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E-book de

DIREITO CIVIL
Organizado por CP Iuris
ISBN 978-85-5805-012-8

DIREITO CIVIL

1° Edição

Brasília
CP Iuris
DIREITO CIVIL

→ PARTE GERAL ............................................................................................................................................ 6

1. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) .................................................................... 6

2. Visão filosófica do Código Civil de 2002 ................................................................................................. 34

3. Pessoa natural ......................................................................................................................................... 40

4. Os direitos da personalidade em uma análise civil-constitucional ....................................................... 61

5. Domicílio da pessoa natural ................................................................................................................... 86

6. Morte da pessoa natural ........................................................................................................................ 91

7. Estado civil da pessoa natural ................................................................................................................ 96

8. Pessoa Jurídica ........................................................................................................................................ 98

9. Bens. Objeto do direito......................................................................................................................... 123

10. Teoria geral do negócio jurídico ......................................................................................................... 134

→ TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES ........................................................................................................ 187

1. Teoria geral das obrigações .................................................................................................................. 187

2. Atos unilaterais ..................................................................................................................................... 195

3. Classificações das obrigações ............................................................................................................... 199

4. Adimplemento das obrigações (Teoria do Pagamento) ...................................................................... 223

5. Transmissão das obrigações ................................................................................................................. 241

6. Inadimplemento obrigacional .............................................................................................................. 245

7. Responsabilidade civil .......................................................................................................................... 252

→ TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ......................................................................................................... 279

1. Teoria geral dos contratos .................................................................................................................... 280


2. Contratos em espécie ........................................................................................................................... 311

→ DIREITO DAS COISAS ............................................................................................................................ 380

1. Introdução ............................................................................................................................................. 380

2. Posse...................................................................................................................................................... 383

3. Propriedade........................................................................................................................................... 395

4. Direito de vizinhança ............................................................................................................................ 415

5. Condomínio ........................................................................................................................................... 422

6. Direito real de aquisição do promitente comprador ........................................................................... 432

7. Direitos reais de gozo ou fruição .......................................................................................................... 433

8. Direitos reais de garantia ..................................................................................................................... 444

→ DIREITO DE FAMÍLIA ............................................................................................................................. 464

1. Aspectos gerais ..................................................................................................................................... 464

2. Casamento ............................................................................................................................................ 470

3. Dissolução da sociedade conjugal e do casamento ............................................................................. 494

4. União estável ........................................................................................................................................ 503

5. Relações de parentesco ........................................................................................................................ 518

6. Alimentos .............................................................................................................................................. 532

7. Tutela e Curatela ................................................................................................................................... 536

→ DIREITO DAS SUCESSÕES...................................................................................................................... 544

1. Introdução ao Direito das Sucessões ................................................................................................... 544

2. Herança e sua administração ............................................................................................................... 546

3. Sucessão legítima .................................................................................................................................. 556

4. Sucessão testamentária ........................................................................................................................ 561

5. Disposições testamentárias .................................................................................................................. 568


6. Revogação do testamento .................................................................................................................... 573

7. Rompimento do testamento ................................................................................................................ 574

8. Testamenteiro ....................................................................................................................................... 574

9. Inventário .............................................................................................................................................. 576

10. Partilha ................................................................................................................................................ 590


→ PARTE GERAL
1. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)

A LINDB foi incorporada em nosso ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto-Lei n°
4.657/42, que ao longo de seus 19 artigos buscou trabalhar com as normas introdutórias do Direito Brasileiro.
Tal norma, porém sofreu sensível alteração legislativa em abril de 2018 e passou a prever, a partir de seu Art.
20, novas normas, que tratam da segurança jurídica na administração.
Os dispositivos acrescentados não versam sobre questões introdutórias tratadas na Lei de
Introdução, mas, por terem sido incluídas no ordenamento jurídico, devem ser estudadas/analisadas nesta
oportunidade. Trata-se de questões mais profundamente trabalhadas no campo do direito administrativo.
Além disso, esses dispositivos em nada interferem no conteúdo da LINDB que estão previstos nos artigos 1º
ao 19.
A LINDB, muito embora se fale em uma Lei de Introdução, entrou no ordenamento jurídico através
de um Decreto-Lei, que possui status de lei ordinária. Sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro
foi influenciada pelo ordenamento jurídico Francês, notadamente, pelo Código Napoleônico, onde já havia
previsão, em 1804, de uma Lei de Introdução às Normas Gerais.
Em 1942 a LINDB foi inserida ao ordenamento pátrio com o nome de “Lei de Introdução ao Código
Civil”. Não obstante, no ano de 2010, a Lei n° 12.376/2010 promoveu uma alteração formal no que tange à
sua nomenclatura: não houve alteração de seu conteúdo, mas passou a denominar-se de “Lei de Introdução
as Normas do Direito Brasileiro”.
Em verdade, a Lei de Introdução nunca referiu-se com exclusividade ao direito civil, bem como não
faz parte dessa disciplina. As normas da LINDB também incidem sobre as demais leis. Assim, elas são
conhecidas como: normas de sobre direito; leis das leis; normas das normas; normas de apoio; lex legum.
Desse forma, extrai-se que a LINDB é aplicável a todo o ordenamento jurídico, incidente, por exemplo,
sobre o direito administrativo, processo civil, processo penal, direito penal, direito tributário, direito
previdenciário, direito do trabalho e processo do trabalho.
Ato contínuo, tem-se que as leis de introdução estabelecem regras gerais, sem, contudo, excluir
peculiaridades/especificidades de cada ramo do direito, como, naquilo que for regulado de forma diferente
na legislação específica. Ex.: A analogia, os costumes e os princípios gerais do direito aos casos omissos (art.
4º) aplica-se a todo o ordenamento jurídico, exceto ao direito penal e ao direito tributário, que contêm
normas específicas a esse respeito.
No direito penal, admite-se a analogia somente in bonam partem. O Código Tributário Nacional,
admite a analogia como critério de hermenêutica, com a ressalva de que não poderá resultar na exigência de
tributo não previsto em lei (art. 108, § 1º).

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Além disso, a LINDB ainda dispõe sobre o início e o fim de uma norma, regras interpretativas, sobre
eficácia normativa, vigor das normas, integração normativa, e, ainda, questões de direito internacional e
segurança jurídica.
Indaga-se: Como pode uma Lei de 1942 ser nominada de Lei de Introdução ao Código Civil, se o
próprio Código Civil revogado é anterior, de 1916?
Assim ocorre, porque a LINDB nunca foi uma Lei de Introdução, bem como não era novidade do nosso
ordenamento jurídico. A LINDB é assim chamada porque suas características se encontravam em outros
ordenamentos. A partir dessa noção e sob a influência do direito Francês, nasceu a ideia de Lei de Introdução
para o Brasil, vejamos:

• Projeto de Teixeira de Freitas em 1858, com a consolidação das leis civis e um título preliminar.
• Projeto de Código Civil de Coelho Rodrigues em 1890, com a redação de uma lei preliminar.
• Projeto ao Código Civil, de Clóvis Bevilaqua, em 1916 e as disposições gerais tornaram-se uma lei de
introdução.

Conceito de LINDB: “É um conjunto de regras e princípios que visam regular aspectos referentes à
interpretação, aplicação, vigência, revogação, direito transitório e direito internacional privado.”
Para Carlos Roberto Gonçalves: “Trata-se de legislação anexa ao Código Civil, mas autônoma, dele
não fazendo parte. Embora se destine a facilitar a sua aplicação, tem caráter universal, aplicando-se a todos
os ramos do direito.”
Segundo Wilson de Souza Campos Batalha: “Trata-se de um conjunto de normas sobre normas.”
A LINDB é um código de normas totalmente autônomo.

Cobrado em prova:
CESPE: A LINDB é considerada uma lex legum, ou seja, uma norma de sobredireito → Verdadeiro
CESPE: “Em 2010 houve uma alteração meramente formal da nomenclatura da LINDB” →
Verdadeiro, pois não houve alteração do seu conteúdo.

A LINDB trata dos seguintes assuntos:


• Vigência das leis sob o aspecto temporal (início e tempo de obrigatoriedade);
• Vigência das leis sob o aspecto espacial (territorialidade);
• Garantia da eficácia da ordem jurídica (não se admite a ignorância de lei vigente/ não se pode
alegar que não conhece o direito);
• Critérios de interpretação das normas (hermenêutica);

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• Fontes e integração das normas (quando houver lacunas na lei);
• Direito intertemporal;
• Direito internacional (competência judiciária brasileira, prova de fatos ocorridos no
estrangeiro, eficácia de tratados e convenções assinadas pelo Brasil, execução de
sentença proferida no exterior, atos praticados pelas autoridades consulares brasileiras no
exterior, etc.);
• Questões relacionadas a segurança jurídica da Administração Pública, tanto no campo das
decisões judiciais (relacionados à atos administrativos), como no campo da controladoria
(decisões proferidas pelos Tribunais de Contas), e também na seara do direito administrativo
em si, através de decisões tomados pelos gestores e administradores no desempenho de suas
funções.
Os dispositivos inseridos no código trazem aspectos de interpretação da tomada de decisões
dos gestores; aspectos sobre invalidades dos atos administrativos; interpretação feita pelos gestores em
relação a determinada norma, considerando o tempo em que ela foi decidida; uma ponderação, uma
prognose dos impactos que uma referida decisão pode causar, o que nos leva ao conhecimento da chamada
“análise econômica do direito”.

OBS: Para melhor compreensão e entendimento acerca de LINDB, a mesma deve ser estudada de
maneira conjunta com a Lei Complementar 95/98.

VIGÊNCIA
Trata-se do momento em que uma lei está em seu “período de vida”. Toda lei nasce (por um processo
legislativo), vive (tem vigência, aplicabilidade, obrigatoriedade, continuidade) e morre (pelo fenômeno
chamado de revogação). Perceba-se que, quando fala-se em vigência, trata-se do momento em que a lei tem
observância, momento em que ela deve ser aplicada. Por exemplo, o Código Civil de 2002 tem vigência, bem
como o Código de Processo Civil.
Dois grandes princípios se destacam quando falamos acerca do tema vigência, são eles:
a) Princípio da obrigatoriedade: É o momento em que a lei tem aplicabilidade e ninguém pode alegar
o desconhecimento dessa norma. Uma vez em vigor, a lei torna-se obrigatória para todos os seus
destinatários (art. 3° da LINDB). Tal princípio visa garantir a estabilidade e a eficácia do sistema jurídico
que ficaria comprometido se fosse admitida a alegação de desconhecimento de lei em vigor.
O princípio da obrigatoriedade não é absoluto: o erro de direito (que seria a alegação de
desconhecimento da lei) só pode ser invocado, todavia, em raríssimas ocasiões e quando não houver
o objetivo de furtar-se o agente ao cumprimento da lei.

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b) Princípio da continuidade: Em regra, a lei tem aplicabilidade contínua até que outra lei a modifique
ou a revogue. No ordenamento jurídico brasileiro somente lei revoga lei, não podendo um costume negativo
revogar uma lei. Veda-se, portanto, o chamado desuetudo, ou seja, não se admite o costume negativo
revogando uma norma.

Cobrado em prova:
CESPE: A proibição de desconhecimento da lei imposta pela LINDB é absoluta → Incorreta
CESPE: Consoante a LINDB, há uma presunção absoluta de que todos conhecem as leis brasileiras
→ Incorreta

Em resumo, podemos afirmar que uma lei tem vigência, quando ela tem obrigatoriedade e
continuidade.
Conforme já explanado, a lei, quando é criada, nasce através de um processo legislativo e a sua
criação se dará de acordo com os critérios constitucionais previstos nos artigos 59 ao 69 da Constituição
Federal.
O processo legislativo se dará: a) Iniciativa: de acordo com as regras constitucionais, uma vez que a
CF confere legitimação a várias pessoas e órgãos para a apresentação de projetos de lei ao Poder Legislativo;
b) Deliberação Parlamentar: apresentado o projeto são realizados estudos, debates, redações, correções,
emendas e votação do projeto; c) Deliberação Executiva: Chefe do Poder Executivo participa com sanção ou
veto; d) Promulgação: decorre da sanção; promulgar significa declarar a existência de uma lei, inovando-se a
ordem jurídica. Diz-se que “a lei nasce com a promulgação”; e) Publicação: serve para dar eficácia a norma.
É o ato de divulgação da existência da nova lei em órgão oficial; torna-se conhecida de todos (presunção). A
finalidade da publicação é garantir (ao menos potencialmente) que uma lei seja conhecida por todos os que
estarão sujeitos a seu comando. É uma condição de vigência e de eficácia da lei. É a fase que encerra o
processo legislativo.
Promulgou = existência
Publicou = vigência

VALIDADE DA NORMA
Tem seu aspecto constitucional. Versa sobre a qualidade da norma que contém observância das
condições formais (aspecto legislativo de criação); materiais (conteúdo da norma) e de sua produção
(devido processo legislativo), com consequente integração no sistema jurídico da sociedade. Há falar também
em validade constitucional.

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VIGÊNCIA
É o momento em que a lei tem obrigatoriedade e continuidade. Trata-se do período em que a lei está
sendo aplicada/observada. Em outras palavras, deriva da expressão latina vigentia (estar em voga, vigorar),
que significa a qualidade de vigente, o tempo durante o qual uma coisa vige ou vigora. É a qualidade
da norma no que diz respeito ao seu tempo de validade.
É o período de vida da lei, que vai do momento em que ela entra em vigor (passa a ter força
vinculante; início da obrigatoriedade) até o momento em que é revogada ou em que se esgota o
prazo prescrito para sua duração (lei temporária).
Celeuma: Vigência x Vigor: o vigor é a força da lei, da norma. Vigor e vigência, embora muito
utilizadas como sinônimos, devemos observar que, em essência, são coisas distintas.
Exemplo 1: O CPC/73 não possui mais vigência - o CPC/15 passou a ter aplicabilidade imediata aos
processos pendentes e futuros. O novo CPC dispõe que o CPC/73 está integralmente revogado, bem como, o
novo modelo não possui previsão de procedimento sumário. Isso quer dizer que não teremos novas ações
que comecem a tramitar no procedimento sumário. No entanto, o novo CPC menciona que continuará ser
aplicado o CPC/73, aos processos que estejam em andamento até a prolação da sentença sobre o rito
sumário. Veja-se que o CPC/73 não possui mais vigência, mas continua em vigor. Ocorre o que chamamos
de “ultratividade da norma”.
Exemplo 2: Art. 2.038 do CC. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses,
subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior (mesmo já revogado
o CC anterior continua produzindo efeito - ultratividade).

EFICÁCIA
É a qualidade da norma que está em vigor no tocante à possibilidade de produção de efeitos
concretos, seja porque foram cumpridas as condições exigidas para tal (eficácia jurídica ou técnica), seja
porque estão presentes as condições fáticas exigíveis para sua observância, espontânea ou imposta ou,
ainda, para a satisfação dos objetivos visados (eficácia social ou efetividade).
Pergunta: Todas as normas em vigência possuem eficácia?
Há normas que foram editadas regularmente, mas ainda não foram regulamentadas. Já outras
exigem que o Estado crie um órgão que viabilize sua execução. Assim, em tese, uma lei pode ser
válida, possuir vigência (já está vigorando), pois está apta a produzir efeitos. No entanto, na prática,
ela ainda não tem eficácia, não produzindo efeitos concretos, pois depende da prática de atos pelo
Estado, os quais ainda não foram praticados.

REGRAS DA LINDB

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O artigo 1º da LINDB, diz: “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45
(quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”. O período de 45 dias, trata-se de um período
chamado de “vacatio legis”, quando a lei passa a ter vigência, ela possui obrigatoriedade e continuidade. No
campo da obrigatoriedade, se traduz no conhecimento da norma, para que assim, as pessoas se adaptem a
essa nova lei.
Via de regra, na omissão de uma lei nova, o período de vacatio legis será de 45 dias. Todavia, cumpre
ressaltar, que este prazo de 45 dias não é absoluto, tendo em vista que ele serve para divulgação da lei, ou
seja, quanto mais complexa a lei nova, maior será esse período. Diante disso, exceto nos casos de omissão
(que será aplicada a regra do prazo de 45 dias), toda lei irá dispor sobre o seu período de vacatio.
A antiga Lei de Introdução (LICC- Lei de Introdução ao Código Civil) previa um período de vigência
progressivo, ou seja, a lei nova entrava em vigência por meio de prazos distintos, por exemplo, para a União,
havia um prazo, para os Estados havia outro prazo, e assim, sucessivamente. Hoje, de acordo com a nossa
atual LINDB, adota-se o prazo único de vigência, que é a chamada vigência ou obrigatoriedade simultânea,
ou seja, a lei entra em vigor na mesma data, em todo o país, sendo simultânea a sua obrigatoriedade.
Importante mencionar, que não há qualquer impedimento acerca do uso de prazo progressivo
(inclusive, existem leis que entram no ordenamento através de prazos progressivos), mas o ordenamento
jurídico optou por seguir o critério do prazo simultâneo.

Cobrado em prova:
MPE-MS: Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias
depois de oficialmente promulgada → Incorreta, trata-se de publicação.
CESPE: Não havendo disposição em contrário, o início da vigência de uma lei coincidirá com a data
da sua publicação → Incorreta, coincidirá com a data de 45 dias depois da publicação (art. 1º da LINDB).
CESPE: O direito pátrio tem como regra a aplicação da lei nova aos casos futuros, continuando a
norma revogada a reger os casos pendentes → Incorreta, a lei nova quando entra no ordenamento
jurídico, passa a ter aplicabilidade imediata e geral, tanto nos casos dependentes como nos casos
futuros. Ex.: CPC/15 foi publicado em março de 2016, teve o período de vacatio legis de 1 (um) ano,
passando a ter vigência em 18 de março de 2016. Este código se deparou com processos em andamento,
processos novos e processos extintos, em relação a este último, não há dúvidas, de que a ele não se aplica,
mas no que diz respeito aos processos em andamento e futuros houve a aplicação direta e imediata do
novo diploma.

- Questões importantes:

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• O prazo de 45 (quarenta e cinco) dias não se aplica aos atos normativos secundários (atos
administrativos) que decorrem do direito administrativo. Esses atos normativos secundários
são chamados de poder regulamentar ou normativo e dizem respeito ao poder que o
administrador tem editar algumas normas, desde que tenha uma lei autorizando esta edição.
Ocorre que, quando o administrador elabora, por exemplo, uma portaria, um ato normativo,
regimento, regulamento, decreto, dentre outros, esses atos não seguem o critério do artigo
1º da LINDB. A regra para esses casos é que os atos administrativos passam a produzir
efeitos na data da publicação, salvo se, no próprio ato normativo, houver um período de
vacatio legis.

• Observa Tércio Sampaio Ferraz que “o texto relaciona claramente vigência ao aspecto
temporal da norma, a qual, no período (de vigência) tem vigor. Ora, o vigor de uma norma
tem a ver com sua imperatividade, com sua força vinculante. Tanto que, embora a citada
regra da Lei de Introdução determine o vigor da norma até sua revogação, existem
importantes efeitos de uma norma revogada (e que, portanto, perdeu a vigência ou tempo
de validade) que nos autorizam dizer que vigor e vigência designam qualidades distintas”.

• Art. 1º, § 1º - Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida,
se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada. Isto é, se uma lei for editada no
Brasil, para surtir efeitos no estrangeiro (em geral quando cuida de atribuição de ministros,
embaixadores, cônsules, convenções de direito internacional, etc.) e esta lei for omissa
quanto à data que entrará em vigor (a data de sua vigência efetiva), esta lei somente entrará
em vigor 03 (três) meses após a sua publicação.

• Uma lei pode ter sido publicada com algum erro substancial (possível divergência de
aplicabilidade) o texto será corrigido e será recontado o prazo do art. 1º. O art. 1º, § 3º da
LINDB estabelece que “se antes de entrar em vigor (entende-se por vigência) ocorrer nova
publicação desta lei, destinada à correção de seu texto, o prazo deste artigo e dos parágrafos
anteriores começará a correr da nova publicação”. Há na doutrina diversos posicionamentos.
Há quem fale que a correção de todo o texto legal será recontado. Outros sustentam que,
passa a recontar somente o dispositivo alterado.

• De outra sorte, as correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova, pois o art. 1º,
§ 4º estabelece esta regra. Assim, sujeita-se, naturalmente, aos prazos das demais leis (novo

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processo legislativo, pois se trata de lei nova).

Cobrado em prova:
CESPE: Quando a republicação de lei que ainda não entrou em vigor ocorrer tão somente para
correção de falhas de grafia constantes de seu texto, o prazo da vacatio legis não sofrerá interrupção e
deverá ser contado da data da primeira publicação → Incorreta, o prazo deve ser recontado.
CESPE: Correções de texto de lei já em vigor não se consideram lei nova → Incorreta.
CESPE: As correções de texto, de qualquer natureza, ocorridas após a publicação da lei, não
interferem no termo a quo de sua vigência, na medida em que não se consideram lei nova por não alterar
seu conteúdo → Incorreta, interferirá no termo inicial da vigência, pois o período de vacatio começará a
contar novamente.

- Como ocorre a contagem do prazo de vacatio legis?


A contagem do prazo de vacatio legis consta da Lei Complementar 95/98 e conta-se: incluindo-se o
dia do começo (ou seja, o dia da publicação da Lei) e também do último dia do prazo (que é o dia do seu
vencimento). Assim, a lei entrará em vigor no dia subsequente a sua consumação integral, pouco
importando se é dia útil ou não.
Tal regra está prevista no art. 8º, § 1º da Lei Complementar no 95/98, texto modificado pela
L.C. nº 107/01 e regulamentada pelo Decreto nº 4.176/02, que dispõe sobre a elaboração, a redação,
a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição
Federal.
- Até quando a lei terá vigor?
A regra é de que a lei não tem um prazo certo para vigorar: ela permanece em vigor enquanto
não for modificada ou revogada por outra (eficácia contínua – princípio da continuidade).
No entanto, não se destinando à vigência temporária - uma lei terá vigor até que outra a
modifique ou a revogue -. É o que dispõe o artigo 2º, caput da LINDB. Lei temporária é a que nasce com
termo prefixado de duração ou com um objetivo a ser cumprido. A lei já nasce com um prazo para perder sua
vigência.

REVOGAÇÃO
Significa revocatio, revocare - anular, invalidar, desfazer, desvigorar. Significa tornar sem efeito uma
lei ou qualquer outra norma jurídica. É a supressão da força obrigatória da lei, retirando sua eficácia.
Em outras palavras, revogação significa retirar uma norma do ordenamento jurídico por outra norma
que entre em seu lugar (que a modifique ou a revogue). Assim, vê-se, portanto, que temos uma amplitude

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de variações em relação ao termo revogar.
Neste contexto, o artigo 2º parágrafo 1º, da LINDB dispõe que a lei posterior revoga a anterior nos
seguintes casos:
1) quando expressamente assim o declare (revogação expressa);
2) quando seja com ela incompatível (revogação tácita);
3) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (revogação tácita).

7.1. Formas de revogação


a) Total (ab-rogação) – quando a lei nova regula inteiramente a matéria da lei anterior ou
quando existe incompatibilidade (explícita ou implícita) entre as leis. A norma anterior perde sua eficácia
na totalidade.
b) Parcial (derrogação) – quando torna sem efeito apenas uma parte da lei ou norma, permanecendo
em vigor todos os dispositivos que não foram modificados. Ex.: O CPC/15 derrogou alguns dispositivos do
Código Civil/2002, por exemplo, o art. 227 do CC.
c) Expressa (ou por via direta) – quando a lei nova taxativamente declara revogada a lei anterior
ou aponta os dispositivos que pretende suprimir (art. 2º, § 1º, LINDB). O art. 9º da LC 98/95, com a redação
da LC 107/01, estabelece que “a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou
disposições legais revogadas”.
A regra é, quando houver revogação, que ela seja expressa ou por via direta.
d) Tácita (indireta ou via oblíqua) – quando a lei posterior é incompatível com a anterior e não há
disposição expressa no texto novo indicando a lei que foi revogada. Diz o art. 2º § 1º, da LINDB, que
ocorre a revogação tácita quando “seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria
que tratava a lei anterior”. Geralmente, o legislador utiliza, no final das leis, a seguinte expressão
genérica: “revogam-se as disposições em contrário”.

➔ Informações importantes acerca do estudo das revogações:


✓ É possível a ultratividade ou pós-atividade da norma que, nada mais é, do que a possibilidade
de produção de efeitos por uma lei revogada;
✓ No direito brasileiro não existe a possibilidade de retirar o efeito de uma lei em razão de um
costume – é a chamada supremacia da lei sobre os costumes. É a inadmissibilidade do
desuetudo – uma espécie de costume negativo ou desuso. Em todo caso, podemos utilizar o
instituto do costume como método de integração para fins de julgamento.
Ademais, o desuso não pode ser utilizado como causa de atipia, ou seja, retirada de vigência
de uma norma.

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Nesse sentido, veja-se o julgado abaixo:

STJ: “A eventual tolerância ou a indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso


desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia (Precedentes). II - A norma
incriminadora não pode ser neutralizada ou se considerada revogada em decorrência de, v.g., desvirtuada
atuação policial (art. 2º, caput da LICC). Recurso conhecido e provido. (REsp 146.360/PR, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19.10.1999, DJ 08.11.1999 p. 85)”.

Cobrado em prova:
CESPE: O sistema jurídico brasileiro admite que, devido ao desuso, uma lei possa deixar de ser
aplicada → Incorreta
CESPE: Para ser aplicada, a norma deverá estar vigente e, por isso, uma vez que ela seja revogada,
não será permitida a sua ultratividade → Incorreta.

REPRISTINAÇÃO
A repristinação está ligada ao instituto da vigência e significa restaurar a atividade de uma
determinada lei, ou seja, é o restabelecimento da eficácia de uma lei anteriormente revogada.
Diz o art. 2º § 3º da LINDB: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a
lei revogadora perdido a vigência”.
Para melhor compreensão, trata-se de típico exemplo de repristinação: A Lei “A” entrou no
ordenamento jurídico através de um processo legislativo. Posteriormente, veio a Lei “B” e revogou a Lei “A”.
Em sequência, com o advento da Lei “C”, esta revoga a Lei “B”. A repristinação seria “ressuscitar” a Lei “A”
porque a Lei “B” foi revogada.
No Brasil é possível a aplicação da repristinação, mas não de forma automática.
Importante: Repristinação e efeito repristinatório são institutos diversos. O efeito repristinatório é
estudado no campo do direito constitucional, mais especificadamente em controle concentrado de
constitucionalidade. Ex.: Lei “A” foi revogada pela Lei “B”. Posteriormente, o STF declara a
inconstitucionalidade da Lei “B”, restaurando-se os efeitos da norma revogada, já que a norma revogadora
será considerada como nunca tivesse existido. É o que preleciona o artigo 27, da lei 9.868/99. A decisão de
inconstitucionalidade, é declaratória e possui efeitos retroativos, “ex tunc”, se concretizando com a chamada
modulação dos efeitos da decisão.

NORMAS GERAIS E ESPECIAIS


Previsto no art. 2º, § 2° do CPC, entende-se por norma especial aquela que possui um conteúdo

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especializado dentro de um ramo do direito (por exemplo, Lei de Alimentos, Código de Defesa do
Consumidor). Já a norma geral, aborda o conteúdo de um ramo do direito de maneira geral.
A norma geral não revoga a especial e a norma especial não revoga a geral - essas normas
caminharão conjuntamente. A norma especial pode revogar a geral quando dispuser sobre esta revogação
de forma explícita ou implícita, momento em que regula a mesma matéria que a geral, modificando o
seu conteúdo.
Quando a lei especial regula determinada matéria, que também está prevista num Código,
contendo outras disposições a mais que não se encontram no Código e que não contradizem o novo direito,
ambas continuarão em vigor, coexistindo.

Cobrado em prova:
CESPE: A Lei n.º XX/XXXX, composta por quinze artigos, elaborada pelo Congresso Nacional, foi
sancionada, promulgada e publicada. A respeito dessa situação, assinale a opção correta, de acordo com a
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. a) Se algum dos artigos da lei sofrer alteração antes de
ela entrar em vigor, será contado um novo período de vacância para o dispositivo alterado; b) Caso essa
lei tenha revogado dispositivo da legislação anterior, automaticamente ocorrerá o efeito repristinatório se
nela não houver disposição em contrário; c) A lei irá revogar a legislação anterior caso estabeleça
disposições gerais sobre assunto tratado nessa legislação.;d) Não havendo referência ao período de
vacância, a nova lei entra em vigor imediatamente, sendo eventuais correções em seu texto consideradas
nova lei; e) Não havendo referência ao período de vacância, a lei entrará em vigor, em todo o território
nacional, três meses após sua publicação.
FCC: Antes da vigência da Lei nº 13.146/2005, eram considerados absolutamente incapazes
aqueles que não podiam exprimir a vontade, ainda que por causa transitória. Com a vigência da Lei nº
13.146/2015, passaram a ser considerados absolutamente incapazes apenas os menores de dezesseis
anos. Esta mesma lei tratou como relativamente incapazes aqueles que, por causa transitória ou
permanente, não puderem exprimir sua vontade. A Lei nº 13.146/2015 tem aplicação: a) imediata, porém
não atingindo as pessoas que já não podiam exprimir a vontade quando do início da vigência da referida
norma, as quais continuam a ser consideradas absolutamente incapazes, em razão da proteção ao direito
adquirido; b) ultrativa, atingindo apenas as pessoas que passaram a não poder exprimir a vontade, por
causa transitória ou permanente, depois do início da vigência da referida norma; c) imediata, atingindo
todas as pessoas que, no início da vigência da referida norma, não podiam exprimir a vontade, por causa
transitória ou permanente, as quais passaram a ser consideradas relativamente incapazes; d) imediata,
porém não atingindo as pessoas que já não podiam exprimir a vontade, por causa transitória ou
permanente, quando do início da vigência da referida norma, as quais continuam a ser consideradas

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absolutamente incapazes, em razão da vedação ao efeito retroativo; e) imediata quanto às pessoas que,
no início da vigência da referida norma, não podiam exprimir a vontade em razão de causa transitória, e
ultrativa em relação às pessoas que não o podiam fazer por causa permanente, em razão da proteção ao
ato jurídico perfeito.

Indaga-se: É possível a lei nova atingir os fatos passados?


Via de regra, não, visto que a lei nova, quando entra no ordenamento jurídico, possui efeitos
jurídicos dali para frente. Bem como, a LINDB confere proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido
e a coisa julgada.

MÉTODOS DE INTEGRAÇÃO DA NORMA


Dispõe o art. 4º da LINDB: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia,
os costumes e os princípios gerais de direito”. O juiz não pode deixar de decidir uma questão alegando que
não existe norma regulamentadora para aquele caso em concreto. Trata-se do princípio da inafastabilidade
do controle jurisdicional.
O fenômeno da subsunção se perfaz no encaixe perfeito da norma ao caso concreto. Contudo,
quando não há uma lei específica para o caso concreto, o juiz deverá se valer da analogia, dos costumes e
dos princípios gerias do direito (nesta ordem, respectivamente). Tal regra não é absoluta, mas de acordo com
a LINDB, tem-se a interpretação de que deve se concretizar nesta ordem.

1) ANALOGIA: É a aplicação de norma ou conjunto de normas aproximadas a um caso. A analogia


pode ser classifica como analogia legal e analogia jurídica.

• Analogia legal: Segundo os ensinamentos de Limongi França, é exatamente a aplicação de uma lei a
aquele caso em específico.
Por exemplo, o artigo 157 do CC, estabelece sobre um dos defeitos do negócio jurídico que é a lesão,
onde a pessoa assume uma obrigação excessivamente onerosa por qualquer necessidade ou inexperiência.
Já o art. 156 do CC, tutela a disposição sobre o estado de perigo, onde o sujeito assume uma obrigação
desproporcional por necessidade de salvamento. No entanto, no parágrafo 2º do art. 157 do CC, assegura
que caso a parte contrária tenha tido vantagem com a lesão, e ofereça suplemento suficiente para minimizar
a desproporção, o negócio jurídico será conservado. Tal regra, a priori, não se aplica ao instituto do estado de
perigo, mas poderá ser aplicado por analogia.

• Analogia jurídica: É utilizar-se de princípios, conceitos, preceitos consagrados pela doutrina e pela

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jurisprudência a um caso em específico. Cumpre mencionar que para alguns doutrinadores, a
analogia jurídica se constitui na aplicação dos princípios gerais do direito.

OBS.: Analogia e interpretação extensiva são institutos distintos. Em suma, a interpretação extensiva
visa adequar o que o legislador realmente pretendia com aquela norma, ou seja, a norma diz menos do que
deveria. Ex.: Art. 12 do CC, em caso de violação aos direitos da personalidade do de cujus, o cônjuge torna-se
lesado de forma indireta (dano por ricochete), e tem legitimidade para postular em juízo. Em face desta regra,
deve-se aplicar uma interpretação extensiva para, assim, garantir ao companheiro o mesmo direito previsto
ao cônjuge.

2) COSTUMES: Se faz necessária a observância de 3 (três) requisitos para se aplicar o costume, são
eles:
Comportamento reiterado + conteúdo lícito + relevância jurídica
Em caso de violação de um costume, se pratica abuso de direito. Tal afirmação se extrai do contido
no artigo 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Ex.: Súmula 370 do STJ: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado” → Gera
violação ao costume e, consequentemente, abuso do direito.

- Classificações dos costumes:

• Contra legem: É aquele costume contrário a lei.


• Praeter legem: É o costume que é considerado como métodos de interpretação. É aquele que deve
ser aplicado quando se tem: comportamento reiterado + conteúdo lícito + relevância jurídica.
• Secundum legem: É aquele costume que não se trata de métodos de integração. É o costume
praticado de acordo com a autorização da lei. Ex.: Art. 445, § 2º “Tratando-se de venda de animais,
os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial ou, na falta desta, pelos
usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a
matéria”.
• Costume judiciário (jurisprudência consolidada): hoje se vive a era dos precedentes obrigatórios (a
observância é obrigatória, mas não a sua aplicação, salvo no que diz respeito à Súmula Vinculante).
O precedentes são as decisões já consolidadas em sede de tribunais superiores. Tal observância
consta do artigo 927 do CPC.

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Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do
Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Por fim, importante ponderar que o juiz deve fundamentar sua decisão de maneira plena, robusta e
completa, com o fim de aplicar, mencionar, ou não aplicar o precedente. Todavia, cumpre ao magistrado
realizar a técnica da menção em relação aos precedentes, a qual relaciona-se ao chamado “distinguishing” -
faz-se o encaixe do caso em julgamento com algum dos precedentes proferidos pelos Tribunais.

3) PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO: Segundo sustenta Miguel Reale, os princípios constituem


verdadeiros pilares fundantes do ordenamento jurídico. O artigo 8º do CPC, trabalha com a ideia de que os
princípios devem ser compulsoriamente observados (inclui-se também, os princípios do direito civil
moderno, que será estudado mais adiante).

OBS.: Importante ainda, fazermos observação quanto a equidade, que trata-se do senso justo, de
tomada de decisão correta, de justiça, de decisão razoável, de decisão efetiva e adequada. Há quem defenda
que o uso da equidade pode afastar até aplicação do ordenamento jurídico. Todavia, a equidade não é meio
de integração das normas jurídicas. O artigo 140, parágrafo único do CPC, sustenta: “O juiz não se exime de
decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Parágrafo único. O juiz só decidirá
por equidade nos casos previstos em lei”.
Percebe-se, que há um ponderação reflexiva com relação a este fenômeno, pois podemos ter o
“julgamento por equidade” e “julgamento com equidade”.

• Julgamento por equidade: é a aplicação da técnica de equidade em si, que, por sua vez, será aplicada
quando houver autorização legislativa. Há quem diga que o julgamento por equidade é autorizada
pela LINDB quando ocorre a autorização de método de integração da norma, através dos princípios
gerais do direito.

• Julgamento com equidade: evidencia-se um senso de justiça, de melhor decisão. Neste norte, temos

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que toda decisão deve ser proferida/elaborada com equidade.

Cobrado em prova:
CESPE: Utiliza a analogia o juiz que estende a companheiro(a) a legitimidade para ser curador
conferida a cônjuge da pessoa ausente → Incorreta, trata-se de interpretação extensiva
CESPE: Por um critério analógico, é possível inferir que é lícita a compra e venda entre
companheiros de bens que estejam excluídos da comunhão → Incorreta, trata-se de interpretação
extensiva.

CONFLITO DE NORMAS NO TEMPO


Quando uma norma é modificada por outra e já se haviam formado relações jurídicas na
vigência da lei anterior, podem surgir conflitos. O direito intertemporal soluciona o caso, aplicando dois
critérios: as disposições transitórias e o princípio da irretroatividade das leis.

1) DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS (direito intertemporal): A lei, para evitar eventuais e futuros


conflitos, em seu próprio corpo, geralmente ao final, pode estabelecer regras temporárias, destinadas
a dirimir conflitos entre a nova lei e a antiga, conciliando a nova lei com as relações já definidas pela norma
anterior.
Por exemplo: Art. 2.038 do CC. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses,
subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior (mesmo já revogado
o CC anterior, continua produzindo efeito - ultratividade).

IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: Retroagir quer dizer atividade para trás, ou seja, produção de
efeitos em situações passadas. Juridicamente, podemos dizer que uma norma retroage quando ela
vigora, não somente a partir de sua publicação, mas, ainda, regula certas situações jurídicas que vêm
do passado. Na verdade, quando ocorre a criação de uma lei, será para afetar os fatos futuros, a partir de
sua vigência.
Assim, tem-se que a regra no ordenamento jurídico brasileiro é a irretroatividade das leis, ou seja,
estas não se aplicam às situações constituídas anteriormente. Trata-se de um princípio que visa dar
estabilidade e segurança ao ordenamento jurídico preservando situações já consolidadas sob a lei
antiga, em que o interesse particular deve prevalecer. Todavia, essas regras não são absolutas, elas podem
sofrer mitigações no âmbito do direito penal, por exemplo.
Observa-se, por fim, o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal que determina: “A lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Nesta mesma linha, temos o

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disposto no art. 6º da LINDB que prevê: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Em outras palavras, a lei nova tem eficácia
imediata e geral, ou seja, atinge os fatos pendentes e futuros que se realizarem sob sua vigência, não
abrangendo os fatos passados. Isso se sustenta por aplicação a regra do “tempus regit actum” - a lei do
tempo do ato é a lei que vai reger aquele ato.
Exemplo: Estava em vigência o CPC/73. Com o advento do CPC/15, que teve período de vacatio legis
de 1 ano, - publicado em 17/03/15 -, esse período de vacatio legis perdurou até o dia 17/03/16. Ocorre que,
em 15/03/16, o juiz publicou a sentença e, em 18/03/16, foi publicada no Diário de Justiça. Eventual recurso
dessa decisão será regido por qual lei? O recurso será regido pelo CPC/2015, pois a sentença foi publicada no
dia 18/03/16, sob a vigência do novo código.

Conceitos importantes acerca do assunto:

1) Ato Jurídico Perfeito: É o ato que já está consumado, de acordo com a norma vigente no tempo em
que se efetuou, com todas as formalidades exigidas pela lei. Por isso o ato não pode ser alterado
pela existência de lei posterior.

2) Direito Adquirido: É o direito que já se incorporou ao patrimônio e à personalidade de seu


titular, podendo ser exercido a qualquer momento. Para ser considerado “direito adquirido” são
necessários dois requisitos: a) existência de um fato; b) existência de uma norma que faça do fato
originar-se direito. Enquanto não estiverem presentes estes elementos, não há direito adquirido,
mas “expectativa de direito”.

3) Coisa Julgada: É a decisão judicial da qual não cabe mais recurso (transitou em julgado). Assim, uma
lei nova não pode alterar aquilo que já foi apreciado em definitivo pelo Poder Judiciário.

Pergunta: Há uma proteção absoluta de que a lei nova não irá atingir o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada?
R: Não há uma proteção absoluta, pois se caminha para um ordenamento jurídico adequado a
dignidade da pessoa humana, podendo ser exteriorizada a partir de 2 (dois) fundamentos:

Enunciado 109 da Jornada de Direito Civil: “A restrição da coisa julgada, oriunda de


demandas reputadas improcedentes por insuficiência de provas, não deve prevalecer para inibir a busca
da identidade genética pelo investigando”. Ex.: Típico caso de investigação de paternidade, que em alguns

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casos, as decisões poderão ser revistas.

Art. 2035, parágrafo único do CC: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar


preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos”. Ex.: Convenção realizada âmbito no CC/16, poderá ser revista para se
adequar ao que modernamente temos no nosso Código Civil vigente.

INTERPRETAÇÃO DAS LEIS


A LINDB trabalha com a interpretação das normas de maneira bem mais superficial do que os critérios
de hermenêutica colacionadas no direito constitucional.
Desse modo, entende-se por hermenêutica, como uma teoria científica da arte de interpretar e
descobrir o sentido da norma jurídica, é fixar o seu alcance. Exegese, por sua vez, é a aplicação prática das
regras de hermenêutica.
Quando falamos em aplicação da norma no âmbito da LINDB, nos deparamos com 2 (duas) situações
diferentes: os métodos de integração da norma - analogia, costumes e princípios gerias do direito, com
ponderação relacionada a equidade -, e interpretação da norma.
Métodos de integração da norma é distinto de interpretação da norma.
Na interpretação, observa-se a verdadeira essência da norma jurídica, ou seja, o que verdadeiramente
se pretende alcançar, é a chamada mens legis – real intenção da lei.
Dessa forma, a interpretação da lei se revela no momento em que há ambiguidades no texto legal,
má redação, imperfeição ou falta de técnica, que são solucionadas por meio da intervenção do intérprete
para alcançar o verdadeiro sentido que o legislador pretendeu.
Há vários métodos e critérios de interpretação. Todavia, destaca-se algumas dessas formas:
a) Quanto às Fontes
A interpretação pode ser:
- Autêntica: pelo próprio legislador por meio de outro ato normativo;
- Doutrinária: pelos estudiosos; e
- Jurisprudencial: pelos Tribunais.
b) Quantos aos Meios
A interpretação pode ser:
- Gramatical: observa-se regras de linguística, sentido filológico;
-Lógica: também chamada de racional, é a interpretação na qual a lei é examinada no seu conjunto;
- Ontológica: busca-se a essência da lei, sua razão de ser, a ratio legis - razão da lei;
- Histórica: observância das circunstâncias que provocaram a expedição da lei;

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- Sistemática: comparativo da lei atual de acordo com as demais normas que inspiram aquele ramo,
ou seja, leva em consideração todo o ordenamento jurídico que se relaciona com determinado ramo do
direito em específico.
Quando se pretende interpretar uma norma relacionada a alimentos, por exemplo, analisa-se todo o
ordenamento jurídico privado;
- Sociológica ou teleológica: adapta o sentido ou a finalidade da norma às novas exigências
sociais.
Importante ponderar, o contido na Súmula 364 do STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de
família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.
Em linhas gerais, caso não haja o pagamento de uma dívida, o devedor responde com seu patrimônio
pelas dívidas que lhes foram contraídas. Acerca do assunto, a Lei n° 8.009/1990 estabelece a
impenhorabilidade do bem de família do devedor.
Surgiu-se então, a discussão acerca da possível penhora de bens da pessoa solteira, separada,
divorciada ou viúva - bem de família da pessoa sozinha é denominado single.
A questão seguiu até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e após uma análise pormenorizada e integral
da Lei n° 8.009/1990, foi editada a Súmula 364. Chegando-se a conclusão, de que a verdadeira intenção da
lei não é proteger tão somente à família, mas sim, a dignidade da pessoa humana (pautada no mínimo
existencial).
O STJ utilizou-se da interpretação teleológica para edição da Súmula 364.
c) Quanto aos Resultados
A interpretação pode ser:
- Declarativa: a letra da lei corresponde exatamente ao pensamento do legislador, não havendo
necessidade de interpretação;
- Extensiva: o legislador disse menos do que pretendia, sendo necessário ampliação da aplicação
da lei. A exemplo, das normas previstas ao cônjuge que se aplicam ao companheiro; ou
- Restritiva: o legislador disse mais do que pretendia, sendo necessário restringir a sua aplicação.
A interpretação não se restringe tão somente na interpretação da lei, isso porque, alguns negócios
jurídicos necessitam ser interpretados.
Importante: O dispositivo legal que assegura a interpretação das normas, encontra-se previsto no
artigo 5º da LINDB, que diz: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e
às exigências do bem comum”.
Vale mencionar, que um estudo mais aprofundado desse conteúdo, é analisado no campo do direito
constitucional; na legislação esparsa ou outros ramos do direito mais específicos. Mas em especial, no direito
civil, a interpretação da norma é bastante utilizada no que diz respeito aos bons costumes através da função

23
social.
DICA: As interpretações sistemáticas e teleológicas são as mais cobradas em provas.
DICA: Interpretação extensiva não se confunde com analogia.

ANTINOMIAS
Ocorrerá antinomia, quando houver aparente conflito entre as normas.
Em outras palavras, é a presença de duas ou mais normas conflitantes, sem que a lei afirme
qual delas deva ser aplicada a um caso concreto; há uma incompatibilidade de conteúdos das normas.
Há falar, inclusive, em “lacunas de conflito” ou “lacunas de colisão”.
Frente as noções introdutórias do direito, há quem sustente, que o ordenamento jurídico deva ser
perfeito, ou seja, não se admite antinomias. Por essa razão, dentro de um mesmo ordenamento jurídico, não
poderá haver normas conflitantes.
Todavia, quando houver esses conflitos, serão meramente aparentes.
O estudo das antinomias podem ser divididos em 2 (duas) espécies, vejamos:

a) Antinomia real: Ocorre quando duas leis são exatamente conflitantes entre si.
Esta ocorre quando não existe no ordenamento jurídico um critério normativo para solucionar o
conflito. Aplicando-se uma norma, viola-se outra, e vice-versa.
Somente será eliminado este tipo de antinomia com a edição de uma nova norma elucidando e
solucionando o caso (Solução do Poder Legislativo) ou adoção do princípio máximo de justiça (Solução do
Poder Judiciário – artigo 8º CPC).
Diz o artigo 8º: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do
bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade,
a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.
O princípio máximo de justiça se encontra presente no dispositivo acima, a qual sustenta que toda
decisão judicial que tenha conteúdo decisório relevante, seja uma decisão interlocutória, seja uma sentença
monocrática ou unipessoal, ou um acórdão, ela deve ser proferida com senso máximo de justiça, o qual
possui intrínseca relação com o julgamento com equidade.

b) Antinomia aparente: Ocorre quando os critérios para a solução estiverem nas normas
integrantes do próprio ordenamento jurídico. Nesta hipótese o conflito é apenas aparente, sendo
aplicada apenas uma das normas.
Exemplificando: A Lei de Alimentos é de 1968, que prevê o prazo de 1 (um) a 60 (sessenta) dias da
prisão civil do devedor de alimentos. Por outro lado, o Código de Processo Civil menciona o prazo de 1 (um)

24
a 3 (três) meses da prisão civil do devedor de alimentos.
Nessa situação, qual lei será aplicada? Há um conflito meramente aparente, que poderá ser
solucionado através dos seguintes critérios.

