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o que é um protista?
Resumo: Neste texto foi discutida a utilização do termo protista, as diversas propostas sistemáticas
utilizando-o como reino Protista e a insustentabilidade do termo no ponto de vista da sistemática
filogenética. Por fim, foi defendida a utilização do termo apenas como recurso didático e restrito ao
conceito de organismos eucariontes unicelulares.
What is a protist?
Abstract: In the present manuscript, was discussed the use of the term protist, the various system-
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atic proposals which use the term as kingdom Protista and the unsustainability of the term in the phy-
logenetic systematic perspective. Finally, it was support the use of the term only as a didactic resource
and restricted to the concept of unicellular eukaryotic organisms.
A pergunta do título poderia ser respon- animais e nem vegetais. Desse modo, organis-
mos como bactérias, algas, fungos e até alguns
dida facilmente na década de 1970 após a re- animais foram incluídos no reino Protista. O sis-
cente publicação de Robert Whittaker em 1969 tema de três reinos perdurou por longos anos
que apresentou uma proposta de classificação até que Hebert Copeland apresentou um siste-
dos organismos em cinco reinos. Mas com as ma com quatro reinos. A grande contribuição
mudanças e avanços na sistemática filogené- de Copeland foi desmembrar o reino protista,
tica nas décadas seguintes, a resposta para a retirando deste os organismos unicelulares sem
pergunta tornou-se algo mais complexo e con- núcleo, que passaram a ser incluídos em um
troverso. A referida complexidade tem em sua quarto reino, o Reino Mychota ou Monera (Cope-
origem as múltiplas definições para o termo pro- land, 1956). Os quatro reinos de Copeland, en-
tista que surgiram ao longo do tempo, algumas tretanto, não solucionaram o problema do termo
das quais ainda vigoram na literatura. protista. Copeland inclusive usou o termo Pro-
Para entendermos o porquê das controvér- toctista de John Hoggs, 1861 para designar or-
sias a respeito do conceito de protista precisa- ganismos primitivos e nessa concepção manteve
remos retroceder até meados do século XIX. sob essa designação os organismos unicelulares
Ernest Haeckel propôs em 1866 um sistema de nucleados, mas também organismos multicelu-
classificação com três reinos como uma alterna- lares como algas e fungos. Robert Whittaker em
tiva ao sistema dicotômico de Linneu que previa 1969 ao apresentar o sistema de cinco reinos
dois reinos, animal e vegetal. A contribuição de (Whittaker, 1969) criou o reino Fungi para a in-
Haeckel, criação do reino Protista, foi na época clusão dos fungos, que até então eram conside-
um grande avanço, pois se iniciava a aceitação rados também como protistas. O avanço da pro-
de que existiam organismos que não eram nem posta de Whittaker não se limitou na criação de
Rev. Biol. Neotrop. / J. Neotrop. Biol., Goiânia, v. 15, n. 2, p. 114-116, jul.-dez. 2018
mais um reino, mas restringiu o reino Protista para Cnidários e análise moleculares corroboram a pro-
organismos unicelulares com núcleo. Com isso, na ximidade entre esse grupos. Nessa perspectiva os
proposta de Whittaker além dos fungos que foram myxozoários, organismos unicelulares, teriam deri-
transferidos para o Reino Fungi, as algas multice- vado de ancestrais multicelulares. Portanto, do ponto
lulares também foram retiradas do reino Protista e de vista filogenético os termos protista ou proctotista
posicionadas entre as plantas. não se sustentam para designar organismos basais
O trabalho de Whittaker poderia ter colocado que teriam dado origem às linhagens multicelulares,
fim ao polêmico uso do termo protista, entretanto, tão pouco há argumentos que justifiquem a unicelu-
na década de 1980, Lynn Margulis e Karlene Sch- laridade como condição sinapomórfica.
wartz lançaram a obra Five Kingdoms - An ilustra- Se considerarmos que a tendência atual das
de guide to the Phyla of Life on Earth, traduzido Ciências Biológicas é adotar um sistema de classifi-
em sua terceira edição para o português em 2001 cação com base na filogenia e que Protista não é um
(Margulis & Schwartz, 2001). As autoras apresen- grupo monofilético, estaria o termo caminhado para
taram uma proposta também de cinco reinos ba- o desuso? Provavelmente resta para o termo a sobre-
seadas em Whittaker (1969). As modificações na vivência como conceito didático. Isso pode parecer
proposta de Margulis e Schwartz sobre os cinco estranho, mas acontece com outros grupos e talvez
reinos de Whittaker, entretanto, não se limitaram o melhor exemplo seja o dos peixes. Peixe também
a inserção da ideia simbiogênica para Eucarya. As não se sustenta do ponto de vista filogenético, e nem
autoras retornaram as algas multicelulares para o por isso deixou de ser usado no sentido didático,
grupo, anulando nessa concepção, a definição apre- como designação coletiva para os cordados não tre-
sentada por Whittaker para protista, como sendo ex- tápodes. Mas, para que o termo protista sobreviva na
clusiva de organismos unicelulares com núcleo. Com literatura como conceito didático, variações na defini-
essa modificação as autoras adotaram novamente o ção e uso deveriam ser evitadas, pois um termo com
termo Protoctista, como reino que incluiria organis- grande variação conceitual perderia sua função como
mos primitivos (Margulis & Schwartz, 2001). recurso de aprendizagem.
