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Serpente Amaldiçoada

Sentado, admirando a água jorrando da fonte do Ribeirão, estava Willian, um


garoto prestes a completar 18 anos. Aquele lugar lhe ajudava a pensar direito em tudo
o que estava acontecendo em sua vida, pois dava-lhe a sensação de paz, e de quando
era uma criancinha que amava ouvir lendas de São Luís contadas por seus avós... Pelo
menos até ser obrigado a ir morar com os seus tios. Há alguns anos teve de se mudar
para São José de Ribamar, por causa das más condições que seu avô se encontrava.
Depois da morte de sua avó, seu avô ficou completamente desolado, e sem condições
de cuidá-lo, por conta da saúde e a falta de dinheiro. E, embora já estivesse há um
tempo com seus tios, Willian não se tornara tão próximo dos tios. Ele amava tanto as
noites em que seus avós lhe contavam lendas, principalmente as da cidade. A sua
favorita era a da serpente encantada. Sentia falta de quando sua avó o obrigava a
dançar coisas que ele consideraria curiosas, como o Tambor de Crioula. Por isso estava
alí. Queria sentir, pelo menos, por uma última vez a sensação do que é ser feliz.
Naquele dia estavam visitando o seu avô, pois recentemente receberam a
notícia de que a saúde dele tinha piorado drasticamente e possivelmente não resistiria
por mais tempo.
Na verdade, o que mais estava lhe atormentando foi a notícia sobre seus pais e
a sua origem. Se sentindo culpado por todos esses anos terem escondido a verdade, o
seu avô, por ser o último a saber da verdade e estar quase morrendo, decidiu que o
melhor seria contar tudo enquanto ainda estava vivo. Porém nada daquilo que ele
tinha falado fazia o menor sentido. Primeiro ele começou contando uma lenda, claro,
como de costume. Mas aquela era diferente, ele nunca havia contado, ou, ao menos,
não lembrava...
“Era uma vez, uma aldeia formada por índios que tinham alguns dons diferentes
dos outros. O chefe dessa tribo se chamava Itaporama. E ele tinha uma filha, uma
jovem menina, que era apaixonada por um jovem guerreiro da tribo. Mas este, por
causa de sua beleza incomparável, provocou a paixão da mãe d’água que logo tratou de
conquistá-lo. Assim, usou seus poderes para encantá-lo levá-lo às profundezas do mar.
A filha do cacique, desolada pela perda do seu amor, ficou andando pela areia, sem se
alimentar, apenas chorando e torcendo para que um dia o guerreiro pudesse voltar.
Mas não o aconteceu, e a pequena índia acabou morrendo alí mesmo, na areia. Alguns
tempos depois brotaram dois olhos d’água que se transformaram em nascentes de ríos
que corriam do mar.”
Na hora, Willian só ficou parado, escutando e tentando entender em que essa
história tinha de importante. Mas seu avô continuou muito persistente em contá-la.
— O fato importante que ninguém sabe, e nem se interessa em saber, é o que
aconteceu depois com a aldeia. E é aqui que quero que preste muita atenção. – Disse
isso olhando firmemente nos olhos de Willian.
“O Cacique, após saber da desgraça que havia ocorrido com a sua filha, cheio de
fúria, resolveu castigar todos que alí habitavam. Lançou uma maldição nas águas
daquele lugar que logo se transformaram em uma serpente. Tal serpente era tão
grande que conseguiu destruir a aldeia sem nenhuma dificuldade. Porém o Cacique
ainda tinha um filho, um bebê. E um dos índios guerreiros, vendo a aldeia sendo
destruída, pegou o bebê, tentando salvá-lo, e se transportou à outro lugar. O problema
foi que na metade do caminho o índio acabou sendo gravemente ferido e, com isso, a
sua rota não saiu como a esperada. Acabou em um lugar que totalmente desconhecia.
Mas não havia tempo de pensar, estava muito fraco e precisava proteger o bebê. Foi
então que encontrou um casal e os entregou o menino. Antes de morrer o índio deixou
um objeto para, com ele, o casal pudesse entender tudo. Mas obviamente não
acreditaram abandonaram o bebê com seus familiares, sem nunca mais dar notícias.”
Nesse momento Willian não sabia o que dizer. Não sabia o porquê de contar tal estória;
então preferiu permanecer calado. Embora tivesse sérias dúvidas...
– Sei que provavelmente me acha um velho doente que é maluco — dizia o seu
avô—, e só me escutou até aqui por pena... Mas antes que fale alguma coisa, deixe-me