Critérios para eliminar o conflito de uma antinomia aparente

• Hierárquico (também chamado de lex superior derogat legi inferior): É o primeiro a ser aplicado,
baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre outra.
Em outras palavras, uma lei hierarquicamente superior tem preferência em relação à uma lei inferior.
Ex.: norma constitucional possui hierarquia em face de uma norma infraconstitucional.

• Especialidade (também chamada de lex specialis derogat legi generali): O segundo critério leva
em consideração a amplitude das normas. Ou seja, se o legislador tratou um determinado assunto
com mais cuidado e rigor, ele deve prevalecer sobre o outro que foi tratado de forma geral. Portanto,
norma especial deve prevalecer em relação à uma norma geral.

• Cronológico (também chamado de lex posterior derogat legi priori): É baseado no momento em que
a norma jurídica entra em vigor, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes
ao mesmo escalão. Dessa forma, utiliza-se o critério cronológico quando uma lei mais recente tem
preferência em relação à uma lei anterior.
O critério cronológico será utilizado sempre que o conflito não puder ser solucionado pelos critérios
hierárquico e da especialidade.

Os critérios de eliminação dos conflitos, devem ser aplicados, necessariamente, na seguinte ordem:
1º critério hierárquico - possui preferência sobre os demais -, 2º critério da especialidade, - possui
preferência sobre o cronológico -, 3º critério cronológico - é residual.
Ademais, quando houver duas normas de mesmo status, por exemplo, duas normas especiais,
somente o critério cronológico poderá solucionar o conflito. Situações como essas, são chamadas de
antinomia de 1º grau.

Classificação das antinomias

a) Primeiro grau: O conflito envolve apenas um dos referidos critérios; ou seja, para a solução
aplica-se apenas um dos critérios.

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Casos: o conflito entre uma norma anterior e outra posterior, aplica-se o critério cronológico; para
o caso de conflito entre uma norma geral e outra especial, usa-se o critério da especialidade.

b) Segundo grau: o conflito envolve mais de um dos critérios.


Casos: concorrendo os critérios hierárquico e cronológico, prevalece o hierárquico; - concorrendo
o critério hierárquico e o de especialidade, prevalece o hierárquico -, concorrendo os critérios de
especialidade e cronológico, prevalece o da especialidade.

OBS.: Não há uma regra geral para a solução dos conflitos. No entanto, deverão ser
compulsoriamente observados a luz do princípio máximo da justiça, na medida em que, toda decisão judicial
será pautada no livre convencimento motivado do magistrado.
Ressalta-se que o Código de Processo Civil não menciona a expressão “livre convencimento
motivado”. Alguns doutrinadores, a exemplo de Fredie Didier, discute a questão da retirada da expressão
“livremente”, pois, em verdade, o magistrado possui o convencimento motivado ou convencimento
controlado.
Por outro lado, outros dirão, que por mais que o CPC não utilize a expressão “livre convencimento
motivado”, o juiz não deixa de ser livre e sempre haverá uma motivação.

VIGÊNCIA DA LEI NO ESPAÇO


Quanto a vigência da lei no espaço, significa dizer, que dentro do nosso território, aplicamos às nossas
leis.
O Estado politicamente organizado tem soberania sobre o seu território e sobre seus habitantes.
Decorre disso que toda lei, em princípio, tem seu campo de aplicação limitado no espaço pelas
fronteiras do Estado que a promulgou.
O critério a ser utilizado para aplicação das leis no espaço é o critério territorial.
O Brasil adotou a Teoria da Territorialidade, mas de forma moderada, também chamada de
Territorialidade Temperada ou Mitigada. Pois, excepcionalmente, nos deparamos com leis ou decisões
estrangeiras que podem ser reconhecidas e aplicadas no Brasil.
Dessa forma, para que haja a aplicação de leis e sentenças estrangeiras no ordenamento jurídico
pátrio, se faz necessário a observância de algumas regras, são elas:
• Não se aplicam leis, sentenças ou atos estrangeiros no Brasil quando ofenderem a soberania
nacional, a ordem pública e os bons costumes.
• Não se cumprirá sentença estrangeira no Brasil sem o devido exequatur (“cumpra-se”), que
é a permissão dada pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio de homologação, para que esta decisão

26
produza seus efeitos.

Além disso, consta no artigo 15 da LINDB.


Art. 15 Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes
requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido os partes citadas ou haver-se
legalmente verificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades
necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete
autorizado (Resolução n° 9 do STJ); e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal (leia-se
Superior Tribunal de Justiça).

Importante: Anteriormente, a homologação de sentença estrangeira era realizada pelo STF, todavia,
com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, competência passou a ser do STJ.
Em verdade, o artigo 15 da LINDB não foi adequalizado ao nosso sistema atual, isso porque a
Constituição Federal e o Código de Processo Civil trazem disposições diversas, veja-se:
Dentro das atribuições do STJ, o presidente possui competência para homologar as decisões
estrangeiras. Caso não haja concordância do Procurador Geral da República, transfere-se a competência para
o Conselho Especial (órgão máximo do STJ). Havendo concordância, a sentença estrangeira homologada
constitui título executivo judicial.
A sentença estrangeira poderá ser executada perante a Justiça Federal, de primeira instância – art.
109, inciso X da CF.
Quanto aos títulos executivos extrajudiciais estrangeiros não precisam ser homologados para serem
executados no Brasil.

Cobrado em prova:
FCC - Sobre a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, NÃO é requisito essencial para a
sentença proferida no estrangeiro ser executada no Brasil: a) a homologação pelo Supremo Tribunal
Federal; b) a tradução por intérprete autorizado; c) o trânsito em julgado para as partes; d) a citação
regular das partes ou verificação legal da ocorrência da revelia; e) a prolação por juiz competente.

Por fim, importante mencionar, que o Código de Processo Civil possui um capítulo específico acerca
da Cooperação Internacional, subdivididos no estudo da homologação de sentenças estrangeiras, do auxílio
direto e das cartas rogatórias – artigo 26 e seguintes do CPC.
Importante: O STJ não homologa decisões estrangeiras que violam a competência exclusiva brasileira
– art. 23 do CPC.

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Detalhe: É possível que no julgamento de um processo no Brasil seja aplicada a legislação estrangeira?
R: Sim. Essas normas encontram-se inseridas a partir do art. 7º da LINDB.
Por exemplo, sempre que o morto for estrangeiro, e os seus bens estiverem situados no Brasil, o
processo de inventário deve tramitar no Brasil. Ainda que o juiz brasileiro, tenha que aplicar o direito material
alienígena do “de cujus”. Ressalvada a hipótese do cônjuge e os herdeiros serem brasileiros, pois, neste caso,
aplica-se a lei brasileira sempre que for mais benéfica – em virtude da primazia da família brasileira.
Importante: Atualmente, não possui prazo para requerimento de homologação de divórcios
ocorridos no estrangeiro.

OBS.: Leitura obrigatória dos artigos 7º ao 19 da LINDB.

OBSERVAÇÕES QUANTO A LEI nº 13.655, DE ABRIL DE 2018

Inclui no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito


Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.
Os acréscimos realizados na LINDB, foram alvo de elogios e críticas. Muito possivelmente, em provas
de concurso serão cobrados em um primeiro momento, a letra da lei. Todavia, não podemos descartar a
cobrança em provas subjetivas.
Os artigos inseridos pela Lei – art. 20 ao 31 da LINDB -, são muito aplicados no campo do direito
público, precisamente, no direito administrativo.
Cabe mencionar, que não houve alterações no conteúdo de LINDB, mas sim, algumas inclusões, como
já mencionado, de conteúdos relacionados ao direito administrativo. Esses novos dispositivos possuem
vigência imediata – data da publicação da lei -, salvo o artigo 29, pois na data da publicação, tinha previsão
de vacatio legis de 180 dias.

Critérios de segurança jurídica na administração pública


Esses critérios, tem por finalidade dar mais segurança aos gestores (muitas vezes vulneráveis),
nas tomadas de decisões e nas interpretações no âmbito da administração.

1. Clareza normativa
No campo clareza normativa, tivemos:
a) Estímulo à edição de orientações;
b) Consulta Pública.
Essas normas encontram-se inseridas nos artigos 29 e 30.

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Responsabilização do agente público por interpretação
a) Parâmetro de contextualização (art. 22);
b) Dolo ou Erro Grosseiro.
Essa responsabilização do agente encontra-se respaldo nos artigos 22 e 28.

Extrai-se da análise dos dispositivos, que nas decisões dos administradores/gestores, eventual
invalidade do ato ou verificação de regularidade, ocorrerá anos depois. Isso porque, a Lei de Introdução não
levará em consideração a verificação do ato no dia de hoje, mas sim, para aquilo que aconteceu à época
passada, ou seja, no momento em que efetivamente ocorreu a decisão.
Alguns estudiosos criticam o contido no art. 28, alegando, para tanto, que estariam amenizando a
responsabilidade civil do agente público, no campo da responsabilidade civil do estado.
No entanto, essa crítica não deve prevalecer, pois, sabemos, que a responsabilidade civil do Estado é
objetiva. Além disso, o Estado tem a possibilidade de ingressar com ação regressiva em face do agente
público, quando o mesmo age com culpa – responsabilidade civil subjetiva.
O disposto no artigo 28, trata, especificadamente, da responsabilidade pela tomada de decisões por
interpretação – podendo ocorrer por dolo, erro grosseiro e fraude.

Invalidade do Ato Administrativo

a) Princípio da motivação concreta

Encontra-se previsão nos artigos 20 e 21. Esses dispositivos estabelecem uma análise econômica do
direito. Ou seja, o sujeito que está invalidando o ato, seja na esfera administrativa, na controladoria ou na
esfera judicial, deve ser feita uma prognose de análise das consequências que poderão advir daquele ato.
Em outras palavras, consiste na aplicação de técnicas de economia para observar os impactos que a
decisão trará.

b) Invalidade referencial

Sobre a invalidade referencial, encontram-se previsão legal no artigo 24 da LINDB. Ou seja, a possível
invalidade de um ato administrativo, deve ter como referência o momento que aconteceu e as peculiaridades
da tomada de decisão no momento que ocorreu.

c) Irregularidades sem pronúncia de nulidade

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As irregularidades sem pronúncia de nulidade, encontram-se previstas no artigo 21 da LINDB
(comentários a respeito deste artigo – vide item “a”).

d) Regime de Transição

Esse regime se revela na observância de transição entre uma postura e outra, relacionada a tomada
de decisões no campo do direito público. Esse regime possui aplicação nos artigos 21 e 23.

e) Administração Consensual ou Dialógica

Encontram-se previstas nos artigos 26 e 27 da LINDB, vejamos:

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito
público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva
do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante
interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só
produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.

Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor
compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da
conduta dos envolvidos.

PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO CIVIL

Quando falamos em princípios norteadores do Direito Civil, fala-se em Direito Civil


constitucionalizado – Direito Civil contemporâneo, moderno -, isso porque, o nosso sistema possui uma
preocupação muito grande com a dignidade da pessoa humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro, deve ser aplicado e
observado em todos os aspectos do sistema civilista.

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O anterior Código Civil (1.916), era um sistema extremamente preocupado com questões
patrimoniais. Haviam figuras específicas neste código, por exemplo: a) o homem que tomava as decisões nas
relações familiares (o homem fixava domicílio conjugal; ele que autoriza a esposa a trabalhar; o salário da
esposa era regido pelo homem, bem como, poderia ser retido por ele; o homem detinha o pátrio poder sob
os filhos); b) o testador nas relações sucessórias poderiam dispor livremente e da forma que quisesse os seus
bens; c) os contratantes poderiam contratar da forma que melhor lhe convier; d) os proprietários poderiam
utilizar a propriedade da maneira que pretendia.
Com o passar do tempo, mais especificadamente na Alemanha, nas décadas de 40 e 50 vigorava
naquele período as mazelas praticadas pelo nazismo. Em um momento pós guerra, houve uma preocupação
muito grande em reconstruir a imagem do Estado e a preocupação com a dignidade da pessoa humana, pois
o direito é, e foi criado, para as pessoas.
Na década de 70, o Brasil vivia à época da ditadura militar. Neste mesmo período, iniciou-se a
elaboração do projeto do Código Civil de 2002, ou seja, nosso atual sistema foi pensado, redigido e elaborado
na década de 70.
Por conta disso, é que nos deparamos com alguns dispositivos que não se coadunam com a nossa
realidade. A exemplo disso, podemos mencionar a inconstitucionalidade reputada pelo STF do artigo 1.790
do Código Civil – pois trabalhava a sucessão do companheiro de maneira detrimentosa em relação a sucessão
do cônjuge (art. 1.829 do CC).
Desde o período dos anos 70, até chegarmos efetivamente na publicação do nosso Código Civil de
2002, o qual teve o período de vacatio legis de um ano, houveram diversas alterações, reformas e emendas
nas Casas Legislativas até sua aprovação.
Notadamente, nós tínhamos uma relação entre o direito público e direito privado marcada por uma
verdadeira dicotomia, ou seja, um não tinha relação com o outro. O direito público era pensado para reger
as relações de direito público, ou seja, do Estado. Por sua vez, o direito privado, para reger as relações
privadas, dos particulares. Tal dicotomia refere-se à chamada summa divisio.
Anteriormente, havia uma summa divisio clássica, referente à dicotomia entre o direito público e o
direito privado. Atualmente, verifica-se a existência de uma summa divisio constitucionalizada, que se
expressa na aproximação do direito público com o direito privado. Em razão dessa aproximação, tem-se um
direito civil constitucionalizado, manifestado pela releitura dos institutos do Código Civil de 1.916.
A exemplo, verifica-se a releitura dos direitos-deveres do homem, testador, proprietário e do
contratante à luz da dignidade da pessoa humana. Acrescenta-se ainda que, o contratante não poderá se
utilizar do contrato como forma de “esmagamento social”, ou ainda, o proprietário não poderá utilizar sua
propriedade de maneira indistinta. Ainda, não se pode mais preocupar-se com o homem na relação familiar,
sem se pensar na mulher ou, no homem com relação ao homem, ou homem com relação às mulheres, com

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alusão à poliafetividade ou poliamorismo, instituição esta que caminha ao reconhecimento. Por fim, a
exemplo, tem-se a reanalise da figura do testador que, atualmente, ao testar, deverá preocupar-se com o
núcleo essencial de sua família, denominados herdeiros necessários, que são os ascendentes, os descendes
e o cônjuge ou companheiro.
Salienta-se que a dignidade humana é o fator responsável pela aproximação do direito privado ao
direito público.
No particular, verifica-se, portanto, uma humanização do direito civil. Segundo Cristiano Chaves,
temos uma consciência das transformações do direito, que evolui a cada dia, concomitantemente, à evolução
da sociedade. Verifica-se, além da releitura dos institutos já mencionados, a partir da dignidade humana, o
compromisso ético que conduz à uma sociedade justa e digna.
Humanização do Direito Civil = consciência das transformações + releitura dos institutos +
compromisso ético = sociedade mais justa e digna → fundamentos e princípios básicos da república saem do
papel.
Ato contínuo, tem-se a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas – RE 201.819/RJ.
Os direitos fundamentais foram idealizados, inicialmente, para proteção do particular frente às
arbitrariedades praticadas pelo Estado. Isso porque, o Estado goza de uma posição de superioridade em
relação ao particular. Tais relações são conhecidas como verticais. A exemplo, no direito administrativo, fala-
se de prerrogativas do Estado em relação ao particular que, todavia, não poderá “passar por cima” do
particular. Há restrições, dentre as quais, os direitos fundamentais.
Por outro lado, vigora entre os particulares uma relação de horizontalidade, ou seja, existe uma
relação de igualdade entre os particulares.
Atualmente, todavia, aplicam-se os direitos fundamentais, pensados, inicialmente, para as relações
verticais, nas relações horizontais.
A exemplo, de como os direitos fundamentais aplicam-se às relações privadas, conta-se a história do
cineasta alemão Veit Harlan que criou o filme “Amada Mortal”, o qual retratava o judeu como um povo mal.
Posteriormente, ainda que inocentado das acusações de apoio ao nazismo, aquele tentou inscrever-se em
um evento de filmes e o responsável pela organização do evento, Erich Luth escreveu manifesto com intuito
de boicotar o novo filme de Veit Harlan, o que levou ao fracasso do filme. Com intuito de ser reparado pelos
danos, Veit ajuizou ação alegando violação do Código Civil Alemão por Luth, o que prevaleceu nas decisões
ordinárias. Por sua vez, Luth recorreu à Corte Constitucional Alemã e teve ganho de causa, pois entendeu-se
que os direitos fundamentais também se aplicam às relações privadas/horizontais.
Reconhecida a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas¸ adotou-se no Brasil a eficácia
imediata daqueles direitos.
Tem-se como leading case o Recurso Extraordinário n° 201.819/RJ, que trata da expulsão de um

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associado de uma associação, decidida em assembleia, sem lhe garantir contraditório e ampla defesa, o que
foi refutado pelo STF. Outro caso emblemático, é o caso Geisy Arruda, que foi expulsa da universidade por
sua vestimenta. Ainda, o caso da loja que revistava as funcionárias para conferir se não estavam saindo com
lingeries e, por fim, o caso da Air France que determinou maiores salários ao funcionários franceses em
detrimento dos brasileiros, dentre outros.
Em observância ao nosso modelo atual de direito civil, tem-se a incidência da dignidade da pessoa
humana + solidariedade social + igualdade substancial (três pilares do direito civil constitucional).
Aos denominados hard cases, casos concretos de difícil solução, impõe-se a observância dos pilares
do direito civil. Nesse sentido, o Código de Processo Civil dispõe em seu artigo 1°: “O processo civil será
ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos
na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
Em sequência, tem-se os princípios da socialidade, da eticidade e operabilidade ou concretude, que
justificam o ordenamento jurídico civilista, atualmente:

• PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE - valores coletivos - rompimento com o individualismo do CC/16;


prevalência da função social em institutos privados;
• PRINCÍPIO DA ETICIDADE – justiça e boa fé – valorização da ética e da boa-fé objetiva – condutas
violadoras constituem abuso de direito;
• PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE OU CONCRETUDE – o direito deve ser executado facilmente; também
chamado de princípio da simplicidade ou efetividade – sistema de cláusulas gerais – conceitos
abertos.

Importa frisar que o princípio da socialidade informa a transcendência do individualismo, do


egoísmo, para uma preocupação com o social. Por essa razão, quando se pensa em contrato, deve-se observar
à sua função social. Da mesma forma, quando fala-se em propriedade – a exemplo, tem-se que o desrespeito
a função social da propriedade pode acarretar a sua desapropriação. Ainda, leva-se em consideração a função
social da posse, dos recibos, dos contratos, dentre outros.
O princípio da eticidade, corresponde a um padrão ético ou comportamento minimamente esperado
das partes na relação. Informa a ética, boa-fé e probidade. A boa-fé divide-se em boa-fé subjetiva e objetiva.
Enquanto a boa-fé subjetiva refere-se àquilo que está na mente do sujeito, bem como as suas orientações
culturais, a boa-fé objetiva refere-se ao padrão ético esperado pelas partes da relação jurídica. Inclusive, no
processo civil, todos aqueles que participam do processo deverão observar o princípio da boa-fé objetiva.
Por fim, o princípio da operabilidade ou concretude informa que o direito deve ser concretizado.
Assim, para não engessar o direito, o legislador insere no ordenamento jurídico cláusulas/normas gerais e

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conceitos indeterminados, vagos ou abstratos, a serem interpretados no caso concreto. (Ex.: Conceito de
função social da propriedade e boa-fé).
Ainda, o Código de Processo Civil possibilita, conforme norma do artigo 489, § 1º, inciso II, seja
aplicado conceitos jurídicos indeterminados, decorrentes do princípio da operabilidade, para fundamentar
decisões judiciais, todavia, impõe o dever de explicar o motivo concreto de sua incidência no caso. Da mesma
forma, tem-se disposições semelhantes nos artigos 20 e 22 da LINDB.
Nesse sentido, verifica-se uma fundamentação plena/perfeita quando há correspondência da
utilização dos conceitos abertos com o caso concreto.

Cobrado em prova:
CESPE - Na elaboração do Código Civil de 2002, o legislador adotou os paradigmas da socialidade,
eticidade e operacionalidade, repudiando a adoção de cláusulas gerais, princípios e conceitos jurídicos
indeterminados. Falsa
CESPE- No Código Civil de 2002, o princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores
coletivos sobre os individuais, razão pela qual o direito de propriedade individual, de matriz liberal, deve
ceder lugar ao direito de propriedade coletiva, tal como preconizado no socialismo real. Falsa

2. Visão filosófica do Código Civil de 2002

I. Introdução

O CC foi instituído pela Lei 10.406, sendo de 10/01/2002, a qual teve a previsão de vigência pelo
prazo de 1 ano. Então, 1 ano da publicação, começando a vigorar no dia subsequente, começando no dia
11/01/2003.

Miguel Reale apontava os regramentos básicos do atual Código Civil:

• Eticidade
• Socialidade
• Operabilidade

a) Princípio da eticidade

Será observado em vários dispositivos do CC/02, havendo exemplificativamente as seguintes funções


da boa-fé objetiva:

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• Função interpretativa: sendo exemplo o art. 113, o qual estabelece que os negócios jurídicos
devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Há aqui o
princípio da boa-fé objetiva como forma de interpretação.

• Função limitadora: o art. 187 traz uma sanção para aquele que contraria a boa-fé no exercício
de um direito. E portanto o exercício irregular de um direito é abuso de direito, sendo ato ilícito.
Há um controle feito pela boa-fé objetiva, a qual limita a atuação do sujeito. O direito termina
quando inicia o direito do outro.

• Função de integração: o art. 422 do CC/02 consagra a boa-fé como forma de integração do
contrato, a qual deverá ser observada na conclusão ou na execução do contrato. Ex.: o contrato
foi omisso, mas qual seria o comportamento esperado?

b) Princípio da socialidade

O princípio da socialidade visa modificar o caráter individualista que vigorava na codificação anterior.

É a observância da função social.

O art. 421 do CC estabelece que a liberdade contratual será exercida nos limites da função social
do contrato. O contrato tem uma função social que deverá ser observada.

Exemplo disso é a usucapião, em que se o indivíduo trabalhar e morar na terra, o prazo será por
metade, ou ainda menor.

Conferiu-se a função social uma enorme relevância.

c) Princípio da operabilidade

O princípio da operabilidade tem dois significados:

• Simplicidade: o instituto deverá ser aplicado facilmente.


• Efetividade: o código deve ser efetivo.

Percebe-se a aplicação do operabilidade por meio das cláusulas gerais.

Mas o que são cláusulas gerais?

Segundo Judith Martins Costa, na atual codificação material, é possível que se perceba um sistema
aberto, ou um sistema de janelas abertas, que permitem uma constante incorporação e solução para novos
problemas.

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Como as cláusulas são gerais, é possível manter o ordenamento a despeito da transformação das
realidades sociais, pois as normas conseguem se adaptar às novas modificações. Tratam-se, portanto, de
janelas abertas deixadas pelo legislador para serem preenchidas pelo aplicador do direito caso a caso.

Exemplo é a função social da propriedade, boa-fé, bons costumes, atividade de risco, etc.

As cláusulas gerais têm um sentido dinâmico, diferenciando-se dos conceitos legais indeterminados:

• Conceito legal indeterminado:


É estático. Consta da lei, mas não há definição. Quando o aplicador do direito dele se utiliza, e
passa a dar sentido ao conceito legal indeterminado, passará a ser uma cláusula geral, pois
somente então terá uma função dinâmica. Antes não era regulado.

• Cláusulas gerais:
Miguel Reale criou uma particular teoria do conhecimento, baseando-se em duas subteorias:
culturalismo jurídico e a teoria tridimensional do direito. A diferença entre um e outro é do
ponto de vista.
O culturalismo jurídico é do ponto de vista subjetivo, pois o enfoque jurídico está no aspecto do
sujeito. Orientarão a aplicação e as decisões que serão tomadas as seguintes expressões: cultura,
experiência e a história. A partir da análise da cultura local, da experiência local e da história
local é possível extrair uma norma, estando os olhos voltados para o sujeito.
Na teoria tridimensional, vamos para o plano objetivo. Isso porque o direito é fato, valor e
norma. Ou seja, se há um fato, há uma repercussão valorada na sociedade e a partir dessa
valoração, cria-se uma norma. O adultério era crime, mas com o tempo, houve uma valoração
do fato pela sociedade, deixando de ser crime. Ou seja, mudou-se a norma.
Na relação entre culturalismo jurídico e a teoria tridimensional do direito, fica fácil, visto que
cultura é o valor que se dá aquela situação. Experiência é a norma. Enquanto a história é o fato.
O magistrado e jurista devem fazer um mergulho no fato e, então de acordo com seus valores e
experiências, aplica a norma, de acordo com os limites, os quais devem ser observadoII. Direito
Civil Constitucional

Trata-se de uma leitura do direito civil a partir da Constituição. Seria a constitucionalização da


interpretação que é feita do direito civil.

O direito civil constitucional está baseado numa teoria unitária do ordenamento jurídico.

Isso quer dizer que o ordenamento é um só, devendo interpretá-lo da forma que lhe dê maior
coerência. O CC/02 deve ser compatível com o anseio constitucional.

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Portanto, o Direito Civil Constitucional nada mais é do que um novo caminho metodológico em que
se busca analisar os institutos privados a partir da Constituição, sem prejuízo da aplicação da teoria do
diálogo das fontes.

São 3 os princípios básicos do direito civil constitucional:

• Princípios da dignidade da pessoa humana: justifica a chamada personalização do direito civil.


O direito civil, após o CC/02, sofre uma personalização, ou seja, preocupação maior com o
indivíduo e menor com o patrimônio.
• Princípios da solidariedade social: também está previsto na CF. A solidariedade busca superar
uma visão individualista do código civil.
• Princípios da igualdade (isonomia): é a isonomia formal e material. Todos são iguais perante a
lei, diz a CF. É impossível falar de igualdade sem lembrar de Aristóteles, o qual ensinou que a
igualdade está em tratar igualmente e os desiguais desigualmente, na medida de sua
desigualdade. É a isso que se dá o nome de igualdade substancial.

III. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais

O que é eficácia horizontal dos direitos fundamentais?

A ideia é de que é preciso conferir força normativa da Constituição e daí a importância.

É preciso perceber que os direitos fundamentais não podem regular apenas aquilo que está previsto
na CF, na relação entre o indivíduo e o Estado. É preciso regular as relações entre os particulares.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é um mecanismo que torna possível o direito civil
constitucional, já que se confere força normativa aos direitos fundamentais consagrados na CF, passando a
reger as relações entre pares, e não apenas verticalmente.

Há ainda a teoria da eficácia diagonal dos direitos fundamentais, em que existiria a eficácia dos
direitos fundamentais na relação entre empregados e empregadores, quando substancial o poder de uma
das partes.

O reconhecimento da existência e a aplicação dos direitos que protegem a pessoa na relação entre
particulares é a própria eficácia dos direitos fundamentais.

O art. 5º, §1º, é o que fundamenta a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, visto
que diz que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Isso significa que já estão valendo, não demandando atuação do legislador. E isso justifica a aplicação
desde já na relação entre particulares.

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O que há na teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é um meio de irradiação dos
direitos fundamentais para relações privadas. E um dos meio de se irradiar é se valendo do instrumento
denominado cláusulas abertas (gerais), visto que elas servirão como porta de entrada dos direitos
fundamentais no âmbito do direito privado.

Para tanto, é necessário trazer conceitos da Constituição, direitos fundamentais consagrados na


Constituição para reger relações entre os particulares. E portanto as cláusulas gerais presentes no Código
Civil passam a ser um instrumento que viabiliza a aplicação do direito fundamental como um meio.

Há uma aplicação da teoria dos direitos fundamentais de forma mediata, eis que há um mediador
entre o direito fundamental e o caso concreto, sendo este mediador a cláusula geral. Ressalta-se que é
plenamente possível que o direito fundamental seja aplicado diretamente e portanto tenha eficácia
horizontal imediata.

IV. Diálogo das fontes

Desenvolvida na Alemanha, pelo jurista Erik Jayme, mas trazida para o Brasil por Cláudia Lima
Marques.

A teoria surge para fomentar a ideia de que o Direito deve ser interpretado como um todo de forma
sistemática e coordenada. Segundo a teoria, uma norma jurídica não excluiria a aplicação da outra, como
acontece com a adoção dos critérios clássicos para solução dos conflitos de normas (antinomias jurídicas)
idealizados por Norberto Bobbio. Pela teoria, as normas não se excluiriam, mas se complementariam.

Portanto, a teoria do diálogo das fontes parte da premissa de que é necessário ter uma visão unitária
do ordenamento.

A primeira aplicação da teoria do diálogo das fontes é da aplicação concomitante do CDC e do CC,
nas relações obrigacionais.

O diálogo entre as fontes se dará através da:

• Diálogo sistemático de coerência:


É a aplicação conjunta de duas normas ao mesmo tempo.
Se houver uma aplicação simultânea de duas leis, e uma delas servir de base conceitual para a
outra, haverá um diálogo sistemático de coerência. Isso porque há um instituto, o qual pode ser
compreendido a partir de um conceito trazido por outra fonte. O sistema, portanto, guarda
coerência.

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Ex.: alguns contratos em espécie estão consagrados no direito civil, mas que vão reger relações
de consumo. Para entender de que contrato se trata, é necessário ir até o código civil para saber
o conceito. Há um diálogo sistemático de coerência.
Ex.: contratos de consumo que também são contratos em espécie do Código Civil, como o
contrato de compra e venda do art. 147, CC.

• Diálogo de complementariedade ou diálogo de subsidiariedade:


Ocorre quando há complementação de uma norma a outra. Pode complementar outra norma
de forma direta, sendo denominado de diálogo de complementariedade, ou de forma indireta
(diálogo de subsidiariedade).
Ex.: contratos de consumo também são contratos de adesão. Em caso de cláusulas abusivas, será
invocada não só a proteção dos consumidores presente no art. 51 do CDC, como também a
proteção dos aderentes presente no art. 424, CC.
Há portanto a aplicação das duas leis, de forma complementar.

• Diálogo de influências recíprocas sistemáticas:


É a aplicação subsidiária de uma norma a outra.
No caso de conceitos estruturais de determinada lei sofrerem influência de uma outra.
Ex.: (Flávio Tartuce) o conceito de consumidor pode sofrer do próprio Código Civil.

Embora chamemos aqui de teoria ou tese, o Diálogo das Fontes é realidade nos tribunais brasileiros.
Basta uma rápida pesquisa para ver que decisões são fundamentadas nela e conseguem resolver complexos
dilemas jurídicos da forma mais justa que se pode vislumbrar. E isto não só no Direito Civil em face do Direito
do Consumidor, mas também Direito do Trabalho "versus" Direito Civil, já que nas lacunas deixadas pela
legislação trabalhista aplica-se, no que couber, o direito civilista.

A própria constitucionalização sofrida pelo Código Civil em sua versão de 2002 é um exemplo de
Diálogo das Fontes, dada a convergência de ramos, como nos lembra Tartuce.

Exemplo de aplicação do Diálogo das Fontes entre o direito civil e o direito do trabalho é a
competência da justiça do trabalho para julgar processos em que a causa seja responsabilidade civil por
acidente de trabalho. Cabe lembrar que a legislação trabalhista não trata do tema da responsabilidade civil.
Neste caso, o aplicador do direito deverá buscar as normas no próprio Código Civil, que trata das normas de
responsabilidade civil. Há, portanto, diálogo entre fontes diversas.

Por fim, vale destacar que o Diálogo das Fontes vai superar os critérios clássicos da solução das
antinomias jurídicas. Ou seja, a tese tem o fito de trazer ao intérprete uma nova ferramenta hermenêutica
hábil a solucionar problemas de conflito entre normas jurídicas (antinomias) no sentido de interpretá-las
de forma coordenada e sistemática, em consonância com os preceitos constitucionais.

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Veja, a partir do diálogo das fontes, não será necessário se utilizar do critério hierárquico, especial
ou temporal para resolver conflitos entre normas.

3. Pessoa natural

O CC/02 cuida da pessoa natural do art. 1º ao art. 39.

A pessoa natural, ou pessoa humana, à luz do Código Civil, é espécie do gênero sujeito de direito com
personalidade jurídica.

O sujeito de direito, em sentido amplo, é gênero e comporta 2 classificações, quais sejam: sujeito de
direito com personalidade jurídica que subdivide-se, nas espécies, pessoa natural e pessoa jurídica e sujeitos
de direito sem personalidade jurídica como o nascituro, o condomínio, a herança, a massa falida e a
sociedade irregular ou de fato.

A pertinência da diferenciação entre os sujeitos de direito, com e sem personalidade jurídica, se


revela através do princípio da legalidade que tem aplicação distinta para aqueles sujeitos. Para as pessoas
que possuem personalidade jurídica, a legalidade, como no direito civil, informa a possibilidade de realização
de tudo que não está proibido (Ex.: Pode-se criar espécies contratuais e estipular regimes de bens diversos
dos previstos em lei, bem como, é possível a criação de elemento acidental do negócio jurídico diverso de
condição, termo ou encargo), por outro lado, para pessoas sem personalidade jurídica, em semelhança à
legalidade do direito administrativo, é permitido fazer tudo que a lei permite (Ex.: Permissão para ser autor
ou réu em demanda judicial).

A personalidade jurídica é a aptidão genérica para se titularizar direitos e obrigações (deveres).

Melhor dizer que a personalidade é aptidão para se titularizar direitos e deveres, porque, obrigações,
no Código Civil, referem-se as obrigações de cunho patrimonial, estudadas a partir do artigo 283 do CC.
Quando se diz apenas “direitos e deveres”, abarcam-se todos os tipos de obrigações, com ou sem cunho
patrimonial.

O Código Civil, em seu art. 2º dispõe que: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Compreende-se que a aquisição da personalidade jurídica da pessoa natural se inicia com o


nascimento com vida. Considera-se nascer com vida o funcionamento do aparelho cardiorrespiratório, ou
seja, respirou, adquiriu personalidade jurídica e titularizou direitos e deveres, ainda que por um breve
instante.

Caso tenha respirado, considera-se vivo o nascido. Nesse caso, será expedida Certidão de
Nascimento.

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Se nasceu, respirou e, com isso, adquiriu personalidade jurídica, mas morreu, será expedida Certidão
de Nascimento e Certidão de Óbito.

Na hipótese de ter nascido, mas não respirou, considera-se natimorto ou nascido morto e, nesse
caso, será expedida Certidão de Nascido Morto, com assento no Livro auxiliar, letra “c” do Cartório de
Registro de Pessoas Naturais.

A natureza jurídica das certidões, acima mencionadas, é meramente declaratória, com efeitos ex
tunc, ou seja, retroativos.

OBS.: No Brasil, não se exige viabilidade (má formação de órgãos internos), forma humana
(deformidades físicas) e, nem mesmo, sobrevida (permanecer vivo, ainda que por lapso temporal mínimo).
Basta a respiração.

I. Capacidade

O art. 1º diz que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Essa capacidade é uma
capacidade de direito ou de gozo. Toda pessoa tem esta capacidade.

Existe ainda outra capacidade, sendo denominada capacidade de fato ou de exercício. Esta
capacidade algumas pessoas não têm.

Conclui-se que para ter capacidade civil plena, é preciso ter a capacidade de direito (gozo) e a
capacidade de fato (exercício).

Existem certos conceitos que são similares à capacidade, mas são diferentes:

• Legitimação: é a capacidade especial para um determinado ato ou negócio jurídico. Ex.:


necessidade de outorga conjugal para vender o imóvel, sob pena de anulabilidade do contrato.
Esta legitimação é conferida ao cônjuge.

• Legitimidade: é a capacidade processual, estando relacionada às condições da ação.

• Personalidade: é a soma de caracteres de uma pessoa. É aquilo que a pessoa é para ela e aquilo
que ela é para a sociedade. Diz-se que a capacidade é a medida da personalidade. E portanto a
personalidade é a essência, ou substância, e a capacidade é o quantum.

II. Início da personalidade jurídica e a situação jurídica do nascituro

O art. 2º do CC diz que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida. Mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Afinal, qual a teoria foi adotada?

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Existem 3 correntes que justificam a situação do nascituro:

• Teoria natalista:
A personalidade começa com o nascimento com vida. O nascituro não é pessoa. Isso porque o
CC exige para a personalidade o nascimento com vida. Por meio dessa teoria, o nascituro não
tem direitos, mas apenas expectativas de direitos.
A crítica principal que se faz é no sentido de que, se o nascituro não é pessoa, o que ele seria,
uma coisa? A resposta seria afirmativa. No entanto, não se pode tratar o nascituro como coisa,
visto que o próprio código assegura desde a concepção direito ao nascituro.

• Teoria da personalidade condicional:


A personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão
sujeitos a uma condição suspensiva. Por isso o nome da teoria da personalidade condicional.
Condição suspensiva é um elemento acidental do negócio jurídico, podendo estar presente ou
não. Trata-se de um elemento acidental que subordina a eficácia do negócio a um evento futuro
e incerto, no caso, o evento é o nascimento. E portanto, a condição é o nascimento.
Qual é a crítica? O nascituro não teria direito, mas apenas expectativas de direitos. Essa teoria é
extremamente apegada a questões patrimoniais. Ela não responde a apelo de direitos pessoais
ou de direitos da personalidade do nascituro. Isso porque direitos da personalidade são
incondicionais, não podendo estar sujeito a uma condição, termo ou encargo. Essa é a grande
crítica da teoria da personalidade.

• Teoria concepcionista:
Segundo a maioria da doutrina e a jurisprudência do STJ, esta é a teoria que foi adotada pelo
Código Civil.
Essa teoria concepcionista sustenta que o nascituro é pessoa humana, tendo os direitos
resguardados pela lei. A conclusão dessa corrente consta do Enunciado 1 da Jornada de Direito
Civil, que diz que a proteção que o código defere ao nascituro alcança o natimorto, e portanto
aquele que nasceu sem vida, no que concerne aos seguintes direitos: nome, imagem e
sepultura. A teoria concepcionista é a que prevalece entre doutrinadores.
Maria Helena Diniz adere a esta teoria, apesar de fazer uma distinção simples entre
personalidade jurídica:
a) Personalidade jurídica formal: é a relacionada com direitos da personalidade. O nascituro já
têm.
b) Personalidade jurídica material: é a personalidade jurídica relacionada a direitos patrimoniais.
O nascituro só adquire com nascimento com vida.

42
A teoria concepcionista tem prevalecido no STJ. Há um julgamento importante em que se
reconheceu o dano moral ao nascituro pela morte de seu pai que ocorreu antes do seu
nascimento.

O debate das teorias relativas ao nascitura ganha reforço com a Lei 11.804/08, que trata dos
alimentos gravídicos, apesar da crítica à nomenclatura.

Os alimentos gravídicos compreendem os valores suficientes para cobrir despesas adicionais do


período da gravidez. O que se busca tutelar é o nascituro, tendo como destinatário o próprio nascituro,
apesar de uma corrente alegar que é destinado à gestante.

Nesse sentido, caminha o ordenamento jurídico para adoção da teoria concepcionista.

Indagação: Se o nascituro tem direitos não seria ele uma pessoa, não teria personalidade jurídica?
Há teorias explicativas da personalidade jurídica do nascituro, são elas:

Teoria Natalista Sílvio Rodrigues, Caio Mário. Nascituro não


é pessoa. Só adquire personalidade jurídica com o
nascimento com vida;

Teoria da Personalidade Condicional Serpa Lopes; os direitos do nascituro estão


sujeitos a uma condição suspensiva – nascer com
vida. Para questões existenciais, o nascituro será
uma “quase pessoa”. Por outro lado, para questões
patrimoniais, não seria pessoa;

Teoria Concepcionista Pontes de Miranda, Pablo Stolze, Cristiano


Chaves; nascituro é pessoa humana, desde a
concepção. Para a vertente extremada, adquire-se
personalidade jurídica desde o coito. Para a
vertente moderada da teoria, considera-se
personalidade jurídica, após o 14º dia após o coito,
com a ocorrência do fenômeno da nidação.

O Código Civil, na letra da lei, adota a teoria natalista, prevista no art. 2º. Já, o ordenamento jurídico,
como um todo, vem caminhando para a adoção da teoria concepcionista, reconhecendo, cada vez mais,
direitos ao nascituro.

43
Por fim, não confundem-se nascituro e concepturo, uma vez que este refere-se a prole eventual, que
gera, no campo da sucessão, o chamado “fideicomisso”.

A respeito do embrião congelado, criogenizado ou excedentário, decidiu o STF, por meio da ADI nº
3510, pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, que dispõe sobre a utilização de células-
tronco embrionárias, a partir de embriões congelados, para tratamento, desde que congelados há três anos,
ou mais, ou ainda, que sejam inviáveis para inseminação. Alguns entendiam que esses embriões eram
pessoas.

Segundo o entendimento do STF, os embriões são considerados objetos de direito, ressaltando a


teoria natalista. Quando nascituro, tem-se o reconhecimento de alguns direitos. Sem embargos, o Código
Civil adota a teoria natalista, embora a teoria concepcionista venha ganhando adeptos.

• O nascituro é titular de direitos de personalidade (como o direito à vida, o direito à proteção


pré-natal etc.);

• STJ – dano moral para nascituro – {Resp 399.028/SP} {Resp 1.487.089 – caso Rafinha Bastos};

• Nascituro tem direito a receber alimentos gravídicos – Lei 11.804/2008 (tem por objetivo a
integridade uterina do nascituro);

• Tem direito ao pagamento de DPVAT pela morte de nascituro – {Resp 1.120.676 – informativo 547
do STJ};

• Pode receber doação, sem prejuízo do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos;

• Pode ser beneficiado por legado e herança (para ser herdeiro deve ser vivo na data da abertura da
sucessão do autor da herança ou pelo menos concebido);

• Pode ser-lhe nomeado curador para a defesa dos seus interesses;

• O Código Penal tipifica o crime de aborto;

• Desnecessária intervenção do Ministério Público como curador ao nascituro no ato em que nubentes
definem o regime de bens do casamento – {Resp 178.254}.

OBS. 1: O nascituro não é considerado pessoa humana, mas é titular de direitos.

OBS. 2: O embrião congelado, a partir do momento em que é inserido no ventre materno, passa a
ter reconhecimento de direitos, como, presunção de paternidade, possibilidade de reclamar herança, ainda
que o genitor tenha falecido. Realizada a fertilização “in vitro” após o falecimento do genitor, poderá
peticionar por herança dentro do prazo prescricional de 10 anos.

44
a) Situação jurídica do embrião

Vislumbrada a teoria concepcionista, é necessário trazer alguns comentários em relação ao embrião.

A Lei 11.105, conhecida como Lei de Biossegurança, vai tutelar a situação do embrião, reforçando a
teoria concepcionista.

O art. 5º da Lei diz que é permitida a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa
e terapia, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo
procedimento, desde que:

• sejam embriões inviáveis; ou


• sejam embriões congelados há 3 anos ou mais, na data da publicação da Lei, ou que, já
congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a
partir da data de congelamento.

Ainda, para fins de utilização de embrião para fins de pesquisa e uso terapêutico, a lei autoriza tal
utilização, desde que, em qualquer caso, seja indispensável o consentimento dos genitores.

A utilização de células tronco embrionárias é excepcional, pois a regra é a não utilização.

O STF considerou constitucional essa lei.

Veja, o descarte dos embriões não utilizados se dá pelo encaminhamento às pesquisas de células-
tronco. Ou seja, não terá o embrião direitos da personalidade. A existência dos direitos da personalidade é
condicionado à concepção intrauterina.

III. Capacidade

Muita coisa mudou com a Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

A capacidade civil se divide em capacidade de direito e capacidade de fato.

A capacidade de direito é também chamada de capacidade de gozo, e trata-se da aptidão para


contrair direitos e deveres. Essa aptidão para contrair esses direitos e deveres é o mesmo conceito de
personalidade jurídica. Isso porque, a pessoa nasce + respira + adquire personalidade jurídica + capacidade
de direito.

Já foi assertiva de prova:

- O conceito de personalidade jurídica equivale ao mesmo conceito de capacidade de direito → Correto;

45
- Capacidade de direito é medida da personalidade jurídica → Correto.

Desse modo, verifica-se que a personalidade jurídica e capacidade de direito estão intimamente
ligadas. Aliás, o artigo 1º do CC, diz que toda pessoa é capaz de direito. Diante disso, quando falamos em
incapacidade, não se trata de incapacidade de direito, pois toda pessoa ao nascer com vida, possui
capacidade de direito ou de gozo.

Atenção: Não há falar em incapacidade de direito.

É cobrado em prova o seguinte exemplo:

O menor de 16 anos é incapaz de direito para os atos da vida civil → Errado. O sujeito com 16 anos possui
capacidade de direito. Do mesmo modo, um menino de 10 anos de idade pode ter conta no banco, porque
ele possui personalidade jurídica e capacidade de direito ou de gozo. Todavia, esse menor não poderá
exercer sozinho os atos da vida civil.

