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Tópicos Segregação e Discurso do Capitalista

Tópicos pra desenvolver a apresentação:


 Contemporaneidade
 Esclarecer (brevemente):
Discurso da ciência
Discurso do capitalista – em substituição ao discurso do mestre
 Junção dos efeitos do discurso da ciência com o do capitalista/ efeitos no
laço social
   - Universalização promovida pela ciência 
   - Individualismo suscitado pelo capitalismo
 Promessa de um gozo ilimitado:
   - Sempre mais
   - Consumo
   - Publicidade
   - Promessa (x) de felicidade 
 Segregação e gozo: diferenciar a segregação estrutural da promovida pela
junção dos discursos supracitados
 Contraposição: discurso do capitalista x discurso do analista
   - situa-los a respeito do que produzem em relação à falta// O que pode a
psicanálise/ o psicanalista diante disso?

Texto Maria Claudia Formigoni

Aliança entre discurso científico e capitalista – “subversão sem precedentes”


(Lacan, 1967): Universalização e homogeneização dos indivíduos.
A incidência de tais discursos faz com que, na era do capitalismo, o sujeito
barrado – aquele que é pura diferença, marcado por uma divisão e incompletude – fique
de fora, numa tentativa de suturá-lo.
Sujeito suturado pelos gadgets (!)
Segregação responde àquilo que há de sintomático na estrutura social. O
sintomático da sociedade ataca e, como contra-ataque, surgem os efeitos de segregação
O que seria o sintomático na estrutura social? Indivíduos reduzidos a objetos de
saber. Quem sabe a respeito deles é um Outro que vocifera conhecimentos, palavras de
ordem e respostas que, além de prometerem aniquilar as angústias e conquistar o
almejado bem-estar, serviriam igualmente a todos.
Saberes totalizantes que encerram o sujeito em conjuntos fechados deixando de
fora sua singularidade. Anulam-se as diferenças, a própria subjetividade, e instala-se
uma paridade (suposta).
O discurso que hoje nos domina vocifera a paridade e impõe o gozo como
economia: vende a ilusão de uma possível completude – via gadgets, falsos objetos a
produzidos pelo capitalismo – e de uma realização individual.
Via consumo e produção, instaura-se a insaciável falta a gozar, excluindo o ser-
para-o-sexo e o sujeito barrado.
Soler – A Universalização trazida pelo ciência vai bem com o individualismo
promovido pelo capitalismo.
Sociedades como massas humanas – agregados de unidades individuais
(disparidade eliminada), às quais se promete acesso ao objeto de gozo.
“Sabemos que a entrada na linguagem é castradora e implica limite ao gozo.
Aquele objeto suposto proporcionar a completude fica para sempre perdido, irrecuperá-
vel, permitindo justamente que se possa fazer laço. Nesse sentido, não há como ser
cumprida a promessa feita pelo discurso capitalista no que se refere ao par comple-
mentar sujeito/objeto, à oferta da possibilidade de cada um estabelecer uma relação
direta com determinado objeto, concretizando, de certa forma, a fantasia.
Conforme assinala Askofaré (2009b), todo sujeito é um excluído do gozo, é um
exilado da relação sexual. A disparidade é, então, característica estrutural dos seres
falantes. Não é algo contingente como veiculam ciência e capitalismo, mas algo
essencial ao sujeito e imprescindível ao laço social, já que tem função de enlaçamento.
Não se trata, portanto, de erradicar a exclusão, e sim de “acolher os ‘excluídos’ naquilo
que eles têm de mais singular” (Ibid., p. 407)”.
“Subversão sem precedentes” – empuxo à paridade, tentativa de deixar de fora a
castração, afeta os laços sociais.
É próprio do laço, a disparidade, o “não todos iguais”
Capitalismo desfaz laços sociais.
Todos crianças, todos iguais (Lacan 1967) – “Criança generalizada”:
posicionamento estrutural da criança como objeto de gozo do Outro, alude à posição de
objeto em que o homem contemporâneo é colocado pelo discurso da ciência e do
capitalismo. Ser humano = objeto da ciência e corpo biológico.
Vivemos a era da infância generalizada e a segregação surge como efeito (um
