzir tributos. Neste caso, estaríamos diante de uma virtude da inflação; um decreto do presidente da República poderá alterar o
economia lícita de tributos, a chamada elisão fiscal. Para combater o prazo de recolhimento dos tributos. Além disso, para a alteração da alíquota
abuso no planejamento tributário, há no CTN (BRASIL, 1966) a chamada (percentual que incide sobre a base de cálculo) de alguns tributos, também
norma geral antielisiva, prevista no art. 116, parágrafo único, segundo se dispensa a lei em sentido estrito, bastando um ato infralegal, como
a qual a autoridade administrativa tributária poderá desconsiderar atos visto, um decreto do Executivo, uma portaria do Ministério da Fazenda.
ou negócios praticados com a finalidade de dissimular a incidência de O Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto
tributos, isto é, quando verificar que não ocorreu uma economia lícita, sobre Operações Financeiras (IOF), a Contribuição de Intervenção sobre o
mas ilícita (proibida) de tributos. Domínio Econômico nos Combustíveis (CIDE-Combustíveis) e o Imposto
sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços incidente sobre combustí-
veis (ICMS-Combustíveis), são os tributos que poderão sofrer alteração
O tributo também não constitui sanção (punição) pelo cometimento de
(majoração) por atos dessa natureza.
ato ilícito, o que significa dizer que ninguém suporta a tributação como uma
penalidade por si só, isto é, o ato de cumprir com as obrigações tributárias
decorre de previsões legais predeterminadas, não podendo essas previsões Assimile
serem utilizadas para efeito de punir alguém (COSTA, 2019). Apesar de o tributo não consistir em uma sanção por ato ilícito, é
perfeitamente possível que, em virtude de práticas ilícitas, como, por
exemplo, a situação em que uma pessoa aufere renda proveniente do
Exemplificando
tráfico de drogas ou do jogo do bicho, seja obrigada a pagar o valor
O tributo deve ser razoável quanto ao valor e respeitar a capacidade
relativo ao imposto sobre a renda. Note que importa aqui o preenchi-
contributiva dos cidadãos e das pessoas jurídicas. A finalidade do tributo
mento da situação que a lei tributária entende como necessária para o
não pode ser a de limitar, além do necessário, o patrimônio dos contri-
surgimento da obrigação de pagamento do tributo. No caso, apesar de a
buintes. Se isso acontecer, estaremos diante do fenômeno do confisco,
renda ser decorrente de um ato ilícito (tráfico de drogas é crime e o jogo
o que é expressamente vedado pelo art. 150, inciso IV da Constituição
do bicho, contravenção penal), isso não interessa ao Direito Tributário.
Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Interessante mencionar que o Supremo
É o chamado princípio penunia non olet (o tributo não cheira). Isto é,
Tribunal Federal possui entendimento majoritário segundo o qual
independentemente da fonte, se houver o preenchimento da circuns-
eventual multa aplicada em decorrência do não pagamento do valor
tância legal (como no exemplo dado, auferir renda), haverá a incidência
principal do tributo, desde que não supere em 100% o seu valor, não
do respectivo tributo.
é considerado como caso de efeito confiscatório e sim de imposição
tributária proporcional. No Estado de São Paulo, aliás, a legislação
relativa ao Imposto sobre a Propriedade Veicular (IPVA) prevê multa de Por fim, o tributo é cobrado mediante atividade administrativa plena-
100% no valor do imposto principal, caso haja a inscrição do débito em mente vinculada, o que significa dizer que a autoridade tributária não pode
dívida ativa (uma espécie de cadastro administrativo que antecede o escolher se procede ou não à cobrança do tributo. Atividade administrativa
momento de cobrança judicial do tributo por parte do fisco). vinculada é, basicamente, a estrita observância da legislação e da legalidade,

107 108
não havendo margem de escolha por parte da autoridade. Esta age em prol Entendidos esses elementos preliminares, pode surgir a pergunta: de onde
do interesse público: afinal, a arrecadação de recursos por meio dos tributos surgem os tributos? Quais as fontes do Direito Tributário? Já comentamos
é essencial para a manutenção das atividades estatais. sobre a previsão legal (via de regra em lei ordinária) e já até sabemos que
O tributo, como já sabemos, decorre de uma atividade estatal, sobretudo existe um Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966). Mas será que é só isso
de uma previsão legal. Somente com isso, via de regra, é que são institu- que precisamos saber? Claro que não! Vamos aprofundar esse conhecimento!
ídos os tributos e determinadas as circunstâncias da vida real que sofrerão
As fontes do Direito Tributário podem ser subdivididas em: materiais
a incidência da norma e a da atividade do Estado para fins de arrecadação.
e formais. As fontes materiais nada mais são do que as riquezas em geral,
Com isso, deve-se saber que a norma tributária deve conter alguns elementos
isto é, os fatos da vida utilizados pelo legislador como veículos da incidência
tidos como obrigatórios. Trata-se da chamada regra matriz de incidência
tributária. O legislador faz uma opção pelos fatos que sofrerão a incidência
tributária, hipótese de incidência tributária (BALEEIRO; DERZI, 2018).
dos tributos. Por exemplo, a renda é tributada pelo Imposto sobre a Renda,
A regra matriz de incidência reúne os elementos que caracterizam o os bens, pelo IPVA, IPTU, ou os serviços pelo ISS, e assim por diante
tributo, que são aqueles que indicam quais as situações (fatos da vida) nas (CARNEIRO, 2019; SABBAG, 2018).
quais incidirá a norma definidora de tributo, resultando numa obrigação,
Já as fontes formais revelam de onde se originam os tributos sob um
numa prestação, na necessidade de pagamento do fisco (federal, estadual
ponto de vista legislativo. Quais são os instrumentos a partir dos quais os
ou municipal). A lei tributária é que trará essas situações, como a de auferir
tributos são previstos? São várias as fontes formais em Direito Tributário que
renda (incide o IR); de ser proprietário de um bem imóvel em área urbana
analisaremos a partir de agora.
(incide o IPTU); de ser proprietário de um veículo automotor (incide o
IPVA). Mas não basta a lei prever a situação específica na qual incide deter- A primeira e mais importante fonte formal é a Constituição Federal de
minado tributo, é preciso que ela apresente outros elementos, tais quais: 1988, uma vez que nela encontram-se os fundamentos principiológicos no
entorno das limitações constitucionais ao poder de tributar pelo Estado.
• A causa do tributo (renda, patrimônio, serviço).
Seguidamente, temos que, à luz do art. 150, inciso I, da CF/88, os entes
• Quem deverá pagar (identificação do contribuinte ou responsável).
federados não podem instituir ou majorar tributos sem lei que o estabeleça.
• Quanto deverá ser pago (alíquota e base de cálculo). Aqui fala-se na lei ordinária, o tipo mais comum, como já tivemos a oportu-
nidade de comentar. Todavia, a lei complementar (que é espécie legislativa
• Quando deverá ocorrer o pagamento (prazo).
adequada para matérias mais complexas) servirá para o estabelecimento
• Onde deverá ocorrer o pagamento (local, espaço geográfico) de normas gerais em matéria tributária, conforme art. 146 da CF/88. Tanto
(MACHADO SEGUNDO, 2019). é assim que o CTN (BRASIL, 1966) foi recepcionado pela CF/88 como lei
complementar. Eventualmente, também é possível a utilização de medidas
provisórias (cuja competência para edição é do presidente da República,
Exemplificando
para casos de relevância e urgência) para a instituição de tributos (como o
Suponha que você seja sócio em uma sociedade empresária que preste
Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o Imposto sobre Produtos
serviços de reformas residenciais. Como há prestação de serviços,
Industrializados, o Imposto sobre Operações Financeiras e o Imposto sobre
haverá a necessidade de pagamento do respectivo tributo, que, no caso,
Grandes Fortunas).
é o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de compe-
tência do município onde ocorrer a prestação efetiva. Assim, sobre o Além disso, também constitui fonte formal a Legislação Tributária, que,
preço do serviço (base de cálculo), incidirá determinada alíquota (%), segundo o art. 96 do Código Tributário Nacional (CTN), compreende as leis
por meio do qual se chegará ao valor em si do imposto. Caso ele não (ordinárias, complementares etc.), os tratados e as convenções internacionais
seja pago no prazo determinado pela respectiva lei, haverá, ainda, a em matéria tributária (que possuem status de norma legal), os decretos e as
imposição de uma multa. normas complementares (editados pelo chefe do Poder Executivo para o fiel
cumprimento da lei – ex.: regulamento do Imposto de Renda, do ICMS etc.).

109 110
Como fonte importante para o direito tributário, há também as chamadas Vale ressaltar que o Sistema Tributário Nacional está previsto, primeira-
normas complementares, discriminadas no art. 100 do CTN (BRASIL, 1966). mente, na CF/88, entre os arts. 145 e 162. Assim, são estabelecidas as compe-
São as seguintes: tências tributárias dos vários entes políticos, eis que no federalismo brasileiro
há autonomia e independência relativas de tais entes, isso observando-se os
• Atos Normativos (complementar às leis, tratados e decretos, ex.:
parâmetros constitucionais fixados. Logo, a competência tributária é a titula-
Instruções Normativas, Resoluções do Ministério da Fazenda).
ridade indelegável que o ente possui para a matéria tributária (para a insti-
• Decisões administrativas (ex.: aquelas proferidas pelo Tribunal de tuição e majoração de tributos). Cada ente possui a sua própria esfera de
Impostos e Taxas – TIT –, de SP, quanto ao ICMS / no plano federal, competências. Não pode, por exemplo, o estado instituir ou disciplinar um
há o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF). tributo que seja da competência do município.
• Práticas reiteradas (praxe administrativa, ex.: contribuinte recolhe ISS
ao invés de ICMS, presumindo ser aquele o imposto devido – neste Assimile
caso, por ser uma conduta reiterada, não será instituído a ele conde- Não se pode confundir a competência tributária para a instituição e
nação em multa, somente incidindo encargos depois de notificado do majoração de tributos com a chamada capacidade tributária ativa, que
dever de pagar ICMS). se refere meramente à fiscalização e à arrecadação. Assim, determinado
ente poderá transferir apenas essa parcela, para fiscalização e arreca-
• Convênios (entre entes tributantes, por exemplo, no âmbito do
dação de tributo da sua competência. Por exemplo, é bastante comum
Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ –, quanto ao
que a União, que é competente para instituir e majorar o Imposto
estabelecimento da política de eventuais concessões de benefícios
Territorial Rural (ITR), celebre convênio com os municípios para que
fiscais, como a isenção, no caso do ICMS) (SCHOUERI, 2018).
estes fiscalizem a arrecadem o referido tributo. Note que o município
Agora que sabemos sobre as fontes, quais seriam os tributos de compe- não pode instituir, tampouco majorar o ITR. Poderá, simplesmente, se
tência de cada um dos entes federados (União, Estado, Distrito Federal e houver tal convênio com a União, receber os valores em seu nome.
Município)?
Inicialmente, precisamos compreender que tributo é gênero. Como tal, A União possui competência para instituir (BRASIL, 1988):
comporta algumas espécies. Assim, são espécies tributárias:
• Imposto de Importação (II).
• Impostos.
• Imposto de Exportação (IE).
• Taxas.
• Imposto sobre a Renda (IRPF e IRPJ).
• Contribuição de melhoria.
• Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
• Empréstimo compulsório.
• Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
• Contribuições especiais.
• Imposto Territorial Rural (ITR).
O Supremo Tribunal Federal (STF) – órgão máximo do Poder Judiciário
• Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF).
brasileiro – estabeleceu a classificação pentapartite ou quinquipartida das
espécies tributárias. Isso porque se considerou que o critério do art. 5º do • Impostos residuais.
CTN (BRASIL, 1966), que somente menciona imposto, taxa e contribuição
• Imposto extraordinário de guerra.
de melhoria como espécies, está superado. Afinal de contas, o CTN (Lei
nº 5.172/1966) é lei anterior à Constituição Federal de 1988, a qual consa- • Taxas.
grou outras espécies tributárias (empréstimo compulsório e contribuições
• Empréstimo compulsório.
especiais). Assim, tributo compreende as cinco espécies mencionadas.
• Contribuição de melhoria.

111 112
• Contribuições Especiais (Contribuição Patronal sobre a folha de Reflita
pagamento, CIDE, PIS/PASEP [Programa de Integração Social Nas últimas três décadas, desde o final do século XX, a globalização e
e de Formação do Patrimônio do Servidor Público], COFINS a maior conectividade dos mercados, aumentou consideravelmente
[Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social], os fluxos de capitais, ampliando a competição fiscal entre os países.
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido [CSLL], Contribuição de Os paraísos fiscais constituem, neste âmbito, uma forma veemente de
interesse das categorias profissionais ou econômicas). atração de capitais. Disso, criou-se um ambiente de todo propício para
a evasão fiscal ou, no mínimo, para um tipo de planejamento tributário
Aos estados e ao Distrito Federal compete (BRASIL, 1988):
bastante agressivo. Com o surgimento de crises econômicas generali-
• Imposto de transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e zadas, e diante do quadro crescente de evasão de recursos fiscais para
direitos (ITCMD). mantença e suprimentos dos países, diversas alternativas foram se
somando no sentido de evitar que os capitais se encaminhassem para
• Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
paraísos fiscais (locais de baixa ou nenhuma tributação ou burocracia). O
• Imposto sobre a circulação de mercadorias e sobre a prestação de quadro, no geral, é bastante complexo. Sobre isso, você já ouviu falar nos
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação chamados paraísos fiscais e as empresas offshore? No que consistem? É
(ICMS). possível utilizá-los do ponto de vista da legislação brasileira?
• Taxas.
As taxas são tributos vinculados a uma contraprestação do Estado, como
• Contribuição de melhoria.
por exemplo uma taxa ambiental e uma taxa de emissão de passaporte. Nesse
• Contribuição especial previdenciária dos seus servidores. caso, o interesse primordial da tributação não é o de arrecadar fundos para
os cofres públicos, mas sim o de custear determinado serviço que é colocado
Aos municípios e ao Distrito Federal compete (BRASIL, 1988):
à disposição dos cidadãos. Por isso, as taxas dependem da individualização
• Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). do serviço acessado pelo cidadão. No exemplo dado, a pessoa somente
pagará a taxa de emissão do passaporte se, efetivamente, optar por tal serviço
• Imposto de transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso,
(AMARO, 2017).
de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais
sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à A contribuição de melhoria tem lugar quando são realizadas obras pelo
sua aquisição (ITBI). poder público que resultem em valorização da propriedade imobiliária. Se
o município, por exemplo, fizer uma obra viária que importe em aumento
• Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
do valor de mercado de um imóvel situado às suas margens, poderá haver a
• Taxas. instituição da referida contribuição (SCHOUERI, 2018).
• Contribuição de melhoria. O empréstimo compulsório tanto pode ser para fins de custeio relacio-
nado a despesas extraordinárias, como nos casos de calamidade pública ou
• Contribuição especial previdenciária dos seus servidores.
guerra externa, quanto para suplantar a necessidade de investimento público
Os impostos possuem a precípua finalidade de arrecadação de recursos de caráter urgente, que seja de interesse nacional. Neste caso, somente a
para a manutenção das atividades estatais. A maioria dos tributos são União pode instituir tal tributo e, como se trata de um empréstimo, deverá
compostos por impostos e, como tal, servem basicamente para que o Estado ser posteriormente devolvido ao contribuinte, nas condições que a lei estabe-
tenha condições de manter a sua estrutura administrativa, bem como para lecer (COSTA, 2019).
que possa empreender as prestações de caráter social geral, tal como previsto
Por derradeiro, é importante conhecer as contribuições especiais.
na Constituição Federal de 1988. Então, por exemplo, o Estado, de um modo
Trata-se de um gênero que comporta uma série de espécies, isto é, contribui-
geral, utilizará o produto da arrecadação para pagar aos seus servidores, a
ções com fatos geradores e finalidades distintas, consoante as previsões legais
suas estruturas físicas, bem como para efeito de construir escolas, hospitais,
respectivas. Via de regra, tais contribuições são de competência da União
estradas, promover a segurança pública etc. (SCHOUERI, 2018).

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para fins de instituição. Servem para o custeio da Seguridade Social (saúde, A partir disso e do que foi estudado, você já tem condições de inter-
assistência social e previdência social), bem como forma de intervenção no pretar a legislação tributária e concluir que realmente haverá a incidência de
domínio econômico, por intermédio das chamadas CIDE’S (Contribuição diversos tributos no campo das atividades da empresa que o contratou.
de Intervenção no Domínio Econômico). Há, ainda, a Contribuição Patronal
sobre a folha de pagamento, a contribuição para o Programa de Integração Em primeiro lugar, você pode perceber que, como se trata de uma pessoa
Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP), a jurídica, organizada sob a forma de uma sociedade empresária e com o
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e a objetivo de lucro, de imediato poderá concluir que haverá a incidência do
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Os estados, o Distrito Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), de competência da União.
Federal e os municípios também poderão instituir contribuições sociais Ademais, ainda no campo da competência da União, haverá a incidência
(previdenciárias) que incidirão sobre a remuneração dos seus próprios servi- de contribuição patronal sobre a folha de pagamento, à medida que é provável
dores, para fins de custeio do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) que a empresa realize a admissão de empregados.
(CARNEIRO, 2019).
Também será o caso de incidência de outras contribuições especiais, a
Com isso, caro aluno, encerramos a primeira etapa dos nossos estudos
exemplo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a contri-
tributários. Já aprendemos bastante, não é mesmo? Mas precisamos conti-
buição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio
nuar e ainda há muito o que aprender!
do Servidor Público (PIS/Pasep) e a Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (Cofins).
Sem medo de errar
No plano estadual, a depender do que a empresa adquirir de insumos
(adubos, fertilizantes, plantas etc.) e instrumentos (cortadores, roçadeiras
Depois de tudo o que estudamos quanto ao direito tributário, seus
e outras máquinas) para empregar no âmbito dos serviços de jardinagem,
elementos introdutórios, os variados tributos e as respectivas competências
haverá a incidência, principalmente, do Imposto sobre Circulação de
de cada ente, é chegado o momento de nos dedicarmos a resolver a situação-
Mercadorias (ICMS).
-problema proposta.
Finalmente, no plano municipal, tendo em vista que a empresa possui
Você já deve ter percebido que existe uma multiplicidade de tributos no
como objeto social a prestação de serviços, você já deve ter se lembrado que
sistema tributário brasileiro. A maior parte desses tributos é composta por
há um imposto especificamente para essa situação, que é o Imposto sobre
impostos, sobretudo os de competência da União. Há também impostos
Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
dos estados e dos municípios. Além disso, há várias espécies de contribui-
ções, especialmente aquelas instituídas pela União, que são as que mais nos Com essa análise preliminar você identificou os principais tributos que
interessaram no momento. incidirão sobre as operações da empresa que o contratou, podendo até mesmo
ter uma ideia para efeito de prospectar alternativas lícitas de economia tribu-
Em relação à situação-problema em si, você foi contratado por uma
tária, no rigor da elisão fiscal. Neste sentido, como é interessante concluir o
empresa, que acabou de se estabelecer na cidade, e que tem como objeto
relatório com uma opinião acerca do regime de tributação mais adequado
social a prestação de serviços de jardinagem em domicílio.
para as operações da empresa, considerando que se trata de pequeno porte,
Da forma como lhe foi informado, trata-se de uma sociedade empresária certamente é mais indicado o enquadramento no Sistema Simples Nacional,
limitada, não havendo nenhum dado acerca da opção desta quanto à adesão que possui arrecadação facilitada, alíquotas mais favoráveis e redução na
a algum regime diferenciado de tributação. burocracia para efeito de cumprimento das obrigações tributárias acessórias.
Você foi contratado para elaborar um relatório pormenorizando dos Esse modelo de análise, que identifica as operações da empresa a partir
tributos que porventura incidiriam em virtude das operações sociais da das suas respectivas hipóteses de incidência tributária (os fatos empresariais
empresa em questão. e/ou negociais que a lei tributária considera como relevante para fins de
arrecadação e imposição de tributos) poderá ser utilizado por você em quais-
quer situações análogas. Conhecidas as hipóteses de incidência dos variados

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tributos, basta analisar o objeto ou os objetos sociais do contribuinte, que é,
no caso, uma pessoa jurídica, para se ter um caminho de transparência no
3. A União instituiu determinado tributo federal e conferiu a uma autarquia
as tarefas de fiscalização e arrecadação, devendo a referida entidade proceder
que se refere à gestão tributária. ao repasse do produto arrecadado para os cofres da União.
Tendo em vista a situação narrada, assinale a opção correta.
Faça valer a pena
a. A atitude da União não encontra amparo no ordenamento jurídico-
1. A competência tributária é importante mecanismo previsto na Consti- -tributário, sendo, portanto, ilegal.
tuição Federal que faz com o contribuinte saiba exatamente quais tributos
b. No caso, a autarquia poderá ficar com a totalidade do produto da
poderão ser instituídos ou majorados por cada um dos entes federados. Como
arrecadação, apesar da determinação da União, por se tratar de
sabido, um ente não poderá invadir o espaço de atuação do outro, sob pena de
delegação de competência.
flagrante inconstitucionalidade em razão da usurpação de competência.
c. Trata-se de caso de delegação da competência tributária da União.
Sobre os tributos que pertencem à competência tributária da União, assinale
a alternativa correta: d. Trata-se de delegação absoluta, tanto da competência, quanto da
fiscalização e arrecadação.
a. Contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de
interesse das categorias profissionais ou econômicas. e. Apenas a capacidade tributária ativa quanto à realização de atos de
fiscalização e arrecadação é delegável.
b. Contribuição de melhoria, com contraprestação de serviços.
c. Contribuição para o custeio do regime previdenciário próprio dos
servidores estaduais.
d. Contribuição de melhoria, no caso de investimento público de caráter
urgente e de relevante interesse nacional.
e. Contribuição de melhoria no caso de guerra externa e de calamidade
pública.

