Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ATO I
CENA 1
PERSONAGENS EM CENA:
• DOM CASMURRO (NARRADOR)
• DONA GLÓRIA;
• TIO COSME;
• JOSÉ DIAS;
• PRIMA JUSTINA;
DOM CASMURRO (NARRADOR) - Uma noite encontrei no trem um rapaz, que recitou uns
versos dele. Eu estava cansado, cochilei umas três ou quatro vezes. Ele ficou chateado e no dia
seguinte começou a me chamar de “Dom Casmurro”. Hoje muita gente me chama assim. O
“Dom” veio por ironia, para me atribuir algo de nobre, e o “Casmurro” por eu ser um homem
calado e pensativo (ri). Tudo por estar cochilando! Sem querer o poeta do trem deu um nome
para esta história que eu vou apresentar para vocês. Prazer, meu nome é Bento Santiago. (Tira o
chapéu e faz uma reverência para a platéia)
(Dom Casmurro chama os personagens, que a medida que estes vão sendo apresentados,
se sentam em uma mesa, que estará disposta no centro do palco).
DOM CASMURRO (NARRADOR): Esta é a Prima Justina (Prima Justina entra em cena e se
senta em um cadeira). ela diz na cara da pessoa tudo que pensa, e pelas costas também. Vive
procurando defeito nos outros. Já passou dos quarenta faz tempo e desde que ficou viúva vive
aqui de favor. Esta é Dona Glória, minha mãe, (Dona Glória entra em cena e se senta à mesa),
tem 42 anos mas está bem conservada, como vocês podem ver. Este é o Tio Cosme (Tio Cosme
entra em cena e se senta à mesa) é advogado, trabalha no crime, suas defesas orais são
perfeitas, mas parece estar sempre com sono. É viúvo também. Esta é a casa dos três viúvos. E
este (Bento balança a cabeça com saudade), este é o José Dias (entra em cena, porém não
se senta à mesa, ficando ao lado de Dona Glória): chegou aqui em casa fingindo-se de médico
e se agregou até hoje, e tio Cosme tem ele como secretário. Primeiro ele foi contra o meu
casamento com Capitu. Estamos em 1857, na minha casa da rua de Matacavalos. Este rapaz
aqui, sou eu (Bentinho entra em cena se escondendo atrás de alguma coisa, pois está
ouvindo a conversa dos parentes). Capitu é minha vizinha, que, futuramente, vai se tornar
minha esposa. (dirige-se para a platéia) Não estranhem: eu ainda não morri. (abre os braços
se dirigindo diretamente para a platéia) Um dia vocês também ficarão velhos como eu e
imersos em nostalgia e amargura! (fala em um tom um pouco mais exaltado). Estas são
minhas memórias (volta ao tom de narração calmo). Quero recapitular minha vida. Mas chega
de enrolação, vamos mergulhar na minha agridoce juventude.
JOSÉ DIAS - Dona Glória, se quer colocar nosso Bentinho no seminário, já está passando da
hora e pode haver dificuldade.
JOSÉ DIAS - Uma grande dificuldade (olha ao redor, para ver se tem alguém escutando.
Volta e confidencia) Os nossos vizinhos...
JUSTINA - Sempre achei que havia algo de errado com essa gente.
COSME - (lendo o jornal) Justina, faça-me o favor! Qual a sua implicância com o Pádua, José
Dias?
JOSÉ DIAS - Há algum tempo eu estou para dizer isto: Bentinho anda apaixonado pela filha do
Pádua, a Capitolina.
JUSTINA - Eu sabia! Sabia que aquela menina não ia dar para boa coisa. Aqueles olhinhos dela
nunca, nunca me enganaram. Aquele jeitinho dela de...de...
COSME - Oblíqua e dissimulada (completa a frase de Justina). E Você não se cansa de ficar
falando mal dos outros?
JUSTINA - Capitu não presta, tão jovem e já é uma dissimulada. Ela se finge de boazinha, para
dar o golpe porque Bentinho é rico e ela é pobre. A verdade é essa. O pai está passando por
dificuldades financeiras e é um vagabundo. Aquela menina tem sangue ruim. Eu não confio nela.