outro tipo de segregação, não a estrutural, mas aquela que visa aniquilar a diferença, o
que há de mais singular e estrutural no sujeito) – numa tentativa de dar tratamento à
anulação das diferenças via separação espacial, como forma de preservar espaços
distintos. A lógica que rege esse tratamento espacial se sustenta num reconhecimento da
diferença que, por concentrar e generalizar, favorece o surgimento de fenômenos como
a misoginia, criança tirana, preconceito racial etc.
Se há segregação – isolamento, afastamento – há por outro lado, reconhecimento
da diferença que pode ser tomado como justificativa para a discriminação no pior
sentido.
“Da discriminação que pode acarretar o imperativo de aniquilação do outro, de
aniquilação da diferença e, do mesmo modo, pode acarretar uma imposição de “serem
todos iguais!” impulsionada por essa lógica e favorecida pela solução que ela sempre
oferece a qualquer questão, gadgets, mercadorias das mais diversas que trazem a
promessa de aniquilação da falta, da diferença, da castração.
Segregação como empuxo à eliminação da diferença tanto na “morte ao outro”,
quanto na “morte ao sujeito” justo naquilo que o define que é sua diferença.”
______________________ x______________________________
O que pode psicanálise/ psicanalistas frente a problemas tão cruciais?
Não ceder a eles – subverter tais discursos para fazer valer a inexistência da
relação sexual, o ser-para-o-sexo.
“Sustentar um outro desejo é uma forma não de fazer barra – somos todos presos
ao discurso capitalista -, mas, de subtrair alguma coisa desse discurso” (Soler)
Amor – põe em cena a castração – pode ser um limite ao narcisismo, permitindo
aceitar limitações impostas ao gozo. Sustentar os caminhos do amor via discurso
analítico pode ser uma forma de fura ciência e capitalismo.
Gozo como medida ética – Lacan – capitalismo se opõe a isso, prometendo a
restituição de uma condição essencial aos sujeitos promove a suposta existência de um
gozo que seria ilimitado.
Mais-de-gozar, falta a gozar, causa geral do desejo e motor que anima a
economia subjetiva, além de veicular que os gozos são iguais e podem ser distribuídos
de forma equivalente.
Gozo como ética e sustentar a castração como forma de permitir que cada um
responda singularmente à inexistência da relação sexual.
Gaio saber – tem seu fundamento na falta estrutural chamada desejo e é
considerado uma virtude ética:
“pois consiste ‘não em compreender, fisgar [piquer] no sentido, mas em roçá-lo
tão de perto quanto se possa, sem que ele sirva de cola para essa virtude, para isso gozar
com o deciframento, o que implica que o gaio issaber, no final, faça dele apenas a
queda’ (Ibid., p. 525).
Tal virtude seria uma maneira de reinscrever o desejo, de dar lugar ao singular,
modificando a posição de exclusão e de dejeto sustentada pela ciência e pelo
capitalismo – e também pela fantasia neurótica. Aposta-se que, com isso, a par-
ticularidade de gozo seja acolhida e que os sujeitos possam ser contados um a um,
descolando-se das vociferações homogeneizantes advindas dos discursos que dominam
nossa época.
Como afirma Soler (2011b), tristeza e gaio saber são dois afetos que se referem à
relação com o saber inconsciente, conforme esse seja recusado ou, ao contrário,
decifrado palavra a palavra. Aquele que ‘tenha a valentia de se deixar enganar [se faire
dupe] por suas letras ou seus signos a fim de tolerar o sentido sempre fugidio ao em vez
de se satisfazer com ele’ (Ibid., p. 71) pode experimentar o júbilo pro porcionado pela
queda da alienação do sujeito ao significante do Outro.
A alegria do saber é consequência da passagem do não sentido ao não sentido
gozado, um gozo sentido no corpo. Essa passagem é essencial, porque produz um ganho
sobre o sintoma ao preservar uma parte de real – índice da disparidade fundamental –
que não se deixa encobrir pelos imperativos veiculados. Assim, fica mais claro porque é
o discurso do analista e, por que não, também a alegria, que podem subverter o discurso
capitalista.”