2. Determinado ente da federação instituiu tributo sobre a folha de salários


e rendimentos do trabalho, pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa
física que preste serviço a empregador privado, ainda que sem vínculo
empregatício, com o objetivo de financiar a seguridade social.
Assinale a opção que indica o ente da federação competente para a insti-
tuição do tributo descrito e a espécie do tributo em questão.
a. Estados-membros e o Distrito Federal. Contribuição previdenciária.
b. União. Contribuição social.
c. União. Imposto sobre a renda.
d. Todos os entes da federação. Contribuições sociais.
e. Distrito Federal. Taxa.

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Seção 2 Você, como consultor contratado, deverá elaborar um relatório e analisar
se a postura do Fisco (estadual e municipal) está correta. Diante da situação
narrada, estaria correta a atuação do Fisco estadual e municipal? Será que
Responsabilidade e obrigação tributária a responsabilidade tributária nesta hipótese possui tamanha extensão? Em
relação ao período no qual poderiam os tributos ser exigidos, existem regras
Diálogo aberto sobre esta circunstância, isto é, a cobrança tributária é eterna ou limitada?
Como proceder diante desses questionamentos?
Nesta seção continuaremos nossos estudos do Direito Tributário. A partir
de agora trataremos da responsabilidade tributária, dando ênfase a seus Os conhecimentos necessários para que você possa articular o relatório
aspectos essenciais e suas principais modalidades, bem como trataremos da demandado serão apresentados a seguir. Vamos lá!
chamada obrigação tributária e seu surgimento a partir da ocorrência do fato
gerador.
Não pode faltar
Com isso, será possível compreender como ocorre o surgimento da
obrigação de pagamento do tributo, assim como das obrigações acessórias Nesse primeiro momento estudaremos a responsabilidade tributária, isto
que acompanham tal fenômeno. é, sobre quem é identificado como sujeito passivo da relação jurídico-tribu-
tária, quem pratica efetivamente o fato gerador do tributo, assim como quem
Os temas possuem especial relevância, sobretudo para o cotidiano empre-
deverá suportar a obrigação do pagamento.
sarial, porque o nosso desafio é o de saber quando haverá ou não a responsa-
bilidade tributária diante da compra e venda de estabelecimento comercial. É A relação jurídico-tributária é o vínculo por meio do qual o Estado, o
justamente a partir daqui que iniciamos nossa reflexão. ente tributante, enquanto sujeito ativo, relaciona-se com o sujeito passivo,
mediante previsão legal, atribuindo-lhe determinada carga tributária. A
Suponha que você tenha sido contratado para elaborar um relatório
hipótese de incidência traz em si o fato material da vida que a lei tributária
com a finalidade de apurar a responsabilidade tributária numa determi-
optou por considerar suficiente e necessário para efeito do nascimento do
nada operação de compra e venda de estabelecimento comercial. A empresa
liame obrigacional. Assim é que se estabelece a estrutura basilar da relação
XYZ, do ramo de comercialização de produtos alimentares, inclusive com
jurídico-tributária para que o Estado esteja legitimado para a incidência
um restaurante anexo, vendeu seu estabelecimento para a empresa ABC,
tributária, avançando sobre o patrimônio e os bens dos sujeitos passivos (as
que passou a explorar a referida atividade econômica sob outra razão social.
pessoas, em geral).
Apesar da alienação, a empresa XYZ, apenas dois meses após o negócio,
voltou a explorar a mesma atividade econômica noutro ponto da cidade. Mas, o Código Tributário Nacional (CTN), no art. 121 (BRASIL, 1966),
estabelece uma distinção quanto ao sujeito passivo. Este será tanto o contri-
Cerca de 4 meses após a alienação do estabelecimento, a empresa ABC
buinte, que é aquele que efetivamente pratica o fato gerador do tributo (p.
foi notificada administrativamente pelo Estado K e pelo Município W acerca
ex., auferir renda para o IR, propriedade de veículo automotor para o IPVA e
da imposição de penalidade tributária devido à ausência de pagamento de
propriedade imobiliária para o IPTU), quanto o responsável, que poderá ser
ICMS e ISSQN, respectivamente.
um terceiro que a lei tributária escolheu para, em algumas situações, suportar
Segundo o Estado K e o Município W os tributos de suas competências o dever de pagamento do tributo (AMARO, 2017).
não foram recolhidos no prazo. Aliás, tais impostos possuem fatos geradores
Assim, o responsável tributário será aquele incumbido, por lei, ao
de cerca de 2 anos antes da data da alienação do estabelecimento comercial.
pagamento do tributo, sem que ele tenha, no entanto, alguma relação direta
Na notificação administrativa, tanto o Fisco estadual quanto municipal e pessoal com o fato gerador.
asseverou que a responsabilidade pelo pagamento de tais tributos é da
empresa ABC, visto que adquiriu o estabelecimento comercial, portanto,
deverá arcar com o passivo tributário que ficou para trás.

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Exemplificando obrigação principal e, depois, nos casos especificados em lei. No primeiro
Note, por exemplo, a situação em que uma criança figura como proprie-
exemplo, temos a situação na qual duas pessoas figuram como proprietárias
tária de um imóvel urbano. Para todos os efeitos, essa criança será
de um bem imóvel, sendo que ambas serão responsáveis pelo pagamento do
contribuinte do IPTU devido ao Município. No entanto, não é a criança
IPTU respectivo. O Fisco municipal pode exigir, por se tratar de responsabi-
que irá efetivamente pagar o valor do IPTU, mas sim o seu responsável
lidade solidária, a integralidade do montante devido tanto de um quanto de
legal (seu pai, sua mãe etc.).
outro, não havendo, inclusive, qualquer benefício de ordem (isto é, primeiro
cobraria de um e depois do outro). No exemplo dado, caso um realize
o pagamento, o outro se aproveitará. Igualmente, caso haja a instituição
Dessa maneira, fica bem fácil entender a diferença mencionada entre o de algum benefício fiscal (isenção, por exemplo), este exonerará a todos
contribuinte e o responsável. Importante lembrar que a responsabilidade tribu- os coobrigados, salvo se for benefício de caráter pessoal, hipótese em que
tária sempre decorre da lei, isto é, independe da vontade das partes, caso se subsistirá, em relação ao restante (ou os demais) a responsabilidade solidária
queira opor ao Fisco eventual acordo particular bilateral. Afinal, as convenções pelo saldo do valor do tributo.
particulares vinculam as partes, mas não podem ser opostas perante o Fisco,
Ademais, responsabilidade presumida, que surge no art. 134 do CTN
que seguirá, exclusivamente, os critérios legais (SCHOUERI, 2018).
(BRASIL, 1966), trata da circunstância segundo a qual a lei atribui a deter-
minadas pessoas a responsabilidade pelo pagamento de tributos. Então, de
Assimile acordo com a previsão legal, verifica-se que os pais são responsáveis pelos
O sujeito passivo da relação jurídico-tributária é o contribuinte ou o tributos devidos pelos filhos, como no exemplo dado quanto ao IPTU,
responsável. A depender da situação qualificada na lei tributária, um ou caso o filho menor seja proprietário. Da mesma forma, e na mesma lógica,
outro suportará o dever de pagamento do tributo, independentemente os tutores e os curadores são responsáveis pelos tributos devidos pelos
de ter praticado pessoalmente o fato gerador tutelados e curatelados. Ademais, os administradores serão responsáveis pelo
pagamento dos tributos que decorram dos bens porventura administrados.
Por fim, no caso da sucessão, o inventariante será responsável pelo recolhi-
Tema da mais alta relevância no campo da responsabilidade tributária é
mento dos tributos devidos pelo espólio (SCHOUERI, 2018).
quanto ao papel dos sócios de uma sociedade empresária.
Situação que merece total atenção no campo do direito tributário aplicado
Diversas são as hipóteses de responsabilidade, porém vamos nos centrar,
às atividades empresariais é a responsabilidade tributária decorrente de
inicialmente, nesse caso especial, previsto no art. 134, VII, do CTN (BRASIL,
operações societárias.
1966) e depois no art. 135, III, também do CTN (BRASIL, 1966). Trata-se,
inicialmente, de os sócios terem praticado ato não-doloso, caso em que eles Numa primeira hipótese, o art. 132 do CTN (BRASIL, 1966) diz que a
responderão subsidiariamente pela dívida da sociedade. Mais comum, no pessoa jurídica que porventura resultar de processos de fusão, transformação
entanto, é a hipótese de o sócio ser responsabilizado por obrigações tribu- ou incorporação, será responsável pelos tributos devidos até essa data. Por
tárias, quando praticar atos com violação de poderes, lei, contrato social isso é muito comum neste tipo de operação o conhecimento detalhado dos
ou estatuto. Quando o sócio-administrador pratica ato fraudulento, sua tributos que já constituem passivo das pessoas jurídicas que serão objeto de
responsabilidade tributária será pessoal e não solidária (junto com a pessoa tais atos (fusão, transformação ou incorporação), pois isso interferirá direta-
jurídica) ou subsidiária (depois de se avançar sobre o patrimônio da pessoa mente até mesmo nos custos do negócio (BALEEIRO; DERZI, 2018).
jurídica). Neste caso, portanto, o sócio que extrapolou os poderes foi além
Além disso, caso uma pessoa jurídica seja extinta e algum dos sócios
do que poderia, responderá pessoalmente pelas obrigações tributárias decor-
desta continue, sob outra razão social, isto é, mediante a constituição de nova
rentes do seu ato.
empresa, a praticar a mesma atividade econômica, também será responsável
O tema dos coobrigados (duas ou mais pessoas obrigadas ao adimple- pelas dívidas tributárias da antiga empresa. Então, o fato de extinguir-se uma
mento tributário) diz respeito à solidariedade. A matéria está prevista nos pessoa jurídica não faz com que os tributos devidos desapareçam, sobretudo
artigos 124 e 125 do CTN (BRASIL, 1966). Primeiro, ocorre quando mais quando o sócio da pessoa extinta continua na mesma atividade econômica
de uma pessoa tenha interesse na situação que constitua o fato gerador da a partir de uma nova empresa, em tese, sem dívidas. Esta responsabilização,

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aliás, encontra-se prevista no parágrafo único do art. 132 do CTN (BRASIL, Dando sequência aos nossos estudos, vamos tratar, a partir de agora, do
1966). nascimento da obrigação tributária.
Por fim, a responsabilidade que decorre da operação de venda de um
É no campo da incidência tributária que ocorrerá a formação da relação
estabelecimento comercial é muito importante ser conhecida, sobremodo no
jurídica, de modo que, com isso, é preciso adentrar na seara de estudo da
meio empresarial onde este tipo de negócio é frequente (SCHOUERI, 2018).
obrigação tributária e do crédito tributário. Isso se dá porque, com a prática
De acordo com o disposto no art. 133 do CTN (BRASIL, 1966), a pessoa, do fato gerador, aciona-se a hipótese de incidência prevista abstratamente
seja ela jurídica ou natural, que adquirir de outro estabelecimento comer- na lei, fazendo com que nasça aí, posteriormente, a obrigação tributária.
cial, industrial ou profissional, e continuar sob mesma ou outra razão Neste contexto, quando se pratica determinado fato gerador, a lei tributária
social a respectiva atividade econômica, responderá pelos tributos devidos incide nessa situação, tornando o sujeito-ativo (Estado, ente tributante)
pelo estabelecimento até a data do negócio. Porém, o CTN (BRASIL, 1966) autorizado a deflagrar os procedimentos administrativos de cobrança e, de
estabelece algumas situações diferentes quanto a esta responsabilidade. outro lado, o dever de o sujeito-passivo de pagar o tributo (MACHADO
Primeiramente, o adquirente do estabelecimento responderá integral- SEGUNDO, 2019).
mente pela dívida tributária caso o alienante cesse a exploração da atividade
A obrigação tributária nasce com a prática do fato gerador. Quando um
(COSTA, 2019).
sujeito aufere renda (por exemplo), nasce para ele a obrigação de pagar o
Imposto de Renda para a União. Assim, a obrigação tributária, na ótica da
Exemplificando relação jurídico-tributária, é tanto o dever de pagamento pelo sujeito passivo,
A empresa A, do ramo de venda de automóveis, vendeu estabeleci- quanto a obrigação de o sujeito ativo exigi-lo. A obrigação tributária é aquela
mento comercial (loja de veículos) para a empresa B, que assumiu tal principal (o tributo em si) e acessória (os chamados deveres instrumentais).
atividade econômica. Havia tributos devidos em função da atividade Por exemplo, no Imposto de Renda é preciso enviar a declaração anual, bem
realizada no estabelecimento comercial alienado. Como a Empresa A como, se for o caso, pagar o imposto respectivo.
não mais explora referido campo de comércio, interrompendo suas
Caso haja descumprimento da obrigação acessória, o sujeito receberá
atividades, segundo o art. 133, I, do CTN (BRASIL, 1966), a empresa B
uma penalidade, ou seja, uma multa. O valor dessa multa será acrescido
(adquirente) responderá pela integralidade dos tributos devidos até a
ao montante principal do tributo (CARNEIRO, 2019). Dessa maneira,
data do negócio.
o descumprimento de uma obrigação acessória, vez que resultante na
imposição de penalidade pecuniária, faz com que se torne tudo obrigação
Outra situação decorrente da alienação de estabelecimento comercial é principal. Logo, se não houve a entrega de uma declaração, ou algum fazer
a responsabilidade subsidiária. Neste caso, conforme o art. 133, II, do CTN ou não fazer que a lei tributária tenha exigido como obrigação acessória
(BRASIL, 1966), o adquirente responderá de maneira subsidiária com o para aquele determinado caso, uma vez imposta a penalidade, o valor desta
alienante, caso esta prossiga na exploração da mesma atividade econômica converte-se em obrigação principal, isto é, o contribuinte ou responsável
ou na hipótese de o alienante iniciar dentro de 6 (seis) meses, contados da deverá pagar a integralidade do tributo devido, o qual, neste caso, será tanto
data da alienação, “nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, o valor principal quanto aquele decorrente da penalidade.
indústria ou profissão” (BRASIL, 1966, [s.p]).
Lembre-se que tributo não é sanção por ato ilícito, e o que estamos
dizendo é que apenas o valor de eventual multa será acrescido ao dever de
Exemplificando pagamento do montante principal. A multa poderá ser: moratória (demora
Se a empresa A vende estabelecimento comercial para a empresa B, no adimplemento do tributo), no máximo de 20%; ou punitiva (prática de
continuando o mesmo ramo de atividade noutro lugar, em caso de atos fraudulentos), no máximo de 100% do valor do tributo, segundo enten-
dívida tributária a empresa A responderá primeiro e, só depois, respon- dimento majoritário do Supremo Tribunal Federal.
derá a empresa B.
Depois de originada a obrigação tributária a partir da prática do fato
gerador, o tributo será cobrado pela constituição do chamado “crédito

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tributário”, que nada mais é do que o direito subjetivo do Fisco, do ente tribu- Sem medo de errar
tante, de cobrar o valor a partir da individualização respectiva, com a identi-
ficação do montante, o tributo referido e o momento do pagamento. O insti- Olá, aluno!
tuto do lançamento tributário e, assim, da constituição do crédito tributário
será estudado posteriormente. Percorremos um interessante caminho no campo da aplicação prática
do direito tributário, sobretudo relacionado às questões da responsabilidade
É, sobretudo, por meio da arrecadação tributária que o Estado poderá
tributária.
amealhar recursos tanto para o custeio da máquina administrativa, quanto
para a consecução das finalidades sociais previstas na Constituição Federal. Foi justamente neste campo que foi proposta a situação-problema para
suscitar a sua capacidade de resolução crítica a partir dos conteúdos traba-
Por essa razão, o crédito tributário precisa se revestir de proteções
lhados na seção.
especiais, de modo a garantir que o Estado não fique sem recebê-lo. É o caso
das chamadas garantias e privilégios do crédito tributário, previstas a partir Neste sentido, você deve se lembrar que foi contratado para elaborar
do art. 183 do CTN (BRASIL, 1966). um relatório com a finalidade de apurar a responsabilidade tributária numa
determinada operação de compra e venda de estabelecimento comercial.
As garantias servem para fins de melhor efetividade da execução fiscal,
que é a ação judicial por meio da qual o Fisco busca a satisfação do crédito. Já Segundo lhe foi informado, a empresa XYZ, que atua no ramo de comer-
os privilégios dizem respeito à posição do crédito tributário relativamente às cialização de produtos alimentares (dispondo de um restaurante para tanto),
execuções coletivas, como numa falência (SCHOUERI, 2018). vendeu seu estabelecimento para a empresa ABC, que, então, começou a
explorar a referida atividade, embora sob outra razão social.
Alguns casos de garantias e privilégios relacionados ao crédito tributário
precisam ser conhecidos. O primeiro aspecto é da responsabilidade patrimo- Dois meses após a conclusão do negócio, chegou ao seu conhecimento
nial, isto é, responderá pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos que a empresa XYZ voltou a explorar a mesma atividade, só que agora numa
bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, ressal- outra localidade, no mesmo Município.
vados aqueles bens considerados absolutamente impenhoráveis, tal como
Depois de passados 4 (quatro) meses do negócio, a empresa ABC (adqui-
descrito no art. 833 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).
rente do estabelecimento) foi notificada administrativamente pelo Estado K e
pelo Município W quanto à necessidade de pagamento, respectivamente, de
Reflita débitos de ICMS e ISSQN.
Seria possível penhorar valores de aposentadoria de determinada
De acordo com o Estado e com o Município, a responsabilidade tributária
pessoa para fins de cumprimento de obrigação tributária (quando o
pelo pagamento de tais impostos recai integralmente sobre a empresa adqui-
Judiciário, em processo, retira o bem da pessoa de maneira compul-
rente ABC, inclusive quanto à penalidade pecuniária aplicada.
sória, para satisfação de um crédito)?
Você apurou que os fatores geradores do ICMS e do ISSQN são de 2 (dois)
anos antes da conclusão da venda do estabelecimento comercial.
Ademais, presume-se que há fraude à execução fiscal, quando o sujeito
passivo dilapida o seu patrimônio enquanto é devedor da Fazenda Pública, Assim, você já dispõe de todas as informações para responder ao questio-
situação essa caracterizada quando o crédito (não pago) é inscrito em Dívida namento da empresa que o contratou, para fins de apurar a eventual respon-
Ativa (nada mais do que um procedimento administrativo de inserção do sabilidade tributária da empresa ABC e, se for o caso, sua extensão. Afinal,
nome do contribuinte em cadastro de inadimplência). deve concluir se a postura do Estado e do Município está correta ou não.
Por fim, o crédito tributário terá preferência perante quaisquer outros, Em primeiro lugar, você deve se lembrar que esta questão está tratada no
ressalvados os trabalhistas. art. 133 do CTN (BRASIL, 1966), segundo o qual a responsabilidade tribu-
tária decorrente da aquisição de estabelecimento comercial será integral por
Com isso, chegamos ao final de mais uma seção. Aprendemos muito até
parte do adquirente, quando o alienante cessar completamente a exploração
aqui, mas o trabalho ainda não acabou! Vamos em frente!
da atividade econômica.

