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: Leonard Cohen

Nasceu a 21 de Setembro de 1934,

Montreal, Quebec; Canadá;


Não pude deixar de ouvir essa discussão
Não pude deixar de ouvir esses gritos de dor
E sinto que faça o que fizer
de novo voltarão

Mas penso que sou capaz de os curar


Mas penso que sou capaz de os curar
Sou louco mas penso que sou capaz de os
curar
com esta canção.
A razão por que escrevo
é para fazer algo
tão formoso como tu

Quando estou contigo


desejo ser o herói
com que aos sete anos
costumava sonhar
um homem perfeito
capaz de matar.
A neve cai.
Há uma mulher nua no meu quarto.
Os olhos pousados na carpete cor de vinho.

Tem dezoito anos.


E os seus cabelos são lisos.
Não fala o idioma de Montréal.

Não se quer sentar.


Não parece ter a pele arrepiada.
Ficamos os dois a ouvir a tempestade.

Acende depois um cigarro


no aquecedor a gás.
E deixa cair os seus longos cabelos para trás.
Não estás cansada
da tua beleza esta noite?
Como podes carregar esse peso
debaixo das estrelas?
O teu cabelo
ou os teus lábios
eram suficientes para te esmagar
Consegues-me ver quando passo
a correr,
o pesado New York Times debaixo do braço
com a tua fotografia
algures
no seu interior?
Conheci-te
logo que a morte
se converteu em verdadeira doçura.
Tinhas
24 anos
Joana d’Arc.
Persegui-te
com toda a minha arte
com tudo o que possuo.
Sabes, eu sou um deus
que precisa de usar o teu corpo
que precisa de usar o teu corpo
para cantar a beleza
de uma maneira
que ninguém cantou ainda.
Tu és minha
és uma das minhas últimas mulheres.
Ouvi falar de um homem
que dizia palavras tão formosas
que só com pronunciar o seu nome
se lhe entregavam todas as mulheres.

Se fico mudo junto ao teu corpo


enquanto o silêncio floresce como tumores
nos teus lábios,
é porque ouço um homem subindo a escada
e clarear a voz fora da porta.
Canção

Quase me deitei
sem me recordar
das quatro violetas brancas
que coloquei numa casa
do teu jersey verde.

E o modo como te beijei


e me beijaste então
tímida como se eu não
fora teu amante.
ANNE

Agora que Anne se foi


embora que olhos comparar
ao sol da manhã?

Não que eu os comparasse


outrora mas comparo-os agora
que ela se foi embora.
Ele estuda para descrever
o amante que nunca chegará a ser
frustrados os imensos sonhos da mente
& decidido a possuir visões de Deus.

Os andrajos da sua disciplina


não têm aquela beleza
que possa desfrutar-se facilmente
como a tua beleza.

Ele não sabe como obter benefício


com o teu amor.
Não confies nele
a não ser que o ames.
Quando te oiço cantar

Quando te oiço cantar


Salomão
garganta animal, olhos cintilantes
de sexo e sabedoria
Dói-me a mão

de tingir com sangue as portas do meu lar


Salomão
Sinto-me muito só para entoar uma canção
que seja a Deus pois
pensei que a meu lado não havia ninguém
Salomão
Folk

O verão se abria com flores para hitler


flores por sobre a erva reverdecida
E aqui tendes uma pequena aldeia
estão a pintá-la para uma festa
Aqui uma pequena igreja
aqui uma escola
aqui alguns cães fazendo amor
as bandeiras resplandecentes como barrela
O verão se abria com flores para hitler
O tumor cerebral

O tumor cerebral de Hitler assoma aos meus


olhos
Goering derrete lingotes de oiro nas minhas
entranhas
A minha maçã-de-adão faz silêncio coma
cabeça de Goebbels
É inútil dizer a um homem que é judeu
Com o teu beijo construo um quebra-luz
Confessa! confessa!
é o que me estais pedindo
embora acrediteis que me estás dando tudo
Cidade

Pergunto-me quanta gente nesta cidade


vive em apartamentos mobilados.
Altas horas da noite quando olho os outros
prédios
juro que vejo um rosto em cada janela
que me olha também
e quando volto para dentro
pergunto-me quantos se sentam às suas
escrivaninhas
e escrevem isto mesmo.
O vento vestiu-me esta manhã.
Fecha os olhos – disse-me o céu –
e corre com o teu rosto feliz
virado para o sol.
Não importa se sou tão velha como uma
esmeralda –
disse a floresta –
vem até mim murmurando.
E o povoado: Sou perfeito e complicado
gostarias de partir agora mesmo?
Lavei o meu cabelo na água
que recolhemos o ano passado sabe a pedra –
disse o meu amor –
O vento vestiu-me esta manhã
meados de Setembro de 1965.
Uma noite incendiei a casa que amava
Fazia um círculo perfeito a arder
Ervas daninhas e pedras
era tudo o que se conseguia ver.

