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ISSN: 2178-2539
V JORNADA
NACIONAL
ARQUITETURA,
TEATRO E
CULTURA
Evelyn F. W. Lima (org)
Adilson Florentino (org)
Regilan Deusamar Pereira (org)
04 à 06 DE SETEMBRO DE 2019
Realização: Apoio:
V JORNADA NACIONAL ARQUITETURA, TEATRO E CULTURA
04,05 e 06 de setembro de 2019
Rio de Janeiro
Comissão Organizadora:
Evelyn F.W. Lima (UNIRIO/ CNPq/ FAPERJ)
Adilson Florentino (PPGAC/UNIRIO)
Leonardo Munk (PPGAC/UNIRIO)
Regilan Deusamar Pereira (UFSJ)
Comitê Cientifico:
Andrea Borde (PROURB/UFRJ)
Andréa Sampaio (PPGAV/UFF/FAPERJ)
Evelyn F.W. Lima (PPGAC/UNIRIO/ CNPq)
Fabíola Zonno (PROARq/FAU/UFRJ)
Leonardo Mesentier (PPGAV/UFF/ IPHAN)
Niuxa Drago (FAU/UFRJ)
Capa
Milena Fernandes
Revisão e Copydesk
Evelyn F. W. Lima
Editoração Gráfica
Milena Fernandes
Produção
Laboratório de Estudos do Espaço Teatral e Memória Urbana
Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas
Coordenação Geral
Evelyn Furquim Werneck Lima
Ficha catalográfica:
ISSN: 2178-2539
Apresentação
O Laboratório de Estudos do Espaço Teatral e Memória Urbana em conjunto com o
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas realizou a V Jornada Nacional sobre
Arquitetura, Teatro e Cultura: Estudos do Espaço Teatral e Memória Urbana nos
dias 4, 5 e 6 de setembro de 2019, na Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, no auditório Paschoal Carlos Magno do Centro de Letras e Artes da Unirio.
O evento constou de 3 conferências, 6 mesas redondas, Exposição e Apresentação
de Pôsteres de pesquisadores de diferentes estados do país selecionados pelo
Comitê Científico e atividades de extensão, como exibição de vídeos e de
documentários sobre a arquitetura teatral.
Programação
SUMÁRIO
CONFERÊNCIA
Ismael Scheffler
Considerações sobre quatro bases pedagógicas referenciais do Laboratório de Estudo do
Movimento 10
Carolina Lyra
Arquitetura e Teatro: A antropofagia e a perda da ágorafobia 64
Joana Navallé
Ah, Se eu fosse esse rio e soubesse falar...experimentos cênicos na cidade histórica de Laranjeiras 83
Sara Fagundes
Ocupação #6 Terras - Entre o teatro Épico e o teatro Performativo, A Cidade 93
Leonardo Munk
Do desprestígio do observador à apoteose da experiência: Uma breve genealogia 133
CONFERÊNCIA
Andréa Renck
Transformações na estética da cena brasileira nos anos 1960 e 1970: estudo de quatro obras
cênicas de Marcos Flaksman. 156
Adilson Florentino
A pedagogia do teatro e a experiência sensível no espaço da cidade – algumas
problematizações reflexivas 171
Cláudio Guilarduci
Uma Prática da pesquisa em teatro: a imagem dialética benjaminiana 193
Luiz Henrique Sá
Teatro e imagens: buraco negro, buraco de minhoca 229
Niuxa Drago
Ateliê Morphosis: expografia e cenografia estudos sobre o tempo e o cubo 250
CONFERÊNCIA
Doris Rollemberg
Os Teatros Da América Latina – TTLA-TELA 259
CONFERÊNCIA
5
Ver artigo: As estruturas portáteis no
Laboratório de Estudo do Movimento
(SCHEFFLER, 2018b).
Em um primeiro momento do
Mesa Redonda
ARQUITETURA, TEATRO E CULTURA
2
fruição dos espaços gerados pela
SILVEIRA, Carlos Eduardo Ribeiro.
“Algumas relações entre o espaço teatral e arquitetura, especificamente aquela
o espaço público urbano.” (in:) Caderno de
resumos / 2ª Jornada Nacional Arquitetura, voltada para os teatros. Neste tipo
Teatro e Cultura. Coord. Geral: Evelyn
Furquim Werneck Lima. – Rio de Janeiro, de arquitetura, o aproveitamento
Brasil: UNIRIO, Laboratório de Estudos do
Espaço Teatral e Memória Urbana, 2014.
também deve ser pensado levando-
83p. Disponível em: < se em consideração o lugar
file:///C:/Users/acer/Downloads/caderno-
resumos-jornada-2014.pdf>. Acesso em: reservado para a plateia, fator
28/11/2018.
______. “O espaço reinventado: efeitos da determinante para a imersão dos
virtualização no século XXI.” (in:) Caderno
de resumos / 1ª Jornada Nacional espectadores durante o ato
Arquitetura, Teatro e Cultura. Coord. Geral:
Evelyn Furquim Werneck Lima. – Rio de dramático. Nesse campo de
Janeiro, Brasil: UNIRIO, Laboratório de
Estudos do Espaço Teatral e Memória
investigação, o autor de referência
Urbana, 2012. 65p. Disponível em: < utilizado é Jean Baudrillard e suas
file:///C:/Users/acer/Downloads/caderno-
resumos-jornada-2013.pdf>. Acesso em: teorias pós-modernas que
28/11/2108.
14
Arquitetura Nova.
Disponível em:
<http://www.flavioimperio.com.br/projeto
15
/505891>. Acesso em: 21/12/2018. Ibidem.
1
historiadores da arquitetura de
Arquiteta e historiadora. Professora Titular
da Universidade Federal do Estado do Rio de teatros no Brasil que se dedicaram a
Janeiro- Unirio. Pesquisadora 1-B do CNPq e
pesquisadora da FAPERJ. Coordenadora do 2
LIMA, Evelyn F.W. Por uma historiografia da
Laboratório de Estudos do Espaço Teatral e
Memória Urbana. O projeto ao qual este arquitetura teatral moderna e contemporânea
artigo se vincula é apoiado pelo CNPq. no Ocidente (1927-2017) (inédito)
O Poeta: Aqui não há portas ainda que não houvesse por Oswald
Beatriz: Abre aquela porta uma proposta arquitetural. Oswald
O Poeta: No meio da mágica. define a Poesia Pau-Brasil como
Beatriz: Nunca se sabe quem “uma sala de jantar domingueira,
é que está batendo.
com passarinhos cantando na mata
A Outra: É perigoso abrir toda
a porta. resumida das gaiolas […] e a
[…] Maricota lendo o Jornal. No jornal
O Poeta: O que haverá atrás anda todo o presente”. A sala de
de uma porta?
jantar domingueira resume a
A Outra: Abre a porta! Chi lo
sá! estética brasileira, mas não exclui os
O Poeta: Pode ser a girafa, o fatos externos, o que garante a
oficial de justiça, a
metralhadora, a poesia! teoria de Oswald a criação de uma
(ANDRADE, 1973, p.13)
subjetividade brasileira em oposição
A personagem A Outra observa
7
Manifesto da Poesia Pau-Brasil In
no meio do diálogo: “Praticamente ANDRADE, 1978, p. 5 – 10.
Mesa Redonda
4
3
Sua localização, no fundo da Baía de
Bairro da cidade do Rio de Janeiro Guanabara, a aproximadamente 15km do
situado em ilha bucólica no fundo da Baía centro nervoso da cidade do Rio, é um
de Guanabara, com características bem pedaço de terra em forma semelhante a
diferentes do restante da metrópole. um oito, com cerca de 1,2km² de área e
8km de perímetro.
12
Trabalho de Tese defendida em março
11
Como nota triste dessa trajetória, vale de 2016 pela Profª Drª Liliane Ferreira
mencionar a perda inestimável de minha Mundim com o título O espaço da cidade
parceira de trabalho, falecida em como indutor de jogo teatral, sob a
novembro de 2018, criadora e responsável orientação Profa. Dra. Evelyn Furquim
pela coordenação da confecção de Werneck Lima e foi referendado como
figurinos e adereços, Valéria Maia (in performance e cultura popular pela Profª
memoriun) houve um forte abalo na Drª Idelette Muzart Fonseca dos Santos.
estruturação do trabalho desse ano de (Université Paris Ouest Nanterre La
2019, porém o grupo se reintegrou e se Défense, UFR de Langues et Cultures
fortaleceu mais ainda prestando uma Etrangères/Doctorat d'Etat ès Lettres et
homenagem inserida no próprio roteiro e Sciences Humaines/ Université Paris
repertório das cenas e músicas Sorbonne Nouvelle) durante o período de
apresentadas. Doutorado Sanduíche em Paris.
4
O Programa Monumenta foi um
3
Posteriormente este edifício teatral ficou programa do governo federal brasileiro
executado pelo Ministério da Cultura e
abandonado, utilizado como cortiço, mas
patrocinado pelo Banco Interamericano de
obteve novo uso após restauração, Desenvolvimento (BID) que consistiu na
passando a sediar a Biblioteca e salas de reforma e resgate do patrimônio cultural
professores do campus da UFS. urbano em todo Brasil. Criado em 1995,
atendeu a mais de 26 cidades.
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do oponente para sustentar sua frequentadores, e o público da rua
família que perdeu o principal assistia frontalmente a cena.
esteio. O gongo, novamente, Garga distribuiu pizza aos
marca o fim da cena. convidados e comentava sobre as
melhoras trazidas pelo
Avançando no tempo e no
comerciante de madeira à vida da
espaço, a encenação passou pelo
família. Vestes novas, móveis
Bar da Dona Regina, no qual
novos, anunciava a Mãe no início
aconteceram os quadros quatro e
do quadro. Embora a localização
cinco19 e o quadro seis foi
dada pelo texto seja a casa
realizado na entrada da
renovada pelo mobiliário, a
comunidade na Rua Coliseu. Para
tradução na fartura do banquete
o quadro sete, o público fora
trazia a dimensão da ascensão da
conduzido ao som de um samba
econômica da família. A aquela
antigo à porta de uma das igrejas
altura da peça, as crianças
evangélicas da comunidade. A
estavam completamente
mãe do noivo anunciava o
envolvidas na cena, fosse por Jane
casamento de Jane e George e de
com um menino no colo, ou pelo
dentro da igreja saiu o pastor
fato do posicionamento claro
Danilo cantando uma canção
diante da luta. Na chegada do
gospel. Depois saíram os noivos
malaio à festa elas começam a
que foram recebidos com chuva de
gritar em coro: “ih, fora!”, e ao
arroz pela plateia. Após a música o
longo da cena repetiram o gesto
público foi convidado para o
em vários momentos. O
coquetel de núpcias no Bar da
comerciante vai comunicar a
Dona Graça, que fica ao lado da
Garga a carta que recebeu do
igreja. Ao chegar, as fitas de led
tribunal da Virgínia, na qual é
que atravessavam a rua
acusado pela venda dupla da
demarcavam o ambiente festivo. O
madeira – realizada pelo jovem
estabelecimento em madeira
funcionário no quadro dois quando
possuía uma pequena varanda
o malaio passa para ele seus bens.
onde estavam alguns de seus
Shlink o pressiona para que ele vá
19
para a cadeia em seu lugar, afinal
Que tem como localização indicada pelo
texto o Hotel Chinês.
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é o mais jovem. George acaba Shlink, só queria a luta, e Garga
aceitando a proposta. Sua família, seu fim. Entretanto, o malaio diz
que parecia se estar se que “o fim não é a meta, o
reintegrando na celebração do episódio final não é mais
matrimônio volta ao processo de importante que qualquer outro”
ruína. Ele se entrega a polícia, (BRECHT, 2016: 264).
Jane retorna ao hotel Chinês e a Independente disso, Garga, em
Mãe desaparece. cima de uma pilha de escombros,
após arrancar brutalmente os
Saltando em direção ao final
sapatos de Shlink, grita aos quatro
do espetáculo, após a saída de
cantos: “o mais jovem vence a
George da prisão e a revelação da
luta” (BRECHT, 2016: 265). A
carta escrita por ele denunciando
plateia aplaude, assobia,
os crimes cometido pelo malaio
comemora. Os linchadores –
contra sua família, e revelados
atores com roupas pretas,
pela imprensa – conflitos dos
lanternas de cabeça e
quadros 8 e 9 –, o público foi
sinalizadores de fumaça vermelha
encaminhado para a batalha final
na mão – adentram a cena ao som
entre os dois homens – quadro
pulsante dos tambores. Eles
dez –, no acampamento
cercam o comerciante e a tensão
abandonado dos trabalhadores na
aumenta. Maior intensidade dos
estrada de ferro, ali novamente o
tambores, Shlink está sendo
terreno com entulhos do segundo
linchado. A ação se resume ao
quadro. No entanto, já era noite e
cerco e aos movimentos com os
entorno ficava menos visível. Os
sinalizadores em direção a ele,
escombros eram visibilizados por
como se o estivessem
uma luz branca e indireta que
apunhalando. Fim do linchamento,
iluminava a cena. O confronto final
blackout, fogos de artifício
entre Shlink e Garga marca alguns
explodem.
pontos centrais do combate que
fora travado entre eles. Num O quadro onze foi anunciado
diálogo que por vezes se acalora, ainda dentro do terreno por um
os dois trocam os últimos golpes,
por vezes verbais por outras físico.
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dos atores20 com capacete de parte para Nova York, fim do
obras e uma placa de venda de espetáculo.
imóveis. Ele veio comunicar o
Conforme procurou-se
pedido de reintegração de posse
evidenciar, ao longo do
da área, exigindo que as famílias
acontecimento teatral – que durou
se retirassem do local. O público
cerca de três horas – o espetáculo
reclamou, mas foi empurrado para
foi invadido e reestruturado por
fora. A plateia se posicionou na
múltiplos elementos que pulsam
entrada do terreno, na qual os
na vida da favela. André Carreira
barracos em demolição foram
quando pensa o teatro
iluminados e foi colocada uma fita
performativo a partir do uso da
de obras indicando a interdição do
cidade como texto dramatúrgico
local. A cena que corresponde a
afirma que “um teatro na cidade
venda da madeireira de Garga, de
deve explorar funcionamentos que
sua irmã e de seu pai para Pat
contemplam o ruído da rua e sua
Manky se converteu na venda da
multiplicidade de estímulos e
comunidade para uma grande
interferências, não como meros
empreiteira. George debateu o
obstáculos, mas como condição
valor com Manky, que se
sine qua non do estar na cidade.”
interessava em comprar a
(CARREIRA, 2012:12). Nesse
comunidade. A plateia interferiu
sentido, a prática cênica
diretamente reivindicando valores
performativa empreendida pela
mais elevados, questionando que
mundana permitiu que a dinâmica
o valor oferecido – dez mil reais –
e os fluxos da favela, para além da
não comprava sequer um barraco.
luta entre Shlink e Garga, fosse o
Pat, por fim, oferece cinquenta
grande estruturador da
milhões e um apartamento para
encenação. Da materialidade do
cada família. Garga pergunta ao
espaço às pequenas e muitas
público se deveria vender. A favela
interferências da vida na Coliseu,
aceitou a oferta. Estava feito o
o teatro invadiu o território e foi
negócio. Terreno vendido, Garga
invadido por ele.
20
Mariano Mattos Martins.
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Ainda sobre a próprio deslocamento entre uma
performatividade da cena, o fato cena e outra. Entretanto, somam-
de estarem em um espaço da vida se a tais elementos os fluxos da
comum e ordinária exigia dos favela, que por muitas vezes
atores – e ao mesmo permitia a interrompiam ou cruzavam as
eles –, que suas subjetividades ações, fosse o carro que parava a
aflorassem. Conforme aponta cena e fazia o público se levantar
Féral, em uma obra performativa para que o automóvel passasse
“o performer instala a pela a rua, pela música alta que
ambiguidade de significações, o tocava na comunidade e por vezes
deslocamento dos códigos, os encobria a voz dos atores, pelo
deslizes de sentido.” (FÉRAL, público que emitia opiniões e
2008: 204). Ou seja, ora eram interferia nos diálogos dos
personagens, ora os próprios personagens, ou ainda pelos
indivíduos que estavam em cena, moradores que cruzavam a rua e
e assim, sujeitos reais e objetos passavam em frente à cena. Ao
ficcionais muitas vezes não se mesmo tempo que compõe o texto
distinguiam ou estavam em uma dramatúrgico conformado pela
constante tensão. E isso também cidade, tais elementos também
pode ser aplicado ao público, que podem ser apreendidos como
por vezes eram espectadores, por dispositivos que provocam o efeito
vezes os próprios co-atores e co- de distanciamento da cena.
autores da cena.
Nessas interrupções geradas
Já no âmbito dos dispositivos pela vida na favela o gestus social
épicos, pode-se considerar que os emergia. Afinal, para Walter
efeitos de distanciamento na Benjamin, “quanto mais
Ocupação #6 ocorrem por meio de interrompemos alguém em ação,
elementos presentes na estrutura mais gestos obteremos. (...) Ou
do texto e por meio de dispositivos seja, o teatro épico não reproduz
da encenação – como o gongo que situações; antes, as revela. A
separa as cenas, o anúncio da revelação das situações acontece
rubrica dos quadros, a quebra da por meio da interrupção dos
quarta parede pelos atores e o processos.” (BENJAMIN, 2017:12-
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13). E, no caso deste contradições com o entorno e a
deslocamento para o espaço iminência da remoção, a
urbano, conforme afirma Cibele possibilidade de enxergarem o
Forjaz, “a releitura do gestus é próprio espaço por um viés poético
menos cênico, menos teatro diferente da realidade cotidiana, e
explícito como é com Brecht, por meio deste olhar poderem
porque é no palco, e mais a visão aguçar ainda mais a visão crítica e
dessas máscaras sociais em pleno política sobre a situação. E, para o
vigor na vida. (...) É como se ele público externo, a possibilidade de
não fosse mais teatral, (...) se deslocar das salas
porque a gente foi pra vida.” convencionadas para o uso teatral
(FORJAZ, 2019). Desse modo, o e descobrir outros fragmentos da
gestus social adquire uma nova cidade, a história de luta e
abordagem que amplifica a função resistência da favela e
social do teatro almejada por potencializar o olhar questionador
Brecht, pois ocorre no território da sobre a produção capitalista do
vida cotidiana e a partir dela. Isto espaço urbano em que vivem.
é, a própria dinâmica do espaço Cibele Forjaz afirma que
utilizado pelo grupo que
esse gestus social tem a ver
interrompe, distancia e reorienta o com ir para lugares e olhar os
público, aguçando sua capacidade lugares, ver a contradição dos
lugares, e atravessar a peça
crítica em relação ao seu contexto revelando essa contradição
do humano com a cidade na
social.
cidade, na sua cidade, na
cidade em que você vive, na
Uma outra questão que pode sua selva. Para que talvez
você abra os olhos para a
ser apreendida por meio da desigualdade da cidade, para
como a cidade vai devorando,
encenação na Coliseu é o como chronus, com as nossas
despertar crítico para as condições agendas, os seus filhos, como
a gente vive para a cidade e
urbanas, de duas diferentes não faz da cidade um lugar
pra pessoas morarem. É para
formas. Primeiro para os próprios os carros, é para o capital, é
moradores da Coliseu, que já para a venda. (FORJAZ,
2019)
estão habituados – porém jamais
conformados – às condições Ao ocupar a comunidade
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mundana coloca o teatro emerge a ficção, hora se desperta
brechtiano do pensamento crítico, para a vida.
da luta de classes, das relações de
No que diz respeito a
poder e dominação engendradas
ocupação do espaço, embora
pelo capital, para além da
estivessem fora do palco italiano e
representação – embora não
houvesse o percurso e o
abiquem dela. E é nesse sentido
deslocamento das cenas, as
que a estética performativa aflora
configurações entre palco e plateia
na cena, na tensão entre o
muitas vezes passavam pelos
ficcional e o real, na tensão entre
modelos já amplamente
a representação e apresentação.
experimentados dentro da caixa
A invasão da favela, cênica – ainda que alternativa –,
entretanto, não ocorre sem as como a frontalidade, a
camadas que conformam a circularidade e a bilateralidade.
dimensão teatral do evento, afinal Por essa ótica, é interessante
o que acontece ali, embora se observar como o espaço, embora
integre a vida ou rompa com ela, possibilite rompimentos, muitas
ainda é teatro. A base conformada vezes reforça dispositivos teatrais
pelo texto brechtiano não está convencionais. O que em hipótese
apartada do contexto no qual se alguma diminui a potência do
insere fisicamente, do mesmo acontecimento, mas, mais uma
modo que a realidade não está vez aponta a ambiguidade que
crua, pois é contaminada pelas envolve os procedimentos atuais
operações de teatralização. Por de configuração da cena.
essa perspectiva, o cuidado
Deste modo, o trabalho
meticuloso com a visualidade da
realizado pela companhia na
cena, a iluminação específica para
referida encenação aponta a
cada quadro, o figurino, a música,
contradição e o desejo ambíguo
a relação entre as personagens, o
das práticas cênicas atuais de sair
jogo entre atores e a narrativa
e retornar ao teatro, buscando
ficcional que conduz toda peça não
nessa tensão a possibilidade de
abscondem o real. Mas criam essa
criar novas leituras sobre o
tensão e oscilação em que hora
V Jornada Nacional de Arquitetura, Teatro e Cultura - ISSN: 2178-2539 - Página 106 de 272
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homem e sua relação com o provocando em cada um dos
mundo, com a cidade. E, dentro espaços por onde passou distintas
de sua maneira de operar, sempre possibilidades de leitura sobre a
este caráter duplo. Ao mesmo condição humana e urbana nos
tempo em que se direciona para tempos de hoje. É nesse sentido
fora, o teatro também reforça a que se fala em uma estética
potência daquilo que o configura épico-performativa, pois, a
do ponto de vista interno; o texto representação é
e a cena que ressignificam a fundamentalmente épica, mas é a
cidade e a cidade que ressignifica todo momento invadida pelas
texto e cena; o espaço cênico centelhas da realidade, que
como elemento estrutural e refazem seu sentido, que
estruturante que configura e é reposicionam as discussões e
configurado; a capacidade do críticas passiveis de serem tecidas
teatro em tornar-se vida e da vida em cada uma das realidades
em tornar-se teatro. urbanas percorridas. E nesse
sentido, a cidade funciona como
Se o viés político de teatro
disparador e agente das duas
épico de Bertolt Brecht se constrói
poéticas exploradas.
na formalidade textual, nos
debates engendrados pelo texto e Por fim, a cena épico-
na forma de sua representação – performativa instaurada pela
e isso incluía o espaço da cena mundana companhia carrega um
como um agente político dentro desejo constante de construção e
da encenação –, e a partir disso desconstrução dos modos de fazer
na criação de possibilidades de e sentir, seja do objeto artístico,
desenvolvimento de um seja da própria cidade. Não se
pensamento crítico acerca da trata, portanto, da negação de
realidade, a mundana companhia características muitas vezes
radicaliza o pensamento convencionais do fazer teatral,
brechtiano, pois coloca a cidade, mas a possibilidade de trazer
ou seja, a vida real, como um esses dispositivos para serem
elemento sobre o qual o texto vai entrecruzados pela vida. E, a
agir de diferentes maneiras, partir de então, ter-se a
V Jornada Nacional de Arquitetura, Teatro e Cultura - ISSN: 2178-2539 - Página 107 de 272
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possibilidade de ressignificá-lo Cidades – Em Obras. In: Imersão
Selva. São Paulo, 2016.
como manifestação poética e
política. Para além de promover FORJAZ, Cibele. Entrevista concedida
à autora em janeiro de 2019.
uma discussão teórica sobre uma
estética do teatro contemporâneo,
a Ocupação #6 – Terras permite,
por meio ato teatral e de sua
relação com o espaço urbano, a
reivindicação do direito à cidade
como valor de uso, na contramão
de um todo sistema rege e
organiza a vida urbana como
mercadoria, extremamente
evidente na realidade vivida pela
comunidade Coliseu.
Referências bibliográficas
V Jornada Nacional de Arquitetura, Teatro e Cultura - ISSN: 2178-2539 - Página 108 de 272
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Mesa Redonda
V Jornada Nacional de Arquitetura, Teatro e Cultura - ISSN: 2178-2539 - Página 109 de 272
http://www.unirio.br/espacoteatral/arquivos/evento-extensao/AnaisVjornadaNacionaldeArquiteturaTeatroeCultura.pdf
V Jornada Nacional de Arquitetura, Teatro e Cultura - ISSN: 2178-2539 - Página 110 de 272
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visual, uma imagem que demanda pertence, e é distinta da função
uma percepção próxima, ótica”. E ainda:
funcionando pelo toque. Na
Uma imagem tátil se
visualidade háptica os olhos aproxima de um tipo de
imagem que, por sua
funcionam, eles mesmos, como natureza fugidia, imaterial,
órgãos de toque, como uma forma provoca-nos o desejo de
tocar. Uma imagem pode ser
de contato. O olhar tende a se ótica e/ou tátil, enquanto a
visão háptica se refere a um
aproximar da imagem e sobre ela
modo de compreensão do
correr, alongando sua papel do observador. A visão
háptica, segundo Gilles
permanência sobre ela. Deleuze, relaciona-se
primeiramente a uma
O que temos aqui é um tipo capacidade de tocar da visão,
de visualidade que a uma aderência do olho à
poderíamos qualificar, superfície das coisas a ponto
juntamente com Gilles de todos os contornos se
Deleuze e Félix Guattari, esvaírem, todas as sombras
como háptica. Isto é, um tipo que podem trazer uma
de imagem que induz um mudança de profundidade
espaço e um modo de desaparecem. Nesse sentido,
percepção mais tátil do que trata-se de uma aproximação
visual, uma imagem que radical entre sujeito e objeto
demanda uma percepção de modo a ultrapassar
próxima, funcionando pelo qualquer possível
toque. Na visualidade profundidade. Em uma visão
háptica, afirmam os filósofos háptica há a supressão da
franceses, os olhos profundidade e tudo corre
funcionam, eles mesmos, para a superfície, suprimindo
como órgãos de toque, como a distância entre observador
uma forma de contato. Mais e imagem. A perda de centro
do que ser projetado numa e de subjetividade torna-se
estrutura centralizada ou num um ganho de subjetividade
espaço ilusionístico profundo, para o objeto. Nessa
o olhar tende aqui a se aproximação, é o objeto que
aproximar do corpo da nos vê de sua profundidade.
imagem, a correr por sua (CARVALHO, 2017, p.86-87)
superfície, hesitando e
demorando-se sobre Observando a fotografia da
inúmeros efeitos de performance disponíveis na
superfície. (GONÇALVES,
2012, p.78) internet verificamos, em muitos
V Jornada Nacional de Arquitetura, Teatro e Cultura - ISSN: 2178-2539 - Página 111 de 272
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cores, corpos, objetos, outra forma de apreensão
urbana e, consequentemente,
fragmentos. Os planos fechados de reflexão e de intervenção
recortam a imagem, o espaço, os na cidade contemporânea.
(s.d., p.2)
corpos, lhes dão densidade, http://www.corpocidade.dan.
ufba.br/arquivos/Paola.pdf
fisicalidade ao mesmo tempo que
os resignificam a partir da Desta forma as performances
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um olhar diferenciado, vivo e não forma as performances incidem na
idealizado sobre o corpo, produção de presença e
trazendo-o em sua resignificam as reminiscências do
substancialidade, transformando-o passado coletivo.
em matéria viva. Para tanto, a
porque o enigma da visão é
arte contemporânea resgata e realmente o enigma da
presença, mas da presença
estabelece contato por meio das estilhaçada de seres que
sensações e cria um novo embora sendo diferentes
estão, no entanto,
território artístico no qual a absolutamente em conjunto,
é o mistério da
materialidade do corpo, sua carne,
simultaneadade, da
fluidos, fragilidades são centros coexistência do todo.
(DASTUR,1991, p. 49)
nevrálgicos do fazer artístico.
Deste modo a apreensão da
Uma vez que a obra de arte cidade vai ser questionada,
escapa ou contesta a
representação e abandona o entendida e transmutada. Tais
espaço do quadro e da
galeria, o corpo do artista é o efeitos e impactos da performance
novo cenário onde se realiza o vão se estabelecer no seio das
processo artístico que leva em
conta a relevância da filosofia materialidades expostas, na carne
e da sociologia para denunciar
numerosas problemáticas que viva da cidade, isto é, na pedra,
os humanos engendram na no calçamento, no lixo, nos restos
sociedade ocidental e para
questionar o status que de um uso cotidiano e invisível do
ocupava em conjunto com a
espaço urbano que se
tecnologia.” (Santos, 2009, p.
155) consubstanciam no fazer artístico
Nesse sentido, as e no corpo vivo do artista.
performances vão acionar
A força residente então no
mecanismos importantes de
próprio confronto de substâncias
confronto e resistência ao uso
vivas dos corpos em confronto
regulamentar e policiado do
franco com as substâncias não
espaço urbano, elas vão rasgar a
vivas que compõem o espaço
catatonia dos transeuntes e
urbano, vão fazendo brotar
deslocar sua atenção para aquilo
reflexões que diante de suas
que se instala diante de seus olhos
dimensões materiais vão evocar as
como uma contravenção ao uso
memórias, o passado, as
regular do espaço urbano. Desta
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inscrições das práticas antigas aparece para si mesmo como
visão, se existe com certeza
residentes em determinados uma experiência de duplo
espaços urbanos. Tal impacto se contato, um tocar e um ser
tocado, o que, porém, não há
inscreve na pele de quem o faz e é uma “reflexividade”
parecida, nem um “ver-visto”.
de quem o vê, é precisa em seu (LANZA, 1995, p.125)
local de realização e em sua
Entretanto, continua o autor,
inscrição temporal.
quando o olhar se transforma em
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vai evocar os demais sentidos. ditadura e apenas uma mulher,
Assim o fotógrafo trabalha as vestida, performou.
sensações e as memórias A performance, de
aparecem aderidas aos sentidos, a expressividade pungente, remete
visão torna-se háptica. diretamente a violência ocorrida
nos porões da ditadura ao mesmo
Quando os bichos saem dos
esgotos tempo em que estabelece novos
paradigmas da visão para a
A performance “A Voz do
violência.
Ralo É a Voz de Deus” teve como
Se uma imagem presente não
origem um conto do escritor faz pensar numa imagem
Rodrigo Santos sobre uma mulher ausente, se uma imagem
ocasional não determina uma
que é torturada durante o período prodigalidade de imagens
aberrantes, uma explosão de
da ditadura militar com a
imagens, não há imaginação.
introdução de baratas em sua Há percepção, lembrança de
uma percepção, memória
vagina. A obra idealizada pelo familiar, hábito das cores e
das formas. (BACHELARD,
grupo “És Uma Maluca” deveria ter
2001, p.1).
sido realizada no dia 14 de janeiro
A partir do impedimento,
de 2019 na Casa França Brasil e
mencionado acima, de se
consistia na colocação de 6000
apresentar no interior da Casa
baratas de plástico em torno de
França Brasil ela se deu no solo de
um bueiro do qual sairia a voz do
paralelepípedos em frente a
presidente eleito Jair Bolsonaro,
instituição sob forte policiamento.
diante de duas mulheres nuas. O
Sabendo que
grupo encontrou a Casa fechada
Para uma interpretação de
por ordem de seu diretor o que fez imagens pode haver sempre
com que a performance se desse outra, até uma terceira ou
quarta. As fotografias são
na rua. O discurso do presidente sempre suscetíveis a multi-
interpretações. Portanto não
foi substituto por uma receita de é a mesma coisa da análise
bolo fazendo menção a uma cultural. Nesta, estamos
todos razoavelmente de
estratégia de resistência por acordo. Na interpretação
começamos a enxergar coisas
jornais como O Estado de S. mais sutis e propor hipóteses
Paulo durante a censura da sobre valores de alguns
sinais. É bastante aleatório. E
nada é assim tão evidente, já
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que tudo é muito discutível torno dela a observando e
(DUBOIS, 2000 APUD
AVANCINI, 2011, p.56). fotografando. A foto apresenta
Arriscamo-nos a ler as uma angulação particular e tem a
imagens que selecionamos. Vamos cabeça da performer parcialmente
a este arriscado exercício iniciando cortada. No primeiríssimo plano
por duas fotos assinadas por vemos uma câmera fotográfica.
Rodrigo Santos e Pedro Rocha
Na segunda foto divulgada
publicadas pelo coletivo És Uma
pelo coletivo não se vê a
Maluca, em sua página do
performance executada por Juliana
Facebook alguns momentos após a
Varner, mas sim a realizada pelo
performance. Estas imagens foram
público que em torno dela se
publicadas antecedidas pelo
aglomera fotografando-a por meio
seguinte texto
de inúmeros aparelhos celulares.