COSME - Justina, por favor, economize seu verbo. (volta-se para o jornal, desinteressado da
conversa)
GLÓRIA- Mas eles só amigos de infância. Bentinho quer ser padre, e há de ser!
JOSÉ DIAS - Os dois vivem de segredinhos, pelos cantos, sempre juntos. Bentinho quase não
sai de lá!
JOSÉ DIAS - E a família dela? Pior ainda, finge que não vê.
JUSTINA - Quer que a filha engravide, provavelmente. Imagine se o neto sair igual ao pai dela:
baixo, gordo, pernas e braços curtos, parece uma tartaruga.
GLÓRIA - Tenho visto os dois brincando e nunca vi nada que tenha me deixado desconfiada.
COSME - Eles são amigos de infância. O que há de errado nisso? José Dias, deixe de loucura!
JOSÉ DIAS - Creia que eu não falei senão depois de muito analisar.
GLÓRIA - Meu filho vai ser padre. Eu fiz uma promessa antes dele nascer. A ida dele para o
seminário já está acertada.
COSME - Olhe, Glória, há mesmo necessidade de colocar o menino no meio dos padres? Você
não precisa cumprir uma promessa desse tipo.
GLÓRIA - Se eu não tivesse feito a promessa (faz um gesto emocionado), talvez ele nem
tivesse nascido.
JUSTINA - Calma, calma. Nós vamos dar um jeito nisso. Não se preocupe.
(Bentinho sai correndo do lugar em que estava escondido, indo contar tudo para Capitu)
ATO II
CENA 2
PERSONAGENS EM CENA:
• DOM CASMURRO (NARRADOR);
• BENTINHO (JOVEM)
• CAPITU (JOVEM)
DOM CASMURRO (NARRADOR) - Esta é Capitu: Minha primeira namorada, minha esposa e
mãe do menino que eu pensei que era meu filho.
CAPITU - Hoje você está mais bonito do que nunca. Que cabelos lindos.
BENTINHO – Pare com isso. O que tenho para lhe falar é muito sério.
CAPITU - Eu sonhei com você novamente esta noite, estávamos dançando na lua...E apareciam
uns anjos que perguntavam nossos nomes para dar a outros anjos que acabavam de nascer.
(pega nas mãos dele. Senta-se em uma cadeira e entrega para Bento uma escova e ele
começa a pentear-lhe os cabelos).
DOM CASMURRO (NARRADOR) - Eu acordava pensando em Capitu, tremia quando ouvia seus
passos, até na missa eu só pensava nela.
CAPITU - Vamos ver o grande cabeleireiro (ela se vira para ele e o abraça)
(Enquanto Bentinho penteia seus cabelos)
CAPITU - Você disse que ia me contar alguma novidade. O que te aflige tanto?
CAPITU - Não quero nem saber! Já pensou você ...um padre? Rezando missa? Não dá para
acreditar. E eu? Onde é que eu fico nessa história?
BENTINHO - José Dias disse a mamãe que estamos namorando, e que isso pode atrapalhar
minha carreira de padre.
CAPITU – (ri e zombando, imitando um padre) Não entre para o convento, meu filho. Case e
gere mais um pecador. E para purgar seus pecados reze mil ave-marias!
CAPITU - Covarde! É o que você é. Um covarde grudado na mãezinha! Só agradar sua mãe é o
que interessa, não é? Pois se é assim, é melhor mesmo que a gente nunca mais se veja! Eu juro.
Nunca mais vou olhar sua cara. Seu falso! Eu lhe dou o melhor que eu tenho e você? Hein? Você
o que dá em troca? Hein? Você...
CAPITU - Não vou gastar minha juventude esperando você. Ah, isso não. Cansei de
ficar esperando, Bentinho.
BENTINHO - Mas preciso ir para o seminário pela minha mãe, a promessa que ela fez, você
sabe...
CAPITU - Ela nem se lembrava mais. Você é quem fica insistindo. Parece que é doido.
CAPITU - Aquele pobre agregado. Ele nunca foi com a minha cara.
