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Análise Funcional do Comportamento de Amar de

Eduardo e Mônica (Legião Urbana)


Não é verdade que é muito mais reforçador estudar
usando a arte? E, claro, é mais difícil também, já que
exige que o estudante não apenas domine os conceitos,
mas também que seja capaz aplicá-los na análise da obra
de arte utilizada para o estudo (o que torna a coisa toda
ainda mais interessante!).
Foi pensando nisso que a professora Gleice Cordeiro, da
Universidade Federal do Vale do São Francisco
(UNIVASF), desafiou seus alunos da disciplina Análise do
Comportamento II, do 4º Período de Psicologia, a
analisarem músicas e cordéis clássicos brasileiros
utilizando a teoria comportamental. Deste desafio, saíram
trabalhos excelentes, que vocês conferem aqui
no Comporte-se!
O primeiro trabalho é uma análise da música Eduardo e
Mônica, de Legião Urbana.
Os autores são Gabriela da Silva Barros, Thayane de
Souza Barros, Milena Vitor Gama Duarte, Natália Mirele
de Lima Gomes, Rosinéia Dias da Rocha Santos, Ana
Carolina Costa Serafim e Ravena Araújo Silva.
DESCRIÇÃO DA MÚSICA
Esta análise se baseia na história de amor de Eduardo e
Mônica, retratada na composição musical de Renato
Russo. Ela conta a história de um casal com padrões
comportamentais diferentes, sendo a Mônica uma jovem
universitária, que estudava Medicina, bastante culta, que
falava alemão, gostava de magia e meditação, enquanto
Eduardo era um adolescente, iniciante nas aulas de
inglês, que gostava de cinema, clube e televisão. O casal
se encontrou pela primeira vez numa festa, na qual o
amigo de Eduardo o teria levado. Deste momento em
diante, os amantes passaram a se conhecer melhor e
organizar as contingências para que pudessem aumentar
a frequência dos seus encontros. Segue a música abaixo,
e em seguida, uma possível avaliação comportamental da
mesma.
EDUARDO E MÔNICA – LEGIÃO URBANA 
Quem um dia irá dizer que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer
Que não existe razão?
Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
No outro canto da cidade
Como eles disseram
Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer
Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse
– Tem uma festa legal e a gente quer se divertir
Festa estranha, com gente esquisita
– Eu não estou legal, não aguento mais birita
E a Mônica riu e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa
– É quase duas, eu vou me ferrar
Eduardo e Mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard
Se encontraram então no parque da cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camelo
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo
Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês
Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
De Van Gogh e dos Mutantes
Do Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol-de-botão com seu avô
Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda estava
No esquema “escola, cinema, clube, televisão”
E, mesmo com tudo diferente
Veio mesmo, de repente
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia
Como tinha de ser
Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia
Teatro e artesanato e foram viajar
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar
Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar
E ela se formou no mesmo mês
Em que ele passou no vestibular
E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos, muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa
Que nem feijão com arroz
Construíram uma casa uns dois anos atrás
Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana e seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram
Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade dá saudade no verão
Só que nessas férias não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo
Tá de recuperação
E quem um dia irá dizer que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer
Que não existe razão?
As principais observações possíveis a partir da letra da
música são:
a)      Eduardo apresentava um repertório comportamental
menos variado se comparado ao de Mônica. Assim,
Mônica contribuiu por meio do processo de
aprendizagem, através da modelagem e modelação, para
que Eduardo aumentasse seu repertório com a aquisição
de novas habilidades a conhecimentos, como falar sobre
o planalto central, fazer natação, meditação, artesanato,
etc.
b)      Os padrões comportamentais de ambos eram bem
distintos, como pode ser observado neste versos
“Eduardo e Mônica eram nada parecidos, Ela era de Leão
e ele tinha dezesseis, Ela fazia Medicina e falava alemão,
E ele ainda nas aulinhas de inglês (…)”, mas ainda assim
havia uma vontade recíproca de se encontrarem,
possivelmente porque quando se encontraram no
passado, foram produzidos reforçadores positivos como a
troca de conhecimento e de carinho, assim como
possivelmente outros programas que fizeram, como ir ao
cinema, foram agradáveis (reforçadores) para ambos.
c)       A primeira estrofe da música relata a rotina dos
amantes Eduardo e Mônica antes de se conhecerem
(antecedente histórico), o que ajuda a compreender em
quais contextos viviam.
d)     Eduardo foi convidado por um amigo para uma festa
cujo estilo ele não costumava frequentar. Ao chegar na
festa, conheceu a Mônica e iniciou com ela uma
conversa. A falta de costume com o ambiente festivo fez
com que Eduardo o conceituasse como estranho e com
pessoas esquisitas e consequentemente os seus
comportamentos de esquiva começaram a ser emitidos,
como se pode verificar nos seguintes versos: “Festa
estranha, com gente esquisita, E o Eduardo, meio tonto,
só pensava em ir pra casa – É quase duas, eu vou me
ferrar”. Este último, destacado pelo travessão, faz nos
inferir também que o jovem menino corre o risco de sofrer
alguma punição positiva ou negativa dos pais, pelo fato
de chegar tarde em casa.
e)      Apesar dos comportamentos de esquiva da “bronca”
familiar emitidos por Eduardo, como ir embora antes do
fim da festa, ele e Mônica criaram condições para um
segundo encontro amoroso ao trocarem telefones
(modificando as contingências!!). E apesar das notáveis
diferenças de estilos musicais e rotina, a vontade de
estarem juntos crescia gradualmente em função do
acesso aos reforçadores que eram obtidos nestes
encontros. Neles, o casal fazia programas de namorado,
e com isso, possivelmente havia trocas de afeto, carinho
e conhecimento. Logo, e óbvio, ocorreu o aumento da
probabilidade da ocorrência de novos encontros.
f)       Eduardo apresentava comportamento menos
variado e mais característico do padrão ocidental de
adolescente se comparado ao de Mônica, já que este
tinha 16 anos e se atentava para assuntos
correspondentes a sua faixa etária. Em contrapartida, ela
era uma jovem que tinha propriedade sobre os mais
diversos assuntos como: arte, poesia e música.
g)      A aquisição de novas habilidades, a construção
história comum, com habilidades comuns aos dois,
concomitantemente com a vontade de estarem juntos (já
explicada), levou os amantes a praticarem outras
atividades, como natação, fotografia e teatro.
h)      Por Mônica possuir mais habilidades em razão de
sua experiência de vida, que resultou num repertório com
maior variabilidade do que o de Eduardo, ela influenciou
mais o processo de autoconhecimento e aquisição de
variabilidade comportamental do outro.
i)        Um fato interessante que a música aborda é o
comportamento supersticioso, fazendo ouvinte acreditar
que o fato dela ser do signo de “Leão” interferia nos
comportamentos apresentados, desconsiderando neste
verso, o histórico de cada um: organização familiar,
aspectos filogenéticos, ambientes estudantis, sociais e
culturais.
j)        Enfim, a música descreve o comportamento de
amar, que operacionalmente poderia listado como ações
recíprocas manejadas por duas pessoas para se
manterem juntas, pois assim tinham acesso a
consequências reforçadoras positivas e negativas. Logo,
ligavam, iam ao cinema, construíram uma casa, tiveram
filhos e tantos outros projetos juntos!
ANÁLISE FUNCIONAL DA MÚSICA
Será detalhada a seguir em termos operacionais de
contingência tríplice, a Análise Funcional da música
anteriormente descrita.
As figuras seguintes apresentam uma análise dos
comportamentos de Eduardo e Mônica que resultaram na
história de reforçamento e entrelaçamento de
contingências que determinaram o comportamento de
amar do casal.

