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Aliás, os séculos XVII e XVIII não foram nada fáceis para as mulheres e os pobres, como,
de resto, não é ainda hoje. Submetida aos pais ou aos maridos, a vida das mulheres
transcorria inteiramente dentro do âmbito doméstico. O acesso à educação formal era
exceção, e não a regra. Fora das Universidades e das esferas de poder, tanto político quanto
religioso, quase nunca a voz das mulheres era ouvida. Certamente, foi por essa razão que
Susanna estabeleceu como norma não ensinar nenhuma tarefa ocupacional às filhas até
soubessem ler suficientemente bem. Sem dúvida, essa era uma das condições
indispensáveis para que as mulheres alcançassem atenção e respeito. A própria Susanna
mostrou-se bastante firme em suas convicções, defendendo o seu ponto de vista sem
hesitação sempre que discordava das opiniões de seu esposo. Escrevendo ao filho John,
confessou-lhe: “É uma infelicidade quase peculiar à nossa família que teu pai e eu
raramente pensamos do mesmo modo”.
Tal determinação tem antecedentes em seus antepassados, sendo forjada numa era marcada
pela intolerância. A Inglaterra achava-se, então, profundamente dividida em matéria
religiosa e política. No século XVI, Henrique VIII rompera com o catolicismo e instituíra
uma Igreja nacional (1534), cujos contornos seriam definidos, somente mais tarde, com sua
filha Elisabeth I (1558-1603), depois de avanços e retrocessos. Muitos não aceitaram as
soluções encontradas e continuaram a defender mudanças radicais. Queriam abolir práticas
remanescentes do antigo regime eclesiástico, como a existência de bispos, e reivindicavam
a purificação da Igreja da Inglaterra. A sucessão dos fatos políticos colocou em confronto a
monarquia e o parlamento dominado pelos puritanos, como ficaram conhecidos os que
defendiam tais idéias. Num primeiro momento, os puritanos, liderados por Oliver
Cromwell, ascendem ao poder, decapitam o rei Charles I e instituem uma república,
impondo sobre a sociedade severas leis religiosas (1649). Divisões internas associadas ao
fanatismo religioso, problemas de liderança e o desgaste político acabam conduzindo à
restauração da monarquia a pedido dos próprios parlamentares (1660). O culto da Igreja
Oficial é novamente imposto, pela promulgação de novo Ato de Uniformidade (1662), e os
clérigos descontentes são depostos de suas congregações. Apenas após a chamada
“Revolução Gloriosa” (1688), que destituiu o rei James II, por causa de suas inclinações
para o catolicismo, e elevou William de Orange e Mary ao trono inglês, criaram-se as
condições para aceitação do Ato de Tolerância (1689), que admitiu, sob certas limitações, a
liberdade de culto para os denominados não conformistas. Vale lembrar que católicos
romanos e unitaristas (que negam a fé na Trindade) foram excluídos desse ato,
conquistando plena liberdade na Inglaterra somente no ano de 1829.
“Lembrem essas duas palavras, mesmo que vocês esqueçam todo o resto do Sermão,
isto é, ‘CRISTO e Santidade, Santidade e CRISTO’: entrelacem-nas, de todas as
maneiras, em todas as suas conversações... É o cristianismo sério que eu exijo como o
único modo para aperfeiçoar qualquer condição; é o cristianismo, o claro
cristianismo, que sozinho pode fazê-lo; não é moralidade sem fé, que nada é senão
refinado paganismo; não é a fé sem moralidade, que nada é senão evidente hipocrisia;
há de ser uma fé divina, formada pelo Espírito Santo, na qual Deus e o ser humano
cooperam na realização; tal é a fé que atua pelo amor, tanto a Deus como ao ser
humano; uma fé santa, repleta de boas obras” (In: COLLINS, Kenneth J. John Wesley:
A Theological Journey, p. 14).
A partir desse testemunho, não é difícil perceber como foi se constituindo a piedade da
jovem Susanna. Também não é impossível imaginar como o clima de confrontação e
intransigência, vivido no tempo de sua adolescência e mesmo depois, contribuiu para gerar
uma franca mentalidade de tolerância e respeito, que reconhece que a ação de Deus
transcende os estreitos limites da própria experiência religiosa. Quem sabe se não foi por
esse motivo que Susanna decidiu, como também o fez Samuel Wesley, deixar a Igreja de
seu pai para vincular-se à Igreja Anglicana sem, contudo, abandonar as preciosas lições que
havia aprendido. Não apenas o lar formado por ambos, mas o próprio movimento metodista
teria feições bem diferentes não fosse essa oportuna decisão.
http://www.metodistavilaisabel.org.br/artigosepublicacoes/descricaocolunas.asp?Numero=
1976