BENTO - É como se fosse da família. Além do mais, tem a Prima Justina que vive lembrando a
promessa que mamãe fez e o Tio Cosme, esse nem tanto, mas a Prima Justina, meu Deus, que
mulher insuportável!
BENTO - Não é bem assim. Minha mãe tinha perdido um filho e não tinha esperanças de ter
outro. Estava doente...
CAPITU - Aí ela fez uma promessa para você cumprir, sei.
CAPITU - E o agregado José Dias, que é que ele acha disto tudo?
BENTO - Vou pedir a ele para tentar convencer mamãe de que eu não tenho vocação religiosa.
BENTO – Vou dizer a ele que quero estudar direito na Europa, ele adoraria me acompanhar, você
sabe como ele é. Mamãe pagaria tudo.
BENTO – Sancha? (ri) Capitu: Eu não tenho o menor interesse pela sua colega de escola. Não
me diga que você tem ciúmes de mim com aquela menina?!
BENTO - Nada disso. Cada minuto que eu passar no convento será pensando em você.
CAPITU - Depois das surras que você vai levar, você vai me esquecer, certeza.
CAPITU - Dizem que os padres aplicam castigos para os que profanam os sagrados
mandamentos. Se eu fosse rica, tenho certeza de que fugiria comigo para a Europa.
BENTO – E se eu confessar que não tenho vocação para ser padre?
CAPITU – Só isso não vai adiantar nada. Quando for falar com ele, fale sem medo, demonstre
que quer ser o futuro senhor dessa casa. Lhe faça elogios, ele gosta muito de ser bajulado.
Lembre que ele serve Dona Glória, mas também serve o filho da dona da casa.
BENTO – Não acho, Capitu.
CENA 2
JUSTINA – Bentinho! (resmunga) Ah, meu Deus lá estão aqueles dois se agarrando de novo.
Isso não vai acabar bem. Bento Santiago!
JUSTINA - Mas o quê? Não sabe que têm obrigações para cumprir? E além disso, já está bem
grandinho para ficar de namorinho no quintal. E tu, Capitu, pensa que não te vejo? Te vejo e
muito bem! Não penses que me engana, não! Estou de olhos bem abertos! (Abre um olho com a
ponta do dedo indicador)
CAPITU - Sim! Escreva para mim. Até logo, Bentinho, Dona Justina!
(CAPITU SAI DE CENA. FICAM SÓ BENTINHO E PRIMA JUSTINA NO PALCO)
JUSTINA – (INTERROMPE A FALA DE BENTINHO) Isso não. Prima Glória já tem essa ideia a
muito tempo, e nada nesse mundo fará ela mudar de ideia. Se ela me pedir opinião algum dia
darei minha resposta, mas não vou falar com ela sem ser chamada, isso eu não faço
ATO III
CENA 1
PERSONAGENS EM CENA:
• Bentinho;
• José Dias;
• Tio Cosme;
• Prima Justina;
• Dona Glória
JOSÉ DIAS - Sim, meu filho. Devo muitos favores a sua família. Gostava muito do seu pai, tenho
você como um filho.
BENTINHO - Mamãe...
BENTINHO - Mamãe quer que eu seja padre, mas eu não posso ser padre. Não posso, não tenho
jeito, não gosto da vida de padre. Estou pronto para o que ela quiser. Mamãe sabe que eu faço
tudo que ela manda. Estou pronto para ser o que for que ela quiser, até condutor de ônibus.
Padre não, não posso ser padre. A carreira é bonita mas não é para mim. Conto como senhor
para me salvar.
BENTINHO - Se o senhor quiser, pode me ajudar. Todos lá em casa dizem que você é uma
pessoa maravilhosa...
JOSÉ DIAS – Não faço mais do que minha obrigação (faz um gesto lisonjeado). Se eu quiser?
Mas que outra coisa eu quero, senão te servir?
BENTINHO - Estou pronto para tudo, se ela quiser que eu estude leis vou para a Europa ou São
Paulo.
JOSÉ DIAS - Para te provar que não há falta de vontade, irei falar com sua mãe. Não prometo
vencer, mas lutar. Pode ir para Pernambuco, São Paulo. Mas, de fato, podemos ir mais longe!