Figura 1. Comportamento de Eduardo ir à festa.


Na figura 1, o comportamento de Eduardo ir à festa, após
seu amigo do cursinho o indicar, faz parte do contexto
para que o garoto conhecesse Mônica, as consequências
de se conhecerem teve função de reforço positivo para
que voltassem a se encontrar.
Figura 2. Comportamento de trocar o número de telefone.
Na figura 2, o comportamento de ambos trocarem o
telefone resultou no telefonema. Não dá para prever
quem fez a ligação, mas provavelmente a forma de
interagirem ao falarem no telefone reforçou o
comportamento de telefonar de ambos, assim como
serviu como estímulo discriminativo para a emissão de
outro comportamento que resultou em consequências
reforçadoras positivas, a marcação do primeiro encontro.

Figura 3. Comportamento de interesse: primeiro encontro.


Na figura 3, esse comportamento teve como
consequência reforçadora o aumento do número de vezes
em que eles passavam tempo juntos. Provavelmente no
primeiro encontro houveram muitos reforços positivos
para ambos, como por exemplo, a companhia de um
sendo reforçadora para o outro, Mônica era inteligente,
carinhosa e espontânea e, Eduardo um jovem divertido e
atencioso, resultando assim em mais encontros para
poderem desfrutar da companhia do outro.

