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MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

22º CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADORA E


PROCURADOR DO TRABALHO

O MPT prima por uma política de equidade, incluída a flexão de gênero em seus
documentos oficiais. No entanto, esta não foi realizada nesta prova para facilitar a
leitura acessível.

3ª ETAPA - PROVA PRÁTICA

Em dezembro de 2022 foi recebida Notícia de Fato (NF) pelo Grupo Especializado
de Atuação Finalística (GEAF) do Ministério Público do Trabalho (MPT), designado pelo
Procurador-Geral do Trabalho para, em âmbito nacional, atuar de forma conjunta e
uniforme na proteção ao meio ambiente laboral em atividade de mineração. A notícia
trazia relato de adoecimento de trabalhadores na extração de níquel a céu aberto pela
mineradora TSF Sociedade de Propósito Específico S.A. A TSF realiza essa exploração
no estado do Pará, ao lado da divisa com o estado do Amazonas. A informação inicial
indicava que os trabalhadores da TSF estariam sendo contaminados por amônia.

Na semana anterior, o mesmo GEAF havia recebido outra NF com a informação de


que a referida mineradora mantém atividade de mineração industrial de ouro dentro e
fora do limite da sua permissão abrangendo, inclusive, terras indígenas demarcadas no
estado do Amazonas. A TSF realizaria essa extração clandestina por meio de
garimpeiros contratados por diária para trabalhar no período noturno.

Instaurado inquérito civil, ouviu-se inicialmente a TSF, que afirmou ter como
controladoras as empresas Winter Is Coming Company e Bondade Holding. A TSF
alegou deter permissão para extração de ouro e de níquel em localidade situada no
Pará, em região limítrofe ao estado do Amazonas, e que a extração direta desses

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metais é realizada pela empresa Figurehead Empreendimentos Ecológicos Ltda.,
contratada pela TSF para a execução dessa atividade. A TSF negou que haja qualquer
adoecimento por amônia decorrente da extração de níquel entre seus empregados. A
TSF negou, ainda, que realize a atividade de extração de ouro fora dos limites da sua
permissão e declarou que sempre respeitou as áreas indígenas demarcadas. Ouvida
posteriormente, a Figurehead confirmou a alegação da TSF afirmando que seus
trabalhadores executam todas as atividades diretamente ligadas à extração de níquel e
de ouro na área da permissão da TSF.

Após instrução do inquérito, que envolveu perícia técnica, vistoria do


estabelecimento, fiscalização de órgãos públicos como Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), Fundação Nacional
dos Povos Indígenas (FUNAI), Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), Agência Nacional de Águas (ANA), além de oitiva de
trabalhadores, de entidades sindicais e associativas e da sociedade civil, foi apurado o
seguinte:

1) A perícia conjunta dos órgãos públicos caracterizou a atividade de mineração


mantida pelas empresas como insalubre e concluiu que houve contaminação
de trabalhadores devido à utilização de amônia no jateamento para a
separação do níquel. Apurou-se que a amônia jateada se dissolve nos lençóis
de água, além de ser volátil, atingindo todos os trabalhadores no local da
atividade, bem como os familiares que residiam nas imediações. Verificou-se
que, durante o processo de produção de carbonato de níquel, é formado um
rejeito que contém de 45% a 48% de material sólido que tem sido lançado pela
empresa terceirizada Figurehead, sem qualquer processamento, no leito do rio
Bagual, que divide os estados do Amazonas e do Pará. Foram encontrados
vestígios de contaminação em altos níveis nos exames toxicológicos realizados
em todos os trabalhadores atuais da TSF, inclusive em seus terceirizados. A
perícia concluiu que não existem níveis seguros de contato com a substância e
que a contaminação se dá independentemente da função desempenhada pelos
trabalhadores, uma vez que o processo de jateamento com uso de amônia para
a separação do níquel não é controlável. Isso se dá porque o adoecimento
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acontece: a) pelo contato com a amônia na atividade de jateamento; b) pelo ar,
em razão da sua volatilidade; e c) pela água, por sua dissolução. A perícia
médica identificou, em todos os trabalhadores em atividade, o quadro típico de
contaminação toxicológica por amônia, como insuficiência hepática,
complicações cardiovasculares, problemas ósseos, dores corporais, erupções
cutâneas, impotência sexual e disfunções oftalmológicas. Foi também
caracterizada pela perícia a contaminação generalizada por níquel em todos os
trabalhadores e nos familiares residentes na localidade, sendo que nas
gestantes foi comprovada a ocorrência de má-formação fetal, além do
nascimento de crianças com anencefalia e dermatose. Verificou-se que essa
prática ocorre da mesma forma nas empresas desde 2005, indicando que os
trabalhadores com contratos findos também estão inexoravelmente
contaminados.

2) Em consulta ao CAGED e ao e-Social, verificou-se que estão em atuação no total


608 trabalhadores, sendo 61 empregados da TSF e 547 empregados da
Figurehead. Os cadastros demonstraram que desde 2005 passaram pelas
empresas TSF e Figurehead 938 trabalhadores cujos contratos já se
encerraram.