(tem uma ideia). Por que você não pede para estudar na Europa? Eu podia ir junto, para tomar
conta de você. As leis são lindas (fala isso com ar sonhador) Estamos a bordo! A Europa nos
espera!
CENA 2
COSME - José Dias, você podia me arrumar um pouco de remédio para o fígado? Acho que
exagerei no vinho ontem.
JOSÉ DIAS - Claro meu senhor, claro. Isso me faz lembrar de quando cheguei a esta casa. Eu
era um charlatão. Mas graças ao meu bom Jesus me recuperei daquela farsa que tive de inventar
para sobreviver. Mas a verdade é que às vezes meus remédios funcionam muito bem.
JUSTINA – (entrando e ajeitando a toalha da mesa) Vocês dois não param de falar. Que coisa.
Onde está a Glória?
GLÓRIA - Você tem comido tão pouco, meu filho. Está se sentindo mal?
GLÓRIA - Que isto não lhe impeça de comer. Não fique triste, Bentinho, você vai ter uma bela
carreira religiosa.
GLÓRIA - Vocação vem com o tempo. Temos que cumprir a promessa, devemos fazê-lo padre.
Prometi um padre a Deus.
JOSÉ DIAS - Nem o Papa faria a senhora esquecer esta promessa, Dona Glória?
GLÓRIA - Há de se comprovar a vocação do meu filho. Adorava missa quando era pequeno.
BENTINHO - Coisas de criança, mamãe. Vou de rezar mil padre-nossos e mil ave-marias,
pedindo a Deus que me livre de ser padre.
BENTINHO - Mesmo contra minha vontade, o que a senhora quiser que eu faça, eu farei,
mamãe. (Bentinho diz, cabisbaixo)
(Saem de cena)
CENA 3
COSME - Bentinho, você não quer ir para o convento por causa de Capitu, não é?
COSME - Acho que ela daria uma boa esposa... no futuro. E você, José Dias?
BENTINHO - Para mim parecem olhos de ressaca, de quando o mar bate na praia... uma força
que arrasta tudo para dentro. Eu estou apaixonado. Sim!
COSME - Para tudo tem um jeito. Se não tem vocação, é melhor que não seja padre.
(Entram Glória e Justina)
CENA 4
JOSÉ DIAS – Sim, senhor! Adoro ser lhe útil, tira-me o peso de ser um agregado.
GLÓRIA - Sim, meu filho. E faça sua malas. Amanhã vai para o seminário.
BENTINHO – Mas, mamãe ...
TIO COSME – Estou certo que você vai aprender a ter vocação pra ser padre. Vá por um ano, se
perceber que não gosta da carreira, é porque Deus não quer. Nesse caso, o melhor caminho é
estudar leis, assim como eu.
DONA GLÓRIA – Vá, meu filho! E volte papa. (tom emocionado)
ATO IV
CENA 1
PERSONAGENS EM CENA:
• DOM CASMURRO NARRADOR;
• BENTINHO JOVEM;
• ESCOBAR
ESCOBAR – Meu amigo, seu caso é realmente sério, mais como você pretende convencer sua
família a deixá-lo sair daqui?
BENTINHO – Na ultima vez que José Dias me escreveu, me prometeu que sairia daqui direto
para a faculdade de direto. Mas não sei se posso confiar nele.
ESCOBAR – Já sei! É simples Bentinho! Sua mãe fez promessa de dar a Deus um sacerdote,
não é? Pois bem, um sacerdote que não seja você. Ela pode adotar algum mocinho órfão e tornar
ele padre. Eu também não quero ser padre. Quero ser comerciante, isso é o que eu quero.
ESCOBAR – Saímos juntos! Você para os braços de sua Capitu, e eu para o mundo do comércio.
(SE BENZEM E SAEM DE CENA)
CENA 2
DOM CASMURRO (NARRADOR) - (vai para o centro do palco) Eis aqui outro seminarista:
Ezequiel de Souza Escobar. Ele era dessas pessoas que não olha dentro do olho de ninguém,
não fala claro nem seguido. Dá aquele tipo de aperto de mão que mal toca a outra, desconfiado.
