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TEORIA DA POESIA – AMANDA RAMALHO

Canção partir de um torpor animal


de lagarto às três horas da tarde, no mês de
Nunca eu tivera querido agosto
dizer palavra tão louca:
em dois anos a inércia e o mato vão crescer
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido. e sofrerei uma
Levou somente palavra, decomposição lírica até o mato sair na voz
deixou ficar o sentido. -não tem altura o silêncio das pedras

O sentido está guardado os nomes já vem com unha?


no rosto com que te miro, -desculpe a delicadeza
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso maior que o infinito é o incolor
como um beijo malogrado. me parece que a hora está mais cega

Nunca ninguém viu ninguém eu sou culpado de mim


que o amor pusesse tão triste. estou irresponsável de meu rumo
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
- pausei -
Só se aquele mesmo vento
fechou os teus olhos também...
( Cecília Meireles. Viagem– 1939). aromas de tomilhos desmeritam cigarras

Yá Osun ando muito completo de vazios


-a minha independência tem algemas
Nesta casa quieta onde vives,
as pedras, limosas e calmas,
são brutas de tanto afeto. o desenho do céu me indetermina
quero apalpar o som das violetas
Lívia Natália (Sobejos de Mar) quero enxergar as coisas sem feitio
-minha voz inaugura os sussurros
-o azul me descortina para o dia
Aquela mulher que rasga a noite durmo na beira da cor
com o seu canto de espera
Não canta
Abre a boca
não sei mais calcular a cor das horas
E solta os pássaros
que lhe povoam a garganta as coisas me ampliaram para menos
a lua faz silêncio para os pássaros
(Ana Paula Tavares – O lago da lua, 1999). -e eu escuto esse escândalo!

eu sou muitas pessoas destroçadas


os deslimites da palavra ele me coisa, ela me rã, ele me àrvore
-Uma didática da invenção e me disseram que as coisas que não
existem são mais bonitas
desaprender oito horas por dia ensina
-desinventar objetos (O livro das ignorãças. Manoel de Barros -
1993).
as coisas que não têm nome
são mais pronunciadas por crianças

para entrar em estado de árvore é preciso


TEORIA DA POESIA – AMANDA RAMALHO

Tem gente com fome se tem gente com fome


dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo Mas o freio de ar
parece dizer todo autoritário
tem gente com fome manda o trem calar
tem gente com fome Pisiuuuuuuuuu
tem gente com fome
(Solano Trindade - Cantares ao meu povo /
Piiiiii 1961).

Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes


querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina


correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer

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