Texto entrevista com Éric Laurent – Os efeitos da psicanálise no tecido da


civilização
Mundo de demandas de respostas rápidas e tratamentos breves – como a
psicanálise pode se inscrever como uma possibilidade de tratamento? Psicanálise vai
além de um tratamento.
A psicanálise mudou muito o seu modo de aplicação em conseqüência das
mudanças sociais, econômicas e culturais. Na época de Freud não havia o Welfare State,
não havia reembolso médico dos convênios, não haviam instituições públicas de
tratamento.
É preciso questionar essa idéia de que a psicanálise é um tratamento longo e
caro. A psicanálise é uma aventura pessoal, deve ser vista como uma história de amor.
Há pessoas que têm histórias de amor rápidas e múltiplas. Nesse sentido, é também
necessário existir um tratamento rápido e múltiplo. Há também as aventuras mais
longas, cujo objetivo é mudar o estado das coisas no interior de si. Assim é a
psicanálise: a cura como aventura pessoal, e também um tratamento.
Psicanálise não promete felicidade e bem-estar X ciência aliada às psicoterapias
TCC na proposição de modelos comportamentais para atingir o bem-estar.
Contextualização histórica da busca pela felicidade.
Profunda contradição da contemporaneidade: demanda por tratamentos e
compromissos curtos X sempre querer “mais” – ir mais rápido, trabalhar mais, ganhar
mais, ter mais sexo, mais amor, é preciso ter não importa o que, desde que seja mais.
Capitalismo generalizado – todo mundo é empreendedor de si mesmo: ser
empreendedor de si mesmo e tudo maximizar é um comportamento adicto perigoso.
Gestão de populações – colocar tudo em categorias para melhor gerenciá-las.
Relação disso com a medicalização.
Medicina (ciência) baseada em evidências – desconsidera a particularidade dos
casos.
O saber científico se revelou uma verdadeira pulsão de morte. Um saber que
pode ignorar toda a particularidade – “você deve entrar nesta categoria”, nós vamos tirar
de você os comportamentos que não dão certo e você vai, enfim se enquadrar muito
bem na sua categoria. E você será morto subjetivamente.
A psicanálise é muito útil para os sujeitos que vêm nos ver. As pessoas que vêm
nos ver estão decepcionadas com essas promessas irresponsáveis feitas pelos fabricantes
de felicidade, pelos vendedores de felicidade, pelo marketing da felicidade.
Há na própria subjetividade, uma tendência profunda à massificação, no sentido
de se fazer massa. Freud e psicologia das massas – tratava-se da política moderna, o
ideal seria o recurso de organizações de massa estáveis, de partidos políticos.
Identificações de massa X identificações que são circunscritas em uma análise,
singulares. O gozo surpreendente que irá tocar o sujeito. Todas essas identificações
permitem desconstruir a identificação ideal.
A psicanálise oferece, em uma época de massificação, a possibilidade de cada
um descobrir sua micro identificação, que não pode ser satisfeita pelas identificações
ideais, nem pelos objetos industrializados que estão em toda parte.
Objetos feitos em massa – publicidade feita para satisfazer todos os desejos.
A experiência da psicanálise é uma experiência de atravessamento do fetichismo
de mercado.
A psicanálise não se coloca como portadora de um saber sobre o objeto pulsional
de cada sujeito, ela supõe que o sujeito tem esse saber.
A psicanálise diz sua moral é agir (...) segundo sua história, às suas micro
identificações, a sua via própria, não em direção à felicidade, mas em direção ao seu
próprio desejo. Esta é a via de seu fantasma e de seu sintoma. É evidente que você deve
dar conta de toda a sociedade. Pois não se trata de ser cínico e nem estar isolado: vpcê
deve dar conta do mundo tal como ele é, atravessar as miragens da civilização, “as
mentiras da civilização”, como dizia Freud.
Psicanálise não é um discurso de conformismo, de conforto.

Miquel Bassols – Transtornos de linguagem e segregação

O sujeito que não pode ter acesso ao vínculo simbólico da fala é excluído do
vínculo social
Diversos modos de segregação:
1- Segregação estrutural – inerente à linguagem como operação simbólica que exclui
necessariamente algo em seu exterior para constituir um interior limitado. Nenhuma
ordenação simbólica se dá sem deixar algo de fora dela, ainda que esse algo seja depois
simbolizado como ausente. Princípio freudiano da constituição do sujeito a partir de
uma exclusão primária, do rechaço originário de um objeto ou de um gozo. Na falta
dessa exclusão originária é o sujeito mesmo que será segregado como um objeto desse
gozo, fenômeno que encontramos em certas psicoses.
2- Como responde o sujeito a essa segregação estrutural, inerente ao simbólico?
Segregação social como resposta! Racismo, exemplo de resposta limite à segregação
social de um gozo diferente do representado pelo universo simbólico do sujeito.
Segregação como discurso do vínculo social = identificar o Outro (Outra raça), mas,
também o Outro de cada sujeito (louco, criança etc.) como gozo segregado
estruturalmente -> É o estrangeiro, o bárbaro, que encarna, para cada um, um gozo
estranho, segregado, alheio.
Separar X segregar – pela separação (operação de recobrimento de uma falta
pela outra, que promove a introdução do significante fálico, ordenador, que localiza e
organiza simbolicamente a falta – NP ?!) que pode começar a se produzir a aceitação da
segregação estrutural implicada pela linguagem e que pode começar a se produzir uma
subjetivação do gozo bárbaro que implica ser um ser de linguagem.