Gostaríamos de agradecer a
todos que compareceram e O diálogo estabelecido entre as
apoiaram o ato na porta da
imagens divulgadas e a o texto
Casa França-Brasil realizado
agora há pouco. Foi muito deixam claro o caráter político do
significativo para todos nós, e
para quem tá na luta com a discurso empreendido pelo coletivo
gente, e mostrou que o
e a sua afirmação nas ruas
momento no qual acabamos
de entrar, há 2 semanas, só cariocas. O registro da ação e o
vai reforçar a nossa
capacidade de resistência! apoio a esta dado pela audiência é
Arte é território de livre- o foco central das tais fotografias,
expressão! Abaixo à
repressão! A rua é nossa! abordagem que se torna maior,
CENSURA NÃO! (
https://www.facebook.com/e neste relato, do que a
sumamaluca/, 2019) performance em si. As fotos são
Na primeira imagem um pouco distanciadas e não
disponibilizada no site aprofundam seu olhar na ação
(https://www.facebook.com/esum performática proposta.
amaluca/) vemos a performer
No entanto navegando pela
estendida no solo no primeiro
internet outras fotos a estas se
plano próxima ao ralo de onde
somam e afirmam outro tipo de
saem as baratas que recobrem
convocação estética apontando
parcialmente a sua vagina. A
audiência forma um círculo em
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para outras dimensões do olhar e apos-o-fim-do-terror-pequeno-
sua capacidade háptica. manual-sobre-o-modus-operandi-
da-ditadura-militar-argentina/).
Ainda no dia 14 de janeiro de
2019 a deputada Jandira Feghali Trazer a memória destes
(https://julianawaehner.allyou.net tristes fatos é muito importante
/9467399/a-voz-do-ralo-e-a-voz- para que essas ações não se
de-deus) posta uma foto, realizada repitam. A criação de novas
pelo mesmo fotógrafo, Pedro imagens que sejam capazes de
Rocha, em seu facebook trazer à tona essas memórias é
destacando não mais o apoio dado relevante uma vez que, como nos
pelo público mas a presença da diz Bruno (2002), “a memória é
polícia fortemente armada no
uma casa de imagens hápticas,
evento. Vemos em primeiro plano
uma encarnação de um teatro
uma arma de grande porte. Um
mnemótico em movimento. Uma
pequeno detalhe vermelho, entre
recoleção da imagem para
esta e o uniforme do policial dirige
explorar, em todo o sentido,
nosso olhar para a mesma e a
museológica”
descola do corpo do seu portador
dando-lhe ainda mais destaque. Se entendemos esta
performance como um alerta
A foto postada por Feghali
contra a opressão, a censura e a
leva nossa memória aos tempos
tortura fica claro entender a opção
tristes da ditadura militar e a
do fotógrafo (autoria não
recepção pela polícia dada a
creditada) ao disponibilizar a uma
manifestações políticas naquele
imagem da performance em preto
período
e branco
(http://memorialdademocracia.co
(https://luizsalatino.com.br/essa-
m.br/card/novo-sindicalismo) bem
foi-a-performance-que-o-
como as pungentes imagens das
governador-do-rio-acertadamente-
sessões de tortura existentes no
proibiu/)
período no Brasil, na Argentina e
no Chile Na imagem em preto e
(https://internacional.estadao.com branco colocada acima vemos as
.br/blogs/ariel-palacios/31-anos- pernas abertas da performer no
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primeiro plano e sobre elas e a sua Diante dessas obras, o olhar
vê obrigado a abandonar a
calcinha estão inúmeras baratas. A clareza e a distância típicas
posição da performes evoca o ato da produção visual corrente,
a ceder certo grau de domínio
sexual remetendo, neste caso, à ou de controle sob o que está
vendo e colocar em
violência. O vestido retorcido
movimento um outro modo
sobre o ventre, os braços largados de ver – uma outra economia
do olhar. Trata-se de um
sobre o calçamento e o rosto caído olhar mais íntimo e
contra a pedra sugerem o cuidadoso, um olhar próximo,
atento aos pequenos
desfalecimento da moça. O foco detalhes, aos pequenos
eventos que emergem na
escapa do rosto da moça se
superfície da imagem.
centrando em sua vagina e pernas (GONÇALVES, 2012, p.77
e nas baratas que por ali se Na imagem apresentada no
espalham. A luz que incide sobre o site Brasil de fato
joelho desenha um eixo difuso em (https://www.brasildefato.com.br/
direção a calcinha clara, único 2019/01/15/ex-presa-politica-
tecido de tonalidade próxima a da destaca-censura-do-governo-
pele da moça sobre a qual as estadual-a-performance-artistica-
baratas escuras se destacam. A no-rio/) vemos um
materialidade da pedra se impõe enquadramento mais fechado que
revelando sua dureza contra o revela as coxas abertas da
corpo lasso de Varner. As baratas performer, a sua calcinha e as
ocupam, ainda, o espaço entre os baratas que pelo seu corpo
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um piso frio, cujos contornos não As imagens que nos são
são mais discerníveis. O corpo da oferecidas vão criando uma série
moça foi apreendido em escorço, de reações em nossos corpos e
de seu rosto vemos apenas o nariz nos transtornam. Perturbados pela
em ligeiro desfoque e logo atrás os dureza das imagens nos
pés calçados dos observadores defrontamos agora com o rosto
que a cercam. A visualidade doído de Juliana sobre a pedra
háptica aqui se instaura nesta pele dura
clara sobre o solo duro e (https://heloisatolipan.com.br/arte
asqueroso onde rastejam os /depois-da-censura-do-governo-
insetos urbanos, que tanto witzel-artistas-se-reunem-para-
odiamos. manifestacao-em-espaco-publico/)
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baratas de casca brilhante e a nossa pátria e a faça brilhar
rugosa como os cabelos rebeldes da
(https://luizsalatino.com.br/essa- criança que existe em todos nós.
foi-a-performance-que-o-
Referências bibliográficas
governador-do-rio-acertadamente-
proibiu/). A materialidade das AGAMBEN, Giorgio. Il volto. In: Mezzi
mesmas evoca o sentido do tato senza fine. Note sulla politica. Bollati
mas nossa repulsa nos faz Boringhieri: Tradução de Murilo
recolher as mãos e a capacidade Duarte Costa Corrêa Torino, 1996, p.
háptica do olhar, novamente nos 74-80
constrange.
BACHELARD, Gaston. O ar e os
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journalism research - Volume 7 -
Número 1 – 2011
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de Raul Pederneiras: a sua teatro de revista, sendo que
atuação como dramaturgo do Peixoto chegou a assinar centenas
teatro ligeiro. Segundo a de peças. Desse grupo, Raul
historiadora Laura Moutinho Nery Pederneiras foi o primeiro a se
(2000), Pederneiras teria escrito aventurar no teatro,
40 peças, no entanto, grande experimentando, ao longo da vida,
parte dessa produção se perdeu. a concomitância entre o trabalho
Após vasta pesquisa para a tese de caricaturista e revistógrafo, e
de doutorado Entre a página e o conquistando reconhecimento nas
palco: teatro e caricatura na obra duas áreas.
de Raul Pederneiras, só foram
No Teatro Apollo
encontrados onze textos, estando
alguns incompletos. O Esfolado é uma revista de
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combativa, no qual ensaiou um autoria de Arthur Azevedo, e
desenho agressivo, criando felicita a entrada de Raul
caricaturas pessoais e charges de Pederneiras no teatro, com a
políticos, como o presidente montagem de O Esfolado, escrita
Rodrigues Alves, o prefeito Pereira em parceria com Vicente Reis -
Passos e o médico Oswaldo Cruz. que, como se observa nos versos,
Contudo, seu desenho é mais era um desafeto do autor
reconhecido por apresentar grupos maranhense. Reis, com quem o
da sociedade carioca, nos quais caricaturista ainda criou também
aponta os contrastes entre a O Badalo (1904), já era um nome
tradição e a modernidade. Criou importante no teatro de revista,
charges antológicas acerca dos tendo escrito com Moreira
tipos banidos da cidade Sampaio, principal parceiro de
remodelada, como na charge Azevedo, o sucesso O Abacaxi
Algumas figuras de hontem. Pode- (1893).
se dizer que o universo do [...] Vivo, vegeto, insaciável
bruto,/ sem ter sossego
trabalho, dos transportes, do lazer apenas de um minuto. /Sou
e as mazelas da cidade do Rio de respeitável Público Pagante,
/de toda parte o bode
Janeiro estão registrados em seus expiatório,/Que sofre o mal
na mansidão constante/Sou
desenhos. sempre e sempre público é
Analisando o texto da peça, notório/O respeitável Público
pagante/Quem paga o pato
percebe-se um claro intercambio do banquete o humano/e
aguenta a carga forte e
entre essas formas de expressão. fatigante? /Eu, a quem
O enredo de O Esfolado será chama sempre soberano e
respeitável Público Pagante,
alimentado pelo desenho do /Zé Povinho, Bocó, Marca
Barbante, /Um João
caricaturista, pois uma charge Ninguém, um Pedro Sem
pode ser lida como um projeto de mais nada, /Embora tenha
bolsa depenada, /sou
quadro de revista. respeitável público pagante!!!
(PEDERNEIRAS, 1903, 1º
“Esta revista
Quadro, Cena 5).
certamente/Triunfará de norte a
A fala acima pertence ao
sul/Tem quase nada do Vicente/
personagem Esfolado,
Tem quase tudo do Raul” (LIMA,
representante das camadas
1963: 992). Esta quadrinha é de
populares da cidade, que lamenta,
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com veemência, o papel que de alter ego da imprensa, cuja
ocupa numa sociedade que o missão é “falar pelos cotovelos”.
segrega e explora. Trata-se de um A estreia aconteceu em 20 de
3
dos compadres que apresentam a novembro de 1903 e alcançou
cena ao público. O personagem excelente acolhida, tanto de público
funciona como uma espécie de quanto de crítica, não obstante se
mestre de cerimônia, cuja função tratar de um dos momentos mais
é expor e comentar os conturbados da Primeira República:
acontecimentos que são levados o governo Rodrigues Alves. A
ao palco. O enredo da peça contou capital era regenerada pelas
com mais dois compadres: ao ator reformas do prefeito Pereira Passos
Brandão (o Popularíssimo) coube o e pelas medidas sanitaristas do
papel do personagem Esfolado, o médico Oswaldo Cruz.
povo excluído do projeto Intencionando a limpeza, a saúde e
regenerador da cidade; ao ator a beleza da nova urbe, as
Peixoto, o papel de Jamegão (gíria autoridades promoveram o famoso
relativa à assinatura documental), “Bota–abaixo”, que derrubou os
numa alusão direta à assinatura cortiços onde vivia grande parte da
oficial que baixava decretos sem população de baixa renda, expulsa
levar em conta as camadas para os morros e periferias. A
populares. O ator Campos viveu o insatisfação do povo era tal que a
Tagarela, a versão em carne e obrigatoriedade da vacina variólica
osso da personagem símbolo do acabou culminando na chamada
periódico homônimo, uma espécie Revolta da Vacina, ocorrida no mês
de novembro de 1904. A intenção
3
Compadre: uma espécie de mestre de
do estado republicano era varrer
cerimônias da revista. Na revista de ano,
havia geralmente uma dupla de definitivamente do espaço urbano
compadres, cuja função era ligar os
quadros e apresentar e comentar a cena. todas as mazelas da antiga Corte.
Em geral, eram tipos estrangeiros à
cidade, oriundos de outros estados ou As ruas estreitas do período colonial
mesmo de outros planetas. A peça
iniciava-se por algum fato que inseria seriam derrubadas e alargadas, pois
esses personagens nos quadros; um
deles era roubado, ou confundido com a capital da jovem República se
algum criminoso. A perseguição é o
remodelava à luz da Paris de
pretexto para que os personagens
corram pelos quadros, descortinando, Georges-Eugène Haussmann.
assim, a vida da cidade (VENEZIANO,
1996:29).
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das picaretas abafava esse
protesto impotente5
O texto acima é parte de uma
crônica de Olavo Bilac, publicada
na revista Kosmos, e apresenta
um fato ocorrido próximo à estreia
de O Esfolado: a derrubada das
construções populares para a
abertura da Avenida Central. É
nesse ambiente que o caricaturista
encena seu texto, que oscila entre
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tentar instituir, à força, uma nova alguns apresentados na Revista da
ordem civilizatória numa Semana, em 15 de novembro de
sociedade recém-saída da 1903.
escravidão. Reiterando o antes No texto publicado pelo
referido, a estreia de Pederneiras teatro Apollo, a referência aos
no teatro coincide com sua intensa atores está muito apagada,
colaboração no semanário O dificultando a definição dos papéis
Tagarela, que se posicionou de de cada um. Destaca-se que a
forma contrária à maneira peça possuía mais de setenta
intolerante e desumana que as personagens. Os quadros são
reformas foram conduzidas. Além assim descritos: 1. O esfolado é o
disso, o caricaturista foi povo; 2. Sensações; 3. Boatos
especialmente agressivo quanto às Mentirosos; 4. Salve D. Carlos!; 5.
medidas sanitárias adotadas por Na botica do Chico há de tudo; 6.
Oswaldo Cruz. Portanto, apesar da Nosso Senhor dos Passos; 7.
peça ter estreado quase um ano Antoine e companhia; 8. Chegou
antes da efetiva eclosão da Santos Dumont; 9. Ainda os tais;
Revolta da Vacina, ela já 10. Zaxis em penca!; 11. A flauta
representava a insatisfação da por flauta com flauta; 12. Os
população carente com um projeto últimos brinquedos do [parte
de cidade que não a contemplava. ilegível]; 13. A procura dos
A produção do espetáculo emissários; 14. A Grande Avenida.
ficou a cargo da companhia do Em 14 quadros e três atos foi
ator Brandão, com quem distribuído um vastíssimo painel
Pederneiras ainda trabalharia em de personagens, sendo a maioria
outras montagens. A música, de alegóricos. Desse modo, vai-se
capitaneada por Assis Pacheco, de Santos Dumont à Gritalhona,
teve a colaboração de Francisca do Mosquito à Antypirina, do
Gonzaga. Os cenários eram de Tagarela à Água fria. A revista
autoria de outro caricaturista, possui três apoteoses: a primeira
Alexandre Santos, cujo em homenagem à colônia
pseudônimo é Falstaff. Os portuguesa no Brasil, daí a
figurinos, muito elogiados pela saudação ao rei Carlos; a segunda
imprensa, foram concebidos por em homenagem a Santos Dumont,
Raul Pederneiras, tendo sido que encantava o mundo com suas
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máquinas voadoras; e a terceira da publicação do Teatro Apollo que
em homenagem à desejada a fala da personagem Gritalhona
Avenida Central, símbolo máximo (prostituta) é grifada como uma
da cidade regenerada. Pelos títulos anotação manuscrita em
dos quadros, percebe-se que a vermelho, na qual se lê: “Este
cena abrange os assuntos da pedaço é muito imoral”. O alvo da
cidade, do país e do teatro, Gritalhona é o prefeito Pereira
destacando a passagem pelo Rio Passos; a personagem reclama
de Janeiro da companhia do com ironia por ter sido banida das
encenador francês André Antoine ruas: “És um desmancha prazeres
(1858 a 1943). / que a nossa vidinha arrazas/ Ai
O enredo de O Esfolado foi deixa em paz as mulheres, / Não
parcialmente descrito no periódico sejas empata vazas./ Bem sabes
O Tagarela, de 3 de dezembro de que as horas mortas/ horas de
1903: os compadres da peça, sono e preguiças/ o amor bate às
Esfolado, Jamegão e Tagarela vêm nossas portas [...]”
para a cidade juntos e encontram Por outro lado, na Revista da
tipos como Chícara, Amaral, Zé Semana de 20 de dezembro de
Leiteiro, Mulher do Hidrômetro, 1903, consta uma notícia sobre a
Gritalhona, Mulata Gorda, peça, na seção intitulada Os
Quitandeira, Trovoada e Dr. Theatros, assinada por Marciolus.
Habeas Corpus (advogado “de Narra-se a ação censória da
porta de cadeia”). polícia, que baixa uma interdição
Na fala do Coro dos ao personagem Chícara, após ter
Suspensos há uma referência permitido a encenação de
direta ao prefeito Pereira Passos:
dezenove récitas do texto
“O senhor dos passos veio deixar-
completo. Importante mencionar
nos num belo estado, / O nariz de
que, no exemplar de O Tagarela
palmo e meio e tudo
de 17 de dezembro de 1903, há
desempregado/ Reduzidos a
uma referência ao personagem: “A
capachos, que triste situação!”
figura mais bem achada do O
(PEDERNEIRAS, 1903, 3º Ato, 6º
Esfolado é certamente o general
quadro).
Chícara com seus clássicos pares
A peça incomodou os
de calças brancas, à moda de
censores, pois vê-se nas páginas
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boiadeiro do Piauí6”. caricaturista expõe a violência
Provavelmente, trata-se de uma desses jagunços das oligarquias
alusão ao senador piauiense políticas. A imagem apresenta o
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menos esperamos/Todos nós a figura de destaque, reverenciada
nos espichamos/E o doente
vai desta p’ra melhor! e cantada, é o Rei Calunga (o
(PEDERNEIRAS, 1903, 2º Ato, boneco, personagem das charges).
Cena 18).
Portanto, em sua copla inicial, a
A desconfiança do Caricatura exalta suas qualidades:
caricaturista com a medicina é Caricatura adorada, /A tilintar
atestada em uma série de charges com um guizo,/Nasci de uma
gargalhada, /No quente ninho
do periódico O Tagarela, nas quais do riso. /Aos boléus surjo,
ridiculariza o médico Oswaldo brincando /Como travessa
criança, /Do burguês de
Cruz, expondo desconfianças quando em quando/Dou
palmadinhas na pança, /A
quanto às medidas sanitárias
velha mitologia /Já me
empregadas na cidade. No abrigou em seu seio. /A
minha musa é gorjeio /Cheia
entanto, se os médicos são
de graça e alegria!/Ontem
incompetentes, a personagem simbólica e esquiva, /Hoje
ridente e sagaz, /Amanhã
Antipyrina é eficiente: muito mais viva/ Muito mais
“Farmacêutica propina/ melhor viva e mordaz! /Hoje em dia
/Que ventura!/Onde imperar
não há quem conheça/ do que a a alegria/Impera a caricatura
leve antipyrina / para as dores de (PEDERNEIRAS, 1903, 1º
Quadro, Cena 3).
cabeça.” A presença desta
personagem demonstra a ligação Há também as donas de
efetiva do teatro de revista e dos cachorros ameaçadas pelos
caricaturistas com as pioneiras carroceiros, a mosca e o mosquito,
práticas da propaganda, uma noiva enganada, uma
comprovando, portanto, que o uso candidata a cargo político, as
da personagem pode ser flores, a mulher do hidrômetro
compreendido como um precursor (cujo marido vive a prestar
da prática do merchandising. atenção ao relógio do hidrômetro e
Atestando o efetivo fluxo esquece-se dela), a Ditadura e
entre página e palco, o Generala Pandega, os Teatros em
caricaturista entra para o teatro crise, a Loteria, as Finanças, a
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É necessário levar em conta que, no preta-mina (baiana vendedora de
que concerne aos personagens, o cocadas), o caldo de cana com
desenho de humor vale-se dos música (pequena carroça com
mesmos recursos empregados na músicos vendendo caldo de cana),
cena revisteira. Nos dois espaços é o reclamista (homem que chama
possível usar personagens fregueses para os
alegóricos, como quando se retrata estabelecimentos), e o trapeiro
uma bela jovem representando a (ambulante que recolhe e vende
República. Por outro lado, também trapos). Enfim, os tipos alijados do
circulam entre os dois meios espaço urbano em nome de um
personagens singularizados em projeto civilizador. Portanto, esse é
caricatura pessoal, como no caso do o tema central de O Esfolado. É
Chícara, e outros, sintetizados em expondo essa realidade que o
tipos sociais de uma cidade, como o caricaturista entra em cena.
Esfolado.
Não é difícil estabelecer
conexões entre o desenho de
humor e teatro de revista, pois são
duas formas de representação que
têm por conteúdo a crônica
humorística de seu tempo. Uma
charge possibilita ao leitor
vislumbrar um quadro de teatro de
revista, pois pode ser lida como Figura 3 – Algumas figuras de hontem. “Cenas da
vida carioca”, 1924. Fonte: Acervo da Associação
uma proposta de mise en scène. Brasileira de Imprensa (ABI)
De acordo com Henri Bergson
Segundo Elias Thomé Saliba
(2007:79), o desenho cômico
(2012:16), os dispositivos do
permite que o imaginemos como
desenho cômico funcionaram
uma cena de comédia, uma vez
como uma espécie de prêt-à-
que se trata de uma criação
porter para as cenas teatrais de
concebida sub specie theatri.
Pederneiras. Influenciado pela
Dentro dessa lógica, visualizando a
mensagem concisa, breve e fugaz
charge Algumas figuras de hontem,
de suas charges, Pederneiras
verifica-se que ali estão expostos
aventurara-se no palco, dando
os tipos suprimidos da cidade pós
“Bota-abaixo”, a exemplo de a
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vida a um projeto satírico iniciado Referências bibliográficas
nas páginas da imprensa. BERGSON, Henri. O Riso: ensaio
sobre a significação do cômico.
Tradução de Nathanael C. Caixeiro.
No livro Raízes do Riso no Lisboa: Relógio d'Água, 1991.
Brasil, o historiador traça um perfil
CARVALHO. Os bestializados: o Rio de
da história do humor brasileiro no Janeiro e a República que não foi. São
Paulo, Companhia da Letras, 1987,
início do século XX. Levando-se 186 p.
em conta o conteúdo, é possível LIMA, Herman. História da caricatura
identificar dois tipos de humor no no Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio,
1963, 1795 p.
período que vai do Segundo
NERY, Laura Moutinho. Cenas da vida
Império à República Velha: o de carioca: Raul Pederneiras e a belle
époque do Rio de Janeiro. 2000.
“ilusão republicana” e o de Dissertação (Mestrado) -
“desilusão republicana”. O primeiro Departamento de História, Pontifícia
Universidade Católica, Rio de Janeiro,
é concebido por autores como 2000.
Ângelo Agostini, no século XIX, PEDERNEIRAS, Raul. O Esfolado.
Música de Assis Pacheco et al. Rio de
cujo temas se pautavam na Janeiro, s.n, 1903, 32 p.
campanha abolicionista. O
SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso.
segundo, do início do século XX, A representação humorística na
história brasileira: da Belle Époque
foi responsável por captar as aos primeiros tempos do rádio. São
Paulo, Companhia das Letras, 2002,
incongruências e falhas entre o
366 p.
projeto modernizador do estado
TEIXEIRA, Maria Odette Monteiro. Entre
republicano e a vida em uma a página e o palco: teatro e caricatura
na obra de Raul Pederneiras. 2015.
sociedade saída da escravidão. Tese. Programa de Pós-Graduação em
Pederneiras vivencia os dois Artes Cênicas da UNIRIO, Rio de
Janeiro, 2015.
direcionamentos. Quando jovem,
VELLOSO, Monica Pimenta, LINS,
entusiasmou-se com a ideia da Vera, OLIVEIRA, Claudia. O moderno
em revistas: representações do Rio de
República, mas vai, aos poucos, Janeiro de 1890 a 1930. Rio de
perdendo a crença nas melhorias, Janeiro, Garamond, 2010.
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1
observações aqui feitas se
Professor Adjunto da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro- justificam, sobretudo, a fim de
Unirio, atuando nos Programas de Pós-
Graduação em Ensino das Artes Cênicas destacar que o protagonismo do
(PPGEAC), Artes Cênicas (PPGAC) e
Memória Social ( PPGMS). ato de ver, e sua inevitável
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descritividade, não implicava traziam consigo o conhecimento
necessariamente o embotamento de que a ultrapassagem das
de, por exemplo, ações gestuais e medidas levaria a desgraças,
musicais, que eram realizou-se plenamente enquanto
tradicionalmente executadas pelos relação dialógica comprometida
representantes do coro. É natural, com um efetivo caráter
no entanto, que enquanto pedagógico. É compreensível,
festividade alçada a condição de nesse sentido, que os aspectos
evento fundamental na constituição espetaculares dessa manifestação
do ethos grego, as representações representacional específica fossem
teatrais dialogassem intimamente secundários, havendo a inegável
com os temas políticos e jurídicos proeminência dos enredos em
de seu tempo. A esse respeito, me detrimento dos elementos lírico-
parece relevante aqui o retorno ao gestuais. Estes em larga medida
clássico estudo de Jean-Pierre passaram a ser menosprezados e,
Vernant e Pierre Vidal-Naquet. com o passar do tempo, cada vez
É a língua do coro que, em mais associados aos exageros da
suas partes cantadas,
prolonga a tradição lírica de comédia, e, por isso, distantes dos
uma poesia que celebra as costumes da classe dominante.
virtudes exemplares do herói
dos tempos antigos. Na fala Exemplar disso é o menosprezo
dos protagonistas do drama,
a métrica das partes com que o poeta romano Horácio
dialogadas está, ao contrário, trata, em uma de suas epistolas, o
próxima da prosa. No próprio
momento em que, pelo jogo comediógrafo Plauto ao compará-
cênico e pela máscara, a
personagem trágica toma as lo a um autor de tragédias gregas.
dimensões de um desses O trecho a seguir foi extraído de
seres excepcionais que a
cidade cultua, a língua a estudo de Richard Hunter,
aproxima dos
contemporâneos do público.
helenista da Universidade de
(VERNANT, VIDAL-NAQUET, Cambridge.
1977: 20-1)
O ‘escravo correndo’ da
Do trecho citado, pode-se comédia romana, que entra
apressado com uma
intuir que o drama grego – e, mensagem importante, tem
uma ressonância
nesse caso particular, a tragédia – sociopolítica, assim como
, constituído como apresentação à teatral. A discussão no palco
sobre ‘como andar’ pode
pólis dos grandes mitos que então esclarecer o que os
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atores efetivamente faziam entre o espectador e o mundo.
no palco. Horácio expressa
seu desdém às farsas de Nesse contexto, a representação
Plauto em comparação ao teatral não se excluiria dessa
refinamento e valor educativo
da tragédia grega [...]. ao vocação, até mesmo porque, como
representar Plauto correndo
de forma atabalhoada pelo observou Roland Barthes, em um
palco, preocupado, não com ensaio de 1973, não haveria entre
arte, mas com ser pago.
(HUNTER, 2008: 225-6) àquela e os outros meios de
câmara escura, pois esta, como pinta o que lhe vai na mente se
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aqui, em outras palavras, a arte. A citação de Crary, embora
instauração da cisão entre mente longa, é aqui de extrema
e mundo (espírito versus corpo). pertinência.
No final do século XVI, a
figura da câmara escura
começa a assumir uma
importância proeminente na
delimitação e na definição das
relações entre observador e
mundo. Várias décadas
depois, a câmara escura não
será mais um dos muitos
instrumentos ou opções
visuais, mas, ao contrário, o
lugar obrigatório a partir do
qual a visão pode ser
concebida ou representada.
Acima de tudo, ela indica a
emergência de um novo
modelo de subjetividade, a
hegemonia de um novo
Figura 1 - O astrônomo (1668). J. Vermeer. efeito-sujeito. Antes de mais
Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File
:VERMEER_El_astrónomo_(Museo_del_Louvre,_
nada, a câmara escura realiza
1688).jpg uma operação de
individuação; ou seja, ela
necessariamente define um
observador isolado, recluso e
autônomo em seus confins
obscuros. Ela o impele a um
tipo de askesis, ou
distanciamento do mundo, a
fim de regular e purificar a
relação que se tem com a
multiplicidade de conteúdos
do mundo agora ‘exterior’.
Nesse sentido, a câmara
escura é inseparável de uma
metafísica da interioridade:
ela é uma figura tanto para o
observador, que apenas
nominalmente é um individuo
livre e soberano, como para
Figura 2 - O geógrafo (1669). J. Vermeer. Fonte: um sujeito privatizado
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:J._VERMEE confinado em um espaço
R_El_ge%C3%B3grafo_(Museo_St%C3%A4del,_Fr%C quase doméstico, apartado de
3%A1ncfort_del_Meno,_1669).jpg um mundo exterior público.
(CRARY, 2012: 45)
Nesse sentido, a difusão da
câmara escura no século XVI O tipo de ascetismo (áskesis)
a que Crary se refere pode, por
termina por alinhar a metafísica à
analogia, ser aferido nas artes
ciência e às novas tecnologias da
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cênicas quando da separação entre invisibilidade e do voyeurismo.
o lugar da ação e o lugar da visão, Exilado da cena, ele assumiu o
ruptura essa que só se dá de modo papel de um observador diante de
efetivo a partir da renascença um quadro. A identificação do
italiana. Mesmo na Grécia clássica, quadro pictórico e da cena teatral é
inevitável inspiração para uma consequência natural dessa
arquitetos italianos como, por tendência, e Denis Diderot, no
exemplo, Sebastiano Serlio (1475- século XVIII, seu principal
1554), nunca houve de fato propagador. Para o enciclopedista
separação física entre o espetáculo havia a necessidade do
e seus espectadores uma vez que a desenvolvimento de uma nova
circularidade do espaço cênico e dramaturgia que, cenicamente,
sua abertura asseguravam essa pudesse se inspirar na pintura,
continuidade. Esse não proporcionando deste modo um
distanciamento entre as duas universo fechado, independente do
esferas era justamente o que observador e da experiência. E não
mobilizaria Friedrich Nietzsche em se tratava mais dos ‘valores
seu elogio do coro grego. Em O educativos’ da tragédia clássica,
nascimento da tragédia ou pois, afinal, esta representaria a
helenismo e pessimismo, publicado monarquia em decadência, com
em 1872, ele dizia o seguinte: François Boucher e sua Diana
Um público de espectadores, saindo do banho (1794) [figura 3]
tal como nós o conhecemos,
era desconhecido aos gregos: como um de seus maiores
em seus teatros era possível representantes.
a cada um, graças ao fato de
que a construção em terraço
do espaço reservado aos
espectadores se erguia em
arcos concêntricos, sobrever
com inteira propriedade o
conjunto do mundo cultural à
sua volta e, na saciada
contemplação do que se lhe
apresentava à vista,
imaginar-se a si mesmo como
um coreuta. (NIETZSCHE,
1999: 58)
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Na concepção de Diderot, como o lugar da ação, vedado,
sairiam de cena os heróis e deuses portanto, ao olhar dos observadores.
para dar lugar aos pais de família Tornar-se-ia ideal então a ausência
e suas desventuras sentimentais. do público, desejo esse que só se
Jean-Baptiste Greuze, segundo concretizaria de fato no final do
esse raciocínio, viria a ocupar o século seguinte com o cinema e a
lugar dos libertinos. desmaterialização da imagem
projetada. É sintomático, aliás, como
o cinema em seus primórdios foi
dependente do teatro, constatação
essa que pode ser verificada até
mesmo em filmes realizados no
período sonoro. Ironicamente foi
necessário que o cinema se
teatralizasse, por assim dizer, para
que ao teatro fosse permitido
Figura 4 - O filho punido (1778). J. B. Greuze. Fonte: novamente abolir a distância entre o
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Greuze.jpg
espetáculo e os espectadores.
Defendendo uma composição Experiência essa vivenciada por
simples e clara, Diderot assim se Antonin Artaud, também homem de
manifesta: cinema, ao assistir a um espetáculo
A pintura partilha com a
de dança balinesa em Paris na
poesia, e parece que ainda
não se tem dado conta desse década de 1930.
fato, o deverem ser ambas
bene moratae; é preciso que
digam respeito à moral. Em O teatro e seu duplo,
Boucher ignora-o radical manifesto por um novo
completamente: é sempre
depravado e nunca atrai. teatro e onde estão expostas suas
Greuze é sempre virtuoso, a
multidão amontoa-se em
teorias acerca da “crueldade”,
torno de seus quadros. Artaud fala sobre a cena e a sala
(DIDEROT, 2013: 85)
de espetáculo.
Tanto nas telas de Greuze Suprimimos o palco e a sala,
quanto nos dois dramas de Diderot, substituídos por uma espécie
de lugar único, sem divisões
O pai de família e O filho Natural, nem barreiras de qualquer
tipo, e que se tornará o
tem-se agora o ambiente familiar próprio teatro da ação. Será
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restabelecida uma outra passagem de O teatro e seu
comunicação direta entre o
espectador e o espetáculo, duplo, Artaud é claro a respeito da
entre ator e espectador, pelo subordinação da cena ao texto.
fato de o espectador,
colocado no meio da ação,
estar envolvido e marcado Para nós, a Palavra é tudo no
por ela. Esse envolvimento teatro e fora dela não há
provém da própria saída; o teatro é um ramo da
configuração da sala. Assim, literatura, uma espécie de
abandonando as salas de variedade sonora da
teatro existentes, usaremos linguagem, e se admitimos
um galpão ou um celeiro uma diferença entre o texto
qualquer, que falado em cena e o texto lido
reconstruiremos segundo os pelos olhos, se encerramos o
procedimentos que teatro nos limites daquilo que
resultaram na arquitetura de aparece entre as réplicas, não
certas igrejas e certos conseguimos separar o teatro
lugares sagrados, de certos da ideia do texto realizado.
templos do Alto Tibete. (ARTAUD, 1987: 90)
(ARTAUD, 1987:122-3)
Não se trata aqui do
O resgate da proposta
obrigatório exílio do texto, mas sim
artaudiana deve ser compreendido
do reconhecimento de que a
à época como uma tentativa de
tendência textocêntrica que
redimensionamento do teatro
acompanhava a produção
enquanto espaço de vivência em
dramatúrgica europeia ao longo dos
exata contraposição ao chamado
três últimos séculos resultara num
teatro burguês, que, em 1938,
engessamento da plasticidade
ano em que Artaud elaborou seu
inerente à linguagem teatral, pois
manifesto, se apresentava quase
como também observou Artaud, “O
que exclusivamente como uma
domínio do teatro não é psicológico,
arte subordinada à literatura.
mas plástico e físico [...]” (ARTAUD,
Tem-se com Artaud, portanto, o
1987: 93). Há naturalmente nesse
início da compreensão de que o
pensamento a constatação implícita
teatro demanda uma linguagem
de que as línguas europeias eram
própria cujo ponto de inflexão
de certo modo incapazes de
reside na peculiaridade do
expressar sentimentos com verdade
encontro entre o texto e a cena,
e paixão. Segundo esse moto,
percepção essa que só seria
Artaud pleitearia a força espiritual
vivamente aceita a partir das
das palavras, única alternativa para
últimas décadas do século XX. Em
a impossibilidade da enunciação.