125 126
De outro lado, será subsidiária a responsabilidade do adquirente, isto é, só 2. A obrigação tributária pode ser subdividida em principal e acessória. De
responderá depois do alienante, caso este, depois do negócio, tenha prosseguido todo modo, a obrigação tributária é uma prestação que, portanto, envolve um
na exploração da respectiva atividade econômica ou tenha iniciado, dentro de dever de pagamento e, de acordo com a legislação, um dever de fazer ou não
seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ramo. fazer, por parte do contribuinte ou responsável tributário.
Como você já pode perceber, a empresa alienante XYZ voltou a explorar No tocante à obrigação tributária, assinale a alternativa correta:
o mesmo ramo de atividade (comercialização de alimentos com restaurante)
a. O descumprimento da obrigação acessória faz com que seja conver-
apenas 4 (quatro) meses após a conclusão do negócio.
tida em principal quanto à penalidade imposta.
Dessa maneira, você pode concluir no seu relatório que a responsabili-
b. A obrigação tributária surge com o lançamento do tributo e, assim,
dade da empresa adquirente, neste cenário, perante o Estado e o Município,
com a constituição do crédito tributário.
é meramente subsidiária. Assim, os fiscos estadual e municipal devem cobrar
os montantes do ICMS e ISSQN, respectivamente, primeiro da empresa c. A obrigação tributária, principal ou acessória, sempre terá conteúdo
XYZ, alienante, e não da empresa ABC. patrimonial imediato a ser cumprido pelo contribuinte ou respon-
sável.
Faça valer a pena d. A entrega da declaração anual para fins de apuração do Imposto sobre
a Renda é considerada obrigação principal deste imposto federal.
1. Uma criança com apenas 5 anos de idade recebe, como doação, um
e. O descumprimento da obrigação acessória não importa em conversão
imóvel, figurando, portanto, como proprietária. No ano seguinte à doação,
dessa em obrigação principal, vez que são obrigações que não se
o Fisco municipal notificou a criança com a finalidade de que se procedesse
confundem.
ao pagamento do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), por meio do
envio do carnê de cobrança ao seu endereço. Os pais da criança, depois de
terem recebido o carnê do município, decidiram não pagar o IPTU, ainda
3. A pessoa jurídica GGG é devedora da Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL), bem como da respectiva multa e juros moratórios. Dois
que dispusessem de recursos para tanto.
anos depois do correlato fato gerador e da definitiva constituição do crédito
Considerando a impossibilidade de uma criança de 5 anos cumprir com a tributário, a pessoa jurídica GGG foi incorporada pela pessoa jurídica PPP.
respectiva obrigação tributária, assinale a alternativa correta:
No que se refere ao crédito tributário constituído contra a pessoa jurídica
a. Os pais da criança agiram corretamente quanto ao não pagamento GGG, assinale a alternativa correta quanto à responsabilidade tributária da
do IPTU. pessoa jurídica PPP:
b. O Fisco deverá aguardar que a criança atinja a maioridade, aos 18 a. A incorporadora PPP não é responsável por nenhuma obrigação
anos, para executar a dívida. tributária para a qual não haja praticado o respectivo fato gerador.
c. Os pais da criança respondem pelo pagamento do IPTU, à medida b. A incorporadora PPP é integralmente responsável pelo pagamento da
que são responsáveis tributários enquanto terceiros. CSLL, da multa e dos juros moratórios.
d. O Fisco municipal deverá cobrar os pais da criança, pois estes são os c. A incorporadora PPP é responsável apenas pelo pagamento da multa,
contribuintes do IPTU. mas não do tributo principal.
e. O Fisco nada poderá fazer até que a criança atinja, ao menos, os 16 d. A incorporadora PPP é obrigada apenas ao pagamento da CSLL, mas
anos de idade. não da multa ou dos juros moratórios.
e. O negócio O negócio não poderia ter acontecido sem que a incorpo-
rada GGG quitasse suas dívidas perante o Fisco.

127 128
Seção 3 O que você faria constar no seu parecer para indicar o caminho mais
célere para resolver essa situação?
Crédito tributário e sistema tributário diferenciado O necessário para que você aprenda a responder a estas indagações será
apresentado a seguir.
Diálogo aberto Vamos lá!
Olá, aluno!
Não pode faltar
Na presente seção estudaremos a constituição do crédito tributário pelo
lançamento, seguindo para as respectivas causas de suspensão, extinção e
De início, precisamos revisitar a ideia de crédito tributário e sua consti-
exclusão do crédito tributário. Apresentaremos importantes conceitos no
tuição pelo lançamento. De acordo com o art. 142 do CTN (BRASIL, 1966,
contexto desses institutos, assim como comentaremos sobre algumas ações
[s.p.]) o lançamento tributário é “o procedimento administrativo tendente a
judiciais que devem ser conhecidas, sobretudo a utilidade que possuem
verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, deter-
quanto à defesa do sujeito passivo diante da relação jurídico-tributária.
minar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar
Por fim, falaremos sobre o Sistema Simples Nacional e também sobre a o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Microempresa (ME) e a Empresa de Pequeno Porte (EPP), as quais, além da
Trata-se de ato privativo da autoridade administrativa, porquanto
figura do Microempreendedor Individual (MEI), atendidas as qualificações
importa na criação de obrigatoriedade de o sujeito passivo realizar o
da Lei Complementar nº 123/2006, poderão optar por um regime simplifi-
pagamento do tributo devido. O lançamento possui algumas espécies, que
cado de arrecadação de alguns tributos federais, estaduais e municipais.
variarão conforme o contribuinte participe mais ou menos desse procedi-
Nesse sentido, suponha que você tenha sido contratado como consultor mento (SCHOUERI, 2018). É o que veremos a partir de agora.
de uma sociedade empresária optante pelo Simples Nacional, como empresa
O lançamento de ofício é aquele que parte exclusivamente da autori-
de pequeno porte. Essa sociedade empresária está passando por muitas
dade administrativa, não havendo qualquer participação do contribuinte na
dificuldades financeiras e há um grande passivo tributário perante a União,
apuração do tributo devido. O melhor exemplo é o caso do IPTU, no qual o
relativamente a fatos geradores de tributos de cerca de um ano antes de a
município realiza o cálculo do imposto com base no valor venal do imóvel
empresa ter feito a opção pelo Simples Nacional.
e simplesmente envia o carnê para o contribuinte pagá-lo. Importante dizer
A empresa precisará participar de uma licitação pública perante deter- que o lançamento de ofício possui um caráter substitutivo em relação aos
minado município. Ocorre que, para que isso seja possível, é necessário demais, isto é, sempre que o contribuinte lançar alguma informação de forma
apresentar Certidão Negativa de Débitos Tributários ou uma Certidão incorreta, o Fisco realizará de ofício, prestigiando a forma correta.
Positiva com efeito de Negativa. A empresa possui um terreno desocupado
Lançamento por declaração é quando há participação do contribuinte
situado no centro da cidade onde fica a sua sede e decide que irá vendê-lo
ou de terceiro. É com base nas declarações enviadas que o Fisco calculará
para efeito de pagamento da dívida perante a União. Inclusive já há um
o tributo devido. Por fim, no lançamento por homologação, há grande
comprador interessado e disposto a realizar o respectivo pagamento à vista.
participação do contribuinte, que é a forma mais comum (ex. IPI, ICMS,
Entretanto, há uma divergência quanto ao valor do tributo, pois parece ITCMD etc.). O contribuinte apura o valor, envia para o Fisco e já realiza
que a União está cobrando mais do que o necessário para aquele fato gerador. o pagamento. Após, o Fisco irá homologar (validar) ou não aquilo que o
contribuinte enviou e pagou (SABBAG, 2018).
Diante dessa situação, você, na qualidade de consultor, foi contratado
para elaborar um parecer para efeito de instruir os sócios da empresa sobre A homologação pode ser tácita ou expressa. A expressa será quando o
a melhor forma de agir, lembrando que há certa urgência na resolução da Fisco se manifestar de modo inequívoco, validando as informações e o
questão. Afinal, a sociedade passa por um mal momento financeiro e é pagamento feito pelo contribuinte. Já a manifestação tácita ocorrerá pelo
imprescindível que ela consiga participar daquele procedimento licitatório.

129 130
decurso de 5 (cinco) anos, no qual o Fisco não tenha se manifestado. Somente I - moratória;
após esse prazo é que se considera feita a homologação. II - o depósito do seu montante integral;
É preciso que se diga que a relação jurídico-tributária não é eterna. III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis
Realizado o fato gerador pelo contribuinte, o Fisco terá um determinado prazo reguladoras do processo tributário administrativo;
para que se constitua o crédito tributário por meio do lançamento. Depois IV - a concessão de medida liminar em mandado de
de vislumbrado o fato gerador e a obrigação tributária, o Fisco terá o prazo segurança.
decadencial de 5 (cinco) anos para constituir o crédito tributário. Para cada V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada,
tipo de lançamento o prazo é contado de maneira diferente (COSTA, 2019). em outras espécies de ação judicial;               
VI – o parcelamento.               
No lançamento de ofício, são 5 (cinco) anos contados a partir do primeiro
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o
dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido
cumprimento das obrigações assessórios dependentes
efetuado.
da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela
No lançamento por declaração, 5 (cinco) anos a partir do envio da decla- consequentes.
ração pelo contribuinte ou terceiro. No lançamento por homologação, o
prazo também será de 5 (cinco) anos a partir da ocorrência do fato gerador.
A moratória é algo muito parecido com o parcelamento, pois é também
A prescrição é o outro instituto, ao lado da decadência, que torna a uma espécie de dilação, alargamento, de prazo para pagamento de tributo
relação jurídico-tributária limitada, quanto à sua exequibilidade, isto é, atrasado (vencido). Para tanto, é preciso previsão legal pelo Ente competente,
limitada no tempo. Quando da constituição do crédito tributário, se não na qual conste a forma de tal dilação (número de meses, juros, exigência ou
houver pagamento ou impugnação ou, em havendo impugnação e tenha não de garantias). A adesão do contribuinte em tal parcelamento importa
sido concluído eventual processo administrativo fiscal, esgotado o prazo para em confissão de dívida. Durante o parcelamento (ou moratória) ou Fisco
pagamento, começa a fluir o prazo prescricional de 5 anos para a Fazenda não poderá cobrar (exigir) o tributo. No segundo caso, se o contribuinte
Pública propor a execução fiscal. Tais prazos existem para que a relação não concordar com determinado lançamento, pode ingressar com uma ação
jurídico-tributária não seja eterna, o que geraria insegurança jurídica dos judicial (uma anulatória, por exemplo). Mas isso não garante que o Fisco não
sujeitos passivos (AMARO, 2017; SCHOUERI, 2018). poderá cobrá-lo ainda assim. Logo, ele tem a possibilidade de depositar em
juízo o montante integral que está representado no crédito, suspendendo,
Tanto os institutos da decadência e da prescrição figuram como impor-
assim, a exigibilidade pelo Fisco (BALEEIRO; DERZI, 2018).
tantes mecanismos de controle do poder estatal em matéria tributária; inclu-
sive são modalidades de extinção do crédito tributário, tal como consta no Quanto às reclamações e recursos administrativos, temos o seguinte:
art. 156, V, do CTN (BRASIL, 1966). quando o contribuinte recebe a notificação de lançamento do tributo ou de
auto de infração, ele poderá impugnar na esfera administrativa. Cada Ente
A partir de agora, precisamos estudar como tal crédito, a princípio
tributante pode estabelecer um prazo para tal impugnação, por meio de lei,
exigível, poderá ter sua exigibilidade suspensa. Isto é, muito embora consti-
mas via de regra, o prazo é de 30 dias a contar do recebimento da notifi-
tuído não poderá ser cobrado pelo Fisco. Uma vez constituído o crédito, o
cação. Quando apresentada a impugnação, instaura-se o processo adminis-
contribuinte pode não concordar com o lançamento efetuado numa dada
trativo e a exigibilidade fica suspensa até o término do mesmo, de modo que,
situação.
nesse período, o Fisco não poderá cobrar o respectivo tributo. Em primeira
Outra possibilidade é quando o contribuinte se encontra inadimplente instância, o processo é julgado por uma delegacia de julgamento composta
perante o Fisco e deseja buscar um parcelamento para regularizar tal estado. por pessoas ligadas à Administração Pública. Em segunda instância, por um
Assim, surgem as hipóteses de suspensão do crédito tributário, previstas no Tribunal Administrativo.
art. 151 do CTN (BRASIL, 1966), que estudaremos a partir de agora.
No plano Federal, este Tribunal é o CARF (Conselho Administrativo
Segundo o art. 151 do CTN (BRASIL, 1966, [s.p.]), suspendem a exigibi- de Recursos Fiscais). Nos Estados, variará conforme a lei, assim como nos
lidade do crédito tributário: municípios. No Estado de São Paulo, por exemplo, é o TIT (Tribunal de

131 132
Impostos e Taxas). Se o contribuinte vencer o processo administrativo, tem-se I - o pagamento;
a chamada coisa julgada (não pode mais discutir nem na esfera judicial). Mas II - a compensação;
se a decisão for contrária, o contribuinte pode rediscutir integralmente no III - a transação;
Judiciário, por meio da competente ação judicial (SABBAG, 2018). IV - remissão;
As hipóteses de concessão de medida liminar em Mandado de Segurança V - a prescrição e a decadência;
e de concessão de liminar ou tutela antecipada (tutela provisória de urgência VI - a conversão de depósito em renda;
em caráter antecipado, no novo Código de Processo Civil) em outras espécies VII - o pagamento antecipado e a homologação do lança-
de ação judicial, seguem, basicamente, a mesma lógica. No Direito Tributário, mento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º
importam as liminares concedidas em Mandado de Segurança e em ações e 4º;
Declaratórias e Anulatórias. Como regra geral, os requisitos da liminar são o VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto
fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro é o fato de o direito ser no § 2º do artigo 164;
plausível, o segundo é a demonstração de urgência da medida (AMARO, 2017). IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida
a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa
ser objeto de ação anulatória;
Exemplificando
X - a decisão judicial passada em julgado.
A empresa necessita participar de uma licitação e deve demonstrar
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e
regularidade fiscal, mas houve lançamento equivocado pelo Fisco (se for
condições estabelecidas em lei. [...]
plausível a alegação e dada a urgência, poderá ser caso de cabimento
da liminar).
Vimos que diante da relação jurídico-tributária estabelecida entre o Ente
tributante e o contribuinte, o caminho natural é o adimplemento do tributo.
Quanto ao parcelamento, vale o mesmo que já falamos sobre a moratória.
Esse tema adentra no campo das causas de extinção do crédito tributário,
Durante o pagamento parcelado, no prazo, a exigibilidade está suspensa e o
que fazem com que, naturalmente, a relação jurídico-tributária perca o seu
Fisco não poderá cobrar o tributo.
objeto central, que é a própria cobrança do tributo. Essa cobrança pode estar
suspensa, nas situações que já vislumbramos, mas não é automático que essa
Dica suspensão resulte em extinção. Há outras possibilidades e nuances, tal como
Nos atos da vida civil e empresarial, como uma compra e venda de previstas no art. 156 do CTN (BRASIL, 1966), as quais importam no desapa-
imóvel, participação em licitações, arquivamento de alterações de recimento da própria obrigação tributária, que passaremos a estudar a partir
contrato social na Junta Comercial, os contribuintes precisam apresentar de agora (COSTA, 2019).
certidão de regularidade fiscal. A primeira hipótese é a Certidão
O pagamento é a forma natural de extinção do crédito tributário, pois é,
Negativa de Débitos Tributários, que é expedida pelo Ente Tributante
em princípio, o dever básico do contribuinte, diante do lançamento ou do
relativamente aos tributos de sua competência, quando o contribuinte
auto de infração, desde que corretamente constituídos, segundo os parâme-
não apresentar qualquer tipo de débito fiscal. Mas, caso o contribuinte
tros legais. A compensação é quando os sujeitos ativo e passivo da relação
tenha conseguido a suspensão da exigibilidade do crédito tributário,
tributária são, ao mesmo tempo, credores e devedores uns dos outros. A
esta também é uma forma de obtenção de uma outra certidão. Esta é a
compensação só é possível no Direito Tributário caso exista lei prevendo
chamada Certidão Positiva com Efeito de Negativa, prevista no art. 206
tal hipótese, e só cabe relativamente ao mesmo Ente Tributante (não posso
do CTN (BRASIL, 1966). Embora existam débitos tributários, o Fisco não
compensar um crédito de ICMS em relação ao IPI, por exemplo). A transação
as poderá cobrar (exigir); daí o cabimento da referida certidão.
é um acordo celebrado entre as partes da relação jurídico-tributária, para fins
de extinção da obrigação tributária. Também, só é possível quando houver
A partir de agora, estudaremos as causas de extinção do crédito tribu- previsão legal (SCHOUERI, 2018).
tário, previstas no art. 156 do CTN (BRASIL, 1966). De acordo com o art. 156
do CTN (BRASIL, 1966, [s.p.]), extinguem o crédito tributário:

133 134
A remissão é o perdão do crédito tributário que o Fisco concede ao contri- contribuinte dê um bem imóvel para servir de pagamento. Por exemplo, se
buinte. É o perdão do tributo em si e não da multa (cujo caso será estudado houver tal lei em um município, é possível que o contribuinte entregue seu
mais adiante). É preciso lei que autorize a remissão, sem a qual é impossível imóvel para pagar eventual dívida de IPTU.
a utilização do instituto. A prescrição, para o Fisco, surge com o decurso do
prazo de 5 anos a contar da constituição definitiva do crédito tributário para
Dica
a cobrança judicial respectiva (Execução Fiscal). Para o contribuinte, por
A extinção do crédito tributário faz com que o sujeito passivo da relação
exemplo, na restituição do indébito o prazo também é de 5 anos, contados na
jurídico-tributária tenha direito à emissão de uma Certidão Negativa
forma do art. 165 do CTN (ex. pagou tributo a mais). A decadência para o
de Débitos Fiscais, na forma do art. 205 do CTN (BRASIL, 1966). Esta
Fisco é quanto ao prazo para o lançamento. Para o contribuinte, a decadência
certidão será sempre expedida e deverá ser fornecida no prazo máximo
tem a ver com o prazo que ele dispõe para pleitear, na esfera administra-
de 10 (dez) dias contados do requerimento.
tiva, a restituição de valor pago a maior ou de forma indevida (no geral 30
dias). A conversão do depósito em renda, lembra a causa de suspensão vista
anteriormente. Se o contribuinte perder a ação, o valor depositado servirá Falaremos, agora, das chamadas causas de exclusão do crédito tributário,
para quitação do tributo (CARNEIRO, 2019). previstas no art. 175 do CTN (BRASIL, 1966).
O pagamento antecipado e a homologação dizem respeito aos tributos As causas de exclusão do crédito tributário impedem que o tributo seja
sujeitos a lançamento por homologação, como já visto, em que há grande efetivamente constituído. Logo, atuam antes mesmo do lançamento. Há o
participação do contribuinte na constituição do crédito tributário. O contri- fato gerador, há o nascimento da obrigação tributária, mas a lei, naquele caso,
buinte apura o devido, preenche a guia de recolhimento e paga o tributo. impede a constituição do crédito. São duas as hipóteses de exclusão: a isenção
O fisco poderá homologar posteriormente. Caso o faça, há aí a extinção do e a anistia (SCHOUERI, 2018).
crédito tributário, na hipótese tratada. A consignação em pagamento se trata
Isenção nada mais é do que a dispensa legal do pagamento do tributo
de ação judicial na qual o contribuinte deposita em juízo o valor do tributo
concedida pelo Ente Tributante. Vale lembrar que somente o Ente compe-
devido, quando o Fisco se recusa a recebê-lo ou quando o contribuinte tem
tente poderá deliberar, por meio de lei, a concessão de isenção para o respec-
dúvida para qual Ente Tributante deverá efetuar o pagamento. Decidida a
tivo tributo. Já a Anistia, nada mais é do que o perdão relativamente à penali-
questão, o depósito feito em consignação será convertido em renda, extin-
dade pecuniária incidente sobre o tributo. Uma multa, por exemplo.
guindo-se o crédito tributário respectivo (MACHADO SEGUNDO, 2019).
Vale lembrar que a anistia não se confunde com a remissão. A remissão
é perdão do tributo em si que extingue o crédito tributário. Já a anistia recai
Exemplificando
somente na penalidade, de modo que caso haja anistia também pode ser o
Dois (2) municípios cobram IPTU de um imóvel que se encontra em
caso de ainda subsistir o dever de pagamento do tributo – exclui-se apenas
ambos os territórios? Na dúvida, consignação em pagamento para
as penalidades porventura impostas. Tanto na isenção quanto na anistia, o
decidir para quem é devido o IPTU.
contribuinte ainda terá que cumprir com as obrigações tributárias acessórias.
Por exemplo, embora isento ou anistiado, ainda deverá apresentar declara-
Também extinguem o crédito tributário a decisão administrativa irrefor- ções, documentos acessórios etc.
mável e a sentença judicial que haja transitado em julgado. Como já vimos,
Um último comentário precisa ser feito quanto a algumas ações judiciais
o contribuinte diante da notificação do lançamento poderá questioná-lo na
que são tipicamente utilizadas no âmbito tributário, de modo que é impor-
esfera administrativa do Ente tributante. Caso ele vença, há coisa julgada
tante que você saiba um pouco sobre elas e para o que servem, à medida que,
administrativa, extinguindo-se o crédito tributário.
por meio delas, também é possível, conforme o caso, a obtenção da Certidão
Da mesma forma, caso ele perca ou ajuíze diretamente com uma ação Negativa ou da Certidão Positiva com efeito de Negativa, já comentadas. São
judicial, caso ele saia vencedor e ocorra o trânsito em julgado, haverá, igual- três as principais: ação declaratória; ação anulatória; e mandado de segurança.
mente, a extinção do crédito tributário. Por fim, a dação em pagamento No geral, é por meio dessas ações que serão discutidas, no âmbito judicial, as
em bens imóveis é quando a lei editada pelo Ente tributante autoriza que o