Heloisa Caldas – Segregação, sexismo e racismo


Laurent – “o racismo muda seus objetos à medida em que as formas sociais se
modificam, mas conforme a perspectiva de Lacan, sempre jaz, numa comunidade
humana, a rejeição de um gozo inassimilável, domínio de uma barbárie possível”
Na sexuação – primeira segregação, estrutural, que não se deve a identificações
culturais, que só surgirão em um segundo tempo. Nesse tempo original – a segregação
se deve à disjunção entre gozo e saber, afinal, apenas parte do gozo pode ser submetida
à mestria de um saber através do significante, o que implica que resta um gozo Outro
irreconhecível e inassimilável.
O gozo fálico promove um funcionamento necessário e de certa forma previsível
ao sintoma. O gozo feminino (Outro) dissolve as identificações sintomáticas.
Gozo fálico – caráter normativo e protocolar que passa a ser defendido para
garantir sua soberania diante de gozos estranhos, ameaçadores ao seu domínio de saber
e crença (ambos situam-se do lado do que pode ser significantizado). Gozo fálico –
posição de poder e superioridade.
As modalidades de gozo não se reduzem à esfera do próprio corpo, se
transmitem para o social e ecoam em suas políticas.
Miller – um grupo pode adotar um modo compartilhado de gozo combatendo
Outro gozo, inassimilável àquela identificação.
Laurent – “Para construir a lógica do laço social, Lacan não avança a partir da
identificação ao líder, mas de uma primeira rejeição pulsional”.
As diferentes formas de sexismo e racismo evidenciam uma recusa ao gozo
Outro sustentando para isso uma superioridade fálica de um saber fazer de mestria.
Respeitar a diferença sexual sem ter que supor que ela seja uma ameaça.
Ódio ao seu próprio gozo, ódio estrutural – impedimento à Universalização
(ideais humanitários)
Nenhum humanismo, mesmo que embasado pela ciência, alcança a dar acesso a
um saber útil para estabelecer uma relação sexual. Não há relação sexual no sentido de
uma harmonia idealizada e complementar entre parceiros sexuais.
Há, no entanto, afetos que sustentam laços, ensejando uma relação, ali onde ela
estruturalmente não existe.
Como lidar com essa nefasta superioridade presente nas mais diversas formas de
racismo e sexismo? Essa é uma pergunta que a psicanálise não pode responder no plano
do coletivo, justamente porque o coletivo  exige que se ceda do que é irreconhecível em
cada um, para aceitar a identificação de  um gozo protocolar, o que gera, em cada um,
mais ódio ainda.
Certamente que as identificações coletivas e empoderadas tem  enorme valor
político de cidadania. Não se trata de combate-las, mas de atentar para o  que delas pode
advir. Quando qualquer poder se torna muito forte, seu avesso,   inevitavelmente,
aparecerá alhures. Como Lacan bem profetizou, tem havido uma  escalada do racismo
porque não conseguimos deixar o Outro entregue a seu modo de  gozo, não lhe impondo
o nosso. 
A psicanálise pode, no entanto, trabalhar por outra via, contrária à identificação
que fundamenta o coletivo, uma vez que, ela busca, na singularidade de  cada um, o
avesso da identificação – o inidentificável de si mesmo. Com isso, uma  análise visa um
saber fazer com isso do gozo que não se sabe bem o que é. O saber  fazer com isso,
tomando isso no sentido freudiano do termo, implica em não  privilegiar o saber fazer
da mestria que corresponde ao gozo fálico. O saber fazer com  isso desbanca a crença e
o saber do gozo fálico, destitui sua superioridade e, ao  mesmo tempo, acolhe o que lhe
ultrapassa, o gozo Outro, feminino, arrefecendo o repúdio e o ódio ao que não se sabe...
porque não tem nome e nem medida.