Diante disso, temos que os menores possuem personalidade jurídica; capacidade de direito, bem
como direitos e deveres. Todavia, quanto a esses direitos e deveres, não podem exercer sozinhos. Dessa
forma, uma vez completado 18 anos, adquirem capacidade de fato que também é chamado de capacidade
de exercício.

Portanto, se o sujeito possui personalidade jurídica + capacidade de direito + capacidade de fato =


tem-se uma capacidade civil plena.

Por outro lado, se o sujeito possui personalidade jurídica; capacidade de direito; mas NÃO tem
capacidade de fato (pelo fato de não ter alcançado os 18 anos, ou porque, mesmo tendo alcançado, não
possui discernimento), esse sujeito é chamado de incapaz.

Pergunta: Os incapazes podem praticar atos da vida civil?

R: Sim, podem praticar atos da vida civil porque possuem capacidade de direito. Todavia, não
podem praticar sozinhos, visto não possuir capacidade de exercício.

Os incapazes somente poderão praticar atos da vida civil por meio de seu representante. O termo
representação é um termo genérico, o qual são espécies, assistência e a representação. Essas duas
modalidades de representação, será exercida pelos genitores, tutores ou curadores.

46
Quando estivermos diante de uma incapacidade natural, os menores de 18 anos serão representados
na modalidade de representação ou assistência por seus genitores (decorrente do poder familiar).

Todavia, caso sob os menores não haja o poder familiar de seus pais – porque os pais foram
destituídos do poder familiar ou em razão do falecimento de seus genitores -, haverá a designação de tutores.

O tutor é designado pelo juiz em processo judicial e possui as mesmas responsabilidades dos
genitores. Ademais, importante ponderar, que não há como coexistir a tutela e poder familiar, visto que
ambos são inconciliáveis - tutela supre a ausência do poder familiar.

Para os maiores que porventura não tiverem discernimento para à prática dos atos da vida civil,
haverá o fenômeno da curatela.

O instituto da curatela possui grande relevância no ordenamento jurídico, especialmente, quando se


fala no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Ademais disso, tal qual os tutores, os curadores são designados em processo judicial específico, que
era comumente chamado de interdição – processo de interdição, ação de interdição ou curatela dos
interditos. Esse tipo de processo é de competência da Vara de Família.

Notadamente, a capacidade civil plena é muito observada no campo do direito processual civil, haja
vista que os pressupostos processuais se subdividem em três tipos de capacidade, vejamos:

(i) capacidade postulatória - advogados e o jurisdicionado em algumas hipóteses legais;

(ii) capacidade de ser parte - está ligada ao sujeito de direitos do Código Civil, ainda que sem
personalidade jurídica;

(iii) capacidade estar em juízo - capacidade de além de ser parte, poder regulamentar seus próprios
interesses no campo processual. A legitimidade ad processum está intimamente ligada com a capacidade civil
plena.

Desse modo, a pessoa que é capaz de direito, mas não é capaz de fato, como no caso dos incapazes,
possuem capacidade de ser parte no processo, todavia, não tem possui capacidade de estar em juízo.

Cuidado: Quando se tratar de incapaz no campo do processo civil, e sempre que os interesses desses,
colidirem com os interesses de seus representantes, o juiz designará curador especial (art. 72 do CPC). Quem
exerce a curadoria especial é a Defensoria Pública.

Deve-se observar a seguinte ordem, obrigatoriamente:

Capacidade de direito → Capacidade de exercício = Capacidade civil plena

47
Capacidade X Legitimidade

Trata-se de terminologias distintas. Quando falamos em capacidade, estamos falando da capacidade


de direito + capacidade de fato. Ou seja, é a possibilidade de contrair e exercer direitos e deveres.

A legitimidade no direito civil trata-se de uma capacidade específica para um ato em específico. Logo,
legitimidade está intimamente ligada à validade do ato.

Por exemplo: pessoa maior e capaz pode se casar, todavia, não possui legitimidade para casar com
seu irmão.

Novo Sistema de Incapacidades - Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei 13.146/2015

A Lei nº 13.146/2015 entrou no nosso sistema jurídico em julho de 2015, teve período de vacatio
legis de 180 dias, tendo em vista a grande repercussão no mundo jurídico. Sua criação teve por finalidade
dar maior proteção às pessoas com deficiência.

Essa lei trouxe para o ordenamento jurídico uma valorização da dignidade/liberdade em detrimento
de uma dignidade/vulnerabilidade.

Hoje, quando se fala em dignidade da pessoa humana com deficiência, fala-se em uma
dignidade/liberdade.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência revolucionou nosso sistema de incapacidade, conferindo


maiores oportunidades às pessoas com deficiência, inclusive, para atuarem no mundo cível com maior de
liberdade.

Em virtude disso, antes da entrada em vigor da Lei n° 13.146/2015, as pessoas que tinham
discernimento reduzido eram chamadas de relativamente incapaz, ao passo que, aqueles que não tinham
qualquer discernimento, eram denominados de absolutamente incapaz.

Hodiernamente, a pessoa com deficiência, pela simples deficiência, não é considerada incapaz,
podendo atuar nos atos da vida civil e tomar decisões.

Portanto, a pessoa com deficiência possui capacidade civil plena.

Importante se faz a leitura de alguns dispositivos da Lei n° 13.146/15.

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

48
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações
adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando,


em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em
igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a


lei.

➔ A curatela é uma medida excepcional, somente quando for extremamente necessário à pessoa será
submetida à curatela.

➔ Antes do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, qualquer das pessoas que constavam no
rol dos artigos 3º e 4º, do CC (salvo os menores), estava possibilitado à curatela - chamado de curatela
dos interditos.

§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão


apoiada.

➔ A tomada de decisão apoiada encontra-se prevista no artigo 1.783-A do CC, a qual possibilita que a
pessoa com deficiência designe pessoas para lhe apoiar na tomada de decisão, que se dará mediante
processo judicial.

➔ A doutrina civilista afirma que essa decisão é, efetivamente, “apoiada”, somente é possível ter
tomada de decisão apoiada, se a pessoa a ser apoiada tiver o mínimo de discernimento. A decisão
não é substituída, ou seja, a decisão final será da pessoa que está sendo apoiada.

➔ Importante ponderar, o fenômeno da curatela compartilhada, na qual a curatela é desempenhada


por mais de uma pessoa.

49
§ 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva
extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o
menor tempo possível.

➔ Grande probabilidade de ser cobrado em prova.

➔ A curatela é medida excepcional. A par disso, verifica-se que a deficiência, por si só, não enseja
interdição.

§ 4º Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz,


apresentando o balanço do respectivo ano.

Na redação original no Código Civil de 2002, eram absolutamente e relativamente incapazes:

Absolutamente Incapaz (art. 3° do CC) Relativamente Incapaz (art. 4º do CC)

I- os menores de dezesseis anos; I- os maiores de dezesseis e menores de


dezoito anos;
II- os que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem o necessário II- os ébrios habituais e os viciados em tóxicos,
discernimento para a pratica desses atos; e os que, por deficiência mental, tenham o
discernimento reduzido;
III- os que, mesmo por causa
transitória, não puderem exprimir sua vontade. III- os excepcionais, sem desenvolvimento
mental completo;

IV- os pródigos.

Com o advento da Lei n° 13.146/15, o rol dos absolutamente e relativamente incapazes foi
modificado.

Houve, portanto, uma redução no rol dos absolutamente incapazes (art. 3º), pois, hoje, somente é
considerado absolutamente incapaz os menores de 16 anos (menor impúbere, pois não teria ele alcançado
a puberdade aos olhos do legislador infraconstitucional).

Já no campo dos relativamente incapazes, estão incluídos: I- os maiores de dezesseis e menores de


dezoito anos - menores púberes; II- os ébrios habituais (alcoólatras) e os viciados em tóxico; III- aqueles que,

50
por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos - gastadores
compulsivos.

Diante disso, para que ocorra a incapacidade de uma determinada pessoa, ela deve se encaixar no
rol descrito nos artigos 3º e 4º do CC.

Os atos praticados pelo absolutamente incapaz (menor impúbere) sem a anuência do representante,
o ato é nulo (art. 166, inciso I do CC). Por outro lado, quando o relativamente incapaz pratica algum ato sem
a anuência do representante, esse ato será anulável (art. 171, inciso I do CC).

Considerações importantes:

- Já cobrado em prova: Por mais que a pessoa esteja extremamente doente (por exemplo, em coma),
não é considerada absolutamente incapaz. O único que sempre será absolutamente incapaz é o menor de 16
anos. Na pior das hipóteses, a pessoa quando se encontra muito doente, poderá ser considerada
relativamente incapaz, com base no art. 4º, inciso III, do CC.

- Via de regra, a pessoa com deficiência (pela deficiência em si), é capaz. Tanto é, que quando a
pessoa possui o mínimo de discernimento, ela poderá realizar a tomada de decisão apoiada. Ao passo que,
se não possuir discernimento, será considerada relativamente incapaz, nos termos do art. 4º, inciso III.

- O Código Civil não resguarda, para aquelas pessoas que se encontram em estado de curatela, os
intervalos lúcidos. Ou seja, ainda que por um breve período de tempo de lucidez, ainda assim, será
considerada relativamente incapaz.

- Os pródigos, são os gastadores compulsivos, ou seja, pelos atos de disposição da vontade, acabam
dilapidando o patrimônio e, por uma questão de “dignidade da pessoa” (a quem critique essa expressão), o
código protege a prodigalidade.

A designação de curador para o pródigo se refere tão somente a questões patrimoniais.

O pródigo poderá se casar sem a anuência do seu representante. O que não pode ser feito somente
por ele, são os atos de disposição patrimonial, consequentemente, ele não poderá escolher o regime de bens
do seu casamento de maneira livre. Ex.: Escolha do regime de bens no pacto antenupcial deve haver a
participação de seu curador.

- Ademais disso, natureza jurídica da sentença na ação de interdição, é polêmica na doutrina. Há


quem defenda que essa sentença tem natureza declaratória, outros dirão que a sentença possui natureza
constitutiva.

51
Desse modo, se a sentença tivesse natureza declaratória, a partir do momento em que o juiz declara
a incapacidade, os atos praticados anteriores a sentença também poderiam ser invalidados – efeitos ex tunc.

Todavia, a posição mais razoável é de que a ação de interdinação tem natureza constitutiva, pois a
partir da sentença é que haverá a constituição do estado de incapacidade – efeitos ex nunc. Diante disso,
após a prolação da sentença, os atos praticados por essas pessoas serão anuláveis quando praticados sem a
anuência do curador.

Pergunta: O menor púbere pode praticar algum ato sem atuação do representante e este ato ainda
assim ser válido?

R: Sim, o maior de 16 anos pode praticar alguns atos mesmo sem a representação e o ato ser
válido, por exemplo, pode ser testemunha; pode fazer testamento; aceitar mandato; tem a possibilidade
de votar e etc.

- Atentem-se, as idades estudadas no campo de atuação do direito civil, não se confundem


com as idades de outros ramos do direito.

As idades estudadas no Código Civil servem para reger as matérias civilistas, como: realizar contrato,
negócio jurídico ou até mesmo para se casar. Para outros ramos do direito, há idades específicas para
determinadas situações, ou seja, no campo do direito penal, por coincidência, a responsabilidade inicia a
partir dos 18 anos. Há também, no Estatuto da Criança e do Adolescente o conceito de criança (até os 12
anos incompletos) e adolescente (dos 12 aos 18 anos).

Perceba que há uma conexão entre às disciplinas, a exemplo, no conceito de absolutamente incapaz
encontra-se o conceito de criança e de adolescente.

Questões Relevantes

- Enunciado 138 da JDC: A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inciso I do artigo
3°, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que
demonstrem discernimento suficiente.

- Índios - Lei 6001/73: No Código Civil/16 os índios eram denominados de “silvícolas” e considerados
relativamente incapazes, simplesmente por serem índios. Com o novo modelo de código, ou seja, o CC/2002
passou a prever que a capacidade dos índios é regida por legislação específica – Artigo 4º, parágrafo único,
do CC.

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A Lei 6.001/73 que trabalha o Estatuto do Índio estabelece, no art. 8º, que o índio não inserido na
sociedade, caso pratique algum ato, esse ato será nulo. Por outro lado, caso o índio esteja inserido na
sociedade, os atos serão válidos.

- Surdo-Mudo: A expressão, “surdo-mudo” não é a terminologia mais adequada ao se fazer menção


a pessoas que possuem esse tipo de deficiência. Todavia, essa é a expressão utilizada pelo Código Civil na
parte de testamento.

A pessoa surda é capaz. No entanto, na hipótese dessa pessoa não conseguir manifestar sua própria
vontade, é que ela poderá ser considerada relativamente incapaz, nos moldes do art. 4º, inciso III, do CC.

- Ausente: É aquela pessoa que se ausentou de seu domicílio sem deixar notícia. Para caracterizar a
ausência, é necessário: não notícia + não presença.

O ausente onde quer que ele esteja vivendo é considerado capaz.

Atos dos menores relativamente incapazes sem representação do assistente: Poderão ser
testemunhas, aceitar mandatos (Art. 666 do CC), fazer testamentos e etc.

- Benefício do Restitutio in Integrum: É um benefício de restituição integral. O CC/16 expressamente


rechaçava este instituto.

Embora o CC/2002 não tutele este assunto, não significa que ele aceite a aplicação deste benefício,
visto que sua aplicação afronta questões de segurança jurídica.

Em um caso prático, o benefício do restitutio in integrum seria a possibilidade de um incapaz que


celebrou negócio jurídico com o suprimento de todos os requisitos de validade, inclusive, com a devida
representação, pedir de volta tudo aquilo que ele pagou/pactuou, por exemplo.

Trata-se de um instituto inexistente no ordenamento jurídico brasileiro.

- Embrião excedentário - os embriões excedentários são considerados coisas, objetos de direito –


ADI 3510 e a Lei de Biossegurança: Na ADI n° 3510, o STF declarou constitucional o art. 5º da Lei de
Biossegurança, o qual autoriza o tratamento com células-tronco embrionárias obtidos a partir de embriões
criogenizados, desde que congelados a mais de três anos ou que sejam inviáveis para inseminação.

- Marco Civil da Primeira Infância – Lei 13.257/16: A referida Lei regula alguns pontos interessantes
sobre a questão da primeira infância, que é tida nos 72 primeiros meses (6 anos) de vida da criança. Diante
da Lei, busca-se o estabelecimento de políticas públicas para melhor desenvolvimento da criança nesses
primeiros meses de vida.

Dois dispositivos se revelam importantes acerca do assunto:

53
Art. 1o Esta Lei estabelece princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de
políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos
primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano, em
consonância com os princípios e diretrizes da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente); altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente); altera os arts. 6o, 185, 304 e 318 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de
1941 (Código de Processo Penal); acrescenta incisos ao art. 473 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; altera os arts. 1o, 3o, 4o e
5o da Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008; e acrescenta parágrafos ao art. 5o da Lei no 12.662,
de 5 de junho de 2012.

Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se primeira infância o período que abrange os
primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança.

- Súmula 342 do STF: “No procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a
desistência de outras provas em face da confissão do adolescente”.

- Mútuo feito a menor não pode ser reavido (art. 588), salvo artigo 589: Mútuo é o empréstimo de
coisa fungível, ou seja, o empréstimo de dinheiro ao menor não pode ser reavido, salvo se provar as hipóteses
do art. 589.

- Pode o menor ou interdito cobrar dívida de jogo paga voluntariamente (art. 814): Via de regra, a
dívida de jogo ou de aposta não pode ser cobrada, contudo, aquele que paga voluntariamente, não tem
direito de pedir de volta o que se pagou. Esse pagamento não é indevido, é chamado de “solutio retentio”,
ou seja, solução de retenção.

Tal regra não se aplica no caso do menor, ou seja, o menor poderá cobrar o que por ele foi pago.

- Não haverá partilha amigável se houver incapaz;

Art. 2015. Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública,
termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz.

- Perde a proteção o menor púbere que ocultar dolosamente a idade ao obrigar-se;

Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar
a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-
se maior.

54
- Os incapazes podem ser responsabilizados subsidiariamente pelos atos lesivos praticados a
terceiros;

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não
tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

- Aos incapazes serão nomeados curadores especiais para atuação em juízo (art. 72 do CPC);

Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:

I - incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele,
enquanto durar a incapacidade;

II - réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for
constituído advogado.

Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei.

- Súmula 358 STJ: “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está
sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”.

Os alimentos não se esgotam com a maioridade, a partir da maioridade a pessoa é devedora de


alimentos com base no princípio da solidariedade. Dessa forma, não há o cancelamento automático da
pensão alimentícia.

- O Novo Código Civil, ao reduzir a idade da capacidade civil (18 anos), não revogou o artigo 121,
parágrafo 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que fixa a idade de 21 anos para a liberação
compulsória do infrator (HC 28.332/RJ).

- O Enunciado 3 da I Jornada de Direito Civil: A redução do limite etário para a definição da


capacidade civil aos 18 anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei nº 8.213/91, que regula específica
situação de dependência econômica para fins previdenciários e outras situações similares de proteção,
previstas em legislação especial.

55
O Estatuto apenas consolidou aquilo que constava da Convenção de Nova Iorque, a qual tem força
de emenda constitucional.

Segundo o art. 3º, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas
os menores de 16 anos.

O art. 4º estabelece que são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

• maiores de 16 e menores de 18 anos


• ébrios habituais e os viciados em tóxico
• aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade
• pródigos

Não trata dos doentes mentais ou de deficiência. A ideia é a inclusão total dos deficientes.

a) Estatuto da Pessoa com Deficiência

Não há mais possibilidade de pessoas maiores de 18 anos serem absolutamente incapazes. Se elas
não puderem exprimir sua vontade, serão relativamente incapazes. O objetivo, portanto, foi a plena inclusão
da pessoa com algum tipo de deficiência.

A Lei nº 13.146/2005 tem aplicação imediata, atingindo todas as pessoas que, no início da vigência
da referida norma, não podiam exprimir a vontade, por causa transitória ou permanente, as quais passaram
a ser consideradas relativamente incapazes.

É forçoso afirmar que o art. 6º da Lei 13.146/15 estabelece que a deficiência não afeta a plena
capacidade civil da pessoa, inclusive para:

• Casar-se e constituir união estável;


• Exercer direitos sexuais e reprodutivos;
• Exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas
sobre reprodução e planejamento familiar;
• Conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
• Exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
• Exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Veja, a ideia é a inclusão da pessoa com deficiência. No plano familiar, com relação aos atos
existenciais há uma inclusão plena da pessoa com deficiência.

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O art. 84 do Estatuto estabelece que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício
de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

E se for necessário auxílio?

Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. É facultado
à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária,


proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

A ideia é incluir a pessoa com deficiência. E ainda, a curatela afetará tão somente os atos
relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

Em outras palavras, podem existir a limitação de atos patrimoniais, mas não em relação a atos
existenciais.

Portanto, para que a curatela esteja presente, é necessário que haja ação judicial específica,
enquadrando-se em uma das hipóteses do art. 4º, pois se for menor de idade, o pai será o responsável.

b) Representação e assistência

Com relação aos absolutamente incapazes, estes deverão ser representados. Então, o menor de 16
anos deverá ser representado, sob pena de nulidade absoluta do ato por ele praticado.

Em relação aos relativamente incapazes, estes deverão ser assistidos, sob pena de anulabilidade do
negócio.

Questão que era sempre debatida seria o negócio celebrado pelo incapaz antes da declaração da
incapacidade. Mas aí vinha a declaração da incapacidade do sujeito pela sentença, ou seja, a sentença era
posterior ao negócio que havia sido fechado.

Este ato anterior à sentença poderá ser nulo ou será válido?

Pablo Stolze diz que os atos anteriores à interdição poderão ser tidos como inválidos, se a causa de
interdição já existia, e, se à época em que os fatos foram praticados, a incapacidade podia ser percebida
pelo negociante capaz. Se ele não podia perceber, não seria possível anular.

Segundo o STJ, serão considerados nulos os atos e negócios jurídicos praticados pelo incapaz
anteriores à sentença de interdição, em se comprovando que o estado da incapacidade é contemporâneo
ao ato ou negócio a que se pretende anular.

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Na opinião de Flávio Tartuce, a boa-fé blindaria o negócio tratado entre o sujeito capaz e o sujeito
absolutamente incapaz.

Hoje em dia, como não existem mais absolutamente incapazes maiores de 18 anos, esta situação
perder força.

c) Absolutamente incapazes

Os únicos absolutamente incapazes são os menores impúberes, ou seja, os menores de 16 anos. Há


uma presunção absoluta de incapacidade.

Eventualmente, um ato de um menor de 16 anos (absolutamente incapaz) poderá gerar efeitos,


conforme o Enunciado 138 do CJF, que diz que a vontade dos absolutamente incapazes é juridicamente
relevante para concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que se demonstre que
havia discernimento bastante para a prática do ato.

Ex.: menino de 15 anos foi na padaria comprar pão. Este negócio não será nulo.

d) Relativamente incapazes

São relativamente incapazes a certos atos ou à maneira de os exercer:

• Maiores de 16 e menores de 18 anos:


Existem atos em que esses menores de 18 e maiores de 16 anos podem praticar sem a
assistência, como é o casamento, desde que exista autorização dos pais. Também poderão
elaborar testamentos e ser testemunhas em negócios e atos jurídicos. Além disso, poderão
requerer registro do seu nascimento. Poderão ainda ser empresários, desde que exista
autorização legal para tanto. Podem ser eleitor, podendo votar. Podem também ser
mandatários para negócios extrajudiciais.

• Ébrios habituais e os viciados em tóxico:


O NCPC estrutura a ação de interdição que é o art. 747 ao art. 758.
É plenamente possível a ação de interdição, tanto é que o art. 753, §2º, do NCPC estabelece que
o laudo pericial indicará especificadamente, se for o caso, os atos para os quais haverá
necessidade de curatela. E portanto promove a ação de interdição, o sujeito será interditado,
mas o laudo dirá os atos trará as hipóteses em que será necessária a curatela. Fora desses atos,
poderá o sujeito praticar o ato que quiser, pois a ideia é manter plenamente integrado ao
contexto social. Veja, a regra é a capacidade.

• Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade
Antes da alteração do Estatuto, esta causa era geradora de incapacidade absoluta.

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Ex.: surdo, mudo que não consiga se expressar, idoso que tenha Alzheimer, pessoa em coma, etc.

• Pródigos
Pródigos são aquelas pessoas que dissipam o patrimônio de forma desordenada e desregrada.
Basta pensar nas pessoas viciadas em jogos.
Os pródigos têm que ter nomeação de um curador. Mas como a questão é patrimonial, ficarão
privados apenas dos atos que possam comprometer o seu patrimônio. Caso contrário não.
Poderão desde já continuar praticando os seus atos.

Em relação à capacidade, é importante mencionar a capacidade dos índios ou silvícolas.

A situação dos índios ou silvícolas, conforme o parágrafo único do art. 4º, é regida por lei especial.
Essa lei especial é a Lei 6.001/73, que é o Estatuto do Índio, o qual coloca que o silvícola, enquanto não for
integrado à comunidade nacional, sob o regime de tutela, devendo ter uma assistência exercida pela FUNAI.

A lei considera que são nulos os atos praticados por índio não integrado e qualquer outra pessoa
estranha à comunidade, caso não tenha havido tutela da FUNAI.

Não se aplica essa regra de nulidade, se o índio revelar consciência e conhecimento do ato praticado,
e desde que o ato praticado não lhe seja prejudicial.

Qualquer índio pode requerer ao juízo competente que seja liberado do regime tutelar, desde que
preencha os requisitos legais, sendo a ideia de estar plenamente integrado à comunhão nacional.

e) Emancipação

É possível antecipar os efeitos da capacidade de fato através do fenômeno da emancipação.


A emancipação tem previsão no artigo 5º, do CC e estabelece três formas de emancipação:
voluntária, judicial e legal.
A emancipação voluntária: É concedida pelos pais, realizada diretamente no cartório, mediante
escritura pública, ao menor com 16 anos. Não há homologação judicial, basta a vontade dos pais.
A emancipação possui caráter irrevogável/irretratável, contudo, não significa dizer que não possa
ser anulado. A emancipação voluntária, embora não seja um ato jurídico em sentido estrito, cujos efeitos
estão na lei, não significa que não possa ser invalidado. Até porque, o artigo 185 do CC, estabelece que
“poderão aplicar aos atos jurídicos, os dispositivos relacionados a negócio jurídico”. Ex.: Se o filho coage o pai
para emancipá-lo, é possível invalidar essa emancipação.
Trata-se de um ato discricionário dos genitores, ou seja, os filhos não podem exigir de seus pais a
disposição do poder familiar. Ex.: Não se pode ajuizar uma ação de obrigação de fazer contra os genitores
exigindo que eles o emancipem.

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O genitor ou a genitora que exerce tão somente o direito de visita em face do menor deve participar
da realização da emancipação. Em contrapartida, não havendo consenso entre os genitores sobre a
emancipação, o juiz decidirá.
Mesmo após a emancipação, os pais não ficam desobrigados da prestação dos alimentos - Súmula
358 do STJ. Bem ainda, continuam sendo responsáveis solidariamente pelos atos praticados pelo
emancipado.
Quanto à emancipação judicial, ela será concedida pelo juiz mediante sentença, ao menor que tenha
16 anos. É necessária a oitiva do tutor e do Ministério Público.
Importante ponderar, que o tutor não pode emancipar o tutelado de forma voluntária.
A emancipação legal será concedida nas hipóteses previstas no art. 5º, parágrafo único, incisos II, III,
IV e V do CC, que ocorrerá: II- pelo casamento; III- pelo emprego público efetivo; IV- pela colação de grau em
curso de ensino superior; V- por estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria.

OBS.: Economia própria é um conceito vago que será interpretado no caso concreto.

Não há homologação judicial na emancipação legal, basta a ocorrência dos fatos previstos em lei.
Em relação ao casamento como hipótese de emancipação legal, não se aplicará nos casos de união
estável. Isso porque, a união estável não possui o fato constitutivo, como se tem no casamento. O Código
Civil tutela a idade núbil com 16 anos e o artigo 1.520, com redação da dada pela Lei 13.811/2019 prevê que
Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto
no art. 1.517 deste Código.
Havendo divórcio, o menor não retorna ao estado de incapaz, no entanto, se o casamento for
considerado nulo ou inválido, o menor voltará à condição de incapaz. Ademais disso, em se tratando de
casamento putativo (casamento nulo ou anulável contraído de boa-fé por um ou ambos os nubentes) a
pessoa permanece da condição de capaz.
Importante: Para aqueles que agem de boa-fé (até mesmo os terceiros) os efeitos do matrimônio
permanecerão.
A hipótese de emprego público efetivo trata-se de “letra morta da lei”, pois atualmente é necessário
ter 18 anos para esse tipo de emprego.
Pergunta: Para emancipação é preciso que o menor tenha 16 anos?
R: Para que seja realizada a emancipação é necessário ter 16 anos. Todavia, quanto à emancipação legal nas
hipóteses: por estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego em que menor
tenha 16 anos, é necessário ter 16 anos.

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Para o emprego público efetivo e colação de grau, não possui necessidade de ter 16 anos.

Cobrado em prova:
CESPE: A emancipação voluntária dos pais é ato revogável, com efeitos a partir do ato de revogação →
Errado, a emancipação voluntária é irrevogável e irretratável. Embora, evidentemente, possa ser
invalidada.

4. Os direitos da personalidade em uma análise civil-constitucional

A IV Jornada de Direito Civil trouxe o Enunciado 274, o qual estabelece que os direitos da
personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral da
tutela da pessoa humana, constante do art. 1º, III, da Constituição.

Em caso de colisão entre direitos da personalidade, como nenhum poderá sobrelevar os demais,
deverá ser aplicada a técnica da ponderação.

Ao se deparar com a temática dos direitos da personalidade, encontramos algumas terminologias,


quais sejam: direitos essenciais da pessoa; direitos à personalidade; direitos essenciais; direitos
personalíssimos.
A professora Roberta Queiroz crítica à expressão “direitos personalíssimos”, visto que nem sempre
esses direitos serão direitos da personalidade.
- Breve histório acerca dos direitos de personalidade:
O direito romano abarca mais de mil anos, desde a Lei das Doze Tábuas (449 a.C.), até
o período Justiniano (565 d.C.). Neste período, não se contemplava direitos da personalidade, havia a actio
injuriarum, que era uma ação utilizada contra questões de injúria.
Muito embora neste momento não houvesse um instituto dos direitos da personalidade, havia uma
leve preocupação com a pessoa humana.
Na sequência, tivemos:
- Período do cristianismo, com a observância da fraternidade, havia uma preocupação maior com a
pessoa humana.
- Carta Magna Inglesa de 1.215 assegurou, em tese, os direitos fundamentais da personalidade
humana, todavia, abarcava tão somente determinadas espécies/classes desses direitos fundamentais. Há
quem defenda, inclusive, que a supramencionada Carta não foi, em verdade, um primor de preocupações
com os direitos da personalidade, pois naquela oportunidade, somente algumas pessoas eram contempladas
com essa preocupação.

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- Declaração dos Direitos do Homem de 1.789, que trouxe uma tutela da personalidade humana e
defesa de direitos individuais;
- Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1.948;
- Reformas dos Códigos – pós-guerra, consubtanciada nas mazelas praticadas pelo nazismo,
principalmente, na Alemanha. Com a repercussão desta situação, preocupou-se mundialmente com a
dignidade da pessoa humana.
Esses reflexos surgiram no nosso ordenamento jurídico ao longo dos anos com reconhecimento e
avanço do nosso direito, até chegarmos à Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, os quais asseguram
a dignidade da pessoa humana.
Em verdade, nosso Código Civil de 1.912 era extremamente patrimonialista, ou seja, preocupado com
o patrimônio, o contrato, a propriedade, o testamento, os bens etc. Embora o nosso Código Civil seja de
2.002, sua redação é da década de 70 e até sua aprovação tivemos várias emendas nas Casas Legislativas, até
chegar o que nós temos hoje.
Como forma de suportar o avanço do direito e a evolução da sociedade no que tange a
essencialidades do direito privado, é que a jurisprudência vem caminhando conjuntamente para o
reconhecimento desses direitos.
Temos como exemplo dessa situação, a declaração de inconstitucionalidade reputada pelo STF no
artigo 1.790 do CC, a qual trabalhava uma sucessão desvantajosa para o companheiro, em detrimento a
sucessão do cônjuge no artigo 1.829, do CC. Não se trata de uma preocupação com a isonomia ou
preocupação com a entidade familiar, preocupa-se, em verdade, com a dignidade da pessoa humana.
O atual Código Civil tem uma preocupação central com a pessoa humana. Nessa temática, o professor
Cristiano Chaves faz alguns apontamentos: “Trata-se, sem a menor sombra de dúvida, de noção fluida, em
constante e cotidiana evolução, tendo o escopo de assegurar uma categoria jurídica fundamental para
efetivação da dignidade humana”.
Código Civil de 2.002 dá nova visão e concede maior relevância aos direitos de personalidade.
Diante disso, temos a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional e como princípio que rege
o nosso sistema civilista, destacando-se a importância da pessoa humana como o centro do ordenamento
jurídico como um todo.
Tivemos um Movimento de Repersonalização, também chamado de Repersonalização do Direito
Civil que se trata de uma cláusula geral de proteção.
Através dessa cláusula geral de proteção, advêm três pilares de integridades:

I- INTEGRIDADE PSÍQUICA OU MORAL: trata-se do direito a imagem, direito à honra, direito ao nome,
à vida privada, a intimidade;

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II- INTEGRIDADE INTELECTUAL: liberdade de pensamento, criações e autorias científicas e artísticas;
III- INTEGRIDADE FÍSICA: direito à vida, ao corpo, partes do corpo (tanto o corpo vivo quanto o corpo
morto).

Importante mencionar, que esses três pilares encontram-se no nosso Código Civil e todos os direitos
de personalidade estarão assentados em algum desses três pilares de integridade.
Em verdade, novo modelo civilista pressupõe uma garantia de preservação da dignidade da pessoa
humana. Por essa razão, não é possível dissociar direitos da personalidade e dignidade da pessoa humana.
Isso porque, é direito de personalidade tudo aquilo que se impõe para se ter uma vida privada digna; anda
lado a lado com o princípio da dignidade da pessoa humana.
A par disso, não se pode afirmar um conceito de direitos da personalidade, pois ele está ligado
intimamente à vida digna, a dignidade da pessoa humana.
Os artigos 11 ao 21 do Código Civil, elencam vários direitos de personalidade, dentre eles: direito ao
nome, a integridade física e psíquica, direito a imagem (que se divide em imagem voz e imagem atributo e
imagem retrato).
O rol desses direitos é exemplificativo, visto ser impossível estabelecer todas as modalidades desse
direito ante a sua evolução.
Nesse contexto, alguns direitos de personalidade não possui previsão no nosso Código Civil, são eles:
I- o direito ao esquecimento – trata-se do direito de não conviver com fatos pretéritos de sua vida -; II- o
direito de não saber – segundo entendimento do STJ, a pessoa tem o direito de não saber dos fatos que
digam respeito a si mesmo, desde que, estes fatos, em caso de não ciência, não influenciem na vida de outras
pessoas.

Fonte dos direitos de personalidade


Justifica-se a presença desses direitos no nosso ordenamento jurídico através de duas correntes:
1ª CORRENTE: Jusnaturalista (Maria Helena Diniz): É corrente majoritária, na qual os direitos de
personalidade são inatos, significa que decorrem da qualidade humana. Os direitos de personalidade não são
constituídos pelo sistema, tem origem jurídica preconcebida, origem divina. Portanto, os direitos de
personalidade são inatos e naturais.
2º CORRENTE: Positivista (Pontes de Miranda e Gustavo Tepedino): Essa corrente sustenta que os
direitos de personalidade decorrem da ordem jurídica positiva. Diz-se que se fossem divinos seriam
universais, presentes em todos os ordenamentos, o que não é verdade.
A corrente que merece prosperar no ordenamento jurídico e que deve ser adotada no momento
da prova, é a CORRENTE JUSNATURALISTA.

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I. Conceito de direitos da personalidade

O que são direitos da personalidade?

Maria Helena Diniz estabelece que direitos da personalidades são direitos subjetivos da pessoa de
defender o que lhe é próprio, ou seja:

• Sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo, seja vivo seja morto, o corpo alheio, as
partes separadas do corpo vivo ou morto)
• Sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística literária, etc.)
• Sua integridade moral (honra, segredo pessoal, segredo profissional, imagem, identidade
pessoal, familiar, social, etc.)

Pessoa jurídica tem direito da personalidade?

É controvertido, mas prevalece o entendimento de que a pessoa jurídica tem direito da


personalidade por equiparação, conforme art. 52 do Código Civil. Isto é pacificado na jurisprudência, razão
pela qual a pessoa jurídica poderá sofrer dano moral, mas em relação apenas a honra objetiva, pois é
destituída de honra subjetiva.

Todavia, o Código Civil não reconhece a possibilidade de que as pessoas jurídicas sejam titulares de
direitos da personalidade, tendo em vista que foi deferido a elas apenas a proteção dos direitos da
personalidade, no que couber (MPDFT).

Com base nisso, a Súmula 227 do STJ determinou que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral. O
STJ já entendeu ser possível dano moral à PJ por protesto indevido de duplicata.

Por outro lado, pessoas jurídicas de direito público não poderão sofrer danos morais, apesar de
também serem passíveis de proteção dos direitos da personalidade.

O rol de direitos da personalidade é exemplificativo pela redação do Enunciado do CJF, mas existem
alguns exemplos em que há direitos da personalidade não previstos na CF e nem no Código Civil:

• Direito à opção sexual


• Direito ao esquecimento:
Foi reconhecido no Enunciado 531 do CJF, estabelecendo que a tutela da dignidade da pessoa
humana, na sociedade da informação, inclui o direito ao esquecimento. Na jurisprudência do STJ,
ganha destaque a decisão dada no REsp 1334097-RJ, o qual reconheceu o direito ao
esquecimento de um homem que havia sido inocentado da acusação de ter se envolvido na

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chacina da candelária. Ele foi retratado pelo programa “Linha Direta”, quando já estaria
absolvido.
• Direito de não saber:
Este direito é uma novidade. O direito de não saber é um direito distinto do direito à privacidade.
Na verdade, o direito de não saber só terá efeito se houver uma manifestação expressa da
preferência de não saber. E mesmo havendo a manifestação expressa, encontrará limites para o
exercício do direito de não saber, isto é, é a probabilidade de, em não sabendo isso, violar o
direito de outras pessoas.
Ex.: o STJ entendeu que o portador do vírus HIV não tem direito a não saber que é portador do
vírus. Neste caso, a questão do direito de não saber encontra obstáculo que ele não consegue
transpor, que é a probabilidade de prejudicar o direito de outras pessoas, como a integridade
física.

II. Colisão entre direitos da personalidade

O grande desafio diz respeito à amplitude da incidência do direito ao esquecimento, pois do outro
lado também existe o direito à informação e liberdade de imprensa. Na colisão desses direitos, é necessário
se socorrer da técnica da ponderação. Os direitos serão sopesados no caso concreto, e partir de um juízo de
razoabilidade, o juiz irá emitir uma solução.

Cabe ressaltar que a técnica da ponderação já está prevista expressamente no NCPC. O §2º do art.
489 do NCPC diz que no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da
ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas
fáticas que fundamentam a conclusão.

A sistematização dessa ideia de ponderação foi trazida por Robert Alexy.

Na sua obra, Alexy, visando a ponderação, parte de algumas premissas para que o sopesamento seja
possível:

1. Os direitos fundamentais têm em sua maioria a estrutura de um mandado de otimização. Ou


seja, deve ser cumprido o máximo possível dos direitos fundamentais. Ou seja, é possível que
haja a satisfação de direitos fundamentais em graus variados.

2. Na colisão entre princípios, há restrições recíprocas. Alexy faz uma diferenciação de colisão
entre regras e colisão entre princípios. Se a colisão for entre regras, uma delas deverá ser
retirada. Sendo uma colisão entre princípios, haverá uma ponderação, ou seja, um deles cederá
de alguma forma para que o outro também seja exercido.

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Fredie Didier Jr. discorda dessa opinião, pois se encontra respaldado pelo professor Humberto
Ávila.

3. Neste caso, o aplicador do direito aplica a técnica da ponderação, fazendo o sopesamento. Isso
porque os direitos fundamentais trazem mandados de otimização, e como o conflito é entre
princípios, é necessário fazer o sopesamento. É, em verdade, a aplicação da máxima da
proporcionalidade.

4. A pesagem feita pelo aplicador do direito deve ser fundamentada em uma argumentação que
convença. O juiz, ao aplicar a técnica da ponderação, deverá resultar numa fundamentação
idônea, ou seja, de possível conclusão e de forma que seja justa.

Didier discorda da necessidade dessa colisão ser apenas entre princípios, pois, para ele, no caso de
colisão entre regras poderia também solucionar pela técnica da ponderação, como forma de alcançar uma
decisão mais justa.

Direitos da personalidade x direitos fundamentais


Os direitos fundamentais são estudados em direito constitucional, e foram pensados para serem
aplicados, a priori, no campo do direito público, com a intenção de proteger o particular contra as
arbitrariedades cometidas pelo Estado (relação verticalizada entre o Estado e o particular). Eis que o Estado
encontra-se em uma posição jurídica vantajosa em detrimento do particular.
Quanto aos direitos de personalidade, esses foram pensados para serem aplicados no campo do
direito privado. Todavia, como já estudado, é perfeitamente possível aplicar os direitos fundamentais nas
relações horizontalizadas, ou seja, entre particulares.
Em resumo:

Direitos da Personalidade → Direito privado.


Direitos Fundamentais → Direito público.

Desse modo, o ponto em comum entre os direitos de personalidade e os direitos fundamentais é a


dignidade da pessoa humana.
Conforme já explanado, o conceito de dignidade da pessoa humana não pode ser auferido, pois não
comporta engessamento. No entanto, o professor Cristiano Chaves nos propõe que, ao invés de
conceituarmos a dignidade da pessoa humana, o ideal é que saibamos identificá-los por meio de alguns
elementos.
Ou seja, identificamos a dignidade da pessoa humana, através:

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• INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA
• LIBERDADE E IGUALDADE
• DIREITO AO MÍNIMO EXISTENCIAL – chamado pelo direito constitucional de direito ao patrimônio
mínimo (Súmula 364 do STJ).

OBS.: O STJ promoveu uma interpretação teleológica na Lei 8.009/90, onde se entendeu que o objetivo do
art. 1º da referida Lei, não é proteger a família, mas sim, a dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, dispõe a Súmula 364 do STJ: “o conceito de impenhorabilidade de bem de família
abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas” – denominado single.
Diante disso, observa-se que a dignidade da pessoa humana possui reflexos, tanto no direito público
como no direito privado.
No direito público sua incidência implica na mitigação da supremacia do interesse público sobre o
privado. Não há interesse público que justifique o sacrifício da dignidade alheia. No direito privado, a
incidência gera a constitucionalização das relações privadas, ou melhor, eficácia horizontal dos direitos
fundamentais (RE 201.819/RJ - aplicação direita dos direitos fundamentais nas relações privadas).
Veja-se que a summa divisio entre direito público e direito privado é tênue. Hoje, fala-se em uma
summa divisio constitucional, ou seja, é a aproximação do direito público e do direito privado.
Por fim, embora os direitos de personalidade estejam previstos na gênese do direito privado,
também se aplicam ao direito público. E os direitos fundamentais, embora previstos na gênese do direito
público, se aplicam ao direito privado.

III. Características dos direitos da personalidade

*Tema recorrente em provas

• ABSOLUTOS: São oponíveis erga omnes, ou seja, oponíveis contra todos. São absolutos do sentido de
que a ninguém é dado o direito de violentar os direitos de personalidade de outrem.
Todavia, esses direitos podem ser relativizados, pois nada impede que um direito de personalidade
sofra relativização quando em conflito com outro de mesma hierarquia;

• INATOS: Inerentes à condição humana. Foram feitos pelo homem e para o homem;

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• EXTRAPATRIMONIAS: O conteúdo, a essência, não tem valor econômico, pecuniário. Os direitos de
personalidade não têm estimativa econômica, mas a violação a um direito de personalidade gera
indenização, gera reparação pecuniária.
Esse reflexo patrimonial se revela através dano moral, dano material e dano estético.

OBS.: Dano moral, dano material e dano estético são cumuláveis. Ou seja, pode-se cobrar o dano
independentemente da espécie, se no mesmo evento, adveio mais de uma modalidade de dano.

OBS.: O dano estético não é uma vertente do dano moral.

Será devido o dano moral, em virtude da violação da integridade moral, psíquica e intelectual. O dano
estético será devido, quando da violação da integridade física. Por fim, o dano material quando houver
violação que tenha reflexos patrimoniais.
A característica de extrapatrimonialidade na fixação do dano é um meio de compensar ou indenizar
pela violação. Isso porque, retornar ao status quo ante é impossível.
Importante: O dano estético é devido independentemente de sequela;

• IMPENHORÁVEIS: Isso significa que não se admite constrição judicial sobre direitos da personalidade.
Cuidado, pois é possível que haja penhora se decorrente de uma violação, gerar indenização;

• IMPRESCRITÍVEIS: Os direitos de personalidade não estão sujeitos a precrição punitiva ou aquisitiva.


Ou seja, não há prazo extintivo para o exercício de um direito de personalidade. Ninguém sofre a perda de
um direito de personalidade pelo não uso. Todavia, para reclamar a indenização, é necessário observância
de prazo prescricional.

• VITALÍCIOS: Os direitos de personalidade não são perpétuos, eles extinguem-se com a morte do
titular.
Pontos de destaque
*Recorrente em provas
Muito embora os direitos de personalidade sejam imprescritíveis e extrapatrimoniais, ao serem
violados, nasce para vítima, o direito aos reflexos patrimoniais, são eles: danos morais, danos materiais e
danos estéticos.
Diante disso, caso não se receba voluntariamente por esses danos, cabe à parte ajuizar uma ação de
indenização.

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O artigo 206 estabelece o prazo prescricional de 3 anos para requerer indenização, e o artigo 189, diz
que o prazo começa a contar da data da violação do direito. Como é possível que na data o autor não saiba
da violação, o STJ abraçou a tese da actio nata, o que significa que os prazos prescricionais começam a fluir
não na data da violação, mas na data do conhecimento da violação, é o que a súmula 278 do STJ esclarece.
O posicionamento do STJ, no julgamento do REsp 816.209/RJ, estabelece uma hipótese de pretensão
patrimonial imprescritível, qual seja, tortura, com base na Lei 9.140/95, artigo 14. Esse julgado é um leading
case, um precedente, primeiro julgado sobre o assunto. Nesse julgado o STJ estabeleceu a imprescritibilidade
da ação de indenização por tortura gerada durante o período de ditadura militar.

Ementa:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.
REGIME MILITAR. PERSEGUIÇAO, PRISÃO E TORTURA POR MOTIVOS POLÍTICOS.
IMPRESCRITIBILIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.º DO
DECRETO N.º 20.910/32.

Art. 14. Nas ações judiciais indenizatórias fundadas em fatos decorrentes da situação política
mencionada no art. 1º, os recursos das sentenças condenatórias serão recebidos somente no efeito
devolutivo.

Art. 1º São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham
participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de
setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes
públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias.

Cobrado em prova:
VUNESP/2016: É prescritível a pretensão de recebimento de indenização por dano moral decorrente de
atos de tortura ocorridos durante o regime militar de exceção → Incorreto, o prazo é imprescritível.

O artigo 11 do Código Civil menciona: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária”.
O referido artigo trabalha com mais uma das características dos direitos de personalidade, o qual não
consta no rol já mencionado. Desse modo, quando falamos em INTRANSMISSÍVEL e IRRENUNCIÁVEL, tem-se
que os direitos de personalidade são INDISPONÍVEIS.
Pergunta: A indisponibilidade dos direitos de personalidade é absoluta ou relativa?
Muito embora o tema seja polêmico, a indisponibilidade dos direitos da personalidade é RELATIVA,
isso quer dizer, que em alguns casos, podem-se transmitir os direitos de personalidade quando a lei permitir,
e também em outras situações, como, no Enunciado 4º e 139 da Jornada de Direito Civil.