135 136
questões da incidência tributária, como o cabimento e a extensão do tributo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, mediante um
em si e das penalidades aplicadas, por exemplo (SCHOUERI, 2018). regime único de arrecadação, inclusive para as obrigações tributárias acessó-
Essas são as ações mais importantes e recorrentes no Direito Tributário. As rias (BRASIIL, 2006).
ações Declaratória e Anulatória seguem o rito comum do Direito Processual Para que possamos conhecer melhor o Simples Nacional é preciso que
Civil Brasileiro, isto é, são mais extensas, complexas e marcadas por uma saibamos, antes de tudo, no que consiste uma ME e uma EPP. De acordo com
ampla possibilidade probatória (podem ser apresentados documentos, laudos o art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006 (BRASIL, 2006), microempresas
técnicos periciais, prova testemunhal etc.). A Ação Declaratória serve justa- ou empresas de pequeno porte podem ser a sociedade empresária, a socie-
mente para a declaração da existência ou da inexistência de relação jurídico- dade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e
-tributária, isto é, para dizer que, num caso, não houve incidência de deter- o empresário descrito no art. 966 do CC/02 (BRASIL, 2002).
minado tributo, conforme o Fisco supôs inicialmente. Tal ação é manejada,
geralmente, antes do lançamento tributário, ou seja, antes de constituído o
Reflita
crédito tributário (COSTA, 2019; MACHADO SEGUNDO, 2019).
Seriam todas as atividades passíveis de serem enquadradas como ME
A Ação Anulatória, por sua vez, ocorre a partir do lançamento, pois tem ou EPP, para fins de adesão ao Sistema Simples Nacional? Há algum
o condão de anulá-lo em virtude da ocorrência de algum vício, como no ramo ou atividade econômica ainda não contemplada pela Lei Comple-
exemplo de uma pessoa que recebe auto de infração por ocultamento de bens mentar nº 123/2006?
– se a pessoa demonstrar que não houve tal ocultamento, mas sim, um erro
do Fisco, o lançamento será anulado (SCHOUERI, 2018).
Os conceitos de microempresa e empresa de pequeno porte têm a ver
Por fim, o Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/09) é uma ação consti- com o respectivo porte, isto é, a lei estabelecer um critério de aferição quanto
tucional que tutela o direito líquido e certo, que corre por rito especial e ao enquadramento de uma pessoa jurídica nesta ou naquela categoria. O
depende de prova pré-constituída (sem dilação probatória; geralmente critério utilizado, o porte, como mencionado, é aferido com base na receita
apresentam-se apenas documentos a partir dos quais o juiz poderá perceber, bruta anual.
imediatamente, a presença do direito reclamado). O Mandado de Segurança
Para que uma empresa, por exemplo, seja qualificada como microempresa
pode ser usado como sucedâneo tanto de uma Ação Anulatória, quanto de
ou como empresa de pequeno porte, a receita bruta anual deve equivaler à
uma Ação Declaratória, desde que impetrado no prazo decadencial de 120
previsão constante da Lei Complementar nº 123/2006.
dias, a contar da ciência do ato coator que violou o direito líquido e certo. A
vantagem é que, caso o contribuinte perca, não pagará honorários de sucum-
bência (valores devidos ao advogado da parte contrária quando se perde uma Dica
disputa numa ação judicial em que não tenham sido deferidos os benefícios Conforme o §1º do art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006, receita
da gratuidade de justiça), como nos demais casos. bruta é “o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta
própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em
Agora, vamos falar sobre o Sistema Simples Nacional.
conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incon-
O Sistema Simples Nacional está disciplinado na Lei Complementar nº dicionais concedidos” (BRASIL, 2006, [s.p.]).
123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa
de Pequeno Porte. Trata-se da criação de um sistema tributário diferenciado
O Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições
e simplificado para empresas que se enquadrem como Microempresas (ME)
devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples
ou Empresa de Pequeno Porte (EPP). A referida lei trata de outros tantos
Nacional) está precisamente previsto no art. 12 da Lei Complementar nº
aspectos ligados às ME e EPP, no entanto, aqui vamos nos concentrar na
123/2006 (BRASIL, 2006). Trata-se de um recolhimento que é feito mensal-
parte tributária (NOVAIS, 2019; SABBAG, 2018).
mente, por intermédio de documento único de arrecadação, dos seguintes
O Simples Nacional diz respeito a um sistema tributário relativo à tributos: Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ); Imposto sobre
apuração e ao recolhimento de impostos e contribuições de competência Produtos Industrializados (IPI); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

137 138
(CSLL); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); Sem medo de errar
Contribuição para o PIS/Pasep; Contribuição Patronal Previdenciária (CPP);
Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Depois de tudo o que estudamos, complementando nossos esforços para
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de compreender a dinâmica da relação jurídico-tributária, você já deve estar
Comunicação (ICMS); e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). pensando nas possibilidades de resolução da situação-problema apresentada,
A opção pela inclusão no Simples deverá ser feita pela própria pessoa não é mesmo?
jurídica interessada e que esteja dentro das condições previstas na Lei
No caso, você havia sido contratado como consultor de uma sociedade
Complementar nº 123/2006, valendo ressaltar que, feita a opção, esta será
empresária, a qual, segundo lhe foi informado, tratava-se de uma empresa de
irretratável durante todo o exercício fiscal. A Lei Complementar nº 123/2006
pequeno porte, optante pelo Simples Nacional.
(BRASIL, 2006) traz em seus Anexos as alíquotas que serão aplicadas às
ME e EPP que aderirem ao sistema simplificado de recolhimento dos Disso você já recorda, então, que o faturamento bruto anual dessa
tributos mencionados. empresa deverá estar entre os limites previstos na Lei Complementar nº
123/2006, cuja atualização é periódica. Além disso, como optante do Simples,
há o recolhimento simplificado de uma série de tributos federais, estaduais
Assimile
e municipais.
A Microempresa (ME) e a Empresa de Pequeno Porte (EPP) dizem
respeito ao tamanho da pessoa jurídica, considerando suas dimensões Essa sociedade empresária está passando por muitas dificuldades finan-
econômicas (faturamento bruto anual). A opção da Lei Complementar ceiras e há um grande passivo tributário perante a União. Mas o problema é
nº 123/2006 (BRASIL, 2006) é a de observar o crescimento médio relativo a tributos cujos fatos geradores ocorreram cerca de um ano antes de
dessas empresas, atualizando periodicamente as faixas de faturamento a empresa ter optado pelo sistema simplificado de arrecadação do Simples
anual para cada uma, de modo que ainda possam optar pelo regime Nacional.
de tributação do SIMPLES Nacional, de acordo com o desenvolvimento
Também lhe foi informado que a empresa precisará participar de uma
econômico do país.
licitação pública perante determinado município, que demandou, no respec-
tivo processo administrativo, a apresentação de Certidão Negativa de Débitos
Questão interessante trazida pela Lei Complementar nº 123/2006 ou equivalente.
(BRASIL, 2006) diz respeito à previsão do chamado Microempreendedor
A empresa informou, durante a consulta, que possui um terreno desocu-
Individual (MEI), o qual, para todos os efeitos, é aquele que atende à definição
pado situado no centro da cidade onde fica a sua sede e que venderá para
de empresário do art. 966 do CC/02 (BRASIL, 2002) ou que exerça atividades
efeito de pagamento da dívida perante a União, havendo já um comprador
de industrialização, comercialização e prestação de serviços no âmbito rural,
interessado e disposto a realizar o respectivo pagamento à vista.
e não tenha faturamento anual que exorbite os limites previstos na respec-
tiva lei. No entanto, a empresa manifestou discordância quanto ao valor do
tributo devido à União. Diante disso é que você foi indagado para elaborar
O Microempreendedor Individual (MEI) poderá enquadrar-se no
um parecer e apresentar uma possível solução para a situação narrada,
Simples Nacional e, segundo o art. 18-A da Lei Complementar nº 123/2006
instruindo os sócios da empresa sobre como proceder.
(BRASIL, 2006), recolherá os tributos abrangidos pelo sistema simplificado
em valores fixos mensais Como você deve ter percebido, o fato de a empresa atualmente estar
inscrita no sistema do Simples Nacional nada interfere quanto aos tributos
Com isso, chegamos ao final de mais uma etapa dos nossos estudos.
supostamente devidos à União, em virtude de fatos geradores anteriores
Continuaremos nossos esforços para que você se sinta cada vez mais prepa-
à adesão ao regime simplificado da Lei Complementar nº 123/2006. No
rado para a atuação empresarial consciente dos principais mecanismos
entanto, ter dado atenção a essa circunstância já lhe coloca em poder do
jurídicos envolvidos nesta seara.
conhecimento quanto às regras do referido regime.

139 140
A empresa, portanto, possui passivo fiscal do qual a União é credora. pedido de liminar, dada a urgência da situação e porque precisaria obter
Como há necessidade de discussão do passivo perante a União, considera-se certidão de regularidade fiscal para participação em procedimento licitatório
que já houve o devido lançamento e assim a constituição definitiva do crédito perante um determinado município.
tributário, motivo pelo qual você deve apontar o caminho para a propositura
Assinale a seguir a alternativa que corretamente corresponda ao pedido
de uma Ação Anulatória.
liminar possível no mandado de segurança para efeito de urgência na
No entanto, é preciso que se obtenha, em caráter urgente, a Certidão obtenção de certidão que ateste regularidade fiscal.
Negativa de Débitos Fiscais. Mas, com efeito, como há débito, tal certidão será
a. Extinção do crédito tributário.
impossível de ser obtida. A opção é buscar uma Certidão Positiva com efeito
de Negativa, que, é claro, possui os mesmos efeitos para fins de regularidade b. Exclusão do crédito tributário.
fiscal para participação em certames licitatórios perante o Poder Público.
c. Correção do lançamento do crédito tributário.
Assim, a empresa precisa que essa certidão se torne possível a partir do
d. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
processo judicial intentado. Várias opções surgem a partir daqui. Como há
um terreno que a empresa se disponibilizou a vender, supondo que esse e. Aplicação de isenção legal.
negócio seja concretizado, a empresa poderá depositar em juízo o valor do
débito perante a União e, dessa maneira, na forma do art. 151, II, do CTN 2. Determinado município, por meio de seu prefeito, instituiu isenção de
(BRASIL, 1966) suspender a exigibilidade do crédito tributário e solicitar IPTU em Decreto, pelo prazo de 15 (quinze) anos, a proprietários de imóveis
a emissão da Certidão Positiva com efeito de Negativa para apresentar no portadores de deficiência que perfaçam investimentos de acessibilidade em
procedimento licitatório. suas respectivas propriedades.
Outra opção seria, caso não houvesse a venda do terreno e a disponi- Com base na situação narrada, assinale a alternativa correta.
bilidade do montante, a empresa justificar em juízo a situação emergencial
a. É possível a instituição de isenção por meio de decreto.
e pleitear uma tutela antecipada (uma forma de liminar) que garantisse,
independente de depósito no curso do processo, a suspensão da exigibili- b. A isenção suspende a exigibilidade dos créditos de IPTU.
dade do crédito tributário na forma do art. 151, V, do CTN (BRASIL, 1966).
c. A isenção somente pode recair sobre eventuais penalidades aplicadas.
A impetração de um Mandado de Segurança com pedido de liminar
d. A isenção somente poderia ser concedida pelo Estado ao qual
também se mostraria possível, desde que houvesse prova pré-constituída do
pertence o município.
direito alegado pela empresa, isto é, algum vício demonstrável no lançamento
tributário que pudesse ser comprovado desde logo ao juiz para decisão. e. Somente por lei específica pode o município disciplinar a concessão
Eventual liminar concedida nesse Mandado de Segurança também serviria de isenção.
para efeito de suspender a exigibilidade do crédito.
Note, por conseguinte, que diversas opções surgem, calhando a escolha
3. Uma determinada Empresa é optante do Simples Nacional, conforme
previsto na Lei Complementar nº 123/2006. O administrador dessa empresa
daquela que atenda modo mais célere aos propósitos e interesses da empresa.
está satisfeito com o desempenho econômico da mesma, sobretudo com as
questões tributárias, pois o recolhimento simplificado e a menor carga têm
Faça valer a pena contribuído para a saúde financeira do empreendimento. Alegando que a
inserção no Simples Nacional permite que a empresa não preste informações
1. O Estado X autuou a empresa Z para efeito de cobrança de débito de acessórias ao Fisco, o administrador assim o faz, justificando com a ideia de
ICMS, que teria ocorrido a partir da remessa de mercadoria entre a matriz e a desburocratização prevista pela respectiva legislação.
filial, ambas localizadas no mesmo Estado. A empresa Z impetrou Mandado
de Segurança com a finalidade de ver reconhecido seu direito líquido e certo
ao não recolhimento do ICMS nesta específica operação, inclusive com

141 142
Nesse caso, assinale a alternativa correta quanto à atitude do administrador. Referências
a. A atitude do administrador está correta, pois a LC nº 123/06 desobriga
AMARO, L. Direito tributário brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
da prestação dos deveres tributários instrumentais.
ANDRADE, R. F. A. O princípio base da capacidade contributiva e a sua aplicação diante de
b. A atitude do administrador está incorreta, pois as informações
uma pluralidade de tributos. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 36, p. 163-183, 2001.
acessórias devem ser prestadas, pelo menos, a cada 5 (cinco) anos de
Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/658. Acesso em: 21 fev. 2020.
funcionamento da empresa.
BALEEIRO, A.; DERZI, M. A. M. Direito tributário brasileiro. 14. ed. Rio de Janeiro:
c. A atitude do administrador está correta, pois a necessidade de prestar
Forense, 2018.
informações quanto às obrigações acessórias recai apenas para o caso
de enquadramento como Microempreendedor Individual (MEI). BRASIL. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Instituiu o Código Tributário Nacional.
Brasília, DF: Presidência da República, [1966]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
d. A atitude do administrador está incorreta, à medida que as obrigações
ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 2 fev. 2020.
acessórias deverão ser prestadas em declaração única anual para as
empresas optantes pelo Simples Nacional. BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida
Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22
e. A atitude do administrador está correta, pois o recolhimento simplifi-
set. 1980.
cado no âmbito do Simples Nacional equivale à prestação das obriga-
ções acessórias. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 2 fev. 2020.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 10 jan. 2002.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 16 mar. 2015.

BRASIL. Lei Complementar nº 123 de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional


da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14
dez. 2016.

BRASIL. Medida Provisória nº 905, de 11 de novembro de 2019. Institui o Contrato de


Trabalho Verde e Amarelo, altera a legislação trabalhista, e dá outras providências. Brasília,
DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2019-2022/2019/Mpv/mpv905.htm. Acesso em: 2 fev. 2020.

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143
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tório indireto para o cumprimento da obrigação tributária. Revista Tributária e de Finanças
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Unidade 4 Seção 1

Luiz Felipe Nobre Braga Introdução às relações de consumo

Direito e legislação do consumidor Diálogo aberto


Nesta seção estudaremos os aspectos iniciais da legislação e do direito do
consumidor. Aprenderemos sobre os conceitos mais importantes e sobre os
Convite ao estudo
direitos básicos que permeiam a relação de consumo, bem como as fontes da
Nesta unidade encerraremos os nossos estudos sobre a legislação empre- legislação consumerista, de modo a facilitar o seu acesso e consulta.
sarial aplicada. Para tanto, vamos nos debruçar a partir de agora no campo
Falaremos sobre as questões da oferta e da publicidade no campo do
do direito e da legislação do consumidor.
mercado de consumo, assim como das várias espécies de contrato que dizem
Trata-se da última etapa para um entendimento global sobre os principais respeito a esta realidade, bastante típica e cotidiana da prática empresarial
ramos do Direito que estão diretamente ligados ao cotidiano empresarial. contemporânea.
Como a rotina empresarial envolve a prestação de bens e de serviços Nesse sentido, suponha que você tenha sido consultado pelos seus sócios
é basilar conhecer os elementos que caracterizam a relação jurídica de na empresa que mantêm em conjunto, que comercializa suplementos alimen-
consumo, então composta pelo fornecedor dos bens ou serviços e o destina- tares, para resolver uma peculiar questão surgida. Há cerca de um mês a loja
tário final, que é o consumidor. veiculou em diversos meios de comunicação que aconteceria uma promoção.
Os diversos liames presentes na relação consumerista permitem que se Esta consistia numa oferta sobre determinados produtos, que poderiam
evitem vários problemas no que se refere à adequada prestação dos serviços ser adquiridos com desconto, caso houvesse a aquisição em conjunto.
ou ao fornecimento de bens ao mercado de consumo.
No caso, os clientes que adquirissem dois potes de proteína, receberiam
Isso porque acarretam-se sérias consequências quando há falhas nesse um terceiro. A unidade do pote de proteína, da marca XYZ, é usualmente
processo, de modo que poderão ocorrer prejuízos de ordem financeira, os vendida ao consumidor final por R$ 100,00 (cem reais).
quais, de certo, não interessam para a empresa.
Ocorre que, por um erro no momento da divulgação da oferta, veicu-
Por isso, vamos nos dedicar a conhecer onde e como pesquisar a legis- lou-se um preço equivocado do referido pote de proteína. Por equívoco de
lação do consumo, destacando as espécies de contrato, as questões da oferta e um dos seus sócios, que ficou responsável pela oferta, ao invés de constar o
da publicidade e suas peculiaridades, possibilidades e vedações legais. valor adequado do produto no valor de R$ 100,00 (cem reais), fez constar na
publicidade o valor de R$ 40,00 (quarenta reais) pelo mesmo produto.
Depois, trataremos das chamadas cláusulas abusivas nos contratos de
consumo e como evitá-las, assim como dos bancos de dados e cadastros do A partir disso, vários clientes apareceram na loja querendo comprar não
consumidor e, por fim, da extinção do contrato de consumo. apenas um pote de proteína da marca XYZ, porém dois, para que ganhassem
mais um, conforme anunciado.
Por derradeiro, sabendo que a relação de consumo pode acarretar consequ-
ências, é preciso compreender a extensão da responsabilidade patrimonial da No momento em que vários clientes estavam na loja, um funcionário os
empresa decorrente do fato do produto e do vício do produto ou serviço e seus alertou que o preço divulgado estava errado e que eles deveriam pagar o valor
reflexos nas relações comerciais tanto do ponto de vista físico, quanto virtual. real, de R$ 100,00 (cem reais), inclusive para fazerem parte da promoção
anunciada, quanto ao terceiro pote grátis.
Temos um interessante percurso pela frente, vamos lá!
Imediatamente, os clientes ficaram revoltados e exigiram o cumprimento
da oferta anunciada.