Algumas criaturas do ar assustadas


pela noite vieram ver
o mundo de novo e acabaram por perecer
queimadas.

Agora navego de céu em céu


e tudo canta na escuridão
contra a barca que construí
de asas mutiladas.
SILÊNCIO

Um silêncio mais fundo

quando os grilos

hesitam
O Autocarro

Era o último passageiro do dia


Estava sozinho no autocarro
feliz por estarem a gastar todo aquele
dinheiro
só para me levarem pela Oitava Avenida
acima
Condutor! – gritei – somos só tu e eu esta
noite
Vamos fugir desta grande cidade
para uma cidade mais pequena mais de
acordo com o coração
Vamos guiar através das piscinas de Miami
Beach
tu no assento do condutor e eu vários
assentos atrás
Mas nas cidades raciais trocaremos de lugar
para mostrar como te arranjaste no Norte
e vamos descobrir alguma pequena vila
piscatória americana
e parar junto à areia
um enorme autocarro chamando sobre si as
atenções
metálico, pintado, solitário
com matricula de Nova Iorque.
Não é assim tão difícil

Não é assim tão difícil dizer adeus. Sem


dúvida, o espírito sangra um pouco, mas se
não fazes um risco longo no cabelo, ninguém
se dará conta. E certamente que o ego se
ressente como um dente ante o açúcar,
quando aceita por fim essa estranha
perfeição, mas mesmo assim as despedidas
far-se-ão, e não desde tão longe como
poderias crer. Estamos sós aqui, trepando
pelos reflexos brilhantes da raquítica escada
de mão que cedeu sobre os teus pés. As
nossas botas nos degraus imitam o ruído de
uma metralhadora. Olha: um sorriso numa
caveira.
O ano passado pensávamos que isso se via
apenas na boca dos hipócritas.
Poderá existir algo mais vazio
que a gaveta onde
costumavas guardar o teu ópio?
Algo como uma mulher de olhos negros
convertida em margarida vulgar
no meu belo armário de cozinha
Como um nariz sem narinas
é a minha gaveta nua de madeira
Como uma cesta sem ovos
ou uma lagoa sem tartarugas
A minha mão como um rato
explorou essa gaveta
numa experiência labiríntica
Posso-vos afirmar com toda a segurança
que não existe gaveta mais vazia
em toda a cristandade!
Suzanne

Suzanne leva-te para a sua casa perto do rio


Podes ouvir os barcos a passar
e passar a noite ao seu lado
sabes que ela é meio louca
Mas é por isso mesmo que queres estar lá
E ela oferece-te chá e laranjas
Que vêm da China
E quando pensas em contar-lhe
Que não tens nenhum amor para lhe oferecer
ela envolve-te numa longa onda
e deixa que o rio te responda
Que sempre foste seu amante
E tu queres viajar com ela
E tu queres viajar cegamente
E sabes que ela pode confiar em ti
Porque tocaste o seu corpo perfeito
Com tua mente

E Jesus era um marinheiro


Quando andou sobre a água
E passou um longo tempo a olhar
De uma solitária torre de madeira
E quando soube com certeza (que)
Apenas os homens que se afogavam o podiam ver
Ele disse "todos os homens serão marinheiros
Até o mar os libertar"
Mas ele mesmo estava quebrado
Muito antes que o céu se abrisse
Desamparado, quase humano
Ele se afundou na tua sabedoria como uma pedra.
E tu queres viajar com ela
E tu queres viajar cegamente
E sabes que ela pode confiar em ti
Porque tocaste o seu corpo perfeito
Com tua mente

Suzanne toma a tua mão


E conduz-te até o rio
Ela está vestida de trapos e penas
Dos uniformes do Exercito da Salvação
O sol se derrama como mel
sobre nossa dama do cais
enquanto ela te mostra para onde olhar
Entre o lixo e as flores
Há heróis entre as algas
Há crianças na manhã
que aprendem o amor
E aprenderão assim para sempre
Enquanto Suzanne se olha ao espelho.
E tu queres viajar com ela
E tu queres viajar cegamente
E sabes que ela pode confiar em ti
Porque tocaste o seu corpo perfeito
Com tua mente.
Que faço aqui?