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Nesta mesma linha, era o entendimento da banca CESPE, todavia, em concurso recente de analista
realizada pela referida banca, adotou-se entendimento totalmente diverso, alegando que não seria possível
transmitir os direitos da personalidade.
Atente-se: O correto é que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis e,
portanto, são indisponíveis, essa é a regra. Todavia, essa indisponibilidade é relativa, ou seja, em algumas
situações pode-se dispor desses direitos de personalidade.
Ou seja, os direitos de personalidade admite-se restrição de forma voluntária ou por lei. Conforme
dicção dos seguintes Enunciados:

Enunciado 4° da JDC: O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária,
desde que não seja permanente nem geral.

Enunciado 139 da JDC: Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não
especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular,
contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.

Nesse contexto, a TRANSMISSÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE PELA LEI, ocorre no caso da Lei
9.610/98 – DIREITOS AUTORAIS, e na Lei 9.434/97 – TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS – é possível transplante de
órgãos entre vivos, nos casos de órgãos dúplices ou regenerativos. Este último trata-se da transmissão de um
direito da personalidade atinente a integridade física.
Importante mencionar alguns dispositivos que dizem respeito à retirada de órgãos.

Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem,
para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere
este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.

Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só


poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-
cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do
Sistema Único de Saúde.

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e
registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a
utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de
Medicina.

De acordo com o Enunciado 4º da Jornada de Direito Civil, temos a TRANSMISSÃO DOS DIREITOS DE
PERSONALIDADE DE FORMA VOLUNTÁRIA, todavia, deve-se observância a três critérios:

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1. A restrição não pode ser permanente;
2. A restrição não poder ser genérica, ou seja, toda restrição deve ser especificamente incidente
sobre um ou outro direito da personalidade;
3. A restrição não pode violar a dignidade do titular, ainda que venha a anuir, aquiescer.

A despeito deste assunto, importante memorar o caso do arremesso de anões. O caso foi julgado na
França em 1.992 e a atração foi banida da cidade. Manuel Wackenheim, anão e dublê, levou o caso para
Comissão das Nações Unidas e Direitos Humanos, que em 27 de setembro de 2.002, julgou que a decisão não
era discriminatória aos anões, estabelecendo que o banimento do arremesso não era abusivo, e sim
necessário para manter a ordem pública, fazendo ainda considerações a respeito da dignidade humana.
A par disso, verifica-se que a essência do Enunciado 4º da Jornada de Direito Civil advém de vários
outros ordenamentos, em especial, ao ordenamento jurídico francês no que tange o direito de
personalidade.

Cobrado em prova:
CESPE/2014: Admite-se, no ordenamento jurídico brasileiro, limitação, temporária ou permanente, dos
direitos da personalidade, desde que por vontade expressa de seu titular → Incorreta, a restrição não pode
ser permanente.

CESPE/2013: A lei permite que um artista ceda o uso da sua imagem por tempo indeterminado para
publicação em determinada revista → Incorreta, a restrição não pode ser dar por tempo indeterminado.

IV. Limitação dos direitos da personalidade

O art. 11 do CC já traz a hipótese de que, com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária.

E portanto pela redação do CC, o exercício do direito fundamental não pode sofrer limitação
voluntária. Mas há a relativização desse caráter ilimitado e absoluto do direito da personalidade.

O Enunciado 4 do CJF diz que o exercício dos direitos da personalidade podem sofrer limitação
voluntária, mas desde que esta limitação não seja permanente e nem geral. Isto justifica o Big Brother.

O Enunciado 139 do CJF diz que os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não
expressamente previstas em lei, não podendo ser exercido com abuso de direito, pois violaria a boa-fé e os
bons costumes.

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V. Casuística dos direitos da personalidade

Exemplo de direito da personalidade é o direito patrimonial decorrente da imagem. Com relação à


imagem, lembremos os caso do “contrato vitalício” entre o jogador de futebol e a Nike. Na verdade, não
poderá este contrato ser vitalício, eis que não se permite que este contrato seja permanente. Por conta
disso, este contrato vitalício não é formulado no Brasil, pois aqui não é permanente.

O direito da personalidade não é disponível no sentido estrito, mas são transmissíveis as cessões
de uso do direito da personalidade. Isto é, aspectos patrimoniais do direito da personalidade podem ser
destacados e transmitidos, desde que de forma limitada e não permanente.

O que é disponível no direito da personalidade?

É aquela parcela dos direitos subjetivos patrimonial, isto é, a repercussão patrimonial do direito.

VI. Tutela geral dos direitos da personalidade

O art. 12, caput, do CC, traz a tutela geral da personalidade, estabelecendo que é possível exigir que
cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.

E portanto o que há aqui são dois princípios: princípio da prevenção (visa evitar que o dano ocorra)
e o princípio da reparação integral dos danos (visa reparar o dano ocorrido).

Em relação a esta reparação, são cumuláveis dano moral, material e estético.

Nesta mesma linha, a súmula 403 do STJ estabelece que independe de prova de prejuízo a
publicação não autorizada, para fins de indenização, da imagem da pessoa com fins econômicos ou
comerciais. Mesmo que não tenha prejuízo, havendo a disposição da imagem para fins comerciais, terá
direito à indenização.

Segundo Samer, o dano moral é in re ipsa, sendo dispensada a comprovação, eis que se trata de um
dano ao direito da personalidade.

Momento aquisitivo dos direitos da personalidade

Como já estudado em momento anterior, a personalidade jurídica consiste na aptidão genérica para
titularizar direitos e deveres. O Código Civil, na letra da lei, adota a teoria natalista, ou seja, adquire-se
personalidade jurídica a partir do nascimento com vida (art. 2º do CC).
Com relação aos direitos de personalidade, adota-se a teoria concepcionista, ou seja, os direitos da
personalidade são adquiridos em momento anterior a aquisição da personalidade jurídica.

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Para aqueles que adotam uma vertente mais extremada dessa teoria, defendem que o momento de
aquisição da personalidade jurídica é com a concepção em si. Por esse motivo, há quem defenda que o
embrião criogenizado tem direito de personalidade.
Por outro lado, para a vertente moderada da teoria, considera-se personalidade jurídica, após o 14º
dia após o coito, com a ocorrência do fenômeno da nidação (fixação do óvulo fecundado na parede uterina).
Justifica-se, diante disso, a possibilidade de dano moral ao nascituro. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL N° 399.028 – SP


DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA
23 ANOS APÓS O EVENTO. PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO
QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA.
ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
...
II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não
tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.
....

O natimorto é aquele nascido morto, portanto, não adquiriu personalidade jurídica. Acerca do
assunto, dispõe o Enunciado 1 da Jornada de Direito Civil: “A proteção que o Código defere ao nascituro
alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.
A proteção que se dá ao natimorto parte-se da premissa, de que muito embora o mesmo tenha
nascido morto, desde o início da concepção lhes são resguardados os direitos de personalidade.
Quanto à questão do aborto no campo do direito civil, temos a proteção da dignidade da pessoa
humana e à conferência da proteção dos direitos de personalidade. No que tange a este tema, o direito civil
e o direito penal não se comunicam.

- EMBRIÃO LABORATORIAL (embrião criogenizado ou congelado)

Dispõe do art. 5º da Lei de Biossegurança.


Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias
obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo
procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já
congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir
da data de congelamento.
§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco
embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos
comitês de ética em pesquisa.

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§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica
o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Em 2008, por meio da ADI 3510/DF, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Brito, o STF, por maioria,
decidiu pela constitucionalidade do artigo acima, logo, de forma clara, decidiu-se que os embriões não
possuem direitos de personalidade, pois, se tivessem, não poderiam ter sido feito de objetos de tratamento.
Na oportunidade, houve a intervenção do Amici curiae sendo eles: Conectas Direitos Humanos,
Centro de Direitos Humanos – CDH; Movimento em Prol da Vida – MOVITAE; Instituto de Bioética, Direitos
Humanos e Gênero – ANIS, além da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e entidades sociais.
Durante essa discussão, havia duas correntes divergentes:

1ª Corrente: Defendia que a vida começa na fecundação e que, por esse motivo, pesquisar em
células-tronco embrionárias seria violar o direito à vida, garantido constitucionalmente;
2ª Corrente: Afirmava que o embrião somente alcançava características de pessoa humana com a
implantação no útero de uma mulher, não havendo violação ao direito à vida.

Por maioria, a segunda corrente foi a que preponderou neste julgamento.

DICA: Muito embora se encontre em alguns manuais que o embrião criogenizado possui direito de
personalidade, no momento da prova, deve-se levar em consideração o contido na ADI nº 3510.

Pergunta: O embrião excedentário tem algum direito?


O embrião excedentário tem presunção de paternidade conforme o artigo 1.597, do CC.

Artigo 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:


IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de
concepção artificial homóloga;

Celeuma: O artigo 1.798 do CC estabelece que para ser sucessor/herdeiro é preciso que esteja
sobrevivo na data da morte do autor da herança ou pelo menos concebido. A situação atinente ao artigo
1.798 do Código Civil é peculiar, isso porque, o embrião está concebido e está congelado.
Por exemplo, o casal que realiza a fertilização in vitro. Passado algum tempo, o marido falece, a
esposa poderá fazer a inseminação desses embriões, desde que haja autorização para o uso do material
genético post mortem.

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De acordo com a situação hipotética, a melhor doutrina entende que o embrião é considerado
herdeiro, visto que o embrião criogenizado já estava concebido no momento da morte do genitor.
Diante disso, a partir do momento em que o embrião é inserido no ventre materno, passa a ter
reconhecimento de direitos e, se for o caso, pode-se reclamar, inclusive, por petição de herança a
sobrepartilha dos bens de seu genitor. Importante mencionar, que a ação de petição de herança possui prazo
prescricional de 10 anos.
Conclusões:

1. Os direitos de personalidade são adquiridos na concepção uterina;


2. Os direitos de personalidade são reconhecidos ao natimorto;
3. O embrião laboratorial não dispõe dos direitos da personalidade;
3.1. O embrião laboratorial pode ter presunção de paternidade, quando os pais forem
casados – aplicando-se a regra do artigo 1597 do CC;
3.2. O embrião laboratorial terá direito sucessório se já tiver sido concebido, quando da
morte do seu pai.
Momento extintivo dos direitos da personalidade

Em consideração as características dos direitos de personalidade, é importante observar, que esses


direitos são vitalícios e, portanto, existem até a data da morte do titular.
Com o evento morte, há o fim do poder familiar; do casamento; da personalidade jurídica; das
relações personalíssimas e o fim dos direitos de personalidade.
Embora o momento aquisitivo da personalidade jurídica não seja o mesmo momento aquisitivo dos
direitos de personalidade, posto que aquela é adquirida com o nascimento com vida, e estes são adquiridos
a partir da concepção. O encerramento da personalidade jurídica se coaduna com o encerramento dos
direitos de personalidade.

➔ Pontos relevantes:

Pergunta: Existe alguma proteção dos direitos de personalidade após a morte?


R: Sim, há três projeções desses direitos após a morte, são eles: sucessão processual,
transmissibilidade do direito à reparação e os lesados indiretos.

- Sucessão processual:

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Havendo a morte de umas das partes, seja ela autora ou ré, no curso de uma ação em que se busca
a reparação de determinado direito de personalidade que foi violado, a depender da situação, essa ação
pode ou não ser extinta.
Se a demanda for instransmissível por disposição legal, haverá extinção do processo sem resolução
do mérito, pautada no artigo 485 do CPC. No entanto, se a ação discutir um direito passível de transmissão,
haverá o fenômeno da sucessão processual, também chamado de substituição de parte.
Neste caso, se ação discutir direito extrapatrimonial sucederá o de cujus, seus herdeiros. Por outro
norte, quando a demanda versar sobre direitos patrimoniais, a herança substituirá o de cujus. Quando a
herança se torna sujeito no processo, passa a ser chamada de espólio, ou seja, espólio é uma adjetivação que
a herança recebe quando é autora ou ré de ação.
Tal situação encontra-se respaldo no art. 110 do CPC.

Artigo 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos
seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º.

Atente-se: Não confundir sucessão processual/substituição de parte que são sinônimos, com substituição
processual. A substituição processual trata-se de legitimidade extraordinária, ou seja, sujeito pleiteia em
nome próprio um direito alheio.

- Transmissibilidade do direito à reparação:

Ocorrerá a transmissibilidade do direito à reparação, quando a pessoa falece sem que se tenha
ajuizado uma ação.
Disporá o artigo 943 do CC: “O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se
com a herança”. Veja-se que os herdeiros poderão acionar o Estado na busca de indenização.
Acerca do assunto, julgou o STJ no Recurso Especial n° 324.886- PR, nos seguintes termos:

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. HERDEIROS. LEGITIMIDADE.


1. Os pais estão legitimados, por terem interesse jurídico, para acionarem o Estado na busca de
indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em razão de atos administrativos praticados
por agentes públicos que deram publicidade ao fato de a vítima ser portadora do vírus HIV.
2. Os autores, no caso, são herdeiros da vítima, pelo que exigem indenização pela dor (dano moral)
sofrida, em vida, pelo filho já falecido, em virtude de publicação de edital, pelos agentes do Estado
réu, referente à sua condição de portador do vírus HIV.
3. O direito que, na situação analisada, poderia ser reconhecido ao falecido, transmite-se,
induvidosamente, aos seus pais.
4. A regra, em nossa ordem jurídica, impõe a transmissibilidade dos direitos não personalíssimos,
salvo expressão legal.

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5. O direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos
sucessores da vítima (RSTJ, vol. 71/183).
6. A perda de pessoa querida pode provocar duas espécies de dano: o material e o moral.
7."O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima, Não seria razoável admitir-se que o sofrimento
do ofendido se prolongasse ou se entendesse (deve ser estendesse) ao herdeiro e este, fazendo sua
a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável
que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do
dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano
moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores" (Leon Mazeaud,em
magistério publicado no Recueil Critique Dalloz, 1943, pg. 46, citado por Mário Moacyr Porto,
conforme referido no acórdão recorrido).
8. Recurso improvido.

- Lesados indiretos:

Quando há ofensa a personalidade de uma pessoa já morta, essa ofensa atinge diretamente o morto,
no entanto, atingem-se também, de forma indireta (dano por ricochete), os lesados indiretos que são os
familiares vivos do falecido.
A exemplo dessa situação, no ano de 1992, houve um caso de grande repercussão, em que Daniella
Perez (filha de Glória Perez) contracenava na novela “De Corpo e Alma” e fazia par romântico com Guilherme
de Pádua. Naquela época, o ator, juntamente com sua esposa Paula, assassinou Daniella.
Em decorrência deste fato, um jornal de grande circulação Rio de Janeiro, publicou uma reportagem
dizendo e sugerindo que Daniella teria sido morta, pois estava tendo relação afetiva com Guilherme e que a
mesma teria dado causa à sua morte.
Pergunta-se: Diante desta situação, Glória Perez poderia ajuizar uma ação pedindo dano moral para
sua filha?
Não. Todavia, poderia pedir dano moral para ela, em nome próprio, pleiteando direito próprio (dano
por ricochete).

Outra situação ocorrida recentemente foi com a morte do cantor Cristiano Araújo, em que
funcionários de uma clínica gravaram e divulgaram vídeo da preparação do corpo do cantor. Veja-se que os
familiares do cantor possuem legitimidade para requerer indenização por dano moral.
Em relação aos lesados indiretos, temos dois dispositivos importantes no Código Civil, são eles:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas
e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste
artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem
pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a
utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da

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indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa
proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

O artigo 12 é aplicado quando houver violação de qualquer direito de personalidade, como, direito
ao nome, à honra etc. Considera-se lesado indireto o ascendente, descendente, cônjuge/companheiro e os
colaterais até o quarto grau (2º grau: irmãos; 3º grau: tios e sobrinhos e 4º grau: primos).
Em se tratando de violação ao direito de imagem, que se divide em imagem voz, imagem atributo e
imagem retrato, haverá aplicação do artigo 20 do CC. Serão considerados como lesados indiretos, os
ascendentes, os descendentes e cônjuge/companheiro.
Muito embora a doutrina reconheça a possibilidade de um rol exemplificativo no que tange aos
lesados indiretos, explicitados nos artigos 12 e 20 do CC, o STJ possui entendimento contrário.
Em um caso concreto, o STJ entendeu que o noivo não estava incluído no conceito de lesados
indiretos, vejamos:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGITIMIDADE PARA O AJUIZAMENTO


DE AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MORAIS POR MORTE. NOIVO. ILEGITIMIDADE ATIVA.
NECESSÁRIA LIMITAÇÃO SUBJETIVA DOS AUTORIZADOS A RECLAMAR COMPENSAÇÃO.
...
5. Nessa linha de raciocínio, conceder legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma
forma, suportaram a dor da perda de alguém – como um sem-número de pessoas que se encontram
fora do núcleo familiar da vítima – significa impor ao obrigado um dever também ilimitado de reparar
um dano cuja extensão será sempre desproporcional ao ato causador. Assim, o dano por ricochete a
pessoas não pertencentes ao núcleo familiar da vítima direta da morte, de regra, deve ser
considerado como não inserido nos desdobramentos lógicos e causais do ato, seja na
responsabilidade por culpa, seja na objetiva, porque extrapolam os efeitos razoavelmente
imputáveis à conduta do agente. 6. Por outro lado, conferir a via da ação indenizatória a sujeitos não
inseridos no núcleo familiar da vítima acarretaria também uma diluição de valores, em evidente
prejuízo daqueles que efetivamente fazem jus a uma compensação dos danos morais, como
cônjuge/companheiro, descendentes e ascendentes. 7. Por essas razões, o noivo não possui
legitimidade ativa para pleitear indenização por dano moral pela morte da noiva, sobretudo quando
os pais da vítima já intentaram ação reparatória na qual lograram êxito, como no caso. 8. Recurso
especial conhecido e provido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.076.160 – AM.

Outro julgado bastante interessante foi no Recurso Especial nº 86.109, em que um banco utilizou a
imagem de Lampião e Maria Bonita para fins comerciais, sem a devida autorização. O banco em sua defesa
alegou que as imagens estavam em domínio público e que seria possível sua utilização. Diante disso, a filha
do casal ajuizou ação buscando reparação por esses danos.

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"RESPONSABILIDADE CIVIL. USO INDEVIDO DA IMAGEM. DIVULGAÇÃO, EM REVISTA DE EXPRESSIVA
CIRCULAÇÃO, DE PROPAGANDA COMERCIAL CONTENDO AS FOTOS DO CONHECIDO CASAL
'LAMPIÃO' E 'MARIA BONITA'. FALTA DE AUTORIZAÇÃO FINALIDADE COMERCIAL. REPARAÇÃO
DEVIDA.
A utilização da imagem da pessoa, com fins econômicos, sem a sua autorização ou do sucessor,
constitui locupletamento indevido, a ensejar a devida reparação. - Não demonstração pelo
recorrente de que a foto caiu no domínio público, de acordo com as regras insertas no art. 42 e seus
parágrafos da Lei nº 5.988, de 14.12.73. - Improcedência da denunciação da lide à falta do direito de
regresso contra a litisdenunciada. Recurso especial não conhecido."

No Recurso Especial nº 521.697, discutiu-se sobre a publicação de uma biografia sobre a vida de
Garrincha, o qual o expôs ao ridículo, pois havia menção sobre seu membro sexual. Os filhos se sentiram
ofendidos e ajuizaram as respectivas ações.

CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DE PAI FALECIDO.


Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal
característica a sua intransmissibilidade.
Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem e a honra de quem falece, como se
fossem coisas de ninguém, porque elas permanecem perenemente lembradas nas memórias, como
bens imortais que se prolongam para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou
Ariosto. Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu
falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação
feita à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe
possa trazer mácula.
Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que
os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em
juízo, seja por dano moral, seja por dano material. Primeiro recurso especial das autoras
parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. Segundo recurso especial das autoras
não conhecido. Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas improvido.

VII. Dano em ricochete

O parágrafo único do art. 12 reconhece direito da personalidade ao morto, conferindo proteção


àqueles que são lesados indiretamente. São os denominados danos em ricochete.

A reparação de eventual dano moral poderá ser perseguida pelo cônjuge, ou qualquer parente em
linha reta, ou colateral até o 4º grau. Em tais casos, o que há é um dano indireto, ou seja, atinge o morto,
mas repercute em seus familiares. Portanto, os familiares, quando buscam a reparação, agem em direito
próprio.

O art. 20, parágrafo único, trata de um caso específico, que é o caso de lesão à imagem do morto,
estabelecendo também a possibilidade de legitimação dos lesados indiretos pelo dano em ricochete.

Todavia, há uma diferença. Quando se trata de lesão à imagem do morto ou ausente, serão partes
legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

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Perceba, o dispositivo relacionado à imagem não fala dos colaterais até o 4º grau. Todavia, caso
estes sujeitos sofram dano moral em ricochete, nada impede que ingressem com a ação.

Nestes casos, as pessoas ingressam com o feito em nome próprio, independentemente de vocação
hereditária, ou seja, sem que precisem respeitar a ordem estabelecida.

VIII. Direito de disposição partes separadas do próprio corpo (art. 13)

O art. 13 trata do direito de disposição de partes separadas do próprio corpo para fins de transplante.

Segundo o art. 13, salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo,
quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.

O parágrafo único diz que o ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na
forma estabelecida em lei especial.

Veja, o Código estabelece que essa disposição do corpo de forma permanente é vedada, salvo se
existir uma exigência médica nesse sentido. Caso não exista exigência médica, não há de que se falar em
disposição de parte do corpo vivo de forma permanente, salvo para fins de transplante.

O transexualismo, no meio médico, é uma patologia, visto que a pessoa tem um desvio psicológico
permanente de sua sexualidade. Ou seja, o sujeito rejeita o fenótipo. E segundo o Conselho Federal de
Medicina, teria o sujeito uma sujeição à automutilação ou autoextermínio.

Nesse caso, haveria a recomendação médica para cirurgia do transexual. Existem movimentos
científicos que pretendem considerar o transexualismo uma condição sexual.

Considerando que o homossexual deixou de ser considerado uma doença de homossexualismo,


passando a ser denominado de homossexualidade. O mesmo se quer promover com o transexualismo, o qual
passará a ser denominado de transexualidade. Esta é a tendência.

Existem ações que pleiteiam a alteração do nome do transexual, mas sem a necessidade de cirurgia
de adequação do sexo. Neste caso, o Poder Judiciário, em consonância com a I Jornada de Direito da Saúde,
promovida pelo CNJ, estabelece que quando comprovado o desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa
do sexo oposto, resultando na incongruência entre a identidade determinada pela anatomia e a identidade
sentida, a cirurgia de transgenitalização passa a ser dispensável para retificação do nome no registro civil.

A IV Jornada de Direito Civil trouxe o Enunciado 376 que diz: O art. 13 do CC, ao permitir a disposição
do próprio corpo por exigência médica autoriza a cirurgia de transgenitalização, e como consequência
autoriza a alteração do prenome e do sexo no registro civil.

O STJ admite a alteração do registro civil quando há cirurgia de transgenitalização.

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IX. Doação de órgãos (art. 14)

Segundo o art. 14, é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio
corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

A disposição de órgão para depois da morte é plenamente possível, porém esta disposição do próprio
corpo pode ser revogada a qualquer momento.

O art. 4º da Lei 9.434/97 estabelece que a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas
falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou
parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive,
firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

Ou seja, a retirada de órgãos pós mortem deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica,
e depende de autorização de parente maior, na linha reta ou colateral até o 2º grau, ou do cônjuge
sobrevivente.

Perceba que há uma aparente incongruência, visto que o código diz que a pessoa pode dispor de
parte do seu corpo, podendo inclusive revogar esta autorização. No entanto, a Lei 9.434/97 diz que se for
morte encefálica, os parentes é quem vão dizer se irão dispor dos órgãos do parente morto.

Afinal, quem é que toma essa decisão?

Havendo manifestação expressa do doador de órgãos em vida, esta manifestação prevalece sobre a
manifestação dos familiares.

Neste caso, é necessário fazer uma interpretação, a fim de dialogar as fontes, estabelecendo que se
ele não tiver se manifestado, a família decide. Porém, caso ele tenha feito manifestação expressa, ainda
que a família discorde, será feita a doação, em consonância com o princípio da autonomia da vontade.

X. Direitos do paciente (art. 15)

Segundo o art. 15, ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento
médico ou a intervenção cirúrgica.

Flávio Tartuce exemplifica o caso em que um paciente está à beira da morte. Neste caso, é necessária
cirurgia, mas esta intervenção é de alto risco. A intervenção, neste caso, deverá ocorrer, sob pena de
responsabilização do médico. Isso porque, o fato do art. 15 trazer tal regra, não pode permitir uma conclusão
que sacrifique a própria vida.

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Um hard case trazido por Tartuce é aquele em que um sujeito, à beira da morte, com cirurgia de alto
risco, mas por convicções religiosas se nega a intervenção cirúrgica. Aqui há alguma divergência doutrinária
no sentido de ser possível ou não a intervenção médica.

Tartuce entende que em casos de urgência, deverá haver intervenção cirúrgica, visto que o direito
à vida demandaria maior proteção do que o direito à liberdade religiosa. Mas isto não é pacífico. A despeito
disso, a jurisprudência dominante entende no mesmo sentido do que Tartuce. Ou seja, havendo risco do
sujeito, deverá prevalecer o direito à vida.

Contrariamente, o Enunciado 403 do CJF estabelece que o direito à inviolabilidade de consciência e


de crença aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue com
risco de morte.

O enunciado vai além, dizendo que esta liberdade de crença vai prevalecer, desde que observados
os seguintes critérios:

• capacidade civil plena do sujeito que se nega


• manifestação de vontade deve ser livre, consciente e informada
• a oposição deve ser exclusivamente da pessoa do declarante

A VI Jornada de Direito Civil aprovou o Enunciado 533, dizendo que o paciente plenamente capaz
pode deliberar sobre todos os aspectos concernentes ao tratamento médico que possa lhe causar algum
risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergências no curso de procedimentos
médico e cirúrgicos que não possam ser interrompidos.

Veja, no meio da cirurgia não é possível exigir que, caso tenha havido uma complicação, sendo
necessária, por exemplo, uma transfusão de sangue, seja exigida a autorização do paciente.

XI. Tutela do direito ao nome, sinal ou pseudônimo

Todos os elementos que fazem parte do nome estão protegidos:

• prenome: primeiro nome da pessoa (ex.: João).


• sobrenome: apelido, patronímico, nome de família (ex.: Silva).
• partícula: ex.: João da Silva.
• agnome: visa perpetuar o nome anterior (ex.: João da Silva Filho).

A proteção de todos esses elementos constam do art. 17, o qual diz que o nome da pessoa não pode
ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda
quando não haja intenção difamatória.

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Havendo a exposição do nome da pessoa ao desprezo público, ainda que não haja a intenção
difamatória, haverá ato ilícito.

O nome também não poderá ser utilizado, sem autorização, em propaganda comercial (art. 18).

Veja, se o nome foi utilizado não para expor a desprezo público, e sim como enaltecimento da pessoa,
mas na hipótese tenha havido intenção comercial ou para fins de propaganda, também deverá indenizar,
pois seria imprescindível autorização.

O art. 19 consagra a proteção ao pseudônimo, que é aquele em que o artista se escode atrás de uma
obra, seja artística ou literária. Fernando Pessoa fazia isso. Para o dispositivo civil, o pseudônimo adotado
para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.

Apesar da falta de proteção legal, deve-se concluir que esta proteção também deve ser estendida
ao apelido, o qual na verdade é denominado de cognome, nome artístico de alguém ou alcunha.

A Lei de Registros Públicos, que é a Lei 6.015/73, no art. 58 diz que o prenome será definitivo, mas
a própria lei traz exceções, admitindo-se a sua substituição por apelidos públicos notórios.

Ex.: no interior é muito comum o pai registrar a filha como Maria, mas a mãe queria chamar ela de
Joana e nunca chama ela de Maria. Ela cresce sendo chamada de Joana pela cidade inteira. Nesse caso, cabe
a substituição do prenome, pois é público e notório, através do qual ela é conhecida.

A alteração dos componentes do nome é possível através de sentença específica. Esta sentença
deverá ser registrada em cartório de registro de pessoas naturais.

Os casos de alteração do nome estão na Lei 6.015/73, mas é um rol meramente exemplificativo:

• nome expõe ao ridículo. Ex.: Jacinto Aqui no Rego.


• erro de grafia crasso. Ex.: “Frávia”.
• adequação de sexo
• introdução de alcunha. Ex.: Luís Inácio LULA da Silva.
• introdução do nome do cônjuge ou convivente
• introdução do nome do pai ou da mãe no caso de adoção do filho
• tradução de nome estrangeiro. Ex.: John para João.
• se houver coação ou ameaça decorrente de colaboração de crime
• para incluir nome de padrasto ou da madrasta ao enteado. É necessário que haja motivo
imponderado, sem prejuízo dos nomes de família que ali estejam.

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• no caso de abandono afetivo do genitor, é possível a exclusão do sobrenome do genitor (STJ,
Info 555). A pessoa tem direito a excluir um nome que lhe remeta às angústias de um abandono
afetivo.

O art. 56 fixa um prazo decadencial, o qual fixa ao interessado um prazo para que seu nome possa
ser alterado. E isso desde que não prejudique apelidos de família.

Este prazo decadencial, o qual estabelece que, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil,
poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos
de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.

O STJ entende que este prazo decadencial não é absoluto, podendo ser alterado mesmo após o
esgotamento do prazo de 1 ano após a maioridade, desde que haja motivação idônea.

XII. Direito à imagem e os direitos a ela conexos

Segundo o art. 20, salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à


manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a
exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem
prejuízo da indenização que lhe couber, se estes atos praticados atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Perceba que o art. 20 diz que a exploração de uma imagem de uma pessoa poderá ser barrada por
ela, inclusive poderá implicar indenização por danos morais.

Para utilização da imagem de outra pessoa, o dispositivo traz uma necessidade de autorização. Não
havendo autorização, é possível aplicar o princípio da prevenção, impedindo que novas publicações sejam
feitas, bem como o princípio da reparação integral do dano, de forma que, caso haja violação, deverá reparar
o dano.

Esta autorização será dispensável quando a divulgação da informação é necessária para:

• interesse da ordem pública


• interesse da administração da justiça

Ordem pública e administração da justiça são cláusulas gerais, ou seja, será o juiz quem vai dizer no
caso concreto se estas permitem a divulgação dessa imagem ou da pessoa sem a sua autorização. Basta
pensar nos crimes de envolvimento de políticos.

O direito de imagem se subdivide em:

• imagem-retrato: é a sua fisionomia e aparência.

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• imagem-atributo: é a sua qualificação, sendo a imagem pela qual as pessoas lhe julgam.

A proteção à imagem não pode ser, e não é, uma proteção absoluta, devendo ser ponderada com o
direito à informação e com a liberdade de imprensa.

Se houver uma colisão entre direito da imagem e direito à liberdade de imprensa, tem-se que levar
em conta a notoriedade do retratado, notoriedade dos fatos, a veracidade dos fatos, e ainda as características
de sua utilização.

Perceba que entre o direito à informação e o direito à imagem, é necessário ponderar qual irá
prevalecer, considerando qual é o fato, a pessoa e se o fato é verídico.

O direito brasileiro não admite o hate speech, que são as manifestações de ódio, despreza,
intolerância, sendo possíveis nos EUA. Dessa forma, o STF adotou essa corrente de proibição do hate speech,
sustentando que deve haver limitações ao direito de liberdade de expressão.

O STJ diz que, se houver dano, para verificar a gravidade do dano, sofrido pela imagem da pessoa
que não autorizou, deverão ser analisadas alguns pontos:

• qual é o grau de consciência do retratado em relação a possibilidade de captação de sua


imagem. Ex.: artista no meio da rua está traindo a esposa. Sendo ele pessoa pública, e se
sujeitando a trair na própria rua, esta imagem poderá ser reproduzida.
• qual é o grau de importância do retratado em relação à amplitude da captação. Não haverá
direito à reparação se o indivíduo for retratado no meio do estádio lotado, visto que ninguém o
viu lá.
• qual é a natureza e o grau da repercussão do meio pelo qual se dá a divulgação. Uma coisa é o
amigo publicar na página do facebook, outra coisa é sair na Folha de São Paulo.
• deve entender qual é o direito de informar como uma garantia que deve ser exercida. Nesse
sentido, há alguns critérios que devem ser levados em consideração: i) qual é o grau de utilidade
para o público do fato informado; ii) qual é o grau de atualidade da imagem (verificar sobre o
direito ao esquecimento); iii) qual é o grau de necessidade de veiculação daquela imagem para
veicular o fato; iv) qual é o grau de preservação do contexto em que a imagem foi colhida (ex.:
imagem contextualizada de maneira imprópria).

Com relação às obras biográficas, esta questão chegou ao STF.

Precisa de autorização do biografado?

O STF, por unanimidade, julgou procedente uma ADI, para dar intepretação conforme à Constituição
aos arts. 19 e 20 do Código Civil, sem redução de texto.

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O STF declarou inexigível o consentimento da pessoa biografada. Ou seja, ela não tem que autorizar
para ser biografada. É igualmente desnecessária a autorização das pessoas que sejam coadjuvantes na
biografia, bem como aquelas que tenham morrido, mas que foram mencionadas.

Além disso, o Supremo reafirmou que o direito à inviolabilidade, da privacidade, intimidade, da honra
e da imagem da pessoa, caso haja lesão aos seus direitos, deve-se haver a reparação dos danos.

É simples: pode publicar a biografia sem autorização, mas caso seja aplicado ato ilícito, deverá
reparar o dano por meio de indenização.

XIII. Direito à intimidade

O Código Civil tutela o direito à intimidade, prescrevendo no art. 21 que a vida privada da pessoa
natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para
impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Esse direito não é absoluto.

Anderson Schreiber diz que é necessária a ponderação. Há um exemplo claro de ponderação de vida
privada e a segurança, por exemplo. No caso do aeroporto, quando se coloca a bagagem no Raio-X, o agente
da Infraero visualiza tudo. Mas neste caso o direito à segurança se sobrepõe ao direito à privacidade.

5. Domicílio da pessoa natural

As regras quanto ao domicílio da pessoa natural estão entre os arts. 70 e 78 do CC.

Domicílio é o local em que a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada. É o
local onde poderá ser cobrada ou cobrar direitos e deveres na ordem jurídica.

Domicílio é o local da sua residência. Há quem diga que domicílio é residência com ânimo definitivo.
O domicílio eleitoral é mais amplo do que o domicílio civil.

O art. 71 vai dizer que é possível a pluralidade de domicílios, ou seja, a pessoa poderá ter duas ou
mais residências, o qual ela viva alternadamente, considerando-se domicílio seu qualquer delas.

O art. 72 do CC diz que o local em que a pessoa exercitar profissão também é domicílio da pessoa
natural, também sendo permitido a pluralidade domiciliar. Neste caso, se a pessoa exercitar profissão em
lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

O art. 74 estabelece que se muda o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta
de mudar o domicílio. Para se provar a intenção manifesta de mudar, basta que a prova da intenção resulte

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da declaração da pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações
não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.

Essa intenção é vislumbrada por meio das declarações da pessoa à municipalidade, tanto de onde
ela está saindo como onde ela está indo morar. Ex.: alteração do domicílio eleitoral é exemplo de intenção
manifesta de se mudar.

O art. 73 do CC fala que a pessoa natural, se não tiver residência habitual, será o domicílio em que
ela for encontrada. Ex.: ciganos, peregrinos, circenses, etc.

. Classificação do domicílio da pessoa natural

- Quanto à origem:
a) Domicílio voluntário ou convencional: É o que decorre de um ato de escolha da pessoa como
exercício da autonomia privada – liberdade individual.

Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o


mudar.
Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a pessoa às municipalidades dos
lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as
circunstâncias que a acompanharem.

É certo que na prática, as pessoas não realizam declaração às municipalidades para dar ciência do
local onde pretendem constituir domicílio. Em vista disso, tem-se como meio de prova da mudança de
domicílio, algumas circunstâncias, como, alteração de endereços no banco, alteração do endereço para
recebimento de correspondência, entre outros.

b) Domicílio legal ou necessário: É o domicílio fixado pela lei. O artigo 76, do CC, apresenta um rol
daqueles que possuem domicílio legal, e em seu parágrafo único, define o local onde elas terão domicílio.

DOMICÍLIO LEGAL

Domicílio do incapaz É o do seu representante ou assistente

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Domicílio do servidor público É o lugar em que exercer de forma permanentemente
suas funções
Obs.: cargo eventual

Domicílio do militar (forças terrestres – Onde servir (quartel)


exercito, polícia militar)

Domicílio do militar da Marinha ou da A sede do comando a que se encontrar imediatamente


Aeronáutica (força não terrestre) subordinado

Domicílio do marítimo ou marinheiro Onde o navio estiver matriculado

Domicílio do preso O lugar em que cumprir a sentença.


Obs.: sentença transitada em julgado

Tais regras são de ordem pública e inderrogáveis, portanto, não podem ser afastadas por convenção
das partes. Como própria disposição do artigo 166 do CC, se houver tentativa de afastamento dessas normas,
serão tidas como nulas.

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa.

É possível ainda, que haja cumulação do domicílio legal com o domicílio voluntário, sempre que
houver possibilidade para tanto. Por exemplo, o servidor público que labora na cidade A, pode fixar como
seu domicílio voluntário a cidade B.
c) Domicílio contratual: É aquele que consta em contrato escrito especificando local para
cumprimento de deveres e obrigações contratuais.
Nesse ponto, não podemos confundir domicílio contratual com foro de eleição.
O foro de eleição é utilizado para aspectos processuais, para fins de definição de uma determinada
ação judicial. Por exemplo, em uma cláusula contratual consta que eventuais conflitos resultantes do
contrato, serão discutidas na cidade A.

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O domicílio contratual ocorrerá nos contratos escritos, onde os contratantes poderão especificar
domicílio onde se exercitem, e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes – Art. 78, do CC.
Dessa forma, estabelece a Súmula 335 do STF: “É válida a cláusula de eleição do foro para os
processos oriundos do contrato”.
No entanto, quando estivermos diante de contrato de adesão - é aquele com conteúdo imposto por
uma das partes -, principalmente, no que tange as relações consumeristas, a imposição de cláusula de eleição
de foro é abusiva, podendo ser declarada de ofício se houver prejuízo ao aderente.
Importante ponderar, que o contrato de adesão não necessariamente é de consumo, – Enunciado
171 da Jornada de Direito Civil – “Art. 423: O contrato de adesão, mencionado nos artigos 423 e 424 do novo
Código Civil, não se confunde com o contrato de consumo”.
Por conseguinte, os contratos de adesão e de consumo, possuem proteção no Código de Defesa do
Consumidor, no entanto, no campo das relações civilistas, possuem proteções aos contratos civis que não
envolvam necessariamente relações de consumo.

Habitação ou moradia eventual

Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for
encontrada – Art. 73, do CC.
É aplicável aquelas pessoas que não possuem residência fixa, como: os que trabalham em circos, os
andarilhos, os ciganos, etc.

Domicílio da pessoa jurídica

Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:


I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e
administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos
constitutivos.

OBS.: As fundações e associações constituem-se através de estatuto. A EIRELI e demais sociedades,


se constituem através de atos constitutivos.

Classificação do domicílio da pessoa jurídica

O domicílio da pessoa jurídica pode ser estatutário ou aparente.

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a) Domicílio estatutário: local previsto no estatuto;
b) Domicílio aparente: local de funcionamento das diretorias ou administrações.

OBS.: É possível pluralidade de domicílios para as pessoas jurídicas – Art. 75, § 1º, do CC.
OBS.: Se a pessoa jurídica tiver sede no exterior, deve-se considerar como seu domicílio o local da filial no
Brasil – artigo 75, § 2º, do CC.

Questões processuais

Os artigos 46 e 47, do CPC elencam critérios de fixação de competência territorial.

Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será
proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
§ 1º Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.
§ 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele poderá ser demandado onde for
encontrado ou no foro de domicílio do autor.
§ 3º Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será proposta no foro de
domicílio do autor, e, se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em
qualquer foro.
§ 4º Havendo 2 (dois) ou mais réus com diferentes domicílios, serão demandados no foro de
qualquer deles, à escolha do autor.
§ 5º A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do
lugar onde for encontrado.

Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação
da coisa.
§ 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair
sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de
nunciação de obra nova.
§ 2º A ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem
competência absoluta.

Os parágrafos do artigo 47 tutelam um critério funcional de competência absoluta e inderrogável.


Ressalta-se: REGRA → Na ação de direito real imobiliário será competente o foro da situação da
coisa. Mas o autor poderá ainda, optar pelo foro do domicílio do réu ou foro de eleição.
Todavia, se a ação discutir propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras,
nunciação de obra nova e posse, o foro competente é o local do imóvel, sob pena de incompetência absoluta
do juízo.

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SÚMULAS E ENUNCIADOS

Súmula 58 do STJ: Proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do executado não desloca
a competência já fixada.

→ Pelo princípio da perpetuatio jurisdictionis, utiliza-se os critérios iniciais dos artigos 46 e 47


ambos do CPC, para fixação da competência. De modo que, as alterações posteriores são ignoradas.

Enunciado 55 da JDC: O domicílio da pessoa jurídica empresarial regular é o estatutário ou o contratual


em que indicada a sede da empresa, na forma dos arts. 968, IV, e 969, combinado com o art. 1.150, todos
do Código Civil.

Súmula 59 do STF: Imigrante pode trazer, sem licença prévia, automóvel que lhe pertença desde mais de
seis meses antes do seu embarque para o Brasil.

Súmula 60 do STF: Não pode o estrangeiro trazer automóvel quando não comprovada a transferência
definitiva de sua residência para o Brasil.

Súmula 61 do STF: Brasileiro domiciliado no estrangeiro, que se transfere definitivamente para o Brasil,
pode trazer automóvel licenciado em seu nome há mais de seis meses.

Súmula 62 do STF: Não basta a simples estada no estrangeiro por mais de seis meses, para dar direito à
trazida de automóvel com fundamento em transferência de residência.

Súmula 63 do STF: É indispensável, para trazida de automóvel, a prova do licenciamento há mais de seis
meses no país de origem.

Súmula 355 do STF: É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato.

6. Morte da pessoa natural

No direito civil temos dois tipos de morte, a real e a presumida.


A morte real é aquela em que temos um corpo morto. De acordo com a Lei de Registros Públicos,
nenhum sepultamento será realizado no Brasil sem a emissão de Certidão de Óbito, que é emitida pelo

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Cartório de Registro da Pessoa Natural, a partir da apresentação do atestado de óbito com a causa e horário
do falecimento.
Nas localidades onde não há médico para emissão desta certidão, a morte da pessoa poderá ser
atestada por duas testemunhas que tenham verificado ou presenciado o evento morte (Art. 77 da Lei de
Registros Públicos).
Tem-se morte real com a paralisação da atividade encefálica, segundo dispõe a Lei nº 9.434/97 – Lei
dos Transplantes de Órgão. Por essa razão, a extinção da personalidade jurídica não acontecerá da mesma
forma que à sua inquisição, ou seja, com a respiração.
Quanto a questões relacionadas a transplante de órgãos post mortem, a morte encefálica deve ser
verificada por dois médicos, desde que não sejam os médicos participantes da remoção.
A morte presumida é considerada como sendo aquela em que não há a presença de um corpo morto.
De modo geral, a extinção da personalidade jurídica é extremamente relevante no mundo jurídico,
como: para abertura da sucessão; transmissão da herança pelo princípio da saisine; extinção do poder
familiar; extinção do matrimônio; fim de relações personalissímas, etc.
A morte presumida pode-se dar sob dois aspectos: COM declaração de ausência e SEM declaração
de ausência.
Haverá declaração da morte presumida SEM declaração de ausência, nas hipóteses do art. 7º do CC.
Ao passo que morte presumida COM declaração de ausência encontram-se disciplinadas nos artigos 22 ao
39 do Código Civil; e artigo 744 e seguintes do Código de Processo Civil.

Importante:
- Concessão de benefício previdenciário em consequência de desaparecimento do segurado em desastre,
acidente ou catástrofe independe de morte presumida – Lei 8.213/91, artigo 78, § 1º.

- Desaparecimento entre 02/09/61 a 05/10/88 teremos morte presumida – Lei 9.140/95. Ou seja, as
pessoas que estavam desaparecidas à época da ditadura militar, são mortos presumidos.

A morte presumida SEM declaração de ausência ocorrerá quando for extremamente provável a
morte de quem estava em perigo de vida, ou quando alguém, desaparecido em campanha ou feito
prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra (art. 7º, inciso I e II).
Encerradas as buscas, a parte interessada estará apta a propor uma ação judicial para
reconhecimento da morte.

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Neste caso, a morte será declarada mediante sentença judicial, e através da sentença haverá a
emissão da Certidão de Óbito. Nesta mesma oportunidade, o juiz deverá fixar a data da morte, ainda que de
forma presumida (art. 7º, parágrafo único do CC).
A morte presumida COM declaração de ausência acontecerá quando a pessoa desaparecer sem
deixar notícia (ou seja, não notícia + não presença).
O procedimento judicial de morte presumida com declaração de ausência possui três fases:

a) 1ª fase - Arrecadação de bens do ausente: Não é necessário esperar um lapso temporal do


desaparecimento para iniciar o procedimento de arrecadação dos bens do ausente, pois, imediatamente ao
desaparecimento, poderá ocorrer essa arrecadação.
Ao arrecadar os bens, será nomeado um curador, que necessariamente seguirá a seguinte ordem:

Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato
por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo curador.
§ 1° Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos
descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo.
§ 2° Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos.
§ 3° Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz à escolha do curador.