Fabio Malcher e Ana Beatriz Freire  - Laço social, temporalidade e discurso:  do totem e
tabu ao discurso capitalista

 O laço social vem sofrendo impactos a partir do advento do capitalismo,  em


sua aliança com a ciência, incitando uma reflexão acerca de certos aspectos  discursivos
contemporâneos.
O discurso inaugurado pela superação da horda primeva opera como discurso 
do mestre, no qual a escansão significante S1-S2 ocupa o nível do impossível. Nesse 
discurso, demarca-se a impossibilidade de o sujeito ser plenamente representado   por
um significante junto a outro significante. Mesmo ligados por uma seta,  permanece um
impossível em jogo na relação S1-S2.
O encontro traumático com a linguagem pressupõe a perda de  gozo e o ganho
de significantes, sendo o laço social uma aposta de que se pode  aparelhar
discursivamente o gozo, promovendo algum tratamento ao trauma  da linguagem.
Mesmo sem garantias, uma vez feita a aposta, esta é irreversível. 
O mito de Totem e tabu demarca a necessidade de uma renúncia de ordem 
pulsional para o estabelecimento de laço social, definindo um antagonismo  entre gozo e
laço social.
Em qualquer dos quatro discursos, o S1 permanece apartado do S2, seja pela 
barra, pelo impossível ou pela impotência. A escansão significante se mantém, 
garantindo o sujeito dividido, como efeito dessa articulação significante em cadeia,
bem como o resto de gozo que cai nesse intervalo, objeto a. Esse ponto  será retomado
adiante, ao tratarmos do matema do discurso do capitalista, no  qual essa escansão
temporal fica em questão. 
Articulamos a  fórmula lacaniana do discurso do mestre ao paradigma que se
instaura a partir  da superação da horda primeva, evento fundador do laço social
Os impactos discursivos do advento do capitalismo são abordados por Lacan  em
diferentes momentos. Ao indicar que a realidade capitalista não se dá nada  mal com a
ciência (LACAN, 1968-1969/2008, p.38), Lacan delimita sua primeira  abordagem dos
efeitos do capitalismo no discurso a partir da aliança indissociável entre a ciência
moderna e o capitalismo. Há uma curiosa copulação (LACAN,  1969-1970/1992,
p.103) que ocasiona uma “[...] mutação capital, também ela,  que confere ao discurso do
mestre seu estilo capitalista.” (p.160). A mutação capital se refere ao giro discursivo
que produz o discurso universitário.
Entre a formulação do discurso universitário e sua associação ao capitalismo,  e
o matema do discurso do capitalista em 1972, Lacan indica que “Uma coisinha  de nada
que gira e o discurso do mestre de vocês mostra-se tudo o que há de mais 
transformável no discurso do capitalista.” (LACAN, 1971/2009, p.47)
O discurso do capitalista propõe um funcionamento que opera sem
tropeços,  de modo circular e sem corte, sem ponto de basta, ou seja, sem escansão.
O que  toca diretamente o tema que nos propomos a explorar é a ligação que se
estabelece  entre S1 e S2. No discurso do mestre a articulação S1 e S2 ocupa o nível do
impossível, ficando estabelecido que um significante jamais representa plenamente o 
sujeito junto a outro significante. Dessa forma, o significante-mestre no lugar  de agente
comanda o saber ao trabalho, mas há uma perda nesse processo, algo  que escapa à
trama significante, a, que, enquanto mais-de-gozar, funciona como  entropia no sistema,
como a produção de uma perda irrecuperável. O interessante  na maquinaria discursiva é
que ela — diferente de uma máquina qualquer —  não fica indiferente à perda,
buscando recuperação. É a esse funcionamento que  Lacan concede estatuto de laço
social.
Assim, o próprio estatuto discursivo do discurso do capitalista é questionável, na
medida em que ele apresenta um funcionamento sem perdas, que  gira sobre si mesmo,
colocando em xeque uma questão central ao laço social, a  necessidade de renúncia ao
gozo. Mesmo que a promessa de forclusão da castração (LACAN, 1971-1972/2011)
sustentada pelo discurso capitalista não se cumpra,  isso não significa que ela não tenha
efeitos discursivos. O fracasso da promessa  realimenta o funcionamento do sistema,
deslocando metonimicamente para o  próximo objeto de consumo a possibilidade de
satisfação da promessa, capturando o sujeito — como consumidor — na trama do
mercado, justificando as  denominações de interminável e desmedido que Marx atribui
ao modo de produção  capitalista.
 “Isso não tem  como andar melhor, mas justamente isso anda rápido demais,
isso se consome, isso  se consome tão bem que isso se consuma” (LACAN, 1972/1978,
p.48)
Uma explosão, implosão como  efeito do excesso que opera como causa —
mais-valor —, mas que não se perde,  sendo continuamente contabilizado e reinvestido
no sistema.
O discurso do capitalista tenta  operar sem produzir entropia, como se fosse
possível evitar todas as perdas, o  que pode levá-lo à consumição.
O gozo não deve mais  ser adiado, sendo oferecido imediatamente pela via do
consumo, das “latusas”  (LACAN, 1969-1970/1992, p.153-4) que povoam as vitrines e
telas, objetos que  encarnam o valor de troca travestidos de um valor de uso maquiado
como uma  necessidade urgente. Contudo, algo escapa tanto ao valor de uso quanto ao
valor de troca, um gozo que não se deixa apreender, que resta como impossível,  
inacessível, deixando o consumidor frustrado e relançando a promessa: nada de  tempo
para compreender, que venha o novo lançamento! 
A promessa capitalista é a de gozo imediato e ilimitado, contanto que se tenha 
poder aquisitivo para tal, pois o preço se apresenta como um limite. Produz-se  uma
nova relação ao tempo, a do “tudo, tudo imediatamente” (ANSERMET, 2011,  p.2),
A promessa capitalista de forclusão da castração se ancora no consumo,  na
mercadoria, mas também se refere à temporalidade lógica em jogo no laço  social: “O
que a Verwerfung da castração rejeita é o tempo de constituição de  um sujeito dividido
que possa lançar uma questão fantasmática.
De qualquer forma, a psicanálise não desconsidera o tropeço, ela parte  dele, e
isso por entender que a perda é inevitável, que sempre resta algo que  não se captura
nem no significante, nem no valor — seja de uso, seja de troca.  A promessa capitalista
de forclusão da castração não se sustenta, restando o gosto   amargo do mal-estar,
mesmo que logo surja no mercado um novo remédio que   prometa aplacá-lo. Ao
analista diante de um sujeito capturado nessa promessa, enredado em um funcionamento
que rechaça o corte, resta como direção  de trabalho “[...] reintroduzir a escansão do
tempo do sujeito, reintroduzir a  escansão do tempo, a de um tempo lógico, mais do que
a de um tempo que é  feito apenas de um instante que gira, acelerado sobre si mesmo.
Seja como for,  para sair disso, é preciso passar pelo corte” (ANSERMET, 2011, p.5).
Os recursos são conhecidos, mas a invenção se impõe, pois  não se deve
esquecer que é na singularidade do caso a caso que se pode lançar  mão daquilo que se
revele capaz de operar um corte no funcionamento enredado por uma promessa se
operar discursivamente sem perdas, mas que retorna  como sofrimento, como mal-estar.
Os efeitos de um ato analítico só se fazem  conhecer a posteriori, trata-se sempre de
uma aposta, e ao analista caberia saber  que em toda aposta a perda é de início. Sem
pressa por resultados, mas com a  ética do corte nas mãos. 