148
Seus sócios, então, vão até você para que, na qualidade de conhecedor da Dessa maneira, a defesa do consumidor constitui matéria que, apesar de
legislação consumerista, proponha uma solução para o problema. envolver relações privadas, é dotada de relevante interesse social, vez que
envolve questões de ordem pública. Suponha, por exemplo, se um deter-
Qual é o procedimento a ser adotado neste caso?
minado produto, que seja muito comum, seja comercializado com sérios
Você deve ter percebido que alguns conhecimentos são importantes para problemas de fabricação, levando à intoxicação de várias pessoas. As conse-
a resolução desse problema, não é mesmo? Então, vamos iniciar os nossos quências sociais desse tipo de acontecimento certamente seriam sentidas
estudos para que você já possa ir pensando em alguma forma de resolver muito além da mera relação jurídica de consumo, pois envolveriam, até
toda essa incúria. mesmo, a saúde pública.
Vamos lá! Tudo isso para ficar claro que o direito do consumidor lida justamente
com as regras e os princípios que animam a adequada prestação de serviços
e o fornecimento de bens no mercado de consumo, para que as pessoas
Não pode faltar
tenham liberdade de escolha e, ao a terem feito, não incorram em riscos de
toda ordem (TARTUCE; NEVES, 2018).
A primeira informação a ser conhecida no campo do direito do consu-
midor é a sua fonte legislativa. Há um conjunto de regras e princípios especí- A proteção que o CDC, por exemplo, garante para os consumidores
ficos para o campo consumerista, que estão sistematicamente organizados é, ao mesmo tempo, uma proteção para os fornecedores em geral e para
no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/1990 (BRASIL, aqueles que orbitam no mercado de consumo, específico e amplo. Isso se dá
1990). porque as consequências do descumprimento da legislação de consumo, das
normas de segurança e tantas outras, resultarão em impactos econômicos de
A proteção e a defesa do consumo decorrem de expresso direito funda-
relevante monta. O conhecimento dessas normas é de vital importância para
mental, previsto no art. 5º, XXXII da Constituição da República Federativa
o administrador e para o empresário de nosso tempo, sobretudo num quadro
do Brasil de 1988, segundo o qual: “O Estado promoverá, na forma da lei, a
em que o consumidor, o cidadão, já está mais consciente das garantias que
defesa do consumidor” (BRASIL, 1988, [s.p.]).
lhe assistem e dos direitos que lhe preservam a possibilidade de discutir
O CDC consiste num microssistema especializado que se refere à tutela eventuais abusos ou ilegalidades cometidas na interface da relação consume-
das relações privadas de consumo. À medida que vivemos numa sociedade rista (KOURI, 2013; FILOMENO, 2018).
capitalista, a troca de bens e serviços constitui o elemento básico do nosso
Mas, como é essa relação consumerista? Quais são as partes que a
sistema econômico. Com o passar do tempo essas relações se aprofundaram
integram e quais suas características?
e receberam novos contornos. Por este motivo, surgiu a necessidade de o
Estado e o Direito tutelarem de forma mais adequada esse novo tipo de De um lado temos a figura do consumidor, o qual, de acordo com o art.
relação privada então surgida, que se forma entre o fornecedor de bens e 2º do CDC (BRASIL, 1990, [s.p.]) “[...] é toda pessoa física ou jurídica que
serviços e o consumidor final. adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Essa noção de
destinatário final causa muita polêmica na doutrina, mas é importante que
As peculiaridades da relação jurídica de consumo fizeram com que se
conheçamos a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é o Tribunal
destinasse um corpo de normas responsáveis para a sua regulação, à medida
brasileiro competente para dar a última palavra acerca da interpretação da
que as relações privadas que envolviam o típico processo de fornecimento do
legislação de abrangência nacional, como é o caso da legislação consumerista
mercado de consumo não fossem tuteladas pelas disposições mais genéricas
(TARTUCE; NEVES, 2018).
do Código Civil Brasileiro, mas observassem as peculiaridades econômicas
e sociais das partes envolvidas nessas relações privadas de consumo, à luz Logo, para o STJ, atualmente, o consumidor, isto é, o destinatário final
da necessidade de criação de meios recíprocos de proteção e salvaguarda de da relação de consumo é aquela pessoa, física ou jurídica, que adquire bens
direitos, sobretudo ligados à incolumidade física do consumidor, como vida, ou utiliza serviços para si próprio, sem que isso importe no incremento de
saúde e integridade (THEODORO JÚNIOR, 2017). alguma atividade comercial. Significa dizer que o destinatário final literal-
mente consome para si o produto ou o serviço e não o emprega para outras

149 150
finalidades, sobretudo de ordem comercial, econômica, como uma revenda, Assimile
ou mediante o emprego de um produto ou serviço que integre uma cadeira Consumidor é o destinatário final do produto ou serviço, seja esse
produtiva (BOLZAN DE ALMEIDA, 2019). destinatário pessoa física ou jurídica, que não integra ou faz incluir o
produto ou serviço adquirido em seu processo comercial ou em sua
cadeia produtiva. Porém, poderá ser configurada a relação de consumo,
Exemplificando
ainda em tais casos, na hipótese de ficar demonstrada a vulnerabilidade
Uma empresa que contrate instituição financeira para que esta faça a
do polo consumidor, isto é, a posição de não conhecimento específico
gestão de pagamentos por meio de sistema informatizado de crédito e
sobre o que foi adquirido.
débito (por meio das máquinas usualmente presentes no cotidiano) é
consumidora para os fins legais e receberá a proteção do CDC caso haja
alguma falha na prestação de tais serviços. O outro sujeito da relação jurídica de consumo é o fornecedor. O conceito
está no art. 3º do CDC (BRASIL, 1990, [s.p.]), segundo o qual:
Em algumas situações, o STJ considera que para determinados consu-
midores e profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais, Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
desde que seja demonstrada vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
poderá haver a caracterização da relação de consumo e, assim, a proteção despersonalizados, que desenvolvem atividade de
prevista no CDC. produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização
É preciso que se compreenda, desde já, que a importância da configu-
de produtos ou prestação de serviços.
ração ou não da relação de consumo é que atrairá uma série de direitos e
garantias previstos no CDC que privilegiam a proteção do consumidor. Por
este motivo é importante saber quem é ou não consumidor para tal finali- Trata-se de um conceito muito mais amplo do que o de consumidor. Todo
dade (ALMEIDA, 2015). aquele que atua nas diversas fases do processo produtivo é considerado forne-
cedor para os fins legais. Não apenas o fabricante originário do produto, por
Se for consumidor, a proteção decorrerá do CDC. Se não for o caso, a
exemplo, mas os intermediários, intervenientes, distribuidores, o comerciante
proteção decorrerá da legislação civil em geral, do Código Civil (BRASIL,
final, todos são fornecedores à luz do CDC, porquanto operam, embora em
2002). O critério utilizado, atualmente, pela doutrina majoritária e pelo STJ
fases distintas, nas etapas da cadeia produtiva. Todos, então, devem seguir as
é, então, o da vulnerabilidade. Tal se dá porque a característica marcante do
normas da legislação consumerista (TARTUCE; NEVES, 2018).
consumidor, do destinatário final, é estar numa posição de vulnerabilidade
(técnica, jurídica ou econômica) perante o fornecedor. O CDC serve justa- Como já se sabe, o objeto da relação de consumo consiste num produto,
mente para equalizar essa situação, protegendo a parte que é, no geral, mais que poderá ser qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial, assim
suscetível de ser prejudicada. como um serviço, que consiste numa atividade remunerada que é fornecida no
mercado de consumo, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito
Logo, a relação jurídica qualificada por ser “de consumo” não se carac-
e securitária, ressalvando-se as de natureza trabalhista (BRASIL, 1990).
teriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus polos, mas pela
presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um forne- Agora que já compreendemos as partes e o objeto da relação de consumo,
cedor, de outro. Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da é preciso identificar quais são os direitos básicos do consumidor. Segundo
hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa jurídica o art. 6º do CDC (BRASIL, 1990), alguns direitos são considerados básicos
consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio para a finalidade de proteção do consumidor, notadamente em razão da sua
entre as partes (TARTUCE; NEVES, 2018). vulnerabilidade na relação jurídica de consumo, conforme já comentado
(NUNES, 2019).
Inicialmente, a relação de consumo deve proteger a vida, a saúde e
a segurança do consumidor, de modo que não é permitido que se ofereça

151 152
riscos a tais bens essenciais em função de produtos ou serviços considerados contrato em si, quanto em sua conclusão, o Direito protege as partes, sobre-
perigosos. Além do mais, o direito de informação é de fundamental impor- tudo o consumidor. Refere-se a um dever absoluto de boa-fé, especialmente
tância na proteção do consumidor, vez que inclui o conhecimento adequado e voltado para o fornecedor de produtos ou serviços. Se o fornecedor não age
claro acerca dos diferentes produtos ou serviços, que devem ser corretamente de boa-fé, mas sim com o intuito de prejudicar ou ludibriar o consumidor
especificados em relação à “quantidade, características, composição, quali- estamos diante de um gravíssimo problema (TARTUCE; NEVES, 2018).
dade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” Logo, tema de fundamental importância, sobretudo na fase pré-contra-
(BRASIL, 1990, [s.p.]). tual é a questão da oferta e da publicidade no mercado de consumo. Aquilo
Outro aspecto é a proteção contra a publicidade enganosa (que leva o que é ofertado, veiculado de modo geral nos meios publicitários, reveste-se
consumidor propositadamente a erro) e abusiva (que destoa da moral e dos de regulamentação específica no âmbito do CDC, justamente porque é a
bons costumes socialmente aceitos), bem como contra métodos comerciais que partir dessa fase, que antecede a contratação em si (ainda que seja para uma
impliquem em coerção ou sejam desleais aos consumidores (NUNES, 2019). simples compra e venda de um produto, por exemplo), que o consumidor
será levado ou não a interessar-se pela aquisição de um determinado bem ou
Também é direito do consumidor a modificação de cláusulas contratuais
serviço (NUNES, 2019).
que impliquem em prestações desproporcionais – as chamadas cláusulas
abusivas –, bem como o direito de revisão de contratos em função de A oferta no mercado de consumo está disciplinada no art. 30 do CDC
fatores supervenientes que tornem as obrigações assumidas excessivamente (BRASIL, 1990). Trata-se de toda e qualquer informação ou conteúdo publi-
onerosas. No que se refere à maneira pela qual ocorre a defesa dos direitos citário preciso o bastante, veiculado em qualquer meio ou por qualquer
do consumidor, o CDC também prevê acesso facilitado para tal finalidade, forma de comunicação, com relação a produtos ou serviços. A oferta, nestes
sobretudo com a possibilidade de inversão do ônus da prova, a favor do termos, vincula o fornecedor a cumprir exatamente o que foi oferecido. É,
consumidor, no curso de processo judicial, “[...] quando, a critério do juiz, como sabido, questão de boa-fé, pois não há sentido (e não há legalidade) na
for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras prática comercial de oferecer determinado produto, por exemplo, revestido
ordinárias de experiências” (BRASIL, 1990, [s.p.]). de algumas qualidades, e, no momento da contratação, aparecer uma coisa
diferente. A obrigação a que o fornecedor está vinculado diz respeito a todas
as características dos bens ou serviços oferecidos no mercado de consumo,
Exemplificando
o que inclui, sobremodo, as questões relativas ao preço da oferta e quanto
Em processo judicial onde se discuta a falha na prestação de serviço
às formas de pagamento. Se o produto foi anunciado com certo valor, o
ou defeito de algum produto, o consumidor, demonstrando que não
consumidor tem o direito de que tal valor seja o efetivamente praticado no
tem condições de evidenciar a falha cometida pelo fornecedor, poderá
momento da aquisição do bem ou serviço, sob pena de responsabilização do
pedir que o juiz inverta o ônus da prova. Isso significa que, a partir desse
fornecedor por ato atentatório ao seu direito.
momento, é o fornecedor que deverá provar que não causou nenhum
prejuízo, ele é que precisa se desincumbir da sua responsabilidade. Ademais, de acordo com o art. 31 do CDC (BRASIL, 1990), a publicidade
Se ele conseguir, vencerá o processo. Caso contrário, a demanda será deve assegurar o estrito cumprimento e respeito ao direito de informação
vitoriosa para o consumidor. do consumidor. Deve-se pautar os anúncios com informações corretas,
claras, precisas, em língua portuguesa, que permitam aos consumidores
conhecerem as características, qualidades, quantidades, composição, preço,
Esses direitos dizem algo a mais, que é importante para a compreensão
garantia, prazos de validade, origem, bem como os eventuais riscos que os
da matéria. Os contratos de consumo encontram-se permeados por grande
produtos ou serviços podem causar à saúde e segurança (BRASIL, 1990).
interesse social, dada a relevância e o impacto que a ausência de regulamen-
tação acarretaria. Por tal motivo o contrato de consumo sofre forte dirigismo
por parte do Estado. Afinal, o Direito e o Estado, como já comentado, tutelam Assimile
as relações consumeristas e preveem o que pode e o que não pode acontecer O preço anunciado na oferta, no âmbito do mercado de consumo,
no campo da contratação entre partes que estão em níveis diferentes de vincula o fornecedor do produto ou serviço. Isto é, por um dever de
suficiência e vulnerabilidade. Desde a fase pré-contratual, até a celebração do boa-fé e cumprimento.

153 154
Interessante saber, além disso, que o fornecedor do produto ou serviço de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudi-
tem responsabilidade solidária relativamente aos atos praticados por seus cial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (BRASIL, 1990
prepostos ou representantes, como previsto no art. 34 do CDC (BRASIL, art. 37, § 2° [s.p.])
1990). Trata-se de regra de fundamental importância, pois se o preposto ou
representante praticar algum ato de oferta, esta vinculará o fornecedor como
se ele mesmo a tivesse feito (SOUZA; WERNER; NEVES, 2018).
Exemplificando
Ademais, o CDC (BRASIL, 1990) traz algumas possibilidades ao consu- É enganosa uma propaganda de cigarros dizendo que o produto não
midor, na hipótese de o fornecedor recusar-se a cumprir exatamente o que causa nenhum risco à saúde, visto que há inúmeras pesquisas que
está previsto na oferta, apresentação ou publicidade. Segundo o art. 35 do apontam os danos causados em função do consumo. Por outro lado, é
CDC (BRASIL, 1990), o consumidor poderá, de maneira alternativa, isto é, abusiva uma propaganda de cigarros de chocolate na qual aparece uma
escolher uma dentre as seguintes opções: I. poderá exigir o estrito cumpri- criança ostentando um em suas mãos – acaba por estimular, de modo
mento, de maneira forçada, da obrigação nos exatos termos da oferta, subliminar, que não há problemas em uma criança consumir cigarros,
apresentação ou propaganda; II. poderá aceitar um produto ou prestação de ainda que de chocolate. Passa-se uma ideia, como suposto, inaceitável,
serviço que seja equivalente; e III. poderá rescindir o contrato de consumo, eis que a substância é proibida para menores.
com direito a que lhe seja restituído eventual quantia antecipada, com atuali-
zação monetária e perdas e danos.
Também existe a figura da publicidade enganosa em virtude de uma
No mesmo sentido trabalhado quanto à oferta de produtos e serviços, omissão. Quando o fornecedor deixar de informar algum dado essencial do
o CDC (BRASIL, 1990) regula especificamente a publicidade no mercado produto ou do serviço, além de violar o dever de informação ao consumidor,
de consumo, a qual deve se dar de maneira que o consumidor a identifique estará violando a disposição segundo a qual é vedada a publicidade enganosa.
como tal. O art. 6º, IV, do CDC (BRASIL, 1990) garante que o consumidor Falar de menos é, assim, expressamente proibido, especialmente de elementos
tem o direito de ser protegido da publicidade enganosa e abusiva. A mesma essenciais do que está sendo oferecido. De igual modo, a responsabilidade de
precaução da legislação consumerista é retomada no art. 37 (BRASIL, 1990), demonstrar que a informação veiculada sobre algum produto ou serviço é
no qual é apresentada, de maneira mais extensa, os conceitos de publicidade verdadeira e correta, é daquele que está patrocinando sua divulgação, à luz
enganosa e abusiva. Publicidade enganosa é: do art. 38 do CDC (BRASIL, 1990).
Por fim, falemos de algumas espécies de contrato de consumo.
[...] qualquer modalidade de informação ou comunicação
Diferente do modelo geral do direito civil comum, no qual há a previsão
de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou,
de alguns contratos típicos, como a compra e venda, a doação, a locação etc.,
por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de
na legislação consumerista não há esse tipo de especificação. Tal se dá por
induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, carac-
um motivo bastante óbvio. A incidência do CDC ocorre em função da quali-
terísticas, qualidade, quantidade, propriedades, origem,
dade que as partes ostentem numa dada relação. Se preenchidos os pressu-
preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
postos para qualificar as partes, ora como fornecedor, ora como consumidor,
(BRASIL, 1990, art. 37, § 1° [s.p.])
destinatário final do produto e marcado por certa vulnerabilidade, então
estaremos diante de um contrato sobre o qual recairá o conjunto de regras
Já publicidade abusiva é: e princípios que formam o estatuto de proteção das relações de consumo
(TARTUCE; NEVES, 2018).
[...] a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a No entanto, há no CDC (BRASIL, 1990) a previsão de um contrato
que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se muito comum no dia a dia: o contrato de adesão. Previsto no art. 54 do CDC
aproveite da deficiência de julgamento e experiência da (BRASIL, 1990), o contrato de adesão é aquele, como o próprio nome indica,
criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz

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em que não houve discussão das cláusulas, sobretudo por parte do consu- seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir
midor que, por conseguinte, meramente adere a ele (NUNES, 2019). interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos prede-
No contrato de adesão, as cláusulas ou foram aprovadas por alguma terminados” (BRASIL, 2002, [s.p.]). Uma vez que se verifique no mundo
autoridade competente (como pode acontecer em contratos bancários, onde dos fatos a ocorrência de uma causa a deflagrar o acionamento do seguro, a
há cláusulas aprovadas pelo Banco Central) ou, como é mais comum, foram seguradora não poderá se furtar ao dever de pagar o prêmio. Como, no geral,
estabelecidas de maneira unilateral pelo fornecedor. se trata de contratos de adesão, porque as seguradoras elaboram complexo
cálculo de risco quanto à oferta ou não de seguro num caso determinado,
Nesse caso, o consumidor não dispõe de plena autonomia da vontade ao consumidor resta apenas a aderência. Está, pois, em situação de vulnera-
(liberdade contratual) para discutir ou modificar substancialmente o bilidade, merecendo a proteção da legislação consumerista correspondente
conteúdo das cláusulas contratuais, que já vêm prontas. Em tais contratos, (BOLZAN DE ALMEIDA, 2019).
porém, as cláusulas que porventura limitem direitos do consumidor deverão
ser redigidas de maneira destacada, permitindo sua imediata e facilitada
compreensão, bem como deverão constar no contrato de adesão apenas Reflita
cláusulas legíveis, escritas de maneira ostensiva, cujo tamanho da letra não Quais outros tipos de contrato poderiam ser enquadrados como de
poderá ter fonte inferior a doze, tal como determinado pelos §§3º e 4º do art. consumo, isto é, tutelados pelas disposições da legislação consumerista?
54 do CDC (BRASIL, 1990).
Em alguns tipos contratuais, ligados a certos produtos ou serviços ofere- Com isso, caro aluno, chegamos ao fim desta seção sobre direito do
cidos no mercado, já foram consagrados como típicos contratos de consumo. consumidor. Ainda há o que estudarmos. Então, vamos adiante!
É o caso, por exemplo, dos contratos bancários. Ora, o próprio art. 3º, §2º
do CDC (BRASIL, 1990) indica que a prestação de serviços bancários confi-
Sem medo de errar
gura relação de consumo. Então, contratos bancários de conta corrente,
poupança, investimentos, empréstimo e outros, estão abarcados pelo campo
Depois de termos estudado os elementos iniciais para a caracterização da
de incidência das normas consumeristas (FILOMENO, 2018; NUNES, 2019).
relação de consumo, você já deve estar se lembrando da situação-problema
Outro contrato bastante comum é o de arrendamento mercantil ou proposta no início desta seção, não é mesmo? É bem possível que até mesmo
leasing, que é operação por meio da qual o proprietário de um bem móvel já tenha alcançado alguns horizontes de respostas para a incúria criada.
ou imóvel, denominado arrendador, cede a terceiro, denominado arrenda- Então, vamos nos lembrar do que se tratava?
tário, o uso desse bem por um prazo determinado, mediante recebimento de
Você foi consultado pelos seus sócios da loja de suplementos alimentares
uma prestação em dinheiro. No final desse contrato, o arrendatário poderá
para, de fato, propor uma solução para o caso apresentado.
comprar o bem pelo valor então combinado, renovar o contrato por novo
período ou devolver o bem ao arrendador. Há cerca de um mês a loja veiculou em diversos meios de comunicação
que aconteceria uma promoção especial, que consistiria numa oferta sobre
É uma espécie de negócio jurídico (contrato) que envolve locação de
determinados produtos, que poderiam ser adquiridos com desconto, caso
coisas e financiamento, sendo que esta acaba predominando. Com efeito,
houvesse a aquisição em conjunto.
essa operação está absolutamente abarcada pelo CDC (BRASIL, 1990),
sobretudo porque, na esmagadora maioria das vezes, os contratos de leasing, Os clientes que adquirissem dois potes de proteína, receberiam um terceiro,
como mencionado, são de adesão, o consumidor não assiste nenhum direito como uma espécie de brinde. A unidade do pote de proteína, da marca XYZ, é
de discussão das cláusulas mais importantes (TARTUCE; NEVES, 2018). usualmente vendida na sua loja pelo valor de R$ 100,00 (cem reais).
Por fim, vale comentar sobre o contrato de seguro. O seguro nada mais é Ocorre que, por um erro no momento da divulgação da oferta, veicu-
do que uma maneira de garantir que, contra eventualidades, acidentes, haja lou-se um preço diferente do referido pote de proteína.
uma espécie de proteção. É tipo de contrato de busca garantir segurança. O
Por um equívoco de um dos seus sócios, que ficou responsável pela oferta,
Código Civil, conceitua o contrato de seguro no art. 757: “Pelo contrato de
ao invés de constar o valor adequado do pote de proteína, ou seja, R$ 100,00