Figura 4. Comportamento de encontrar-se diariamente.


A operação estabelecedora mostrada na figura indica a
possível privação dos reforçadores positivos aos quais um
tem acesso na presença do outro, como carinho, atenção,
entre outras coisas. Ela provavelmente aumentou a
probabilidade de novos encontros, que tornaram-se
diários, gerando um aumento na quantidade de
programas efetivamente de casal. Todos os
comportamentos relacionados aos encontros parecem
pertencer a mesma classe, tendo em vista as
consequências que geram.
Figura 5. Comportamentos de aquisição de novas
habilidades com função similar.
Eduardo e Mônica procuraram adquirir novas habilidades
juntos ou aperfeiçoá-las, tais comportamentos destacados
na figura 5,  e tiveram consequentes com função de
reforço positivo para a a aquisição de novas habilidades e
aumento da frequência de estarem juntos.

Figura 6. Comportamento de ensinar novas habilidades


sobre diversos temas.
Na figura 6, com a aquisição das novas habilidades
através do que Mônica ensinava, o repertório
comportamental de Eduardo aumentou, o que aponta a
função reforçadora positiva e quem sabe até negativa dos
ensinos de Mônica, ao passo que Mônica era reforçada
positivamente pela audiência de Eduardo. Os
comportamentos do garoto de aprender a beber e ao
deixar o cabelo crescer, podem ter tido como reforço
contingente ao reforço do tipo social, como atenção de
Mônica e aprovação social do grupo a qual fazia parte.

Figura 7. Comportamentos de brigar do casal.


Os comportamentos de briga do casal, na música não
deixam nenhum antecedente e consequente evidentes,
porém infere-se, a partir de uma visão mais geral, que tais
comportamentos podem ter função de punição positiva
e/ou negativa, reforço negativo ou até mesmo de reforço
positivo, e possivelmente ocorriam em razão de: 1)
diferenças ainda existentes entre o que é reforçador para
um e outro; 2) ausência de habilidades para resolução
dos problemas; 3) existência de atitudes de um que são
aversivas para o outro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto, é importante ressaltar a
limitação que foi obtida diante da escolha do tema da
Análise Funcional, pois a letra da música, em alguns
momentos, não traz elementos da Tríplice Contingência
tão claros, fazendo com que, algumas vezes, houvesse a
necessidade de uma interpretação das entrelinhas
(inferências), tão comuns em relatos clínicos que em
virtude das falhas no lembrar os pacientes omitem,
enviesam e até sintetizam os relatos. No entanto, mesmo
com essa restrição, foi possível elencar diversos termos
da abordagem teórica utilizada e o respaldo bibliográfico
sustentou e justificou a metodologia utilizada, alcançando
assim os objetivos propostos.
E ajuda a desmistificar mais uma vez a errônea literatura
existente sobre a Análise do Comportamento, que insiste
em disseminar que se exclui os eventos privados dos
seus estudos.
Eduardo e Mônica pela música! Por fim, sugere-se aos
estudantes da Análise do Comportamento que inicie seus
treinos da realização de Análise Funcional com músicas,
literaturas de cordel, poemas que além de modelar as
habilidades terapêuticas de forma segura (gradualmente e
experimentalmente) pode ser gratificante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Galvão, O. F.; Barros, R. S. (2001) Passo 1 – Descrição
de Eventos Ambientais e Comportamentais. In: Curso de
Introdução à Análise Experimental do Comportamento. 1ª
ed. CopyMarket.com.
Matos, M. A. (1999) Análise funcional do comportamento.
Rev. Estudos de Psicologia, vol. 16, n.3, p. 8-18.
Russo, R. (1996) “Eduardo e Mônica.” By Renato
Manfredini Júnior (Renato Russo). Álbum Dois. EMI. CD.
Silva, M. C. A.; Weber, L. N. D. (2008) Regras e
auto-regras: um estudo sobre o comportamento de
mulheres no relacionamento amoroso. In: Sobre
Comportamento e Cognição: Expondo a variabilidade. –
Org. Guilhardi, H. J, et al. 1ª ed. Santo André. SP.
ESETec, vol. 18.
Tourinho, E. Z. (1997) Privacidade, comportamento e o
conceito de ambiente interno. In: Sobre o comportamento
e cognição. – Org. Banaco, R. A. São Paulo: Arbytes,
vol.1.

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