terminar. Bem, aquele casal seria o que você chamaria de pais, mas, como bem
escutou, eles o abandonaram aqui, comigo e sua avó. Nós ouvimos toda a história e,
mesmo demorando um pouco para que pudéssemos acreditar, preferimos ficar
cuidando de você, principalmente porque sua avó já tinha se apegado muito a você.
Então logo tratamos de descobrir mais informações sobre sua tribo, e, claro, de você.
Descobrimos uma pessoa que parece entender muito bem dessas coisas. Um homem
que achávamos aparentemente muito estranho, a princípio, mas com o tempo fomos
nos entendendo. Mas o fato é que a serpente ainda está amaldiçoando este lugar em
que vivemos. Parece que um dos índios guerreiros conseguiu pará-la, colocando-a em
um sono profundo. Porém, como o poder do Cacique era mais forte, somente depois
de ter destruído toda a aldeia a serpente adormeceu , ficando em um formato quase
meia lua. E ali, que logo se transformou em ilha, pode-se construir uma cidade sob ela.
Mas com o passar do tempo a serpente está perdendo parte do encantamento, por
isso, quando for o momento em que sua cabeça tocar sua calda, toda essa ilha
construída construída acima dela será destruída, pois ela acordará com uma fúria
maior que a do Cacique naquele dia. A única coisa que pode acabar com a serpente é a
mesma coisa que a criou. Então achamos que, por ser o último sobrevivente da aldeia,
aquele bebê poderia ter herdado o poder do Cacique e conseguiria destruir a serpente,
ou seja, você...
Foi então que Willian começou a surtar com o avô. Seu avô tentou acalmá-lo de
alguma forma, mas só aumentara a sua fúria. Willian pegou suas coisas e saiu daquela
casa. E foi assim que veio parar nessa situação. Parado, olhando para uma ponte, a
ponte da qual fazia parte da sua história... Sua história...
Enquanto estava refletindo sobre isso, um homem, conhecido da família,
chegou.
— É aqui que você está?!– Disse ele– Sabia que te encontraria aqui. Sabe, acho
que foi um pouco agressiva a sua atitude. Mas de qualquer forma, porque se esconder
justamente aqui? Está pensando em enfrentar a serpente?
— Você sabia de tudo, pelo visto...– Indagou Willian
— É claro que sabia! Ou a quem você acha que seu avô estava se referindo
quando mencionou “um homem que achávamos aparentemente estranho”? E só para
constar, naquela época eu estava em situações extremas da minha não beleza. E o meu
jeito meio diferente de agir, era perceptível de longe... – Willian deu uma pequena
risada– Mas o que importa aqui não é sobre quão irresistível eu sou, mas como você
está. Acha que está preparado para enfrentar uma serpente?
—Se isso realmente for verdade, depois disso, o que pode acontecer, além da
serpente desaparecer?
— Vejamos! Parece que ficar três dias olhando para o nada nos trouxe a algum
lugar... Mas há uma parte que não contei para seus avós... Mesmo que você não vá
lutar diretamente com a serpente, você irá morrer. O seu pai... Ou melhor, o Cacique
morreu para suprir o poder que a serpente precisava. E com você provavelmente será o
mesmo...
— Eu vou morrer...
— Bom, você não precisa dizer sim. Só descobri que a serpente ainda vive e um
dia despertará. Mas isso não acontecerá necessariamente enquanto ainda estiver
vivo...
— Eu vou! – Willian o interrompeu– Meus supostos pais me abandonaram; o
meu possível pai enfeitiçou a cidade que eu moro; a minha avó morreu e o meu avô já
está quase indo também, isso se eu não já o matei.
— Certo! Mas você vai me escutar direitinho e fazer somente o que eu disser...
Então, Willian e o homem foram em direção a uma “casa”, muito parecida com
uma cabana, na verdade, que ele aparentemente achava ficar perto da ponte do
Bacanga... E depois disso não se lembra mais de nada, apenas do homem falar algumas
coisas pra ele (das quais ele não entendeu), e, em seguida, ver alguns vultos, algumas
sombras, formando a imagem de um índio. Depois disso, Willian sente o seu corpo
pesado, e desperta. Foi então que ele percebeu que aqui tudo só poderia ter sido um
sonho. Ainda estava alí, na fonte do Ribeirão, deitado, perto do homem conhecido de
sua família, sem nada de serpente, e nada de estranho.

Mariana Aguiar Martins


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