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Daí o caráter essencialmente entende Artaud, e que são já
comentários exilados.
ritualístico de seu teatro. (DERRIDA, 2005: 115)
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Referências bibliográficas e Raul Fiker. 1ª edição. São Paulo,
Odysseus Editora, 2008, 614 p.
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Paulo
Pinheiro. 1ª edição. São Paulo, Editora MICHAUD, Philippe-Alain. Filme: por
34, 2015, 232 p. uma teoria expandida do cinema.
Trad. Vera Ribeiro. 1ª edição. Rio de
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu
Janeiro, Contraponto, 2014.
duplo. Trad. Teixeira Coelho. 1ª
edição. São Paulo, Editora Max NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento
Limonad, 1987, 226 p. da tragédia ou helenismo e
pessimismo. Trad. Jacó Guinsburg. 2ª
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso.
edição. São Paulo, Companhia das
Trad. Léa Novaes. 1ª edição. Rio de
Letras, 1992, 177 p.
Janeiro, Nova Fronteira, 1990, 284 p.
VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-
CRARY, Jonathan. Técnicas do
NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na
observador: visão e modernidade no
Grécia antiga. Trad. Ana Lia de
século XIX. Trad. Verrah Chamma. 1ª
Almeida Prado [et ali.]. São Paulo,
edição. Rio de Janeiro, Contraponto,
Duas Cidades, 1977, p. 163.
2012.
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1
relegou ao segundo plano a
Cenógrafa e figurinista. Doutora em
Artes Cênicas. Professora Substituta da execução técnica. Certamente a
Universidade Federal de São João del Rei.
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arte não possui delimitações por Dormer, fez uma distinção
teóricas para ser abordada. Cada entre o aprimoramento na
artista opera seu processo de fabricação de objetos para fins
realização artística segundo a utilitários, reconhecido como um
própria expressão, experiência, atributo do designer, que lida,
conteúdo, domínio das inclusive, com estudos de
ferramentas, mas existe um liame ergonomia, e a fabricação
entre o artista e a sociedade, que artesanal que, apesar de lidar com
este estudo compreende como confecção de objetos utilitários,
uma conexão entre ética e teria um vínculo maior com o
estética, consequentemente se a contexto cultural. Rees observa,
realização artística se estabelece inclusive, que o designer tem
socialmente nos termos de: arte é maiores condições de manter a
pensamento, todos os demais empregabilidade, em relação ao
campos que lidam com a arte a artesão, porque a realização do
partir do aprimoramento técnico primeiro está diretamente
podem sofrer desvalorização, falta orientada para satisfazer a
de reconhecimento, até mesmo necessidade do consumidor. Esta
exclusão. De acordo com Dormer, comparação entre o designer e o
o século XX foi tendencioso no artesão despertou a atenção para
sentido de privilegiar a arte como a comparação entre o estilista e a
reflexão e desconsiderar os ateliês costureira. O estilista está
dedicados à experiência fabril. circunscrito pelo mercado da
Estes se encontram diretamente moda, a costureira também, mas
conectados ao domínio da técnica o primeiro, assim como o
artística em conformidade com o designer, pode atuar no universo
campo da criação, tais como os industrializado, que se apropria da
ateliês de tecelagem, pintura, atividade operária destinada à
ourivesaria, marcenaria, entre produção em escala, enquanto que
outros. a costureira bem como o artesão
detém o conhecimento e os
A designer Helen Rees, que
instrumentos de execução do
publicou o artigo The challenge of
objeto ou da vestimenta, não
technology neste livro organizado
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afeitos, portanto, ao domínio dos no campo da técnica, poderá
detentores da força de trabalho e consequentemente alijar
do poder econômico. Certamente realizações e realizadores que
esta oposição entre o artesão e a estão neste liame entre arte e
indústria é desigual, avassaladora cultura, arte e sociedade,
para o artesão, porém ainda mais tornando-se excludente. Daí a
2
sacrificante para a sociedade, pois afirmação de Peter Dormer a
o mercado se abastece com os respeito da necessidade premente
produtos industrializados e impõe de que artistas, artesãos e
os mesmos a diferentes designers escrevam sobre o
grupamentos sociais, processo de fabricação artesanal e
consequentemente a humanidade suas implicações artísticas,
perde em produção cultural, que é teóricas e técnicas. Compreende-
sua capacidade de criar realidades se que esta observação de Dormer
amistosas para o bem estar social, colabora, também, para a
ou seja, os artesãos deixam de valorização e concessão do direito
produzir arte e cultura de fala ao corpo de trabalhadores
diretamente relacionada à sua que atua no campo da criação e da
comunidade, para operar execução, consequentemente tal
máquinas fabris. Tal compreensão amplitude de perspectivas no
foi discutida pelo inglês William campo da arte poderá dinamizar e
Morris, que no século XIX fortalecer as relações entre o
contribuiu para a criação do universo acadêmico que pensa a
movimento Arts & Crafts, que arte e a técnica e respectivo
singularmente defendeu o atributo universo popular que emerge da
humano de criação e fabricação. relação entre arte e cultura.
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Ao longo de sua atividade No Parque Lage, faremos a
mesma coisa,
profissional Helio Eichbauer atuou fundamentalmente. Não
como professor. Na década de importa se o aluno é lavador
de pratos de uma lanchonete
1970 deu aula tanto em ou arquiteto famoso: todos
têm coisas a trazer. E é sobre
universidade pública quanto em essa matéria-prima que nós
escolas de artes. Nesta mesma trabalharemos, procurando
repensar a nossa maneira de
década, ao ser indagado em ser, de viver.4
entrevista para Tania Pacheco Eichbauer, ao afirmar que
sobre suas intenções no campo da prefere “a busca da obra coletiva”
docência, Eichbauer afirmou a em conformidade com um grupo de
necessidade de expressar mais alunos que não se distingue por
livremente sua arte naquele pré-requisitos escolares, mas que
período em que o teatro estava certamente tem as próprias
sob a ditadura militar no Brasil. experiências de vida para
Palavras de Eichbauer: “...entre compartilhar interage com o corpo
aceitar um trabalho no qual não social no qual ele mesmo se
vejo sentido e pesquisar com encontra e, garante desta forma,
meus alunos, prefiro a busca da que um fluxo de conhecimentos e
3
obra coletiva” . Portanto, ao atuar experiências seja mantido em via
como professor ele intentava de mão-dupla entre o professor e
maior liberdade de expressão e seus alunos e alunas, a partir do
criação, cujos alunos, em relação intercâmbio no campo de
ao seu curso na então recém- conhecimentos e linguagens
criada Escola de Artes Visuais do artísticas. É preciso lembrar que a
Parque Lage, não seriam promoção da sala de aula de artes é
restringidos por sua formação por si um investimento na
escolar, pois ele atenderia tanto humanização da sociedade, por ser
ao “lavador de pratos” quanto a expressão artística um atributo do
àqueles que tivessem tido maior ser humano. Esta promoção da
contato com o universo da arte.
4
Este trecho da entrevista foi extraído de
De acordo com suas palavras: matéria jornalística apresentada na
exposição Jardim da Oposição 1975-1979,
na Escola de Artes Visuais do Parque Lage,
Rio de Janeiro, 2009. A referida matéria
3
Entrevista concedida à Tania Pacheco, foi fotografada e na mesma não consta
para o jornal O Globo, em 1976. data e nem o nome do jornal.
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docência no campo das artes e morreu discretamente, sem
ter gravado seu depoimento
humanidades ser feita por um para as futuras gerações. A
cenógrafo, que é um técnico das direção do teatro, que não se
importava muito com aquele
artes cênicas tem a particularidade “velho ranzinza”, nunca
prestou as homenagens que
de possivelmente colaborar com ele merecia. As pessoas
mais um requisito de humanidade também são patrimônio
histórico. Bertelli tinha belas
que é o de fabricação de objetos, histórias para contar, que
foram enterradas com ele.
ou seja, desenvolvimento de (EICHBAUER, 2013:47)
técnicas de fabricação.
Embora Eichbauer tenha Estas falas do cenógrafo e
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materiais, máquinas e ferramentas expôs reflexões que frutificaram a
adequadas para fabricação, partir da realização das maquetes
conhecimento de medidas, cálculo dos edifícios teatrais. De acordo
de materiais necessários para com a apresentação introdutória
execução do projeto. dos autores:
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Despertar na madrugada, reaproveitados, conforme o relato
tomar o bonde, ingressar no
ateliê às sete horas – que no deste professor e cenógrafo, o que
inverno ainda era noite –, naturalmente promove uma espécie
encontrar com o mestre,
realizar exercícios e participar de educação no contexto do
dos diversos setores da
fábrica de teatro: marcenaria, ambiente e da economia entre os
pintura, adereços, profissionais que trabalham nestas
serralheria, desenho e
escultura. Aprendi a construir oficinas. É possível considerar,
o cenário em módulos
aproveitando parte de outras inclusive, que ao lidar com a
montagens; planos, escadas, fabricação cenográfica e de
praticáveis, nada se
dispensava. A madeira figurinos os profissionais envolvidos
escassa era reutilizada por
anos, os pregos e parafusos
possam adquirir conhecimentos
recolhidos, as rodas das sobre os diferentes enredos a partir
construções móveis e os
trilhos desenhados para servir dos quais aquelas construções
em várias cenografias.
serão realizadas, portanto não
(EICHBAUER, 2013:94)
somente a plateia será contemplada
É preciso considerar a por aquelas narrativas, mas
importância social, cultural e também os fabricantes desses
econômica desses relatos de enredos, ainda que num contexto
Eichbauer a partir de suas diverso. Tem-se, portanto, uma
experiências nos ateliês destinados dinâmica educacional humanizada a
à fabricação da cenografia, figurino partir do exercício de construção da
e adereços para teatro. Estas arte para cena, no qual todos os
oficinas não funcionam de acordo envolvidos para a elaboração da
com uma fabricação em série encenação empreendem técnica e
porque cada cenário, adereço ou apreensão das narrativas que serão
figurino é destinado a uma contadas, desde os cenotécnicos, as
específica montagem, a diferentes costureiras, as camareiras, aos
atores, a diferentes linguagens, iluminadores, cenógrafos,
portanto compreende uma figurinistas, atores, bailarinos. Esta
realização técnica dinâmica para circulação e disseminação de
cada integrante da equipe, seja saberes, técnicas, conteúdos, ainda
uma realização da carpintaria, da que apropriados pela indústria
pintura, da serralheria, ou da cultural, como acontece em
costura. Os materiais são
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encenações diretamente voltadas só, uma arte diretamente
5
ao mercado de consumo da arte , é relacionada ao aprimoramento
de fundamental importância para a intelectual, que se desenvolve
democratização da educação, a desde a fabricação e alcança o ato
qual, neste caso, se faz através das da reflexão, inclui a vivência na
artes cênicas, pois no campo da coletividade e a percepção por
fabricação artística existe o intermédio da arte.
exercício da invenção, da criação,
O cenógrafo Helio Eichbauer
os quais garantem o atributo
ao buscar atuar no campo da
humano de solucionar os problemas
docência intensificou este atributo
que surgem cotidianamente através
que o edifício teatral possui de
da invenção de novas ferramentas,
promover o aprimoramento
condições de convivência,
intelectual e educacional das
superação de obstáculos. Tal
sociedades que se formam nos
exercício cognitivo intrínseco às
espaços das cidades. Esta atuação
artes cênicas faz do teatro, por si
singular de Eichbauer se torna
ainda mais exemplar quando
5
O mundo inteiro é forçado a passar pelo
crivo da indústria cultural ...reproduzir de atentamos para a realidade sócio-
modo exato o mundo percebido
cotidianamente tornou-se o critério da
educacional brasileira, tão marcada
produção ...Superando de longe o teatro pelas precariedades que impedem
ilusionista, o filme não deixa à fantasia e
ao pensamento dos espectadores qualquer que a massa populacional conclua o
dimensão na qual possam ...se mover e se
ampliar por conta própria ...A atrofia da ensino fundamental e médio
imaginação e da espontaneidade do
consumidor cultural de hoje não tem satisfatoriamente. Trata-se,
necessidade de ser explicada em termos
psicológicos. Os próprios produtos portanto, de uma atuação singular
...paralisam aquelas capacidades pela sua
própria constituição objetiva. Eles são
que reúne arte e educação, de
feitos de modo que a sua apreensão acordo com a perspectiva de que o
adequada exige, por um lado, rapidez de
percepção, capacidade de observação e teatro se afirma como potência
competência específica, e por outro é feita
de modo a vetar, de fato, a atividade edificadora de sociedades mais
mental do espectador, se ele não quiser
perder os fatos que rapidamente se humanizadas tanto a partir das
desenrolam à sua frente ...para que se
reprima a imaginação ...A violência da encenações realizadas na caixa
sociedade industrial opera nos homens de
uma vez por todas ...Infalivelmente, cada
cênica quanto a partir das práticas
manifestação particular da indústria de artes técnicas de cada um dos
cultural reproduz os homens como aquilo
que foi já produzido por toda a indústria profissionais que colaboram com a
cultural. (ADORNO, 2002:15, 16 e 17)
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construção da arte da cena. aula: caixa de papelão aberta,
Para que possamos compreender reaproveitada para servir como
melhor como o cenógrafo Helio expositor das matérias a serem
Eichbauer fez da sua profissão estudadas e comentadas pela classe
eminentemente artística um de alunos e professor. Este dado a
exercício educacional, façamos respeito do reaproveitamento de
análises de registros fotográficos materiais já havia sido tratado por
em dois distintos momentos de Eichbauer em seu livro publicado em
docência deste cenógrafo- 2013, Cartas de Marear, quando o
6
professor . Primeiramente a foto de mesmo disse que nos ateliês do
uma aula realizada no curso Teatro Nacional de Praga os cenários
intitulado O jardim de Epicuro ou eram construídos a partir de
sobre a natureza das coisas: materiais reutilizáveis. Portanto,
desde sua formação em princípios
da década de 1960 Eichbauer
aplicou, quando possível, tal prática
ecológica, a qual tratou de incentivar
em suas aulas através de objetos
que funcionavam como dispositivos
Figura 1 -Helio Eichbauer ministra a aula em 19 didáticos, à maneira de cenografias,
de abril de 2014 no Espaço Tom Jobim. Esta
aula integrou o curso O jardim de Epicuro ou pois se constituíam de objetos
sobre a natureza das coisas. Fotografia: Regilan
Deusamar.
construídos ou montados, que
A figura 1 apresenta-nos uma atraíam a atenção de alunos
fotografia de Helio Eichbauer de observadores, e que possuíam
costas, erguendo parte do painel significados próprios relativos à
que montou para exibir o conteúdo didática. Ainda nesta foto se
de sua aula em 19 de abril de 2014. encontra à esquerda do painel a
É importante observar o material reprodução da gravura de 1504 de
que este cenógrafo-professor utilizou Albrecht Dürer, na qual se vê
para apresentar o conteúdo de sua representado o casal Adão e Eva, e
à direita do painel a pintura deste
6
Este binômio foi apresentado na tese de
mesmo artista que nos apresenta
doutorado defendida pela autora deste
artigo intitulada Helio Eichbauer e Lina Bo Eva. Através destas apresentações e
Bardi: artífices que constroem a arte e
edificam a cidade.
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objetos didáticos e cenográficos os serem desenvolvidas e aplicadas
alunos despertavam a curiosidade cotidianamente para diferentes
pelo conteúdo e quando eram finalidades. A respeito das
convidados a apresentar os próprios reproduções de pinturas e gravuras,
trabalhos, solicitados pelo professor, as quais Eichbauer com frequência
sentiam-se estimulados a criar e apresentava em suas aulas, as
construir seus próprios objetos mesmas despertavam a curiosidade
artísticos, e mesmo aqueles que por conhecer diferentes mitologias
previamente manifestavam a bem como diferentes períodos
dificuldade para execução de históricos da humanidade, ou seja, a
trabalho artesanal, não deixavam de partir do conhecimento de diferentes
exercitar suas habilidades técnicas e obras pictóricas os enredos
criativas, pois o desejo em se desenvolvidos ao longo da história
desafiar havia sido despertado, secular de homens e mulheres eram
menos pela apresentação de algo estudados e comentados. Para
inovador e mais pelo desejo de exemplificar, particularmente a
descobrir as próprias potencialidades autora destes estudos teve a
criativas e técnicas. E a oportunidade de, a partir da pintura
apresentação de trabalho por parte de 1913, Baile à fantasia, de
dos alunos e alunas era sempre uma Rodolpho Chambelland, aprender
grande satisfação para todos, pois sobre a cultura musical brasileira do
cada integrante tinha a oportunidade início do século XX, a qual foi
de expressar suas próprias comentada pelo professor e desta
aventuras ao criarem e executarem maneira as nossas próprias raízes
suas ideias, o que naturalmente artísticas e culturais tornaram-se
envolvia erros e acertos. Todos os alvo de distintas reflexões.
trabalhos eram bem recebidos e não
De fato, como um artesão, o
se tratava de uma classe de aula
professor Eichbauer construía suas
profissionalizante, mas sim uma sala
aulas em superfícies e volumes a
de aula que despertasse as
exibir conteúdos à maneira de um
habilidades individuais, que
neo-humanista, revendo as
certamente eram diferentes umas
diferentes reflexões e realizações
das outras, mas todas passíveis de
feitas por homens e mulheres ao
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longo dos séculos, mas não para ficou registrado no caderno: “A
enaltecer a humanidade, como se melancolia e a fuga para o sonho
esta estivesse em grau superior às poético”. Este sonho poético
demais formas de vida terrestres, certamente estava relacionado ao
mas para trazer à luz do Machado de Assis e ao Teatro de
conhecimento fatos que não devem Brinquedo de Álvaro Moreyra, que
se manter ignorados, pois ao nos conferiram título ao curso, mas
tornarmos informados a respeito esta aula especialmente nasceu
da nossa própria história, dos estudos do Professor
estaremos melhores capacitados a Eichbauer sobre o livro do filósofo
compreender a realidade presente alemão Walter Benjamin: Origem
que nos afeta. A seguir a fotografia do drama trágico alemão, o qual
do professor Eichbauer integrou a bibliografia do curso.
apresentando estudos matemáticos Esta singular sistemática teórica
a partir da gravura de 1514, fazia parte do que o professor
Melancolia I de Albrecht Dürer: Eichbauer denominava como “salto
quântico”7, através do qual o
professor conectava assuntos de
distintos períodos históricos. Este
estudo de Benjamin associou à
figura soturna e shakespeariana
de Hamlet a figura alada e
melancólica que se encontra na
gravura de Dürer. A tradução do
Figura 2- Na aula proferida em 18 de outubro de
2014, para o curso Lição de Botânica, Machado ano de 2004 deste livro de
de Assis – Teatro de Brinquedo na Escola de
Artes Visuais do Parque Lage, o Professor Benjamin realizada por João
Eichbauer apresentou aos alunos uma
reprodução de Melancolia I, gravura de 1514 de
Albrecht Dürer, na qual, acima da figura de um
7
anjo de aparência entristecida vê-se o desenho Esta particularidade da didática de Helio
de um quadrado mágico. Três diferentes Eichbauer foi abordada pela autora deste
quadrados com o princípio matemático do artigo na mesa redonda Homenagem a
quadrado mágico foram montados pelo Helio Eichbauer em 2018, por ocasião da IV
professor Eichbauer. O quadrado menor à
Jornada Nacional de Arquitetura, Teatro e
esquerda é composto pela mesma numeração
que se apresenta na gravura de Dürer.
Cultura, cujo resumo expandido intitulado
Fotografia: Regilan Deusamar. Salto quântico: a didática de Helio
Eichbauer se encontra disponível em:
A respeito da fotografia da http://www.unirio.br/espacoteatral/arquivo
s/evento-
aula que se apresenta na figura 2, extensao/Anais_de_resumos_expandidos-
iv_jornada.pdf
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Barrento, assim apresenta esta versa), o quadrado Sator. O
comparação entre a personagem importante ao observar este
criada por William Shakespeare e estudo matemático e linguístico
a imagem de Dürrer: “...em em uma das aulas conferidas por
Hamlet uma ascendência saturnina Eichbauer é que este cenógrafo
...As imagens e figuras que esse adentrou o campo da docência
drama põe em cena são dedicadas desejando ampliar a comunicação
ao gênio düreriano da melancolia da informação, afirmando a
alada” (BENJAMIN, 2004:169). De vocação educacional que permeia
fato, a gravura fora realizada em o campo das artes cênicas. O
1514 e a tragédia do príncipe da professor Eichbauer, através dos
Dinamarca fora escrita entre 1600 estudos no campo da história e da
e 1601, ou seja, quase um século filosofia da arte e da técnica
após a realização artística de construtiva da cenografia
Dürer. É preciso considerar que a empreendeu a disseminação do
imagem pictórica de homens e saber que se origina na arte por
mulheres melancolicamente compreender que desta maneira
debruçados sobre caveiras tornou- estaria contribuindo com “tempos
se célebre entre o Renascimento e mais justos”, portanto ousou
o Barroco, mas Benjamin foi o fabricar, a maneira de um artífice,
autor que fez este estudo dispositivos didáticos. A julgar
associativo entre a personagem pelas suas salas de aulas
shakespeariana e a gravura de invariavelmente repletas por
Dürer. Eichbauer, por conseguinte, considerável número de alunos,
decidiu analisar não somente o este cenógrafo, que lecionou até
sonho poético advindo da figura seu último mês de vida, obteve
alada de tez melancólica, mas sucesso neste seu objetivo de
também o enigmático quadrado colaborar através da sua arte e da
mágico que se apresenta sobre sua técnica, com a sociedade
este anjo e prosseguiu no estudo brasileira que tivesse acesso à
do palíndromo (frase ou palavra informação através da arte e da
que se pode ler, indiferentemente, cultura.
da esquerda para a direita ou vice-
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Referências bibliográficas
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CONFERÊNCIA
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dependências do Museu de Arte espaço de comunhão entre cena e
2
Moderna e radicalizou na público. Cenografias com acúmulo
integração do público com a cena; de referências, presença de
Helio Eichbauer e Luiz Carlos panejamentos, intervenções sonoras
Mendes Ripper transformaram a e objetos sensoriais fizeram uma
organização espacial de teatros oposição às construções geométricas
italianos e realizaram cenografias e reproduções ainda de inspiração
para espetáculos itinerantes. A realista do início dos anos sessenta.
valorização dos processos criativos Dentre os cenógrafos da nova
e a participação ativa na geração sessentista3, realizamos
construção da encenação, muitas um estudo aprofundado sobre a
vezes evidenciando o cenógrafo obra de Marcos Flaksman,
como co-criador do espetáculo, apresentado na tese de doutorado
também estão entre as inovações intitulada Uma vida impressa em
promovidas e vivenciadas por palco: processos e realizações de
estes artistas. Marcos Flaksman no campo da
Com o intuito de identificar cenografia teatral brasileira nos
práticas e tendências cênicas da anos 1960 e 19704. A pesquisa foi
cenografia de vanguarda dos anos realizada considerando-se o
1960 e 1970 através das obras da momento social e político em que
nova geração, percebemos, o cenógrafo iniciou a sua atuação
observando a iconografia referente e suas consequentes implicações
ao período, que a estética sobre os movimentos culturais e
construtivista, a abstração e a artísticos, procurando também
organização presentes na cena estabelecer relações de afinidade
sessentista deram lugar, na década ou disparidade entre o trabalho do
seguinte, à uma cena experimental,
desestruturada, marcada por 3
Yan Michalski (1989) cunhou o termo
“arquitetos-cenógrafos” para se referir a
espaços ritualísticos desenvolvidos essa geração, mas dentre estes cinco
artistas, somente Marcos Flaksman, Joel
em processos investigativos de Carvalho e Flávio Império se formaram
realizados não mais para um em arquitetura.
4
Tese de doutorado desenvolvida no
espetáculo, mas para um Programa de pós Graduação em Artes
acontecimento teatral, em um Cênicas (PPGAC) da UNIRIO, na linha de
pesquisa Processos e Métodos da Criação
Cênica (PMC) com orientação da Prof. Dra.
Lidia Kosovski, defendida em Maio de
2
MAM, RJ. 2019.
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artista e aquele desenvolvido por A partir do levantamento de dados
cenógrafos contemporâneos a ele e dos primeiros depoimentos do
no mesmo período, reconhecendo artista, optamos por realizar
tendências ou movimentos quatro estudos de caso, elegendo
estéticos que caracterizaram a para tal os espetáculos A vida
cena da época. impressa em dólar (1965), Dois
Investigamos realizações perdidos numa noite suja (1967),
cênicas de Flaksman Os convalescentes (1970) e Rasga
desenvolvidas entre 1964 e 1979 - Coração (1979), cujas análises são
os primeiros quinze anos de sua apresentadas em linhas gerais
atuação como cenógrafo - com o neste artigo.
objetivo de identificar processos, Os primeiros quinze anos de
procedimentos e características do atuação de Flaksman como
seu trabalho para evidenciar o seu cenógrafo foram quase
pensamento sobre a cenografia e integralmente dedicados ao teatro,
comprovar a hipótese que o artista experiência fundamental que
foi um dos transformadores da proporcionou ao artista um grande
estética da cena brasileira nas conhecimento sobre o palco e a
décadas citadas, realçando a sua cenografia teatral. Marcos
importância para a cenografia. Flaksman estreou como cenógrafo
Para tanto, realizamos um aos vinte anos, no espetáculo A
mapeamento das atividades Tempestade, de Shakespeare, em
artísticas desenvolvidas por uma montagem amadora do grupo
Flaksman no recorte temporal Mambembe5. O ofício de cenógrafo
definido, com ênfase nas trinta e foi desenvolvido em concomitância
cinco peças teatrais com com a sua formação e atuação
cenografia assinada por ele no como arquiteto6. O artista, hoje um
período, e uma série de oito
entrevistas com o artista que
5
O Mambembe foi um grupo de teatro
contribuíram para definir quais amador fundado por Paulo Afonso Grisolli
espetáculos, entre os muitos em 1963 e sediado em Niterói, RJ. A
Tempestade foi encenada no Teatro
realizados, foram representativos Nacional de Comédia - RJ (atual Teatro
Glauce Rocha), com direção de Tite de
do seu percurso e do seu ideário Lemos.
estético a ponto de merecerem um 6
Marcos Flaksman cursou arquitetura na
Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA),
estudo aprofundado e ilustrativo. atual faculdade de Arquitetura e Urbanismo
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dos profissionais brasileiros mais família judaica, uma crítica à
respeitados na área de cenografia guerra, ao capitalismo e à busca
e direção de arte, iniciou com A desenfreada ao status
tempestade uma carreira de rápida proporcionado pelo dinheiro. A
ascensão que o consagrou como direção de Paulo Afonso Grisolli
cenógrafo teatral em um período imprimiu a prática de um tipo de
inferior a dois anos. trabalho associativo que solicitou o
O reconhecimento foi envolvimento de toda a equipe no
impulsionado pela cenografia de A processo de criação do espetáculo.
vida impressa em dólar7, de Clifford A ativa participação do cenógrafo
Odets, espetáculo dirigido por Paulo neste processo resultou em uma
Afonso Grisolli no Teatro Dulcina em concepção cenográfica que
outubro de 1965. Esse trabalho foi correspondeu ao caráter realista
investigado por ser um marco na do texto ao mesmo tempo em que
carreira do artista: foi a sua primeira inovou criando em cena uma
cenografia para uma produção imagem poética do local da ação.
profissional, a primeira experiência Na espacialidade deste
em um palco italiano e o início do espetáculo – a ação se dá no
processo de aprendizado sobre apartamento da família no Bronx,
cenotecnia. A cenografia chamou a em Nova York - Marcos Flaksman
atenção de público e crítica, colocou em prática um
revelando o cenógrafo que foi pensamento sobre cenografia que
contemplado com dois dos mais se tornaria característico de seus
importantes prêmios da categoria na projetos: o uso do ângulo reto – o
época: “Prêmio Molière de Melhor ângulo do espaço real – na
Cenografia” (Prêmio Air France de reprodução de ambientes internos.
Teatro) e “Revelação de Cenógrafo” O artista concebeu um cenário de
(Prêmio Jornal O Globo). gabinete que se diferenciou dos
Em A vida impressa em dólar gabinetes tradicionais pela
Clifford Odets coloca em cena, angulação das paredes
através do cotidiano de uma cenográficas e seu posicionamento
no palco, assim como pela
da UFRJ, entre 1962 e 1966, quando se inclusão de elementos estruturais
formou.
- vigas aparentes delimitando a
7
Tradução livre do título original Awake
and sing. parte superior das tapadeiras - e
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pela ausência de teto, o que de partida para uma concepção
permitiu que o público visualizasse cenográfica que colocou em cena,
outra inovação desta proposta: a além do interior do apartamento, o
cenografia de ambiente externo seu entorno.
criada nos bastidores do palco. Ryngaert (1996) define como
Cogniat (1964), ao tratar da espaço fora de cena, um espaço
transposição da realidade para o que a princípio não se destina à
palco através da cenografia, representação. Este espaço
defende que o teatro deve criar a intervém no enredo para
cenas que não tem lugar,
sua própria realidade. Para o autor, mas que são evocadas ou
os cenários não devem ser uma relatadas pelas personagens.
Estas começaram ali seus
reconstituição histórica, mas ter percursos (são então os
lugares de onde vêm) ou os
uma aparência de exatidão,
perseguirão por
fornecer uma imagem de uma intermitências (são os lugares
as quais se dirigem, aos quais
época ou de um lugar que seja planejam ir). Estes espaços
aceita no presente: “A realidade ausentes, mas literalmente
presentes “nos bastidores”
não é o essencial. O que importa é existem “fora do texto” assim
como existem “fora de cena”
dar a ilusão de uma certa realidade;
(RYNGAERT, 1996: 86).
é que o cenário desprenda uma
O autor cita como exemplo os
atmosfera conforme o espírito da
espaços fora de cena da
obra (...). A realidade de uma obra
dramaturgia clássica, muitas vezes
é sempre uma transposição”
descritos com precisão pela fala,
(COGNIAT, 1964: 100).
mas sem representação espacial na
O texto de Clifford Odets
cena. Em Awake and sing, Clifford
solicita, como lugar da ação, o
Odets localiza uma cena trágica no
interior de um apartamento com
terraço do prédio onde reside a
várias indicações, localizado numa
família. Esse acontecimento no
região específica de uma cidade
terraço, espaço fora de cena
específica, e em uma época
evocado pelas falas dos
determinada. Flaksman considerou
personagens, legitima a necessidade
a imagem das “escadas de
da trama se passar em um prédio de
incêndio” dos prédios nova-
apartamentos e não em uma casa
iorquinos suficiente para remeter,
térrea, e possivelmente contribuiu
ou dar a ilusão do lugar da ação.
para a criação, pelo cenógrafo, de
Essa referência visual foi o ponto
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uma imagem do exterior do edifício. das relações da família
A referência visual da qual Flaksman protagonista. Jean-Pierre Ryngaert
partiu para conceber a cenografia e identificou essa possibilidade de
a ideia de mostrar também o percurso criativo ao afirmar que “o
entorno do prédio foi potencializada universo espacial de um texto se
pelas características do palco do define tanto por oposição a tudo o
Teatro Dulcina: de tipologia italiana, que ele não é como por tudo o que
o palco, além da verticalidade, ele é” (RYNGAERT, 1996: 87).
contém varandas e passarelas que Em 1967, Flaksman realizou a
se apropriavam à sua proposta.
cenografia da primeira montagem
A concepção de Marcos
carioca de Dois perdidos numa noite
incorporou à cenografia a estrutura
suja, de Plínio Marcos, dirigido por
existente nos bastidores do palco,
Fauzi Arap e Nelson Xavier no Teatro
inserindo na mesma, elementos
Nacional de Comédia. O espetáculo
cenográficos como escadas de
foi investigado por sua importância
incêndio, varais de roupas e letreiros
histórica - a montagem revelou o
luminosos que identificavam um
dramaturgo Plínio Marcos (1935-
espaço exterior. Esse espaço
1999) e a peça se tornou um
“externo” ao apartamento, embora
clássico do teatro nacional - e por
presente desde o início do
apresentar uma concepção cênica
espetáculo, só era revelado na cena
que confirma a teoria espacial de
final, através da iluminação. Assim,
Flaksman sobre o uso privilegiado do
a cenografia de A vida impressa em
ângulo reto em cena, experimentada
dólar contou com a representação
pela primeira vez, por ele, em A vida
de um local interior – o cenário de
impressa em dólar.
gabinete com os cômodos sugeridos
Dividida em dois atos, a peça
no texto – e um local exterior – o
apresenta a relação tensa entre
entorno do prédio de apartamentos.
dois personagens à margem da
Flaksman relatou8 que a ideia
sociedade que atuam em um
de mostrar o mundo exterior surgiu
cenário único, um quarto simples
também para confrontar o clima
de pensão. Para essa cenografia, o
claustrofóbico existente em torno
artista utilizou diferentes texturas
8
em uma ambientação figurativa, ao
Em depoimento à autora, em
08/05/2018.