Brunhari e Darriba – O discurso do capitalismo e os efeitos de segregação

Lacan divide, assim, duas categorias para o exame do termo: a  segregação como
princípio e o efeito de segregação. A primeira refere-se à segregação  em seu aspecto
estrutural que traz em sua fundamentação o processo de separação e  de extração de um
gozo na constituição do sujeito. Neste trabalho, apenas nos ateremos  ao que se define
como efeito de segregação por meio de seu caráter de prática e seu  atrelamento ao
discurso do capitalismo. 
O que é indicado por Lacan (1967b/2003) como imperialismo se ordena como
uma  desintegração que acarretará a ampliação dos processos de segregação no âmbito
social.  Estes processos destacados pelo autor encontram na psiquiatria pontos de
ebulição quanto  às práticas de privação de liberdade aplicadas nos tratamentos da
loucura.
Lacan (1966/2001) assinala a função do mercado que elabora produtos 
terapêuticos, químicos e biológicos disponibilizando-os ao público e solicitando ao
médico,  “assim como se pede a um agente distribuidor, que os coloque à prova” (p. 10).
Isto que  Lacan antecipa sobre a indústria farmacêutica e o uso dos serviços médicos,
em nome  de um afã cada vez mais amplo de avaliação e de testagem, incorre na
edificação de  critérios e exigências mundiais de produtividade: “pois se a saúde tornar-
se objeto de uma  organização mundial, vai tratar-se de saber em que medida ela é
produtiva” (p. 14). 
Estes trabalhos datados de outubro de 1967 permitem observar uma
substancialização  da noção de segregação enquanto um processo que envolve tanto os
progressos científicos  quanto uma lógica mercadológica. Esse processo tem um caráter
prático e de aplicabilidade  dirigido ao âmbito social e particularmente ao da psiquiatria.
Ter esta área médica como ponto  de ebulição de práticas segregatórias dirigidas à
loucura corresponde a uma época em que  se generalizam coordenadas cujo fundamento
imperialista deriva de um entrecruzamento  entre os progressos científicos e exigências
de produtividade. Esta intersecção pode ser  observada ao longo dos comentários de
Lacan sobre a segregação. 
Será em seu Breve discurso aos psiquiatras (1967/inédito) que Lacan sublinhará
a  segregação enquanto efeito. Para além de um processo prático, o efeito de
segregação  é tributário de uma articulação entre os progressos da ciência e a
universalização que  se efetiva, como destaca o autor, sobre o sujeito. Isto que se perfaz
como uma prática  tem, nas observações de Lacan, um foco sobre a loucura enquanto
objeto de uma  ciência especializada. Afirma o autor que “todos esses loucos foram
tratados, tratados  da maneira que se chama humanitária, a saber: foram trancafiados.
Em sua intervenção, Lacan (1967/inédito) articula o efeito de segregação ao
progresso  científico que tem em sua base um isolamento do sujeito . Não passa
despercebido como  este efeito se evidencia na estrutura social e também que certa
mercadologia é referida em  uma visão de futuro massificador. Este futuro de mercado
atrelado ao progresso científico é bastante peculiar nestes trabalhos de Lacan sobre a
segregação.
Os progressos civilizatórios já tinham, sob a pena de Freud (1930
[1929]/1996a),  o mal-estar gerado a partir das exigências de renúncia pulsional. Lacan
faz acréscimo  ao propor os efeitos da segregação como um além do mal-estar que tem
como marca  uma ultrapassagem, um acréscimo, na medida em que não se configura
pela via do laço  social. É neste ponto que o psicanalista francês remete aos campos de
concentração como  precursores de tais práticas. Esta prática de segregação é designada
como um preço pago  pela universalização resultante dos progressos da ciência.  
O futuro de mercados comuns e os  imperialismos que se equilibram a partir dos
efeitos de segregação podem ser entendidos  como o aporte necessário à praticabilidade
da universalização pautada na tecnicização  da ciência. Propomos que este aporte possa
ser aferido no ensino de Lacan por meio da  formalização de um discurso do
capitalismo. 
O psicanalista não hesita ao propor  que a felicidade e a permanência desta é o
que encerra tal questão. Dada a felicidade como  propósito para a vida, é possível
compreender que sua engrenagem se sustenta a partir  de um programa orientado pelo