Passado o período de 1 (um) ano da arrecadação dos bens ou 3 (três) anos, se o ausente deixou
procurador, inicia-se um segundo momento, que é da sucessão provisória.

b) 2ª fase - Sucessão provisória: Não retornando o ausente, a posse provisória dos bens será
repassada para os herdeiros.
No entanto, na possível hipótese do ausente retornar durante o período da sucessão provisória, e
para que os herdeiros tenham a posse dos bens, será necessário que prestem caução de restituição, salvo
quando se tratar dos herdeiros necessários (cônjuge/companheiro, ascendente e descendente).
Além do mais, os herdeiros necessários farão seus, todos os frutos e rendimentos dos bens que lhe
couberem. Por outro lado, os demais sucessores, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos,
bem como, prestar contas anualmente.
Passados dez anos, abre-se a chamada sucessão definitiva.

c) 3ª fase - Sucessão definitiva: A propriedade dos bens do ausente é resolúvel, a propriedade se


resolve, se desfaz, caso o ausente retorne nos dez anos subsequentes ao seu desaparecimento. Diante disso,
a propriedade só se torna definitiva depois de transcorrido o lapso temporal de dez anos.

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A declaração da morte somente ocorrerá na sucessão definitiva, conforme dispõe os artigos 38 e 39
do CC.

Art. 38. Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente
conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele.

- Nas situações do artigo 38, pode-se requerer diretamente a sucessão definitiva.


- Durante a fase da sucessão provisória será devido o imposto de transmissão “causa mortis”.
- O estado de viuvez somente ocorre no momento da sucessão definitiva.
- Eventual seguro de vida, não será pago com a simples declaração de ausência, é necessário à morte.

Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou
algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens existentes no estado
em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais
interessados houverem recebido pelos bens alienados depois daquele tempo.

OBS.: A leitura dos artigos 22 ao 39 do Código Civil é obrigatória. Muito cobrado em prova.

Detalhes finais:
- A comprovação de propriedade não é condição sine qua non para declaração de ausência. Dessa forna, para
o pedido de declaração de ausência no período de um ano (da arrecadação dos bens) ou de três anos (se
tiver deixado procurador) o artigo 745, do CPC estabelece que serão publicados editais de dois em dois
meses, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens.
Não será necessário provar a propriedade dos bens para que se obtenha declaração de ausência.

DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA. DESNECESSIDADE. COMPROVAÇÃO. BENS.


O pedido de declaração de ausência tem por finalidade resguardar os interesses do ausente, que
pode reaparecer e retomar sua vida, para, após as cautelas previstas em lei, tutelar os direitos de
seus herdeiros. Logo, havendo interessados em condição de suceder o ausente em direitos e
obrigações, ainda que os bens deixados sejam, a princípio, não arrecadáveis, pode se utilizar o
procedimento que objetiva a declaração. A comprovação da propriedade não é condição sine qua
non para a declaração de ausência, nos termos dos arts. 22 do CC/2002 e 1.159 do CPC. Assim, a
Turma deu provimento ao recurso para cassar o acórdão recorrido e a sentença a fim de que prossiga
o julgamento do processo no juízo de origem. REsp 1.016.023-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 27/5/2008 (INFO 357 do STJ).

- Artigo 26 do Código Civil – abertura sucessão provisória – artigo 745 CPC/15. Obrigação dos editais pela
internet.

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- Súmula 331 do STF – “É legítima a incidência de imposto de transmissão “causa mortis” no inventário por
morte presumida”.

Cobrado em prova:
CESPE: Será tido como inexistente o ato praticado por pessoa absolutamente incapaz sem a devida
representação legal → Incorreta, o ato será nulo.

CESPE: O reconhecimento da morte presumida, quando for extremamente provável a morte de quem
estava com a vida sob risco, independe da declaração da ausência → Verdadeiro, art. 7º, do CC.

CESPE: A declaração de ausência é a condição eficiente ao recebimento da indenização do seguro de vida


da pessoa desaparecida → Incorreta
Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO DE VIDA. DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DA


SEGURADA. ABERTURA DE SUCESSÃO PROVISÓRIA. PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO.
NECESSIDADE DE SE AGUARDAR A ABERTURA DA SUCESSÃO DEFINITIVA, QUANDO SERÁ
PRESUMIDA A MORTE DA PESSOA NATURAL. 1. O instituto da ausência e o procedimento para o
seu reconhecimento revelam um iter que se inaugura com a declaração, perpassa pela abertura
da sucessão provisória e se desenvolve até que o decênio contado da declaração da morte
presumida se implemente. 2. Transcorrido o interregno de um decênio, contado do trânsito em
julgado da decisão que determinou a abertura da sucessão provisória, atinge sua plena eficácia a
declaração de ausência, consubstanciada na morte presumida do ausente e na abertura da sua
sucessão definitiva. 3. A lei, fulcrada no que normalmente acontece, ou seja, no fato de que as
pessoas, no trato diário de suas relações, não desaparecem intencionalmente sem deixar rastros,
elegeu o tempo como elemento a solucionar o dilema, presumindo, em face do longo transcurso
do tempo, a probabilidade da ocorrência da morte do ausente. 4. Estabelecida pela a lei a
presunção da morte natural da pessoa desaparecida, é o contrato de seguro de vida alcançado por
esse reconhecimento, impondo-se apenas que se aguarde pelo momento da morte presumida e a
abertura da sucessão definitiva. 5. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. Superior
Tribunal de Justiça. 3ª Turma, REsp 1298963 / SP, 26/11/2013.

CESPE: A emancipação voluntária depende de decisão judicial e de averbação no cartório do registro civil
do lugar onde estiver registrada a pessoa emancipada → Incorreta.

CESPE: A comoriência é a presunção de simultaneidade de óbitos e o seu reconhecimento depende da


demonstração de que os comorientes faleceram nas mesmas condições de tempo e local, não se podendo
comprovar qual morte precedeu às demais → Incorreta, o instituto da comoriência encontra-se no art. 8°
do CC, trata-se das mesmas condições de tempo, e não de local.

CESPE: A legislação civil brasileira admite o reconhecimento de morte sem a existência de cadáver e sem
a necessidade de declaração de ausência → Correta.

CESPE: O registro civil das pessoas naturais é obrigatório e tem natureza constitutiva → Incorreta, possui
natureza declaratória.

95
CESPE: Os menores de dezesseis anos são absolutamente incapazes, de fato e de direito, e, mesmo que
representados, não têm legitimação para determinados atos → Incorreta, não existe incapacidade de
direito.

CESPE: Caso determinada pessoa, em estado de saúde extremamente grave, desapareça, poderá o juiz
reconhecer a sua morte presumida, mas não poderá fixar a provável data de falecimento → Incorreta, o
juiz deve fixar a data provável do falecimento.

Comoriência

Comoriência tem relação com o momento da morte.

Segundo o art. 8 do CC, se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo
averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.

Perceba que duas pessoas tenham morrido na mesma ocasião, não se exigindo que tenham morrido
no mesmo lugar. Nesse caso, considera-se que morreram ao mesmo tempo.

A importância disso é para fins sucessórios, bastando pensar que se João for casado com Maria, e
não tendo eles filhos, há um irmão de João e uma irmã de Maria. Caso ambos João e Maria venham a falecer,
metade dos bens vai para o irmão de João e a outra metade para irmã de Maria.

Se não houvesse comoriência, supondo que João morresse depois de Maria, ela teria morrido e João
herdaria os bens de Maria. Após, João morreria meia hora depois, herdando a totalidade da herança o irmão
de João.

Esta presunção de morte simultânea é relativa, podendo ser afastada por um laudo médico.

7. Estado civil da pessoa natural

Professor Rubens Limongi França diz que o estado civil é um dos atributos da personalidade, mas
possui uma conceituação mais vaga. O estado da pessoa seria o modo particular de existir.

O direito moderno classifica as modalidades de estado em 4:

• Estado político: quer-se saber se o sujeito é brasileiro nato ou naturalizado ou estrangeiro.


• Estado profissional: quer-se saber qual é a situação econômica e a profissão que exercer o
sujeito.
• Estado individual: quer-se saber as peculiaridades da pessoa, como idade, saúde, imagem,
temperamento, experiências, etc.
• Estado familiar: quer-se saber a situação da pessoa no âmbito da constituição de uma família.

96
No âmbito do estado civil familiar, algumas considerações são pertinentes. Trazendo uma visão
tradicional, são modalidades de estado civil familiar:

• Solteiro
• Casado
• Viúvo
• Divorciado
• Separado judicialmente ou extrajudicialmente

A principal crítica a esta classificação é a de que não traz um tratamento específico a respeito do
estado civil do companheiro/convivente.

A jurisprudência e o CNJ, através do Provimento 37, reconhecem o estado civil do companheiro,


mas a lei não reconhece.

Seria interessante que a Lei de Registros Públicos previsse o estado civil do companheiro, de forma
definitiva e legislação expressa.

Superada a crítica, a professora Maria Helena Diniz informa que o estado civil é indivisível, visto que
ninguém poderá ser casado e solteiro ao mesmo tempo, tampouco maior e menor ao mesmo tempo, e nem
mesmo brasileiro e estrangeiro, salvo os casos de dupla nacionalidade.

Perceba que há um estado uno e indivisível.

A partir dessa ideia de indivisibilidade, a ação de estado ganham a conotação de ações


imprescritíveis. Entre essas demandas estão a ação de divórcio, ação de nulidade, ação de investigação de
paternidade, ação negatória de paternidade, podendo o sujeito ingressar quando quiser.

É preciso anotar 2 dispositivos do Código que tratam das questões registrais pertinentes ao estado
civil.

Segundo o art. 9, são registrados em registro público:

• Nascimentos, casamentos e óbitos;


• Emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
• Interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
• Sentença declaratória de ausência e de morte presumida.

O art. 10 diz que será preciso fazer averbação em registro público:

• Das sentenças que:


o decretarem a nulidade ou anulação do casamento

97
o decretarem divórcio
o decretarem a separação judicial
o decretarem o restabelecimento da sociedade conjugal
• Dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação.

Segundo o STJ, o brasileiro que adquiriu dupla cidadania pode ter seu nome retificado no registro
civil do Brasil, desde que isso não cause prejuízo a terceiros, quando vier a sofrer transtornos no exercício
da cidadania por força da apresentação de documentos estrangeiros com sobrenome imposto por lei
estrangeira e diferente do que consta em seus documentos brasileiros (Inf. 588).

8. Pessoa Jurídica

I. Introdução e conceito

Temos no nosso ordenamento jurídico os sujeitos de direitos com personalidade jurídica, a qual é
constituída pela pessoa natural e pessoa jurídica.
O princípio da legalidade no campo do direito civil se materializa na ideia de que a pessoa natural e
a pessoa jurídica pode fazer tudo que a lei não proíba.
Desse modo, a pessoa jurídica é uma atividade de criação, de uma pessoa diversa da pessoa natural.
Podendo se unir ou não com outra pessoa. Por isso, fala-se que a pessoa jurídica tem personalidade jurídica
própria, diversa, portanto, da personalidade jurídica dos seus componentes/sócios.
Trata-se da necessidade ou conveniência de os indivíduos unirem esforços e utilizarem recursos
coletivos para a realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades individuais.
Conforme palavras do professor Arnold Wald: “... personalidade ao grupo, distinta da de cada um de
seus membros, passando este a atuar na vida jurídica com personalidade própria”.
O Código Civil adota a expressão “pessoa jurídica”, mas também possuem outras terminologias,
como: pessoa civil, pessoa moral, pessoa coletiva, pessoa abstrata, pessoa mística, pessoa fictícia, ente de
existência ideal – teoria abordada por Teixeira de Freitas.
O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves dirá: “A pessoa jurídica é, portanto, proveniente desse
fenômeno histórico e social. Consiste num conjunto de pessoas ou de bens dotado de personalidade jurídica
própria e constituído na forma da lei para a consecução de fins comuns. Pode-se afirmar, pois, que pessoas
jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e
obrigações”.

Pergunta:
Qual a relevância que se tem para criar uma pessoa jurídica diferente da pessoa dos sócios?

98
R: Há duas situações, temos a questão da sociedade irregular e da pessoa jurídica.
Quando se cria a pessoa jurídica, há envolto dos sócios, um “manto protetor”. Pois, caso um credor venha
ajuizar uma ação, será ajuizada em face da pessoa jurídica, porque esta possui personalidade jurídica
própria e direitos e deveres próprios.
Por outro lado, haverá uma sociedade irregular ou de fato, quando não há registro dos atos constitutivos.
Carece, portanto, do “manto protetor” que as pessoas jurídicas formalizadas possuem. Como
consequência, os sócios da sociedade de fato respondem de forma ilimitada.

O Código Civil adotou a teoria da realidade técnica, eis que se trata da somatória de outras duas
outras teorias: teoria da ficção (Savigny) e da teoria da realidade orgânica (Otto Gierke).

• Teoria da ficção (Savigny):


Sustentava que a pessoa jurídica seria um sujeito com existência ideal, ou seja, fruto da técnica
jurídica. As pessoas jurídicas seriam pessoas por ficção legal, uma vez que somente os sujeitos
dotados de vontade poderiam por si mesmos titularizar direitos subjetivos. A pessoa jurídica não
teria uma função social, teria uma existência abstrata, ideal.
A crítica recai no fato de negar a atuação social da pessoa jurídica, ela participa de relações
sociais, esta teoria é extremamente abstrata, demais. A pessoa jurídica integra as relações
sociais. Como reconhecer à ficção, mero artifício, a natureza de um ente que tem indiscutível
existência real? Se a PJ é uma criação de lei, mera abstração, quem haveria criado o Estado, PJ
de direito público por excelência?

• Teoria da realidade objetiva ou organicista (Clóvis Beviláqua):


É o contraponto da teoria da ficção. Para ela, a pessoa jurídica não seria fruto da técnica jurídica,
mas sim um organismo social vivo. Para este pensamento a pessoa jurídica teria uma atuação
social, sendo um organismo social vivo.
A crítica recai no fato de o erro não reconhecer a atuação social. O erro é dizer que a PJ é criada
pela sociologia e não pelo direito.

• Teoria da realidade técnica (Ferrara):


Aproveitando elementos das duas correntes anteriores, é mais equilibrada. Afirma que a pessoa
jurídica teria existência real, não obstante a sua personalidade ser conferida pelo direito. Posto
a pessoa jurídica seja personificada pelo direito, tem a atuação social na condição de sujeito
de direito. Sem olvidar que a personalidade jurídica é concedida pelo direito, ela tem função
social.

A teoria da realidade técnica se revela, basicamente, no artigo 45 do CC.

99
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato
constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação
do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito
privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no
registro.

Denota-se que, a aquisição da personalidade jurídica da pessoa jurídica de direito privado, é existente
a partir do registro dos atos constitutivos - efeito ex nunc -, logo, possui natureza constitutiva. Conquanto
que, a Certidão de Nascimento da pessoa natural tem natureza declaratória, adquirindo personalidade
jurídica a partir do nascimento com vida, efeito ex tunc – teoria natalista.
Para criação da pessoa jurídica é necessário:

VONTADE HUMANA CRIADORA (em conjunto ou individualmente) + OBJETO LÍCITO + ATO


CONSTITUTIVO.

Em vista disso, o registro deve conter alguns elementos, como: a denominação, os fins, a sede, o
tempo de duração e o fundo social (quando houver); o nome e a individualização dos fundadores ou
instituidores e dos diretores; forma de administração e representação ativa e passiva, judicial e
extrajudicial; possibilidade e modo de reforma do estatuto social; previsão da responsabilidade
subsidiária dos sócios pelas obrigações sociais; condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do
seu patrimônio – Artigos 45 e 46, do CC.
Importante: Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito
privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro. Nesse
mesmo prazo, é possível invalidar as assembleias realizadas nas associações – parágrafo único, artigo 45, do
CC.
Atenção: O artigo 45, diz respeito somente às pessoas jurídicas de direito privado (tanto do direito
civil quanto no direito administrativo).
No âmbito do direito administrativo, consideram-se pessoas jurídicas de direito privado: as
fundações públicas de direito privado, as empresas públicas e as sociedades de economia mista → Essas
pessoas jurídicas estão tuteladas pelo registro elencado no artigo 45 do CC.
Mas, o artigo 37 da Constituição Federal, propõe a seguinte colocação “a lei cria autarquia e autoriza
a criação da empresa pública, da sociedade de economia mista e da fundação pública (direito privado), mas
a lei complementar fixará as áreas de atuação das fundações”. Pelo fato da lei complementar não existir,
será aplicada a essas pessoas jurídicas o disposto no artigo 62, do CC.

100
Se a pessoa jurídica de direito público for uma autarquia (ou fundação de direito que é uma
autarquia), a simples edição da lei pelo decreto de criação, nasce à pessoa jurídica. Ao passo que, as pessoas
jurídicas de direito privado, devem ser registradas, ainda que integradas no direito administrativo através da
administração indireta – empresa pública, sociedade de economia mista e fundação pública de direito
privado.

II. Classificação da pessoa jurídica

A pessoa jurídica poderá ser classificada quanto à nacionalidade:

• Pessoa jurídica nacional: é organizada em conformidade com a lei brasileira, tendo no Brasil a
sua sede principal.
• Pessoa jurídica estrangeira: é formada em outro país e para funcionar no Brasil precisará de
autorização do Poder Executivo.

Quanto à estrutura interna, poderá a pessoa jurídica ser:

• Corporação: ocorre quando há um conjunto de pessoas que atuam para determinados fins. Ex.:
corporações de pessoas, de sociedades, associações, partidos políticos, entidades religiosas.
• Fundação: é um conjunto de bens, os quais são arrecadados para uma finalidade de interesse
social.

Quanto às funções e à capacidade:

• Pessoas jurídicas de direito público


o interno: visam atender interesse público interno. Ex.: União, Estados, DF e Municípios,
autarquias, associações públicas etc.
o externo: visam atender interesse público externo. Ex.: Estados estrangeiros e todas as
pessoas regidas por direito internacional público.
• Pessoas jurídicas de direito privado: são instituídas pela vontade dos particulares, podendo ser
divididas em:
o Fundações;
o Associações;
o Sociedades simples ou empresárias;
o Partidos políticos;
o Entidades religiosas;
o EIRELI;

III. Pessoa jurídica de direito privado

101
O art. 44, §1º, do Código Civil traz um rol das pessoas jurídicas de direito privado:

• Associações;
• Sociedades;
• Fundações;
• Organizações religiosas;
• Partidos políticos;
• EIRELI;

Há que se destacar um Enunciado, o qual diz que a relação entre as pessoas jurídicas constantes do
art. 44 não é exaustivo.

Tartuce diz que este enunciado abre a possibilidade para afirmar que o condomínio edilício tem
personalidade jurídica. Frise-se que existe esta discussão doutrinária. A maioria entende que o condomínio
edilício não tem personalidade jurídica,

O art. 45 do CC estabelece que a existência da pessoa jurídica começa com a inscrição do ato
constitutivo no respectivo registro.

O parágrafo único estipula o prazo decadencial de 3 anos para anular a constituição das pessoas
jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição
no registro.

O registro deve contar com os requisitos constantes do art. 46 do CC:

• a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;


• o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
• o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;
• se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;
• se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
• as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

As pessoas jurídicas devem ser representadas por uma pessoa natural, a qual representará ativa ou
passivamente. Em regra, essa pessoa virá mencionada no respectivo estatuto.

Sendo o Estatuto omisso, a pessoa jurídica será representada pelos seus próprios diretores. Veja,
os atos praticados por tais pessoas vinculam a pessoa jurídica.

Aqui, é bom que se ressalte o Enunciado 145 que diz que o art. 47, que diz que os atos vinculam a
pessoa jurídica, não afasta a aplicação da teoria da aparência, no caso de responsabilização do sócio,
praticados em nome da pessoa jurídica.

102
O fato do ato praticado ser do sócio, diretor ou administrador vincular a pessoa jurídica, não afasta
a aplicação da teoria da aparência. Isso significa dizer que é possível aplicar a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, caso o sócio tenha abusado, a fim de que ele responda pelos seus atos.

Em havendo uma administração coletiva da pessoa jurídica, as decisões se tomarão pela maioria de
votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso.

Tomada a decisão, o prazo para anular essa deliberação será de 3 anos, quando violarem a lei ou
estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.

Atente-se que pessoas jurídicas não se confundem com entes despersonalizados.

Entes despersonalizados não têm personalidade jurídica. São conjuntos de bens ou de pessoas que
não tem personalidade própria, tais como a família, condomínio, massa falida, espólio, herança jacente,
sociedade de fato, etc.

Para Tartuce, a sociedade irregular se diferencia da sociedade de fato. Aquela tem contrato social,
mas não foi registrado. Enquanto a sociedade de fato é aquela que não tem contrato social.

Ambas são entes despersonalizados.

O condomínio é um conjunto de bens em copropriedade. Para muitos doutrinadores, tal como


Tartuce, há pessoa jurídica quando se trata de condomínio edilício, eis que tem inscrição no CNPJ.

IV. Modalidades de pessoas jurídica de direito privado

a) Associações

O art. 53 diz que se constituem as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não
econômicos. Deve ser lido como não lucrativos.

O que há aqui é um conjunto de pessoas que se destinem a fins não lucrativos. Isto não significa que
não possa ter lucro. Não poderá ser esta a finalidade da associação.

As associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não exista finalidade lucrativa.
Ex.: clubes, etc.

Segundo o CC, não existe entre os associados direitos e obrigações recíprocos. Isso porque não há
intuito de lucro.

A diferença entre a associação e a sociedade é a de que aquela não tem fins lucrativos e a sociedade
sempre tem fins lucrativos.

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A diferença entre associação e a fundação é a de que aquela é um conjunto de pessoas e a esta é um
conjunto de bens.

O art. 54 traz os requisitos para uma associação, estabelecendo que, sob pena de nulidade, o
estatuto das associações conterá:

• a denominação, os fins e a sede da associação;


• os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
• os direitos e deveres dos associados;
• as fontes de recursos para sua manutenção;
• o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos;
• as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.
• a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.

O art. 55 diz que deverão os associados ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias
com vantagens especiais.

O art. 56 diz que a qualidade de associado é intransmissível, visto que se trata de um ato
personalíssimo, mas é possível que o estatuto disponha em sentido contrário.

O Código desburocratizou a associação.

Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência de


quota ou fração ideal não importará na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro,
visto que se trata de ato personalíssimo. É claro que o estatuto poderá dispor de maneira diversa.

A exclusão do associado só é possível se houver justa causa. Mesmo assim, é preciso que a exclusão
seja decorrente de um procedimento que assegure ampla defesa e recurso, nos termos previstos no
estatuto.

Há aqui uma aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

O STJ, em recurso repetitivo, entendeu que as taxas de manutenção criadas por associações de
moradores não obrigam o não associado, ou seja, não obrigam aqueles que não anuíram a associação. Ex.:
associação dos moradores da Rua João da Silva. Um dos moradores não quer fazer parte. O direito é de não
se associar.

Só existem duas formas de obrigação do sujeito: uma por meio de lei outra por meio de contrato.
Caso o sujeito não tenha aderido, não poderá ser compelido a pagar a associação.

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O art. 58 consagra que nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que
lhe tenha sido legitimamente conferido pela associação, a não ser nos casos previstos na lei ou no estatuto.

O art. 59 diz que compete privativamente à assembleia geral:

• destituir os administradores
• alterar o estatuto

Ocorre que o artigo não diz qual é o quórum para instalação e nem o quórum para deliberação para
destituir administradores e alterar estatuto.

Essas regras, em prestígio à autonomia privada, ficarão a cargo do estatuto.

O art. 60 fala do quantum, mas é para outro caso. Este dispositivo estabelece que a convocação dos
órgãos deliberativos será na forma do estatuto, garantido a 1/5 dos associados o direito de promover esta
convocação.

Este art. 60 estipula 1/5 dos associados tem o direito de convocar órgão deliberativo.

Percebe-se que há direito de convocar qualquer órgão deliberativo, e não somente a assembleia,
podendo o estatuto prever outros órgãos menores que a assembleia para deliberar uma série de questões.

Se for dissolvida a associação, o patrimônio líquido remanescente será destinado à entidade de fins
não econômicos designada no estatuto. Caso o estatuto seja omisso, os associados irão deliberar a respeito.
O remanescente poderá ser destinado à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou
semelhantes.

Existe precedente do TJRS em que se considera nula a previsão no Estatuto que determina que nos
casos de dissolução da associação, o patrimônio vai ser rateado entre os associados, eis que haveria um
esbarrar na vedação de lucro. Bastaria pensar numa associação que cresceu muito e que tenha um
patrimônio de 100 milhões de reais com 100 associados.

Existe a possibilidade de eventualmente o associado recuperar aquilo que ele investiu na cota.
Trata-se do ressarcimento, não havendo falar em enriquecimento.

Vale atentar que, não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que
a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas, o que remanescer do seu patrimônio se
devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

b) Fundações

105
As fundações são um conjunto de bens, os quais são arrecadados e personificados para uma
determinada finalidade.

O art. 62 do CC diz que as fundações são criadas por escritura pública ou por testamento.

A sua criação pressupõe a existência dos seguintes elementos:

• afetação de bens livres


• especifique a finalidade da fundação
• estatuto deve prever como será administrada a fundação
• elaboração de estatuto

A elaboração do estatuto é submetido à apreciação do Ministério Público, eis que ele fiscaliza a
fundação.

Quando insuficientes os bens para constituir a fundação, serão destinados a outra fundação que se
proponha a fim igual ou semelhante, salvo se de outro modo não dispuser o instituidor.

As fundações surgem com registro do seu estatuto no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

O parágrafo único do art. 62 diz que a fundação somente poderá constituir-se para fins de:

• assistência social
• cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico
• educação
• saúde
• segurança alimentar e nutricional
• defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável
• pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de
gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos
• promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos
• atividades religiosas

É muito difícil de não enquadrar alguma fundação nestas hipóteses.

O art. 64 do CC diz que constituída a fundação, num negócio jurídico entre vivos, o instituidor é
obrigado a transferir a fundação a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados. Caso não o
faça, os bens serão registrados em nome da fundação por mandado judicial.

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Em razão da finalidade social da fundação, os administradores deverão prestar contas ao Ministério
Público. As fundações sempre serão supervisionadas pelo MP.

A atuação, via de regra, cabe ao Ministério Público estadual. A exceção é de que se a fundação
funcionar em várias unidades da federação, caberá a atuação conjunta dos Ministérios Públicos de todos os
estados envolvidos. Se funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberá o encargo ao Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios.

A alteração das normas estatutárias de uma fundação somente é possível pela deliberação de 2/3
dos competentes para gerir e representar a fundação. Além disso, esta alteração não pode contrariar ou
desvirtuar o fim desta.

O prazo decadencial para o Ministério Público aprovar essas alterações estatutárias é de 45 dias.
caso o MP seja omisso ou denegue a alteração, poderá o juiz suprir essa autorização, a requerimento do
interessado.

Ademais, quando a alteração não se der por votação unânime, os administradores, ao submeterem
o estatuto à análise do Ministério Público, irão requerer que seja cientificada a minoria vencida para
impugnar a votação se quiser, em 10 dias.

Caso a atividade desempenhada pela fundação se tornar ilícita, impossível ou imoral, ou ainda se
não atender as finalidades a que se destina, poderá haver a dissolução dessa fundação.

Atente-se que esta dissolução poderá ocorrer na seara administrativa, isto é, feita pelo Ministério
Público. Nestes casos, os bens que pertencem à fundação serão destinados a uma outra fundação que
desempenhe atividade semelhante, salvo se o estatuto tiver uma previsão em sentido contrário.

c) Sociedades

Já foi dito que finalidade lucrativa distingue sociedade de associação, apesar de ambas serem
espécies de corporação.

As sociedades se dividem em:

• sociedade empresária: finalidade lucrativa, mas através de atividade empresária.


• sociedade simples: finalidade lucrativa, mas mediante atividade não empresária.

O Enunciado 69 diz que sociedades cooperativas são sociedades simples, mas sujeitas à inscrição na
Junta Comercial.

As sociedades, sejam simples ou empresárias, podem assumir a forma de:

107
• sociedade em nome coletivo
• sociedade em comandita simples
• sociedade em comandita por ações
• sociedade limitada
• sociedade em conta de participação

Ressalva-se que a sociedade anônima somente pode ser sociedade empresária, jamais sociedade
simples.

d) Corporações especiais: partidos políticos e organizações religiosas

O Código Civil reserva às leis especiais o tratamento dos partidos políticos e das organizações
religiosas.

O art. 44 diz que são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das
organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar reconhecimento ou registro dos atos
constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

O poder público não pode negar reconhecimento dos atos constitutivos, desde que se trate
efetivamente de uma organização religiosa e preencha os requisitos.

Com relação aos partidos políticos, eles são organizados e irão funcionar conforme disposto em lei
específica. Serão estudados em direito eleitoral.

Registro do ato constitutivo

Cartório de Registro Associações e Sociedades Simples


de Pessoa Jurídica Fundações CONTRATO SOCIAL
ESTATUTOS
Junta Comercial Sociedades Cooperativas e Sociedades
Empresárias Anônimas
CONTRATO SOCIAL ESTATUTOS
Registro Especial Partidos Políticos Sindicatos
TSE MINISTÉRIO DO TRABALHO

V. Domicílio da pessoa jurídica de direito privado

A União deverá promover ação na capital em que tiver domicílio a outra parte. Ex.: João mora em
Curitiba, devendo a União promover ação em Curitiba.

108
A União poderá ser demandada nos seguintes domicílios:

• Distrito Federal
• Capital do estado em que o ato que deu origem foi praticado
• Capital do estado em que se encontra o bem que está envolvido na lide

Os Estados e Territórios têm como domicílio as suas capitais.

O Município tem como domicílio o lugar em que funciona a sua administração, ou onde funciona a
sua prefeitura.

A pessoa jurídica de direito privado também tem domicílio, sendo esta a sua sede jurídica, onde
funcionam as suas diretorias e administrações. Ou seja, terá a pessoa jurídica domicílio no lugar onde
funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu
estatuto ou atos constitutivos.

É possível que uma pessoa jurídica tenha diferentes domicílios. Trata-se de uma pluralidade
domiciliar.

Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa


jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento,
situado no Brasil, a que ela corresponder. Está dizendo que se se tratar de uma pessoa jurídica estrangeira,
será considerado o domicílio onde a obrigação tiver nascido.

Portanto, é possível pluralidade domiciliar inclusive quanto à pessoa jurídica.

VI. Extinção da pessoa jurídica de direito privado

Em relação ao término da pessoa jurídica, interessa dividir o estudo em corporações e fundações.

a) Extinção das corporações (sociedades e associações)

A existência das corporações vai terminar com algumas hipóteses possíveis:

• dissolução deliberada por unanimidade de seus membros


• determinado por lei
• decorrência de ato governamental
• decurso do prazo da pessoa jurídica
• dissolução parcial, e no prazo de 180 dias, não há pluralidade de sócios
• dissolução judicial

109
No caso da dissolução de uma associação, os seus bens arrecadados deverão ser destinados a
entidades de fins não lucrativos.

Não estando previsto no estatuto a destinação para qual entidade serão encaminhados os bens,
serão eles destinados a estabelecimento municipal, estadual ou federal, com finalidade semelhante ao da
associação que está sendo dissolvida naquele momento.

Por cláusula do estatuto, ou sendo ele silente, é possível que por deliberação dos sócios, caso o
estatuto seja omisso, ou se assim prever o estatuto, que antes da destinação do remanescente, receba cada
associado o respectivo valor da sua contribuição do patrimônio da associação. Neste caso, não se está a
promover o enriquecimento do associado.

b) Fundações

Em relação à extinção das fundações, existe uma norma específica, que é o art. 69.

Este dispositivo vai dizer que se tornar ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação,
ou vencido o prazo de sua existência, o Ministério Público, ou qualquer interessado, vai promover a
extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no
estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante

Associações X Fundações

ASSOCIAÇÕES FUNDAÇÕES

• Pessoa Jurídica de Direito PRIVADO – artigo • Pessoa Jurídica de Direito PRIVADO – artigo 62, do
53, do CC; CC;

• Conjunto de pessoas; • Conjunto de bens;

• Fins não econômicos (termo impróprio – • Fins não econômicos (termo impróprio – deve ser
deve ser interpretado como fins não interpretado como fins não lucrativos);
lucrativos) - altruísticos, científicos,
artísticos, beneficentes, religiosos, • A fundação é sempre externa, visto se tratar de um
educativos, culturais, políticos, esportivos conjunto patrimonial;
ou recreativos.
OBS.: Não significa que o lucro não • Deve ter fim social – parágrafo único, do art. 62, do
possa existir. O ganho deve ser investido na CC alterada pela Lei n° 13.151/2015. São
própria pessoa jurídica; destinados ao meio ambiente, lazer, cultura,
religião, educação, saúde etc.
• A finalidade da associação pode ser interna OBS.: Em se tratando de fundação pública
(Voltada para os interesses dos associados. de direito privado, dispõe o art. 37, da CF, que a lei
Por exemplo, “associação dos estudantes complementar deve fixar suas áreas de atuação.
do CP IURIS”) ou externa (É voltada para Todavia, como essa lei nunca foi editada, os
uma atividade externa, pois não tutelam administrativistas encampam à ideia de aplicação

110
interesses dos associados. Tem-se como do artigo 62, do CC as fundações públicas de direito
exemplo, “associação dos moradores da privado;
comunidade X para promoção de ensino de
língua estrangeira a pessoas carentes”). • Podem ser privadas ou públicas;
Quando falamos em finalidade externa,
chamamos de Entidade de Interesse Social • Elementos formadores: patrimônio livre e
(decorrente do 3º setor no direito suficiente + fim;
administrativo, o qual é composto,
basicamente, por associações com • Ato de dotação dos bens por escritura pública ou
finalidades externas e as fundações – as disposição de última vontade (testamento).
quais podem firmar parcerias, convênios e Por exemplo, se através de um testamento,
fomento com o Estado); Maria deseja que parte da sua herança seja
destinada a criação de uma fundação. Resguardada
• Pode ter ou não fim social/ assistencial – parte de sua herança aos herdeiros legítimos, caso
entidade de interesse social; seus bens sejam insuficientes para a criação da
fundação, o Ministério Público indeferirá a criação
e os bens serão realocados em outra fundação de
• A Constituição Federal garante a liberdade igual ou semelhante atuação;
de associação para fins lícitos (direito
positivo), mas também assegura que • Elaboração do Estatuto – ato constitutivo: pode ser
ninguém é obrigado a manter-se associado direta ou fiduciária. Será fiduciária quando a
(direito negativo); redação do estatuto é designada/realizada por um
terceiro. Ao passo que a direta, é aquela realizada
• Artigo 54, do CC: Estatuto deve ter, sob pelo próprio instituidor, podendo ocorrer, por
pena de nulidade, os requisitos de exemplo, na escritura pública;
admissão, demissão e exclusão de
associado; • Tem prazo para elaboração do estatuto. Desse
modo, caso não seja realizado no prazo designado
pelo instituidor ou, em caso de omissão, será
• Associados possuem direitos iguais. No realizada pelo Ministério Público no prazo de 180
entanto, é possível que alguns associados dias;
que desempenham determinadas
atividades, possuem vantagens outras, que • O Ministério Público fiscaliza as fundações, tais
não em relação aos demais associados; como: aprovando o estatuto; indeferindo
requerimentos de fundação com finalidade fútil ou
• QUADRO GERAL DE COMPOSIÇÃO: é voltada para interesse particular de pessoas
formado pela DIRETORIA e ASSEMBLEIA (ausência dos requisitos presentes no parágrafo
GERAL; único, do art. 62);

• Ocorrerá a extinção da fundação se o fim se tornar


• Para dissolução, os bens remanescentes ilícito ou vencimento de prazo de sua existência.
serão destinados à outra instituição similar Neste caso, os bens serão incorporados em outra
prevista no estatuto ou, se omisso, para fundação de igual ou semelhante atuação;
instituição pública;
• QUADRO GERAL DE COMPOSIÇÃO: é formado pelo
• Alteração do estatuto é livre – os CONSELHO DE CURADOR chamado CONSELHO DE
associados redigem do estatuto -, e a ADMINISTRAÇÃO OU CONSELHO
aquisição de bens é livre; SUPERIOR/DIRETORIA EXECUTIVA/CONSELHO
FISCAL (facultativo);
• Associação não é fiscalizada pelo
Ministério Público;

111
• Alteração do Estatuto somente pode ser realizada
• Leading Case - RE 201.819 → Aplicação após oitiva do MP;
imediata da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais nas relações privadas. De • O Ministério Público responsável pela fiscalização é
modo que, somente poderá ocorrer a o da localidade onde funciona a fundação. No
expulsão do associado – artigo 57, do CC -, entanto, se a fundação funcionar em mais de um
desde que garantido o contraditório e a estado, os Ministérios Públicos dos respectivos
ampla defesa. estados fiscalizarão;

• Caso a fundação receba verba de natureza federal,


também poderá ser fiscalizada pelo Ministério
Público Federal.

Presentação da pessoa jurídica

É muito comum em provas e em doutrinas, utilizarem a expressão de que a pessoa jurídica é


“representada” pelos sócios, administradores e gerentes. Mas o termo correto é “presentação”.
Isso porque, representação, é um instituto das incapacidades e, a presentação, é instituto da pessoa
jurídica.
Segundo ensinamentos de Pontes de Miranda, por não poder atuar por si própria, a pessoa jurídica,
como ente da criação da lei, deve ser presentada por uma pessoa natural, exteriorizando sua vontade,
nos atos judiciais ou extrajudiciais. O art. 47, do CC diz que todos os atos negociais exercidos pelo
presentante, dentro dos limites de seus poderes estabelecidos no estatuto social, obrigam a pessoa
jurídica, que deverá cumpri-los. Contudo, se o presentante extrapolar estes poderes, responderá
pessoalmente por este excesso.
Para essas circunstâncias, temos a chamada teoria intra viris societatis e ultra vires societatis.
A teoria intra viris societatis ocorrerá, quando a pessoa natural, por exemplo, o sócio, atua de acordo
com o previsto no ato constitutivo. Os quais vinculam a pessoa jurídica. O ato ultra vires societatis ocorrerá
quando o sócio extrapola os poderes que lhes foram concedidos através do contrato social, como
consequência, o próprio sócio responde pelos atos praticados. Não vincula a pessoa jurídica.
A questão do ato intra e ultra vires é bastante pertinente, no que tange a desconsideração da
personalidade jurídica. Pois, quando o sócio pratica um ato intra vires e não possui condições de arcar com
essa responsabilização, ocorrerá o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica – Art. 50, do CC.
Em regra a pessoa natural é a indicada no ato constitutivo da pessoa jurídica. Na sua omissão, a
presentação será exercida por seus diretores. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões
serão tomadas pela maioria dos votos, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso (art. 48, CC).

112
Dispositivos relevantes: artigos 46, inciso V e 47 do CC e art. 12, incisos I e II (para as Pessoas Jurídicas de
Direito Público) e inciso VI (para as Pessoas Jurídicas de Direito Privado) do CPC.

Importante: A simples expressão “representação” das pessoas jurídicas, não está errada. Mas é importante
conhecer a nomenclatura “presentação”.

Pessoa jurídica pode sofrer dano moral?

A posição que deve prevalecer no ordenamento jurídico brasileiro, consolidada em diversos julgados
(Resp 752.672/RS; AgRG no Resp 865.658/RJ), na Súmula 227 do STJ, bem como nos termos do artigo 52, do
Código Civil é de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral e, é possível a aplicação dos direitos da
personalidade no que couber.

Súmula 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Enunciado 286 da IV JDC: Art. 52. Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à
pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais
direitos.

Quando falamos em dano moral a pessoa jurídica, a mesma se justifica na ofensa a honra objetiva,
a qual se extrai na Súmula 227 do STJ, e no artigo 52, do CC.

• Honra objetiva pode ser compreendida como o juízo que terceiros fazem acerca dos atributos de
alguém;
• Honra subjetiva se revela no sentimento que a pessoa tem dela mesma.

Recentemente, o STJ entendeu que o simples corte de energia elétrica no estabelecimento não gera
dano moral para a pessoa jurídica. Vejamos:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INTERRUPÇÃO DE SERVIÇO DE ENERGIA. DANO MORAL. NECESSIDADE DE


COMPROVAÇÃO.
1. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral desde que haja ferimento à sua honra objetiva, ao
conceito de que goza no meio social.
2. O mero corte no fornecimento de energia elétrica não é, a principio, motivo para condenação da
empresa concessionária em danos morais, exigindo-se, para tanto, demonstração do
comprometimento da reputação da empresa.
3. No caso, a partir das premissas firmadas na origem, não há fato ou prova que demonstre ter a

113
empresa autora sofrido qualquer dano em sua honra objetiva, vale dizer, na sua imagem, conceito e
boa fama.
O acórdão recorrido firmou a indenização por danos morais com base, exclusivamente, no fato de
que houve interrupção no fornecimento do serviço prestado devido à suposta fraude no medidor,
que não veio a se confirmar em juízo.
4. Com base nesse arcabouço probatório, não é possível condenar a concessionária em danos morais,
sob pena de presumi-lo a cada corte injustificado de energia elétrica, com ilegítima inversão do ônus
probatório.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1298689/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/04/2013, DJe
15/04/2013) [grifo nosso].

Além do mais, é possível que o magistrado utilize presunções e regras de experiência para
comprovação do dano moral da pessoa jurídica.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROTESTO INDEVIDO.


PAGAMENTO EM ATRASO. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA.
1. Ação ajuizada em 14/01/2011. Recurso especial interposto em 11/02/2015 e atribuído a este
gabinete em 25/08/2016.
2. Para a pessoa jurídica, o dano moral não se configura in re ipsa, por se tratar de fenômeno muito
distinto daquele relacionado à pessoa natural. É, contudo, possível a utilização de presunções e
regras de experiência no julgamento.
3. Afigura-se a ilegalidade no protesto de título cambial, mesmo quando pagamento ocorre em
atraso.
4. Nas hipóteses de protesto indevido de cambial ou outros documentos de dívida, há forte
presunção de configuração de danos morais. Precedentes.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1564955/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe
15/02/2018) [grifo nosso].

Atenção: A pessoa jurídica de direito público NÃO tem direito à indenização por danos morais
relacionados à violação da honra ou imagem (Resp 1.258.389/PB).

Dispositivos importantes

Art. 60. A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a 1/5 (um
quinto) dos associados o direito de promovê-la.

Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se
for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à
entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos
associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.
§ 1º Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes
da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo
valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.

114
§ 2º Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação
tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se
devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação
especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de
administrá-la.

➔ *Nunca ocorrerá por escrito particular.


➔ *Uma vez fixado o fim a que se destina a fundação, torna-se imutável seu objeto.

Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins de:


I – assistência social;
II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III – educação;
IV – saúde;
V – segurança alimentar e nutricional;
VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável;
VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de
gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos;
VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos;
IX – atividades religiosas; e
X – (VETADO).

➔ Há discussão na doutrina se este rol seria ou não taxativo, no entanto, até o momento não há
nenhum entendimento prevalecente.

Art. 67. Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma:
I - seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação;
II - não contrarie ou desvirtue o fim desta;
III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias,
findo o qual ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do
interessado.

Art. 68. Quando a alteração não houver sido aprovada por votação unânime, os administradores da
fundação, ao submeterem o estatuto ao órgão do Ministério Público, requererão que se dê ciência à
minoria vencida para impugná-la, se quiser, em dez dias.

Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo
de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção,
incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto,
em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.

Acerca do assunto, estatui o Enunciado 534 da Jornada de Direito Civil.

“As associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa”.

115
Ademais, as pessoas jurídicas detentoras de atividade filantrópica podem ter acesso à justiça
gratuita.

A Corte Especial, por maioria, conheceu dos embargos e lhes deu provimento, sufragando a tese de
que, no caso das pessoas jurídicas sem fins lucrativos, de natureza filantrópica, benemerência etc.,
basta, como as pessoas físicas, a simples declaração da hipossuficiência coberta pela presunção juris
tantum para a concessão da Justiça gratuita. EREsp 1.055.037-MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido,
julgados em 15/4/2009 – INFO 390/STJ.

Art. 66 CC. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas.
§1º Se funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberá o encargo ao Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios.

➔ Atribuição não exclui fiscalização do MPF no caso de instituição ou manutenção da União.

§2º Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao
respectivo Ministério Público.

VII. Desconsideração da personalidade jurídica

Cai muito em prova.

a) Introdução

A regra é que a pessoa jurídica tenha uma existência distinta da existência dos seus sócios. Portanto,
a regra é que a responsabilidade dos sócios, em relação às dívidas sociais, é uma responsabilidade subsidiária,
desde que o tipo societário permita isto.

Basta pensar que na sociedade limitada, se estiver com o capital social integralizado, não haverá
sequer responsabilidade subsidiária. Da mesma forma é com as quotas já integralizadas pelos sócios da
sociedade anônima.

Em razão da possibilidade de excluir a responsabilidade dos sócios ou do administrador da pessoa


jurídica, por vezes há desvio da administração da pessoa jurídica, que passa a ser um instrumento para o
cometimento de fraudes.

Visando coibir a fraude e o abuso, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica,


sendo também denominada de teoria da penetração ou disregard doctrine.

b) Conceito

116
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica permite que o juiz, episodicamente, não
considere os efeitos da personificação da sociedade, atingindo e vinculando a responsabilidade dos sócios,
em relação àquelas obrigações.

Os bens da empresa também podem responder pelas dívidas do sócios, sendo denominado de
desconsideração da personalidade jurídica inversa. O NCPC trata expressamente desse instituto.

O art. 50 estabelece que, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público
quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa
jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios,


caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor


proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de
sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste
artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade
econômica específica da pessoa jurídica.

Não é preciso insolvência exatamente, mas é preciso demonstrar o risco de prejuízo somado à
existência de fraude, pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

O CDC, no art. 28, também trata da desconsideração da personalidade jurídica. Segundo o


dispositivo, o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

117
Todavia, o §5º estabelece que também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
No mesmo sentido é o teor do art. 4 da Lei 9.605/98, o qual estabelece que poderá ser desconsiderada a
pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à
qualidade do meio ambiente.