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mesmo tempo em que recusou o canteiro de obra, espaço
tradicional cenário de gabinete, intermediário entre o caos e a
estabelecendo um jogo de edificação futura, esconde os
correspondências entre o espaço moradores clandestinos, num estado
indicado nas rubricas do texto e o de suspensão entre a ruína e a
espaço proposto para ação. renovação.
Pavis (2003:43) catalogou a Essa adaptação permitiu que
“ilustração” e a “figuração” como o artista empregasse materiais e
funções dramatúrgicas da texturas distintos, agregando uma
cenografia. De acordo com ele, o maior plasticidade à cenografia. O
cenógrafo, ao eleger objetos e cenário foi estruturado por apenas
lugares sugeridos pelo texto - duas paredes unidas em uma
ilustração e figuração de elementos angulação de 90°. Marcos repetiu a
que se supõem existentes no sua “teoria do ângulo reto”, ideia
universo dramático - atualiza este que beneficia o ângulo real em
quadro ou dá a ilusão de mostrá-lo cena, centralizando no palco a
mimeticamente. Esta figuração é quina das duas paredes existentes,
sempre uma estilização e uma de forma que nenhuma delas
escolha pertinente de signos, porém ficasse paralela à linha da boca de
varia de uma abordagem naturalista cena, com a intenção de romper
até uma simples evocação mediante com o formato e posicionamento
alguns traços pertinentes de um tradicionalmente utilizado para
elemento do espaço. cenários de gabinete, oferecendo
Ao realizar a leitura do texto, um outro ângulo de visibilidade
Flaksman teve a ideia de transpor o para o espectador.
local da ação, indicado como um A concepção espacial, os
quarto de hospedagem, para um materiais utilizados, a pintura de
local improvisado em uma edificação arte e os objetos que compuseram
em construção. Esta concepção a cena colaboraram para a
espacial dá a entender que os realização de uma cenografia
personagens teriam se apropriado realista. A pintura de arte indicou a
daquele local e construído um umidade da parede, os tijolos reais
tabique para fechar uma aresta. O utilizados denunciaram o estado
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inacabado da obra, e a divisória de invisibilidade dos indivíduos
tapumes, com dizeres pichados excluídos ou à margem da
desencontrados, colaborou para o sociedade, funcionando como uma
entendimento da proposta de metáfora da situação dos
apropriação daquele lugar pelos personagens. O cuidadoso trabalho
personagens. de criação cenográfica se integrou
Flaksman quis que a cenografia à proposta da encenação,
fizesse alusão à época em que foi materializando um espaço que
9
realizada . Uma das paredes, favoreceu a força dramática do
construída com ripas de madeira, texto pungente de Plínio Marcos.
funcionou como um muro que Três anos após este
continha referências aos espetáculo, Flaksman alcançou
personagens e ao período. O maturidade estética e técnica como
cenógrafo inseriu fotografias de artista cênico na cenografia de Os
mulheres seminuas – elementos convalescentes, de José Vicente
sugeridos numa rubrica – ao lado de (1945-2007), dirigida por Gilda
cartazes rasgados e inelegíveis, e Grillo. O texto, escrito em 1969,
das palavras “abaix” e “ura”, uma coloca em discussão o papel
decomposição da frase “abaixo a político dos intelectuais e da classe
ditadura” que foi pintada nas tábuas. média frente aos regimes
Justificando que a frase estaria totalitários. O tema refletiu um
pichada num tapume de rua, cujas assunto em voga naquele
tábuas teriam sido reutilizadas pelos momento: uma avaliação sobre as
personagens para a construção do formas de luta das organizações
tabique, Flaksman desordenou as opositoras ao regime militar estava
palavras, levando sorrateiramente à na pauta da militância brasileira,
cena o grito dos opositores ao que precisava encontrar novas e
Regime Militar. eficientes estratégias de ação
A ideia de situar o espaço da frente ao recém-promulgado AI-5,
ação em um “quarto clandestino” em dezembro de 1968. A peça Os
improvisado em uma edificação convalescentes estreou na arena
inconclusa, reforçou a imagem de do Teatro Opinião em 1970,
9
marcando a temporada teatral
Segundo depoimento à autora em
20/03/2018.
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daquele ano. Em 1972, o limites abrigaram os sentimentos de
espetáculo foi remontado com a frustração, desespero e falta de
cenografia original em Paris, por perspectivas que moviam a
Gilda Grillo e Norma Bengell, com o encenação. À luz de Ubersfeld
apoio de Simone de Beauvoir. (2005), podemos afirmar que este
A ação de Os convalescentes espaço - lugar cênico - possui uma
se passa em uma cidade da relação icônica com o texto
América Latina, a fictícia San dramatúrgico e com o universo
Vicente, no ano de 1961. Segundo histórico em que está inserido. O
a rubrica de José Vicente, as cenas caráter opressivo do texto de José
se dão nas ruas da cidade e no Vicente refletiu a realidade sofrida
interior de um apartamento de um por muitos brasileiros em diversas
casal de classe média. áreas - cultural, social, política - no
De acordo com Ubersfeld período histórico em que foi escrito.
(2005: 93) o lugar cênico “deve ser
A cenografia consistiu em um
entendido como o espelho ao
hexaedro estruturado em madeira,
mesmo tempo das indicações
sem base inferior ou superior, com
textuais e de uma imagem
as faces revestidas de tela
codificada”. Marcos Flaksman
metálica, que possibilitaram a
concebeu a cenografia de Os
visibilidade do seu interior. Os
convalescentes a partir das
locais indicados pelas rubricas - o
didascálias e do sentimento
apartamento e a rua - foram
provocado pela leitura do texto,
traduzidos espacialmente pelo
influenciado pelo momento
dispositivo cênico que poderia ser
histórico. Estes fatores incitaram o
“fechado” ou “aberto”, conforme a
cenógrafo à criação de uma
posição de suas faces, abarcando,
cenografia composta por um único
na sua própria forma e na sua
elemento, que continha em si
implantação no espaço cênico, os
mesmo a imagem de uma cela: um
conceitos de interior (espaço
cubo modulado que gradualmente
fechado) e exterior (espaço
vai se fechando e aprisionando as
aberto). A estrutura vazada se
personagens em seu interior. Um
adequava ao espaço em arena do
espaço de confinamento, cujos
Teatro Opinião, que por sua
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tipologia solicitava a instauração de cerceamento da atividade
uma cenografia que permitisse ao intelectual no país.
público a visibilidade por três lados.
A quarta cenografia de Marcos
O cenário geométrico Flaksman que analisamos em
funcional de Os convalescentes, de profundidade foi a concebida para
estética evidentemente Rasga Coração, de Oduvaldo Vianna
construtivista, reflete o interesse Filho, dirigido por José Renato. A
do artista pelas teorias daquele peça de 1974, última escrita por
movimento. O espaço criado por Vianninha, premiada pelo Serviço
Flaksman propôs uma linguagem Nacional de Teatro e censurada por
para a encenação, apoiou as cinco anos, é reconhecida como
performances dos atores e uma das obras primas do teatro
contribuiu para a força dramática brasileiro. Usando como foco o
do espetáculo, compondo imagens conflito de gerações entre pai e
sugestivas que remetiam tanto ao filho, o dramaturgo colocou em
enclausuramento psicológico das questão as lutas políticas a partir do
personagens como aos becos olhar das esquerdas, apresentando
devastados de uma cidade como pano de fundo um
assolada pela violência. abrangente panorama histórico do
A tensão existente no texto se Brasil que se inicia nas primeiras
refletiu na opressão imposta pelos décadas do século XX segue até o
limites telados do cubo, cuja forma ano de 1970.
quando fechado remetia à uma Para Betti (2013:209) Rasga
jaula. A imagem poética criada Coração é o trabalho estética e
pelo dispositivo cênico reforçou a politicamente mais significativo
desilusão das personagens, entre as obras criadas nos anos de
confinadas na sua casa-prisão. A chumbo. A autora também
cenografia de Os convalescentes identificou, na obra, um avanço na
simbolicamente reflete o texto dramaturgia épica nacional.
visceral de José Vicente e pode A estrutura épica de Rasga
espelhar também o momento Coração expõe, simultaneamente,
histórico do Brasil pós 1968, com a cenas do tempo passado e do
falta de perspectivas em relação ao tempo presente, datado de 1972.
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Além da presença do coro apartamento10 da família do
(soldados, integralistas, personagem principal, Custódio
estudantes), que comenta as cenas Manhães Júnior, e a ação indicativa
através de canções, representação do tempo passado - que abrange
e dança, o dramaturgo indicou a tanto referências a fatos históricos
utilização de recursos épicos, como como memórias de situações
a projeção de imagens de vividas por Custódio e por seu pai –
momentos históricos e de cenas da é solucionada através de iluminação
própria peça e a inserção, no texto, cênica. Segundo Flaksman,
de frases históricas de Vianninha sugeriu que a peça
personalidades políticas. tivesse um núcleo realista para as
Flaksman trabalhou durante cenas do presente e as cenas do
cinco meses na concepção da passado poderiam girar em torno
espacialidade de Rasga Coração: o desse local11. Essa indicação foi
texto exigiu uma cenografia considerada pelo cenógrafo no
elaborada, que localizasse o plano momento de solucionar a
do presente (realidade) e indicasse espacialidade da trama:
o plano do passado (memória), Rasga Coração é uma peça
com estrutura de carpintaria
permitindo a representação de teatral muito específica. As
cenas simultâneas e oferecendo ações dramáticas se dão
simultaneamente em diversas
suporte à atuação e a circulação de épocas e se diferenciam em
termos de tipo de imagem.
um numeroso elenco. A leitura da [...] Vianninha tinha toda a
vasta e meticulosa pesquisa razão quando falava da
necessidade de um núcleo,
realizada por Vianninha para a um local gerador de imagens.
Os universos da memória e
escrita do texto, indicou ao da alucinação deveriam
cenógrafo uma atmosfera dos orbitar em torno dele, como
elétrons em torno do átomo
períodos históricos abordados na (FLAKSMAN, Jornal do Brasil,
22/10/1979).
peça, contribuindo para o processo
de concepção da cenografia.
Nas rubricas do autor, a ação 10
Com exceção de uma cena na “casa de
Milena” (a reunião dos estudantes) e de
do tempo presente, se dá no cenas na “sala do diretor da escola”, estas
simultâneas à cenas no apartamento.
11
Fonte: Jornal do Brasil-RJ. Título: Marcos
Flaksman. Um imenso coração que pulsa.
Autor: Maria Lúcia Rangel. Data:
22/10/1979.
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Em um estudo do percurso continha um espaço central
dos elétrons em torno do núcleo do quadrado, interligado por
átomo, o artista visualizou o escadarias a sete praticáveis de
desenho de um coração que quatro alturas diferentes, que,
acabou por definir uma sugestão dispostos simetricamente,
deste no próprio formato da formavam, também na planta
cenografia, a partir da junção das baixa, o desenho de um coração
duas escadas centrais. estilizado. Na frente do praticável
central, duas escadas acessavam o
A espacialidade de Rasga
porão através de vãos abertos no
Coração foi concebida a partir da
proscênio, e um piso vazado de
ideia da estrutura do átomo:
sarrafos substituiu parte do piso do
Flaksman projetou o apartamento
palco. Ao fundo da cena, cinco
da família - local gerador da ação
telas verticais, com base triangular,
no tempo presente - em uma
complementavam a composição.
posição central, como um núcleo, e
O quadrado central,
os locais onde se desenvolvem as
implantado com dois vértices sobre
ações do plano do passado foram
a linha que divide o palco na sua
ambientados em praticáveis de
largura, continha um fragmento de
níveis distintos em torno deste
apartamento. Os demais espaços
local central, como elétrons em
eram utilizados para as cenas do
órbita ao redor do núcleo do
tempo passado ou para ambientar
átomo, tendo como ponto mais alto
locais do tempo presente. No texto
do percurso os praticáveis ao fundo
de Vianninha, as cenas do passado,
e como ponto mais baixo o próprio
na sua maioria, se dão em
porão do teatro, de onde era
simultaneidade com as cenas do
possível acessar a cena através de
presente. A diferenciação dos níveis
escadas projetadas para este fim.
do cenário e do próprio piso foi
Essa concepção exigiu que esta
concebida para diferenciar o plano
produção fosse sempre encenada
“real” do plano das memórias.
em palcos com porão.
A visualidade da cena foi
Desenvolvendo esta ideia,
complementada com projeções de
Marcos projetou uma cenografia
imagens poéticas realizadas nas
toda estruturada em madeira, que
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telas brancas suspensas no fundo Estas quatro cenografias
do palco. realizadas por Marcos Flaksman
A cenografia de Rasga entre 1965 e 1979 apresentam
Coração possui características procedimentos inovadores
construtivistas (construção apoiada característicos da obra do artista,
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Mesa Redonda
PEDAGOGIAS E PRÁTICAS TEATRAIS
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1
Por outro lado, o problema da
Professor Titular da Escola de Teatro da
Universidade Federal do Estado do Rio de população que chega a esses
Janeiro – UNIRIO. Atua como Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Artes territórios de desenraizamento é o
Cênicas (Mestrado e Doutorado) da
UNIRIO. acesso a serviços básicos,
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especialmente o acesso à pedagogia teatral focada na
educação. Considerando que a experiência e no jogo, que permite
educação não é apenas um direito melhorar a qualidade da educação
fundamental, mas também um em territórios vulneráveis.
serviço público, que tem sido
Com base nessas
violado pelas entidades
possibilidades, deve-se entender
responsáveis, embora existam
que a educação e a arquitetura são
programas de educação pública
elementos complementares quando
gratuita, não são suficientes para
se trata de montar um cenário
superar esse problema.
acadêmico, que deve aprofundar as
Para compreender os efeitos questões que aproximam a
positivos produzidos pela discussão de pesquisas como a
implementação de um espaço melhoria da qualidade da educação
educacional nas periferias da através do espaço público e a
cidade, é necessário conhecer de compreensão do espaço
forma estruturada quais têm sido arquitetônico da escola em um
os principais paradigmas campo de experimentação e jogo.
pedagógicos impostos no Brasil e
O edifício escolar, como obra
como o espaço escolar foi sofrendo
singular, deve conter uma imagem
transformações. Parte-se da idéia
de abertura para a cidade e não de
de que os espaços escolares têm
negação; deve expressar uma
sido um elemento básico na
ideologia de inclusão e não de
construção social e territorial, o ser
exclusão, e os professores
humano só pode ser entendido nas
contemporâneos devem conhecer
suas relações interpessoais.
as novas formas de ensino, para
Assim, esta comunicação tem que cumpram sua tarefa de
como objetivo compreender o maneira coerente com as diretrizes
espaço educacional a partir da teóricas.
questão de como um cenário
As considerações anteriores
diferente para a sala de aula pode
justificam o desenvolvimento da
ser um motor de transformação
presente reflexão que nos
social, refletindo sobre uma
permitem pensar as relações entre
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a arquitetura e as diferentes entre arquitetura e educação com
formas de ensinar um grupo da seus respectivos componentes
população urbana, reinterpretando técnicos, métodos de ensino e
os elementos da arquitetura do aprendizagem.
lugar e de sua cultura, evitando
No início do século XXI, as
assim os limites dos aspectos
principais tendências pedagógicas
físicos e mentais dos espaços
implementadas na educação
educativos e culturais, de modo a
brasileira estavam focadas no
contribuir para a discussão sobre o
desenvolvimento tecnológico e não
espaço urbano como cenário de
no aprendizado dialógico. O papel
aprendizagem.
do estudante continua ativo e o
No Rio de Janeiro, os espaços professor ocupa o papel de
educativos foram influenciados mediador. Assim, de forma ativa e
pelas linguagens arquitetônicas interestruturada entre discente,
européias, como os estilos saber e professor, o conhecimento
românico, gótico, neogótico e suas é construído pelo sujeito a partir de
derivações, como é o caso dos um discurso pedagógico mediador.
edifícios religiosos, que chegaram à
Em relação às correntes
cidade durante o século XVII.
pedagógicas, considera-se o
As tendências pedagógicas na processo de ensino-aprendizagem
Colônia e na República eram de acordo com os sistemas
sistemas responsáveis por educar a educacionais vigentes a cada
classe alta; os ensinamentos eram momento de sua história, de modo
realizados por várias fundações a gerar respostas diversas no
religiosas da capital, como a campo arquitetônico.
jesuíta, a agostiniana, a
A perspectiva construtivista
dominicana e a beneditina;
de educação tem como foco fazer
algumas dessas instituições
com que o estudante possa pensar
funcionavam como escolas ou
o seu mundo de forma
seminários visando principalmente
independente e significativa; desta
a educação religiosa; dessa forma
forma o contexto social e sua
vai se estabelecendo a relação
relação permanente com ele é a
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base do processo de ensino- garantem a obediência dos
aprendizagem; assim sendo, a sala estudantes.
de aula ou o espaço escolar
Este espaço fechado, aparado
construído devem ter significado
e vigiado em todos os seus pontos
para a vida do estudante.
nos quais os estudantes estão
Esta pedagogia foi inseridos em um lugar fixo,
desenvolvida a partir dos estudos passíveis de serem facilmente
de Piaget (1980, 1999) e Vygotsky controlados nos menores
(1989, 2010). Para eles o movimentos, permite que o poder
conhecimento é dado pela relação seja exercido inteiramente de
entre o contexto real e a acordo com uma figura hierárquica,
aprendizagem que se desenvolve a em que cada estudante é
partir do estudante. Piaget sugere constantemente localizado,
que o desenvolvimento cognitivo examinado e distribuído.
constitui um processo de
Assim, a disciplina e o espaço
aprendizado interativo entre o
pedagógico, cumprem a função de
ambiente e as condições genéticas.
contenção, que visa gerar a
Vygotsky, por outro lado, postula
máxima produção e performance
que o desenvolvimento cognitivo
produzida nos espaços; por isso, é
requer a atenção do adulto que
necessário repensar o modelo de
possui experiência avançada.
como as salas de aula e os
Atualmente, os espaços ambientes escolares são
educativos caracterizam-se por construídos em torno de diferentes
serem espaços fechados, aludindo práticas pedagógicas voltadas ao
ao controle como meio pedagógico, lúdico e à experimentação. Da
pois por meio da disciplina, os mesma forma é necessário
espaços são individualizados; esses repensar o espaço escolar como
espaços permitem estabelecer espaços sustentáveis, resilientes e
relações hierárquicas na qual a flexíveis, a fim de compreender a
disciplina é responsável pela noção de espaço público como
vigilância de todos, marcando cenário de novas práticas
lugares que indicam valores e educativas.
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Assim, a arquitetura é a princípio busca a reconceituação do
manifestação física de pensamentos espaço público, em torno do ensino
e ideais que ocorrem de artes entendendo que o
sistematicamente em um dado aprendizado é a maneira pela qual
momento e contexto; um reflexo adquirimos habilidades, pois são as
disso são os espaços escolares que interações sociais que compõem o
se formaram de acordo com as espaço, não são apenas o produto
pedagogias desenvolvidas em cada da relação entre forma e vazio. Aqui
um deles; desta forma, a há o entendimento da concepção de
arquitetura escolar existente lugar através de processos abertos,
atualmente é contrastada com os flexíveis e adaptáveis para a
paradigmas pedagógicos atuais, construção de comunidades de
uma vez que estes são geralmente acordo com uma sociedade e uma
dinâmicos. economia em constante mudança
na paisagem urbana heterotópica
Assim como esta comunicação
(FOUCAULT, 2013).
nos permitem perceber a relação
entre arquitetura, pedagogia e Os “territórios dos outros”, as
escola, a relação entre o espaço heterotopias, foram inicialmente
público e a educação deve ser definidas por Foucault na década de
conhecida, abrindo a discussão de 1960 como sendo espaços
como o espaço público pode ser um delineados pela própria sociedade e
cenário de ensino a partir do qual que são uma espécie de contra-
convergem diferentes formas de espaços; uma espécie de utopias
interações sociais, culturais e de efetivamente verificadas onde todos
aprendizagem, sendo a educação o os outros espaços reais que podem
principal dispositivo de construção e ser encontrados dentro de uma
transformação social. cultura são ao mesmo tempo
representados, desafiados ou
A presente reflexão é
revertidos.
formulada a partir do princípio do
espaço público como cenário da A partir das primeiras
pedagogia baseada na experiência intuições do filósofo francês, a
sensível e no ensino do teatro. Este heterotopia foi estendida para se
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tornar o espaço paradigmático do físico para se desenvolver, já que
mundo moderno, tornando-se até são intangíveis. Na verdade, se há
mesmo uma condição de todo o algum lugar onde os mundos são
espaço, já que o espaço é justapostos é na Internet, porque
construído como uma esfera de nela não há discriminação ou
justaposição ou coexistência de categoria, há apenas a vontade de
diferentes narrativas, como o fluir do sujeito quando confrontado
produto de relações sociais com sua própria escolha.
dinâmicas. Os lugares são
Portanto, poderíamos pensar
imaginados como articulações
que a marcação espacial da
concretas dessas relações sociais.
diferença implicada pela heterotopia
O lugar é um ponto de encontro
é, como todas as diferenças,
híbrido, poroso e aberto.
sempre "para" algum grupo,
Quando Foucault aplicou o sempre em "relação a", em vez de
conceito ao território - inspirado por ser "em si", o que é a idéia que
um texto de Borges no qual Foucault inicialmente parece ter.
categorias lógicas semanticamente
Para Foucault, todas as
inconsistentes faziam parte da
heterotopias são construídas pelas
mesma classificação alfabética,
sociedades, são "conscientemente",
ocorreu-lhe que uma heterotopia
parte delas, para que possam ser
seria um lugar real em que justapõe
consideradas como homogêneas e
espaços incompatíveis que,
coesas. Os mecanismos de
aparentemente, só poderiam estar
construção da alteridade são
juntos na literatura. Para ele, o
artefatos puramente culturais, que
impossível não é o bairro das
nos falam da história das inter-
coisas, constitui o lugar onde eles
relações entre diferentes grupos de
poderiam ser vizinhos.
pessoas relevantes para uma
E isso também é bastante cultura. E as práticas de interação
complicado quando falamos sobre o entre esses grupos que são
conceito de espaços virtuais, já que reconhecidas como diferentes
estes são uma janela aberta para também variam.
lugares que não possuem espaço
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Portanto, as heterotopias, que que impede a visão de lugares
por definição estão "fora" da vida intersticiais (terras de ninguém) e
social "comum", estão fronteiras que são tão importantes
necessariamente "dentro da" vida para entender a dinâmica social.
"comum", já que é uma condição da Em sintese, a oposição social e
vida cotidiana viajar espacial centro-periferia se
constantemente entre os diferentes cristaliza.
mundos dos outros, alguns outros
Em geral, embora o conceito
que compartilham ou não as
seja problemático, tem sido
mesmas regras de ação aplicadas a
proveitoso para a reflexão,
si mesmo.
especialmente no que se refere ao
As heterotopias nos revelam espaço urbano e de suas relações
no "aqui" e no "agora" a com a experiência sensível e
extraordinária finitude da dramática como constitutiva da
globalização. Do ponto de vista do formação subjetiva.
caleidoscópio dos outros, qualquer
A arte é constituída como a
sociedade e, portanto, qualquer
linguagem fundamental do ser
lugar que ocupa, só pode ser
humano, dada a expressão da vida
pensado a partir da fragmentação,
intrapsíquica que se torna possível
já que o que chamamos de
através dela. Desde o nascimento
"sociedade" é fundamentalmente
do signo, fundamento da linguagem
uma construção intelectual cujos
e, conseqüentemente, da arte está
limites são ambíguos e eles
presente na interação social;
dependem da ideologia que é
linguagem e socialização, arte e
aplicada e do seu grupo de
socialização se combinam em todos
referência, que impede você de ver
as pessoas.
o que não está acostumado a ver.
A arte é concebida como uma
Foucault lê o espaço, do ponto
atividade que requer aprendizagem
de vista estruturalista, de forma
e pode ser limitada a uma
gramatical, isto é, como se
habilidade técnica simples ou ser
realmente tivesse lugares
estendida a ponto de abranger a
impermeáveis que se opusessem, o
expressão de uma visão de mundo
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particular, uma visão que obedece à afastar a arte da análise individual.
interação sociocultural à qual cada Se a arte é concebida como uma
pessoa está exposta. Num sentido experiência individual em que
mais amplo, o conceito refere-se apenas os processos psicológicos de
tanto à capacidade técnica como ao uma pessoa são considerados, e
talento criativo num contexto ainda mais, buscando interpretar a
artístico específico, seja musical, simbologia nela utilizada, torna-se
literário, visual, cênico. Na arte inevitável cair em subjetivismos
observa-se que a experiência pode sem importância.
ser estética, emocional, intelectual
Deduzir da arte a psicologia do
ou a combinação de todas elas.
artista ou de seu público é
Vigotsky (1990) foi pioneiro na irrelevante, pois é a partir da
necessidade de analisar a arte a semiótica que o trabalho se
partir de uma perspectiva integral, manifesta, o que torna a aplicação
entendendo-a como uma da atividade psicológica à arte um
ferramenta para a expressão processo social. Assim, Vigotsky
emocional e socialização. Vigotsky parte do pressuposto de que a obra
está objetivamente interessado na de arte é especial e
obra de arte existente, premeditadamente um sistema
independente de seu criador. organizado, calculado para provocar
Primeiro de tudo, ele busca a uma certa emoção, um aspecto que
possibilidade de pesquisa objetiva merece atenção. São, portanto, a
da obra de arte. O próprio Vigotsky arte e a própria obra de arte,
afirma que a idéia central da destinadas a despertar emoções no
psicologia da arte (e não da arte e indivíduo, visando comunicar a
da psicologia) é o reconhecimento riqueza que cada pessoa possui e
da superação do material através gerando uma relação do indivíduo
da forma artística, ou a arte como com os outros.
um manifestação social do
De acordo com os
sentimento e da emoção.
pressupostos acima, segue-se que é
A objetividade buscada por na arte que cada indivíduo
Vigotsky na arte consiste em transcende sua própria pessoa para
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se fundir com os outros. Já está em particular, isso não significa que
claro que o ser humano encontra suas raízes e essências sejam
seu significado nos outros, o individuais. É ingênuo entender
significado então, da manifestação como social apenas o coletivo,
artística é participar com o outro as como a existência de um grande
emoções mais profundas e provocá- número de pessoas. O social
las nele. também é onde há apenas uma
pessoa com seus sofrimentos
Sem querer reduzir as
pessoais. E é por isso que a arte,
características da arte e simplificá-
quando faz uma catarse e incorpora
la, esta é simplesmente a
um fogo purificador dos choques
expressão mais pura das emoções;
mais íntimos e mais importantes do
é estético deixar de lado a
espírito, constitui uma ação social.
dimensão ética porque trata-se de
O surgimento de sentimentos
experiências puramente humanas
externos a nós se realiza através da
que, por existirem, devem ser
força do sentimento social, que por
vivenciadas e transmitidas pela arte
sua vez é objetivado, materializado
sem serem submetidas ao juízo do
e fortalecido nos objetos externos
bem ou do mal. A arte é também
da arte, que se tornaram artefatos
socialização porque é o dispositivo
da sociedade.
que permite estar no outro, estar
no outro equivale, através da arte a A característica
realizar a experiência de emoção intrinsecamente social da arte por
manifestada em outro indivíduo, constituir-se num universo de
esse processo é possível porque é a relações, deixa clara a expressão
arte a ponte para chegar ao outro; estética das emoções. Embora em
uma experiência cultural de quem menor medida o julgamento que é
comunica e que é sempre possível fazer através das emoções,
compartilhado por todas as pessoas é o aspecto ético que é relevante,
pelo simples fato de serem sujeitos desde que não julgue os elementos
sociais. da arte em si, mas sim a emissão
de um julgamento das ações da
A arte é social e, embora sua
sociedade, sendo a arte um reflexo
ação seja realizada em uma pessoa
dessa interação. Este ponto levanta
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a seguinte questão: é relevante processo particular de
julgar o indivíduo e a sociedade a internalização, individual,
partir da linguagem emocional intrapsíquico, foi proposto pela
depositada na arte? Sim, porque da primeira vez na análise objetiva das
arte se comunica com a obras de arte, através da
necessidade de responder a essa clarificação da natureza social das
consciência social, não é só julgar a emoções humanas.
sociedade e o indivíduo porque se
A arte é então a exteriorização
perderia a objetividade do processo
da experiência maravilhosa que foi
artístico; é em si um chamado ao
gerada no processo de socialização,
sujeito para acordar, pensar e
é a retribuição feita a essa
fundamentalmente sentir o ritmo
sociedade, é o grito que clama da
dessa sociedade para que o sujeito
linguagem comum que é
seja responsável e agindo de
compartilhada, não simplesmente
acordo com o núcleo social ao qual
uma linguagem criptografada em
está integrado.
signos, mas uma linguagem
Obras de arte são os artefatos universal como sorrir ou chorar. É a
sociais através dos quais a expressão da liberdade e é a
transformação das emoções ocorre capacidade de voar e transcender.
e sua conversão é uma esfera
Em suma, a pedagogia do
particular da vida individual do
teatro aqui se constitui num
homem; essa esfera é tão
compromisso de experiência
importante que os processos mais
sensível que busca contribuir para a
profundos são incorporados a ela.
construção de uma sociedade mais
Desse modo, verifica-se que a lei
justa em que a coexistência da
fundamental formulada por
diversidade é a base para as
Vigotsky (1990) sobre a formação
relações sociais e interculturais de
dos processos psíquicos superiores
colaboração, a fim de gerar a
do homem, isto é a lei segundo a
síntese do conhecimento capaz de
qual qualquer função superior
enfrentar as problemáticas das
propriamente humana existe
contradições socioeconômicas
primariamente na forma externa e
instauradas no espaço da cidade.
interpsíquica e só depois, no
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Referências bibliográficas
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Mesa Redonda
HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA
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Entretanto, como busco presença física dos agentes deste
desenvolver aqui, algumas questões passado.3
que há algumas décadas ganham
Dou destaque, entretanto, a
força no campo historiográfico
outra tradição nesta reflexão: a
podem alterar significativamente o
história intelectual. A partir dela,
estatuto dos estudos das atuações
busco destacar algumas
teatrais do passado: de um campo
perspectivas que sustentam a tese
do saber frágil, voltado para a uma
aqui defendida. Já Lucien Febvre, ao
arte fugidia, este pode ser visto, já
tratar deste campo, criticava o que
há um tempo, como um espaço de
ele nomeou de uma “história das
discussão fértil para novos
ideias desencarnadas”. Tal
problemas e abordagens que vêm
expressão, consagrada ao longo do
mobilizando a comunidade dos
século XX como um tipo de antídoto
historiadores.
contra as narrativas canônicas que
Contextos e corpos pensam as ideias numa evolução
espiritual e desligada de qualquer
Já nos anos 1970, no bojo dos
traço de historicidade e de relação
tantos discursos e esforços em favor
com o mundo social, certamente
da renovação da disciplina histórica,
ajuda-nos a entender as propostas
de novas “abordagens, problemas e
da chamada Escola de Cambridge,
objetos”, a ideia de uma história do
que nos anos 1970 lançou estudos
corpo ganhou força e gerou
relevantes para a área. Quentin
resultados relevantes, como as
Skinner e John Poccock, lideranças
pesquisas de Jacques Le Goff (2006)
deste movimento, partiam
sobre o corpo da Idade Média2.
justamente da crítica ao caráter
Michel Foucault, atuando de maneira
fortemente anacrônico de uma
particular neste ambiente, traz uma
história das ideias tradicionais e
série de possibilidades
propunham a análise, para a
incontornáveis para o historiador
interpretação das ideias do passado,
que, ao se voltar para passado, quer
de seu “contexto linguístico”.
poder levar em conta o corpo e a
2 3
Além desta obra referida, publicada Dentre os tantos textos de Foucault que
somente nos anos 2000, cabe também buscam levar em conta a presença dos
destacar o esforço coletivo da publicação corpos da construção da cena histórica,
de uma “História do corpo”, já traduzida merecem destaque a História da
para o português. sexualidade I e Vigiar e punir.