Vocês conhecem gente assim, não conhecem? Outra coisa: ele tinha um sorriso instantâneo. E
gostava de nadar (risada irônica). Naquela época eu ainda não era “Dom Casmurro”. Minha mãe
hesitou um pouco, mas acabou cedendo. Adotamos um órfão e o encaminhamos ao seminário.
Foi fácil. Lá estou eu aos 17 anos: metade homem, metade menino. A petulância e o atrevimento
estavam no meu sangue. As meninas me achavam lindo. Mas vamos apressar esta história 18,
19, 20, 21. Aos 22 anos, eu já era bacharel em direito e também, noivo de Capitu.
CENA 1
PERSONAGENS EM CENA
• BENTINHO NARRADOR
• BENTINHO
• DONA GLÓRIA;
• JOSÉ DIAS;
• PRIMA JUSTINA;
• TIO COSME;
DONA GLÓRIA – José Dias, Você tinha razão, o Bentinho nunca seria um bom padre.
JUSTINA - Parece que foi ontem que era uma criança; agora, um advogado.
GLÓRIA - Meu Deus! Há 5 anos! Estou velha de tanta saudade. Cosme, ele não está a cara do
pai?
COSME - Sim, tem os olhos, o rosto. É o pai, um pouco mais moderno. E diga, Glória: não foi
melhor que ele não quis ser padre? Veja se este menino daria um padre que preste! Venha, me
dê um abraço, meu sobrinho. (Abraçam-se)
BENTO - E como vai o meu substituto? O menino que mamãe adotou para transformá-lo em
padre?
JOSÉ DIAS - Já viram como o tempo passa rápido? Sabe quem se casou com a Sancha?
JUSTINA - O Escobar! Sempre achei que ele tinha olhos cima dela. E pensar que ele já esteve
interessado na sua mãe, Bentinho!
GLÓRIA - Capitu só quer lhe ver no dia do casamento. Mas não se preocupe. Vocês serão muito
felizes juntos, que orgulho de você, meu filho! (Dona Glória abraça o filho)
CENA 2
Baixado por Thays Rocha dos Santos (thaysrochadossantos63@gmail.com)
lOMoARcPSD|25506861
DOM CASMURRO (NARRADOR) - Escobar negociou com café, aproveitando o dinheiro que
mamãe emprestou e ele restituiu logo que pôde e casou-se com Sancha, aquela amiga da minha
esposa. Até prima Justina pensou em se casar novamente! Foi com um tal João da Costa,
também viúvo. Casei em 1865, numa tarde de março. Chovia. Fomos passar nossa lua de mel no
alto da Tijuca.
Pobre mamãe. Acho que ela desconfiava que minha esposa não seria fiel por muito tempo. O céu
recolheu a chuva e acendeu as estrelas. Capitu quis voltar para a cidade. Ela queria que o resto
mundo também soubesse. O tempo ia passando e nós não tínhamos um filho. Escobar e Sancha
tiveram uma filha e colocaram o nome dela Capitolina, em homenagem à minha esposa. Algum
tempo depois Capitu engravidou. Eu agradeci à Deus. E coloquei o nome do meu filho o mesmo
de Escobar: Ezequiel. Não sabia os infortúnios que esse nome me trariam.
ATO VI
CENA 1
PERSONAGENS EM CENA:
• CAPITU;
• SANCHA;
• BENTO
CAPITU - Pois eu morria de inveja de você, Sancha. Você e o Escobar, tão felizes, levando a
filhinha ao passeio. Mas finalmente Deus me abençoou e agora eu tenho o meu filhinho, que já
está com 5 anos. (Ri) Ah! Foi uma alegria para o Bento. O Ezequiel está impossível! Sancha, nem
Baixado por Thays Rocha dos Santos (thaysrochadossantos63@gmail.com)
lOMoARcPSD|25506861
te conto.
CAPITU - Olhe Sancha, eu não queria nem falar. Mas como você é minha amiga, vou contar: É o
Bento. Ele anda muito esquisito!
CAPITU - Você sabe que o nosso filho Ezequiel tem mania de imitar os outros.