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(cem reais), na publicidade fez constar o valor de R$ 40,00 (quarenta reais) termo, ainda que simplificado, que contenha as condições do eventualmente
pelo mesmo produto. acordado.
A partir disso, vários clientes apareceram na loja querendo comprar não A lição que fica, com efeito, é quanto à importância e seriedade com se
apenas um pote de proteína da marca XYZ, porém dois, para que ganhassem deve tratar o tema da publicidade em matéria de consumo, dado que as alter-
mais um, conforme anunciado. nativas, via de regra, pertencem mais ao campo de escolha do consumidor
do que dos fornecedores, dada, claro, a relação de consumo na qual há presu-
No momento em que vários clientes estavam na loja, um funcionário
mida vulnerabilidade daquele.
alertou que o preço divulgado estava errado e que eles deveriam pagar o valor
real, ou seja R$ 100,00 (cem reais), inclusive para fazerem parte da promoção
anunciada, quanto ao terceiro pote grátis. Faça valer a pena
Imediatamente, os clientes ficaram revoltados e exigiram o cumprimento
da oferta anunciada.
1. A relação de consumo só se configura, quanto ao elemento subjetivo, se
num dado caso concreto estiverem presentes um consumidor e um forne-
Dessa forma, seus sócios foram até você para que, na qualidade de conhe- cedor. Também é necessário o elemento objetivo, com a presença de um
cedor da legislação consumerista, proponha uma solução para o problema. produto ou um serviço.
Qual é o correto a ser feito neste caso? Nesse contexto, classifique as afirmativas a seguir em (V) verdadeiras ou (F) falsas.
Diante desta situação, você já deve ter se lembrado que a oferta vincula o ( ) Os fornecedores intermediários, intervenientes, distribuidores e o comer-
fornecedor do produto, à luz do CDC (BRASIL, 1990) e que o fato de alterar, ciante final são todos, à luz do CDC, fornecedores.
no momento da compra, isto é, da contratação em si, o valor do produto,
( ) O objeto da relação de consumo consiste num produto, que poderá ser
constitui em prática igualmente vedada, eis que poderia configurar propa-
qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
ganda enganosa.
( ) Um serviço que consiste numa atividade remunerada que é fornecida no
Ademais, diante de um quadro desse tipo, a primeira ação é a de retirar as
mercado é um objeto de relação de consumo.
propagandas equivocadamente redigidas de circulação.
( ) As atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária
Porém, para aqueles consumidores que se fizerem presentes na loja, a fim
não representam uma relação de consumo.
de adquirirem os potes de proteína pelo preço de R$ 40,00 (quarenta reais),
eles poderão obrigar a loja a realizar a venda nesses termos, sob pena de se Assinale a seguir a alternativa que apresenta a sequência correta de classifi-
judicializar a questão e envolver custos adicionais. Trata-se de um erro que cação, de cima para baixo:
pode causar um grave impacto econômico no faturamento da empresa, mas,
a. V – F – F – V.
infelizmente, deve-se cumprir, no rigor do dever de boa-fé, aquilo que foi
oferecido ao mercado de consumo. b. F – V – V – V.
Caso os clientes, consumidores, exijam o cumprimento, nada poderá ser c. V – V – V – F.
feito nesse sentido, mas você poderá negociar diretamente com eles para que
d. F – V – V – F.
optem por levar produtos semelhantes, que mais se aproximariam do preço
equivocado. Se tiver acontecido alguma antecipação de valores, estes deverão e. V – V – F – F.
ser restituídos aos consumidores, com correção monetária e eventual
apuração de perdas e danos. Todas essas alternativas, na verdade, partem 2. A publicidade no Código de Defesa do Consumidor obedece ao princípio
do consumidor, porque a legislação lhes garante a escolha. Nada obsta, por da identificação, segundo o qual esta “deve ser veiculada de tal forma que o
outro lado, que se proceda a uma resolução negociada, oportunidade na qual, consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal” (art. 36 do CDC,
como medida de segurança jurídica, é recomendado redigir um contrato ou BRASIL, 1990, [s.p.]). À vista disso, ferem o princípio citado aquelas propa-
gandas enganosas e abusivas.

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Considerando as informações apresentadas, analise as afirmativas a seguir: a. Uma pessoa jurídica somente pode configurar como consumidora
na hipótese de empregar o produto ou serviço adquirido em seus
I. Publicidade enganosa é qualquer modalidade de informação ou
próprios processos produtivos.
comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa.
b. De acordo com o Direito do Consumidor, uma pessoa jurídica que
II. A publicidade enganosa, mesmo por omissão, não é capaz de induzir
adquira produto ou serviço não preenche o requisito da vulnerabili-
em erro o consumidor a respeito da natureza, das características, da
dade, sobretudo na situação narrada.
qualidade, da quantidade, das propriedades, da origem, do preço e de
quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. c. Há relação de consumo apenas no que se refere à gestão dos meios de
pagamento, mas não em relação à segurança das operações.
III. A publicidade abusiva é a discriminatória de qualquer natureza,
aquela que incite à violência, que explore o medo ou a superstição, d. A empresa Facilite Plus agiu corretamente, à medida que é direito que
que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. lhe assiste a retenção dos valores oriundos de transação a partir de
cartão clonado.
IV. A publicidade abusiva desrespeita valor que seja capaz de induzir o
consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua e. Trata-se de caso de relação de consumo, no qual a vulnerabilidade da
saúde ou segurança. No entanto, não desrespeita valores ambientais. empresa ZZZ resta configurada, bem como sua posição de consumi-
dora e destinatária final dos serviços.
Considerando o contexto apresentado, é correto o que se afirma em:
a. I e II, apenas.
b. I e III, apenas.
c. II e III, apenas.
d. II, III e IV, apenas.
e. I, II, III e IV.

3. A empresa ZZZ, que comercializa aparelhos de ar condicionado, contratou


serviços de gestão de meios de pagamento da empresa Facilite Plus, para que
esta cuide da totalidade dos recebimentos que perfaz em sua loja, com a
guarda dos recursos financeiros, a partir das vendas a debito e a crédito, bem
como realize a conferência da segurança das operações e posteriormente
perfaça o repasse mensal do respectivo montante. Em determinada situação,
a empresa Facilite Plus aprovou uma transação feita por cartão de crédito
clonado, conforme foi constatado por uma perícia independente contratada.
A empresa ZZZ deseja ingressar com ação judicial contra a empresa Facilite
Plus, pleiteando a devolução dos valores que recebeu e não lhe repassou,
pois cancelou a operação quando notificada da clonagem do cartão, embora,
quando já autorizada a venda, a empresa ZZZ já havia procedido a entrega
das respectivas mercadorias.
Sobre a situação narrada, assinale a alternativa correta:

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Seção 2 Considerando que você foi contratado para sugerir a alteração ou não das
cláusulas destacadas,
Práticas abusivas e extinção do contrato de segundo as disposições da legislação consumerista, elabore um parecer
consumo técnico a este respeito, justificando seus comentários.
Note que para isso é preciso que você conheça uma série de elementos
que lhe darão subsídios para compreender o alcance ou não das cláusulas
Diálogo aberto
inseridas em contratos de consumo, sobretudo para efeito de saber se há abusi-
A partir de agora damos início a mais uma seção dos nossos estudos sobre vidade ou se é caso de exercício regular de direito, no âmbito consumerista.
o direito e a legislação do consumidor. Essa temática é da mais alta relevância
Então, vamos lá!
e trata da legalidade das práticas do mercado de consumo, sobretudo no
campo da formação contratual e no seu encerramento. Há, de certo, algumas
balizas que precisam ser respeitadas como condição para que a relação de Não pode faltar
consumo não seja desproporcional e se garantam os direitos básicos do
consumidor. Comecemos a falar sobre as chamadas cláusulas abusivas em contratos
de consumo. Inicialmente, cabe elucidar que, em geral, as cláusulas abusivas
Assim, nessa oportunidade nos concentraremos no estudo das práticas
têm o intuito de estabelecer uma relação desigual de vantagens e desvanta-
abusivas no contrato de consumo, sabendo identificá-las e conhecendo os
gens entre as partes envolvidas na relação consumerista. As situações que
critérios legais que norteiam a avaliação acerca da abusividade ou não nas
caracterizam a abusividade têm previsão, de forma exemplificativa, no art.
variadas situações do cotidiano.
51 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), ou seja, outras
No contexto desta seção também abordaremos a questão do banco de hipóteses, além das estabelecidas em tal dispositivo, dão ensejo à abusivi-
dados e do cadastro do consumidor, buscando revelar as regras da legislação dade, já que a redação da lei assinala que “são nulas de pleno direito, entre
e a finalidade desses sistemas de informação. outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços [...]” (BRASIL, 1990, [s.p.]). Logo, no caso concreto, as hipóteses
Por fim, trataremos da extinção do contrato de consumo e vamos compre-
definidas servirão como nortes iniciais, mas não se exaurem apenas na lei,
ender os motivos que autorizam, de modo consensual ou não, o término da
pois dependem das circunstâncias concretas.
relação consumerista.
A ilicitude das cláusulas tem como fundamento um abuso de direito
Nesse sentido, imagine que você foi procurado, na qualidade de consultor,
contratual (TARTUCE; NEVES, 2018). Como efeito, dado que o legislador
por uma empresa para revisar um contrato de adesão então elaborado.
se preocupou em proteger a parte mais vulnerável da relação de consumo,
Trata-se de uma empresa de concessão de crédito. No contrato, há são nulas de pleno direito e podem, ainda, dar ensejo ao dever de reparar,
previsão de inúmeras cláusulas, sendo que algumas chamaram a sua atenção. nas hipóteses em que houver dano, demonstrando os primeiros resquícios
Está previsto que em caso de qualquer dano sofrido pelo consumidor, a da ideia de responsabilidade civil do fornecedor do respectivo produto ou
responsabilidade por parte do fornecedor estará limitada à terça parte do serviço – tema que analisaremos em outra oportunidade.
conteúdo econômico respectivo.
Além disso, está previsto que se eventual questão for levada ao judiciário, Assimile
a inversão do ônus da prova em favor do consumidor é proibida, devendo As hipóteses legais de abusividade das cláusulas em contratos de
este, sempre, provar a existência de algum dano. consumo não são taxativas, isto é, não se esgotam nas previsões legais.
A abusividade ou não de uma cláusula inserta em contrato de consumo,
Há, ainda, cláusulas que possibilitam a modificação unilateral do percen-
notadamente em contratos de adesão, será analisada caso a caso, pois
tual dos juros aplicados na concessão dos créditos, que variará conforme a
são inúmeras as condições fáticas, de natureza social e econômica, que
inflação. Por fim, há outra cláusula que obriga o consumidor a ressarcir ao
fornecedor os custos da sua própria cobrança, sem que haja contrapartida.

163 164
podem suscitar a revisão de uma disposição contratual, sobretudo para
a concluir que tais alegações são inequívocas ou que há hipossuficiência do
se reequilibrar a relação jurídico-consumerista.
consumidor, isto é, se este se encontrar em uma situação de impotência ou de
inferioridade em relação ao fornecedor, poderá haver a inversão do encargo
de produção da prova em favor do consumidor.
Feitas essas considerações iniciais acerca da temática, trataremos, sucinta-
Ademais, em observância à redação do art. 51, VII, do CDC (BRASIL,
mente, das hipóteses exemplificativas previstas no art. 51 do CDC (BRASIL, 1990).
1990), são nulas as cláusulas que determinem a utilização compulsória de
São nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou arbitragem. A arbitragem pode ser caracterizada como um meio alternativo de
atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza solução de conflitos no qual as partes envolvidas estabelecem que um terceiro
dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos, ou resolverá eventuais lides, ou seja, não haverá interferência do poder judiciário.
seja, não têm validade as cláusulas tendentes a diminuir ou excluir o dever
Também são abusivas, em conformidade com o art. 51, VIII, do CDC
de o fornecedor responder por eventuais problemas em seus produtos ou na
(BRASIL, 1990), as cláusulas que imponham representante para concluir ou
prestação de serviços. Tal disposição encontra respaldo legal no art. 51, I, do
realizar outro negócio jurídico pelo consumidor, ou seja, não é válida dispo-
CDC (BRASIL, 1990).
sição que afaste uma pessoa do exercício efetivo de seus direitos.
Igualmente, conforme previsão do art. 51, II, do CDC (BRASIL, 1990),
São igualmente abusivas, na redação do art. 51, IX, do CDC (BRASIL,
são nulas as cláusulas que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da
1990), as cláusulas que deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não
quantia já paga, que funciona como verdadeiro instrumento de vedação ao
o contrato embora obriguem o consumidor a seu cumprimento. Ou seja, é
enriquecimento ilícito, ou seja, aquele que sem justa causa, à custa de outro
evidente a falta de equivalência, deixando a conclusão do negócio jurídico à
indivíduo, aufere determinada vantagem. Ainda, são abusivas as cláusulas
mercê do fornecedor.
que transmitam responsabilidades a terceiros, conforme previsto no art. 51,
III, do CDC (BRASIL, 1990). Além disso, são caracterizadas, consoante art. 51, X, do CDC (BRASIL,
1990), como abusivas, as cláusulas que permitam ao fornecedor, direta ou
Precipuamente, são abusivas, de acordo com art. 51, IV, do CDC (BRASIL,
indiretamente, impor variação do preço de maneira unilateral. Dado que,
1990), as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
como exposto anteriormente, a vedação à abusividade das cláusulas tem
abusivas, isto é, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou
como fundamento impedir o enriquecimento ilícito, isto é, à custa de outrem;
que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Trata-se do exemplo
tal impedimento tem o objetivo de conservar o negócio jurídico de forma
mais amplo, tendo em vista que são vastas as situações passíveis de abuso em
equivalente e justa para ambas as partes envolvidas.
detrimento do consumidor. Como parâmetro para caracterizar uma cláusula
que posicione o consumidor em uma situação de desvantagem exagerada, o
próprio dispositivo define como aquelas que ofendem os princípios funda- Exemplificando
mentais do sistema jurídico a que pertence, restringem direitos ou obriga- Uma instituição de ensino não pode, sem justificativa plausível,
ções fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar aumentar deliberadamente mensalidade a princípio contratada, com o
seu objeto ou equilíbrio contratual, que se mostram excessivamente onerosas mero objetivo de enriquecimento.
para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o
interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Ainda, há evidente abusividade, conforme disposto no art. 51, XI, do
Ainda, são consideradas abusivas, nos termos art. 51, VI, do CDC CDC (BRASIL, 1990), nas cláusulas que autorizem o fornecedor a cancelar
(BRASIL, 1990), as cláusulas que estabeleçam inversão do ônus da prova o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consu-
em prejuízo do consumidor. Como regra geral, cabe ao autor provar os fatos midor. Dado que o regramento voltando às relações consumeristas tem o
constitutivos de seu direito e ao réu provar os fatos modificativos, extintivos intuito de promover a equiparação do consumidor, hipossuficiente, ao forne-
e impeditivos do direito alegado pelo autor, em eventual processo judicial. cedor, superiormente posicionado em virtude do conhecimento técnico e do
Todavia, no caso das relações de consumo, se restar demonstrada a verossimi- aspecto econômico, tal cláusula tem o intuito de preservar a equidade, bem
lhança das alegações, ou seja, se houver um juízo de probabilidade tendente como a boa-fé objetiva, princípio que deve nortear os negócios jurídicos,
sobretudo os contratos voltados às relações de consumo (NUNES, 2019).

165 166
Exemplificando Reflita
Em contratos de longa duração, como os contratos de seguro ou plano Você seria capaz de imaginar outros exemplos de cláusulas que podem
de saúde, é abusiva a cláusula que confira apenas ao fornecedor a possi- ser consideradas abusivas à luz do necessário equilíbrio que deve haver
bilidade de rescindir o respectivo contrato. na relação de consumo?

Saliente-se, ainda, que são dotadas de abusividade, nos termos do art. 51, Feitas as considerações acerca das circunstâncias que ensejam abusi-
XII, do CDC (BRASIL, 1990), as disposições que obrigam o consumidor a vidade previstas pelo legislador, a partir de agora, aprofundaremos nosso
ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe conhecimento a respeito do acervo de informações coletadas dos consumi-
seja conferido contra o fornecedor. Isto implica dizer que o conteúdo de tais dores, seu cadastro e que compõem o banco de dados.
cláusulas não é vedado, desde que o mesmo seja imposto à parte contrária.
Antes de adentrarmos propriamente no conteúdo, cumpre estabelecer
Ademais, são nulas de pleno direito, dada a redação do art. 51, XIII, do algumas distinções entre banco de dados e cadastro do consumidor, segundo
CDC (BRASIL, 1990), as cláusulas que autorizem o fornecedor a modificar alguns critérios (TARTUCE; NEVES, 2018). Nesse sentido, no que diz
unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. respeito à maneira pela qual os dados são coletados, no caso do banco de
Tal disposição implica afirmar que, após convencionados pelas partes os dados, a arrecadação ocorre de forma aleatória, ou seja, não há um interesse
ônus e bônus recíprocos da relação contratual, não cabe ao fornecedor, sem específico. A coleta tem um único objetivo: arrecadar o máximo de informa-
a devida anuência do consumidor, isto é, sem seu consentimento, alterar o ções possíveis. No cadastro dos consumidores, por sua vez, ao contrário, há
objeto ou qualidade do que anteriormente foi acertado. uma relação jurídica entre o coletor e o fornecedor de tais informações; há,
aí, um interesse.
Exemplificando No que tange à organização das informações, no banco de dados, visto
É abusiva a cláusula que permite a alteração unilateral de contrato de que elas não serão imediatamente utilizadas, o armazenamento é feito em
plano de telefonia móvel, sem expressa anuência do consumidor. momento posterior, considerado oportuno. No cadastro de consumidores,
por seu turno, os dados são instantaneamente organizados.
Dada a preocupação cada vez maior com as questões ambientais, são A respeito da duração do armazenamento e da divulgação, na hipótese do
igualmente abusivas, segundo o art. 51, XVI, do CDC (BRASIL, 1990), as banco de dados, as informações coletadas serão mantidas o máximo de tempo
disposições que infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais. possível, dada a característica da aleatoriedade. No cadastro de consumidores,
Logo, sendo o meio ambiente um bem de uso comum do povo e essencial tendo em vista a natureza específica da coleta, o interesse específico do forne-
à sadia qualidade de vida e sendo o meio ambiente ecologicamente equili- cedor, via de regra, as informações não são mantidas no decorrer do tempo.
brado um direito de todos, quaisquer cláusulas que causem danos ao meio
Acerca de requerimento de obtenção das informações, este não é obser-
ambiente são consideradas nulas.
vado no banco de dados, visto que, geralmente, o consumidor não tem
A fim de expandir ainda mais a proteção do consumidor, são abusivas, conhecimento da coleta de tais dados. Circunstância diferente do cadastro do
conforme art. 51, XV, do CDC (BRASIL, 1990), as cláusulas que estejam consumidor, hipótese na qual, dado o interesse específico, há consentimento
em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor, ou seja, qualquer e, em algumas situações, até mesmo pedido para aquisição das informações.
disposição cujo conteúdo seja divergente da legislação consumerista é consi-
No tocante à extensão dos dados disponíveis a terceiros, em virtude da
derada nula.
imprevisibilidade do banco de dados, as informações são objetivas, impar-
Por fim, nos termos do art. 51, XVI, do CDC (BRASIL, 1990), são carac- ciais. No cadastro de consumidores, todavia, visto que a coleta tem um
terizadas como abusivas as cláusulas que possibilitem a renúncia do direito objetivo específico, pode haver uma espécie de julgamento a respeito das
de indenização por benfeitorias necessárias, que são os bens acessórios que condições do consumidor, como sua situação financeira para fins de aferição
visam a melhorar ou acrescer o objeto principal. Tal previsão tem o propósito de sua capacidade de endividamento (TARTUCE; NEVES, 2018).
de tutelar a boa-fé do consumidor.