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Ao tratar das perspectivas textos são produzidos a partir de
gerais deste “contextualismo modelos que não necessariamente
linguístico”, Marcelo Jasmin chama sobrevivem com eles, o que pode
a atenção para os vários tipos de gerar diferentes tipos de
significado que uma proposição anacronismos nas leituras
pode ter: o significado das palavras posteriores ao momento de sua
enunciadas na frase; o significado produção. Um exemplo contundente
da proposição para mim ou para a deste problema pode ser
comunidade contemporânea de encontrado num famoso artigo de
intérpretes à qual pertenço; e o José Murilo de Carvalho (2000)
significado da proposição como o tratando da retórica como chave de
ato de fala daquele que a proferiu. leitura para uma história das ideias
(JASMIN, 2005: 30-1) políticas no Brasil imperial. Segundo
Carvalho, a historiografia brasileira
Diversos seriam, então, os
teria, durante muito tempo, sido
contextos produtores de sentido
ingênua ao não dar a atenção
para as ideias do passado. No
suficiente para a formação retórica
trecho anterior, como se percebe,
dos homens de letras do Brasil
chama-se a atenção para três
oitocentista. Com isso, seus
deles. O primeiro deles, associado
discursos, seus textos e a própria
por Jasmin à história dos conceitos
imprensa nacional foram lidos sem
e a Reinhardt Koselleck, diz respeito
que se levasse em conta que estes
à semântica histórica, à relação
materiais eram produzidos a partir
entre significante e significado,
de formas de modelar textos muito
variável historicamente, o que
rígidas, conhecidos tanto por seus
desde o século XIX já chama a
autores como pela sua audiência. A
atenção dos historiadores e os
ausência desta importante chave
aproxima da filologia.
analítica fazia com que, por
O segundo diz respeito às exemplo, discursos muito virulentos
condições em que uma sentença é fossem associados mais à
interpretada por uma comunidade inexperiência política e a um
específica, o que também é variável possível ambiente social tenso do
de acordo determinantes históricos que a modelos argumentativos que
e sociais. Este contexto linguístico eram praticados, treinados e que
estaria centrado na noção de que os circulavam amplamente naqueles
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círculos. Estes modelos, inclusive, atos de fala, expressão que nos
ganham corpo em manuais de remete diretamente a uma
retórica que José Murilo de Carvalho tradição intelectual específica que
nomeia e analisa em seu artigo. tem em John Austin sua referência
Apropriando-se, então, de questões mais evidente. Se os significados
que ganharam força com a das ideias são determinados,
chamada “virada linguística”, o então, pela semântica histórica de
historiador chama a atenção para o seu vocabulário, pelos códigos
fato de que as formas discursivas linguísticos e argumentativos de
exerciam um papel determinante na determinadas comunidades, pelos
produção das ideias e no sentido seus suportes materiais, eles
que elas possuíam naquele também estão ligados, em uma
ambiente, formando um contexto outra camada, aos seus modos de
imprescindível para a análise enunciação, o que traz para esta
historiográfica. discussão a questão da presença
física dos agentes do passado.
Ficando ainda na questão dos
Leva-se em conta, aqui, uma
códigos de uma comunidade de
dimensão performativa da
leitores e produtores de ideias,
linguagem, onde as ideias são
poderiam ser destacados o quanto
sempre performadas e sempre
as condições materiais em que as
enunciadas por um corpo, sendo
ideias são inscritas e circulam
geradas a partir de uma presença
também atuam na produção do
física. A reflexão de José Murilo de
seu significado. Tendo a obra de
Carvalho sobre os debates de
Donald McKenzie como um norte
ideias no século XIX brasileiro
nesta discussão específica,
também repercute, ainda que de
podemos ficar com a noção de que
modo mais restrito, esta
os suportes materiais das ideias
perspectiva: os políticos e
lhes conferem estatutos
jornalistas que se confrontavam
específicos, criam modos de
naquele momento encontravam
leitura particulares e estabelecem
nos modelos retóricos um tipo de
relações distintas com os leitores.
uso do corpo e da voz que
Finalmente, o terceiro precisaria ser levado em conta
contexto linguístico citado por para o entendimento das querelas
Marcelo Jasmin está associado aos intelectuais performadas. Por esta
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perspectiva, corpo e linguagem aqueles escombros.” (LOPES, 2003:
não se separam de todo e a 9) Não por acaso, Lopes associa o
produção intelectual tem na fazer historiográfico à química e à
presença física uma dimensão que própria alquimia a partir destes
lhe dá sentido e lhe é inevitável. novos desafios. Redescobrir corpos,
reencontrar presenças, observar as
É curioso observar, neste
materialidades físicas que
percurso, como se parte de uma
compuseram as tramas do passado
tradição que via a história
passam a ser uma das mais
intelectual como uma sequência de
relevantes tarefas do historiador, o
ideias espirituais e chega-se a um
que estabelece uma nova agenda e
rigoroso exercício de historicização
uma nova forma de trabalho com
que tem como ponto de chegada a
aquele material tradicionalmente
presença física do falante. Numa
privilegiado pela disciplina: os
história ancorada durante muito
textos.
tempo nas abstrações filosóficas,
processa-se uma transformação da Textos e corpos
própria noção de filosofia, agora
A perspectiva sustentada por
não mais desligada dos contatos
uma historiografia contemporânea
físicos e da presença dos corpos.
de que os corpos dos homens e
Tal movimento revela-nos uma das
mulheres do passado e suas
explicações para o interesse do
performances ocupam um papel
historiador, evidenciado nas últimas
fundamental na produção do
décadas, pelos corpos do passado,
significado histórico fortalece-se
pela performance dos agentes.
quando se discute mais
Debatendo esta relação entre
especificamente a relação entre
performance e história, Antônio
corpos e textos. Esta relação
Herculano Lopes identifica um dos
mobilizou uma série de questões
grandes desafios do historiador
em torno da história leitura,
contemporâneo: “pensar a ideia de
campo que ganhou a atenção de
performance aplicada ao estudo da
diversos intelectuais nos últimos
história significa trazer de novo à
tempos. Wolfgang Iser e Umberto
vida o momento do crime, detonar
Eco constroem argumentos
a força bruta do momento vivido
determinantes para a perspectiva
que se encontrava sepulto sob
da história da leitura que aqui me
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interessa, uma vez que tratam o século XX, a possibilidade de se
ato da leitura como uma atividade pensar os textos não como
que necessariamente exige uma unidades que em si mesmas
postura ativa do leitor. Iser possuem sentido autônomo, mas
constrói toda uma fenomenologia sim em peças de um jogo que,
da leitura para romper com “a para funcionar, precisa da
impressão de que um texto, por perspicácia, da inventividade e até
assim dizer, imprime-se mesmo a subjetividade de um
automaticamente na consciência leitor. A leitura pode ser
de seus leitores” (ISER, 1996: 9), entendida, então, como um “ato
impressão esta que teria orientado de caça” do leitor, tal como propôs
uma longa tradição da disciplina Michel de Certeau em um texto
histórica. Criticando a imagem de decisivo a respeito deste tema.
uma “passividade própria do
Esta participação ativa e
consumo” (De CERTEAU, 1994:
criativa do leitor na atividade da
262), na expressão utilizada por
leitura, na sua relação com os
Michel de Certeau, os estudos
textos, avançando na
sobre o ato da leitura
argumentação dos autores aos
encaminham-se para outros
quais recorro, não deixa de
lugares, podendo perceber o texto
envolver o corpo do leitor. Mesmo
de uma forma muito distinta,
que tomemos em conta o
como uma espécie de “máquina
inevitável argumento de que, no
preguiçosa” (ECO, 1986: 11) que
mundo moderno, as práticas de
precisa sempre do leitor para que
leitura foram se tornando, muito
seu sentido seja construído e para
amplamente, atividades silenciosas
que este se efetive. Segundo
e individuais, tal como ressaltado
Umberto Eco, “todo texto quer que
por tantos estudiosos, como Roger
alguém o ajude a funcionar” (ECO,
Chartier (2002), é também
1986: 37), ou, ainda, todo texto
inevitável a percepção de que os
“deixa os próprios conteúdos em
textos são produzidos para
estado virtual, esperando-se que a
estabelecerem uma relação com
sua atualização definitiva se dê
seus leitores que é também física.
com o trabalho cooperativo do
Não por acaso os textos “liberam
leitor” (ECO, 1986: 12). Observa-
gestos desconhecidos, resmungos,
se, assim, nas últimas décadas do
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tics, exposições ou rotações, ruídos em volta, os barulhos do mundo e,
insólitos, enfim uma orquestração por cima, o céu de Paris que, no
selvagem do corpo” (CERTEAU, começo do inverno, sob as nuvens
1994: 271), como nos indica Michel de neve, se tornava violeta. Mais ou
de Certeau, apropriando-se da feliz menos tudo isso fazia parte da
expressão de Georges Perec. canção. Era a canção.” (ZUMTHOR,
2014:32). Partindo deste caso
Paul Zumthor torna ainda mais
pessoal, o autor vai adiante na
visível e radical esta relação entre
construção desta relação entre
textos e corpos em suas reflexões,
textos e sentidos, textos e corpos,
propondo “introduzir nos estudos
concluindo que, por esta
literários a consideração das
perspectiva, acaba-se negando a
percepções sensoriais, portanto, de
própria “existência da forma. Essa,
um corpo vivo” (ZUMTHOR,
com efeito, só existe na
2014:31). Ele parte de um exemplo
“performance”.(ZUMTHOR,2014:33)
muito atraente. Relata Zumthor, em
Performance, recepção, leitura, que, Em Paul Zumthor, desta
já na idade adulta, deparou-se com forma, encontramos uma
um papel volante de sua infância. radicalização da noção de que os
Tratava-se de um texto que, textos não se separam de todo dos
originalmente, era vendido por corpos. E não se trata aqui apenas
cantores de rua às crianças que do corpo do leitor, tal como as
esperavam o transporte para escola. diferentes visadas sobre a leitura
Nestas circunstâncias, enquanto já destacavam. Zumthor propõe
aguardavam o transporte, os que um texto guarda algum
estudantes seguiam o texto vestígio da presença física do
acompanhando a ária tocada e próprio autor, fazendo com que
jogavam entre si. Tudo compunha a este encontro entre leitor e texto
canção e o texto que o autor, já seja, em alguma medida, um
mais velho, conseguiu ter em mãos. encontro entre dois corpos, uma
Reflete ele, então, sobre a pobreza relação em que a presença física
deste vestígio do passado sem as não está de todo afastada.
condições gerais que lhe davam
Na leitura, essa presença é,
sentido, que faziam ele funcionar,
por assim dizer, colocada entre
sem “o riso das meninas, [...]a rua
parênteses; mas subsiste uma
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presença invisível, que é fina, sutil, sofisticada e que ainda
manifestação de um outro, muito está por se estruturar.
forte para que minha adesão a essa
O historiador na presença dos
voz, a mim assim dirigida por
corpos do passado
intermédio do escrito, comprometa
As perspectivas aqui
o conjunto de minhas energias
apresentadas, destacadas dentre
corporais. Entre o consumo, se
tantas possíveis que podem ser
posso empregar essa palavra, de
discutidas em outros espaços,
um texto poético escrito e de um
possuem um forte potencial, como
texto transmitido oralmente, a
se percebe, para alterar o estatuto
diferença só reside na intensidade
que uma história dos atores possui
da presença. (ZUMTHOR, 2014: 68)
hoje. Estudos recentes sobre o
Texto, leitura, presença e trabalho dos atores do passado
performance: eis aí uma trajetória não necessariamente encontram
que abre muitas possibilidades na performance dos mesmos um
para o trabalho do historiador. material analítico mais produtivo e
Talvez a principal delas seja a de explorado. Muitos são os estudos
encontrar nos textos vestígios da que debatem as relações de
presença física dos homens e interdependência entre os atores,
mulheres do passado e de suas suas atuações em grupos e
performances. O texto, material companhias específicas,
tão privilegiado pelos historiadores estratégias artísticas e comerciais
em sua empreitada de e, muitas vezes, sua presença
reconstrução do passado, como já física nos palcos não é o que entra
dito aqui, apresenta, assim, em questão nestes trabalhos.
inúmeras novas possibilidades. Evidentemente, tal escolha é
totalmente justificável, uma vez
Surge daqui um desafio para
que não há, de maneira
o historiador contemporâneo: a
estruturada, um conjunto de
criação de novos modos de
métodos de trabalho que nos
abordar e ler os textos do passado
levem a conseguir entrar em
com o objetivo de encontrar
contato e analisar as ações do ator
nestes resquícios da vida física dos
em cena, com os significados das
personagens do passado.
mesmas numa comunidade
Evidentemente, esta é uma leitura
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histórica específica. Não existe Robespierre e Luís XVI, Michelet é
ainda, assim podemos dizer de capaz de ter febre e delirar. Se
modo mais explícito, uma corpo, segundo o belo estudo de
metodologia para a história do Roland Barthes, reage diretamente
trabalho dos atores. Mas a aos eventos do passado, estando
construção desta, hoje, pode totalmente implicado na sua
encontrar nos estudos históricos produção história. “O corpo inteiro
pontos de interlocução muito de Michelet torna-se o produto de
significativos. A partir destes, é sua própria criação, e se
possível, a partir de textos estabelece uma espécie de
dramáticos, de entrevistas, de simbiose surpreendente entre o
relatos, de olhares mais amplos historiador e a história.”
para diversos vestígios dos (BARTHES, 1991: 17). O corpo
mundos sociais do passado, dos personagens do passado
construir a possibilidade de se torna-se presente na própria
produzir inteligibilidade sobre os reação do corpo de Michelet aos
gestos dos atores, o que nos seus traços. Tal configuração
coloca em contato, de algum historiográfica, que ganhou
modo, com seus corpos. contornos específicos e românticos
no século XIX, foi relegada ao
Encerro esta reflexão com
segundo plano diante das
Roland Barthes, que, no início de
pretensões científicas da
sua trajetória intelectual, dedicou-
disciplina. Hoje ela traz desafios
se ao estudo da produção
produtivos para o historiador e,
historiográfica de Jules Michelet,
certamente, pode potencializar a
analisando os modos específicos
história dos atores, um campo
de trabalho do famoso historiador
que, ao invés de visto como difícil
oitocentista francês. Em Michelet,
e fugidio, pode ganhar, diante de
o contato físico entre o estudioso
perspectivas historiográficas mais
do presente e o agente histórico
recentes, o estatuto de um dos
do passado é cotidiano e concreto.
espaços de discussão mais
Ao se deparar com os documentos
inquietantes da história cultural de
da Revolução Francesa, por
nossos dias.
exemplo, com resquícios de
personagens como Danton,
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Referências bibliográficas ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma
teoria do efeito estético. Volume 2.
AUSTIN, John L. Quando dizer é fazer.
São Paulo: Editora 34, 1996.
Porto Alegre: Artes Médica, 1990.
JASMIN, Marcelo. “História dos
BARTHES, Roland. Michelet. São
conceitos e teoria política e social:
Paulo: Companhia das letras, 1991.
referências preliminares”. Revista
CARVALHO, José Murilo de. “História Brasileira de Ciências Sociais, vol. 20,
intelectual no Brasil: a retórica como n° 57, fevereiro/2005.
chave de leitura”. Topoi. Revista de
KOSELLECK, Reinhart. Futuro
História. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1,
passado. Rio de Janeiro: Contraponto:
2000.
Puc-Rio, 2006.
CERTEAU, Michel de. A invenção do
LE GOFF, Jacques; TRUONG, Nicolas.
cotidiano. 1. Artes do fazer.
Uma história do corpo na Idade
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CHARTIER, Roger. Cultura escrita, Brasileira, 2006.
literatura e história. Porto Alegre:
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escrita. São Paulo: Unesp, 2002. Rio de Janeiro, ano 11, n. 12, p. 5-16,
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COURBIN, Alain; COURTINE, Jean-
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partir de uma reflexão sobre o artigo “Em busca da felicidade
método elaborado para esse perdida: a astúcia e a arrogância no
projeto tão longo. É importante caminho da iluminação profana”
ressaltar que esta reflexão sobre o (2018a), publicado pela Revista
método, sobre a prática da Diacrítica da Universidade do Minho,
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Para elaboração do método, outro texto, ou colocamos a rede
foi criado primeiramente um graduada de um texto ao lado de
procedimento metodológico para a outro texto.
leitura/análise dos textos
Para a criação desse
utilizados. Esse procedimento foi
procedimento metodológico,
denominado “rede graduada” e um
iniciamos com a análise de dois
dos seus objetivos era a criação de
fragmentos benjaminianos que
um esquema visual. Para a
tematizam “a experiência espacial
elaboração da rede, utilizamos a
mais primitiva”, escritos
ideia de leitura horizontal e
provavelmente em 1917, e que
vertical dos textos analisados.
problematizam os movimentos
Para cada texto lido/analisado
corporais entre o ato de pintar e o
foram definidos conceitos e ideias
de desenhar. O primeiro
que o respectivo texto discutiu.
fragmento foi somente nomeado
Esses conceitos e ideias foram
como Pintura e artes gráficas a
determinantes para a construção
partir do índice dos manuscritos
da rede graduada, que,
da coleção de Scholem. O segundo
semelhantemente a uma rede
texto, intitulado Sobre a pintura,
pescar, deveria demonstrar
ou sinal e mancha, foi inicialmente
visualmente os conceitos, as ideias
referido pelo próprio Benjamin em
e as possíveis relações
suas cartas a Scholem como sendo
estabelecidas no texto analisado. É
Sobre a pintura.
importante ressaltar que na fase
São as obras, elas mesmas
atual da pesquisa elaboramos que solicitam, sugerem e
redes graduadas para cada um exigem um certo movimento,
uma certa disposição ao
dos textos que Walter Benjamin contemplador, que aparece
unicamente no sentido mais
escreveu sobre Brecht e sobre o depurado, relativamente à
teatro épico. A partir da essência espacial da obra,
isto é, relativamente ao lugar
elaboração dessa rede é que do espaço consequente com a
obra contemplada. Fala-se
iniciamos a sobreposição e/ou em exigência da obra, nunca
justaposição dos diferentes textos do ponto de vista. (MOLDER,
1999:19)
analisados: colocamos a rede
Na carta enviada a Scholem
graduada de um texto sobre a de
no dia 13 de janeiro de 1918 é
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possível perceber os objetivos sobre as diferenciações entre a
benjaminianos dos dois textos, Mancha e o Sinal. Ainda de acordo
pois o autor da missiva reafirma com essa autora (idem:19), as
que, do ponto de vista humano, a linhas vertical e horizontal, em
superfície do desenhador está na inúmeras simbologias, convocam
posição horizontal e a do pintor na “os polos dos olhos, a postura dos
vertical. Obviamente, Benjamin, membros, a orientação do corpo
nesses textos, não pretende na sua totalidade, em
apenas discutir sobre as formas correspondência com o eixo da
corporais produzidas, seja no terra, o movimento do sol, a
instante da criação, seja no disposição astral na abóbada
momento em que se olha uma celeste [...]”. Na linha horizontal
obra de pintura ou de artes estaria a energia terrena,
gráficas. A sua preocupação está portanto, finita, e na linha vertical
na origem desses dois tipos de estaria a potência espiritual.
produção artística e, por
De acordo com Otte e Volpe
conseguinte, ele também faz uma (2000), a escrita benjaminiana
reflexão sobre as posições demanda, além do esforço
corporais a partir da oposição horizontal, uma verticalidade dos
entre o vertical e o horizontal que leitores, pois seus textos exigem
estão associadas a cada um deles, um mergulho nas profundezas das
partindo do pressuposto que a palavras utilizadas. Para tanto, os
relação corporal é intrínseca ao autores analisam o uso da
processo criativo dessas duas metáfora constelação, termo
artes. utilizado por Benjamin desde os
seus primeiros textos. O uso
Para Molder (1999:20), esses
recorrente dessa metáfora não
textos, além de apresentarem
pode ser analisado apenas como
uma reflexão sobre as posturas
repetição de um termo, mas como
corporais, o movimento das mãos
um processo de enriquecimento de
e a direção do olhar tanto daquele
uma ideia. É justamente a
que desenha ou pinta quanto
estrutura constelar dos seus
daquele que contempla a obra,
escritos que provocam inúmeras
também trazem uma discussão
dificuldades para a leitura.
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Em lugar de uma cômoda artigo analisou dois livros distintos
sequência de início-meio-fim,
o leitor, bruscamente que foram publicados no Brasil e
mergulhado in medias res, que trazem o poema “A cruzada
encontra um “mosaico” de
reflexões cuja ligação não é das Crianças” de Bertolt Brecht
feita através da concatenação
(1948). O primeiro livro foi
textual-linear, mas através de
uma rede de conexões intra publicado em 1962 pela editora
ou intertextuais. Como nas
juntas do mosaico, há uma Brasiliense e contava com os
lacuna entre os componentes desenhos de Gershon Knispel, e o
do texto, o que resulta na
necessidade de uma certa segundo foi publicado em 2014
distância para sua
pela editora Pulo do Gato e trazia
“contemplação”. (OTTE;
VOLPE, 2000:39) os desenhos de Carme Solé
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a emoção, a sensibilidade, a estabelecer as relações entre os
percepção e suas relações com a desenhos elaborados pelos dois
luta revolucionária, conforme já artistas plásticos. Assim, a
indicava Walter Benjamin sobre importância do artigo também
necessidade de incluir a percepção pode ser percebida na própria
e as sensibilidades na pesquisa experimentação de uma escrita
histórica; (ii) o artigo, elaborado a materialista dialética e na busca
partir da ideia de Diagrama, não de introduzir a História na emoção
segue apenas um caminho estética, ou seja, reavivar práticas
metodológico de valor heurístico, culturais do sensível como marcas
pois o processo de escritura de um passado que podem ser
possibilitou a experimentação de traduzidas no tempo presente.
uma escrita materialista dialética.
O exercício da escrita não se
limitou a teorizar a dialética da
imobilidade benjaminiana, mas
buscou experimentar na escrita a
referida dialética; (iii) ao analisar
o poema “A cruzada das crianças” Figura 2 - Diagrama da Forma
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caminho necessariamente Passagens, Buck-Morss
experimental, porque o Diagrama (2002:225) afirma, a partir de um
é e sempre será temporário, mas esquema heurístico, que Benjamin
necessariamente dialético e ao usa implicitamente em seus
mesmo tempo de imobilidade. trabalhos coordenadas como
Ao pensamento pertencem polaridades antitéticas de eixos
tanto o movimento quanto a
imobilização dos para revelar imagens. O eixo
pensamentos. Onde ele se dessas coordenadas – consciência
imobiliza numa constelação
saturada de tensões, aparece e realidade – teria em seus
a imagem dialética. Ele é a
cesura do movimento do extremos antitéticos os termos
pensamento. Naturalmente, natureza petrificada/natureza
seu lugar não é arbitrário. Em
uma palavra, a imagem histórica e sonho/despertar,
dialética deve ser procurada
onde a tensão entre os polos respectivamente. A mercadoria
dialéticos é a maior possível. seria o centro, o ponto fulcral,
Assim, o objeto construído na
apresentação materialista da para pensar as imagens dialéticas,
história é ele mesmo uma
imagem dialética. Ela é
e em cada um dos campos das
idêntica ao objeto histórico e coordenadas teria um aspecto da
justifica seu arrancamento do
continuum da história. “aparência” contraditória e
(BENJAMIN, 2006:518, [N
transitória dessa mercadoria,
10a, 3])
representada por fetiche e fóssil,
O processo historiográfico
imagem do desejo e ruína.
pensado por Benjamin se
A concepção de Benjamin é
estrutura a partir de um ponto essencialmente estática
crucial: a imagem-dialética, cuja (mesmo que a verdade
iluminada pela imagem
origem está presente na tensão dialética seja historicamente
fugaz). Localiza visualmente
entre os polos histórico e
ideias filosóficas dentro de
metafísico da interpretação, ou um campo transitório e
irreconciliado de oposições,
seja, na relação metodológica que pode ser representado
como coordenadas de termos
existente entre esses dois polos,
contraditórios, cuja “síntese”
que Benjamin qualificava como não é um movimento em
direção à resolução, mas o
sendo uma “meia virada do ponto em que seus eixos se
intersectam. (BUCK-MORSS,
avesso” (BENJAMIN, 2011:328,
2002:254)
Manuscrito n. 852). Estudando as
notas e materiais do projeto das
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Quanto ao sistema de Benjamin dialoga com Marx para
coordenadas utilizado por Walter estabelecer um certo
Benjamin, existe apenas um entendimento sobre Baudelaire,
exemplo e pode ser encontrado pois para Benjamin o poeta se
nas notas do ensaio sobre posiciona às vezes como um
Baudelaire (1994). No entanto, o conspirador profissional, ou seja,
diagrama utilizado não permite como um revolucionário que está
entender a estrutura do seu texto mais preocupado com a
futuro, pois nele só está indicado destruição, com a expiação, com o
um tema da pesquisa: o ócio como castigo e/ou com a morte do que
um dos campos da atividade física. com o esclarecimento mais teórico
Mesmo que o sistema de que também se faz necessário aos
coordenadas não apareça de trabalhadores para entendimento
forma explícita é possível afirmar dos seus próprios interesses de
que Walter Benjamin tinha classe. Ainda de acordo com
‘tendências sistemáticas’ na Walter Benjamin, em outros
construção de seus trabalhos. momentos Baudelaire parece se
Apenas para citar uma das aproximar mais daqueles que
discussões apresentadas no livro estavam preocupados com a
sobre Baudelaire (1994), podemos formação política dos
indicar o capítulo que foi elaborado trabalhadores, haja vista que
a partir de um personagem Baudelaire, por vezes, aparentava
coletivo: A Bohème. Walter gostar de ser conhecido como um
Benjamin, nesse capítulo, cita poeta social. É justamente
Baudelaire em quase todos os dialetizando esses polos antitéticos
parágrafos talvez para indicar a que Walter Benjamin busca
proximidade entre esse universo compreender as alegorias
social e os literatos da época. O presentes nos poemas do Flores
capítulo inicia-se citando Karl do Mal.
Marx, mais especificamente a
Retomando a discussão sobre
resenha Memórias do agente
a imagem-dialética, podemos
policial de La Hodde, publicada em
entendê-la como um “gesto de
1850 na Nova Gazeta Renana.
interrupção e de suspenção, gesto
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de cesura que caracteriza a tarefa mas deve ser imobilizada,
paralisada (teses XVI e XVII)
do historiador materialista crítico” para produzir um choque,
(GAGNEBIN, 2011:32). Gesto esse uma interrupção na narrativa
ronronante e morosa do
que se assemelha ao do teatro relato épico. (GAGNEBIN,
2011:33)
épico de Brecht quando a
interrupção e seus A interrupção, nesse sentido,
tome uma decisão, ou seja, que o “exige uma ação que transforma o
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destruição, pois “o momento O materialismo histórico
baseia seu procedimento na
destrutivo ou crítico na experiência, no bom senso,
na presença de espírito e na
historiografia materialista se dialética. (BENJAMIN,
2006:518 [N 11, 4])
manifesta através do fazer
explodir a continuidade histórica; O método virtual elaborado
é assim que se constitui o objeto por Walter Benjamin ao longo do
histórico” (BENJAMIN, 2006:517 trabalho das Passagens (e que foi
[N 10a, 1]). aqui visualmente apresentado e
definido no percurso das pesquisas
Assim, para que a estrutura
que venho desenvolvendo como
monadológica se torne visível é
Diagrama da Forma) permite
preciso que o objeto seja arrancado
perceber uma epistemologia
do continuum do curso histórico. “E
constelatória; uma constelação
isso ocorre sob a forma da
construída a partir da destruição do
confrontação histórica que constitui
próprio objeto analisado no seu
o interior [...] do objeto histórico e
tempo histórico; uma constelação
da qual participam em uma escala
construída pelos destroços
reduzida todas as forças e
provocados pela explosão e pela
interesses históricos” (BENJAMIN,
consequente contradição dos
ibidem [N 10, 3]). O objeto
materiais de seus próprios
histórico, pois, na estrutura
fragmentos. E, no centro desse
monadológica, encontra sua própria
campo de forças antagônicas, está
história anterior e posterior
a imagem do ocorrido que encontra
representada no seu interior.
o agora; uma imagem lampejante
Walter Benjamin sintetizou
que é capaz de formar uma
em cinco pontos o que ele
constelação, ou seja, “a imagem é
denominou de “doutrina elementar
a dialética na imobilidade”
do materialismo histórico”:
(BENJAMIN, 2006:504 [N 2a, 3]);
1) Um objeto da história é essa imagem que no “agora da
aquele em que o
conhecimento se realiza na cognoscibilidade carrega no mais
salvação. 2) A história se
decompõe em imagens, não alto grau a marca do momento
em histórias. 3) Onde se
realiza um processo dialético, crítico, perigoso, subjacente a toda
estamos lidando com uma leitura” (BENJAMIN, 2006:505 [N
mônada. 4) A apresentação
materialista da história traz 3, 1]).
consigo uma crítica imanente
do conceito de progresso. 5)
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Por fim, não por ser menos Passagens (2006), no fragmento
importante, mas porque será em que aponta que é o índice
apenas indicado e não histórico que distingue as imagens
desdobrado, é importante das “essências” da fenomenologia,
ressaltar que as pesquisas o autor alemão afirma que
realizadas nos últimos tempos pelo o índice histórico das imagens
diz, pois, não apenas que elas
filósofo italiano Giorgio Agamben pertencem a uma
determinada época, mas,
apontam para três problemas na sobretudo, que elas só se
tornam legíveis numa
constituição de seu método de
determinada época. E atingir
pesquisa – o conceito de essa “legibilidade” constitui
um determinado ponto crítico
paradigma, a teoria da assinatura específico do movimento em
seu interior. Todo presente é
e a arqueologia filosófica – que determinado por aquelas
imagens que lhe são
são, de certa maneira, pensados a sincrônicas: cada agora é o
partir dos caminhos metodológicos agora de uma determinada
cognoscibilidade. Nele, a
elaborados por Walter Benjamin. verdade está carregada de
tempo até o ponto de
Aqui ressalto apenas o problema explodir. (Esta explosão, e
nada mais, é a morte da
da teoria das assinaturas que pode intentio, que coincide com o
ser encontrado nos textos nascimento do tempo
histórico autêntico, o tempo
benjaminianos sobre a faculdade da verdade.) (BENJAMIN,
2006:504-5 [N 3, 1]).
mimética, entretanto, é a partir
dos trabalhos com as Passagens Portanto, a imagem-dialética
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polos antitéticos (horizontal e GAGNEBIN, Jeanne-Marie. O que é a
imagem dialética? In: FLORES;
vertical). PETERLE. História e arte: imagem e
Referências bibliográficas memória. Campinas: Mercado de
Letras, 2011, p. 21-35.
AGAMBEN, Giorgio. Sgnatura rerum:
Sobe o método. São Paulo: Boitempo, GUILARDUCI, Cláudio. Benjamin leitor
2019. de Brecht: o teatro como sala de
exposição. Assombro e resistência. In:
ADORNO, Theodor; BENJAMIN, MAGELA; ROCCO. (Orgs.). Educação
Walter. Correspondência, 1928-1940. Teatral: trocas e propostas. Belo
São Paulo: Editora UNESP, 2012. Horizonte: Fino Traço, 2018, p. 13-21.
DIDI-HUBERMAN, Georges.
Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo
Horizonte: UFMG, 2011.
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recurso de atuação. Segundo Décio período. Na dissertação Escola
de Almeida Prado, no teatro das Dramática Municipal: a primeira
primeiras décadas do século XX, escola de teatro do Brasil, Elza
com o palco cheio de cadeiras, Andrade (1996) mostra como a
poltronas, divãs, banquinhos,
alinhados disfarçadamente em instituição (atual Escola de Teatro
semicírculo e olhando de frente Martins Penna), inaugurada em
para a plateia, representar
significava quase sempre, tanto 1908, teve seu primeiro corpo
nas comédias quanto nos
dramas, conversar tranquila ou docente formado quase inteiramente
animadamente. “Sente-se, por
favor, tenho alguma coisa a
por “imortais” da Academia
dizer-lhe” – era o prenúncio Brasileira de Letras, buscando assim
infalível de uma cena de suma
importância. (PRADO, 1993:83) formar profissionais à altura do
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de ataques no início da jornada Assim, tendo em vista a
profissional do crítico paulistano, importância da voz como
quando este militava pela ferramenta de atuação no teatro
implantação de um teatro carioca até as primeiras décadas
praticado em moldes modernos. do século XX, a hipótese
Embora insistindo que Procópio
formulada nesta comunicação é a
havia sido “um grande ator, mas
de que, no momento em que o
não um grande homem de teatro”
rádio passou a ocupar um lugar de
(PRADO, 1993: 90), o autor,
destaque na sociedade brasileira,
afinal, reconhece a importância
a partir dos anos 305, houve uma
deste para o teatro brasileiro,
oferecendo ao longo do texto fácil adaptação dos atores e
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no virtuosismo vocal, bem como Oduvaldo Vianna, em 1934 iniciou a
nos programas de humor e de vida profissional na Companhia
auditório, considerando-se Dulcina - Odilon, quando adotou
também outra característica de seu nome artístico. Na década de
grande importância do teatro de 30 trabalhou ainda com grandes
então, a triangulação com a nomes do teatro profissional do
plateia (própria de uma cena período, como Alda Garrido e
produzida a partir da relação com Procópio Ferreira, assim como com
6
o público) . Elza Gomes, Delorges Caminha e
Um exemplo expressivo da Cazarré, com os quais montou uma
adaptação, no rádio, de artistas companhia (REIS, 2016: 160).
oriundos do teatro pode ser obtido Convidado por Olavo de
pelo exame da carreira de Paulo Barros, em 1940 ingressou no
Gracindo (RJ, 16/07/1911 – RJ, Grande Teatro da Rádio Tupi, que
04/09/1995). Filho do ex-senador apresentava todas as semanas uma
Demócrito Gracindo e de Argentina peça completa em três atos
Gracindo, Pelópidas Guimarães (KHOURY, 1994, p. 386).