Percebe-se que o Código Civil exija que exista desvio de finalidade ou confusão patrimonial, além do
próprio prejuízo ao credor. Este é a adoção da teoria maior, pois a desconsideração exige o abuso da
personalidade jurídica e o prejuízo ao credor. A teoria maior exige que se demonstre a confusão patrimonial
ou o desvio de finalidade.

Por essa razão, o STJ já decidiu também que o mero encerramento irregular da atividade da empresa
não tem o condão de, por si só, gerar a incidência da desconsideração da personalidade jurídica,
especialmente aquela prevista no Código Civil, que exige a fraude.

Para o CDC e a Lei de Crimes Ambientais, exige apenas o prejuízo ao credor, motivo pelo qual adotou
a teoria menor. Aqui, a desconsideração da personalidade jurídica exige apenas a existência de prejuízo ao
credor.

A desconsideração da personalidade jurídica não retira a personalidade jurídica da sociedade, mas


apenas se desconsiderou em determinada situação.

Não se deve confundir desconsideração com despersonalização.

c) Desconsideração da personalidade jurídica inversa

A desconsideração da personalidade jurídica inversa ocorre quando desconsidera o sócio, fazendo


com que a sociedade responda por dívidas do sócio inadimplente.

Caso muito comum são aqueles relacionados a dívidas de alimentos ou de divórcio. Nestas situações,
os sócios adquirem bens para si, mas com o patrimônio da sociedade e em nome dela, a fim de que não tenha
nada em seu nome. Eis a confusão patrimonial.

Perceba que a desconsideração da personalidade jurídica passa a ser aplicada também na seara do
direito de família.

O Enunciado 283 diz que é cabível desconsideração da personalidade jurídica inversa para alcançar
bens do sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoas com prejuízos a terceiros.

O NCPC incluiu a desconsideração da personalidade jurídica inversa.

d) Desconsideração da personalidade jurídica e sucessão de empresas

118
Com a evolução da desconsideração da personalidade jurídica, tem-se adotado a teoria da sucessão
de empresas. Esta teoria estabelece que nos casos de abuso da personalidade, em que há claramente uma
fraude, o magistrado poderá estender a responsabilidade de uma empresa para outra.

A primeira é chamada de empresa sucedida e a outra é denominada empresa sucessora.

Ex.: ABC Móveis encerrou suas atividades. Passados dois meses, é inaugurada a loja DEF Móveis, com
os mesmos móveis, mas não com o nome do sócio devedor, mas com o nome da filha. Na verdade, há uma
empresa sucessora, situação na qual o credor poderá cobrar a DEF Móveis.

Neste caso, o juiz poderá determinar a desconsideração da personalidade jurídica da DEF Móveis
para atingir as dívidas decorrentes da ABC Móveis.

A desconsideração da personalidade jurídica sempre foi viável, e isso antes mesmo dessa previsão
do NCPC.

e) Desconsideração da personalidade jurídica e Lei Anticorrupção

Em matéria de inovação, há um item que trouxe a desconsideração da personalidade jurídica.

Trata-se da desconsideração da personalidade jurídica administrativa. Neste caso, será possível a


desconsideração da personalidade jurídica no âmbito administrativo. Não é necessário buscar o poder
judiciário.

Segundo o art. 14, a personalidade da pessoa jurídica poderá ser desconsiderada sempre que for
utilizada com abuso de direito para facilitar, para encobrir ou para dissimular a prática de atos ilícitos
previstos na Lei Anticorrupção, ou para provocar uma confusão patrimonial.

Neste caso, serão estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas àquela pessoa jurídica aos seus
administradores e sócios com poderes de administração.

O dispositivo está inserido no capítulo relativo ao processo administrativo. Trata-se de medida que
independe de decisão judicial. Portanto, a lei anticorrupção traz a desconsideração da personalidade
jurídica passível de ser feita no âmbito administrativo, desde que respeitado o contraditório e ampla defesa,
e sem impedir que se questione no âmbito judicial a validade das medidas tomadas.

f) Desconsideração da personalidade jurídica no âmbito fiscal

No âmbito fiscal, o STJ entende que se presume dissolvida irregularmente a empresa que deixar de
funcionar no seu domicílio fiscal sem ter comunicada essa alteração de domicílio aos órgãos competentes,
legitimando-se, portanto, o redirecionamento da execução fiscal aos sócios-gerentes ou que administrem. É
o teor da súmula 435 do STJ. Há aqui uma presunção de fraude.

119
Vale lembrar que isso é em sede de execução fiscal.

g) Desconsideração da personalidade jurídica nas entidades sem fins lucrativos

O Enunciado 284 do CJF diz que as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins
não econômico estão abrangidas pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

Portanto, é plenamente possível que haja nas fundações e nas associações, ainda que não tenham
finalidade lucrativa.

h) Desconsideração da personalidade jurídica invocada pela própria pessoa jurídica

O Enunciado 285 do CJF diz que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica do Código Civil pode
ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor.

Ou seja, nada impede que a pessoa jurídica se utilize da desconsideração em seu favor, quer para
não atingir o sócio administrador, quer para atingir o sócio.

i) Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC

Está previsto nos art. 133 a 137, dentro do capítulo das intervenções de terceiro.

A doutrina faz críticas, afirmando que a pessoa passa a figurar no processo na qualidade de parte.

Segundo o art. 133, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a


pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

O juiz não poderá decretar a desconsideração de ofício. Tartuce afirma que é possível nos casos de
aplicação da teoria menor (CDC e ambiental). Samer concorda.

O §1º diz que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos


previstos em lei. Ou seja, para desconsiderar é preciso observar o direito material, sendo relação material,
busca-se o art. 50; sendo de consumo, aplica-se o art. 28 do CDC.

Como dito anteriormente, aplica-se as regras da desconsideração à hipótese de desconsideração


inversa da personalidade jurídica.

Já o art. 134 estabelece que o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo
de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

Não há mais dúvidas de que a desconsideração poderá ocorrer em qualquer fase.

Feita a instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações


devidas.

120
É dispensada a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica se esta já
for requerida na petição inicial, visto que, neste caso, o sócio ou a pessoa jurídica já serão citados, passando
a figurar no polo passivo. Esta é a crítica sobre a intervenção de terceiros.

Caso haja o incidente, a sua instauração suspenderá o processo, salvo na hipótese em que há o
pedido na petição inicial.

O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para


desconsideração da personalidade jurídica, conforme o art. 50 do CC ou o art. 28 do CDC, etc.

Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as
provas cabíveis no prazo de 15 dias. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por
decisão interlocutória.

Caso a decisão seja proferida pelo Relator, cabe agravo interno.

O art. 137 diz que, acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida
em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Perceba que a opção do legislador é fazer com que aquilo que é desconsiderado é aquilo que envolve
o plano de eficácia e não de validade. Ou seja, o ato é válido, mas perante o credor este ato é ineficaz.

Ex.: pessoa jurídica passou um bem para o nome do sócio. O credor pediu a desconsideração. O bem
valia 10 milhões de reais. A pessoa jurídica devia 1 milhão ao credor. O sócio teve de pagar este 1 milhão, já
que houve a desconsideração.

O restante continua sendo válida, mas sendo ela ineficaz em relação ao credor, que teve vitorioso o
plano de desconsideração.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao procedimento dos Juizados


Especiais.

Questões processuais

A desconsideração da personalidade jurídica é tida no processo civil como sendo uma modalidade de
intervenção de terceiro, ou seja, um terceiro ingressa em processo alheio tornando-se parte.
Trata-se de uma intervenção provocada, pois se tem uma ação movimentada pelo credor contra a
pessoa jurídica, e o sócio, neste caso, não é parte.
Com a desconsideração da personalidade jurídica, ocorre uma ampliação subjetiva da demanda, em
razão do ingresso do terceiro (sócio), pois este responderá o processo juntamente com a pessoa jurídica,
formando-se um litisconsórcio passivo ulterior – quando houver incidente de desconsideração, ou seja, se o

121
pedido ocorrer ao longo da demanda. Mas há ainda, a possibilidade da desconsideração ser requerida
diretamente na petição inicial, formando-se neste caso, um litisconsórcio passivo inicial.

DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da


parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§1ºO pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos
previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade
jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de


conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo
extrajudicial.

➔ É perfeitamente possível requerer a desconsideração da pessoa jurídica também em fase recurso,


regido de acordo com artigo 932, do CPC a qual será analisado pelo relator do recurso.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as


anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for
requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos
para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar- se e
requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão
interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em


fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Enunciados da Jornada de Direito Civil

Enunciado 7: Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato


irregular e limitadamente aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.
Enunciado 51: Quanto à desconsideração ficam mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas
legais e na construção jurídica sobre o tema.

122
Enunciado 146: Nas relações civis interpretam-se restritivamente os parâmetros da desconsideração
(desvio de finalidade e confusão patrimonial). Devem ser provados por quem os alegar.
Enunciado 281: A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica prescinde a
demonstração de insolvência da pessoa jurídica. Ou seja, não há necessidade de falência da pessoa
jurídica.
Enunciado 284: As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não-econômicos
estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.
Enunciado 285: A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela
pessoa jurídica em seu favor.
Enunciado 470: O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada
responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o
patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do
instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

Questões práticas processuais

- Ao desconsiderar a personalidade jurídica, haverá ampliação subjetiva passiva da demanda. Não há


falar em substituição de parte ou sucessão processual.
- A medida de defesa dos sócios é embargos de terceiros, quando a pessoa jurídica é ré no processo,
e antes da sua desconsideração ocorre à penhora dos bens dos sócios. No entanto, se o sócio já foi citado, é
parte no processo, e sendo ele executado, o sócio utilizará dos mecanismos defesa no processo de execução
– embargos à execução.

9. Bens. Objeto do direito.

I. Diferença entre bens e coisas. A teoria do patrimônio mínimo

a) Conceito

Coisa é gênero. Bem é espécie.

Portanto, bem é uma coisa que proporciona ao homem uma utilidade, sendo suscetível de
apropriação. O ar não é bem, pois apesar da utilidade, não é suscetível de apropriação.

b) Patrimônio mínimo

123
A tese do patrimônio mínimo foi desenvolvida pelo ministro Luiz Edson Fachin, numa obra em que
ele aponta uma tendência, que é a repersonalização do direito civil, situação na qual o direito civil retira os
olhos do patrimônio, colocando-os sobre a pessoa.

A tese pode ser resumida da seguinte forma: deve-se assegurar a uma pessoa o mínimo de direitos
patrimoniais, a fim de que esta pessoa viva com dignidade.

Toda pessoa tem que ter o mínimo de direitos patrimoniais.

A aplicação dessa teoria é verificada no art. 548 do Código Civil, o qual estabelece que é nula a doação
de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. Portanto, este
artigo consagra a nulidade da doação universal, visto que é preciso de um mínimo de patrimônio para
garantir a vida digna da pessoa.

O art. 928, parágrafo único, estabelece, ao tratar da indenização contra o incapaz, que o valor
indenizatório que o incapaz será responsabilizado será fixado pelo juiz com equidade, para não privar o
incapaz e seus dependentes do mínimo para viver com dignidade.

As principais alterações da teoria do patrimônio mínimo terão o seu alcance no que se refere à
proteção ao bem de família.

A proteção do bem de família é a proteção do direito à moradia, que é consagrado


constitucionalmente, bem como corolário da dignidade da pessoa humana.

Nesse caminho, o STJ consolidou o entendimento de que o imóvel de que pessoa solteira reside,
seja viúva, divorciada ou separada, constitui bem de família, sendo portanto impenhorável, conforme
Súmula 364 do STJ.

O STJ já estendeu a impenhorabilidade ao imóvel situado a pessoa jurídica, quando a família


também tinha ali a sua residência. Segundo o STJ, a impenhorabilidade da lei 8.009, ainda que tenha como
destinatário pessoas físicas, merecem a ser aplicadas a certas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às
pequenas empresas com conotação familiar, por haver identidade de patrimônios.

Ou seja, se a família mora nos fundos e na frente funciona uma padaria, onde o pai trabalha lá, a
mãe fica no caixa e o filho na confeitaria, aquele bem será impenhorável, pois eles mesmos moram lá, pouco
importando que o registro consta no nome da sociedade.

c) Principais classificações dos bens

i. Quanto à tangibilidade

• bens corpóreos: tem existência corpórea e são materiais. Ex.: casa e carro.

124
• bens incorpóreos: tem existência abstrata. Ex.: direito de autor, propriedade industrial, fundo
empresarial.

ii. Quanto à mobilidade

• bens imóveis: não podem ser removidos sem a sua deterioração ou destruição. Podem ser
subdivididos em:

o por natureza: são formados pelo solo e tudo aquilo que se incorporar a ele de forma natural.
Abrange o solo, subsolo, superfície, espaço aéreo e tudo que lhe for incorporado. Ex.: árvore
que é incorporada naturalmente.

o por acessão física, industrial ou artificial: tudo que o homem incorporar permanentemente
ao solo, não podendo remover do solo sem a destruição, será bem imóvel. Ex.: plantações,
construções, etc. Segundo o art. 81, não perdem o caráter de imóveis as edificações que,
separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local, bem
como os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.

o por acessão física intelectual: tudo que for empregado intencionalmente para exploração
industrial, aformoseamento ou comodidade, estes bens móveis seriam considerados
imóveis por acessão física intelectual. Exemplo clássico são as pertenças. Mas parcela da
doutrina sustenta que não há mais pertenças no código civil. Tartuce discorda.

o por disposição legal: são bens considerados imóveis pela lei, a fim de dar maior proteção
jurídica, tais como: o direito à sucessão aberta, direitos reais sobre imóveis (hipoteca) e
penhor agrícola, excepcionalmente.

• bens móveis: são aqueles que podem ser transportados sem deterioração ou destruição, sem
alteração da substância ou da destinação econômico social daquele bem, podendo ser
transportados por força própria ou de terceiros. Os bens móveis poderão ser subclassificados
por:
o por natureza: são aqueles que podem ser transportados sem qualquer dano, seja por força
própria (semoventes) ou por força alheia.

o por antecipação: são os bens que eram imóveis, mas que foram mobilizados por uma
atividade humana. Ex.: colheita de uma plantação. Todo ano o fazendeiro semeia para
colher. Trata-se de um bem móvel por antecipação.

125
o por determinação legal: a lei estabelece que o bem é móvel, conforme art. 83 do CC, são
móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem
alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Ações e direitos que recaem sobre bens móveis são bens móveis. Ex.: penhor, assim como a
energia, direitos pessoais de caráter patrimonial é bem móvel, etc.

Navio e aeronave, são bem móveis ou imóveis?

Flávio Tartuce considera que são bens imóveis especiais ou bens móveis sui generis. Isso porque
apesar de serem móveis, são tratados como imóveis pela lei, visto que exige um registro especial deles e
admite a instituição de hipoteca.

Logo, pelo princípio de que o acessório segue o principal, a hipoteca, que é direito real de garantia,
é bem móvel ou imóvel?

Recaindo sobre um bem imóvel, será a hipoteca bem imóvel, pois o acessório segue o principal.
Caso o direito real de garantia recai sobre bem móvel, será também considerado bem móvel. Ou seja, a
hipoteca poderá ser um bem móvel ou imóvel, a depender de qual bem ela garante.

iii. Classificação quanto a fungibilidade

• bens infungíveis: não podem ser substituído por outro da mesma espécie, qualidade ou
quantidade. O automóvel é um bem móvel, mas também é infungível. Isso porque o carro tem
chassi.
• bens fungíveis: podem ser substituídos. São aqueles que podem ser substituído por outro da
mesma espécie, qualidade ou quantidade.

iv. Classificação quanto a consuntibilidade

• bens consumível: são bens móveis cujo uso importa a sua destruição imediata e os bens
destinados à alienação. Ex.: sanduíche gera consuntibilidade física. Carro possui uma
consuntibilidade jurídica.
• bens inconsumível: são aqueles bens que permitem a sua reiterada utilização sem que haja a sua
destruição (inconsuntibilidade física), bem como aqueles que são inalienáveis (inconsuntibilidade
jurídica).

É possível trabalhar dentro da inconsuntibilidade com classificações. Ou seja, um bem pode ser
inconsumível juridicamente e consumível fisicamente. O carro possui uma inconsuntibilidade física, mas tem
consuntibilidade jurídica, pois pode ser alienado.

v. Classificação quanto a divisibilidade

126
• bens divisíveis: são aqueles que podem partir em porções reais e distintas, formando cada uma
um todo perfeito. O art. 87 explica que os bens divisíveis são os que se podem fracionar sem
alteração na sua substância (aspecto físico), sem diminuição considerável de valor (aspecto
econômico), ou sem prejuízo do uso a que se destinam (aspecto funcional). Ex.: sacas de cereais
são bens divisíveis.
• bens indivisíveis: são aqueles bens que não podem ser partilhados, pois, do contrário, deixa de
ser um todo perfeito, gerando a desvalorização do bem ou mesmo a perda das qualidades
essenciais desse todo. Ex.: diamante de 5 quilates vale muito mais do que dividir o bem em 5
partes de 1 quilate cada. Portanto, é indivisível, pois há uma perda substancial do seu valor. A
indivisibilidade pode decorrer da natureza do bem, de imposição legal ou mesmo da vontade
do seu proprietário. Há uma indivisibilidade natural em relação à casa, assim como o relógio de
pulso. A herança, segundo a lei, é bem indivisível até que ocorra a partilha. A indivisibilidade
convencional pode ocorrer quando dois proprietários de um boi convencionarem que aquele
animal não vai ser morto para vender a carne, mas tão somente para reprodução.

vi. Classificação quanto à individualidade

• bens singulares (individuais): são bens individuais, considerados de per si. Ex.: livro, boi, etc.
• bens universais: são bens que se encontram agregados a um todo, constituído por várias coisas
singulares, mas considerados em seu conjunto, formando um todo individualizado. Essa união
poderá ser fática ou mesmo jurídica.
o universalidade de fato: ocorre quando essa ligação é feita pela vontade humana. Esses bens
que formam esta universalidade podem formar relações jurídicas próprias. Ex.: biblioteca
pode ser vendida inteira, tendo um valor próprio, como a obra completa de Machado de
Assis.
o universalidade de direito: essa unidade individualizada é dada pela lei, sendo uma ficção
legal. O art. 91 diz que há universalidade de direito quando se tem um complexo de relações
jurídicas de uma pessoa dotada de valor econômico. Ex.: patrimônio, massa falida.

Patrimônio é conceituado por Cristiano Chaves como sendo complexo de relações jurídicas
apreciáveis economicamente (credor x devedor x credor).

vii. Classificação quanto à dependência em relação a outro bem (bens reciprocamente


considerados)

• bem principal: são aqueles que existem de forma autônoma e independente, não dependendo
de qualquer outro objeto.

127
• bem acessório: são aqueles bens que a existência e finalidade dependem de outro bem, que é
denominado principal. O acessório segue o principal, conforme o princípio da gravitação jurídica.

São bens acessórios:

• Frutos:
Os frutos têm origem no bem principal, mas mantêm a integridade deste último, sem diminuir a
substância ou quantidade. Classificam-se como:
o frutos naturais: ex.: frutos de uma árvore, mas mantém a inteireza da coisa principal, no caso
a árvore;
o frutos industriais: decorrendo de uma atividade humana. Ex.: saco de balinhas feita por uma
fábrica;
o frutos civis: decorrendo de uma relação jurídica econômica, denominados de rendimentos.
Ex.: aluguel é fruto para o dono do imóvel, assim como os juros e dividendos.
Quanto ao estado que normalmente se encontram os frutos, podem ser classificados em:
o frutos pendentes: são os frutos que ainda não foram colhidos. Ex.: fruta que está na árvore.
o frutos percebidos: são os frutos que já foram colhidos.
o frutos estantes: são os frutos que já foram colhidos e já estão armazenados. Ex.: maçãs
colhidas e que estão armazenadas.
o frutos percipiendos: são os frutos que deveriam ter sido colhidos, mas não foram.
o frutos consumidos: são os frutos que foram colhidos e não existem mais, pois foram
consumidos.

• Produtos
Produtos são bens acessórios que saem da coisa principal, diminuindo a sua quantidade e
substância. Neste ponto difere do fruto, pois este sai da coisa principal, mas não diminui a sua
substância ou quantidade. Ex.: pepita de ouro retirado de uma mina. Explora-se a mina até que
irá acabar o ouro.

• Pertenças
Pertenças são bens destinados a servir um outro bem, denominado de principal. O art. 93 do CC
trata das pertenças, apesar de uma doutrina dizer que não se consideram bens imóveis por
acessão intelectual.
Este dispositivo afirma que são pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se
destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.
Há um bem que vai servir outro bem, de forma permanente, mas não sendo parte integrante
deste bem. A pertença não perde a sua individualidade, pois é um bem que serve outro bem. A
doutrina traz um exemplo que esclarecedor. Ex.: em uma fazenda, o sujeito compra uma

128
caminhonete para utilizar dentro da fazenda. Este bem é uma pertença, pois é destinado a servir
um bem principal, que é um imóvel, não perdendo a sua individualidade e não é parte integrante
deste bem.
Pertença são todos os bens móveis que o proprietário intencionalmente emprega na exploração
industrial de um imóvel ou na sua comodidade. Por isso, as pertenças se classificam como
essenciais, fundamentais ou não essenciais.
O art. 94 diz que os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as
pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das
circunstâncias do caso. Veja que, apesar de ser acessória, a pertença não segue o principal, via
de regra.
Tartuce sustenta que os bens imóveis por acessão intelectual não desapareceram com o CC/02,
pois eles seriam as pertenças.

• Partes integrantes
Partes integrantes são bens acessórios que estão unidos ao bem principal, formando um todo
independente. Ex.: lâmpada que se coloca no lustre, assim como a lente que se coloca na câmera,
formando um todo independente.
A diferença substancial para as pertenças é a de que as pertenças continuam guardando a sua
individualidade, enquanto as partes integrantes não, pois passam a integrar o bem principal,
formando um todo único.

• Benfeitorias
Benfeitorias são bens acessórios introduzidos em um bem móvel ou bem imóvel, visando a sua
conservação, ou melhor de sua utilidade.
Podem ser classificadas em:
o benfeitorias necessárias: têm por finalidade conservar ou evitar que o bem se deteriore. Ex.:
reforma no telhado da casa para evitar que o telhado desabasse.
o benfeitorias úteis: aumentam ou facilitam o uso ou a utilidade da coisa. Ex.: instalar grades
na janela da casa.
o benfeitorias voluptuárias: são benfeitorias para mero deleite. Ex.: piscina numa casa.
Não se pode confundir benfeitorias com acessões, eis que as primeiras são melhorias e as últimas
são incorporações.

viii. Classificação quanto ao titular do domínio

• bens particulares: são bens que pertencem ao particular (física ou jurídica).


• bens públicos: pertencem a pessoa jurídica de direito público interno. Os bens públicos podem
ser classificados em diferentes tipos:

129
o bens de uso geral (ou de uso comum do povo): são aqueles necessários ao uso geral do
povo, sem a necessidade de uma permissão especial. Ex.: praças e ruas, ainda que cobre
pedágio.
o bens de uso especial: são bens ou terrenos que são utilizados pelo próprio estado para
execução de um serviço público especial. Isto é, há uma destinação especial àquele bem,
denominado de afetação. Ex.: repartições públicas, sede da prefeitura, etc.
o bens públicos dominicais: são bens que fazem parte de um patrimônio disponível da pessoa
jurídica de direito público. Ex.: terras devolutas, pois não têm uma destinação específica. Os
bens dominicais podem ser convertidos em bem de uso comum ou bem de uso especial.

Os bens de uso comum e de uso especial são inalienáveis, enquanto os bens dominicais são
alienáveis. Mas esta inalienabilidade não é absoluta, podendo perdê-la, desde que haja desafetação, ou seja,
que mude a destinação do bem.

Na afetação, o bem dominial passa a ser afetado a uma função. Ex.: terreno vazio passou a ser a sede
da prefeitura. Na desafetação, há a mudança da destinação do bem para a categoria de bens dominicais. Ou
seja, passam a fazer parte do patrimônio disponível da pessoa jurídica de direito público, podendo ser
alienado. Os bens públicos podem ou não ser alienáveis, a depender da destinação ou não do bem, se há
afetação ou não.

Seja qual for a espécie de bem público, nenhum deles está sujeito a usucapião.

Para muitos doutrinadores está superada a dicotomia: bem público e bem privado. Para eles, haveria
agora uma tricotomia, trazendo o denominado bem difuso. Ex.: bem ambiental seria bem difuso. Esta
superação, e a visualização do bem difuso, é a melhor concepção civil constitucional, como é o caso do meio
ambiente, em que se considera que tal bem é da coletividade.

O que é res nullius?

Res nullius são as coisas que não têm dono, ou seja, coisas de ninguém. Por uma questão lógica,
estas coisas só podem ser bens móveis, pois se o bem imóvel não pertence a qualquer pessoa, ele pertence
ao Estado. Exemplo disso são as terras devolutas.

Portanto as res nullius se restringem aos bens móveis.

II. Bem de família voluntário ou convencional

O bem de família é o imóvel utilizado como residência da entidade familiar.

No direito de família existem duas formas de prever o bem de família:

130
• bem de família voluntário ou convencional
• bem de família legal

O bem de família é voluntário ou convencional quando pode ser instituído por alguém:

• pelos cônjuges
• pela entidade familiar
• por um terceiro

Esta instituição do bem de família convencional se dará por escritura pública ou testamento. Mas
não pode ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido da pessoa que faz a instituição.

O bem de família convencional não revoga o bem de família legal, podendo inclusive conviverem.

No caso do bem de família convencional, os cônjuges devem aceitar expressamente este benefício.

Para que seja bem de família convencional, é necessário que o bem seja:

• imóvel
• residencial rural ou urbano
• incluindo todos os bens acessórios que compõem este bem

Atente-se que a proteção do bem de família convencional pode abranger valores mobiliários, desde
que se refiram a bens cuja renda seja aplicada na conservação do imóvel e ao sustento da família.

A instituição do bem de família convencional deve ser feita por escrito, registrada no cartório de
registro de imóveis, no local em que o imóvel está situado. Esta instituição se dará por escritura pública ou
testamento.

São consequências da instituição do bem de família convencional:

• inalienabilidade do imóvel
• impenhorabilidade do imóvel
• isenção de execução por dívidas posteriores à instituição

Há situações em que a despeito de o bem ser de família convencional, e ter tais características, não
prevalecerá estas condições:

• dívidas anteriores à constituição do bem de família


• no caso de dívidas posteriores relacionadas a tributos relacionados ao prédio
• no caso de dívidas de condomínio

131
O art. 1.715, p.ú., diz que no caso de execução dessas dívidas, o saldo existente será aplicado em
outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos
relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.

A inalienabilidade é a regra geral do bem de família convencional, mas é possível a alienação do


referido bem se houver o consentimento dos interessados, ouvido o Ministério Público, desde que
houvesse autorização judicial.

Eventualmente, comprovada a impossibilidade de manutenção do bem de família convencional,


poderá o juiz extinguir o bem de família ou autorizar a sub-rogação real, colocando um bem no lugar do
outro para fins de bem de família convencional.

O art. 1.722 diz que se extingue, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges
e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.

Esta extinção não impede a aplicação da proteção do bem de família legal, constante da Lei 8.009/90.

III. Bem de família legal

O art. 1º da Lei 8.009/90 diz que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de
outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam,
salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

A Súmula 364 do STJ já estabeleceu que o conceito de impenhorabilidade de bem de família


abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

A Súmula 205 do STJ diz que a Lei 8.009/90 tem eficácia retroativa, atingindo esta impenhorabilidade
dívidas anteriores ao advento da lei. Trata-se de uma retroatividade motivada ou justificada, em prol de
normas de ordem pública.

O bem de família é irrenunciável, e o seu oferecimento à penhora não o torna bem sujeito à
constrição.

O STJ entende que, no caso de locação do bem, se esta renda é utilizada para manutenção daquela
família, ou para locação de outro imóvel em que esta família viva, a proteção do bem de família permanece.
Trata-se do bem de família indireto. Este inclusive é o teor da Súmula 486 do STJ: É impenhorável o único
imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja
revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.

132
Segundo o informativo 579 do STJ, a impenhorabilidade do bem de família no qual reside o sócio
devedor não é afastada pelo fato de o imóvel pertencer à sociedade empresária.

Recentemente, o STJ estendeu a impenhorabilidade também para o imóvel comercial, desde que
seja revertida a renda para custear a moradia num imóvel alugado. Nas palavras da Corte, é impenhorável o
único imóvel comercial do devedor que esteja alugado quando o valor do aluguel é destinado unicamente
ao pagamento de locação residencial por sua entidade familiar (Info 591).

Do mesmo modo, o STJ entendeu que, se o executado possui um único imóvel residencial, mas quem
mora nele é um parente (ex: filho), mesmo assim esse imóvel será considerado como bem de família, sendo
impenhorável. Em outras palavras, constitui bem de família, insuscetível de penhora, o único imóvel
residencial do devedor em que resida seu familiar, ainda que o proprietário nele não habite (Inf. 543).

No caso da família não ter imóvel próprio, a impenhorabilidade recai sobre os bens móveis
quitados, que guarnecem a residência e sejam de propriedade do locatário.

Veículos de transporte, obras de arte, adornos suntuosos estão excluídos dessa impenhorabilidade.

Os demais bens dentro da residência serão considerados impenhoráveis.

O STJ já decidiu que a penhorabilidade se estenderá às garagens que tenham matrícula própria.
Está sumulado.

O art. 3º estabelece que impenhorabilidade não é oponível aos seguintes casos:

• Titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do


imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
• Credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário
que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos
responderão pela dívida;
• Cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do
imóvel familiar;
• Execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade
familiar. Esta exceção só se aplica se a hipoteca foi constituída por ambos os cônjuges ou de toda
a entidade familiar. O fato de a hipoteca não ter sido registrada não pode ser utilizado como
argumento pelo devedor para evitar a penhora do bem de família, pois o registro não é
necessário (Inf. 585, STJ).
• Imóvel ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal
condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
• Por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

133
Da mesma forma, na execução civil movida pela vítima, não é oponível a impenhorabilidade do
bem de família adquirido com o produto do crime, ainda que a punibilidade do acusado tenha sido extinta
em razão do cumprimento das condições estipuladas para a suspensão condicional do processo (Inf. 575).

O STJ, em sede de recursos repetitivos, disse que é legítima a penhora do bem de família
pertencente a fiador em contrato de locação. Em outubro de 2015, o STJ sedimentou este entendimento,
inclusive trazendo a Súmula 549, a qual afirma que é válida a penhora de bem de família pertencente a
fiador de contrato de locação.

Além disso, o STJ entendeu que o rol das exceções do bem de família é meramente exemplificativo.
O STJ diz que a proteção da impenhorabilidade não pode prevalecer nos casos em que o devedor age de má-
fé.

10. Teoria geral do negócio jurídico

I. Conceitos básicos. Fato, ato e negócio jurídico

Fato jurídico é o fato que interessa ao direito, sendo uma ocorrência que tenha relevância jurídica.

Ato jurídico é um fato que tem relevância jurídica, mas com elemento volitivo e conteúdo lícito. É a
atuação da vontade de alguém.

Negócio jurídico é um ato jurídico, com elemento volitivo e de conteúdo lícito, mas que há
composição de interesse das partes, com finalidade específica e desejada pelas partes.

O negócio jurídico é o ponto principal da parte geral do Código Civil, sendo o ponto principal para
entender o contrato, casamento, testamento, etc.

a) Negócio jurídico processual

O NCPC trouxe uma novidade, denominado de negócio jurídico processual.

O art. 190 do NCPC diz que, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é
lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades
da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante
o processo.

Logicamente, o juiz irá controlar a validade dessas convenções processuais celebradas entre as
partes. Percebam uma inovação importante do NCPC.

134
O art. 191 ainda diz que, de comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática
dos atos processuais, quando for o caso. Tal calendário processual vincula as partes e o juiz, e os prazos nele
previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.

Por conta do calendário processual, fica dispensada a intimação das partes para a prática de ato
processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.

b) Ato jurídico stricto sensu

O ato jurídico stricto sensu há o elemento volitivo, mas os efeitos da manifestação de vontade já
estão pré-determinados pela lei.

Ex.: ocupação de um imóvel. Os efeitos de ser proprietário de um imóvel traz consequências jurídicas,
como pagamento de tributos, condomínio, etc. Da mesma forma o reconhecimento de filho também é o ato
jurídico stricto sensu, visto que o indivíduo passa a ter deveres sobre o filho.

c) Ato-fato jurídico (ou ato real)

Além desses conceitos, parte considerada da doutrina traz o denominado ato-fato jurídico.

Paulo Lôbo estabelece que os atos-fatos jurídicos são atos, ou comportamentos humanos, em que
não houve vontade, ou tendo havido vontade, o direito não a considerou.

Nos atos-fatos jurídicos, a vontade não integra o suporte fático, visto que é a lei que faz o ato-fato
jurídico, atribuindo consequências ou efeitos independentemente da parte ou do sujeito ter desejado ou não
estes efeitos.

Exemplo: descoberta de um tesouro sem querer.

FATO JURÍDICO

1. Classificação

Fatos são acontecimentos da vida (por exemplo, dia, noite, pessoas nasceram, morreram etc.), no
momento que esses fatos passam a ter repercussão na esfera jurídica, estamos diante dos fatos jurídicos.

135
*A doutrina não é unânime no que diz respeito a essa classificação, podendo ser encontrada classificações
distintas.

Fatos jurídicos são divididos em fatos jurídicos em sentido estrito e atos jurídicos.
Os fatos jurídicos em sentido estrito são aqueles que ocorrem SEM VONTADE HUMANA e podem ser
subdivididos em: ordinários e extraordinários.

o Ordinário: é aquele previsível, por exemplo, morte, nascimento, maioridade etc. O passar do
tempo é previsível, e se manifesta nas relações jurídicas através dos institutos da prescrição
e decadência;
o Extraordinário: é aquele fato imprevisível, sendo incabível imputar a alguém o
extraordinário, pois carece de vontade humana e, ainda, é imprevisível. Em uma situação
hipotética, a pessoa não será responsabilizada se em decorrência de uma enchente, o veículo
que foi vendido para determinada pessoa que seria entregue no dia posterior, foi destruído.
São raras e excepcionais as situações em que as pessoas respondem pelo extraordinário.

Os atos jurídicos são aqueles que ocorrem COM VONTADE HUMANA, podendo ser subdivididos em:
ilícitos e lícitos.

o Ilícito: ocorre o fenômeno chamado de responsabilidade civil, trata-se de ato contrário ao


ordenamento jurídico civilista. Por exemplo, o adultério não é crime, mas gera ilícito civil.
- Nem todo ilícito civil será ilícito penal.

136
o Lícito: são aqueles praticados em conformidade com o ordenamento jurídico civilista. Esses
atos podem ser de duas modalidades:

• Ato jurídico em sentido estrito: é aquele em que a vontade humana está direcionada
para o ato em si, e suas consequências estão na lei e não podem ser modificadas.
Por exemplo, reconhecimento de paternidade, fixação de domicílio. Tem previsão no
artigo 185, do Código Civil;

• Negócio jurídico: é aquele em que a vontade humana está direcionada para a


consequência de determinado ato, dentre as variadas consequências que a lei
permite, temos, a título de exemplo, os contratos e os testamentos. Os negócios
jurídicos estão elencados no artigo 104 e seguintes do Código Civil.

Diante dessa classificação, Pontes de Miranda criou o fenômeno do ATO FATO, que não possui
previsão no Código Civil, mas é aquele que existe vontade volitiva – vontade humana -, mas não se leva em
consideração a intenção humana; é um comportamento que, embora derive do homem é desprovido de
vontade consciente na sua realização e produção dos seus efeitos jurídicos.
É um ato por derivar do homem, mas se assemelha ao fato jurídico, pois a vontade não é relevante
– conduta involuntária. Por exemplo, o menor que compra um sorvete, está praticando um ato fato e produz
efeito no ordenamento jurídico.
1.1. Ato jurídico em sentido estrito X Negócio jurídico

137
2. NEGÓCIOS JURÍDICOS

2.1. Introdução

Esse instituto encontra-se previsto a partir do artigo 104 e seguintes do CC, - de antemão estabelece
os requisitos de validade do negócio jurídico.
O negócio jurídico tem origem no Código Civil alemão, trata-se de um ato ou uma pluralidade de
atos, entre si relacionados, quer sejam de uma ou de várias pessoas, que tem por fim produzir efeitos
jurídicos e modificações nas relações jurídicas no âmbito do direito privado - Karl Larenz.
A estrutura do negócio jurídico não é exclusiva do direito privado, embora haja um estudo bem mais
aprofundado desse tema no ramo desse direito. Mas também, pode ser encontrado no do direito público,
pois o Código de Processo Civil em seu artigo 191, traz uma cláusula geral a qual as partes podem entabular
negócios jurídicos processuais sobre recursos, provas, calendário processual, questões sobre ação rescisória,
entre outras.
Importante ressaltar, que há muito tempo se discute a possibilidade de negócios jurídicos
processuais no direito alemão, mas no Brasil, tornou-se possível com o advento do Código de Processo Civil
de 2.015.
Segundo Pablo Stolze, “O direito positivo brasileiro adotou um sistema dualista, reconhecendo, ao
lado do ato jurídico em sentido estrito (artigo 185), a categoria mais importante do negócio jurídico (artigos
104 e seguintes)”.

138
No campo dos negócios jurídicos a autonomia privada é ampla, traduz uma declaração de vontade
limitada pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, pela qual o agente pretende livremente
alcançar determinados efeitos juridicamente possíveis. Tal situação, segundo Judith Martins: vive-se a era da
autonomia solidária.
Por fim, tem-se como negócio jurídico, a manifestação da vontade através de uma finalidade
negocial, que abrange a aquisição, conservação, modificação ou extinção de direitos.

ATENÇÃO:

• Vontade humana nos negócios jurídicos é direcionada para as consequências do ato praticado;
• Consiste na declaração de vontade voltada à obtenção de um efeito jurídico, capaz de criar uma
reação jurídica, não sendo, portanto, apenas um ato livre de vontade.
• Para Miguel Reale, “negócio jurídico é aquela espécie de ato jurídico que, além de se originar de um
ato de vontade, implica na declaração expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois
ou mais sujeitos tendo em vista um objetivo protegido pelo ordenamento jurídico”.
• Francisco do Amaral afirma que o “negócio jurídico é o meio de realização da autonomia privada e o
contrato é o seu símbolo”.

2.2. Teorias explicativas da natureza jurídica do negócio jurídico

A vontade é o primeiro elemento identificar/formador da existência do negócio jurídico, pois não há


falar em negócio sem vontade humana. No que tange a este elemento, tem-se duas teorias que se revelam
importantes e que emanam do direito alemão.

- Teoria da declaração (Eklärungstheorie): É uma teoria mais objetiva e afirmava que o negócio
jurídico teria a sua essência, não na vontade interna, mas na vontade externa ou declarada.

- Teoria da vontade (Willenstheorie): Afirma que o núcleo essencial do negócio jurídico seria a
vontade interna, a intenção do agente; o negócio jurídico se explica pela intenção do agente.

A teoria adotada pelo sistema civilista é a teoria da vontade, que por sua vez, pode ser dividida em:
vontade externada e vontade interna. Via de regra, a vontade interna condiz com a vontade exteriorizada
(intenção do sujeito), por exemplo, “sim, eu aceito comprar o carro”.
Dispõe o artigo 112, do CC.

139
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao
sentido literal da linguagem.

Portanto, em caso de eventual interpretação da vontade no negócio jurídico, será observada a


vontade interna - intenção.

2.3. Classificação dos negócios jurídicos

a) Quanto a número de declarantes:

Unilaterais: única manifestação de vontade, podendo ser receptícios (destinatário deve saber para
ter efeitos, como revogação de procurações) ou não receptícios (não precisa de ciência do destinatário, como
testamentos);

Bilaterais: com duas manifestações de vontade coincidentes sobre o mesmo objeto, o que se chama
de consentimento mútuo ou acordo de vontades, podendo ser simples (uma parte aufere vantagem) ou
sinalagmáticos (vantagens recíprocas, deriva do vocábulo grego sinalagma, que significa contrato com
reciprocidade).

➔ Todos os contratos são bilaterais, pois exige-se pelo menos duas manifestações de vontade para
serem formados.

➔ OBS.: É possível contrato ser simples, chamado de unilateral, mas não diz respeito à manifestação
de vontade, pois todo contrato é pelo menos bilateral. O contrato unilateral tem por objetivo
proporcionar vantagens a uma das partes, como é o caso da doação pura;

Plurilaterais: são contratos que envolvem mais de duas partes, como contrato de sociedade com mais
de dois sócios e os consórcios de bens; a doutrina trata como acordos.

b) Quanto às vantagens patrimoniais:

Gratuitos: quando apenas uma das partes aufere vantagem ou benefício, como doação e comodato;

Onerosos: quando ambos os contratantes auferem vantagens às quais correspondem um sacrifício


ou uma contraprestação. Os onerosos podem ser comutativos (prestações certas e determinadas) ou
aleatórios (caracterizados pela incerteza, o risco é a essência do negócio);

Bifrontes: são os que podem ser onerosos ou gratuitos, segundo a vontade das partes, como o
mútuo, o mandato, o depósito. Nem todo contrato gratuito pode se tornar oneroso, como por exemplo, a

140
doação e o comodato, pois, nestes casos tornar-se-iam venda e locação, respectivamente, segundo Orlando
Gomes;

Neutros: caracterizam-se pela destinação do bem, uma vinculação do bem como a cláusula de
incomunicabilidade e inalienabiliadede.

c) Quanto ao modo de existência:

Principais: são os que tem existência própria e não dependem de nada para produzir seus efeitos;

Acessórios: são os que tem sua existência subordinada à do contrato principal, como ocorre com a
cláusula penal, fiança, penhor e hipoteca.

2.4. Plano de análise do negócio jurídico

- TRICOTOMIA DO NEGÓCIO JURÍDICO (ESCADA PONTEANA)

A escada ponteana foi pensada e idealizada por Pontes de Miranda, nos quais o negócio jurídico
perpassa por três planos/degraus: 1º plano de existência; o 2º plano de validade e o 3º o plano de eficácia.

Existência Validade Eficácia

Elementos Requisitos Elementos acidentais

Atentem-se: As expressões não podem ser confundidas, por exemplo, “elementos” é de existência,
“requisitos” é de validade. Há quem diga que essas terminologias podem ser substituídas por “pressupostos”,
como: “pressupostos de existência”, “pressupostos de validade”.
Tem-se então:
Elementos no negócio jurídico → Existência
Requisitos do negócio jurídico → Validade
O plano de eficácia diz respeito aos efeitos dos negócios jurídicos, que se revelam através dos
elementos acidentais, são eles: condição, termo e encargo.
Importante: Sempre que houver menção a condição, termo e encargo, fala-se em eficácia do negócio
jurídico – 3º degrau.

141
Item de prova: “A condição subordina a validade do negócio jurídico a um evento futuro e incerto” →
Incorreta.

Para analisar a validade (2º degrau) do negócio jurídico, deve-se primeiro analisar o plano de
existência (1º degrau). No entanto, para analisar a eficácia (3º degrau), NÃO é preciso analisar a validade,
isso porque, o negócio jurídico válido ou inválido produz efeitos.

Conclui-se, portanto:
✓ Para analisar a validade = analisa-se 1º a EXISTÊNCIA.
✓ Para analisar a eficácia = analisa-se 1º a EXISTÊNCIA.

Atenção: Tais regras se aplicam aos atos jurídicos em sentido estrito (art. 185, do CC).
Segundo os ensinamentos do professor Carlos Roberto Gonçalves, nos propõe a seguinte distinção:

PLANO DE EXISTÊNCIA PLANO DE VALIDADE

O plano de existência é o plano dos É o plano dos requisitos. A falta destes


elementos, visto que o que integra a essência requisitos encerram o negócio como sendo nulo ou
de algo denomina-se elemento. anulável.

Declaração de vontade: instrumento Os requisitos podem ser:


de exteriorização da vontade humana; não
importa o que ocorre na mente do sujeito Caráter geral: Art. 104. A validade do negócio
(reserva mental). jurídico requer:
Finalidade negocial: é o propósito de I - agente capaz;
adquirir, conservar, modificar ou extinguir II - objeto lícito, possível, determinado ou
direitos. determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Idoneidade do objeto: observância se
o objeto condiz com o negócio celebrado, Caráter específico: são os pertinentes a
como por exemplo: mútuo serve objeto determinado negócio jurídico, como por exemplo, na
fungível e no comodato o objeto infungível. compra e venda que é preciso à coisa (res), o valor
(pretium) e consentimento (consensus).
Importante: Os elementos de
existência não estão na lei, advém de
ensinamentos doutrinários (há divergência).

2.4.1. Plano de existência:

No plano de existência, observam-se os elementos que conferem a possibilidade de se chegar à


eficácia. Diante disso, para que o negócio jurídico exista é necessário: vontade, agente, objeto e forma.

142
Vontade Agente Objeto Forma

Para que haja Elemento É o bem da É o meio pelo qual a


o negócio jurídico é subjetivo. vida. vontade se manifesta –
imprescindível Objeto deve elemento externo da
a declaração de ser apto a celebrar o vontade.
vontade humana. negócio jurídico. A forma pode ser
verbal, escrita. Via de regra, a
forma é livre, ressalvada a
hipótese de a lei exigir forma
especial.

2.4.1.1. Mitigações quanto à forma:

Silêncio: É a inércia absoluta do agente. Via de regra, a vontade deve ser externada. A expressão
“quem cala consente” é excepcionalmente utilizada.
O silêncio será visto como manifestação de vontade, quando a lei assim o permitir - artigo 111, do
CC.

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa.

Exemplos:
- Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade.
Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a
doação não for sujeita a encargo.
- Art. 658. O mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulada retribuição, exceto se
o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa.
- Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.
- Art. 1.807. O interessado em que o herdeiro declare se aceita, ou não, a herança, poderá, vinte dias
após aberta a sucessão, requerer ao juiz prazo razoável, não maior de trinta dias, para, nele, se pronunciar o
herdeiro, sob pena de se haver a herança por aceita.