princípio de prazer. Todavia, por uma condição própria a  esse princípio, o fracasso em
atingir tal meta é inevitável e a impossibilidade atravessa o  prospecto da felicidade,
impondo o sofrimento como um contraste premente. 
O mal-estar escancara a insuficiência dos regimentos sociais para dar conta do 
sofrimento humano, visto que a edificação deste se sustenta pela renúncia pulsional.  A
perda referente à satisfação é fundamental no estabelecimento da mutualidade e no 
funcionamento disto que remete a uma impossibilidade, já que os relacionamentos
sociais  não são garantidores da restituição daquilo que se perdeu, são insuficientes para
tanto. 
Discurso é aquilo que estrutura o laço social, articulando linguagem e gozo – é
pela via da exigência da cultura por uma renuncia pulsional que se estabelece o laço
social. É pela perda real de gozo que os discursos se fundam pelo significante enquanto
“aparelho de gozo”
Mestre moderno – capitalista
Lacan (1969-70/1992), “a sociedade de consumidores  adquire seu sentido
quando ao elemento, entre aspas, que se qualifica de humano se dá o  equivalente
homogêneo de um mais-de-gozar qualquer, que é produto de nossa indústria,  um mais-
de-gozar – para dizer de uma vez – forjado” (p. 84). A mais-valia resultante da 
diferença entre o valor do trabalho humano e o valor de troca passa a ser tomada pelo 
senhor moderno como objeto a ser forjado para consumo. Este mais-de-gozar,
fetichizado  como mercadoria pelo capitalismo industrial, revela um gozo que não está
fadado à entropia  e à perda, mas como resultado que se dá como produto. 
Neste discurso o saber está reduzido ao trabalho com vistas à produção do mais
de-gozar em forma de lucro para o senhor e de objeto de gozo para o consumidor. É
assim  que o sujeito se encontra no lugar de Agente, como dominante na cena do
consumo, tendo  deixado de ocupar o lugar de verdade com o qual o discurso do mestre
mantinha relação de  exclusão. É deste lugar de dominante que o sujeito é incitado ao
consumo desenfreado dos  objetos forjados pela indústria e pelos progressos técnicos da
ciência. Uma constituição  fantasmática pode ser compreendida no meandro desta
relação entre o sujeito ávido e o  objeto com o qual se erige a ilusão de uma recuperação
de gozo. É assim que o discurso  do capitalismo consegue manter um circuito fechado,
em que desaparecem as dimensões  da impossibilidade e da impotência, no qual o
sujeito é guiado pelo objeto de acordo com  as leis do consumo.
Caracterizado como freneticamente astucioso, o discurso do capitalismo se
consuma  na medida em que consome. Isto aponta para o fato de que este discurso não
promove o  laço social, já que a relação que se estabelece é entre o sujeito ordenado pela
falta de gozo  e o objeto de consumo acessível, o gadget. Diferentemente do discurso do
mestre em que o  laço se estabelece entre o senhor e o escravo nos moldes hegelianos da
consciência-de-si,  o senhor moderno tende a desaparecer do lugar dominante e tornar
agente o sujeito voraz  e ganancioso que consome o produto de maneira insaciável.
Assim, compreende-se que  “a mais-valia, é a causa do desejo do qual uma economia
faz seu princípio: o da produção  extensiva, portanto insaciável, da falta-de-gozar”
(Lacan, 1970/2003, p. 434). O gadget, na  função de mais-de-gozar, é o fundamento de
uma economia que, em larga escala, se torna  uma gestão na qual o sujeito padece disto
que é fabricado para ser consumido, bem como,   procuramos sustentar, em um processo
no qual há uma acoplagem entre sujeito e objeto.  Esta acoplagem é o que abole a
divisão e ratifica a consumação entre sujeito e objeto. 
Aproximações entre os textos:
Como a psicanálise dialoga com a contemporaneidade e suas exigências? Qual o
papel da psicanálise/do psicanalista numa sociedade/cultura neoliberal, frente ao que se
passa na subjetividade deste tempo?
Modos de segregação próprios ao contemporâneo, capitaneado pelo discurso do
capitalista, seus efeitos sociais e clínicos – o que a psicanálise propõe frente a isso?
Circunscrever os efeitos (nocivos/ segregacionistas) da acoplagem do discurso
da ciência através das TCCs com o discurso do capitalista, em suas promessas de
felicidade e outros valores preconizados na contemporaneidade. E propor como a
psicanálise faz frente a isso.