Brandão Gracindo mudou-se ainda Em 1947, transferiu-se para a
criança com a família para Maceió, Rádio Nacional, cuja história
em Alagoas; na juventude, formou- vincula-se de modo estreito ao
se em Direito. Em 1930, chegou ao Estado Novo (1937-1945), bem
Rio de Janeiro, sua cidade natal e como à figura de Getúlio Vargas.
então Capital Federal, quando Após a deposição de Washington
ingressou no teatro no grupo Luis, este assumiu a Presidência da
amador do Clube Ginástico República, em novembro de 1930,
Português, que “tinha o melhor como chefe de um governo
grupo de teatro da época” provisório. Em 1937, por meio de
(KHOURY, 1994: 375), na peça O outro golpe e com o apoio dos
tabelião Pome; indicado por militares, Vargas impôs o Estado
Novo, cujo centro de sustentação
6
Tal como no teatro de revista, no teatro
declamado deste período o espetáculo era era corporificado funcional e
“resultado de uma colaboração intensa
pessoalmente na sua figura - o
entre a plateia, o autor e o ator – tendo
esse um papel importantíssimo no único civil a comandar uma ditadura
funcionamento da cena”. (REIS,
MARQUES, 2004: 180).
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no Brasil, garantida pelas Forças Ainda segundo as autoras,
Armadas, em especial pelo Exército, por meio da ação do órgão, nos
e apoiada numa política de massas “anos 30 a canção popular e mais
(SCHWARCZ, STARLING, 2015: especificamente o samba se
374). firmaram como o traço essencial e
Para a legitimação ideológica mais evidente da fisionomia
do governo, teve papel musical do Brasil moderno”
fundamental o DIP (Departamento (SCHWARCZ, STARLING, 2015:
de Imprensa e Propaganda), órgão 376). Promovendo intensamente a
de caráter censório. Diretamente ideia de integração nacional, o
subordinado à Presidência, com Estado Novo entronizou o samba
órgãos filiados nos Estados, o DIP como o símbolo da nação,
tinha seis sessões (propaganda, elegendo também dois eventos
radiodifusão, cinema e teatro, para a solidificação dessa
turismo, imprensa e serviços condição: “a institucionalização do
auxiliares) e a tarefa de projetar as carnaval como a festa popular
bases de legitimidade do regime: mais importante do país e a
consolidação do rádio como
A agência interferiu em todas
as áreas da cultura brasileira: primeiro veículo de comunicação
censurou formas de
manifestação artística e
de massas” (SCHWARCZ,
cultural; instrumentalizou STARLING, 2015: 376).
compositores, jornalistas,
escritores e artistas, e É nesse contexto que surge a
desenvolveu múltiplas linhas
Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
de ação. Numa delas,
funcionários do DIP Com o prefixo PRE‐8, entrou no ar
exploraram o potencial da
imprensa escrita criando em 12 de setembro de 1936,
publicações concebidas pra instalada no primeiro arranha-céu
esse fim [...]. Em outra, a
agência buscou assumir o da América Latina, o edifício A Noite,
controle de tudo que se
construído em cimento armado, com
relacionava com a canção
popular, talvez a mais 22 andares, por muito tempo
eficiente linguagem produtora
de conhecimento sobre o considerado um cartão-postal da
Brasil e acessível a toda a cidade, localizado na praça Mauá da
população. (SCHWARCZ,
STARLING, 2015: 376) então capital brasileira. Quatro anos
depois, em 8 de março de 1940,
com o argumento de que havia uma
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dívida de três milhões de libras modo, a Rádio Nacional chegou à
esterlinas, Getúlio Vargas determina liderança da audiência no país
a encampação do grupo onde estava (MUSTAFÁ, 2014: 271), superando
inserida a emissora; passando a a Rádio Mayrink Veiga, que havia
pertencer ao patrimônio da União, ocupado este posto na década de
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arranjadores, 33 locutores, 124 ator na Rádio Tupi (“em quase todas
músicos (divididos em três as novelas eu era o galã
orquestras), 55 radioatores, 40 romântico”), imaginou que poderia
radioatrizes, 52 cantores, 44 aumentar seus rendimentos
cantoras, 18 produtores, um (KHOURY, 1994: 392), o que o
fotógrafo, 13 informantes, cinco levou a comprar um horário de três
repórteres, 24 redatores, quatro horas na programação e criar um
secretários de redação (AGUIAR, programa de auditório a partir de
2007:134), totalizando 672 uma fórmula “que não podia dar
contratados. errado: os melhores grandes artistas
A enumeração acima revela que se projetaram na música
com clareza como a rádio firmava-se popular brasileira, como Roberto
como um campo importante de Carlos, Cauby Peixoto, Agnaldo
expressão artística e ganhos Timóteo, Alaíde Costa, Elis Regina e
materiais para atores e atrizes Angela Maria, parada de sucessos e
brasileiros. Compreende-se, assim, muito humor” (KHOURY, 1994: 392-
a passagem de Paulo Gracindo do 393). Mais tarde, o programa foi
teatro - sua meta profissional - para convidado a se transferir para a
o rádio, em um movimento feito, em Rádio Nacional, onde ficou mais
suas próprias palavras, por popular ainda: “Você não queira
“ambição e dinheiro”: saber a popularidade do Cauby
Naquele tempo, o rádio tinha a Peixoto. Era perseguido, rasgado,
força que tem hoje a televisão.
Pagava bem melhor que o beijado e apalpado” (KHOURY,
teatro, era mais certo, mais
seguro e o radialista progredia 1994: 396).
muito mais rapidamente que o Outro momento de grande
ator. Na rádio, fui locutor,
radioator, comunicador e destaque de Paulo Gracindo na
animador e quando comecei a
fazer meus programas de Rádio Nacional foi como Alberto
auditório, comecei a ganhar Limonta, em O direito de nascer. De
muito dinheiro (KHOURY,
1994: 386). autoria do cubano Félix Caignet, a
Na Rádio Nacional, Paulo radionovela estreou em janeiro de
Gracindo obteve imenso sucesso, 1951 e ficou no ar até setembro de
em especial em três momentos. O 1952, às 2as, 4as e 6as, sempre às
primeiro, como apresentador do 20h, como um extraordinário
Programa Paulo Gracindo, de grande fenômeno no Brasil, chegando a
audiência durante 20 anos. Após atingir índices de audiência de 73%,
uma promissora carreira de radio- graças ao enredo de grande apelo
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melodramático7 (AGUIAR, 2007: Criei esse quadro para mexer
com o pai da minha mulher,
91). De grande popularidade desde que era muito rico, foi dono da
Rádio Ipanema e morava numa
os anos 40, as radionovelas foram mansão enorme, toda de
campeãs de audiência na Rádio pedra, na Rua Dias Ferreira. Eu
ia visitá-lo todos os domingos e
Nacional, que atingiu a cifra de 157 morava num modesto
apartamento na rua David
produções transmitidas no ano de Campista. Sempre que
1955 (CPDOC/FGV, s/d: s/p.). estávamos almoçando, ele
vinha com aquela conversa:
Por fim, Paulo Gracindo “Então, como é que está indo a
sua vida tranquila naquele seu
projetou-se na versão original do pequeno apartamento?” E eu
respondia: “Estou chateado, sr.
programa Balança mas não cai, de Xavier, está havendo uma
Max Nunes (1953), o mais bem infiltração e vou ter de gastar
um dinheirão...” Ele
sucedido de todos os programas prosseguia: “Esse negócio de
infiltração é horrível, é por isso
humorísticos da Rádio Nacional, no que uso no teto ouro de 18
qual ficou célebre ao lado de quilates e mesmo assim ainda
tenho problemas!”. Era o
Brandão Filho, no quadro “Primo tempo todo assim. Todo
problema que eu tinha, ele
rico e primo pobre”. Anos mais tinha um parecido, só que era
um milhão de vezes melhor ou
tarde, o programa e o quadro pior. Foi ele quem me inspirou
ganharam nova versão na TV Rio e, o quadro. (KHOURY,1994: 393)
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musical brasileira. Do mesmo modo, Referências bibliográficas
fica patente a dinâmica pela qual
AGUIAR, Ronaldo Conde. Almanaque
passaram os trabalhadores da cena, da Rádio Nacional. Rio de Janeiro,
que, tendo no século XIX apenas o Casa da Palavra, 2007, 184 p.
não cai, do qual fazia parte o quadro GOLDFEDER, Miriam. Por trás das
“Primo rico e primo pobre”) como ondas da Rádio Nacional. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1980, 206 p.
atores e atrizes de destaque (a
exemplo de Paulo Gracindo ou Mário GRACINDO JÚNIOR, ALENCAR, Mauro.
Um século de Paulo Gracindo: o
Lago, que na Rádio Nacional foi
eterno bem amado. Belo Horizonte,
“autor, ator, diretor, produtor Editora Gutenberg, 2012, 256 p.
executivo, redator, entrevistador,
KHOURY, Simon. Bastidores I:
cantor e compositor” (REIS, 2016: entrevistas a Simon Khoury (Tônia
145)). Tal como reconhecida pelo Carrero, Henriqueta Brieba, Cláudio
Corrêa e Castro, Paulo Gracindo). Rio
diretor de cinema e televisão Daniel
de Janeiro, Editora Leviatã, 1994, 543
Filho, “um dos homens que ajudou a p.
moldar a programação televisiva
LIMA, Evelyn Furquim Werneck.
cotidiana do país” (MENCARELLI, Arquitetura do espetáculo: teatros e
2001: 344), a linguagem da cinemas na formação da Praça
Tiradentes e Cinelândia. Rio de
televisão brasileira é herdeira do
Janeiro, Edit. UFRJ, 2000, 392 p.
teatro de revista e do rádio.
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MENCARELLI, Fernando Antonio. ________. Peças, pessoas,
Teatro musicado: capítulo em revisão. personagens: o teatro brasileiro de
In: II Congresso Brasileiro de Procópio Ferreira a Cacilda Becker.
Pesquisa e Pós-Graduação em Artes São Paulo, Companhia das Letras,
Cênicas, Salvador. Anais do II 1993, 173 p.
Congresso Brasileiro de Pesquisa e
Pós-Graduação em Artes Cênicas: RABETTI, Beti. Teatro e comicidades
ABRACE, 2001, p. 341-348. 2: modos de produção do teatro
ligeiro carioca. Rio de Janeiro,
________. A voz e partitura: teatro 7Letras, 2007, 192 p.
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cultural no Rio de Janeiro (1868- REIS, Angela, MARQUES, Daniel. “Eu
1908). 2003. Tese. Instituto de sou meio perigoso nessa história de
Filosofia e Ciências Humanas, cacos: apontamentos sobre a atuação
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MUSTAFÁ, Izani. “Estado Novo: o uso
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as "enchentes" de público nesses Fundamentando a imagem cênica
espetáculos teatrais, "em todas as produzida, por meio das mutações
representações do Gato Preto no dos quadros cenográficos das
São Pedro de Alcântara tem havido Mágicas, como imagem metafórica
enchentes colossais, pyramidaes e dialética, no âmbito das
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certos modos de produção, posteriores ao período estudado,
praticados pelos seus partícipes, como ocorreu no circo, no cinema e
possibilitaram a observação de no carnaval.
indícios da existência de uma
As considerações sobre as
escola estética no uso dos
visualidades da cena em finais do
artifícios da cena, como iluminação
século XIX e início do século XX
e cenografia.
permitiram encarar o teatro da
O conjunto de vestígios foi
época, principalmente as Mágicas,
analisado em razão dos modos de
como o locus de difusão técnica e
operação teatral da época e à
estética. A historiografia que
constituição de uma cultura visual.
dominou o campo teatral no século
Desta forma o estudo das
XX foi ancorada em referências
visualidades da cena com enfoque
textuais do teatro, dando pouca
nas Mágicas, está inserido na zona
visibilidade aos estudos espaciais da
fronteiriça dos espetáculos híbridos,
encenação. Esta pesquisa avançou
em que efeitos visuais
às margens da historiografia
proporcionavam experiências
canônica do teatro no Brasil e
mobilizadoras do olhar e certa
valeu-se do suporte teórico dos
imersão na fantasia
estudos do espaço teatral.
Embora nos jornais de época
Assim como o teatro de
seja possível perceber a
formas animadas, a Mágica inserida
importância considerável do gênero
no teatro híbrido e musical, foi
e seus modos de produção, as
também considerada como um
Mágicas passam à margem da
gênero menor na historiografia. Nas
historiografia do teatro brasileiro.
últimas décadas historiadores do
De fato, o gênero tendeu ao
teatro e pesquisadores das
desaparecimento no começo do
visualidades da cena vem reunindo
século XX, no entanto os artífices
esforços em torno do estudo das
deste gênero teatral, bem como
técnicas teatrais. O presente estudo
seus modos de produção migraram
comprovou que o apagamento
para outras áreas. Um dos objetivos
historiográfico acerca do gênero da
deste estudo foi apontar a
Mágica influencia o entendimento
assimilação das técnicas teatrais da
sobre a história do teatro, a história
Mágica em outros eventos
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da música e história cultural magica”7; “Mas de súbito, quando
brasileira. todo mundo ansioso, esperava a
notícia de um rompimento, a
Sendo o gênero um híbrido
situação mudou como um scenario
dramático-musical, o sentido da
de mágica".8A força metafórica da
cena na Mágica integraliza-se na
expressão mágica foi analisada em
relação entre enredo, imagem e
confronto com a presença das
música. A imagem, animada pela
cenas de mutação de mágica, no
música, parece estabelecer certa
teatro da época.
predominância como discurso nas
narrativas historiográficas, no No período estudado, a
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negativas. Aloísio Azevedo capta a Compreendendo uma complexa
essência do debate: rede de dispositivos cênicos e
Nós [...] que não possuímos modos de produção, a
caráter nacional, nós que não
dispomos de ciência, nem arte, comunicabilidade visual da cena
nem literatura... nos fazemos teria garantido o sucesso de público
representar no teatro pela
mágica e pela opereta. Está e estabelecido circularidades entre
claro. (...) Para um povo como
as camadas sociais.
nós somos, só há no teatro
uma manifestação possível, é
o disparate, o burlesco, o O estudo apontou traços
ridículo exagerado feito de
precursores e processos de
cores vivas, de sons
estridentes e de pilhérias rupturas e persistências das
velhacas e extravagantes.
(AZEVEDO, 1882) técnicas operadas. Propondo a
discussão no campo das narrativas
A Mágica, como expressão
historiográficas do teatro no Brasil
teatral, parece ter sido responsável
e o reconhecimento das
pela exposição das contradições
visualidades e formas animadas na
brasileiras. A hipótese levantada
cena do passado, suscitando
sustenta que o uso de imagens
referências e demandas
projetadas, experimentos de
cenográficas e visuais, específicas
iluminação, formas animadas e
da época, extremamente
maquinarias cenográficas teria sido
importantes para o entendimento
recorrente na cena teatral carioca
deste gênero de teatro. Foram
na virada do século XIX para o
observadas questões de
século XX, sendo a Mágica seu
nacionalismo e apropriações que
principal expoente e lugar
envolvem a Mágica como
privilegiado de interseções técnicas
espetáculo brasileiro, a fim de
e estéticas. O gênero híbrido
ampliar o quadro de estudos sobre
dramático-musical teria sido a
teatro no Brasil. Entendendo a
síntese da expressão cultural
histografia do teatro como
nacional. Espaço de experimentação
narrativa e como construção de
e aproveitamento, tanto dos
métodos de pesquisa, que levem
mecanismos rudimentares da cena,
em consideração a importância
quanto da alta tecnologia. Como
das expertises teatrais nas
teatro de visualidades, em que os
narrativas sobre o teatro brasileiro
efeitos visuais, animados por
e a ausência de estudos sobre a
música, atuam como dramaturgia.
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Mágica no Brasil. Portanto, a via foram permeadas por análises que
de análise deu-se em negativo. abordam o desejo e a construção
da modernidade, a transformação
A proposta de uma análise
do olhar da sociedade da época e
em negativo pretendeu o resgate
as tensões da historiografia
de sentidos mobilizadores de um
teatral. Nesse contexto, o Rio de
passado apagado na memória, na
Janeiro aparece como uma cidade
tentativa de compor um quadro
cindida entre a promessa de uma
circunstancial dos fenômenos que
capital modernizada e o enterro de
envolvem a Mágica como um
suas tradições populares e sua
espetáculo que despertou o olhar
memória. A transformação da
da sociedade da época.
cidade e da sociedade, os
Em vista desta questão, a
movimentos de migração e o papel
ausência da Mágica teatral como
da mecanização e da eletricidade
gênero pretérito nos estudos
permitiram analisar o paradoxo da
teatrais foi tratada como um
variabilidade do olhar do
sintoma a ser esclarecido,
espectador finissecular.
empregando o método indiciário
À margem do paradigma do
proposto pelo historiador Carlo
modernismo paulista, a questão
Ginzburg. A ausência de estudos,
da modernidade carioca se fez
diagnosticada como um sintoma
presente por meio do humor na
do recalque historiográfico, os
observação das dinâmicas do
"dados negligenciáveis"
cotidiano. O caráter fragmentário
considerados previamente como
da modernidade na cidade
fenômenos marginais à cultura
estabeleceu a rua como o lugar de
dominante e intangíveis para sua
uma sociabilidade alternativa. O
historiografia, encontram-se na
palco se apropriou dessa cultura
zona opaca a qual se quer decifrar
(GINZBURG, 1986). urbana nos espetáculos híbridos
de Mágica, que apresentavam
Sob o recorte espaço-
números intercalados de
temporal que abrange períodos
prestidigitação, circenses,
adjacentes a virada do século XIX
projeções, danças e músicas.
para o século XX, na cidade do Rio
de Janeiro, as questões que A pesquisa pretendeu gerar
envolvem a modernidade carioca novos conhecimentos para o
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avanço do campo teatral, descritiva desta pesquisa, além da
incorporando a Mágica nos estudos análise, subsidiada por reflexões
historiográficos. O caráter teóricas, foi realizado um
exploratório visou explicitar a levantamento de dezenas de
importância e especificidade de espetáculos. A partir da coleta de
um estilo teatral, bem como a dados e a observação sistemática
propagação de um modo de das visualidades da cena,
execução e trabalho no domínio do entendidas como discurso.
teatro brasileiro. Para tanto ela se
A abordagem foi qualitativa
desdobrou em múltiplos objetivos,
considerando as relações
entre eles refletir sobre os
dinâmicas para interpretação dos
discursos visuais no teatro na
fenômenos na análise dos
virada do século XIX para o século
espetáculos, referenciados em
XX. para o aprofundamento da
anúncios publicitários, críticas
temática. Bem como apontar os
jornalísticas e crônicas, com a
fatores determinantes na
finalidade de explicitar as técnicas
ocorrência dos espetáculos, como
utilizadas e discutir fatores
fenômenos.
determinantes, como a turbulência
Os procedimentos incluíram a política e a transformação
pesquisa bibliográfica e urbanística da cidade. A tensão
documental expo-facto. A coleta que envolvia essas dinâmicas
de dados referentes à relacionais foi avaliada na análise
temporalidade investigada se deu produzida, através da razão
por meio de fontes primárias, dialética entre as práticas sociais,
secundárias e terciárias. No na conformação cultural da área
levantamento foram recolhidos central da cidade do Rio de
dados de licenças e registros civis, Janeiro, e suas representações no
policiais, alfandegários, cartas, teatro, tendo em vista suas
mapas, desenhos, pinturas, múltiplas possibilidades de
fotografias, partituras musicais, sentidos (CHARTIER, 1990). O
filmes, jornais e revistas da época, aproveitamento das técnicas
crônicas, anúncios, caricaturas e cenográficas das Mágicas foi
relatos historiográficos. Na forma
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observado também no cinema, no foram consideradas como alegoria
circo e no carnaval carioca. teatral e imagem dialética,
evocadas na obra de Walter
O eixo de pesquisa
Benjamin (BENJAMIN, 2006).
esquematizou-se por formulações
entendidas como complementares, Investigou-se a Mágica
enquanto o quadro teórico foi buscando comprovar como o
composto por alguns pensadores gênero dramático-musical teve um
da História Cultural. Foram papel fundamental no modo de
abordados conceitos como produção teatral no Rio de Janeiro.
simulacro, alegoria teatral, imagem Tornando-se um espaço de
metafórica, ausência, fantasma, encenação experimental e
fantasia, modernidade, catástrofe, virtuosismo, lugar de interseção e
espaço urbano, espaço teatral, simbiose primordial entre o
culturas populares e urbanas. cinema e o teatro. Além de
Selecionamos o método indiciário, permutar técnicas do teatro e do
proposto pelo historiador Carlo carnaval e aglutinar o erudito e o
Ginzburg (GINZBURG, 1986), popular. Aspectos que foram
margeando os percursos da observados considerando suas
história dominante, como sugere relações com a cidade, desde
Roger Chartier (CHARTIER, 2002). período de sua formação até o
Enfrentando a historiografia como início do século XX. O gênero foi
representação e como uma relação considerado como o locus de
paradoxal entre o real e o discurso, permanência das técnicas desde o
conforme recomenda Michel de início do trânsito atlântico e
Certeau, mobilizando as tensões intensificado no final do século
entre a estrutura do passado e o XIX. Entendendo as mutações
presente, e admitindo a lacuna cenográficas e os truques de cena
historiográfica como um sintoma como formas animadas. O estudo
(DE CERTEAU, 1982). As da imagem cênica foi inserido no
visualidades da cena foram âmbito das alegorias teatrais e da
abordadas como discurso operador antropologia do simulacro na arte.
da cultura visual da virada de Desta forma a Mágica foi estudada
século, sob o conceito de simulacro como um gênero híbrido, no
na arte. As mutações de cena entrecruzamento das linguagens
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artísticas, permitindo o estudo do mensurar o vulto das mágicas no
intercâmbio entre os conjuntos âmbito da produção cultural da
significantes da cena e o olhar cidade, para organizar quadros
mobilizado do espectador. relacionais e lançar luz na história
desses personagens, os artífices
Observando as visualidades
da efervescente cena teatral
da cena como dramaturgia,
carioca na virada do século.
buscou-se relacionar as
arquiteturas teatrais, seus aparatos A ausência historiográfica a
técnicos, recursos de iluminação e respeito dos espetáculos
as possibilidades cenográficas e extremamente visuais na virada
mecânicas para efeitos de cena, de século sugere a
com as Mágicas encenadas. As descontinuidade das técnicas
transformações tecnológicas e o aplicadas ao gênero, porém, em
uso da luz elétrica no teatro foram contrapartida, evoca um fantasma.
associados às transformações Banido do saber, um fantasma se
socioeconômicas urbanas e o insinua na historiografia
desenvolvimento da rede de determinando-lhe a organização: é
iluminação pública e dos circuitos aquilo que não se sabe, aquilo que
culturais noturnos da cidade. A não tem nome próprio. Sob a
cena de mutação das Mágicas foi forma de um passado que não tem
observada como metáfora do lugar designável, mas que não
mundo em transformação. pode ser eliminado, fato que De
Certeau denomina a lei do outro
Estes espetáculos foram
(DE CERTEAU, 1982).
constatados como espaços
mobilizadores do Recorrendo à hipótese
experimentalismo dos artífices da levantada, e seus
cena, cenógrafos, maquinistas, desdobramentos, o uso de
músicos, compositores, projeções e experimentos com luz,
aderecistas. Apontando as formas animadas e maquinarias
relações transmidiáticas entre a cenográficas teria sido recorrente
Mágica, o cinema originário, o na cena teatral carioca na Belle
circo, o carnaval e a música como Époque. Sendo o gênero
narrativa e efeito incidental. A dramático-musical da Mágica seu
análise das fontes permitiu principal expoente, revelando que
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os efeitos visuais têm papel crônicas jornalísticas da época são
fundamental como dramaturgia da reveladoras de uma nova
cena. A Mágica teria sido um lugar sensibilidade da sociedade e
de síntese, abarcando uma refletem o estranhamento, o
complexa rede de dispositivos afastamento e a indiferença entre
cênicos. O reconhecimento dos as camadas sociais.
mecanismos cênicos como parte
Na cidade, como enigma para
fundamental da encenação e como
os seus habitantes, a partir das
linguagem dramatúrgica, o
transformações urbanísticas, um
apagamento histórico e a
lapso de memória do passado teria
descontinuidade das práticas
ocorrido para evitar o mal-estar. O
revelam aspectos da cena teatral
mundo do passado “já não trazia
brasileira na contemporaneidade,
respostas em seu vocabulário
a partir das Mágicas, e apontam
assentado sobre estabilidades, que
sua ressignificação nos desfiles de
dessem conta de representar a
carnaval das Escolas de Samba do
nova ordem turbilhonante das
Rio de Janeiro.
coisas” (SEVCENKO, 1992, p.
A importante oposição entre a 31,32). O vácuo deixado pela ruína
época anterior e os anos 1920, a da tradição teria provocado um
troca dos valores, o esquecimento, estranhamento e uma crise
o “borramento” das memórias identitária. Esta tensão foi
refletiu na historiografia. A ‘maré considerada nas reflexões sobre a
tormentosa’ dos fatos nas grandes historiografia e sobre o declínio ou
cidades bem como uma tensão deslocamento dos espetáculos de
frente as ações reflexivas dos Mágica, cujas encenações
sujeitos naquele período, a qual " apresentavam cunho mais visual e
viria reduzir a visibilidade de um espetacular.
mundo transparente, de contornos
Se razões políticas
definidos até então e que, daqui por
estabeleceram a História como
diante, só parcialmente poderia ser
narrativa de domínio e poder, como
entrevisto, borrado, diluído e
o próprio arquivo, o recurso
impreciso, sobre o rebuliço
dramático da Mágicas de situar a
permanente das águas turvas.
cena em um outro ambiente e ou
(SEVCENKO, 1992, p. 26) As
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temporalidade, para comentar foi definitivamente concluído em
situações da contemporaneidade 1922. As mutações de Mágica
daquela época, pode ser uma chave mimetizavam a cidade, e vice-
para o entendimento. Como muitas versa. Confrontada como
vezes o recurso da paródia era personagem, a narrativa da
utilizado em cenas de improviso que cidade, na sua ocupação, em seus
entremeavam as cenas de Mágica, o acidentes geográficos,
apagamento historiográfico monumentos e demolições, vem
configura indício de perseguição sendo construída, destruída e
política às formas culturais mais reconstruída.
populares e críticas.
O mal-estar revelou-se como
O valor das visualidades da memória "borrada", em
cena foi reafirmado, no âmbito das estranhamento diante do passado
alegorias teatrais, para o estudo indigesto. A imagem metafórica da
dos espetáculos de gênero híbrido. mutação de uma cidade colonial
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sim nos arranjos entre o enredo, a a absorção da cultura urbana e
música e as visualidades e nos popular nos palcos, a convergência
aportes tecnológicos, como os da cultura negra no cotidiano da
equipamentos de projeção cidade e a incidência de novos
luminosa. A originalidade estava modelos identitários. A negação do
no modo de pôr em cena a valor artístico das Mágicas e a
narrativa de forma cinestésica. Os consequente ausência do gênero
truques e traquitanas nos estudos historiográficos do
transfiguravam as mutações e teatro brasileiro tem caráter
quadros alegóricos do enredo. persecutório.
Metáforas transportadas para a
Detectou-se a permanência
cena por meio das alegorias. O
de técnicas antepassadas
estudo valeu-se, então, da história
presentes nos espetáculos, devido
das alegorias teatrais para apontar
à recorrência das formas plásticas
as descontinuidades do gênero da
utilizadas. Comprovando indícios
Mágica.
de uma Escola estética, de longa
Como gênero narrativo da duração, motivada pela
imagem e como lugar da maquinaria cênica, no espaço
exacerbação da sátira e da teatral das Mágicas. O gênero
paródia, a alegoria teatral - teatral da Mágica, no
herdeira do teatro barroco - sofreu aproveitamento de técnicas
descontinuidades por meio das antepassadas, em constante
narrativas de valoração. Os fatos atualização, primava pela
corroboram para a afirmação da narratividade das visualidades da
proposição que reivindica o lugar cena, em conjunto com a música e
de permanência da alegoria teatral toda a encenação. Na época, esse
nos espetáculos híbridos e nas ambiente ímpar germinou a
Mágicas, apesar do declínio de musicalidade nacional. Assim
suas premissas político-teológicas. sendo, consideramos a Mágica
como espetáculo de formas
A cena alegórica e satírica
animadas pela música e como
dos gêneros híbridos teria sido
lugar de síntese cultural brasileira
desqualificada por questões
e de suas contradições.
políticas. Questões que envolvem
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Social) Instituto de Filosofia e Ciências LIMA, E. F. W. Das vanguardas à
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de Janeiro, 2008. urbano. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.
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Mesa Redonda
CENOGRAFIA E ARQUITETURA
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1
Luiz Henrique Sá é professor do
Departamento de Cenografia e Diretor da
Escola de Teatro da UNIRIO; Doutor em
Artes Cênicas pelo PPGAC-UNIRIO; Mestre
em Design pelo PPD-ESDI/UERJ; Bacharel
em Design pela ESDI/UERJ.
2 Figura 1 - Josef Svoboda: à esquerda, desenho de
O astrônomo Karl Schwarzchild tentou
cenografia para A peregrinação, 1944 (projeto não
calcular a densidade necessária de
matéria para provocar uma curvatura tão realizado); à direita, cenografia para Os contos de
pronunciada do espaço-tempo que a luz, Hoffmann, de J. Offenbach, encenação de B.
em viagem ao seu entorno, acabaria presa Hrdlicka, 1947. Nota-se como as estruturas criadas
neste deslocamento espacial ou mesmo pelo cenógrafo, em forma de dois funis conectados,
dentro de tal corpo. Isso aconteceria lembram a representação gráfica de um buraco de
quando o raio de um corpo esférico fosse minhoca (imagem ao centro).
reduzido a um tamanho crítico em relação
a sua massa (o que passou a ser
conhecido como o raio de Scharzschild), O conceito de buraco de
que é o que acontece quando uma estrela
em processo de colapso tem sua massa minhoca,3 esta topologia hipotética
tão concentrada que se transforma em um
simples ponto no espaço. Como a
do espaço-tempo, fora
densidade de um buraco-negro tende ao
infinito, sua concepção é uma
primeiramente tratado pelo
singularidade, ou seja, uma configuração matemático alemão Bernhard
na qual uma teoria cujas equações
predizem grandezas infinitas, indicando
3
haver algum erro ou fato ainda não No original, wormhole (“buraco feito por
assimilado. um verme”).
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Riemann, quando discorreu sobre a especular, ou seja, conecta dois
possibilidade de uma conexão entre espaços-tempos espelhados.
duas dimensões distintas, mas o Foucault coloca o espaço definido
termo foi efetivamente cunhado em pelo espelho como um dos
1957 pelo físico americano John exemplos de utopias e de
Archibald Wheeler:4 heterotopias:
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destes dois campos. A ribalta, a plateia é virtual. A ideia da quarta
boca de cena, o portal delimitador parede foi uma tentativa de
entre aqueles que estão sendo materialização desta interface e,
vistos e aqueles que estão vendo apesar de algumas experiências de
seriam instâncias deste substrato fechamento concreto da boca-de-
impalpável do espelhamento social cena por alguns tipos de materiais
sobre o qual projeta-se a imagem transparentes ou translúcidos, a
especular da representação teatral: característica típica do dispositivo
um espaço que é tanto real quanto teatral é esta comunicação entre os
irreal. Parafraseando o filósofo dois espaços, matérias e tempos,
francês, o buraco de minhoca sem que haja um elemento
teatral é uma heterotopia, pois concreto de separação.
torna o lugar do espectador A interface virtual que separa
absolutamente real (determinado a área do público da dos atores
por seu posicionamento espacial também parece permanecer
diante de uma encenação) e vigente e até mesmo reforçada,
simultaneamente irreal (por ser o em alguns casos, pelo emprego
espaço virtualmente aberto que cenográfico de tecnologias de
permite nossa própria visibilidade imagem virtual (não pictórica). O
através dos processos de espaço cênico condicionado pelas
representação inerentes à arte cenografias imagéticas promove
teatral). uma atualização contínua de seu
Não quero induzir uma caráter de interface e reforça seu
separação hierárquica entre os caráter liminar: afirma-se
espaços de palco e plateia. Apenas constantemente como espaço
constato que, entre dois universos intermediário, transicional,
distintos e interligados, estabelece- permitindo que diversas entidades
se uma interface, uma superfície se comuniquem numa interface
que forma o limite comum entre pluridimensional e tornando
duas partes de matéria ou espaço possíveis as trocas entre diversos
(GOEBEL, 2000, p.6). sistemas heterogêneos.
Transportando tal definição para o Denomino de cenografia de
espaço-tempo teatral, janelas imagéticas a introdução de
perceberemos que a superfície que imagens (fotocinematográficas,
delimita os espaços de palco e videográficas ou computacionais)
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como item de composição no por Roland Barthes, no ensaio A
espaço cenográfico. Tais janelas câmara clara, no qual este autor
transformam o espaço-tempo propôs uma dialética entre o
cênico ao incorporar à cenografia a caráter iconográfico (de
representação de outros tempos e semelhança com o objeto
espaços/lugares não fisicamente referente) e o caráter indicial
representados. As janelas (prova documental, tangível ou
imagéticas introduzem outros não, de que o evento registrado, de
códigos de signos, ou pelo menos fato, ocorreu) da fotografia. Sobre
uma alteração substancial no seu aspecto icônico, evidenciou que
código semiótico teatral,
uma determinada foto não se distingue
aprofundando o estímulo nunca do seu referente (daquilo que
representa), ou, pelo menos, não se
perceptivo e tornando a atividade distingue dele imediatamente ou para
toda a gente (o que sucede com qualquer
outra imagem, carregada à partida e por
de decodificação dos espectadores estatuto do modo como o objeto é
simulado); perceber o significante
ainda mais complexa. Elas fotográfico não é impossível (os
profissionais conseguem-no), mas requer
transformam certas características um segundo ato de saber ou de reflexão.