Thomas Cavalier-Smith em 2004 apresentou ou- Em uma breve análise em alguns livros didáti-
tra proposta de classificação com seis reinos, sendo cos de Ciências e Biologia, pode-se perceber a prefe-
que nessa proposta o termo protista é totalmente rência dos autores pela adoção do sistema de cinco
suprimido e os organismos unicelulares eucariontes reinos. Há sem dúvida uma solidez didática na pro-
distribuídos nos demais reinos, sendo a maioria deles posta de cinco reinos, razão pela qual os autores dos
alocados nos reinos Protozoa e Chromista (Cavalier- livros didáticos a mantêm mesmo quando abordam
-Smith, 2004). também a ideia dos três domínios (Bacteria, Ar- 115
Com os avanços das análises morfológicas e mo- chea e Eukarya) de Carl Woese e George Fox. Mas
leculares dos últimos anos, e consequentes mudanças justamente a adoção do sistema de cinco reinos e
nas propostas da sistemática filogenética de Eucarya, a grande diferença conceitual entre o reino Protista
nem mesmo a definição apresentada por Witthaker de Whittaker (1969) e o reino Protoctista de Margulis
para protista se sustenta, pelo menos do ponto de & Schwartz (1982) fragilizam o uso de protista ou
vista filogenético (Simpson & Roger, 2004; Adl et protoctista para fins de aprendizagem. Alguns au-
al. 2012). Os estudos filogenéticos têm demonstra- tores, por exemplo, adotam para o termo a defini-
do que a unicelularidade está presente em diversas ção de Whittaker e outros a definição de Margulis e
linhagens de Eucarya (Simpson & Roger, 2004). A Schwartz. Há ainda autores que usam o termo pro-
atual filogenia dos eucariontes mostra, na verdade, tista como organismos unicelulares eucariontes, com
que a multiceluariedade é a exceção, e teria surgido base em Whittaker, que estão inseridos em um grupo
de modo independente em algumas linhagens. mais amplo, Protoctista, que inclui também organis-
A sistemática filogenética também tem mostrado mos multicelulares, como na proposta de Margulis e
que as controversas algas multicelulares agrupadas Schwartz. Essas variações conceituais podem trazer
em Protista ou Protoctistas por Hackel e por Copeland confusão ao processo de aprendizagem e a raiz pode
e consideradas como pertencentes ao reino Plantae estar na frequente utilização do sistema de cinco
por Whittaker e que haviam sido novamente consi- reinos sem a observância de que existem duas pro-
deradas como protoctistas por Margulis e Schwartz postas, a de Whittaker de 1969 e a de Margulis e
seriam na verdade plantas. Desse modo, as chama- Schwartz de 1982. Essas propostas, embora seme-
das algas verdes e vermelhas, mas não as pardas, lhantes, diferem e muito no que diz respeito ao con-
estariam incluídas no clado Plantae. Do mesmo, ceito de protista. Entre os autores de livros didáticos,
modo tem-se concluído que algumas algas unicelula- por sua vez, parece ser consenso o uso didático dos
res (protistas pela definição de Whittaker) como, por termos algas unicelulares e protozoários para distin-
exemplo, Clamyodomonas, Pandorina, Volvox, den- guir os eucariontes unicelulares autótrofos dos hete-
tre outras, são plantas unicelulares. rótrofos. Nesse sentido, cabe ressaltar que a maioria
Dos três reinos multicelulares da proposta de dos livros já aborda organismos como as euglenas
Whittaker, até recentemente, apenas o reino Ani- ou os dinoflagelados, por exemplo, como protozoá-
malia se mantinha como um grupo exclusivamente rios que apresentam simbiose com algas e não como
de organismos multicelulares. Todavia, estudos filo- simplesmente algas como era frequente no passado.
genéticos, têm sugerido que o filamento polar dos Destaca-se que o termo protozoários (proto=antes;
Myxozoa possa ser homólogo ao nematocisto dos zoo=animais) assim como protista e alga limita-se
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também como termo didático. Esse termo abrange
uma série de organismo unicelulares eucariontes he-
terotróficos ou mixotróficos, não necessariamente re-
lacionados com os animais, como sugere a etimologia
da palavra. A ancestralidade dos animais surgiu de
uma linhagem de Eucarya, denominada Opisthokon-
ta a qual inclui não só os animais, mas também fun-
gos e outras linhagens unicelulares.
Considerando, portanto, que não há sentido fi-
logenético no uso dos termos protista ou protoctis-
ta, e diante das diferentes definições apresentadas
na literatura, incluindo livros didáticos de Ciências e
Biologia, sugere-se que o termo protoctista caia em
desuso e que o do termo protista seja utilizado estri-
tamente como recurso didático em alusão aos orga-
nismos unicelulares eucariontes (protozoários e algas
unicelulares).
Agradecimentos
Referências
Recebido em 08/VI/2018
Aceito em 12/XI/2018
Rev. Biol. Neotrop. / J. Neotrop. Biol., Goiânia, v. 15, n. 2, p. 114-116, jul.-dez. 2018