Meu Projeto
Pensar a exigência de “alta” – de encerramento, de cura, de fim (do sujeito/ da
falta) – a partir de um imperativo caro à contemporaneidade, operado em consonância
com discurso do capitalista. Propor adicionalmente que as “terapêuticas” mais
indicadas/ preconizadas na atualidade para o “tratamento” do sofrimento psíquico
(medicamentosa e cognitivo-comportamentais – conforme manuais de tratamento dos
transtornos mentais, CID e DSM) comportam-se como gadgets, boas respostas para
tamponar, eludir a falta estrutural do sujeito. Desdobrando disso, uma reflexão, a partir
da teoria psicanalítica, sobre os efeitos desse acoplamento do discurso do capitalista ao
discurso da ciência, no que tange ao preconizado massivamente em termos de cuidado
em saúde mental e seus desdobramentos nos sujeitos. Por fim, discutir a subversão que a
psicanálise propõe em relação a essa montagem, podendo, então, apontar o que nós,
enquanto psicanalistas, podemos dizer e operar frente à urgência da contemporaneidade
– associada ao discurso do capitalista.
No desenvolvimento desse percurso, pretendo abordar como é pensada a questão
do fim de análise na teoria psicanalítica à luz de Freud e Lacan, que aponta, justo para
um saber-fazer com a falta, com aquilo para o qual não tem solução, não tem fim, aquilo
que é próprio da estrutura do sujeito, e não para a obturação – tamponamento,
resolução, pseudo-solução, pseudo-fim – disso.

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