CAPITU - Pois é, mas Bento já cismou de gritar com o menino, por imitar tão bem o Escobar...
SANCHA - Por isso é que você acha que ele está esquisito? Ora, vai ver que ele está ocupado...
nervoso, porque está trabalhando muito, Capitu. Deve ser isso.
CAPITU - Não sei, não. Ele já não é mais o mesmo. Me trata com desconfiança.
CAPITU - Se as casas dos casais fossem como as pirâmides, resistindo ao tempo... (TOM
DRAMÁTICO)
SANCHA - Ah, nem te conto! Uma gracinha! Faladeira e curiosa. O Escobar pensa em casá-la
com seu filho! (ri). Mas mudando de assunto, esta demora de Escobar está me inquietando. Vou
embora. Se ele aparecer diga que o espero para o almoço.
SANCHA - Inventou de nadar. Um velho hábito dele. Pelo menos está acostumado, é bom
nadador, mas o mar está tão agitado...
CENA 2
BENTO - Não pode ser... Eu não quero acreditar... ela não teria sido capaz, nem ele. (senta-se e
coloca as mãos na cabeça)
BENTO - Você notou como mamãe tem tratado você ultimamente? E a indiferença ela vem
tratando o nosso filho Ezequiel?
BENTO - Não seria motivo. E ela vem tratando mal também o Escobar. Há algo de estranho
nisso.
CENA 3
SANCHA – Escobar...
DOM CASMURRO NARRADOR - Sempre gostei muito de teatro. Mas o velório de Escobar me
deu náuseas. O jeito que Capitu chorou. O interesse. Os olhos de ressaca perdidos, distantes.
Lembro de uma história chamada ”Otelo”, em que o marido mata a esposa por ciúmes, mas ela
era inocente. Capitu? (Ri amargamente). Capitu era culpada. Uma noite voltei e encontrei
Escobar na minha casa. Lembrei de Ezequiel: era em tudo parecido com ele. Os gestos, o
corpo...
CENA 4
PERSONAGENS EM CENA:
• Ezequiel;
• Bento Santiago;
• Capitu
BENTO – Esse menino não é meu filho e, por isso, talvez seja necessário que algum de nós
morra.
BENTO – Falo sério: Comprei veneno, coloquei no café, não tive coragem de tomar.
CAPITU — Eu não acredito (chora) O que houve? Você está louco? Queria matar nosso filho
(grita). O que é que está acontecendo?
Baixado por Thays Rocha dos Santos (thaysrochadossantos63@gmail.com)
lOMoARcPSD|25506861
BENTO — O que está acontecendo? Você ainda pergunta? Não lhe parece óbvio demais? Eu
descobri tudo, Capitu.
BENTO — Pois eu vou explicar: esta criança que eu crio como filho não é meu filho. Ezequiel é
filho do Escobar. Não é do meu sangue!
CAPITU — O quê?
BENTO — Quando ele foi gerado? É o que eu me pergunto. Quando? Minha mãe bem que
desconfiava. Acabemos com isso, o garoto é a cara do Escobar! Eu que fui tão amigo dele. Como
vocês tiveram coragem?
CAPITU — Diga logo tudo, depois do que eu ouvi, posso muito bem ouvir o resto. Que é que lhe
deu esta certeza? Ande, Bentinho. Fale! Fale! Termine nosso casamento aqui, agora, mas me
diga tudo primeiro!
CAPITU — Que não se dizem só a metade! Mas já que disse metade diga tudo, conte o resto
para que eu me defenda! Eu lhe peço desde já nossa separação, não posso mais!
CAPITU — (Ri) Eu? Com o Escobar? Você tem ciúmes de um defunto? Acha que seu filho se
parece com seu melhor amigo... Foi Deus quem quis assim... Não acredita na vontade de Deus?!
É melhor que eu não diga mais nada. (Abaixa a cabeça e levanta-a transfigurada) Estou às
suas ordens.
BENTO — Você vai para a Suíça. Lá o menino será educado. Tenho dinheiro para isso.