(BARTHES, 1989, p.18)
do sistema semiótico teatral
Entretanto, para Barthes, a
definidas por VELTRUSKÝ (2012, p.
indexação é uma característica
134), que afirma, por exemplo, fundamental da fotografia, pois o
que o sistema semiótico do teatro que ela “reproduz ao infinito só
nega a diferença entre os signos e aconteceu uma vez: ela repete
as realidades usadas como signos. mecanicamente o que nunca mais
Entretanto, encenações que se poderá repetir-se existencialmente”
valem de janelas imagéticas (BARTHES, 1989, p. 17), ou seja,
baseadas em imagens uma imagem fotográfica traz
videofotocinematográficas consigo seu caráter de prova, o
confrontam os espectadores com a
histórica e já consolidada relação recepção, fatores importantes inerentes à
captura da imagem, como a subjetividade
da fotografia com seu caráter e a expressão do autor. Um segundo
posicionamento, entretanto, pode ser
indicial.6 Esta relação fora definida classificado como sendo a fotografia um
processo de transformação do real: a
imagem não poderia representar o real
6
O primeiro posicionamento cultural empírico, pois não haveria realidade
perante a imagem fotográfica foi o de dissociada dos discursos que falam dela.
considerá-la um espelho do real: seu Um real interpretado e transformado,
caráter mimético, procedente de sua então, que cria uma espécie de realidade
natureza técnica, trazia ao espectador a interna transcendente. (GUEDES, 2011, p.
ilusão de um aspecto de naturalidade da 203)
imagem e eram excluídos, em sua
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registro ótico (através de aparelhos mídia fotográfica pode ser inserida
mecânicos e processos químicos) eficaz e criticamente em uma
de que o fato retratado realmente cenografia contemporânea,
ocorreu. Sua imagem é a demonstrando a relação
comprovação de um “estive aqui”, fundamental entre teatro,
o traço de uma minúscula fração dramaturgia e tecnologia,
de tempo em que foram enfatizando o caráter de sua
registrados os reflexos luminosos cenografia como uma interface para
de corpos em um espaço-tempo uma comunicação pluridimensional,
específico. O substrato e confrontando o caráter indicial e
fotossensível torna-se um meio iconográfico de uma imagem
quase invisível, perante sua fotográfica para produzir fortes
capacidade icônica e, aspectos semânticos em seu
principalmente, sua função de público, através do uso cenográfico.
registro e prova:7 “uma foto é Escrita por Branden-Jacobs
sempre invisível: não é ela que Jenkins, a peça é baseada no
vemos.” (BARTHES, 1989, p. 20) clássico melodrama de Dion
O espetáculo teatral An Boucicault The octoroon (1859),
octoroon, que esteve em cartaz em considerada a segunda ficção
8
Nova Iorque, no Soho Rep. entre sobre escravidão mais
abril e junho de 2014 e, no começo proeminente nos Estados Unidos.9
de 2015, no Theatre for a New As peças de Boucicault ancoraram
Audience, no Brooklyn, foi um frequentemente suas soluções
interessante exemplo de como a dramáticas em modernas
tecnologias industriais; The
7
Sabemos, no entanto, que alguns octoroon foi provavelmente a
tradicionais usos da fotografia, ao
promover a decodificação da experiência primeira peça teatral na qual a
sensorial humana, fogem à concepção
indicial definida por Barthes. O registro do fotografia teve um papel decisivo
movimento de cavalos feito por Eadweard
Muybridge entre 1878 e 1879 deve ser para o desfecho da estória. Uma
entendido como a desagregação do campo
perceptivo e a afirmação de uma câmera registrara, por acaso, o
instantaneidade da visão na qual o espaço
foi apagado. (CRARY, 2013, p. 151-153) momento exato de um
Outros exemplos clássicos, da mesma
época, são o registro da trajetória de uma assassinato, revelando o
bala (em velocidades mais altas que a da
propagação do som) feito por Ernst Mach e verdadeiro criminoso e, portanto,
a análise fotográfica do movimento
promovida por Etienne-Jules Marey. inocentando aquele que era tido
8
Quando foi aclamado pela crítica e
premiado com o Obie Award de melhor 9
Logo após Uncle Tom’s Cabin (de Harriet
espetáculo teatral norte-americano do Beecher Stowe, 1852).
ano.
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como culpado. Utilizar tal solução
em 2014 não seria, no entanto,
condizente com o aspecto crítico
da montagem; adaptando-se à
realidade contemporânea, a
produção expôs aos espectadores
como seria problemático utilizar
este deus ex machina em uma
época na qual uma fotografia
Figura 2 - O linchamento de dois jovens negros,
jamais poderia ser plenamente Marion, Indiana (EUA), 1930. Foto de Lawrence
considerada como o indício Beitler.
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disso, paradoxalmente, a alteração mais simbólica (seguindo o padrão
digital realçou o efeito de real da produção na maior parte do
fotográfico: tal como no evento ao espetáculo), resultaria na perda de
vivo, os corpos balançavam interesse do espectador. A janela
novamente. A imagem tornou-se imagética conduziu-nos a uma
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mentais dos espectadores, segundo desdobramentos dimensionais. É a
suas próprias vontades e olhares isto que denomino cenografia de
seletivos. buracos de minhoca: à inserção de
Tomei emprestado da física passagens virtuais que ativam a
alguns termos por entender que percepção dos espectadores para
estes podem ser extremamente outras dimensões além daquela(s)
úteis para a discussão espaço- definida(s) pela própria encenação.
temporal da cenografia. Ela nos Em geral, esta sensibilização
lembra que o atravessamento de perceptiva é visual; no entanto, não
um buraco de minhoca é é difícil pensar em propostas
teoricamente possível, embora cenográficas que conduzem a
extremamente perigoso: outros espaços-tempos, através da
cosmologicamente, podemos ser sensibilização auditiva, olfativa e
esfacelados pela potência tátil – e, por que não, pelo nosso
energética do horizonte de paladar. A sonorização, por
eventos e, metaforicamente, exemplo, pode conduzir os
podemos “esfacelar” no teatro espectadores a outras dimensões,
nossa ilusão ou nosso como o famoso som de jazz
encadeamento narrativo. Seja sugerido por Tennessee Williams em
rompendo temporalmente a cena, Um bonde chamado Desejo:
a partir da saída brusca do ator
Uma atmosfera correspondente é evocada
em contato com a plateia, seja pela música de artistas negros que
frequentam um bar perto da esquina.
tornando o espectador um Nessa parte de Nova Orleans, na
realidade, sempre se está próximo de uma
convidado ou um intruso no esquina e sempre se ouve, algumas portas
mais abaixo, na rua, o som de estanho de
um piano que está sendo tocado com a
espaço-tempo cênico, o teatro, apaixonada fluência de dedos escuros.
Esse piano tocando blues expressa o
este buraco de minhoca por espírito da vida que se leva nesse lugar.
(WILLIAMS, 1980, p. 28)
natureza, tem de assumir as
Da mesma forma, a aplicação
consequências decorrentes de tais
de determinados odores a uma
viagens através do espaço-tempo.
cena pode nos conduzir
A cenografia é o componente
virtualmente a outros espaços não
imediato da viagem espaço-
referenciados na cenografia do
temporal no teatro. É ela que
espetáculo. Meu foco, entretanto, é
agencia os buracos de minhoca,
nos desdobramentos dimensionais
“abrindo” com seus elementos
proporcionados pela sensibilização
(físicos ou virtuais) passagens
visual em cenografias com
sensíveis, promovendo, assim,
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inserções midiáticas v. III, 2003. [p. 411-422] ISBN:
9788530964184.
(especificamente as das mídias
imagéticas fotocinematográficas). GOEBEL, Johannes. The art of
interacting: senses and the discipline
A ciência moderna possibilitou of playing interfaces. Lima: Instituto
uma cosmologia simbólica em que Goethe, 2000.
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São janelas para a percepção de status de cosmopolitismo segundo
extratos esquecidos pela densa padrões europeus. A política de
camada de múltiplas histórias saneamento, ordenamento urbano
simultâneas que a cidade e embelezamento do prefeito
contemporânea normalmente tem Pereira Passos foi inspirada na obra
como exigência para seu de Georges-Eugène Haussmann em
funcionamento. A pesquisa em Paris, anos antes. A abertura da
instituições de memória, com a Avenida Central e a construção do
análise de mapas, de periódicos e Theatro Municipal do Rio de Janeiro
de crônicas do passado, ajuda a são resultados dessa inspiração
registrar a memória, fato que nem francesa (NEEDEL, 1993, p.12-13).
sempre o testemunho material da Pode-se considerar que esta
arquitetura e do tecido urbano reforma foi parcialmente bem
remanescente podem fazê-lo por sucedida, já que o dito progresso
completo (LIMA, 2012, p.17). A “ilumina apenas uma parte da
ação cênica ocorrida na rua, cidade, deixando o resto
apresenta a possibilidade de acesso mergulhado na escuridão.”
a uma dessas janelas para outras (VELLOSO, 1988, p.34)
camadas esquecidas da cidade.
A intervenção acontece não
Esta ação cênica pode ter a cidade
sem resistência, e desta tensão o
como cenário, mas também como
Rio talha sua identidade própria de
protagonista e tema principal. Esta
cidade do século XX. A literatura e
testemunha das passagens do
seus autores, como Lima Barreto e
tempo pode ser uma contadora de
João do Rio presenciam esta
histórias. A cidade guarda em si
mudança e assim atestam em seus
sua identidade, ou melhor, suas
escritos o início da nova capital
múltiplas identidades.
republicana, um recorte desta urbe
O Rio de Janeiro como centenária. São vozes também
metrópole também possui suas preocupadas com as raízes culturais
histórias guardadas no relevo de da cidade (VELLOSO, 1988, p. 10).
sua paisagem construída. A então
Como um registro de
capital federal em início do século
testemunho de suas histórias, a
XX, foi repensada para atingir o
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literatura dramatúrgica também ao espectador uma viagem que o
procura de tempos em tempos levará por algum tempo a um
recriar a cidade e seus habitantes, e outro lugar bem distante do
às vezes colocando na mão das espaço cênico. Esta afirmação é
cidades um dos papeis que pertinente, sem muitas ressalvas,
protagonizam as ações. Na quando o edifício teatral encerra
dramaturgia paulista recente a seus limites de modo bem
cidade tem sido tema recorrente, delimitado. Configuração espacial
especialmente o submundo de esta que se consolida no
marginalizados envolvidos em Renascimento, o edifício teatral
tragédias de rua da metrópole enclausura espectadores e atores
(FERNANDES, 2010, p.80). Da para um acordo tácito de ilusão
dramaturgia para as práticas temporária, secreto para quem
cênicas, podem-se citar os grupos está de fora desta comunhão. É no
Teatro de Vertigem, o Teatro período do Renascimento que a
Oficina e o Núcleo Bartolomeu de caixa cênica começa a ser
Depoimentos como exemplos esboçada, na transição das
emblemáticos na capital paulistana. estruturas efêmeras dos aparelhos
Em Goiânia, os experimentos do teatrais para os permanentes,
grupo Teatro que Roda, em “inaugurando o modelo de teatro
conjunto com o professor e diretor moderno” (CERRI, 2012, p. 5).
teatral André Carreira. No Rio de Mas o teatro praticado na rua
Janeiro, vale mencionar a Grande continua e pode se aventurar com
Companhia de Brasileira de o espectador em outra viagem
Mystérios e Novidades e o Grupo Tá com escalas no mundo real da
na Rua, ainda em atividade. Nesses cidade com seu tempo do agora, e
grupos dentre outros, a cidade se com acordos em que o
mantém operando como um atravessamento do cotidiano
significante fundamental do citadino é inevitável. Incluindo os
acontecimento cênico. É verdade elementos surpresa do cotidiano
que é uma relação nem sempre das ruas, promovendo quebra de
amistosa (CARREIRA, 2009, p. 01). expectativas tanto para
público/transeunte como para os
O teatro tem sua capacidade
atores (CARREIRA, 2012, p.192).
de, em um acordo tácito, oferecer
Gerando um espetáculo em que
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todos são obrigados a dialogar efêmero tinha função de “adaptar-
com o acaso e a imprevisibilidade. se aos espaços existentes no
interior de palácios privados.”
Fazendo um caminho mais
(CERRI, 2012, p. 5)
retrocedente, chegamos aos
postulados do arquiteto bolonhês De igual modo, o projeto do
Sebastiano Serlio, em que as teatro Olímpico de Vicenza,
estruturas efêmeras teatrais projetado por Palladio e Scamozzi,
herdadas do medievo são em Vicenza coloca o espetador
apropriadas. Na representação dos como se estivesse no “interior da
dispositivos cênicos postulados por sala palaciana” “avistando a cidade
Serlio, nota-se um resgate da ao fundo.” Em um edificio
comédia e da tragédia de espírito permanente, o palco deste teatro
clássico, com cenografia análoga possui uma cenografia de
para ambos os casos: “casarios, praticamente igual desenho aos
templos, arcos e palácios propostos por Serlio, acrescidos de
representando a cidade.” ( CERRI, janelas laterais e pórticos,
2012, p. 5). Deste modo o combinado com um arco triunfal
espectador, em uma plateia de central (CERRI, 2012, p. 6). Fica
uma estrutura efêmera semi- evidente que a cenografia, inspirada
circular, numa planta tal qual os pelas práticas da antiguidade, traz a
teatros da antiguidade, terá uma cidade para o palco da dos
visão dirferente. Ele passará a ter primóridios da caixa cênica
uma visão do interior do palácio encerrada em um edifício teatral.
privado, onde estas estruturas
Neste caminho onde a caixa
costumavam ser assentadas, com
mágica procura aprisionar um
“toda a representação da cidade ao
frame da cidade, nota-se a
fundo” (CERRI, 2012, p.5). Esta
possibilidade de se amplificar a
configuração realizada em
percepção do espectador para
estruturas efêmeras será
aquele trecho do tecido urbano. De
prontamente emulada “em espaços
certa maneira, é um recorte que a
de arquitetura permanentes,
boca de cena promove de modo
inaugurando o modelo de teatro
semelhante, séculos mais tarde, ao
moderno.” Tal modelo de teatro
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da ação do registro fotográfico e “...qualquer objeto no
teatro pode ser
aos primórdios da arte ‘emprestado’ do mundo
cinematográfica. Relembrando que ‘real’ fora do teatro.
Claramente, dentre
no mesmo período renascentista, o esses objetos, o ator
tradicionalmente detém
tecido urbano começa a buscar na não só o lugar mais
perspectiva monofocal as proeminente, mas
também aquele em que
experiências de valorização de a negociação entre o
mundo externo real e o
monumentos e edificações-chave mundo fictício do teatro
na cidade, indicando uma hierarquia é mais evidente.
(CARLSON, 2016, p.06).
visual que a desordem da cidade
Numa relação mais direta
medieval não apresentava. A boca
entre teatro, ou melhor, o espaço
de cena é o recorte de lugar e
cênico e o cotidiano da cidade, a
tempo em sua função de delimitar o
negociação pode requerer um
limite do espaço irreal do espaço
acordo mais tenso e até mais
cênico do espaço real do público.
frágil. Ao se dispensar os
Embora, o palco italiano, em suas
dispositivos que asseguram esse
delimitações espaciais rígidas e
isolamento, o atravessamento da
suas funções onde se incluem os
rotina citadina deve ser
sistemas de caixa cênica e boca de
considerado como mais um
cena, já foi desafiado em diversos componente do acontecimento
momentos das artes cênicas, em teatral. Vale lembrar que a caixa
especial nos anos de 1960 na cênica inventada no
Europa e Estados Unidos. Renascimento, de algum modo
ajudou a isolar a ação do teatro do
Mas esta separação imposta
mundo real exterior. Muito embora
pela boca de cena não impede que
no início a cenografia que se
objetos do mundo real não sejam
apresentava em seus palcos
incorporados à ação. Segundo,
buscava a representação fiel da
Marvin Carlson, Professor de
cidade em perspectiva, como já foi
Teatro nos Estados Unidos2:
citado anteriormente.3 Em seus
2
Marvin Carlson é Professor de Teatro e
3
Literatura Comparada no Centro de Importante salientar que na Renascença,
Graduação da Universidade da Cidade de muitas cidades europeias ainda recebiam
Nova Iorque (CUNY) apresentações teatrais nas praças, e
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relatos de suas experimentação representação em perspectiva pode
com o grupo Teatro que Roda em até ser tomada analogicamente
Goiânia, André Carreira, descreve como uma representação fiel do
que este “empréstimo”, conforme pensamento do traçado urbano das
termo usado por Carlson na cidades do Renascimento. Traçado
citação acima, não ocorre sem que buscava como propósito novas
muita tensão, é um jogo entre a relações com o espaço público, de
realidade cotidiana e as imagens modo a enfatizar pontos de vista,
teatrais, em que o transeunte, direcionar o olhar do transeunte. A
transformado em público pode
intenção projetual em se abrir
interferir, se transformando-o em
bulevares largos e retos4 que
coautor (CARREIRA, 2012, p.193).
enquadravam a visada da
Entende-se que no caso do teatro
perspectiva cônica monofocal,
de ocupação, termo citado por
encontrava similaridades na
Carreira para estas suas
representação da cenografia nas
produções (CARREIRA, 2012,
caixas cênicas que eram criadas no
p.192), a boca de cena e a
mesmo período. Entretanto não
consequente apreciação frontal é
possamos omitir a presença de
inexistente. Neste caso, é possível
uma outra tipologia de edifício
fazer uma comparação com o
teatral que acontece no mesmo
teatro de Shakespeare praticado
período em Londres, em que a
em palco elisabetano, um
anfiteatro com teto aberto para o natureza cilíndrica do edifício
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encenada nesses palcos é um seus templos e ganham as ruas,
exemplo de sua inegável sob a forma de Mistérios. A cidade
relevância. Também conhecida medieval passa ser o lugar de
como palco elisabetano, esta encontro entre palco e plateia,
tipologia é de ocorrência no mesmo quando este não participava da
período de consolidação da caixa própria encenação. Os Mistérios
cênica italiana, de apreciação Medievais eram estruturas
unicamente frontal. O anfiteatro dramáticas que visavam difundir a
elisabetano é embasado no liturgia católica (KOSOVSKI, 1992,
princípio esférico, que se inspira no p.27). O espetáculo dos Mistérios
teatro greco-romano e vai ser tinha uma duração e uma
empregado, séculos mais tarde, ocupação nos epaços internos e
nas propostas de Walter Gropius e externos da cidade de tal forma
Jacques Polieri, como forma de que o espaço cotidiano e seus
trazer o ator para perto do público habitantes estavam imersos no
(LIMA, 2012, p.71-72). Seria um imenso espaço teatral em que a
outro modo de aumentar a tensão cidade se transformava
entre o real e o imaginário. (KOSOVSKI, 1992, p.27).
Diferentemente de como ocorre no
Quando se resgata esta
palco italiano, no qual a disposição
prática teatral na rua, em tempos
da plateia em relação ao palco
contemporâneos, o que acontece é
induz a um ponto de fuga central
a revelação de uma cidade
apenas, e pretende fazer o
fragmentada e descontinuada, que
espectador ser levado a um outro
se sobrepõe e que se justapõe em
mundo que não o da realidade.
seus diversos tempos. Uma
Ao pensarmos na relação do imagem que leva a um dos
teatro com a cidade podemos princípios do diretor teatral
também citar o período medieval Eisenstein, o princípio da
europeu, quando o edifício de uso montagem, escrito em seu
exclusivo para o teatro desaparece manifesto de 1923. Eisenstein
e as próprias manifestações queria um espetáculo... [entre os
teatrais do período vinculadas à desejos de descontinuidade] que
Igreja Católica transbordam dos retire a palavra do centro e nivele
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o texto com outras linguagens ...” Outro princípio que pode
[...] a palavra se põe como se encaixar nesta linha de
estímulo de mesmo valor que pensamento é alinhar as
outros originados na cenografia, intervenções teatrais
nos objetos, na gestualidade dos contemporâneas na rua ao
atores e ginastas, nos sons e nas conceito de site specific, dado seu
luzes, [...´] (XAVIER, 1994: caráter relacional com o espaço
P.360). Aliás, este é um dos existente e de propriedade
princípios centrais da estética da efêmera. A transitoriedade e a
modernidade que se desenvolve mobilidade tem sido consideradas
na literatura, nas artes plásticas e como definições atualizadas de
no teatro, em início do século XX e trabalhos artísticos alinhados com
somente depois se desdobrando o termo, segundo discorre Miwon
em uma teoria do cinema Kwon em seu livro One place after
(XAVIER, 1994, p. 360). O filósofo another: site- specific art and
Michel Foucault é outro que locational identity (KWON, 2004,
menciona esse desejo de p.04). O termo site-specific foi
descontinuidade, mas de outra cunhado pela primeira vez para
forma. Para o filósofo, o tempo práticas ocorridas em fins dos
seria o senhor do século XIX, do anos 1960 e início dos anos 1970.
historicismo, do dualismo, Práticas que incorporavam as
cientificismo com excesso de condições físicas de uma locação
objetividade e um tempo linear, para a produção, apresentação e
sem distinções e alterações. Já o recepção de arte (KWON, 2004,
século XX seria a época do espaço, p.01).
do simultâneo, da justaposição, do Talvez, a ação teatral ocorrida
disperso. “Estamos em um nas ruas, sem a ocorrência de um
momento em que o mundo se delimitador físico como ocorre no
experimenta, como uma grande palco italiano, aguce a tensão entre
rede interligando pontos, que lado o real e o ficcional da ação cênica. A
a lado entrecruza sua trama” materialidade do corpo do ator, a
(FOUCAULT, 1994, p. 411). presença de ruídos e sons da cidade
não podem mais ser ignorados
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como acontece num edifício teatral primeiro não dispensará suas
encerrado num espaço que priva o memórias para receber as da ação
espectador dos acontecimentos da efêmera do teatro, o que
rua. O recorte que a boca de cena poderemos entender, pelo
proporciona é inexistente, deixando pensamento de Foucault como o
frágil qualquer dispositivo ilusionista terceiro princípio da heterotopia,
oferecido ao público como auxiliar como já citado acima, o da
na narrativa da cena. Encenadores, sobreposição (FOUCAULT, 2009:
cenógrafos e atores, deverão levar p.418).
em conta este dado. A partir do A anexação do real é uma
início da apresentação, o risco do característica do teatro
fluxo desordenado da cidade é contemporâneo, através da prática
iminente. Sem contar com a própria da pós-produção, enunciada pelo
instabilidade do público, que a crítico de arte francês Nicolas
qualquer momento pode decidir Borriaud. Esta aproximação com o
voltar a ser transeunte e seguir seu real não necessariamente descarta
curso no seu roteiro pessoal. Esta o caráter dramático com seu
instabilidade evoca o pensamento universo mágico da ação cênica.
foucaultiano de heteretopia. Um processo de composição
Foucault afirma ter a heterotopia o artística que se assemelha à
poder de sobrepor em um só lugar explicação de Borriaud sobre
real vários espaços, diversos processo criativo de Marcel
posicionamentos que são Duchamp, quando ressalta a
incompatíveis, e estarem escolha deste por objetos
relacionadas a recortes no tempo manufaturados (porta-garrafas,
(FOUCAULT, 2009, p.418). Elas urinol,...) para assegurar a
possuem o papel de criar um operação artística atribuindo-lhes
espaço de ilusão que denuncia uma nova ideia, inserindo os
como mais ilusório ainda do objetos em um novo enredo
qualquer outro espaço real (BORRIAUD, 2009, p. 22). O
(FOUCAULT, 2009, p.420). Mesmo crítico informa que usar um objeto
com o espaço real invadido pelo é interpretá-lo e às vezes trair seu
espaço inventado do teatro, o conceito, sendo a apropriação a
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primeira fase da pós-produção, e representação onde a encenação
que ao escolher um objeto ao escolheu se instalar”. O espaço
invés de fabricá-lo é possível cênico: lugar no qual evoluem os
utilizá-lo ou modificá-lo segundo atores e o pessoal técnico: área de
uma intenção específica. representação e seus
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na Renascença fosse pensado para teatro e professor, baseado em
apenas um ponto de vista, de um Florianópolis, André Carreira afirma
espectador imóvel (ARONSON, que sendo o espaço da rua
2005, p.98). Assim a cidade, mesmo característico por justaposição de
como um recorte de uma cena, será usos, então quando o teatro exerce
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Referências bibliográficas Círculo de Estudos Arquitetônicos, 14
de março de 1967. Architecture,
ARONSON, Arnold. Looking into the
mouvement, continuité, nº 5, outubro
Abyss- Essays on Scenography. United
de 1984 – Foucault só autorizou a
States of America: University of
publicação deste texto escrito na
Michigan Press, 2005.
Tunísia, em 1967, na primavera de
BORRIAUD, Nicolas. Pós-produção: 1984).
como a arte reprograma o mundo
KOSOVSKI, Lidia. Teatro e encenação:
contemporâneo. Trad. Denise
um olhar sobre o palco. (Dissertação
Bottmann. São Paulo: Martins, 2009.
de Mestrado) Rio de Janeiro: Escola de
CARLSON, M. Expansão do teatro Comunicação / Universidade Federal
moderno rumo à realidade. ARJ – Art do Rio de Janeiro, 1992. Páginas: 22-
Research Journal/Revista de Pesquisa 44 (Da liturgia medieval aos mistérios
em Artes, v.3, n.1, p.1-19, 17 maio do século XV: as santas escrituras se
2016. concretizam no espaço).
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Niuxa Drago1
tradução nossa) Para a autora, o
trabalho destes arquitetos no
A pesquisa “Cenografia como palco se caracteriza por grandes
Campo de Experimentação dispositivos experimentais.
Arquitetônico”, desenvolvida junto Embora questões urbanas estejam
ao Departamento de História e sim presentes nestes espetáculos,
Teoria da Faculdade de Arquitetura em sua maior parte transmutadas
e Urbanismo da UFRJ, dedica-se à em imagens e “movimento”, a
análise das obras de grandes autora está certa ao afirmar que a
arquitetos que experimentaram o criação de dispositivos únicos, que
exercício da criação de dispositivos englobam toda a cena e
cenográficos. Estes arquitetos permanecem, transformando-se,
estão, em geral, interessados na durante todo o espetáculo, parece
interação dos corpos com o ser uma característica comum.
espaço, e em como o movimento Thom Mayne é o principal
dos corpos e a luz cênica podem arquiteto fundador do ateliê
transformar a percepção ou californiano Morphosis, criado em
construção do espaço que 1972, que se autodefine, em seu
permeiam. O palco é, para eles, website, como “uma prática
uma “caixa de experiências” que dinâmica e em evolução que
permite ensaiar formas ou efeitos responde à mudança e ao avanço
que, na realidade arquitetônica, das condições sociais, culturais,
permanecem obnubilados pelas políticas e tecnológicas da vida
exigências estruturais e, moderna”.2 Ao definir o ateliê
principalmente, do contexto como uma “prática dinâmica e em
urbano. Thea Brejzek ressalta que evolução”, o coletivo destaca seu
estes “arquitetos-cenógrafos (...) interesse pelo movimento e pela
trabalham a cenografia formal, transformação, não apenas da
abstrata e simbólica, excluindo a prática profissional, mas dos
objetos gerados nesta prática. Daí
1
Professora Adjunta do DHT/FAU/UFRJ. Este
2
trabalho é resultado da pesquisa No original: Morphosis is a dynamic and
desenvolvida com a colaboração do bolsista evolving practice that responds to the
de Iniciação Científica Daniel Disitzer shifting and advancing social, cultural,
Serebrenick (FAU/UFRJ), e apoio da PR1- political and technological conditions of
UFRJ. modern life. Tradução nossa.
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que o Morphosis abrace projetos dentro de um cubo), escolhidas
não apenas de arquitetura e entre dezenas que a empresa
urbanismo, mas de instalações e pretendia expor. Os cubos
espaços expositivos, entendendo a luminosos, suspensos do piso,
arquitetura como um campo formavam um pequeno labirinto por
ampliado. onde os visitantes andavam
No início de sua carreira, no buscando as gretas que permitiam
final dos anos 1970, Thom Mayne desvendar os objetos expostos em
atendeu a certo pragmatismo seu interior. O objeto exposto,
funcional modernista, que começou tradicionalmente sobre o cubo,
a ser revisto pelo arquiteto com a estava agora dentro dele. O
primeira série de casas na objetivo do coletivo foi, em suas
localidade de Veneza, na Califórnia. próprias palavras, “criar interesse
através da mistificação, escondendo
Desenvolvemos um discurso
direto sobre a conexão (ou as cadeiras dentro de um objeto.”
desconexão) entre uso e forma,
que questiona tanto a (idem: 217, tradução nossa)
prioridade da função durante o
processo de concepção como a O dispositivo ressalta a
suposição de que a satisfação qualidade formal do objeto, em
das necessidades é o objetivo
principal do projeto. (MAYNE detrimento de seu valor utilitário,
apud COOK et RAND, 1989: 7,
tradução nossa). porque instiga a curiosidade e
propõe novas visões sobre ele, tanto
Os anos de 1980 deram
deslocando nossa perspectiva (já
destaque a novas iniciativas,
que cadeiras, em geral, aparecem
abrindo perspectivas para jovens
assentadas no chão) como
ateliês como o Morphosis.
fragmentando sua imagem. Ao
Convidados para construir o
mesmo tempo, mostra o interesse
expositor que receberia cadeiras da
pelos deslocamentos, pelos
Vecta num grande showroom em
fragmentos e pelos ocultamentos,
Nova Iorque, em 1989, o escritório
revelado por Thom Mayne:
aplicou suas reflexões pouco
Nosso trabalho (...) transcreve
pragmáticas. Ao invés de destacar as complexidades do mundo e a
natureza fragmentada,
os produtos, os colocou em caixas desdobrada e deslocada da
existência. Nosso interesse pela
luminescentes com pequenas indeterminação é paralelo ao
nosso interesse pela linguagem
frestas por onde o observador podia formal. Nosso trabalho reitera a
natureza inacabada das coisas.
entrever partes de apenas 6 Esperamos que desmascare os
enganos da primeira aparição e
cadeiras (cada uma “escondida” explore o que não vemos.
(idem:7, tradução nossa)
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Em 1999, o coletivo, muitas vezes é esquecido.
encabeçado pela arquiteta Ursula Inevitável é lembrar a tão
Schumaker, concebe o projeto reproduzida definição de Le
expográfico Silent Collisions, para Corbusier: “arquitetura é o jogo
uma exposição de maquetes do sábio, correto e magnífico dos
próprio Morphosis, no Netherlands volumes reunidos sob a luz”.3
Institute of Architecture, em Numa exposição sobre arquitetura,
Rotterdam. Dentro de uma sala o Morphosis nos faz lembrar,
expositiva idealmente “neutra”, com fenomenologicamente, da
dimensões equilibradas, pé direito importância da luz e da longa
alto, dotada de urdimento e fechada duração na contemplação do objeto
ao ambiente exterior, o coletivo cria arquitetônico.
duas camadas de luz: uma No website do Morphosis, a
iluminação expográfica tradicional, instalação é descrita como “um
incidindo diretamente sobre as relógio abstrato, movendo-se a
maquetes e pranchas expostas, e uma velocidade quase
4
uma segunda camada, acima desta, imperceptível”. No mezanino da
que, presa ao urdimento, atravessa sala de exposição, os arquitetos
um dispositivo instalado como uma posicionaram uma cadeira, para
segunda cobertura, translúcida, que o dispositivo pudesse também
criando discretas variações de luz ser admirado, como uma maquete
no ambiente. 1:1 (ou, segundo consta do
O dispositivo, formado de memorial do projeto, “uma
planos triangulares e trapezoidais transformação do espaço numa
pendentes do urdimento, cobrindo escala de um-para-um.”), que
quase toda a área da sala, completava seu ciclo a cada uma
assemelha-se a um telhado hora. Expunha-se, assim, na
translúcido de muitas águas, e se sobreposição de um espaço
move muito lentamente, mudando dinâmico a um espaço estático (o
suas angulações e abrindo frestas, térreo da galeria, com os
transformando-se e promovendo
3
mudanças quase imperceptíveis no A frase tão citada, no original “L'architecture
est le jeu savant, correct et magnifique des
ambiente da exposição. Simula, volumes assemblés sous la lumière”, aparece
em Vers une Architecture, editado pela
assim, a incidência solar, primeira vez em 1923.