Reserva mental: É também chamada de reserva oculta, reserva íntima, reticência. Reserva mental é
aquilo que está na mente do sujeito.

143
Quando um dos declarantes oculta a sua verdadeira intenção, isto é, quando não quer um efeito
jurídico que declara querer. Tem por objetivo enganar o outro contratante ou declaratório (previsto também,
no artigo 116, do Código Civil Alemão).

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

O que se passa na mente do sujeito é irrelevante. Porém, se o destinatário conhece da reserva mental
o ato será inexistente, como ensina Moreira Alves.
O Código Civil revogado tratava como caso de anulabilidade por simulação, o que será considerado
caso haja intenção de prejudicar terceiros ou violar a lei (Pablo Stolze defende que é dolo – negócio é
anulável); se o outro tem conhecimento e se une ao sujeito que tem reserva mental para prejudicar outrem
haverá simulação.

Questões de prova

CESPE: O silêncio de uma das partes pode, excepcionalmente, representar anuência, se as circunstâncias
ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa.
→ Correta.

CESPE: O silêncio de uma das partes quanto ao negócio jurídico proposto não tem o condão de criar
vínculo, sendo necessária declaração de vontade expressa.
→ Cuidado! Excepcionalmente é possível que o silêncio crie um negócio jurídico, e seja entendido como
manifestação de vontade.

CESPE: De acordo com o Código Civil de 2002, não é permitido que o silêncio de um dos participantes
seja interpretado como caracterizador de concordância com o negócio.
→ Incorreta (art. 111, do CC).

CESPE: O negócio jurídico celebrado com reserva mental de um dos contratantes, com ou sem
conhecimento do outro, deve ser considerado inexistente.
→ Incorreta, pois sem o consentimento do outro não gera consequências.

2.4.2. Plano de validade:

144
O plano de validade visa adjetivar os elementos de existência, para assim, verificar se o negócio
jurídico é válido ou inválido. Em se tratando de invalidade + grave ou ofensa ao interesse público, tem-se um
negócio jurídico NULO, ao passo que se a invalidade for - grave ou ofensa a interesses particulares, o negócio
jurídico será ANULÁVEL.
São elementos de existência qualificados - Requisitos de validade (art. 104, do CC):

VONTADE → LIVRE E DE BOA-FÉ


AGENTE → AGENTE CAPAZ
OBJETO → OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL
FORMA → FORMA PRESCRITA OU NÃO DEFESA EM LEI

Uma vez violado tais requisitos, o negócio jurídico poderá ser nulo ou anulável, a depender da
situação.

Dispositivos importantes (recorrente em provas)

Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio,
nem aproveita aos co-interessados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da
obrigação comum. → Incide neste caso, a teoria do venire contra factum proprium.

Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar
antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei
expressamente a exigir.

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos
que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor
superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da
substância do ato. → As partes estipulam em um negócio jurídico a necessidade de escritura pública, e
este será a substância do ato.

145
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não
querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa.

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao
sentido literal da linguagem.

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração.

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874,
de 2019)

I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; (Incluído pela
Lei nº 13.874, de 2019)

II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; (Incluído pela
Lei nº 13.874, de 2019)

III - corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº
13.874, de 2019)

V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das
demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações
disponíveis no momento de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e


de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.874, de
2019)

Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. → Tem-se como
exemplo, a fiança.

146
Quanto à forma dos negócios jurídicos, dispõe o art. 107, do CC.

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei
expressamente a exigir.

Os contratos em geral tem forma livre, excepcionalmente a lei prescreve a forma.


Neste trilhar, o ordenamento jurídico prescreve a forma para efeito de prova em juízo e a forma
como pressuposto de validade (conteúdo que estamos estudando).

- Forma para efeito de prova em juízo: também chamada de AD PROBATIONEM, trata-se de prova
para fins de existência do negócio jurídico. Por exemplo, em uma ação de cobrança, deve-se provar que o
empréstimo existe.
Dizia o art. 227, do CC que foi revogado de CPC/15.

Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios
jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em
que foram celebrados (REVOGADO).

Muito embora o CPC/15 tenha revogado o dispositivo acima, estatui o art. 442, do CPC.

Art. 442. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso.

- Forma para fins de validade: também denominada de AD SOLEMNITATEM, estabelece que quando
lei exigir determinada forma deve-se respeitar a solenidade.

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Independentemente do valor, não se exige escritura pública para celebrar contratos de promessa de
compra e venda ou que tenham por objeto aquisição de imóvel sujeito ao Sistema Financeiro de Habitação
(artigo 61, Lei n° 4.380/64).
Por conseguinte, o contrato de promessa de compra e venda é um contrato preliminar, as quais as
partes se comprometem a celebrar um contrato definitivo. Por exemplo, uma construtora com projeto de
imóvel ainda na planta, faz-se uma promessa de compra e venda com o interessado. Em outras palavras, a
construtora promete vender e o interessado se compromete a comprar.

147
Contrato preliminar é contrato com características e requisitos do contrato definitivo – qualificação
do comprador, vendedor; fixação do preço; objeto, etc. – exceto com o que diz respeito à forma. De modo
que o contrato de promessa de compra e venda pode ser feito mediante escrito particular.

2.5. Sistema de invalidades

Conforme já estudado, o negócio jurídico pode ser existente ou inexistente, válido ou inválido. Ao
falarmos em invalidade do negócio jurídico, estamos nos referindo à nulidade ou anulabilidade.
Notadamente, importante mencionar que negócio jurídico inexistente é distinto de nulidade.
Vejamos:

1) Negócio jurídico inexistente: É o que lhe falta algum elemento estrutural, como o consentimento.
É um nada no mundo jurídico, não reclamando ação própria para lhe retirar do mundo jurídico.

2) Nulidade: É a sanção imposta pela lei aos atos e negócios jurídicos realizados sem observância dos
requisitos essenciais, impedindo-os de produzir os efeitos que lhes são próprios. Ofendem preceitos
de ordem pública que interessam à sociedade – o interesse público é lesado.

2.5.1. Espécies de nulidade

a) Absoluta: é a verdadeira nulidade – vícios que ofendem interesse público, e que não podem ser
sanados; artigos 166 e 167 do CC;
b) Relativa: é a denominada anulabilidade – vícios que ofendem interesse particular, mas que podem
ser sanados; artigos 138 ao 165 do CC;
c) Total: atinge todo o negócio jurídico;
d) Parcial: afeta apenas parte do negócio jurídico; artigo 184 do CC: “a nulidade parcial do negócio
jurídico não prejudicará na parte válida, se esta for separável”.
O princípio da conservação do ato ou do negócio jurídico encontra-se estampado no artigo 184, do
CC.

Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o
prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das
obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.

148
Por exemplo, o contrato de locação é o pacto principal, a fiança, por sua vez, é pacto acessório. Caso
a locação seja inválida, o vício atingirá a fiança – acessório segue o principal. Sobretudo, se somente a fiança
for inválida, em nada interferirá no contrato de locação.

2.5.2. Negócio jurídico nulo X Negócio jurídico anulável

NULO ANULÁVEL

Ofende INTERESSE PÚBLICO. Ofende INTERESSE PRIVADO. Encontra-se


Encontram-se previstos nos artigos 166 e 167, previsto no art. 171, do CC. ROL NÃO TAXATIVO.
do CC – ROL NÃO TAXATIVO.
Não se convalida com o tempo e não Pode ser convalidado e pode ser suprido pela
pode ser suprido pela vontade das partes. vontade das partes.
Artigo 168 e 169 do CC. Artigo 172 e 173 do CC.

Pode ser conhecido de ofício pelo Não pode ser conhecido de ofício pelo
magistrado. magistrado.

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE AÇÃO ANULATÓRIA


(nulidade como questão principal)
• Proposta pelo Ministério Público ou • Proposta pelo interessado;
qualquer interessado; • Tem prazo para ser ajuizada;
• É imprescritível; • Sentença Desconstitutiva (ou constitutiva
• Sentença Declaratória, efeitos ex tunc – negativa). Juiz desfaz o negócio jurídico,
retroativos. produzindo efeitos ex nunc – não retroativos.

OBS.: É possível discutir a nulidade


como questão incidental, por exemplo,
reconhecimento sobre a ilicitude do objeto (art.
166, do CC).

Casos de nulidade:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; REQUISITO DE VALIDADE

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; REQUISITO DE VALIDADE

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei; REQUISITO DE VALIDADE

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; REQUISITO DE
VALIDADE

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

149
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se
conferem, ou transmitem;

➔ Interposição da pessoa (testa de ferro).

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

➔ Ocultação da verdade.

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

➔ Falsidade de data.

§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico


simulado.

OBS.: A simulação pode ser provada por indícios e presunções.

2.5.3. Simulação

Tem-se como simulação, um vício social. No CC/16 era causa de anulabilidade; no CC/2.002 passa a
ser tratada como causa de nulidade absoluta do negócio jurídico.
Na simulação celebra-se um negócio jurídico aparentemente normal, mas que, em verdade, não
pretende atingir o efeito que juridicamente deveria produzir. Por essa razão, a simulação será sempre
bilateral, na qual, “A” e “B”, por exemplo, em conluio para enganar “C” ou fraudar a lei.
Há duas espécies de simulação, a absoluta e a relativa:

a) Simulação absoluta: as partes não realizam qualquer ato, apenas fingem, criam uma aparência;

b) Simulação relativa: as partes pretendem realizar negócio jurídico prejudicial a terceiro ou para
fraudar a lei, mas realizam um diverso “simulado” para ocultar o “dissimulado”, oculto, mas
verdadeiramente desejado.

Estatui o art. 167, do CC.

150
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma.

O negócio jurídico simulado é aquele negócio que não é pretendido pela parte, mas utiliza-se deste
negócio, para acobertar o que verdadeiramente se deseja. Por exemplo, Maria deseja doar um veículo para
irmã Joana, mas para que o esposo de Maria não fique sabendo, ambas fingem realizar uma compra e venda.
Veja que, neste caso, o negócio jurídico simulado é a compra e venda e o dissimulado, é a doação.
O negócio simulado, segundo a letra da lei, sempre será nulo. O dissimulado poderá ser válido, em
caso de não impedimento. Na situação hipotética acima apresentada, a doação será válida.

OBS.: Simulação inocente: era prevista no código civil de 1916 e tratava-se de uma simulação desprovida de
intenção, de prejudicar terceiros ou violar a lei.

2.6. Defeitos do negócio jurídico

Os defeitos/vícios do negócio jurídico são passíveis de anulabilidade e estão previstos no artigo 171,
do CC.
Têm-se como vícios do negócio jurídico, quando a ofensa atinge interesse particular de pessoas que
o legislador pretendeu proteger sem estar em jogo interesses sociais, facultam-se a estas, se desejarem,
promover a anulação do ato.
O negócio jurídico será considerado válido se o interessado se conformar com os seus efeitos e não
o atacar no prazo legal ou os confirmar. Assim, são atos prescritíveis e que admitem confirmação.
Dispõe o art. 171, do CC.

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente (artigo 4º do CC);
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

OBS.: Leitura obrigatória dos artigos 138 a 165 do Código Civil.

Os defeitos do negócio jurídico dividem-se em vícios do consentimento e vícios sociais.


Erro, dolo, coação, lesão, e estado de perigo ➔ São vícios de consentimento
Fraude contra credores ➔ Vício social

151
OBS.: Simulação é vício social, mas passível de nulidade.

Eventual necessidade de interposição de ação anulatória, deve-se observar o prazo decadencial de


4 anos contados do dia em que se realizou o negócio jurídico. Mas no caso relativamente incapaz e de coação,
o prazo inicia na data que cessar a incapacidade ou a coação.
Ademais, quando houver outras causas de anulabilidade – que não as previstas no art. 171, do CC -,
sendo a lei omissa quanto ao prazo para interposição da ação, o prazo decadencial será de 2 anos, a contar
da data da conclusão do ato. Tem-se como exemplo, compra e venda de ascendente para descendente. Será
anulável o negócio jurídico, se não houver o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do
ascendente – art. 496, do CC.

2.6.1. Pontos mais cobrados em provas

ERRO – Art. 138 Substancial ou Essencial / Acidental.


Falso motivo (140) / Transmissão
errônea de vontade (141).
DOLO – Art. 145 Dolo principal / Dolo acidental / Dolo de
terceiro (148) / Dolo do representante (149).
COAÇÃO – Art. 151 Absoluta – física – vis absoluta / Relativa
– Moral – vis compulsiva / Principal / Acidental /
Apreciação não é em abstrato (152) / Temor
reverencial (153) / Coação de terceiro (154 e
155).
ESTADO DE PERIGO – Art. 156 Extrema necessidade / conhecimento da
parte contrária / obrigação desproporcional e
excessiva.
LESÃO – Art. 157 Premente necessidade, ou por
inexperiência obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta.
FRAUDE CONTRA CREDORES – Art. 158 Alienação fraudulenta / Ação própria
Requisitos.

1- Erro ou Ignorância (art. 138)

A legislação brasileira não diferencia o erro da ignorância, embora a doutrina costuma dizer que o
erro é uma falsa representação positiva da realidade, ao passo que a ignorância traduz um estado negativo
de desconhecimento.

152
O erro consiste numa falsa representação da realidade, o agente engana-se sozinho, pois se for
induzido a erro, caracteriza-se dolo.
Segundo a doutrina clássica – Clóvis Beviláqua - para que haja invalidação do negócio jurídico, é
necessário que o erro seja: ESSENCIAL ou SUBSTANCIAL.
Nessa perspectiva, erro essencial/substancial é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes
do negócio jurídico. É causa determinante, ou seja, se fosse conhecida na realidade o negócio jurídico não
seria celebrado.
Outra espécie de erro é o acidental o qual não invalida o negócio jurídico, mas opõe ao substancial,
porque se refere a circunstâncias de menos importância e que não acarretam efetivo prejuízo, ou seja,
qualidades secundárias do objeto ou da pessoa. Se conhecida a realidade, mesmo assim o negócio seria
celebrado. Um exemplo é o artigo 142 e 143 do CC.
Para distinguirmos erro essencial de erro acidental, passamos a descrever o seguinte caso hipotético:
“A” realiza-se a compra de um faqueiro e se dispôs a pagar a quantia de 1 mil reais, acreditando que tal
objeto era de prata. O vendedor por sua vez, aceita o referido valor sem hesitar. Passado algum tempo, “A”
descobre que o faqueiro não era de prata.
Para saber se o erro é essencial ou acidental, deve-se fazer a seguinte pergunta: “Você compraria
esse faqueiro sabendo que não era de prata?” Se a resposta for NÃO, o erro é essencial, somente houve a
celebração do negócio jurídico porque “A” encontrava-se em erro. Por outro lado, se a resposta for SIM,
trata-se de erro acidental e não haverá invalidade do negócio.
Dessa forma, prevê o art. 138, do CC.

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro
substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias
do negócio.

O Código Civil exigiu apenas a cognoscibilidade e não a escusabilidade como requisito do erro, já que,
tendo adotado a teoria da confiança, calcada na boa-fé objetiva e na eticidade, o negócio deve ser mantido,
se gerou justa expectativa no declaratório – Enunciado 12 da Jornada de Direito Civil.
Pergunta-se: Para configuração do erro a outra parte deve ter conhecimento? Alguns autores
defendem a cognoscibilidade (José Fernando Simão); outros entendem não ser necessário por confundir
com dolo (Pablo Stolze).

Art. 139. O erro é substancial quando:


I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a
ele essenciais;

153
➔ Trata-se de erro sobre a natureza do negócio (error in negotio): a parte acredita celebrar um negócio,
mas na verdade celebra outro. É erro sobre a categoria jurídica. Exemplo: se empresta uma coisa e o
outro acha que foi doação.

II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de


vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

➔ Erro sobre alguma qualidade da pessoa a quem se refere à declaração de vontade (error in persona):
concerne aos negócios jurídicos intuitu personae e pode ser tanto às qualidades quanto à identidade
da pessoa.

III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do
negócio jurídico.

➔ Erro sobre objeto principal da declaração (error in corpore): a vontade recai sobre objeto diverso
daquele que o agente tinha em mente. Exemplo: compro um quadro de um aprendiz acreditando ser
quadro de um pintor famoso.

É possível ainda, o erro de direito (novidade no CC/2002). Clóvis Beviláqua não era adepto da teoria
do erro de direito. Após, Eduardo Espínola, Carvalho Santos e Caio Mário passaram a sustentar este tipo de
erro desde que não caracterizasse recusa maliciosa à aplicação da lei.
Lembre-se: A ninguém é dado ignorar a lei – erro interpretativo sobre ilicitude de fato cometido
por pessoa de boa fé.
O erro real também denominado de erro efetivo é aquele causador de prejuízo concreto para o
interessado. Não basta ser o erro substancial e cognoscível, deve ser ainda, real. Deve ter acarretado efetivo
prejuízo.

OBS.: O erro impróprio/erro obstáculo/erro obstativo não é adotado no Brasil - derivado do pensamento de
Savigny. É o incidente apenas na vontade declarada do agente, como no caso em que o sujeito diz “venda”,
querendo dizer “locação”.

- Falso Motivo (Art. 140, do CC)

Também chamado de erro de motivos. Os motivos do negócio jurídico não interessam para formação
deste, via de regra. Se a pessoa vende uma casa, o motivo pelo qual ela vende essa casa não interessa para
o direito.

154
Entretanto, se o motivo constituir expressamente como razão essencial do negócio, quando for falso,
viciará o negócio celebrado (art. 140, do CC). Por exemplo, a pessoa faz uma doação ao sujeito porque este
supostamente lhe salvou a vida e posteriormente descobre que não é verdade.

- Transmissão de Vontade Errônea – Mensagem Truncada

Acerca do assunto, dispõe o art. 141, do CC.

Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em
que o é a declaração direta.

Se o declarante não se encontra na presença do declaratório valendo-se de interposta pessoa


(mensageiro, núncio) ou de um meio de comunicação (fax, telégrafo, e-mail) e a transmissão da vontade,
nesses casos, não se faz com fidelidade, estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi
transmitido erroneamente (mensagem truncada), caracteriza-se o vício que torna anulável o negócio
jurídico.

- Princípio da conservação do negócio jurídico

Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a
manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la em conformidade da vontade real do
manifestante.

Tal oferta afasta o prejuízo do que se enganou, deixando o erro de ser real e, portanto, anulável. O
objetivo deste dispositivo é dar efetividade à consecução do negócio jurídico celebrado com aplicação do
princípio da conservação do negócio jurídico.

- Erro objetivo X erro subjetivo

Vício redibitório Erro quanto às qualidades essenciais do


objeto

- É um erro objetivo sobre a coisa, que - É um erro subjetivo, pois reside na


contém um defeito oculto. manifestação de vontade. Passa-se na mente da
- São cabíveis ações edilícias, pessoa.
redibitórias e quanti minoris ou estimatória, - Dá ensejo ao ajuizamento de ação anulatória
do negócio jurídico.

155
respectivamente, para rescindir o contrato ou - É de 4 anos o prazo decadencial.
pedir abatimento no preço.
- É decadencial o prazo para sua
propositura, sendo de 30 dias se bem móvel e de
1 ano se bem imóvel.

2- Dolo (art. 145, do CC)

No erro a pessoa engana-se sozinha; no dolo o sujeito é colocado em erro intencionalmente pela
outra parte e, por isso, pode haver indenizações de prejuízos que porventura tiver causado com
comportamento astucioso.
Portanto, tem-se como dolo o artifício ou expediente astucioso empregado para conduzir alguém à
prática de um ato que o prejudique e aproveite ao autor do dolo ou a terceiro (Clóvis Beviláqua); são
sugestões ou manobras maliciosas levadas a efeito por uma das partes a fim de conseguir da outra uma
emissão de vontade que lhe traga proveito ou a terceiro.
- Espécies de dolo:
a) Dolo principal: está previsto no artigo 145 do CC; o dolo principal é a causa determinante da
declaração de vontade, vicia o negócio jurídico. O negócio se realizou somente por que houve o dolo de umas
das partes.
b) Dolo acidental: está previsto no artigo 146 do CC, segunda parte; o negócio teria sido realizado,
mas de outra forma. O exemplo é contrato de permuta em que uma das partes induz em erro a questão dos
valores. Pelo fato de que o negócio seria realizado de qualquer forma, é que este dolo não anula o negócio
jurídico, mas apenas obriga em perdas e danos.
c) Dolus bonus: é o dolo tolerável, destituído de gravidade suficiente para viciar a manifestação da
vontade; é muito comum no comércio.
OBS.: O CDC não tolera propaganda enganosa com base no dolus bonus.
d) Dolus malus: é o revestido de gravidade, exercido com o propósito de ludibriar e de prejudicar.
Podem consistir em atos, palavras e até mesmo no silêncio maldoso. Este vicia o consentimento.
e) Dolo positivo ou comissivo: são ações maliciosas.
f) Dolo negativo ou omissivo: são omissões dolosas, também chamada de reticência. Tem previsão
no artigo 147, do CC.
g) Dolo de terceiro: somente anula o negócio jurídico se o beneficiário tinha conhecimento. Clóvis
Beviláqua ensina que este dolo, se de conhecimento do beneficiário anula o negócio jurídico, pois o
beneficiário passa a ser cúmplice e responde por sua má-fé. Assim, se a parte a quem aproveite não soube

156
do dolo de terceiro não se anula o negócio, mas o lesado poderá reclamar perdas e danos. Previsto no art.
148, do CC.
h) Dolo do representante: quando a parte se vê por representante, este não pode ser considerado
terceiro e caso haja com dolo, será como se fosse o dolo da própria parte. A questão está tratada no
artigo 149 do CC, e faz uma diferenciação entre representante legal e representante convencional.
Na representação legal, o representado responde civilmente até importância do proveito que teve.
E em se tratando de representante convencional, acarretará a responsabilidade solidária do representado.
Terá o representado direito a ação regressiva contra o representante.
i) Dolo unilateral: é o dolo de uma das partes.
j) Dolo bilateral: é o dolo praticado por ambas as partes. Está regulado no artigo 150 do CC que diz:
“se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar
indenização”.
K) Dolo de aproveitamento: consiste em outro vício que é a lesão.

3- Coação (art. 151, do CC)

É toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra sua vontade, a
praticar um ato ou realizar um negócio. O que caracteriza é o emprego da violência psicológica para viciar a
vontade. Não é a coação em si um vício, mas o temor que ela inspira, tornando defeituosa a manifestação de
vontade de querer do agente.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a coação é o vício mais grave e profundo que pode afetar o
negócio jurídico.
A coação não é apreciada em juízo abstrato (homem médio), mas em uma análise concreta da
condição da vítima.
- Espécies de coação:

• Coação absoluta ou física: é chamada de vis absoluta; a vantagem decorre de violência física.
Trata-se na hipótese de negócio jurídico inexistente, por ausência de manifestação de vontade.
• Coação relativa ou moral: é chamada de vis compulsiva; é esta que torna o negócio anulável.
Neste caso, deixa-se opção de escolha à vítima: praticar o ato ou correr o risco. Trata-se de uma coação
psicológica.
• Coação principal: é a causa determinante do negócio jurídico.

157
• Coação acidental: influi apenas nas condições da avença, ou seja, sem ela o negócio assim
mesmo se realizaria.

- Requisitos da coação:

Dispõe o artigo 151, do CC.

Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado
temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base
nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

Assim, nem toda ameaça configura a coação como vício, a não ser que tenha os seguintes requisitos:
causa determinante + grave + injusta + dizer respeito a dano atual ou iminente + constituir ameaça de
prejuízo à pessoa ou a bens da vítima ou pessoa de sua família (Acepção ampla: vários conceitos de família;
não há distinção de parentesco).

• Causa determinante: coação principal (coação deve ser relativa ou moral).


• Grave: deve causar um fundado temor, neste caso não se analisa o homem médio, mas o caso
concreto. Por isso, o artigo 152 diz que ao apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a
condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir
na gravidade dela. O novo CC não considera o temor reverencial, é preciso ameaças ou violências –
Art. 153, do CC.
• Deve ser injusta: ou seja, ilícita, contrária ao direito ou abusiva – Art. 153, do CC. Silvio Rodrigues
ensina ainda, que a ameaça não se justifica por ter a vítima agido com culpa em determinado
momento, assim é que o marido não pode ameaçar a mulher a renunciar partilha em caso de traição,
nem o credor de promover ameaças em virtude de inadimplemento do devedor.
• Deve dizer respeito a dano atual ou iminente: Clóvis ensina que deve ser atual e inevitável, pois a
ameaça de um mal impossível, remoto ou evitável, não constitui coação capaz de viciar o ato.
Questões de tempo entre a ameaça e a prática do ato serão observadas pelo juiz no caso de
invalidação.
• Dano à pessoa: torturas, sofrimentos físicos, cárceres privados, etc.
• Dano ao patrimônio: incêndio, depredação grave, etc.

158
➔ Coação exercida por terceiro
Dispõe os artigos 154 e 155 do CC.

Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter
conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e
danos.

Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que
aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as
perdas e danos que houver causado ao coacto.

Prevalece deste modo o princípio da boa fé, a tutela da confiança da parte que recebe a declaração
de vontade.
Importante atentar-se para o caso de que nos atos unilaterais como testamentos e promessa de
recompensa, a coação de terceiro continuará ensejando sempre anulação, uma vez que ali não existem
“partes”, mas sim, agentes e terceiros quem se dirigem a declaração de vontade.

4- Estado de Perigo (art. 156, do CC)

É novidade no novo Código Civil que não constava no CC/16.


IDEIA BÁSICA: Reconhecimento de um estado de necessidade invalidante do negócio jurídico.
O Estado de perigo é a situação de extrema necessidade (conhecido pela parte contrária) que
conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que assume obrigação desproporcional e excessivamente
onerosa.
Dessa forma, dispõe o art. 156, do CC.

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou
a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação
excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá
segundo as circunstâncias.

Exemplos: O náufrago que doa seu patrimônio para ser salvo; doente que, no agudo da moléstia,
concorda com altos honorários médicos; o pai que realiza maus negócios para pagar resgate do filho;
exigência de caução pelos hospitais – Resp 796.739 e Resp 918.392 / RN 44/2003 da ANS.
O professor Carlos Roberto Gonçalves ensina que a anulabilidade do negócio jurídico celebrado
mediante estado de perigo, encontra justificativa em diversos dispositivos do novo código civil,

159
principalmente, naqueles que consagram os princípios da boa-fé e da probidade e condiciona o exercício
da liberdade de contratar a função social do contrato (artigos 421 e 422 do CC).
Há que se mencionar ainda, os dizeres de Teresa Ancona Lopez: “Evidentemente se o declarante se
aproveitar da situação de perigo para fazer um negócio vantajoso para ele e muito oneroso para outra parte,
não há como agasalhar tal negócio. Há uma frontal ofensa à justiça comutativa que deve estar presente em
todos os contratos”.
O Enunciado 148 JDC estabelece - Art. 156: Ao “estado de perigo” (art. 156) aplica-se, por analogia,
o disposto §2º do art. 157: “Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente,
ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”.

5- Lesão (art. 157, do CC)

O CC de 2002 reintroduz no ordenamento jurídico, de forma expressa, o instituto da lesão como


modalidade de defeito do negócio jurídico caracterizado pelo vício do consentimento, previsto no art. 157,
do CC.

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se
obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi
celebrado o negócio jurídico.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito.

Lesão é, assim, o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as prestações de um


contrato no momento de sua celebração, determinada pela premente necessidade ou inexperiência de uma
das partes; não se contenta a lei com qualquer desproporção, mas sim a manifesta.
O objetivo é reprimir a exploração usurária de um dos contratantes com o outro, que não precisa ser
de conhecimento da parte contrária, ao contrário do estado de perigo, que exige o conhecimento da parte
contrária.
O CC de 2.002 adotou a lesão especial ou lesão enorme, na qual apenas se verifica a vantagem
exagerada ou desproporcional, não se indagando a má-fé ou ilicitude do comportamento da parte contrária
(dolo de aproveitamento). O nosso código, neste caso, não está preocupado em punir o sujeito, mas em
proteger o lesado.
Em suma: Ocorre lesão quando por premente necessidade ou por inexperiência, obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

160
Importante: No estado de perigo, a necessidade deve ser específica para o salvamento (objeto da
transação), se não o for, será lesão.

6- Fraude contra credores (art. 158 a 165 do CC)

A fraude contra credores trata-se de um vício social do negócio jurídico passível de anulabilidade.
Mas há uma celeuma em relação a este instituto, o qual será abordado posteriormente.
Os defeitos do negócio jurídico como: erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo, podem ser
discutidos como questões principais no processo – através de uma ação anulatória -, ou até mesmo de forma
incidental. Por via incidental, hipoteticamente, poderia ocorrer na hipótese de alguém ajuizar ação de
adimplemento contratual (questão principal), mas a parte contrária em sua defesa alega algum vício social
quando da celebração do contrato (questão incidental).
Por outro lado, quando falamos em fraude contra credores, tem-se o manejo de uma ação própria,
denominada de Ação Pauliana/Ação Revocatória, que tem o mesmo sentido de uma ação anulatória. Mas
neste caso não é possível suscitar a fraude contra credores por via incidental.
Notadamente, a referida ação pauliana de origem romana, foi idealizada pelo jurisconsulto chamado
Paulo, tendo como razão de ser a nomenclatura “ação pauliana”.
Esse instituto jurídico encontra-se previsto nos artigos 158 ao 165 do CC, e trata-se de um ato de
disposição patrimonial pelo devedor com objetivo de prejudicar o credor.
Nesse contexto, temos na doutrina alemã um binômio que rege as relações obrigacionais,
denominados de schuld – débito e haftung – responsabilidade patrimonial. Significa, portanto, que quando
o sujeito contrai uma obrigação na condição de devedor, a partir do fenômeno “vínculo obrigacional” origina
o binômio schuld e haftung.
Schuld, portanto, é uma relação estática do direito civil, quem detém o débito, é o devedor. O
haftung, por sua vez, constitui uma relação dinâmica do direito processual civil e, portanto, trata-se da
responsabilidade patrimonial. No campo do processo civil, este se revela através do princípio da
patrimonialidade, pois, em caso de não cumprimento da obrigação pelo devedor, este responderá com seu
patrimônio (artigos 789 e 790 do CPC).
Consoante às lições do professor Alexandre Freitas Câmara, este assevera que o schuld existe por
conta da obrigação, mas o haftung seria mera sujeitabilidade do patrimônio. Em razão dessa situação, se é
pactuado entre as partes, que uma delas é devedora na quantia de 100 mil reais, não necessariamente o
patrimônio será responsabilizado, pois haverá a oportunidade do cumprimento espontâneo da obrigação.
Dessa forma, ao contrair a obrigação tem-se o schuld e o haftung, o que faz com que a parte tenha
uma possibilidade de afetação do patrimônio. É por essa razão, que o credor se resguarda na existência de

161
patrimônio do devedor, pois, na pior das hipóteses, se o devedor não adimplir com a obrigação, seus bens
serão utilizados para o cumprimento.
Conforme explanado, o haftung constitui uma relação processual civil e o princípio da
patrimonialidade que rege a execução, está previsto nos artigos 789 e 790 do CPC.
O art. 789 trata da responsabilidade patrimonial primária, que se revela naquela em que o próprio
devedor vai responder pela obrigação.

Artigo 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de
suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Temos ainda, a responsabilidade patrimonial secundária, que diz respeito àquela responsabilidade
que recai sobre pessoa diversa do devedor. Tal modalidade de responsabilidade encontra-se disciplinada no
art. 790.

Artigo 790. São sujeitos à execução os bens:


I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação
reipersecutória;
II - do sócio, nos termos da lei;
III - do devedor, ainda que em poder de terceiros;
IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem
pela dívida;
V - alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução;
VI - cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em
ação autônoma, de fraude contra credores;
VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

Observa-se, portanto, que o débito é sempre do devedor, mas o haftung, a depender da situação,
incumbirá a terceiros a responsabilização pelas dívidas de outrem.
OBS.: O rol previsto no artigo 790 não é taxativo. Por exemplo, podem-se incluir os sócios em relação
às dívidas de uma empresa; o fiador, etc.
A relação existente entre schuld/haftung e fraude contra credores, diz respeito à hipótese de um
devedor que possui o débito e a responsabilidade, mas que prática atos de dilação patrimonial, com a nítida
intenção, de que no futuro, não tenha bens para pagamento da dívida. Em virtude disso, resta ao credor, o
manejo de alguns institutos como: fraude contra credores e fraude à execução, as quais geram consequências
distintas no campo do direito material e no campo do direito processual.

6.1 Requisitos para demonstração da fraude contra credores

Faz-se necessário a demonstração de dois requisitos que são cumulativos:

162
• Objetivo: diminuição ou esvaziamento do patrimônio do devedor, até a sua insolvência. É
também denominado de eventus damni.
• Subjetivo: intenção maliciosa do devedor de causar o dano. Também chamado de consilium
fraudis.

Por exemplo, “A” é credor de “B” na quantia de 50 mil reais (relação obrigacional). “B” com intenção
de não pagamento da obrigação, transfere seus bens para “C”, visando fraudar “A”. Na sequência, “A” ajuíza
uma ação pauliana em face de “B” e “C”, para anular a transferência de bens (tem-se litisconsórcio passivo
necessário). Nessa oportunidade, incumbirá a “A” fazer prova da insolvência do devedor - eventus damni - e
do conluio fraudulento entre “B” e “C” - consilium fraudis.
Denota-se, portanto, que o credor deverá fazer prova de que o terceiro adquirente sabia que o
devedor estava transferindo o patrimônio para se desobrigar do cumprimento da obrigação.
O consilium fraudis é presumido quando a alienação for gratuita, como exemplo, a doação.

6.2. Consequência da ação pauliana: Anulação ou Ineficácia?

O Código Civil assegura que no caso de fraude contra credores a situação é de anulabilidade, sendo
assim, se a ação pauliana for julgada procedente, evidentemente, pela demonstração dos requisitos objetivos
e subjetivos, haverá a ANULAÇÃO da transferência – 2º degrau da escada ponteana.
Com a anulação, tem-se o retorno ao status quo ante, ou seja, o patrimônio que foi transferido de
forma fraudulenta retorna para o devedor. Dessa forma, os demais credores do devedor se beneficiariam
com essa ação.
No caso de eventual ameaça de transferência do patrimônio pelo devedor, o credor deverá postular
medida cautelar de arresto, inclusive, se houver urgência, postula-se medida cautelar em caráter
antecedente. Por conseguinte, a fraude contra credores somente será cabível quando de fato, a alienação
ocorrer.
Todavia, o Código de Processo Civil traz como efeito da ação pauliana, a INEFICÁCIA – 3º degrau da
escada ponteana.
Portanto, provado pelo credor o eventus damni e o consilium fraudis, a alienação será ineficaz em
relação ao credor, considerando-se como se nunca tivesse produzido efeitos.
Consequentemente, no momento em que o juiz determinar o pagamento da obrigação, havendo
inexistência dos bens para saldar a dívida, o bem será reivindicado perante o terceiro adquirente.

163
Logo, penhorado o bem, pagando a dívida e restando alguma quantia em dinheiro, o montante
restante retornará para o terceiro adquirente.
Por essa razão, eventuais credores do devedor não se beneficiarão da ação pauliana.
Com relação ao terceiro adquirente de boa-fé, este será protegido pelo ordenamento jurídico. É por
essa razão que se deve fazer prova do conluio fraudulento, pois, caso contrário, presume-se a boa-fé do
terceiro.

FRAUDE DE EXECUÇÃO. Terceiro adquirente de boa-fé.


- Não é ineficaz a alienação feita a terceiro, que de boa-fé adquire o bem de um sucessor do devedor,
embora contra este corresse ação de cobrança capaz de reduzi-lo à insolvência, se dela o comprador
não tinha conhecimento.
- Art. 593, II do CPC/73. Recurso conhecido e provido (Resp 18.581-3 – STJ).

6.3. Presunção de consilium fraudis

São hipóteses de fraude contra credores:

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já
insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores
quirografários, como lesivos dos seus direitos.
➔ Remissão = perdão.

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência
for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.

Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não
vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de
credores, aquilo que recebeu.
➔ Constitui antecipação de pagamentos.

Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor
insolvente tiver dado a algum credor.
➔ Outorga de direitos preferenciais a um credor. Ex.: hipoteca (bens imóveis) ou penhor (bens
móveis).

No que tange ao divórcio consensual, tem-se uma grande discussão da possibilidade de fraude
contra credores nessas circunstâncias. Isso porque, se decorrente da partilha de bens, o cônjuge que é

164
devedor permanece em estado de insolvência comprometendo o cumprimento da obrigação, resta
caracterizado o consilium fraudis e o eventus damni.

6.4. Fraude contra credores X Fraude à execução

Como vimos, fraude contra credores trata-se de um vício social do negócio jurídico presente quando
o devedor insolvente ou que beira a insolvência realiza negócios onerosos ou gratuitos com objetivo de
prejudicar credores.
Exemplo: Maria emprestou a quantia de 100 mil reais para Antônio. Com a intenção de não cumprir
com a obrigação pactuada, Antônio transfere seu patrimônio para Carlos (terceiro adquirente).
Fraude contra credores: O contrato de mútuo foi celebrado em 20/06/2017, com pagamento para o
dia 20/07/2017, o pagamento não foi realizado, estando Antônio em mora ex re a partir do dia 21/07/2017.
Todas as tentativas de cobrança realizadas por Maria restaram infrutíferas. Não restando alternativa, a
credora ajuíza ação de cobrança em 20/10/2017. O devedor foi citado em 20/11/2017 e o processo seguiu
seu trâmite normalmente, até a prolação da sentença em 20/02/2018, a qual condenou Antônio ao
pagamento da obrigação. Na sequência, deu-se início ao cumprimento de sentença e a penhora foi realizada
em 20/04/2018.
Diante da situação hipotética, temos que schuld e o haftung surgiram com o contrato celebrado em
20/06/2017 (devedor já tem o débito independentemente do vencimento e mera possiblidade de seu
patrimônio responder pela obrigação).
Consoante o disposto no artigo 789 do CPC, “O devedor responde com todos os seus bens presentes
e futuros para o cumprimento de suas obrigações”. Acerca do que seria “bens presentes” é controverso na
doutrina. Há quem defenda que seriam os bens existentes na data do contrato, outros dizem que é na data
do inadimplemento e, por fim, outra parcela sustenta que é na data da cobrança.
Em suma, devem ser considerados:

✓ Bens presentes: aqueles que existiam no momento da ação de cobrança ou ação de execução – em caso
de ação de título executivo extrajudicial.
✓ Bens passados: a obrigação também recairá sobre os bens passados, desde que alienados em fraude
contra credores.
✓ Parâmetro para o reconhecimento de fraude contra credores: a alienação ocorrida no momento da
celebração do contrato (20/06/2017) até a ação de cobrança (20/10/2017).

165
Diante disso, Maria pode ajuizar ação em face de Antônio e de Carlos em litisconsórcio passivo
necessário. Pois, tendo em vista que a alienação realizada entre Antônio e Carlos é tida como ineficaz em
relação à Maria, o bem que está com Carlos será penhorado.
Fraude à execução: Logo, se Antônio alienar seus bens no curso de uma ação de conhecimento ou
ação de execução, ou no cumprimento de sentença, caracteriza-se fraude à execução.
Na hipótese de efetivação da penhora e ocorrência de alienação o bem, há alienação de bem
constrito e, portanto, constitui ato atentatório à dignidade da justiça, podendo reaver o bem onde quer que
ele esteja. Antes, todavia, ocorria à prisão do depositário infiel, hoje não é permitido.
Enfim, enquanto a fraude contra credores decorre do direito civil, e para seu reconhecimento deve-
se ajuizar ação paulina; a fraude à execução decorre do direito processual civil, e deve ser ajuizada por meio
de petição simples, a qual tem por objetivo informar o juiz da alienação do bem e requerer que a repute
ineficaz.
Veja que, primordialmente, a comprovação da fraude à execução depende tão somente do requisito
objetivo, ou seja, eventus damni. No entanto, conforme entendimento do STJ, para caracterizar a fraude à
execução é necessário:

✓ Devedor deve ter ciência da demanda: entende-se por ciência da ação, no momento da
citação.
✓ Comprovação do consilium fraudis. Terceiro de boa-fé será protegido, vez que, a boa-fé se
presume, e a má-fé deve ser comprovada.

Porquanto, para que ocorra a fraude à execução deve ser demonstrado: o eventus damni, ciência do
devedor acerca da demanda e o consilium fraudis.
OBS.: Tendo em vista que somente pode ser configurada fraude à execução após a citação, o
período entre o ajuizamento da ação e a citação do devedor, se houver alienação dos bens, caracteriza-se
fraude contra credores. Todavia, para dar ciência ao devedor de que existe em face do mesmo uma ação
em andamento, deve-se requerer certidão de ajuizamento da ação com averbação no registro de bens do
devedor - artigo 828, do CPC.

Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com
identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de
veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

166
Veja que essa certidão não impede a transferência do bem, mas faz com que o devedor e o terceiro
adquirente tenham ciência da demanda. Caso ocorra à transferência, também se fará prova do consilium
fraudis.
Desse modo, são modalidades de alienações fraudulentas: fraude contra credores, fraude à execução
e alienação de bem constrito.

Fraude contra credores Fraude à execução

-Diminuição do patrimônio do devedor -Diminuição do patrimônio do devedor para


para reduzir-se à insolvência. reduzir-se à insolvência, com alienação de bens no
-Configuração: eventus damni (objetivo) curso do processo.
+ consilium fraudis (subjetivo). -Configuração: eventus damni (objetivo) –
• Ato gratuito: presunção de fraude. Simples alienação do bem, nas hipóteses do artigo 792
• Ato oneroso: conhecimento de ambos do CPC.
da potencialidade em tornar-se
insolvente. Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é
Celeuma: ato é válido e ineficaz em considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada
relação ao credor (Resp 971.884). em direito real ou com pretensão reipersecutória,
Prova: Quanto à celeuma do efeito da desde que a pendência do processo tenha sido
averbada no respectivo registro público, se houver;
alienação na fraude contra credores: Se na prova
II - quando tiver sido averbada, no registro do
à questão for de direito civil, a resposta correta bem, a pendência do processo de execução, na forma
do art. 828;
será anulabilidade. Mas se referindo à matéria
III - quando tiver sido averbado, no registro do
de processo civil, o correto será a ineficácia da bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição
judicial originário do processo onde foi arguida a
alienação. fraude;
-Ação Autônoma: Ação Pauliana ou Ação IV - quando, ao tempo da alienação ou da
oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de
Revocátoria (ação prevista no CC – vício social do
reduzi-lo à insolvência;
negócio jurídico – súmula 195 do STJ). V - nos demais casos expressos em lei.
§ 1º A alienação em fraude à execução é
-Sentença: a ineficácia do ato é
ineficaz em relação ao exequente.
constitutiva, com efeitos ex nunc (ato deixa de
-Incidente processual – ato atentatório à
produzir efeitos com a sentença). dignidade da justiça (crime do artigo 179, do Código
Penal).
Decisão: a ineficácia do ato é declaratória, com
efeitos ex tunc - ineficácia originária.

2.7. Plano de eficácia do negócio jurídico

Elementos acidentais

167
Os elementos acidentais estão relacionados à eficácia do negócio jurídico, são eles: condição, termo
e encargo.
OBS.: Não confundir validade com eficácia do negócio jurídico.
Além dos elementos essenciais e estruturais que constituem requisitos de existência (determinado
pela doutrina) e de validade (determinado pela lei) do negócio jurídico, há os elementos facultativos ou
meramente acidentais não necessários à sua existência e validade.
Observa-se, portanto, que os elementos acidentais tratam-se de AUTOLIMITAÇÕES DA VONTADE, ou
seja, uma vez opostos à manifestação de vontade, tornam-se inseparáveis dela, acarretando modificação em
sua eficácia ou em sua abrangência.
São admitidos nos atos de natureza patrimoniais em geral (com exceção de aceitação e renúncia da
herança). Mas não podem integrar atos de natureza pessoal como o direito de família e direitos
personalíssimos, visto se tratar de atos puros.

São atos puros: negócios que não admitem incerteza; atos jurídicos em sentido estrito; atos
jurídicos de família; atos referentes ao exercício dos direitos de personalidade.

Temos, portanto, rol não taxativo dos elementos acidentais, de modo que as partes podem criar
outros elementos acessórios, desde que não contrariem a ordem pública, os preceitos imperativos da lei, os
bons costumes e os elementos essenciais do negócio jurídico.

1- Condição

É um acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia do negócio jurídico. O nascimento


ou a extinção de um direito depende da ocorrência da condição (art. 121 do CC).
Para o jurista Orlando Gomes, é a disposição acessória que subordina a eficácia, total ou parcial, do
negócio jurídico a evento futuro e incerto.
Segundo Roberto Ruggiero, é a eventualidade futura e incerta de que se faz depender a eficácia ou a
resolução do negócio jurídico.
Estabelece o artigo 121, do CC.

Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes,
subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.

A condição como elemento acidental deve-se derivar exclusivamente pela vontade das partes, pois,
se imposta pela lei, não se trata da condição que estamos estudando (Já foi cobrado em prova).

168
A expressão “exclusivamente da vontade das partes”, mesmo mencionada à palavra “partes”, no
plural, poderá ser imposta unilateralmente. Por exemplo, “te dou um carro se você for aprovado no vestibular
do final do ano”.

1.1. Elementos da condição

• Voluntariedade: As partes devem instituir a cláusula e não a lei, sob pena de se ter conditio iuris.
• Futuridade: O objeto da condição deve ser futuro e não pode versar sobre fatos passados ou
presentes, serão considerados condições impróprias. Por exemplo, “prometo certa quantia se o
bilhete for premiado. E nesse caso o sorteio foi ontem”.
• Incerteza: Não deve estar somente na mente da pessoa, mas sim na realidade, sendo, portanto,
objetiva. A incerteza é para todos e não somente para o declarante.

A condição pode ser ainda, voluntária e legal.