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Especificamente em relação aos dados obtidos, note-se que no banco de Elucidadas as questões relativas às cláusulas abusivas, aquelas nas quais
dados tal obtenção é seu objetivo e sua razão de ser. No cadastro de consu- o fornecedor é colocado em situação de vantagem em detrimento do consu-
midores, as informações são utilizadas com o objetivo de controlar possí- midor, em que há manifesta desproporcionalidade na relação consumerista,
veis negócios jurídicos a serem realizados, ou seja, a utilização é secundária, bem como estudados os pontos relativos ao acervo de informações do consu-
suplementar. midor caracterizado como banco de dados e cadastro dos consumidores, daqui
em diante trataremos da extinção do contrato oriundo da relação de consumo,
Em particular, cumpre ressaltar o alcance da divulgação das informações.
dado que, muitas vezes o consumidor encontra certa dificuldade e resistência
No banco de dados, as informações são difundidas aos consumidores interes-
do fornecedor para pôr termo ao negócio jurídico, ou seja, em que pese o
sados em conhecer seus próprios dados ou sobre a existência de reclamações
regramento estabelecido com o intuito de impedir os empecilhos colocados
contra fornecedores de produtos e serviços. No cadastro de consumidores,
ao consumidor, o mesmo ainda encontra inúmeras dificuldades na rescisão.
observado o interesse particular, a disseminação ocorre internamente, entre
instituições (financeiras ou que estejam oferecendo crédito, por exemplo), A fim de compreendermos com maior profundidade cumpre, primei-
sempre no interesse do consumidor. Até mesmo porque a divulgação pública ramente, definir alguns aspectos relacionados aos contratos, em geral.
de dados privados é proibida, sobretudo pelo que dispõe a Lei n° 13.709/2018 Contratos podem ser caracterizados como uma das fontes de obrigações de
– Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (BRASIL, 2018). fazer ou não alguma coisa (TARTUCE; NEVES, 2018). Ainda, são conhe-
cidos como uma espécie de negócio jurídico que se aperfeiçoam por uma
Assim, o cadastro de consumidores é arquivo que se constitui pelo forne-
composição de interesses das partes contratantes e têm como fundamento a
cimento de informações pelo próprio cliente em diversas situações, como
manifestação de vontade, ou seja, resulta de consenso mútuo (KOURI, 2013).
na abertura de conta em banco, abertura de crediário, dentre outras. Já o
Assim, trata-se de um acordo de vontades, bilateral ou plurilateral, isto é, se
banco de dados é voltado ao mercado em geral e as informações são colhidas
perfaz pela manifestação de vontade de duas ou mais partes que assumem
independentemente da vontade do consumidor, embora não possam ser
entre si obrigações recíprocas, na conformidade da lei e com a finalidade
difundidas deliberadamente, como comentado.
de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direito
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) prevê (TARTUCE; NEVES, 2018; BOLZAN DE ALMEIDA, 2019).
um regramento específico acerca da coleta e do arquivamento de dados, estabe-
Tais acordos estão condicionados a alguns aspectos. Ou seja, além da
lecendo, assim, nos arts. 43 a 45 que os consumidores terão acesso às suas infor-
licitude do objeto, o acordo entre as partes deve estar em conformidade com
mações arquivadas em cadastros, fichas, além de registros e dados pessoais e
a lei, a moral e os bons costumes, devendo, ainda, haver a capacidade dos
de consumo. Ainda, é assegurado ao consumidor o direito de retificar dados
contratantes, aptidão específica para contratar, e consentimento. Ainda, são
incorretos, retirar informações negativas após o decurso do prazo de 5 (cinco)
regidos por alguns princípios indispensáveis, como a autonomia da vontade,
anos, bem como a comunicação, por escrito, de abertura de cadastro, ficha ou
boa-fé e probidade (que implica no dever de as partes agirem de forma
registro cadastral, com dados pessoais ou de consumo, quando não requerida.
correta, ética e honesta), obrigatoriedade da proposta e vedação à onerosi-
Note-se que, em caso de negativa de acesso a informações, é cabível uma ação
dade excessiva (SOUZA; WERNER; NEVES, 2018).
específica, denominada Habeas Data (que serve basicamente para acessar as
informações e, caso necessário, retificá-las). Ressalte-se, ainda, que na hipótese Dentre as diversas espécies de contratos, encontramos o contrato de
de adimplemento de dívida do consumidor com o nome negativado, a retifi- venda, que se perfaz pela manifestação de vontade de duas partes, ou seja,
cação deve ser imediata (ALMEIDA, 2015). é bilateral, pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o
domínio de uma coisa a outra parte (comprador) mediante contraprestação
Há empresas específicas responsáveis pela coleta de informações do
de certo preço em dinheiro, isto é, há transferência de domínio (da posse da
consumidor, como por exemplo, o Serviço de Proteção ao Consumidor
coisa, do bem).
(SPC), Serasa, dentre outros. Tais empresas, segundo o art. 43, § 4º, do CDC
(BRASIL, 1990), são consideradas entidades de caráter público, logo, devem Em geral, os contratos se extinguem pelo adimplemento da obrigação,
prestar a informações pertencentes ao consumidor, quando por ele solicitada ou seja, pelo seu cumprimento. Entretanto, em algumas situações, o contrato
(THEODORO JÚNIOR, 2017). pode ser extinto por causas anteriores ou contemporâneas à sua formação,
como no caso de invalidação do negócio jurídico. Especialmente no estudo

169 170
das relações de consumo, nos interessa minuciosamente analisar a extinção Também consta a proibição de inversão do ônus da prova em favor do
do contrato decorrente do direito de arrependimento, sendo esta uma causa consumidor, caso este ingressasse com ação judicial contra a empresa.
contemporânea ao contrato e que confere às partes a possibilidade de terminar
unilateralmente com o contrato dentro do prazo convencionado ou antes de Ademais, há cláusula que possibilita a modificação unilateral do percen-
sua execução, pois o cumprimento da obrigação caracteriza renúncia a este tual dos juros aplicados na concessão dos créditos, que, assim, deveriam
direito. A outra parte não poderá se opor, uma vez que admitiu a cláusula variar, a critério da empresa, com base na inflação.
que previa o direito de arrependimento (NUNES, 2019). É o que observamos Por fim, está prevista outra cláusula que obriga o consumidor a ressarcir
na possibilidade de o consumidor desistir do contrato no prazo de 7 (sete) à empresa os custos provenientes da sua própria cobrança, sem qualquer
dias, contados da assinatura ou do recebimento do produto ou serviço, na contrapartida.
hipótese de a contratação ter ocorrido fora do estabelecimento comercial,
sobretudo por telefone ou em domicílio, conforme previsto no art. 49, do Considerando essas cláusulas, você já deve ter percebido o quanto elas
CDC (BRASIL, 1990). parecem, no mínimo estranhas, sobretudo depois que estudamos a neces-
sidade de equilíbrio nos contratos de consumo. E é justamente por isso que
Ademais, poderá haver a revisão do contrato pela ocorrência de fato
a legislação consumerista prevê uma série de direitos e garantias aos consu-
superveniente, ou seja, por algum motivo que aconteceu depois da celebração
midores, para que eles não sejam prejudicados pela natural vulnerabilidade
do contrato. Assim, conforme previsão do art. 6º do CDC (BRASIL, 1990),
que decorre, via de regra, deste tipo de relação. Depois que estudamos as
verificado que a cláusula contratual estabelece prestação desproporcional ou
chamadas cláusulas abusivas nos contratos de consumo, à luz do art. 51 do
em virtude de fatos ocorridos depois que o contrato for firmado, tais presta-
CDC (BRASIL, 1988), você já tem condições de entender que as cláusulas
ções serão consideradas excessivamente onerosas, autorizando a revisão do
inseridas no contrato pela empresa que lhe contratou certamente violam
contrato ou mesmo o seu encerramento (FILOMENO, 2018).
importantes disposições legais.
Ainda, poderá ocorrer a rescisão do contrato por onerosidade excessiva
Veja, por exemplo, a cláusula segundo a qual eventuais danos sofridos
diante da ocorrência de fato extraordinário, alheio à vontade das partes, que
pelo consumidor seriam suportados pela empresa fornecedora até a terça
promova um desequilíbrio contratual; neste caso, o consumidor também
parte do valor do conteúdo econômico respectivo. Ora, trata-se de imposição
poderá solicitar a extinção do contrato (NUNES, 2019).
abusiva, porque não se pode prever a natureza, extensão ou mesmo o valor
Com isso, chegamos ao final de mais uma seção. Há ainda conhecimento de eventual prejuízo que o consumidor venha a ter em função do contrato de
a ser produzido. Então, vamos em frente! consumo firmado. Dessa maneira essa é uma cláusula nula de pleno direito,
porque estabelece forma de limitação de responsabilidade por vícios de
qualquer natureza dos produtos ou serviços, com base no disposto no art.
Sem medo de errar
51, I, do CDC (BRASIL, 1990). Não seria possível uma limitação abstrata de
responsabilidade, pois, ainda que fosse o caso de haver equacionamento de
Você foi procurado, na qualidade de consultor, por uma empresa com a
responsabilidade, este somente ocorreria em processo judicial.
finalidade de revisar um contrato de adesão então elaborado. Considerando
que a empresa tem como objeto social a concessão de crédito, ela submeteu Também, o contrato proíbe a inversão do ônus da prova, o que é expres-
a sua análise o contrato de adesão que havia redigido, para que você proce- samente vedado tanto pelo art. 6º, quanto pelo art. 51, VI, ambos do CDC
desse à revisão e eventual sugestão de ajustes. (BRASIL, 1990). A inversão, como possibilidade, é direito do consumidor em
processo judicial. Não pode haver cláusula que limite tal direito, tampouco
Ao analisar o conteúdo do contrato, você identificou, de pronto, algumas
que imponha dever probatório exclusivamente à parte hipossuficiente.
cláusulas potencialmente problemáticas.
Depois, a cláusula que autoriza a modificação unilateral do percentual
O contrato prevê que em caso de qualquer dano sofrido pelo consumidor,
dos juros aplicados na concessão dos créditos encontra barreira no art. 51,
a responsabilidade por parte do fornecedor estaria limitada à terça parte do
X e XIII, do CDC (BRASIL, 1990), ainda que se trate, no caso, de contrato
respectivo conteúdo econômico, isto é, sem previsão de responsabilidade
de adesão. Isso se dá porque deve haver previsão por parte do consumidor
integral.
quanto ao impacto financeiro que irá suportar, até mesmo em respeito à

171 172
boa-fé e ao dever de informar. A variação do preço, de modo unilateral, de a. V – V – F – F – V.
que não depende nenhum ato de concordância pelo consumidor, afronta os
direitos básicos deste, sendo, portanto, nula. b. F – F – F – V – V.
Por último, a cláusula de ressarcimento à empresa dos custos de cobrança c. V – V – F – V – F.
de dívida do consumidor, sem estabelecimento de contrapartida, viola a
d. V – F – V – V – F.
proibição encartada no art. 51, XII, do CDC (BRASIL, 1990), sobretudo
por impor condição deveras custosa, sem razão, uma vez que os custos de e. F – V – V – F – F.
cobrança correspondem à própria atividade da empresa. Inexistindo forma
de contrapartida, a cláusula não se revela adequada. 2. O direito de extinguir o contrato de consumo ou mesmo o de revisá-lo
em situações excepcionais é basilar, à luz da legislação consumerista, visto
Em suma, as cláusulas que lhe foram submetidas à apreciação precisam ser
que se privilegia o equilíbrio contratual, notadamente na dimensão econô-
revisadas ou excluídas para se garantir o maior equilíbrio contratual possível.
mico-financeira. Sobre tal assunto, a revisão também ocorre para efeito de
anular cláusulas consideradas abusivas, sobretudo em contratos de adesão.
Faça valer a pena
Sobre os contratos de adesão, assinale a alternativa correta:
1. As cláusulas abusivas têm o intuito de estabelecer uma relação desigual de a. Não há possibilidade de revisar um contrato de adesão.
vantagens e desvantagens entre as partes envolvidas na relação consumerista.
b. A possibilidade de revisão de um contrato de adesão limita-se apenas
As situações que caracterizam a abusividade têm previsão, de forma exempli-
à onerosidade excessiva.
ficativa, no art. 51 da Lei nº 8.078/90 do Código de Defesa do Consumidor.
c. É possível e legal que contrato de adesão preveja a inversão do ônus da
Tomando como referência as cláusulas abusivas, classifique as afirmativas a
prova em eventual processo judicial, em detrimento do consumidor.
seguir em (V) verdadeiras ou (F) falsas.
d. É possível e legal que contrato de adesão preveja que consumidor
( ) São nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou
arcará com os custos da cobrança da sua dívida, desde que haja
atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza
contraprestação idônea e equivalente.
dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.
e. Os contratos de adesão são regidos pelo Código Civil brasileiro,
( ) As cláusulas que autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilate-
não se aplicando a eles as disposições que vedam cláusulas abusivas
ralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor, não são consi-
constantes do Código de Defesa do Consumidor.
deradas abusivas.
( ) As cláusulas que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da 3. Em geral, os contratos se extinguem pelo adimplemento da obrigação,
quantia já paga, que funciona como verdadeiro instrumento de vedação ao ou seja, pelo seu cumprimento. O cumprimento da obrigação extingue
enriquecimento ilícito, são abusivas. naturalmente a avença. Ademais, há a possibilidade de o consumidor desistir
do contrato, em determinado prazo, contado da assinatura ou do recebi-
( ) Cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas,
mento do produto ou serviço, na hipótese de a contratação ter ocorrido
isto é, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam
fora do estabelecimento comercial, sobretudo por telefone ou em domicílio,
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, são abusivas.
conforme previsto no art. 49, do CDC.
( ) As cláusulas que permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, impor
Nas contratações ocorridas fora do estabelecimento comercial, a desistência
variação do preço de maneira unilateral não são abusivas.
terá o prazo de:
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de classificação, de
cima para baixo:

173 174
a. 4 dias. Seção 3

b. 7 dias.
c. 10 dias.
Responsabilidade nas relações comerciais de
d. 12 dias.
consumo
e. 15 dias.
Diálogo aberto
Olá!
A partir de agora caminhamos para o término da unidade de direito e
legislação do consumidor. Depois de termos estudado a relação de consumo
desde a sua formação, até as questões contratuais, com especial destaque para
as cláusulas abusivas e para a extinção do contrato de consumo, é chegado o
momento de investigar as circunstâncias nas quais haverá responsabilização
do fornecedor do produto ou serviço.
Essa modalidade de responsabilidade encontra-se disciplinada no Código
de Defesa do Consumidor, revestindo-se de distinções próprias, adaptadas à
realidade das relações comerciais de consumo. Nesse sentido, estudaremos a
responsabilidade por fato do produto ou do serviço e a responsabilidade por
vício do produto ou do serviço, as quais são as duas espécies basilares que
constituem os pilares da responsabilidade, no caso civil, no âmbito da defesa
do consumidor.
Conhecer estas regras é medida fundamental para a prevenção e para o
planejamento com o objetivo de se evitar prejuízos, sobretudo de natureza
econômica. Mas, também, comentaremos brevemente sobre outros reflexos
da responsabilização do fornecedor, quanto à responsabilidade no campo
administrativo e no campo penal.
As normas de proteção das relações de consumo são bastante sérias e
devem ser conhecidas, eis que seu descumprimento poderá ensejar a tripla
responsabilização (civil, penal e administrativa).
Para aguçar os estudos propostos, suponha que você, na qualidade de
sócio administrador de uma loja de suplementos alimentares, tenha sido
chamado para resolver uma questão concreta surgida.
Determinado cliente efetuou a compra de um pote de proteína impor-
tada, no qual constava no rótulo o peso líquido de 900 quilogramas. No
entanto, imediatamente após comprar o produto, o referido consumidor
abriu o produto e constatou que parecia haver uma quantidade menor do
que a anunciada.

175 176
Recorrendo ao funcionário da loja, despejou-se o conteúdo em uma Via de regra, alguns fatores são apurados a fim de verificar o grau de
balança de precisão na qual se verificou que havia ali apenas 500 quilogramas responsabilidade. Assim, devem ser obedecidos alguns pressupostos primor-
de produto. diais: configuração de um dano, isto é, prejuízo; ofensa de caráter material
ou moral, à medida que não é apenas o prejuízo puramente econômico
O consumidor, então, cliente, reclamou da situação e exigiu que fosse
(material) que se tutela, mas a mácula, o sofrimento moral, a ilicitude
de alguma forma resolvida. O funcionário disse ao cliente que este deveria
causada com repercussão no bem-estar da pessoa, psíquico ou emocional,
acionar o fabricante do produto, pois a loja apenas realiza a comercialização
também é tutelada; nexo causal, ou seja, deve-se verificar uma relação entre
e por isso não responderia pelo acontecido. O cliente buscou nas informa-
causa e efeito; e, por fim, culpa, que pode ser definida como uma ação ou
ções do produto a identificação do respectivo fornecedor. Contudo, nada
omissão reprovável de acordo com os valores tidos como comuns pela socie-
encontrou. Não havia nenhuma identificação acerca da origem do produto,
dade (SOUZA; WERNER; NEVES, 2018).
de sua fabricação ou mesmo procedência. Neste caso, o funcionário da loja
simplesmente lhe disse que nada poderia ser feito. O cliente exigiu falar com Nesse sentido, a culpa é graduada como grave (qualificada pela falta
um responsável pela loja. Neste momento, você foi chamado para resolver a de cautela, mínimo cuidado, zelo – trata-se de uma atitude repreensível
situação, como sócio-administrador da empresa. Considerando as disposi- grosseira); leve (identificada pela falta de atenção ordinária, comum segundo
ções legais, é possível dizer que a atitude do funcionário ocorreu de maneira os parâmetros sociais); e levíssima (tipificada pela falta de atenção extra-
correta, ou será que alternativas são cabíveis na hipótese, diante da proteção ordinária, na desatenção de circunstância que requer cuidado extremo).
do consumidor? Observados tais aspectos, está caracterizada a chamada responsabilidade
subjetiva, que pressupõe o elemento culpa como seu fundamento.
Ao longo desta seção mobilizaremos os conteúdos que permitirão a você
elaborar os melhores caminhos e apresentando as alternativas mais interes- Entretanto, nas relações de consumo, a caracterização do dever de
santes para o problema proposto e outros tantos que poderão surgir. responder independe da verificação e gradação do elemento culpa. Logo,
trata-se de responsabilidade mais grave, determinando a obrigatoriedade da
Vamos lá!
reparação.
Assim, conforme o regramento do Código de Defesa do Consumidor
Não pode faltar
(BRASIL, 1990) nos arts. 12, 14, 18, 19 e 20, só existe a necessidade de
comprovação da ação ou da omissão, do resultado (dano, prejuízo) e do nexo
A partir de agora, estudaremos a responsabilidade civil nas relações
de causalidade para atribuir a responsabilidade objetiva aos fornecedores de
consumeristas.
produtos e prestadores de serviços (ALMEIDA, 2019).
A fim de embasar nosso entendimento, primeiramente faremos uma
A única exceção reside no caso dos profissionais liberais, conforme artigo
análise no que consiste a responsabilidade jurídica. Assim, é possível caracteri-
14, §4º, do CDC (BRASIL, 1990, [s.p.]), segundo o qual: “a responsabilidade
zá-la como uma situação que tem origem em uma ação ou em uma omissão de
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
um indivíduo que, contrariando o regramento jurídico, se obriga a responder
por tais fatos com seus bens ou sua pessoa (TARTUCE; NEVES, 2018).
Assimile
Diferente da obrigação, que se caracteriza como um vínculo entre sujeitos
A responsabilidade civil nas relações de consumo, via de regra, é
que confere a um (credor) o direito de exigir de outro (devedor) o cumpri-
objetiva. Isto significa dizer que o consumidor prejudicado, lesado, para
mento de uma obrigação anteriormente avençada, a responsabilidade decorre
fins de buscar eventual indenização, ressarcimento ou reparação por
do inadimplemento desta, ou seja, trata-se da consequência do descumpri-
danos morais ou materiais de fornecedores de produtos ou serviços,
mento da relação que obrigou as partes.
deverá demonstrar três elementos: I) ação ou omissão; II) dano; III)
Nos casos específicos dos contratos, temos como fonte da responsabilidade a nexo causal. Na responsabilidade civil objetiva não há necessidade de
vontade humana, dado que eles se perfazem pelo consensualismo, ou seja, pela se provar a culpa do agente causador do dano.
manifestação de vontade de ambas as partes envolvidas (ALMEIDA, 2015).