4
Este trecho e os subsequentes atribuídos ao
componente tão essencial na Morphosis foram traduzidos diretamente do
website pela autora. Ver Morphopedia –
apreciação da arquitetura, que Architecture<https://www.morphosis.com>
acesso em 16/08/2019
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expositores tradicionais), uma limites do espaço e a luz,
escala de tempos, ou tempos convidando o Morphosis para a
dentro de tempos, como uma das construção de um espetáculo a ser
qualidades intrínsecas da apresentado na primeira Bienal de
arquitetura e da cidade. Dança de Veneza, em 2003, cujo
Nossa experiência da forma tema era exatamente ‘corpo-
construída muda com a luz,
temperatura e clima ao longo cidade’. Interessado em espaços
do dia, enquanto a própria
fisicalidade de um edifício físicos conceituais, Flamand vinha
muda ao longo das estações e trabalhando, desde 1998, num
anos (...). Repetindo a
transformação diurna da projeto de colaboração com
arquitetura, a estrutura da
exposição move-se de forma diferentes arquitetos, de forma a
quase imperceptível, percorre experimentar suas sugestões
o ciclo completo de um dia no
período de uma hora. Tornou- espaciais na criação coreográfica.
se um relógio abstrato.”
(Morphosis) Nestas colaborações, havia criado
junto a Diller+Scofidio (Moving
Poderíamos traçar um paralelo
Target, 1996 e EJM I e II, 1998),
entre a “performance” desse espaço
Zaha Hadid (Metápolis, 1999) e
e os objetivos de Robert Wilson em
Jean Nouvel (The Future of Work,
trabalhos como Einstein on the
2000 e Body/Work/Leisure, 2001).
Beach, do qual Salter afirma: “a
Para o espetáculo criado junto
arqui-cenografia lírica e vagarosa
com o Morphosis, a ideia do
de Wilson criava um evento
dispositivo usado na exposição foi
performático que não era mais
mantida, bem como o título Silent
dominado pelo desenrolar do tempo
Collisions, que traduzia a relação
do relógio (chronos), mas pelo
dos corpos com o espaço da
‘tempus’, o “tempo vivido”
cidade. As coreografias de Flamand
percebido pelo sentido do
foram inspiradas pelas descrições
espectador”. (SALTER, 2010: 60,
de cidades imaginárias feitas por
tradução nossa)
Ítalo Calvino em “As Cidades
O projeto da exposição Silent
Invisíveis”.
Collisions foi premiado pelo
Apresentado no Teatro alle
American Institute of Architects e
Tese, no Arsenal de Veneza, o
o coreógrafo Frédéric Flamand
espetáculo foi montado num espaço
(Charleroi Dance) vislumbrou ali
cênico bifrontal, com as arcadas do
um espaço para experimentar a
galpão limitando lateralmente o
interação dos bailarinos com os
dispositivo e participando da
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configuração cênica. Três grandes movimento do outro. Os arquitetos
planos – cada um deles recortado se orgulham de oferecer ao
em painéis triangulares e coreógrafo “a ferramenta para
trapezoidais, deixando passar a luz operar no ambiente da
entre esses fragmentos – formavam performance, para coreografar não
uma caixa cênica, uma espécie de apenas os dançarinos, mas também
cubo branco: um plano paralelo a o espaço”. Desta forma, tanto
cada a arcada e um plano formando coreógrafo quanto arquiteto buscam
o teto. Os painéis foram construídos criar um espetáculo onde esteja
com armação metálica e tecido representado o diálogo entre corpo
translúcido tensionado, de forma a e cidade.
não impedir a passagem da luz. Iniciando-se como um cubo
Seus vértices pendiam do branco, o dispositivo adquire 11
urdimento por uma rede de cabos, conformações diferentes, relativas a
como numa grande marionete de 11 das cidades imaginadas por
fios, e podiam ser desnivelados, Calvino. Embora sejam
desmontando aos poucos o cubo configurações dinâmicas, o
inicial e reconfigurando o espaço memorial do projeto destaca a
com formas angulares e quebradas. referência ao cubo como uma
“Flamand orquestrou projeções de espécie de “regulador referencial”
texto e imagens como marcadores da forma: “Como um dispositivo de
de lugares, e de bailarinos virtuais, simetria formal e temporal, a
como referências literais ao modo estrutura começa e termina como
contemporâneo de navegar o uma forma platônica - um cubo. Ao
mundo (a internet)”. (WEINSTEIN: longo da performance, os planos do
2008, 30) cubo se dobram para cima ou para
Segundo o memorial do baixo para animar o ambiente.”
projeto cenográfico, “Espaço e (Morphosis, grifos nossos)
dançarino unem-se neste
Este pequeno trecho serve
dispositivo quadridimensional de
como uma chave importante para a
níveis fixos e cinéticos, quebras,
leitura de diversos projetos
planos inclinados e ondulações”
arquitetônicos do coletivo. Podemos
(Morphosis, grifos nossos). Ambos
analisar dois projetos de edifícios
os elementos – espaço e dançarino
educacionais concebidos em
– se movimentam, às vezes
momentos próximos aos da
ditando, às vezes acompanhando o
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instalação e do cenário Silent concluído em 2009.5 Aqui, mais
Collisions. A Diamond Ranch High uma vez, é clara a origem do
School, projeto de 1996, objeto, cujo ponto de partida do
inaugurado em 1999, é um dos processo de concepção pode ser
mais importantes do Morphosis que, remetido a um paralelepípedo
segundo Cohen, consegue renovar derivado da completa ocupação da
a imagem das instituições públicas quadra novaiorquina. A
5
A polêmica que envolve o projeto diz
respeito aos altos custos com os quais a
Figura 1 - Diamond Ranch High School. escola teve que lidar para a construção, o
(Morphosis Architecture, 1996) Fonte: que, coincidindo com a grande crise norte-
Wikimedia Commons (Library of Congress – americana de 2008, consumiu os fundos
foto: Carol Highsmith) legados pelo fundador Peter Cooper, levando
a instituição, que fora gratuita por 150 anos,
O mesmo acontece num dos a iniciar a cobrança de mensalidades. O
documentário Ivory Tower, de Andrew Rossi,
projetos mais polêmicos do vencedor do Festival de Sundance de 2014,
questiona a necessidade da construção da
Morphosis, o da nova sede da nova sede e mostra o movimento em defesa
da gratuidade da Cooper Union. O
Cooper Union School de Nova movimento ganhou adesões como a de
Barack Obama, que mediou o acordo da
Iorque, concebido em 2006 e Direção com os estudantes que ocuparam a
sede da escola em 2013.
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A fragmentação do objeto década de 1960 e, segundo Brejzek
mantém-se a uma distância da e Wallen (2018), se tornaram as
origem formal suficientemente curta grandes estrelas dos anos 1980 nos
para nos permitir remontar ao cubo dois maiores eventos internacionais
e, assim, recriar a dinâmica da de arquitetura e cenografia: A
transformação em nossa Bienal de Arquitetura de Veneza e a
imaginação. A imagem do cubo nos Quadrienal de Praga. Para os
permite revisitar a simetria formal autores, os modelos 1:1 não são
e, também, o momento original que representacionais nem iterativos,
deu início à concepção processual mas autônomos, ou seja, instauram
ou, em outras palavras, à atuação eles mesmos uma experiência
das forças transformadoras que espacial conceitualmente
geraram o objeto final. Essas significativa e atingem em cheio o
forças, visíveis e atuantes no observador com seu poder de
espetáculo coreográfico, podem ser imersão:
apenas intuídas no objeto Em tais escalas, o modelo
criado para a exposição torna-
arquitetônico. O arquiteto, no se um espaço e um volume
interior experiencial, o que o
entanto, não desiste de aproximar a faz performativo e autônomo.
Para além da mera exposição
arquitetura destas qualidades da representativa, ele é cada vez
mais construído apenas para
performance. exibição, afirmando seu status
autônomo como um objeto ou
“Como a arquitetura poderia ambiente físico cosmopoético
ou uma criação de mundo.
ser proposta como processo (BREJZEK et WALLEN, 2018:
133, tradução nossa)
evolutivo ao invés de entidade fixa
no tempo e no espaço?” (MAYNE No lírico projeto de instalação
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destes com as capsulas em seu Referências Bibliográficas
interior. No pavilhão construído, BREJZEK, Thea; WALLEN, Lawrence.
The Model as Performance - staging
também um modelo 1:1,
space in theatre and architecture. 1º
contrastam, de imediato, blocos ed. London/New York: Methuen/Drama,
2018.
inteiramente sólidos, com outros
que mantém em seu interior o BREJZEK, Thea: Between Symbolic
Representation and New Critical
líquido fluido vermelho. Num outro Realism: Architecture as
tempo contado pela instalação, no Scenographyand Scenography as
Architecture. In: MCKINNEY, J. et
entanto, pode-se assistir à PALMER, S. (ed.) Scenography
Expanded - an introduction to
mutação do objeto como um todo,
contemporary performance design.
tanto pela potencialização dos London: Bloomsbury, 2017. pp.63-78
COHEN, Jean-Louis. O Futuro da
efeitos luminosos nas superfícies
Arquitetura desde 1889: uma história
de gelo, como pela transformação mundial. Trad. Donaldson M.
Garschagen. São Paulo: Cosac Naify,
dos estados da água. 2013.
A instalação reafirma o
COOK, Peter; RAND, Georg. Morphosis:
interesse do coletivo nos conceitos buildings and projects. Vol.1. NY:
que envolvem o tempo, manifesto Rizzoli, 1989.
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CONFERÊNCIA
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Avistei um espaço de
4
Ver em www.wsd2013.com A Mostra
compartilhamentos onde a voz do Scenofest reuni uma coleção de obras a partir
da seleção internacional de designers para
cenógrafo se destaca. Igualmente, performance. A proposta curatorial da WSD13
tinha como meta, explorar outras formas de
grifa-se o olhar dos demais exposição para as obras selecionadas dos
designers da cena. A edição de 2013 foi
designers da cena. Um campo no realizada na Royal Welsh College of Music and
Drama em Cardiff, País de Gales.
5
1
http://teatrosdelatinoamerica.com/en/index.html/ht A obra Grafismos que deu origem a
tps://www.theatre-architecture.eu/project-ttla- maquete-objeto Grafismos estreou na
tela.html .Ver também: www.theatre- Galeria 1 da Caixa Cultural no Rio de Janeiro
architecture.eu/db.html?filter%5Bstate_id%5D=38 em 2010, sendo projetada como espaço
2
Arquiteta, cenógrafa e doutora em Artes instalativo e performativo para a companhia
Cênicas. Professora da Universidade Federal de dança contemporânea Staccato/Paulo
do Estado do Rio de Janeiro. Curadora e Caldas. Duas outras temporadas
Coordenadora do Brasil do TTLA-TELA.
Membro da OISTAT. aconteceram na Caixa Cultural de São Paulo
3 e no Teatro Sérgio Porto no Rio de Janeiro.
A Mostra nacional ganhou a Triga de Ouro,
prêmio máximo da Quadrienal de Praga 6
Tese defendida no PPGAC- UNIRIO com a
2011. Foi apresentada posteriormente na orientação da Professora Doutora Lídia
FUNARTE de São Paulo em dezembro de
2011. Seguindo em 2012, para o Festival Kosovski. O conceito de geometral foi por
Internacional de Salisbury no Reino Unido. A mim desenvolvido na investigação. A
exposição fez parte do evento do Ano do concepção parte do estudo da geometria do
Brasil em Portugal no MUDE - Museu do espaço cênico e da relação temporal como
Design e da Moda de Lisboa em 2012.
quarta dimensão espacial. Dimensão
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desde 2011 estudava possíveis Outro passo nessa direção foi
materializações dos conceitos dado, quando em 2014 fui
investigado na pesquisa. Pretendia convidada pelo cenógrafo e
concretizar em obra, potenciais professor Ronald Teixeira para
grafias para esquematizar as atuar como Co - Curadora da
dimensões adicionais do espaço. Representação Brasileira na 13º
Quadrienal de Praga: Espaço e
Desse modo, a participação
Design da Performance (PQ’15) 7.
na WSD13 revelava-se como
oportunidade para consolidar em
7
Ronald Teixeira foi o Curador da
obra, a minha prática profissional Representação Brasileira. Exerci a Co-
Curadoria, fui autora da ideia para a
por meio de outra perspectiva. Proposta Curatorial, além de autora do
projeto expográfico da Seção dos Países e
Regiões da Representação Brasileira. A
revelada pela ocupação e pela Quadrienal de Praga 2015 nos convidou a
refletir sobre as noções de SharedSpace:
movimentação do ator no espaço. Relação Music Weather Politics, lido por nós como
perfeitamente clara, estudada e aplicada à EspaçoCompartilhado: Sonoridade Atmosfera
cena há mais de cem anos. A pesquisa Políticas. Tudo Por Recomeçar (Everything to
traçou o paralelo do espaço cênico com a Start Over) foi o título adotado pela
Representação Brasileira.
noção de campo da Física, permitindo a “Não olhar o passado como algo a ser
explicitação do Teatro (e do teatro) como recuperado como força original, como
espaço multidimensional. Dessa forma, o verdade ao pé da letra, mas quer capturar o
geometral é entendido como um esquema movimento contínuo da descontinuidade, o
turbilhão de imagens que se sobrepõem, (...)
dinâmico que revela a cinética da cena para de coisas que se desfizeram, destruíram,
o Teatro de dimensões adicionais. A teoria enterraram. Mas estão lá, aí, aqui:
de campo foi introduzida pelo cientista trabalhando, olhando para nós, provocando
britânico Michel Faraday que elaborou nossa reflexão. Tudo por recomeçar.” DA
SILVA, 2008:309.
experimentos com eletricidade e magnetismo A Curadoria brasileira optou por Políticas
no século XIX. O cientista “visualizou linhas para o desenvolvimento do projeto
de força, que como longos ramos espalhados curatorial. A proposta tinha como ponto de
a partir de uma planta, emanavam magnetos partida a investigação da existência de um
lugar prévio a ser desenhado pelo designer
e cargas elétricas e se difundiam em todas como espaço singular. Objetivávamos
as direções, enchendo todo o espaço.” Um revelar, dessa maneira, o lugar idealmente
campo é definido como “um conjunto de construído e habitado pelo designer como
números definido em cada ponto do espaço, um espaço anterior à criação do espaço da
cena. Buscávamos o compartilhamento da
que descreve completamente uma força sua confissão criadora ao revelar o
nesse ponto”. KAKU, 2000: 44. nascimento da ideia. Propúnhamos ainda, a
Faraday chegou a esse conceito na possibilidade de revisitar, de refazer o
comparação com um campo arado. Um instante do start criativo transgredindo para
campo arado é um espaço bidimensional, outros possíveis caminhos ou para a criação
porém em cada ponto desse campo pode de obras originais. Planejávamos com a
conter várias indicações, referências ou proposta, desvendar a ‘cenografia invisível’
números, como por exemplo, a quantidade e (ver texto de apresentação Curatorial da
o tipo de sementes. O campo de Faraday Sodja Lotker no site www.pq15.cz) que é
ocupa um espaço tridimensional (três eixos anterior ao projeto cenográfico como um
de referências) e, para cada ponto do espaço idealizado e utópico. Ao tornar visível
espaço, há seis números que descrevem a percepção dos espaços subjetivos dos
linhas de força elétrica e magnética. No criadores da cena, o agrupamento das obras
campo, em cada ponto do espaço, pode propunha a fundação de um campo-
existir um conjunto de forças que descreve a paisagem, igualmente, coabitado pelo
intensidade e a direção das linhas visitante-observador. Pretendíamos deste
magnéticas, e ainda, outros pontos podem modo, a instauração de uma arena
descrever o campo elétrico. A ideia de pluridimensional onde a multiplicidade de
cotejar a noção de geometral que eu estava olhares coabitasse um vivo território
projetando com o conceito de campo partiu cinético. Esperávamos, portanto, tornar
do cenógrafo Helio Eichbauer que, em visível a percepção de espaços particulares e
entrevista por mim realizada no dia subjetivos que atuam como um campo de
18/12/2007, definiu o espaço cênico como força quando reunidos e quando, em
um campo. Na verdade, o campo só passa a superposição, fundam uma paisagem. Assim,
existir quando é implantado o traçado do planejamos cartografar cinéticos territórios
geometral no espaço cênico. dos desejos. Diferentemente do proposto
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Acredito que esse caminho, que me cabe nessa história, uma
aliado a minha trajetória vez que não atuo como
profissional como professora e pesquisadora de arquitetura
como cenógrafa, me encaminhou teatral.
ao convite para integrar o quadro
São os planos derivativos do
do projeto Os Teatros da América
escopo inicial do projeto que me
Latina (TTLA-TELA). Fui convidada
competem, e onde me encontro
pelo arquiteto José Luís Ferrera,
nesse momento. A Investigação
presidente da OISTAT Espanha e
passa por um período de
pela cenógrafa Claudia Suarez8
reestruturação com novas metas
Participo do TTLA-TELA sendo elaboradas, como por
atuando como Curadora do projeto exemplo, a abertura de três
e Coordenadora do Brasil desde janelas no já efetivado site do
2016. É a função curatorial o papel TTLA-TELA. O objetivo será
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como objetivo principal, a com características muito
catalogação dos mais significativos diferentes entre si. Soma-se
10
teatros da América Latina do ainda, na constituição do fórum,
período colonial ao século XXI. uma curiosa característica do
projeto: a existência de
A pesquisa visa inventariar
interlocutores e coordenadores
alguns espaços teatrais latinos
sediados na Europa (Espanha,
americanos que possuam
Portugal, França e República
relevância arquitetônica e/ou
Tcheca). Uma iniciativa
histórica. Compondo, portanto, um
significativa composta por
importante acervo inédito, ao
distintas perspectivas.
expor desenhos, plantas,
fotografias e o breve histórico dos Reconhecemos o quanto o
espaços selecionados. projeto é extremamente difícil e
ambicioso. No que diz respeito ao
A iniciativa conta com a
amplo período de tempo do objeto
participação de 55 professores-
estudado, como igualmente, em
arquitetos-cenógrafos de 14 países
relação à vasta extensão territorial
como México; Costa Rica;
da América Latina a ser
Venezuela; Colômbia; Bolívia;
inventariada.
Peru; Argentina; Chile; Paraguai;
Uruguai; Portugal; Espanha; Entretanto, essa mesma
República Tcheca e Brasil, cuja condição pode ser vista como
função é coordenar as equipes de questão motivadora. A ideia
colaboradores em seus países. inédita e audaciosa desafia todos
os envolvidos.
Deste modo, o projeto Os
teatros da América Latina é A formação do fórum original
composto por diversos e permanente, reunindo
pesquisadores de diferentes países professores, cenógrafos e
pesquisadores latinos americanos
de Teatro - ATI de Praga, sendo Jan K. e europeus, além da inexistência
Rolnik o seu assessor.
10
- Trabalho com a diferenciação proposta da catalogação dos teatros latinos
por Peter Brook entre Teatro com t
maiúsculo e teatro com t minúsculo. americanos são questões que nos
Segundo o encenador, Teatro é o ato teatral
e teatro o um espaço físico.
BROOK,1999:78.
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encoraja a prosseguir como uma Na ocasião, as primeiras
obra em progresso. diretrizes do projeto foram
apresentadas e discutidas pelos
Da mesma forma, foi a
poucos coordenadores presentes.
criação da potente rede que
Mesmo assim, Sevilla16 foi o
determinou o acolhimento do
importante primeiro passo para a
TTLA-TELA pela OISTAT
composição inicial da rede de
(Organisation Internationale des 12
colaboradores . Sendo também, o
Scénographes, Techniciens et
marco do projeto, quando
Architectes de Théâtre),
projetávamos a concepção do
incorporando a iniciativa como
traçado e a formatação para o
projeto da organização desde
esquema de trabalho.
2017.
De 2016 até o presente
A composição do amplo
momento, diferentes proposições
grupo de trabalho e o
do escopo do plano foram
compartilhamento de ideias e
esquematizadas, incluindo
informações possibilitará outros
diferentes propostas do recorte
desdobramentos, para além do
temporal.
inicialmente proposto pela
investigação, como a promoção de Embora algumas definições
parcerias entre Universidades, tenham sido estabelecidas desde o
intercâmbios, dentre outras primeiro momento, como a
possibilidades de futuros projetos. escolha do formato final como um
catálogo virtual, a seleção das
A primeira exposição do
configurações espaciais dos
TTLA-TELA ocorreu em outubro de
teatros inventariados permanece
2016 em Sevilla, no OISTAT
Seville16 Meeting11, encontro 12
Vale destacar, que nessa oportunidade,
promovido pela OISTAT Espanha. participamos de reuniões com Ondrej
Svoboda e Jan K. Rolnik que nos
apresentaram o projeto TACE. Suas
expertises em documentação, formação de
banco de dados e desenvolvimento de
11 mídias, não apenas para o TACE, como
www.oistatsevilla16.com A mesa do também para a Quadrienal de Praga, são
lançamento do projeto foi composta por José importantes contribuições para o TTLA-TELA.
Luis Ferrera, José Manuel Castanheira, A parceria nos permite contar com
Claudia Suárez, Doris Rollemberg, Marcelo referências objetivas. A transferência de
Jaureguiberry, Ondrej Svoboda e Jan K. informações é fator fundamental para que o
Rolnik. Estando também presente a trabalho de investigação possa ser
cenógrafa Aby Cohen, na ocasião vice- desenvolvido a partir de um sistema de
presidenta da OISTAT. sucesso.
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como questão ainda em segmentos de estudos com
planejamento. A discussão não se desenvolvimento simultâneo.
fechou.
O primeiro estudo visa
Outra questão merece identificar historicamente, de
também ser ampliada: interessa forma concisa, alguns espaços
ao estudo refletir sobre as teatrais do período colonial e da
influências da Espanha e de fase imediatamente posterior à
Portugal na construção do legado independência de cada país latino
latino americano. Deveríamos ir americano. Essa seção poderá ser
além. Precisaríamos, do mesmo descrita por listagem ou tabela
modo, investigar a relação como esquemática com os nomes dos
uma via de mão dupla, verificando espaços, local de edificação e data
igualmente a repercussão da de construção13.
América Latina na Europa.
O segundo segmento de
A partir desse aspecto, um pesquisa propõe inventariar os
tema merece atenção. A relação espaços teatrais a partir de quatro
Europa ↔ América Latina pode ser tipologias ou configuração
realmente considerada como uma espacial: espaço ao ar livre, teatro
via de mão dupla no trânsito de com proscênio; arena e espaços
influência entre os dois com configurações variáveis. Para
continentes? tal, a pesquisa apresenta breve
histórico sobre a construção dos
Enfim, futuras possibilidades
espaços, expondo ainda, plantas
de questionamentos, para além da
baixas, cortes e fotos.
catalogação dos espaços teatrais
latinos americanos, o que por si Em maio de 2017, o segundo
só, certamente, já representa um seminário para o projeto Os
extenso e fundamental estudo. Teatros da América Latina (TTLA-
TELA) foi realizado em Setúbal,
De qualquer modo, para a
Portugal: 1º Encontro
primeira fase do trabalho, o
Internacional Casa da Baía,
desenho do projeto prevê dois
13
Segmento do projeto ainda não
desenvolvido.
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Setúbal, Portugal14. O evento teve Etapa seguinte a Portugal,
como um dos objetivos a em junho de 2017, o projeto Os
preparação de materiais (vídeos e Teatros da América Latina foi
textos) para a defesa de projeto defendido pelo arquiteto e
junto à OSTAT. Coordenador geral da pesquisa,
José Luís Ferrera, na assembleia
O encontro em Portugal foi
geral da OISTAT durante a WSD17
uma importante oportunidade, não
(World Stage Design)15. Evento
apenas para desenvolvermos os
que teve a cidade de Taipei como
fundamentos de defesa de projeto,
sede. O TTLA-TELA foi abraçado
mas, sobretudo, pela existência da
pela OISTAT e incorporado como
vasta programação composta por
projeto da organização
palestras e reuniões. Em Setúbal,
internacional16.
diversos pesquisadores
originalmente envolvidos no Assim, de modo inclusivo, o
projeto Os Teatros da América TTLA-TELA foi também exposto no
Latina puderam comparecer. evento comemorativo dos 50 anos
Assim como também, estiveram da OISTAT em Cardiff, Pais de
presentes como palestrantes ou Gales em agosto de 2018. Na
participantes do evento, outros ocasião, a apresentação objetivava
investigadores, arquitetos e ampliar a ideia do projeto como
cenógrafos não inicialmente investigação transversal,
pertencentes ao TTLA-TELA. Desse convidando as comissões de
modo, o encontro foi uma trabalho da OISTAT (pesquisa,
circunstância excelente para a arquitetura e educação) a
incorporação de novos colaborar com Os Teatros da
colaboradores ao projeto. América Latina. Importantes
contribuições à pesquisa poderão
14
O encontro contou com extensa e ser produzidas a partir dessa
produtiva programação elaborada e
coordenada pelo arquiteto, cenógrafo e
professor da Universidade de Arquitetura de proposta.
Lisboa, José Manoel Castanheira. O
programa do seminário com os resumos dos
textos e com as informações sobre os seus
participantes está disponível para download: 15
ver em: www.wsd2017.com
https://www.dropbox.com/s/fizkyixllsznrf0/S
etubal%20Final%20Program.pdf?dl=0 16
ver em: www.oistat.org A condição de
Um filme sobre o projeto, com direção de pertencimento à OISTAT facilitará futuras
Pedro Castanheira, cineasta português, foi
produzido e pode ser visualizado em oportunidades de parcerias entre
https://vimeo.com/224064338. Universidades, Instituições e Organizações.
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Um dos propósitos do projeto os desdobramentos e para as
é a promoção de encontros e propostas futuras representa um
seminários. De tal modo, de 28 de importante feito. Uma significativa
novembro a 01 de dezembro de meta alcançada diante da
2018 foi realizado o 2º Colóquio magnitude do evento.
Internacional TTLA -TELA: “Os
A Quadrienal de Praga é o
caminhos transatlânticos do
maior evento na sua área no
teatro: América, Europa e África
mundo. Reuni pesquisas e obras
(Espaços arquitetônicos teatrais e
contemporâneas de mais de 70
do espetáculo) em Mérida,
países em diversas disciplinas e
Yucatán – México17.
gêneros do design da
Outra etapa prevista no performance19. Portanto, a
cronograma original do projeto Quadrienal de Praga é notável por
ocorreu no dia 07 de junho do acolher, promover e difundir
corrente ano de 2019, quando discussões a respeito do espaço
participamos no segmento teatral e da cena contemporânea.
Historiografias, Teorias e Destacando-se como ambiente
Colaborações da PQ Talks18 na fundamental de reflexão. Um
Quadrienal de Praga 2019 (PQ’19) espaço valioso para investigar o
na cidade de Praga, República lugar teatral como espaço de ação
Tcheca. e de mudança. Sendo,
consequentemente um campo
Apresentar o projeto TTLA-
fértil para o compartilhamento de
TELA na PQ’19, expor as suas
informações e de ideias. Além de
realizações até o presente
proporcionar a oportunidade de
momento, e ainda, apontar para
questionarmos metodologias e
17 processos da investigação.
O colóquio contou com a programação
elaborada e coordenada por Dr. Òscar
Armando García, professor na Faculdade de
Filosofia e letras da UNAM e da Pós- O painel de discussão na
graduação em Literatura e Historia da Arte
na mesma universidade. Dr. Garcia é PQTalks foi desenvolvido a partir
também o Coordenador do Colégio de Drama
e Teatro da Faculdade de Artes na
Universidade Autônoma do México - UNAM.
19
18
A mesa foi composta por José Luís Ferrera, Cenografia; figurino; iluminação;
Claúdia Suarez e Doris Rollemberg. A sonoplastia; site specific; performances
exposição recebeu o título de “How can we multidiáticas; artes performativas e
write about historiography and memory of arquitetura teatral para dança; ópera e
the theatrical spaces in Latin America?” teatro.
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de três segmentos. A primeira existentes sobre a matéria,
parte apresentou o projeto, permitindo que esse conhecimento
descrevendo os seus objetivos. A possa ser transferido e, desse
segunda etapa expos as atividades modo, utilizado para o processo de
e as metas concluídas. E a terceira criação de novos estudos, ou
parte do painel introduziu os ainda, possibilitando a sua
futuros projetos, ainda em utilização para a fundamentação
processo de desenvolvimento de projeto de espaços teatrais.
conceitual.
A investigação pretende,
Igualmente, fizemos as portanto, construir uma potente
primeiras comunicações sobre o ferramenta de instrumentalização,
Seminário Internacional que que poderá ser deslocada e
acontecerá em Cuba em Janeiro aplicada para o estudo da cena, da
de 2020. cenografia, da arquitetura e da
história.
A pesquisa Os Teatros da
América Latina trabalha, O projeto Os Teatros da
primeiramente, com o América Latina tem como meta
levantamento das questões principal a composição do arquivo
projetuais e historiográficas dos virtual. Trabalho atualmente em
espaços teatrais selecionados. desenvolvimento, sendo a sua
Entretanto, o estudo vai além ao veiculação disponibilizada
propor o cruzamento de subsídios paralelamente à execução da
de diferentes ciências ou matérias, pesquisa, portanto, tratada como
enriquecendo a investigação para uma obra em progresso.
além da catalogação dos espaços
Porém, é como Curadora do
com o inventariado de dados e de
projeto, aquela que organiza,
terminologias da arquitetura
ordena temas, remontando
teatral.
pedaços de histórias que projeto o
O projeto ilumina o que se meu lugar no TTLA-TELA.
encontra disperso ao propor
Traço o paralelo entre a
também, em sua próxima etapa,
investigação e o conceito do
relacionar algumas pesquisas
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T(t)eatro como espaço conhecimento e a formação do
multidimensional que assume a fórum é o alicerce para o
multiplicação de focos de compartilhamento de
observação. Dessa forma, conhecimentos entre os
podemos projetar a ideia de pesquisadores-professores da
formação do fórum aberto mais América Latina e da Europa.
amplo, como uma arena
A ideia é propor que a
pluridimensional onde a
investigação possa ser construída
multiplicidade de pontos de vistas
de forma colaborativa. Como
coabita um vivo território. Assim,
instrumento capaz de provocar e
o diagrama de forças e de vozes
estimular o desenvolvimento de
dilata, por conceito, o espaço-
um espaço aberto, dedicado à
tempo através do
geração do saber, através do
compartilhamento de informações
sistema assimétrico e sensível. Um
e de ideias.
campo para a disseminação de
Sob essa perspectiva, e com ideias, através de diferentes
a finalidade de ampliar a ótica do metodologias de pesquisa, tecendo
projeto, pretendemos convidar para isso uma potente trama.
pesquisadores, cenógrafos e
Assim, o mote da segunda
arquitetos que já tenham
fase do projeto passa ser a
trabalhos e pesquisas no tema a
formação de um legado
colaborar com artigos e/ou
multidisciplinar, capaz de ampliar
estudos gráficos. Sabemos que
o conhecimento sobre os espaços
podemos contar com um
teatrais latinos americanos,
expressivo material existente.
estimulando o interesse pela
Dessa maneira, pretendemos memória e pela preservação do
promover o diálogo, travando a patrimônio teatral e cultural dos
discussão aberta e livre, onde a países da América Latina.
investigação apresente diversas
A formação do sistema livre e
perspectivas.
aberto prevê a criação de três
A catalogação está embasada janelas no existente site do TTLA-
em diferentes áreas de TELA. Serão espaços que
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abrigarão pesquisas existentes, espaços imprimem atmosferas
depoimentos e obras artísticas. singulares.
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Sobe essa perspectiva, são Propor, portanto, a
criados diagramas de forças construção de mapas como
diferentes para cada um, para resultantes dos deslocamentos
cada observador. Cada olhar cria físicos e/ou óticos revelando as
um campo ótico que se desloca no suas variações de direções e de
espaço, desenhando imagens tensões. Pensar em propostas de
diferentes a cada momento. Esses estudos, obras ou depoimentos
campos óticos se cruzam e se que idealizem partituras ou
sobrepõem. Um mapa complexo cartografias desses cinéticos
como um esquema de linhas, de territórios.
fluxos, de direções e de sentidos
Ou seja, propor janelas
que continua sendo infinitamente
futuras para o TTLA – TELA que
redesenhado a cada dia e
possam abrigar pesquisas, mas
continuamente em nós.
igualmente apresentem obras
Permitindo, desse modo, que os
artísticas que explorem as
espaços teatrais e igualmente a
partituras bidimensionais, gráficas
cenografia e a cena sejam
ou volumétricas que explicitem as
repensados e recriados dimensões adicionais do espaço
continuamente por conceito. teatral. Representações e
diagramas de movimentos, de
Assim, podemos conjeturar a
direção e de fluxo, como exemplos
abertura de janelas no projeto
de planos bidimensionais e
TTLA-TELA que possibilite
tridimensionais que esquematizem
inventariar, igualmente, a
o teatro multidimensional.
memória imaterial dos teatros.
Dessas janelas, veríamos
Obras que tornem ‘visível’ a
também o compartilhamento da
percepção do espaço rítmico.
confissão emocionada. Uma
Estudos que esquematizem as
possível arena para relatos das
variáveis temporais do espaço
memórias afetivas daqueles que lá
através do esboço das forças
trabalharam, ou lá estiveram como
vetoriais dos olhares múltiplos.
espectadores. Campos capazes de
Admitindo que esse esquema se
provocar emoções delicadas.
constitua de ordenações, de
proporções e de vazios. Dar voz a outras histórias.
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Referências bibliográficas Catálogo
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Reitor
Prof. Dr. Ricardo Silva Cardoso
Vice-Reitor
Prof. Dr. Benedito Fonseca e Souza Adeodato
Pró-Reitoria de Graduação
Alcides Wagner Serpa Guarino
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