Levaremos uma professora para ele daqui, do Brasil, lá ele aprenderá o resto. Eu estou pensando
em tudo. Visitarei vocês de vez em quando. Fingiremos que estamos casados, para os daqui.
CAPITU — Um casamento de aparências. É isso que me resta? (Vai até Bento. Tenta pegar na
sua mão. Ele a rejeita. Capitu sai, triste)
CENA 5
JOSÉ DIAS — Boa tarde, meu jovem. A notícia que trago não é boa. (diz, tristemente)
BENTO — Parece que uma desgraça vai abrindo as portas para outras desgraças.
JOSÉ DIAS — Eu pensava que ia morrer antes, vejam como são as coisas...
JOSÉ DIAS - O Cosme está "naquela", não é meu filho? A Justina eu não sei, não tivemos tempo
nem de encomendar o velório da sua mãe ainda, tive que avisar você primeiro e decidi vir
pessoalmente...
BENTO - Quero que se inscreva na lápide de minha mãe o seguinte: "Uma santa".
JOSÉ DIAS — "Uma Santa". Eram muitas as virtudes que ela possuía na vida, inclusive a
modéstia, por isso não ficaria bem colocar o nome da sua mãe na lápide.
BENTO – Muito obrigado, José Dias. Aliás, estamos planejando levar o Ezequiel para estudar na
Suíça, lá ele ficará com a mãe dele durante alguns anos. Você gostaria de visitar a Europa?
Lembro que você queria muito na época em que eu estava no seminário. Lembra?
JOSÉ DIAS – Não mude de assunto, meu filho. Eu sei que está tentando aliviar sua tristeza.
BENTO - Estou tentando entender a dor, vou me ocupar bastante para afogá-la no fundo do
peito. Vamos. Vamos fazer o que tem de ser feito... (saem de cena)
ATO VII
CENA 1
PERSONAGENS EM CENA:
• DOM CASMURRO NARRADOR;
• EZEQUIEL
DOM CASMURRO (NARRADOR) – Capitu seguiu para a Suíça junto de Ezequiel. José Dias
morreu alguns anos depois, após uma agonia curta. O céu estava lindo e ele pediu que
abríssemos a janela. Olhou para fora e disse “Lindíssimo!”. Foi a última palavra que proferiu neste
mundo. Chorei por ele. Prima Justina, antes de morrer quis ver Ezequiel, mas não teve o gosto de
confirmar suas suspeitas: faleceu antes. (Ezequiel entra no palco). Esse é Ezequiel, que durante
alguns anos pensei ser meu filho. Vejam se ele não é a cara do Escobar? E agora adulto então...
Juro eu preferia que este menino tivesse morrido também. Por mim ele podia pegar lepra.
CENA 2
EZEQUIEL - (Se levanta para abraçar o pai). Boa tarde, papai. Como vai o senhor?
BENTO – Estou bem. Chegou quando ao Brasil? Resolveu me fazer uma surpresa?
EZEQUIEL - Precisava vê-lo. Sua lembrança estava desaparecendo da minha memória, a última
vez que lhe vi eu tinha 6 anos. Mamãe falava tanto no senhor, dizia que era o homem mais puro
do mundo. O mais digno de ser querido. Mesmo depois de velha... ela ainda estava bonita. Deus
a tenha em bom lugar!
EZEQUIEL – Acabei de formar, agora sou arqueólogo. Cheguei agora do Egito. A expedição foi
um sucesso. Estamos partindo depois para a Palestina, promessa feita para umas pessoas.
BENTO - Mulheres?
CENA 3
DOM CASMURRO NARRADOR - Ezequiel morreu um ano depois daquele encontro. Morreu de
febre tifoide em Jerusalém e lá foi enterrado. Em sua lápide a inscrição tirada do profeta Ezequiel
foi escrita em grego: "Tu eras perfeito nos teus caminhos desde o dia da tua criação". Conheci
outras mulheres depois disso. Nenhuma me fez esquecer a primeira amada do meu coração.
Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. A
mulher que eu amava e o meu melhor amigo, tão queridos, que o destino os juntou para me
enganar. A terra lhes seja leve! E vamos embora que já está ficando tarde. Obrigado a todos
vocês pela atenção!
FIM