3) As empresas possuíam o Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional


(PCMSO) atualizado, não tendo apresentado os comprovantes dos exames
periódicos. O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), datado de
2005, contemplava os riscos físicos e seus respectivos equipamentos de
proteção individual, bem como as etapas de antecipação, identificação e
avaliação dos fatores de riscos e da exposição dos trabalhadores,
estabelecimento de prioridades, metas, cronograma e registro de manutenção
dos dados por, no mínimo, 20 anos. Conforme documentos apresentados pelas
empresas, estas mantinham Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
(CIPA), na forma da NR 5, com paridade de representação.

4) Ficou comprovado que os empregados da Figurehead, responsável pela


extração de níquel e de ouro, laboravam em jornada de 12 horas de trabalho

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por 36 horas de descanso, com intervalo intrajornada indenizado, prevista em
Acordo Coletivo de Trabalho firmado com o Sindicato das Empresas
Terceirizadas do Pará. Os depoimentos colhidos no inquérito indicaram que
frequentemente os trabalhadores realizavam horas extraordinárias.

5) A perícia verificou que houve 15 mortes decorrentes desse processo de


contaminação por amônia, todos empregados da Figurehead. As empresas
negam o nexo de causalidade e a TSF aduz que não tem responsabilidade pelo
processo de produção do níquel, ainda mais que nenhum de seus empregados
faleceu. A TSF afirma que não realiza treinamentos, pois todos os seus
empregados estão lotados no setor administrativo.

6) A partir das análises dos documentos, verificou-se que a Figurehead tem capital
social de R$ 10.000,00. Constatou-se que não há qualquer imóvel em seu nome
ou de seus sócios. O contrato social indica que o endereço residencial dos
sócios é o mesmo da empresa que, por sua vez, é o mesmo do escritório de
contabilidade da empresa TSF. Em depoimentos tomados no inquérito, foi
indicado que os documentos e as providências referentes ao meio ambiente do
trabalho da Figurehead foram custeados pela empresa TSF.

7) A perícia concluiu que a contaminação se espraiou por mais de 300


quilômetros, atingindo vários municípios em ambos os estados. O povo Amõ-Y-
Pira, de cerca de 1.000 pessoas, que já estava em situação de penúria pelas
atividades do garimpo de ouro, agora se encontra em risco de
desaparecimento, tendo ocorrido uma dezena de mortes por subnutrição,
estando hospitalizadas cerca de 100 pessoas pela contaminação por amônia e
por mercúrio, este último utilizado na extração do ouro. A degradação
ambiental causada pela mineração também afetou os modos tradicionais de
subsistência desse povo.

8) A perícia indicou que o dano ambiental atingiu também comunidade


quilombola de 300 pessoas localizada à beira do rio Bagual, no lado paraense,
distante cerca de 100 quilômetros do local. Essa comunidade vivia da venda do

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óleo de copaíba cujas árvores foram contaminadas pelos dejetos tóxicos
lançados no rio.

9) Foi identificado pela perícia o prejuízo à subsistência de cerca de 1.000 pessoas


de uma comunidade ribeirinha, situada em ambos os estados, devido à morte
dos peixes, base de sua alimentação e economia. A perícia constatou que a
contaminação da água atingiu essas comunidades, uma vez que o rio Bagual é a
única fonte de abastecimento da região.

10) Também foram alcançados pela contaminação 50 profissionais do sexo,


autônomos, que habitam e trabalham às margens do rio Bagual prestando
serviços aos trabalhadores das empresas.

11) Apurou-se, ainda, por meio de diversos depoimentos, que a empresa TSF de
fato mantém atividade de garimpo de ouro em região localizada na terra
indígena acima indicada, no período noturno, efetivada por trabalhadores sem
registro ou carteira assinada. A empresa condicionava o acesso ao local à
adesão a contrato de parceria. Esses trabalhadores recebiam da TSF por
produção, ficando com 75% do valor do ouro coletado, entregando o restante à
mineradora. O preço do ouro extraído era indicado unilateralmente pela
empresa. Os garimpeiros arcavam com todo o custo do material do processo de
extração, não eram obrigados a comparecer nem tinham jornada delimitada. A
TSF limitava o acesso aos melhores locais a trabalhadores que atingiam
patamares de produção e de frequência por ela estabelecidos e controlados,
porém tais critérios nunca foram divulgados aos trabalhadores. A TSF oferecia
gratuitamente o ônibus que buscava esses garimpeiros em acampamento
próximo, exceto para aqueles com baixa frequência ou produção. Alguns
garimpeiros foram impedidos de ter acesso ao local de trabalho sem qualquer
justificativa pela empresa. O acampamento dos garimpeiros ficava em local
desmatado dentro da terra indígena, com barracas de lona improvisadas. Eles
bebiam somente água do rio Bagual, não tinham alimentação adequada nem
havia banheiro no local. Os garimpeiros foram contaminados pela amônia, em

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decorrência da exploração de níquel, e pelo mercúrio advindo da exploração
clandestina do ouro.

12) O sindicato que representa os trabalhadores em empresas de mineração do


estado do Pará ajuizou ação na Vara do Trabalho de Óbidos, Pará, em face da
TSF requerendo que a empresa pague indenização por danos morais e
materiais individuais a todos os seus empregados e tratamento de saúde aos
trabalhadores da categoria adoecidos. A empresa e o sindicato realizaram
conciliação parcial apenas em relação ao dano material, homologada pelo juízo,
continuando a ação em relação aos demais pedidos.

Com esses elementos, qual a medida judicial a ser tomada pelo candidato ou
candidata como integrante do GEAF? Elabore a peça que se apresente juridicamente
mais adequada.

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