Não sei se o mundo mentiu


Eu menti
Não sei se o mundo conspirou contra o amor
Eu conspirei contra o amor
O ambiente de tortura não é confortável
Eu torturei
Mesmo sem a nuvem em forma de cogumelo
ainda assim teria odiado
Escutai
teria feito as mesmas coisas
mesmo que a morte não existisse
Não me deterei como um bêbado
sobre a fria corrente dos factos
Recuso o álibi universal

Como uma cabina telefónica vazia na noite


da memória
como os espelhos de uma sala de cinema
como uma só saída
como um ninfomaníaco que se une a mil seres
em estranha fraternidade
espero
que cada um de vós confesse
O seu sangue no meu braço é quente como um
pássaro
o seu coração na minha mão pesado como chumbo
os seus olhos através dos meus brilham mais que o
amor
Oh manda-nos o corvo antes da pomba Senhor

A sua vida na minha boca é menos que um homem


a sua morte no meu peito é mais pesada que pedra
os seus olhos através dos meus brilham mais que o
amor
Oh manda-nos o corvo antes da pomba Senhor

Oh manda-nos o corvo antes da pomba Senhor


Oh canta apesar das algemas do fundo dessa prisão
os teus olhos através dos meus brilham mais que o
amor
o teu sangue detém a morte nesta canção

Oh canta apesar das algemas do fundo dessa prisão


os teus olhos através dos meus brilham mais que o
amor
o teu coração na minha mão é pesado como
chumbo
o teu sangue no meu braço é quente como um
pássaro

Oh que rompa entre os teus ramos o ramo verde do


amor
depois do corvo ter morrido em vez da pomba,
Senhor
Sou um ministro de deus

Sou um ministro de Deus


desço a rua
com os meus bolsos na mão
Às vezes sou mau
outras vezes muito bom
Acredito que acredito
em tudo o que devo
gosto de te ouvir dizer
quando danças coma cabeça girando
em cima de uma bandeja de prata
que sou um ministro de Deus

Pensei que estava fazendo cem outras coisas


mas era um ministro de Deus
amei cem mulheres
nunca pronunciei a mesma mentira duas
vezes
disse: Oh Cristo és egoísta
mas compartilhei o meu arroz e o meu pão
ouvi a minha voz dizer á multidão
que estava só e que era um ministro de Deus
e fiquei tão vazio
que mesmo agora em 1966
não estou seguro de ser um ministro de Deus
Não tens que me amar
só pelo facto
de seres todas as mulheres
que sempre desejei
Nasci para te seguir
todas as noites
enquanto for
os muitos homens que te amam

Estás sentada à mesa


Tomo o teu pulso entre as minhas mãos
num táxi solene
e acordo só
a minha mão na tua ausência
num dormitório de uma casa de correcção

Escrevi todas estas canções para ti


queimei círios vermelhos e negros
com formas de homens e de mulheres
Casei-me com o fumo
de duas pirâmides de sândalo
Rezei por ti
Rezei para que me amasses
e para que não ma amasses
Lot

Devolve-me a minha casa


Devolve-me a minha jovem esposa
gritei ao girassol no meu caminho
Devolvam-me o meu escalpe
Devolvam-me a vista da montanha
disse ás sementes que encontrava no caminho
Devolve-me o meu nome
Devolve-me os amigos de infância
murmurei á poeira quando o caminho acabou
Agora canta
Agora canta
entoou o meu Senhor enquanto esperava ao vento
Foi para isto que eu vim de tão longe
preparado para dar fé do meu silêncio?
perguntei-me enquanto esperava no frio absoluto
Diz-me meu senhor
se os meus lábios se movem
ou de onde vem
este doce canto total que se dirige á minha alma
como uma espada de sal contra a rocha
Devolve-me a minha casa
Devolve-me a minha jovem esposa
A carta

O modo como assassinaste a tua família


nada significa para mim
enquanto a tua boca percorre o meu corpo

Eu conheço os teus sonhos


de cidades arrasadas e cavalos em fúria
do sol demasiado perto
e da noite sem fim

Mas isso nada significa para mim


ante o teu corpo

Sei que lá fora uma guerra ruge


que tu transmites ordens
e bebés são afogados e generais degolados

Mas o sangue nada significa para mim


pois não altera a tua carne
Que a tua língua saiba a sangue
não me surpreende
enquanto os meus braços crescem no teu
cabelo

Não penses que não compreendo


o que acontece depois de as tropas serem
massacradas
e as putas passadas à espada

Escrevo isto só para te roubar o prazer


quando uma manhã a minha cabeça
estiver dependurada com a dos generais
do portão da tua casa

Só para que saibas que previ tudo


e que isto nada significa para mim.
Por ti
serei um judeu do ghetto
e dançarei
com meias brancas
nas minhas pernas deformadas
e envenenarei os poços
de toda a cidade

Por ti
serei um judeu apóstata
e explicarei a um padre espanhol
o voto de sangue
do Talmude
e aonde estão escondidos
os ossos do menino

Por ti
serei um banqueiro judeu
e arruinarei
um orgulhoso rei caçador
e acabarei com a sua dinastia
Por ti
serei judeu da Broadway
e chorarei pelos teatros
a minha mãe
e venderei artigos mais baratos
por debaixo do balcão

Por ti
serei um médico judeu
e procurarei
em todas as latas de lixo
prepúcios
para cosê-los de novo

Por ti
serei um judeu de Dachau
estendido na alma
com os membros deformados
e uma dor tumefacta
que ninguém pode compreender
Biblioteca da escola Secundária de Tondela

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