177 178
Note-se que o dever de reparar encontra respaldo na Constituição da serviço que provocar prejuízo ao consumidor. Vale a pena a transcrição do
República de 1988, no art. 5º, V e X (BRASIL, 1988), e abrange não só os referido dispositivo:
danos relativos aos bens, prevalecendo o dever de ressarcir nas hipóteses
de vício, ausência ou insuficiência de informações que deveriam constar no Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional
rótulo dos produtos ou no oferecimento de prestação de serviços. ou estrangeiro, e o importador respondem, independen-
temente da existência de culpa, pela reparação dos danos
A fim de compreender com precisão a temática, analisaremos a seguir
causados aos consumidores por defeitos decorrentes de
alguns conceitos basilares e imprescindíveis do Código de Defesa do
projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas,
Consumidor (BRASIL, 1990).
manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus
Devemos lembrar que fornecedor, nos termos do artigo 3º do CDC produtos, bem como por informações insuficientes ou inade-
(BRASIL, 1990, [s.p.]), são as pessoas que desenvolvem “atividades de quadas sobre sua utilização e riscos. (BRASIL, 1990, [s.p.])
produção, montagem, criação, construção, transformações, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de
serviços”. Exemplificando
Um acidente aeroviário, bem como um acidente automobilístico em
Ressalte-se que atividade, nesse contexto, é designada por atos continu-
que a causa tenha sido um defeito de fabricação, configura hipótese
ados e habituais, ou seja, a prática de atos isolados não qualifica a figura de
de dano indenizável por fato do produto ou serviço, a depender da
fornecedor.
situação.
Além disso, nessas hipóteses apresentadas, quando há vários autores
integrantes da cadeia produtiva, haverá responsabilidade solidária entre
Ainda, a legislação consumerista explicita no que consistem os produtos
todos eles (ALMEIDA, 2019).
ou serviços defeituosos para fins de caracterização da responsabilidade pelo
Dessa forma, o consumidor poderá acionar judicialmente qualquer fato do produto ou serviço. Consoante dispõe o art. 12, §1º, do CDC (BRASIL,
das partes responsáveis pela colocação do produto ou serviço no mercado. 1990), considera-se defeituoso o produto que não manifeste a segurança que
Ressalte-se que se equiparam a consumidor todas as vítimas efetivas deveria, observados sua apresentação, seu uso e o risco presumível, bem
e potenciais. como a época em que ele foi colocado no mercado (FILOMENO, 2018).
Ainda no que tange à indenização, o art. 51, I, do CDC (BRASIL, 1990) Ainda nesse sentido, o artigo 12, §1º, II, do CDC (BRASIL, 1990) deter-
veda a chamada “indenização tarifada”, isto é, não há limitação para a fixação mina como defeituoso o produto que contenha dados insuficientes ou inade-
da indenização, que será integral, suficiente conforme a extensão do dano quados acerca de sua utilização e risco e, até mesmo, aqueles veiculados em
verificado. Logo, como estudado anteriormente, são nulas as cláusulas meio publicitário devem ser apresentados com todas as informações neces-
tendentes a atenuar ou até mesmo excluir a responsabilidade do fornecedor. sárias, conforme art. 31 do CDC (BRASIL, 1990).
No contexto das relações de consumo, duas são as espécies de responsa-
bilidade: pelo fato do produto ou serviço e pelo vício do produto ou serviço. Exemplificando
Também são exemplos de fato do produto, a situação de um aparelho
A seguir, ambas serão minuciosamente analisadas e feitas as devidas
de ventilação cuja hélice se desintegra, ocasionando ferimentos ao
distinções.
consumidor, bem como o caso dos aparelhos de celular cujas baterias
A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço deriva de danos do explodem, causando queimaduras (danos) ao consumidor. Ainda é
produto ou serviço, os chamados acidentes de consumo (ALMEIDA, 2019). possível mencionar os alimentos estragados que podem causam intoxi-
cações. Como fato do serviço, observamos a utilização de tintas tóxicas
Conforme previsto no art. 12 do CDC (BRASIL, 1990) é conside-
em serviços de pintura, provocando intoxicações. Ainda, um serviço de
rado fato do produto todo e qualquer acidente ocasionado por produto ou
dedetização com dosagem superior que cause igualmente intoxicações
caracteriza o fato do serviço.

179 180
Nesse sentido, a responsabilidade principal é voltada ao fabricante, Cumpre ressaltar, ainda, que nestes casos haverá inversão do ônus da
produtor, construtor ou importador do produto (NUNES, 2019). prova, isto é, alteração do encargo de produzir provas sempre que o juiz,
na análise do caso concreto, verificar que a alegação do consumidor está
O comerciante só responderá de forma solidária, na forma do art. 13 do
próxima das evidências ou quando o consumidor for considerado hipossufi-
CDC (BRASIL, 1990), quando verificado que: a) não conservou adequa-
ciente (ALMEIDA, 2019).
damente os produtos perecíveis; ou b) quando o fornecedor não puder ser
identificado; ou c) produto fornecido sem identificação clara do fabricante, A responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço, por sua vez, está
produtor, construtor ou importador. relacionada a vícios de qualidade ou quantidade, intrínsecos, ou seja, quando
se verifica que o defeito torna a coisa imprópria ou inadequada para a utili-
Ressalte-se que há previsão legal, no art. 13, parágrafo único, do CDC
zação a qual está destinada ou, ainda, que lhe diminua o valor, conforme
(BRASIL, 1990) no sentido do chamado direito de regresso, isto é, a parte que
previsto no art. 18 do CDC (BRASIL, 1990). Vale a pena conhecer a redação
efetivamente ressarcir o prejuízo do consumidor poderá acionar os demais
do dispositivo:
responsáveis consoante sua participação no dano.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis


Assimile
ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios
O comerciante responde de maneira solidária com o fabricante,
de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios
produtor, construtor ou importador do produto, quando:
ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes
a. não conservou de modo adequado produtos perecíveis;
diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da
b. o fabricante não puder ser identificado; e
disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da
c. o produto não trouxer informações claras sobre fabricante,
embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respei-
produtor, construtor ou importador.
tadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo
o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
Como analisado anteriormente, nas relações consumeristas, a respon- (BRASIL, 1990, [s.p.]).
sabilidade do fornecedor independe da comprovação do elemento culpa,
cabendo ao consumidor provar, apenas, o dano, a conduta do agente e o
Além disso, são dotados de vício os produtos ou serviços que divirjam dos
liame entre a conduta e o dano (THEODORO JÚNIOR, 2017).
indicados nos rótulos, embalagens, recipientes ou mensagens publicitárias.
Todavia, a exceção a esta regra encontra previsão nos termos do §3º do
Nestas hipóteses, conforme previsão do art. 18, §1º, do CDC (BRASIL,
art. 12 do CDC (BRASIL, 1990), relativamente à exclusão da responsabi-
1990), uma vez constatados vícios nos produtos, o consumidor poderá exigir
lidade pelo fato do produto, quando o fabricante, construtor, produtor ou
alguma das opções abaixo, na hipótese de o vício não ser sanado no prazo
importador provar, alternativamente, que:
máximo de 30 (trinta) dias:
• Não colocou o produto no mercado;
• Que o produto seja substituído por outro da mesma espécie, em
• Apesar de ter colocado o produto no mercado, não há defeito; perfeitas condições;
• Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. • Que a quantia paga seja imediatamente restituída, com correção
monetária e sem prejuízo da apuração de eventuais perdas e danos;
Igualmente, quanto ao fato do serviço, o §3º do art. 14 do CDC (BRASIL,
1990) estabelece que o fornecedor do serviço estará isento de responsabili- • Que haja abatimento proporcional do preço.
dade nas hipóteses nas quais provar, alternativamente, que:
O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os
• Prestado o serviço, o defeito é inexistente; tornem impróprios ao consumo ou lhes reduzam o valor, bem como quando
o serviço destoar do anunciado em oferta ou em publicidade, de modo
• Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

181 182
que, na forma do art. 20 do CDC (BRASIL, 1990), o consumidor poderá Neste sentido, o art. 28 do CDC (BRASIL, 1990) estabelece que o juiz
exigir, alternativamente: poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando esta
• que os serviços sejam reexecutados, se possível, e sem custo adicional; praticar atos em prejuízo do consumidor, notadamente quando incorrer
em abuso de direito, excesso de poder, infração das disposições legais, por
• que a quantia paga seja restituída imediatamente, com correção
cometimento de ato ilícito, bem como por violação dos estatutos ou contrato
monetária, e sem prejuízo da apuração de eventuais perdas e danos;
social. Igualmente, a “desconsideração também será efetivada quando houver
• que haja abatimento proporcional do preço. falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica provocados por má administração” (BRASIL, 1990, [s.p.]).
Reflita Ademais, havendo grupo econômico ou sociedades controladas por
Você conseguiria pensar em situações em que possa estar configurada outras, estas responderão de maneira subsidiária pelas obrigações decor-
a responsabilidade por fato do produto ou serviço e a responsabilidade rentes da legislação consumerista. Servem como uma forma de garantia de
por vício do produto ou serviço, para destacar as diferenças? cumprimento das obrigações, assim como em caso de dever de pagamento
de indenizações. Já as sociedades que atuarem em consórcio (espécie de
parceria com propósitos específicos) são solidariamente responsáveis, de
De acordo com o art. 26 do CDC, o direito de reclamar por vícios
modo que, um ato praticado por um, se resultar em dever de indenizar,
aparentes (que são aqueles de fácil constatação) decai em 30 (trinta) dias
poderá ser cobrado integralmente da outra sociedade, então consorciada
para bens não duráveis, isto é, aqueles utilizados por curtos períodos de
(ALMEIDA, 2019).
tempo, cujo consumo é imediato (como produtos de higiene e alimentícios)
e de 90 (noventa) dias para bens duráveis, ou seja, aqueles utilizados por Fundamental regra, no entanto, está presente no §5º do art. 28 do CDC
longos períodos, no qual o consumo não é instantâneo (como computadores, (BRASIL, 1990), segundo o qual a desconsideração da personalidade jurídica
automóveis, celulares e televisores). Tais prazos são iniciados a partir da poderá ocorrer sempre que esta constituir, de qualquer modo, em obstáculo
entrega efetiva do produto ou do término da execução do serviço (KOURI, ao dever de ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
2013; NUNES, 2019).
Além da responsabilidade patrimonial decorrente de ilícitos cometidos
No que diz respeito aos vícios ocultos, o prazo é contado a partir do no domínio da legislação de proteção do consumidor, o fornecedor de
momento em que o consumidor detectar o defeito. produtos ou serviços também poderá responder na via administrativa,
perante os órgãos públicos competentes.
Exemplificando O art. 56 do CDC (BRASIL, 1990) prevê algumas possibilidades de
É possível caracterizar como serviços duráveis a pintura de um imóvel, sanções a serem aplicadas em caso de cometimento de infrações das normas
uma dedetização com prazo estipulado, o serviço de assistência técnica, de defesa do consumidor, como: multa, apreensão do produto, inutilização do
ou seja, o que se espera é a razoável duração do serviço. Como serviços produto, suspensão temporária de atividade, cassação de licença de estabe-
não duráveis, observa-se a faxina, a lavagem de automóvel, cujos lecimento ou de atividade, interdição total ou parcial de estabelecimento e
efeitos perduram por um período mais curto. imposição de contrapropaganda (ALMEIDA, 2019).
É válido lembrar que a aplicação das sanções depende da existência de um
Como comentado, a responsabilidade civil decorrente das relações de processo administrativo, ainda que possam ser aplicadas de maneira cautelar,
consumo resulta em um dever de reparar os danos eventualmente causados. de modo antecedente ao processo ou mesmo em seu curso. Neste processo,
Trata-se de uma reparação de feitio essencialmente patrimonial. Mesmo o a parte que tenha sofrido a imposição de penalidade poderá discuti-la, bem
dano moral configurado será convertido em uma indenização pecuniária. como lhe assiste o direito de discutir a questão judicialmente.
Sobre o assunto é interessante saber que o Código de Defesa do Por fim, o CDC (BRASIL, 1990), a partir do art. 61 prevê uma série
Consumidor prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade de infrações penais, os chamados crimes contra as relações de consumo
jurídica para fins de responsabilização patrimonial. (TARTUCE; NEVES, 2018).

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Como se pôde perceber, a responsabilização daquele fornecedor que diante da legislação consumerista. Neste sentido, você já percebeu que
praticar ato ilícito em detrimento do consumidor poderá ocorrer nas três o funcionário não agiu de maneira acertada, de modo que precisaria ser
vias: civil, administrativa e penal. Ademais, uma não exclui a outra. instruído, bem como os demais que eventualmente colaboram com a loja,
para que o evento não se repita e para que todos saibam agir adequadamente.
E com isso chegamos ao fim dos nossos estudos no campo do direito
De início, é possível verificar que se trata de hipótese de responsabili-
do consumidor. Agora você já estará muito mais preparado para enfrentar
dade por vício do produto, eis que apresenta quantidade inferior àquela
a prática administrativa das empresas, uma vez que conhece os elementos
anunciada. Neste caso, você poderia pensar que, como comerciante, não
essenciais que caracterizam a proteção da relação consumerista.
seria responsável solidariamente perante o fabricante, produtor, construtor
ou importador do produto. No entanto, a responsabilidade da loja será
Sem medo de errar solidária na forma do art. 13 do CDC (BRASIL, 1990), pois foi verificado que
o fornecedor não pôde ser identificado. Em princípio, então, alguma solução
Depois de aprendermos sobre as hipóteses de responsabilidade no deve ser empreendida pela loja de suplementos, diante da ausência de identi-
contexto das relações de consumo, é chegado o momento de nos dedicarmos ficação do fornecedor.
a resolver a situação-problema proposta no início desta seção.
Apesar disso, com base no art. 13, parágrafo único, do CDC (BRASIL,
Você deve se lembrar que foi chamado, na qualidade de sócio adminis- 1990) há o chamado direito de regresso, isto é, a parte que efetivamente
trador de uma loja de suplementos alimentares, para resolver uma questão ressarcir o prejuízo do consumidor, poderá acionar os demais responsáveis
pontual surgida com a venda de um produto para um cliente, então consoante sua participação no dano. Mediante essa possibilidade você poderá
consumidor. acionar aqueles que participaram da cadeia produtiva do bem viciado, inclu-
sive o distribuidor, o importador etc., a fim de apurar de quem é realmente o
Ele efetuou a compra de um pote de proteína importada, que fazia menção
dever de ressarcimento.
ao conteúdo líquido de 900 quilogramas, porém, imediatamente depois da
compra, o cliente abriu a embalagem e percebeu que havia menos produto do Perante o consumidor, entretanto, a loja de suplementos responderá,
que o inicialmente informado. neste caso, integralmente.
Chegou a ponderar a situação com um funcionário da loja que procedeu à Mas, e quanto ao consumidor, o que poderá ser feito para resolver a
pesagem do conteúdo do pote de proteína, constatando, no próprio local, que sua situação?
havia apenas 500 quilogramas do produto. Havia, portanto, uma diferença
Conforme previsão do art. 18, §1º, do CDC (BRASIL, 1990), uma vez
de 400 quilogramas, embora o consumidor já tivesse pago o valor integral
constatados vícios nos produtos, o consumidor poderá exigir alguma das
da mercadoria.
opções a seguir, na hipótese de o vício não ser sanado no prazo máximo de
Você soube que o consumidor ponderou novamente junto ao funcionário 30 (trinta) dias:
que o atendera, cobrando por alguma alternativa de solução do problema,
• que o produto seja substituído por outro da mesma espécie, em
vez que não seria justo ele suportar o prejuízo. Na oportunidade, o funcio-
perfeitas condições;
nário informou que nada poderia ser feito e que o cliente deveria procurar
o fabricante e com este buscar o direito que entendia possuir. No entanto, • que a quantia paga seja imediatamente restituída, com correção
não havia indicação, no rótulo do produto, de qualquer fabricante. O consu- monetária, e sem prejuízo da apuração de eventuais perdas e danos;
midor dirigiu-se novamente ao funcionário que asseverou que nada poderia
• que haja abatimento proporcional do preço.
ser feito por ele naquele momento.
Então, você poderá propor qualquer uma das alternativas acima elencadas,
Decidiu-se então por chamar você para que, como sócio-administrador,
inclusive ofertando ao consumidor o conhecimento dos seus direitos, vez
propusesse a resolução do caso.
que a escolha, afinal, pertence a ele.
Diante disso, além de resolver a situação perante o cliente, você deveria
avaliar a conduta do funcionário da loja, considerando seu acerto ou não

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Faça valer a pena I. O defeito torna a coisa imprópria ou inadequada para a utilização
a qual está destinada ou, ainda, que lhe diminua o valor, conforme
1. A responsabilidade pode ser conceituada como a obrigação de indenizar previsto no art. 18 do CDC.
por danos causados por defeito ou falta de informação de produto ou serviço.
II. Uma vez constatados vícios nos produtos, o consumidor poderá
Tomando como referência a responsabilidade civil nas relações de consumo, exigir, dentre outras hipóteses, o abatimento proporcional do preço,
classifique as afirmativas a seguir em (V) verdadeiras ou (F) falsas. na hipótese de o vício não ser sanado no prazo máximo de 45
(quarenta e cinco) dias.
( ) A responsabilidade patrimonial é a forma pela qual a pessoa responde
pelo cometimento de atos ilícitos ou por abuso de direito. III. O consumidor pode exigir que o produto com vícios de qualidade
ou quantidade seja substituído por outro da mesma espécie, em
( ) A responsabilidade patrimonial ocorre, exclusivamente, pela via adminis-
perfeitas condições.
trativa.
IV. O consumidor pode exigir que a quantia paga pelo produto que
( ) Via de regra, a responsabilidade, no âmbito civil, é subjetiva, e é preciso
apresente vício de qualidade seja imediatamente restituída, sem
provar a ação/omissão, o dano, o nexo causal e a culpa (intenção ou falta de
correção monetária, e independentemente da apuração de eventuais
cuidado do agente).
perdas e danos.
( ) Nas relações de consumo, deverão ser provados a culpa, a ação/omissão,
V. O consumidor também pode exigir que haja abatimento propor-
o dano e o nexo causal.
cional do preço quando o produto apresentar vícios de qualidade ou
( ) A responsabilidade pelo fato do produto/serviço e responsabilidade pelo quantidade que o torne impróprio ao consumo ou lhes diminua o
vício do produto/serviço são as principais causas de responsabilidade no valor.
âmbito da legislação consumerista.
Considerando o contexto apresentado, é correto o que se afirma apenas em:
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de classificação, de
a. I, II e III.
cima para baixo:
b. I, II, III e IV.
a. V – F – V – F – V.
c. II, III, IV e V.
b. V – V – F – V – F.
d. III, IV e V.
c. F – V – F – V – V.
e. I, III e V.
d. F – F – V – V – V.
e. V – F – F – V – V. 3. De acordo com o art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, o
comprador tem o direito de reclamar por vícios aparentes (que são aqueles
2. A responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço está relacionada de fácil constatação) e vícios ocultos (que são aqueles de difícil constatação).
aos vícios de qualidade ou quantidade. Um exemplo é a compra de uma
Assinale a alternativa que apresenta o prazo correto.
televisão que não funciona (problema de qualidade) ou a compra de alimento
em uma embalagem que indica 5 kg, mas que, na verdade, tem apenas 4,5 kg a. 25 dias, tratando-se de vício aparente e de produto durável.
do produto.
b. 40 dias, tratando-se de vício aparente e de produto não durável.
Considerando as informações apresentadas, analise as afirmativas a seguir:
c. 90 dias, tratando-se de vício aparente e de produto durável.
d. 150 dias, tratando-se de vício aparente e de produto não durável.
e. 270 dias, tratando-se de vício oculto.

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