• Condição voluntária “conditio facti”: É estabelecida pelas partes como requisito de eficácia do
negócio jurídico (estamos estudando).
• Condição legal “conditio iuris”: É pressuposto do negócio jurídico e não verdadeira condição, mesmo
quando as partes lhe façam referência expressa. Essa condição não é elemento acidental e,
consequentemente, não está inserida no 3º degrau da escada ponteana.

1.2. Classificação das condições


*Recorrente em provas

a) Quanto à licitude: Podem ser lícitas ou ilícitas.

• LÍCITAS (artigo 122): São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou
aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio
jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

• ILÍCITAS: Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados: II - as condições
ilícitas, ou de fazer coisa ilícita. Por exemplo, “te dou esse carro se você matar João”.

Atenção! A condição ilícita invalida o negócio jurídico de forma integral.

169
Cobrado em prova:
“A condição ilícita é tida por não escrita” → Incorreta.

b) Quanto à fonte: Podem ser causais, potestativas ou mistas.

• CAUSAIS: Decorre de fato alheio à vontade das partes, mesmo que decorra da vontade de terceiro.
Por exemplo, “te dou dinheiro se chover amanhã”.

• POTESTATIVAS: Decorrem da vontade ou do poder de uma das partes:

o Puramente Potestativas: Sujeitam os efeitos do negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das partes.
É a cláusula “si voluero” (se me aprouver). O artigo 122 inclui como condição defesa.
o Simplesmente Potestativas: São admitidas por dependerem não só da manifestação de vontade de
uma das partes como também de algum acontecimento ou circunstância exterior que escapa do
controle da parte.

• MISTAS: Dependem da vontade das partes e de um terceiro ao mesmo tempo. Por exemplo, “te dou
o dinheiro se você se casar com João”.

Obs.: O artigo 122 ainda trata das condições defesas que privam de todo o efeito o negócio jurídico – são
perplexas ou contraditórias. Tem-se como exemplo, “te dou o carro se você se matar”.

c) Quanto à possibilidade: Podem ser possíveis ou impossíveis.

• POSSÍVEIS: Pode ser fisicamente possível (Ex.: “te dou esse carro se você colocar 500 ml de água
dentro do copo”). No que diz respeito a ser juridicamente possível, está relacionada à própria
disposição da lei.

• IMPOSSÍVEIS: Pode ser fisicamente impossível (Ex.: “te dou mil reais se você colocar dentro de um
copo um litro de água”) ou juridicamente impossível, que são as imorais e ilícitas, como: herança de

170
pessoa viva – artigo 426 -; adotar pessoa de mesma idade – artigo 1619 -; cometer crime, se prostituir
etc.

d) Quanto ao modo de atuação: Podem ser suspensiva ou resolutiva.

Dispõe os artigos 123 e 124 do CC.

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:


I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;
II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III - as condições incompreensíveis ou contraditórias.

Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer
coisa impossível.

• Condição suspensiva suspende a aquisição e o exercício do direito. Dessa maneira, não haverá
produção de efeitos até a realização do evento futuro e incerto. Por exemplo, “te dou o carro se você
for aprovado no vestibular do final do ano”. A aprovação é incerta e o vestibular é futuro.

➔ Se houver uma condição impossível suspensiva, tendo em vista que nunca irá acontecer, invalida
todo o negócio jurídico.

• Condição resolutiva, não suspenção da aquisição e nem do exercício. Após a ocorrência do evento
futuro e incerto ocorre a extinção do direito. Por exemplo, “te dou o carro enquanto você for aluno
CP IURIS”.

➔ Na hipótese de condição impossível resolutiva, é tida por não escrita, mas o contrato permanece
válido, íntegro e produz efeitos. Por exemplo, “te dou o carro se você não respirar”.

Dispositivos para leitura:

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:


I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;
II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III - as condições incompreensíveis ou contraditórias

171
Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa
impossível.

Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não
verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela
novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.

Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo
exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe;
mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em
contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da
condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.

1.3. Retroatividade e irretroatividade da condição

Dispõe o art. 128 do CC.

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que
ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo
disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis
com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.

Tem-se como exemplo de negócio de execução continuada ou periódica: “te dou uma mesada mensal
enquanto você for aluno CP IURIS”. No momento em que a pessoa deixa de ser aluno, a condição resolutiva
resolve o negócio jurídico, mas não atinge os atos já praticados.

1.4. Pendência, implemento e frustração da condição

• Pendência: Enquanto não se verifica ou não se frustra o evento futuro e incerto, a condição encontra-
se pendente;

172
• Implemento: Quando ocorre a verificação da condição;
• Frustração: Não realizada a condição, ocorre à frustração.

Observações:
a) Pendente a condição suspensiva, não se terá adquirido o direito a que se visa o negócio jurídico –
artigo 125.
b) Na condição resolutiva o direito é adquirido, mas pode extinguir-se, para todos os efeitos, se
ocorrer o seu implemento, salvo o artigo 128.
c) O artigo 130 permite ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva,
o exercício de atos de conservação, pois embora não seja direito subjetivo em si, é um direito condicional ou
expectativo, também denominado expectativa de direito.
d) Nas disposições testamentárias subordinadas a condições suspensivas, o direito do herdeiro ou
legatário só se adquire com o seu implemento. Se este vier a falecer antes do implemento, o testamento
caduca, não se transmitindo o direito condicional.
e) Se frustrada a condição, ou seja, se o evento não se realizou no período previsto ou é certo que
não poderá ser realizado, considerar-se-á como nunca existido o negócio jurídico. Se for suspensiva o credor
devolve o que recebeu, com acessórios e o devedor restitui o preço recebido com juros, legais ou
convencionais. Se a condição for resolutiva, os efeitos tornam-se definitivos.

2- Termo

É o dia ou momento em que começa ou se extingue a eficácia do negócio jurídico, podendo ter como
unidade de medida a hora, o dia, o mês ou o ano.
O termo convencional é cláusula que subordina a eficácia do negócio a evento FUTURO E CERTO. Por
exemplo, “te dou o carro no natal deste ano”.

Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

O termo não suspende a aquisição do direito por ser evento futuro, mas dotado de certeza, sendo
assim, inexiste estado de pendência, podendo o titular, com maior razão, exercer atos de conservação.
Pode ainda ocorrer conjugação de termo e condição num mesmo negócio jurídico – “te dou um carro
se se formar em direito até 22 anos de idade”.
Cuidado: A morte no contrato de seguro de vida não é condição, é termo.

173
Não admite termo: aceitação ou renúncia à herança; adoção; emancipação; casamento;
reconhecimento de filho.

2.1. Espécies de termo

• Termo convencional: é o aposto pela vontade das partes.


• Termo de direito: decorre da lei.
• Termo de graça: é a dilação de prazo concedida ao devedor.
• Termo certo: tem data específica.
• Termo incerto: não tem data específica para ocorrer, mas é certo que ocorrerá – morte.
• Termo inicial ou suspensivo: também chamado de dies a quo. Tem-se como exemplo, “te dou o carro
no dia 10 do próximo mês”. O termo inicial difere da condição suspensiva, porque este suspende a
aquisição e o exercício do direito, e aquele, suspende o exercício do direito, mas não suspende a
aquisição (artigo 131).
• Termo final ou resolutivo: também denominado de dies ad quem. Por exemplo, “te dou o carro até
o dia 10 do mês que vem”. Termo final não se confunde com condição resolutiva, porque esta
pressupõe incerteza, e aquela, certeza de que irá acontecer.

2.2. Termo inicial e condição suspensiva

Ambos permitem a prática de atos de conservação do direito. Mas são distintos nas seguintes
situações:

Condição suspensiva - Suspende o exercício e a aquisição do direito.


- Subordina a eficácia do negócio a evento
futuro e incerto.

Termo inicial - Suspende o exercício, mas não a aquisição do


direito.

- Subordina a eficácia do negócio a evento


futuro e certo.

2.3. Prazos

174
Não significa termo. Prazo é intervalo de tempo entre dies a quo e dies ad quem, ou entre a
manifestação da vontade e o advento do termo. Está previsto nos artigo 132 a 134.

Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia
do começo, e incluído o do vencimento.
§ 1º Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia
útil.
§ 2º Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3º Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar
exata correspondência.
§ 4º Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.

Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito
do devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se
estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes.

Art. 134. Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exequíveis desde logo, salvo se a execução
tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo.

➔ Exemplo: construção de uma casa não pode ser imediata mesmo que não haja prazo, pois demanda
tempo na execução da obrigação.
3- Modo ou Encargo

É uma determinação que, imposta pelo autor por liberalidade, obriga o beneficiário. É utilizada em
doações ou testamentos. Por exemplo, “te dou minha casa para que você institua uma creche”.
Não pode ser aposta em negócio oneroso, pois equivaleria a uma contraprestação.
Definido pelas expressões: para que/ a fim de que/ com a obrigação de.

Assertiva de prova: “Fulano vendeu a casa para Maria e subordinou à transferência da casa a construção
de uma igreja” → Não se trata de encargo, é uma condição suspensiva.

3.1. Efeitos

Prevê o art. 136 do CC.

Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando
expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.

Por isso é que se o beneficiário morre antes, a liberalidade prevalece, mesmo se instituída causa
mortis.

175
Se o encargo não for cumprido, a liberalidade poderá ser revogada.
O terceiro beneficiário pode exigir o cumprimento do encargo, mas não está legitimado a propor
ação revocatória que é privativa do instituidor, podendo os herdeiros apenas prosseguir na ação por ele
intentada. O instituidor também pode reclamar o cumprimento do encargo e o Ministério Público somente
poderá fazê-lo, depois da morte do instituidor se este não o tiver feito, e se o encargo foi imposto no interesse
geral.
Atenção!

Condição suspensiva Condição resolutiva Encargo

- Suspende a aquisição - Opera-se de pleno - Não suspende a aquisição


e o exercício do direito. direito, resolvendo nem o exercício do direito.
automaticamente o direito a
- É suspensiva, mas não que ela se opõe, a sentença é - É coercitivo, e não
coercitiva, pois ninguém pode simplesmente declaratória. suspensivo.
ser obrigado a cumprir uma
condição. - Não conduz em si a
revogação do ato. O instituidor poderá
ajuizar ou não ação revocatória, cuja
sentença será desconstitutiva, não
tendo efeito retroativo.

Prescrição e decadência

1. Natureza jurídica do tempo e da prescrição e decadência

O tempo se traduz em dois fenômenos importantes, quer seja: prescrição e decadência. Tempo, é a “alma” da
prescrição e da decadência, a qual denota um sentido de perda. Por essa razão, o passar do tempo constitui um efeito
devastador nas relações jurídicas e em alguns direitos.
Quando falamos em natureza jurídica, devemos fazer a seguinte indagação: Esse instituto é espécie de que
gênero?
Para tanto, se faz necessário recordarmos alguns pontos relacionados ao fato jurídico, estudado em aulas
anteriores.
Fato é tudo que acontece na vida. Fatos jurídicos são acontecimentos da vida que possuem repercussão
jurídica. O tempo, portanto, é um fato e o passar do tempo vai acontecer independentemente de vontade humana,
podendo gerar consequências jurídicas.
Nessa vertente, temos que a natureza jurídica do tempo é de fato jurídico em sentido estrito ordinário – carece
de vontade humana e é previsível.
No que tange a prescrição e a decadência, tem-se a presença de um elemento volitivo, ou seja, deve haver
vontade, ainda que inconsciente (não ciência do transcurso do prazo). Isso porque, se há o lapso temporal de 03 anos

176
para ajuizamento de ação de reparação de danos, por exemplo, transcorrido esse prazo sem interposição de ação, houve
vontade humana de não ajuizamento da respectiva demanda.
Logo, não necessariamente a prescrição e a decadência serão fatos jurídicos em sentido estrito ordinário.
Porém, convém destacar que a banca CESPE em 2007/2008, entendeu correta a assertiva a qual mencionava que a
prescrição e decadência tinham a mesma natureza jurídica do tempo.
Em suma: Para alguns doutrinadores, a prescrição e decadência possui a mesma natureza jurídica do tempo,
ou seja, são fatos jurídicos em sentido estrito ordinário. Mas, acerca da melhor interpretação destes institutos, a
prescrição e a decadência constituem verdadeiros Atos-Fatos – vontade humana desprovida de consciência na qual o
efeito jurídico se assemelha ao fato jurídico em sentido estrito.

2. PRESCRIÇÃO

A prescrição na parte geral do código denota uma compreensão de perda. Paralelamente a


prescrição extintiva (estamos estudando), tem-se ainda, o fenômeno da prescrição aquisitiva, que é atrelada
aos estudos dos direitos reais e diz respeito à aquisição da propriedade pelo decurso do tempo - usucapião.
Cuidado! Direito de ação é estudado pelo direito processual civil, a qual advém três institutos:
jurisdição, ação e processo. Dessa forma, temos que o direito de ação é a materialização, a corporificação da
provocação da jurisdição que, por sua vez, é inerte. Neste aspecto, temos várias características do direito de
ação (dentre eles: público, subjetivo, processual e abstrato), mas, uma delas, é que o direito de ação é
imprescritível.
Portanto:
✓ A prescrição não aniquila o direito de ação.
✓ A prescrição não extingue o direito de ação.

Na medida em que o direito de ação é discutido no campo do direito processual civil, a prescrição e
a decadência são institutos do direito material. Uma vez reconhecida à prescrição e a decadência em
determinada demanda, tem-se a prolação de sentença com resolução de mérito, conforme prevê o art. 487,
inciso II do CPC.
Segundo professor Carlos Roberto Gonçalves: “Para evitar o debate sobre a prescrição ou não da
ação, adotou-se a tese da prescrição da pretensão, por ser considerada a mais condizente com o Direito
Processual contemporâneo”.
Após contribuição do direito alemão, Agnelo Amorim Filho e Miguel Reale, dirá que o Código Civil de
2002 não comete o erro do Código revogado, uma vez que não há confusão entre o direito de ação e
prescrição.

177
OBS.: Há quem defenda que o instituto da perempção determina a perda do direito de ação. Mas cabe
mencionar, que há diversas discussões sobre este assunto.

Dispositivos importantes:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição,
nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

➔ Quando falamos em PRESCRIÇÃO, o que extingue é a chamada PRETENSÃO.


➔ Os todos os prazos prescricionais existentes no nosso ordenamento jurídico são constados em anos,
e encontram-se elencados nos artigos 205 (prazo de 10 anos = prazo geral) e 206 (prazos de 1, 2, 3,
4 ou 5 anos = prazos específicos).
➔ Veja que se a situação em concreto não se encaixar nas hipóteses do artigo 206, haverá a aplicação
do prazo prescricional geral constante no artigo 205.
➔ Prazo prescricional = direito subjetivo (pressupõe existência de credor e devedor).
➔ Súmula 150 do STF: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”.
➔ Súmula 106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por
motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou
decadência”. Nesse ponto, entende-se que é perfeitamente possível ajuizar ação até o último dia do
prazo prescricional. O CPC no art. 240, em consonância com Código Civil em seu artigo 202,
estabelece que o despacho que ordena a citação interrompe a prescrição, produzindo efeitos
retroativos a data da propositura da ação.
Portanto, eventual morosidade da citação, os efeitos do despacho retroagirão, podendo a parte
livremente interpor ação no último dia do prazo prescricional.
➔ Súmula 412 do STJ: “A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo
prescricional estabelecido no Código Civil”.

OBS.: O instituto da prescrição no campo do direito administrativo é analisada de forma distinta do direito
civil.

Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão.

➔ Cuidado! A exceção no processo civil diz respeito à defesa. Portanto, há equívoco em dizer que a
defesa é imprescritível.
Dessa forma, a matéria que pode ser alegada na ação, poderá ser alegada também na exceção. Por
exemplo, chega a sua residência um cartão de crédito e na mesma oportunidade, consta a
informação de que se a pessoa não possuir interesse nos serviços, que haja a desconsideração do

178
envio. Porém, após três meses, sem o devido uso do mesmo, chegam vários boletos para pagamento
cobrando anuidades e compras que eventualmente a pessoa teria realizado. A partir dessa situação,
têm-se duas opções: (i) ajuizamento de ação declaratória de inexistência de relação jurídica ou; (ii)
aguardar lapso temporal para realização de defesa de eventual demanda que o banco interpuser. A
primeira hipótese, temos uma ação, na segunda, a exceção.

Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo
de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de
fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição1.

➔ Prazo prescricional é prazo legal, e não pode ser alterado pela vontade das partes. No entanto, após
a consumação do prazo prescricional, o beneficiário da prescrição (devedor) poderá renunciar a
prescrição de forma expressa ou tácita. Por exemplo, o devedor pede prazo/parcelamento ao credor
para realização do pagamento.
➔ Veja que a prescrição aniquila tão somente a pretensão/exigibilidade, ou seja, possibilidade de ir a
juízo e exigir a satisfação do crédito, mas não aniquila o direito de crédito. O direito de crédito é
denominando de obrigação natural ou obrigação incompleta - segundo os ensinamentos do
professor Flávio Tartuce.
Nesta vertente, o credor que recebe o pagamento de uma dívida prescrita, pressupõe duas situações:
(i) não está diante de um pagamento indevido; (ii) credor possui o direito de retenção. Ou seja, o
devedor que paga a dívida prescrita ainda que não tenha ciência de que não poderia ser compelido
a pagar no judiciário, não poderá exigir de volta o que pagou. Constitui a chamada soluti retentio do
credor.
➔ Ademais, o artigo 10 do CPC, diz respeito à vedação da decisão surpresa, o qual estabelece o
seguinte: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito
do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria
sobre a qual deva decidir de ofício”. Importante salientar, que o juiz pode reconhecer de ofício a
prescrição e a decadência legal, porém, é necessário consultar as partes antes, a fim de promover
o contraditório efetivo. O respectivo contraditório é substancial/material, que tem por finalidade,
além de ofertar a manifestação da parte, influenciar na decisão do julgador.

Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.

➔ É recorrente a cobrança desse dispositivo em provas.

1
Recorrente a cobrança desse dispositivo em provas.

179
Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem
aproveita.

➔ Por se tratar de norma de ordem pública, a prescrição pode ser alegada em qualquer tempo e grau
de jurisdição. Todavia, nas instâncias excepcionais recursais, especialmente no recurso especial e
recurso extraordinário, não haverá o reconhecendo desses recursos se não houver o esgotamento
das instâncias ordinárias, no que tange ao prequestionamento da matéria. Há discussão doutrinária
sobre essa temática (Resp 1.104.691/RS).
➔ Dessa forma, dispõe a Súmula 153 do TST: “Não se conhece de prescrição não arguida na instância
ordinária”.
➔ Em adequação ao novo modelo processual constitucionalizado, estabelece o Enunciado 154 da III
Jornada de Direito Civil: “O juiz deve suprir, de ofício, a alegação de prescrição em favor do
absolutamente incapaz”. Tem-se o processo não como um fim em si mesmo, mas o meio de se
alcançar determinada finalidade. A par disso, o dever de consulta do juiz é atrelado ao princípio da
cooperação – art. 6º do CPC.

Art. 195. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes
ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente.

➔ O referido artigo não é exclusivo da prescrição, também se aplica a decadência.


➔ A prescrição corre e pode prejudicar o relativamente incapaz e as pessoas jurídicas. No entanto,
devemos nos atentar a possibilidade prevista no artigo supracitado, a qual assegura ação regressiva
em face do representante do incapaz e o presentante da pessoa jurídica quando, por desídia, derem
causa a prescrição.

Art. 196. A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor.

➔ O prazo prescricional flui sem ligação subjetiva com os sujeitos envolvidos. Desse modo, ainda que
haja a transferência do crédito por ato inter vivos ou por causa mortis, o prazo prescricional não será
alterado.

Observamos que o prazo prescricional surge com a pretensão. E a pretensão por sua vez, nasce no
momento do direito violado e morre no último dia do prazo prescricional.
É o poder jurídico que ordenamento confere ao credor de, coercitivamente, exigir do devedor o
cumprimento da prestação inadimplida.
Estabelece o artigo 189: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela
prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.

180
A partir do dispositivo supracitado, surgem três informações para configuração da prescrição:

✓ A violação do direito, com o nascimento da pretensão;


✓ A inércia do titular;
✓ O decurso do tempo fixado em lei.

Ocorre que a interpretação literal do dispositivo pode gerar situações inadequadas no direito civil,
pois, segundo a teoria da actio nata, à pretensão não nasce com a violação do direito em si, mas com a
CIÊNCIA DE QUE HOUVE A VIOLAÇÃO.

Súmula 278 do STJ: O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que
o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.

Prazo prescricional geral e prazos prescricionais especiais:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Art. 206. Prescreve:


§ 1º Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio
estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para
responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza,
com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela
percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital
de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o
prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.

§ 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se
vencerem.

➔ Atenção! Havendo inadimplemento do pagamento de pensão alimentícia por um dos genitores,


aquele que arcou com as despesas do filho, possui o prazo prescricional de 10 anos para cobrança
dos respectivos valores. (STJ. 4ª Turma. REsp 1.453.838-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
24/11/2015 (Info 574).

§ 3º Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;

181
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em
períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data
em que foi deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado
o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício
em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar
conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas
as disposições de lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro
de responsabilidade civil obrigatório.

➔ Súmula 405 do STJ: “A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos”.
OBS.: Não confundir o parágrafo 3º inciso IX, com o inciso II do parágrafo 2º.

§ 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
§ 5º Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores
pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos
contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

2.1. CAUSAS IMPEDITIVAS, SUSPENSIVAS E INTERRUPTIVAS DO PRAZO PRESCRICIONAL

Em regra, estas causas não se aplicam aos prazos decadenciais; somente em casos excepcionais
existem causas que interferem no curso de prazo decadencial, que estão elencados nos artigo 195 e 198,
inciso I do CC.

2.1.1. Causas impeditivas e suspensivas

Causas impeditivas Causas suspensivas

- Obsta o início do prazo. - Paralisa o prazo que está em curso. Quando o


fato encerra, o prazo continua.

182
As causas que impedem ou suspendem a prescrição, encontram-se previstas nos artigos 197,198 e
199 do CC.

Art. 197. Não corre a prescrição:


I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

➔ Enunciado 296 da Jornada de Direito Civil: “Não corre a prescrição entre os companheiros, na
constância da união estável”.
➔ Separação de fato não impede a incidência da regra inserida neste inciso.

II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;


III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.

Art. 198. Também não corre a prescrição:

I - contra os incapazes de que trata o art. 3º;

➔ O inciso diz respeito a atos praticados contra absolutamente incapazes – menores de 16 anos.
Porém, a seu favor, corre a prescrição. Desse modo, ao completar 16 anos inicia-se o lapso temporal
da prescrição e, se o representante der causa a prescrição aplica-se a regra do artigo 195 do CC.

II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;

➔ Muito embora não haja menção do Distrito Federal, deve-se incluí-lo.

III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

➔ Atente-se: Guerra devidamente declarada.

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:

I - pendendo condição suspensiva;

➔ Visto que a condição suspensiva suspende a eficácia.

II - não estando vencido o prazo;

III - pendendo ação de evicção.

2.1.2. Causas interruptivas

183
Causas interruptivas

- Zera a contagem do prazo;


- Encontram-se previstas nos artigos 202, 203 e
204 do Código Civil.

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente PODERÁ OCORRER UMA VEZ, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover
no prazo e na forma da lei processual;

➔ Neste ponto, faz-se necessária análise do disposto no artigo 240, do CPC: “A citação válida, ainda
quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em
mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 do Código Civil. § 1º A interrupção da
prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente,
retroagirá à data de propositura da ação”.
Veja, portanto, que a interrupção da prescrição não é efeito da citação válida.

II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;

➔ Trata-se de medida cautelar de protesto.

III - por protesto cambial;


IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito
pelo devedor.

➔ Não pode ser ato unilateral.

Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou
do último ato do processo para a interromper.

Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado2.

Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a
interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.
§ 1º A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção
efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.
§ 2º A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
§ 3º A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador3.

2
Artigo recorrente em provas.
3
Dispositivo muito cobrado em provas.

184
OBS.: Tais dispositivos não se aplicam a decadência.

3. DECADÊNCIA

A decadência envolve um direito potestativo, e este direito, não possui conteúdo prestacional;
consiste em mero direito de interferência na esfera jurídica da outra parte que nada pode fazer.
Em outras palavras, é aquela em que para o ajuizamento de determinada ação, só depende do
sujeito, não se faz necessário o comportamento da outra parte. Não há relação entre credor e devedor, mas
sim, interessado.
Importante: Existem direitos potestativos que não possuem prazo para ser exercido, mas, se houver,
o prazo será decadencial. O divórcio, por exemplo, é um direito potestativo que não tem prazo.
Dispositivos importantes:

Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem,
suspendem ou interrompem a prescrição.

Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.

Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.

Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.

➔ Devendo ser respeitada a vedação da decisão surpresa – art. 10 do CPC.

Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau
de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.

3.1 Espécies de decadência

Há duas espécies de decadência: a legal e a convencional.

• Decadência legal: É aquela que decorre da lei e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, é
irrenunciável;
• Decadência convencional: É aquela que decorre da vontade das partes, somente as partes podem
alegá-la, é renunciável.

Resumo: Prescrição = perda da Pretensão.

185
Decadência = perda do Direito.

OBS.: A decadência constitui situação jurídica mais gravosa do que a prescrição.

4. Questões finais

• Preclusão: tem aspecto processual e trata-se da perda do direito de agir. Pode ser dividida em:
o Lógica: prática de ato contrário ao ato processual;
o Consumativa: efetiva prática do ato;
o Temporal: deixa transcorrer in albis determinado prazo.

• Perempção: trata-se de questão processual e ocorre quando o autor der causa por três vezes à
extinção do processo por abandono.
• Sentença: quando reconhece prescrição e decadência, tem-se uma sentença de mérito.
Conforme dispõe o artigo 332, parágrafo 1º e artigo 487, inciso II do CPC.

Art. 332. § 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde
logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:


II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

• O STJ estabelece uma hipótese de pretensão patrimonial imprescritível, qual seja, tortura, com base
na Lei nº 9.140/95. Esse julgado é um leading case, um precedente, primeiro julgado sobre o assunto.
Neste julgado o STJ estabeleceu a imprescritibilidade da ação de indenização por tortura gerada
durante o período de ditadura militar.

“A dignidade humana violentada, in casu, posto ter decorrido, consoante noticiado pelo autor da
demanda em sua exordial, de perseguição política que lhe fora imposta, prisão e submissão a atos
de tortura durante o Regime Militar de exceção, revelando-se referidos atos como flagrantes
atentados aos mais elementares dos direitos humanos, que segundo os tratadistas, são inatos,
universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis.

A exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do
princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é fundamento da liberdade, da justiça e da
paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art.
1º que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (REsp 816.209/RJ).

186
• Súmula 405 do STJ: “A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos”.

• O STJ abraçou a tese da actio nata, a qual já está presente no CDC, o que significa que os prazos
prescricionais começam a fluir não na data da violação, mas na data do conhecimento da violação, é
o que a súmula 278 do STJ esclarece com a seguinte redação: “O termo inicial do prazo prescricional,
na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.

• A pretensão de reparação civil contra o Estado é de 5 anos (AgRg no Ag 1364269 / PR).

• Súmula 503 do STJ: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque
sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula”.
• Súmula 504 do STJ: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de nota
promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao vencimento do título”.

→ TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES


1. Teoria geral das obrigações

Introdução

Conforme estudado em aulas anteriores, personalidade jurídica é a aptidão genérica para titularizar
direitos e deveres. Fala-se em “deveres”, pois este é muito mais amplo do que “obrigação”.
O direito das obrigações no campo do direito civil são aqueles que possuem natureza patrimonial,
mas obrigações em sentido amplo, parte-se da premissa de que nem toda obrigação possui carga
patrimonial. Isto é, a obrigação de cuidado e zelo com os genitores; obrigação de lealdade/fidelidade; dever
de afetividade para com os filhos, dever moral/cívico etc.
Portanto, dever é gênero, que comporta duas espécies: obrigação de cunho obrigacional
(patrimonial) e obrigação de cunho não patrimonial.
O estudo do direito das obrigações é divida da seguinte maneira:

Conteúdo do direito das obrigações Disposição legal- Código Civil

Modalidade das obrigações: obrigação Artigos 233 ao 285 do CC;


de dar; de fazer; de não fazer. Abrangendo
multiplicidade de situações que podem
ocorrer, como: solidariedade; divisibilidade;
indivisibilidade, contextualização dos
institutos, características e etc.

187
Transmissão das obrigações: através Artigos 286 ao 303 do CC;
dos institutos da cessão de crédito ou cessão de
débito, tem-se a possibilidade de transmissão
de um crédito ou débito, respectivamente.

Adimplemento e extinção das Artigos 304 ao 388 do CC;


obrigações: a extinção normal de uma
obrigação é exatamente o seu adimplemento.
O adimplemento normal é aquele que observa
quem deve pagar; a quem deve receber;
objeto/tempo/lugar/prova do pagamento. Por
outro lado, caso ocorra algum evento diverso
do pactuado, ter-se-á formas especiais de
pagamento, como: consignação em
pagamento, novação, dação em pagamento,
compensação, confusão, remissão.

Inadimplemento das obrigações e suas Artigos 389 ao 420 do CC.


consequências: pode ser absoluto ou relativo.
Neste ponto, estudaremos a mora ex re e mora
ex persona, cláusula penal, arras ou sinal.

Consoante às lições do professor Carlos Roberto Gonçalves, direito obrigacional: “É o vínculo jurídico
que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de
determinada prestação. Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter
transitório, cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível”.
Existindo a figura do credor e do devedor, tem-se um direito subjetivo. Logo, tratando-se de direito
obrigacional, aplica-se ao caso, o instituto da prescrição (artigos 205 e 206 do CC).
Desse modo, obrigações são relações jurídicas que possuem conteúdo econômico; vínculo ou
sujeição da pessoa e a submissão a uma regra de conduta. Mas neste estudo, em especial, referem-se às
obrigações que possuem vínculo patrimonial.
A doutrina sustenta que há uma obrigação estudada no direito obrigacional, que não possui natureza
econômica, mas que gera uma obrigação de dar, na modalidade entregar/restituir, que é a gestação em útero
alheio, também conhecida como “barriga de aluguel ou barriga em comodato”.
Ademais disso, constitui como fonte (surgimento) do direito obrigacional, os contratos (Ex.:
empréstimo, doação, compra e venda, transporte), os testamentos, atos unilaterais de vontade (Ex.:
promessa de recompensa, gestão de negócios, pagamento indevido, enriquecimento sem causa), atos ilícitos
etc.
Na esfera jurídica patrimonial de um sujeito, seus direitos podem ser:

188
• Não patrimoniais: podendo ser visualizado em grande parte nos conteúdos do direito de família e
direitos de personalidade.

• Patrimoniais: são divididos em direitos reais e direitos obrigacionais.

o Os direitos reais, conhecido como jus in re, são aqueles em que há uma relação entre o sujeito
e coisa. São limitados, pois são direitos reais aqueles elencados no artigo 1225, do CC.

o Os direitos obrigacionais, também denominados de jus ad rem; direito pessoal e direito de


crédito, é caracterizado pela relação sujeito e sujeito. São ilimitados, pois decorre da vontade
das partes e o ordenamento jurídico não veda a formação de contratos inominados - art. 233 e
seguintes do CC.

O Código de Processo Civil no regramento dos direitos obrigacionais utiliza a nomenclatura “direitos
pessoais”. Tal afirmação pode ser visualizada nos artigos 46 e 47 do CPC, que são dispositivos que tutelam as
competências territoriais para a propositura de demandas, vejamos:

Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em
regra, no foro de domicílio do réu.

Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da
coisa.

OBS.: Quando depararmos com a expressão “direito pessoal”, leia-se, direito obrigacional.

Fontes obrigacionais

São consideradas fontes obrigacionais:

• Lei: isso porque da lei pode surgir a obrigação.


• Contrato: é a fonte principal do direito obrigacional. A concepção de contrato não se confunde
com a obrigação, pois se trata de um negócio jurídico, seja bilateral ou plurilateral, que visa a
criação, modificação, extinção, de direitos e deveres com conteúdo patrimonial. O contrato não
se confunde com a obrigação pelo fato de que o contrato cria a obrigação. A obrigação é fruto
do contrato, e portanto não é contrato.
• Atos ilícitos e abuso de direito: o abuso do direito não deixa de ser um ato ilícito.

189
• Atos unilaterais: são as denominadas declarações unilaterais de vontade, como é o caso da
promessa de recompensa.
• Títulos de crédito: o sujeito pode ser responsabilizado a partir de um título de crédito.

2. Direitos reais X direito obrigacional

DIREITOS REAIS DIREITO


OBRIGACIONAL

Objeto Coisa Prestação

Sujeito passivo Indeterminado: pois a Determinados ou


figura do sujeito somente determináveis. São
surgirá quando houver violação determinados ante a existência
do direito. Os direitos reais são da figura do credor e devedor.
erga omnes, ou seja, oponível Mas pode haver também, uma
contra qualquer sujeito que indeterminabilidade
viole o direito real. transitória, caracterizada como
sujeitos determináveis.

Duração São perpétuos. Transitórios: pois a


relação obrigacional vai existir
enquanto houver vínculo. O
vínculo deixa de existir com o
adimplemento da obrigação.

Formação Criados somente por São ilimitados: têm-se


lei (art. 1225 do CC). categorias de obrigação (dar;
fazer; não fazer), mas possível
à criação de obrigações
atípicas.

Ação Ação contra qualquer Somente em face do


sujeito. sujeito passivo.

Dentro da classificação de direitos reais e direitos obrigacionais, temos duas teorias: a teoria unitária
e a teoria dualista/clássica.

• Teoria unitária: Define a união entre os direitos reais e direitos obrigacionais como sendo direitos
patrimoniais. Desse modo, não haveria tanta distinção entre ambos os institutos, por essa razão é
que não adotamos essa teoria.

190
• Teoria dualista/clássica: Direito reais e direitos obrigacionais tratam-se de direitos patrimoniais,
contudo, são institutos diferentes. Essa teoria é adotada no nosso ordenamento jurídico.

OBS. 1: É possível ter um direito obrigacional como forma de aquisição de um direito real. Por
exemplo, tem-se uma relação jurídica de direito real quando o sujeito é proprietário de um celular (sujeito X
coisa). Por outro lado, quando o proprietário do celular o coloca a venda e realiza essa venda para outra
pessoa, há a transferência do direito de propriedade e, portanto, com a celebração desse contrato temos
uma relação jurídica de direito obrigacional (sujeito X sujeito).
O direito real só se transmite com a observância dos artigos 1226 e 1227 do CC, ou seja, se o bem for
móvel, será com a tradição (entrega), sendo o bem imóvel, a transmissão se dará com o registro.
Desse modo, se houver a celebração de um contrato com determinada pessoa cujo objeto é um bem
móvel, e não ocorre à entrega do bem, a pessoa que comprou e pagou pelo que foi pactuado, em nenhum
momento foi proprietário. Agora, se o alienante vende e transfere esse mesmo bem a um terceiro, o bem
será do terceiro, porque houve a tradição.
Nesse contexto, o sujeito que realizou o pagamento e não lhe foi entregue o bem, poderá pleitear
ação judicial requerendo a devolução do valor pago, não sendo cabível ação reivindicatória. Além disso, se a
obrigação não foi adimplida por culpa do alienante, incidirá perdas e danos.

OBS. 2: É possível que os direitos reais sejam acessórios dos direitos obrigacionais. Por exemplo,
hipoteca é um direito real de garantia que tem por finalidade garantir o cumprimento de uma obrigação;
sujeito que formaliza contrato de mútuo com banco, como garantia da obrigação, empenha suas joias.

3. O que são figuras híbridas?

Figuras híbridas são aquelas que situam entre o direito real e o direito obrigacional, ou seja, são
obrigações com características de direito real e pessoal.
São figuras híbridas: obrigações propter rem ou ob rem, ônus reais e obrigações com eficácia real.

Propter rem ou ob rem - Origina-se com a coisa e transmite-se com ela


automaticamente (obrigação ambulatorial). O
adquirente do direito real não pode negar-se a assumir
esta obrigação. Por exemplo, para ser proprietário de
um veículo, deve-se assumir a obrigação de pagamento
do IPVA; o proprietário de um imóvel se obriga no

191
pagamento do IPTU. Em ambos os casos temos como
credor a Fazenda Pública e, como devedor, o
proprietário dos respectivos bens.

- REsp 846.187/SP – taxa condominial é uma


obrigação propter rem.

- Quando houver o inadimplemento dessa


modalidade de obrigação, as consequências recairão
sobre o patrimônio do devedor.

Ônus reais - São obrigações que limitam o uso e gozo da


propriedade; é um gravame que recai sobre uma coisa,
restringindo o direito do titular de um direito real.

- O ônus real constitui um limitador do exercício


do direito de propriedade, como: usufruto, enfiteuse,
superfície, penhor, anticrese, hipoteca.

Eficácia Real - Em sua essência, trata-se de uma obrigação


pessoal, como qualquer outra, mas que, em virtude do
seu registro, nos termos da lei, passa a ter uma
oponibilidade erga omnes.

- São obrigações que resultam de contratos e


alcançam, por força de lei, a dimensão de direito real.

- Por exemplo, havendo o registro no contrato


de locação, não impede a venda do bem, no entanto,
caso haja a venda desse imóvel, o adquirente deve
respeitar o contrato de locação, não podendo retirar o
locatário do bem - artigo 576 do CC. Desse modo, o
contrato de locação tem eficácia real e, portanto,
oponível erga omnes.

4. Relação jurídica obrigacional

São elementos básicos da relação jurídica obrigacional: elemento subjetivo (credor e devedor);
elemento objetivo ou material (prestação); elemento imaterial ou vínculo jurídico (vínculo/liame entre
credor e devedor).

Credor (sujeito ativo) Devedor (sujeito passivo)


Vínculo (Elemento espiritual/abstrato)

192
Prestação (objeto da obrigação = dar; fazer; não fazer)

O objeto da obrigação pode ser imediato ou mediato.

Objeto imediato Obrigação de dar; fazer; não fazer


Objeto mediato É o bem da vida discutido

Em um caso hipotético, havendo a celebração de um contrato de compra e venda de um celular, por


exemplo, o objeto imediato é a obrigação de dar, ao passo que o objeto mediato é o celular.
O elemento imaterial, também chamado de elemento espiritual ou abstrato, trata-se do vínculo
jurídico que rege a relação obrigacional através do binômio: schuld (débito) e haftung (responsabilidade
patrimonial).
Schuld, portanto, é uma relação estática do direito civil, quem detém o débito, é o devedor. O
haftung, por sua vez, constitui uma relação dinâmica do direito processual civil e, portanto, trata-se da
responsabilidade patrimonial. No campo do processo civil, este se revela através do princípio da
patrimonialidade, pois, em caso de não cumprimento da obrigação pelo devedor, este responderá com seus
bens.
Notadamente, teremos a figura do schuld e do haftung, a partir do momento em que se contrai a
obrigação.
Recapitulando (Aula 09): Somente pode ser configurada fraude à execução após a citação do
devedor, no entanto, se no período entre o ajuizamento da ação e a citação do devedor, houver alienação
dos bens, caracteriza-se fraude contra credores. Todavia, para dar ciência ao devedor de que existe em face
do mesmo uma ação em andamento, deve-se requerer certidão de ajuizamento da ação com averbação no
registro de bens do devedor - artigo 828, do CPC. Diante disso, tanto os bens presentes (aqueles que existiam
no momento da ação de cobrança ou ação de execução) quanto os bens passados (desde que alienados em
fraude contra credores) podem responder pela obrigação.
O art. 789 do CPC trata da responsabilidade patrimonial primária, que se revela naquela em que o
próprio devedor vai responder pela obrigação (devedor é detentor do schuld e do haftung).

Artigo 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o
cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

193
Temos ainda, a responsabilidade patrimonial secundária, que diz respeito àquela responsabilidade
que recai sobre pessoa diversa do devedor (terceiro é detentor somente do haftung). Tal modalidade de
responsabilidade encontra-se disciplinada no art. 790 do CPC.

Artigo 790. São sujeitos à execução os bens:


I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação
reipersecutória;

Por exemplo, “A” e “B” estão discutindo em uma ação judicial a propriedade de um veículo. Estando
a posse do veículo com “A”, este aliena para “C” (alienação de objeto litigioso), “A” poderá continuar na
demanda, postulando em nome próprio um direito alheio. Contudo, se “A” perder a demanda, o bem será
buscado em face do sucessor a título singular, que neste caso é “C”. Embora “C” não seja o demandado, ele
terá responsabilidade patrimonial neste caso.
Importante ponderar algumas situações:

✓ “C” poderá integrar a lide juntamente com “A”, e assim o faz, como assistente litisconsorcial;

✓ Se houver concordância de “B”, “A” poderá retirar-se do processo, e “C” entra em seu lugar,
ocorrendo assim, substituição de parte;

✓ Mas pode ocorrer ainda, que “A” deseje retornar a demanda, se assim o fizer, retornará como
assistente simples.

OBS.: Ação reipersecutória trata-se de uma ação de restituição.

II - do sócio, nos termos da lei;


III - do devedor, ainda que em poder de terceiros;
IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem
pela dívida;
V - alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução;
VI - cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em
ação autônoma, de fraude contra credores;
VII - do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

5. Obrigação natural

194
Em essência e na estrutura, a obrigação natural não difere da obrigação civil: cuida-se de uma relação
de débito e crédito que vincula objeto e sujeitos determinados. Todavia, distingue-se da obrigação civil por
não ser dotada de exigibilidade jurídica.
Tal inexigibilidade pode pretender preservar a segurança e a estabilidade jurídicas, como ocorre, por
exemplo, na prescrição de uma pretensão decorrente de uma dívida (em que o direito não se satisfaz com
obrigações perpétuas) ou na impossibilidade de cobrança judicial de dívida de jogo (pelo reconhecimento
social do caráter danoso de tal conduta).
A consequência ou efeito jurídico decorrente da obrigação natural é a retenção do pagamento (soluti
retentio), ou seja: posto não possa cobrá-lo, caso receba o pagamento, poderá o credor retê-lo.

2. Atos unilaterais

I. Introdução

Nas declarações de vontade, a obrigação nasce de uma simples declaração de uma única parte. Esta
declaração, uma vez emitida, torna plenamente exigível aquilo que foi declarado.

Ao chegar ao conhecimento daquele em que foi direcionada a obrigação, se o sujeito cumpriu, terá
direito ao que foi emitido.

O Código Civil consagra expressamente alguns atos unilaterais:

• promessa de recompensa
• gestão de negócios
• pagamento indevido
• enriquecimento sem causa

II. Promessa de recompensa

O art. 854 diz que, aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar,
a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido.

A pessoa que cumpriu a tarefa, ainda que não tivesse movida pelo interesse da promessa de
recompensa, poderá exigir a recompensa (art. 855).

O sujeito poderá revogar a promessa de recompensa, mas essa só é possível antes de prestado o
serviço. Ainda, para que a revogação surta efeitos, deverá ser feita com a mesma publicidade da declaração.

Então, antes de o sujeito prestar o serviço, poderá ser feita a promessa, mas deve ser feita com a
mesma publicidade da declaração.

195
No caso de revogação, se algum candidato de boa-fé tiver efetuado despesas para cumprir o serviço
realizado para obter a recompensa, estas despesas deverão ser reembolsadas por quem havia prometido e
revogou.

E se houver uma execução conjunta?

Se o ato contemplado na promessa foi praticado por mais de um indivíduo, terá direito à recompensa
quem primeiro executou a tarefa (art. 857).

E se a execução for simultânea?

Sendo a execução simultânea, cada um tocará quinhão igual na recompensa.

E se for estipulada como recompensa um bem indivisível?

Neste caso, não dá para dividir o bem, situação na qual deverá haver um sorteio, e aquele que obtiver
a coisa dará ao outro o valor de seu quinhão.

Nos concursos que se abrirem com promessa pública de recompensa, é condição essencial, para
valerem, a fixação de um prazo.

A decisão da pessoa nomeada, nos anúncios, como juiz, obriga os interessados.

Em falta de pessoa designada para julgar o mérito dos trabalhos que se apresentarem, entender-se-
á que o promitente se reservou essa função.

Tais obras premiadas, nos concursos mencionados, só ficarão pertencendo ao promitente, se assim
for estipulado na publicação da promessa.

III. Gestão de negócios

Na gestão de negócios há uma atuação sem poderes. Ou seja, a parte atua sem receber a
incumbência do sujeito que seria o mandatário.

O gestor de negócios não tem direito à remuneração e deve agir conforme a vontade presumível da
vontade do dono do negócio, pois, do contrário, responderá pelos danos que causar.

Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, o gestor irá
responder, inclusive por casos fortuitos ou força maior, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando
se houvesse abatido.

Em regra, a responsabilidade é subjetiva. Mas caso aja contra a vontade do dono do negócio,
responderá objetivamente, inclusive força maior e caso fortuito.

196
Se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, o dono do negócio pode exigir do gestor que ele
restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença.

Ex.: João viajou e o seu vizinho percebeu que em sua casa estava pegando fogo. Com isso, arrombou
a porta (primeiro dano) e apagou o fogo com o tapete persa de João (segundo dano). No entanto, evitou um
prejuízo enorme, e agiu conforme a vontade presumível do seu dono, João.

Em regra, o gestor só será responsabilizado se tiver agido com culpa, conforme a responsabilidade
subjetiva do art. 866 do CC. Ou seja, o gestor envidará toda sua diligência habitual na administração do
negócio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa na gestão.

Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substituto. Ou seja, se o gestor
eleger alguém para atuar, responderá pelas faltas do seu substituto. Atente-se que a responsabilidade por
fato de terceiro é objetiva e solidária.

Se a gestão for conjunta, prestada por várias pessoas ao mesmo tempo, existe responsabilidade
solidária entre todos os gestores, consagrada no art. 867, parágrafo único.

Quando o dono do negócio retorna, há duas opções:

• concordar e ratificar a gestão, convertendo a atuação do vizinho em mandato, devendo ressarcir


o gestor por todas as despesas necessárias e úteis pela sua atuação. Esta ratificação retroage ao
dia do começa da gestão, tendo efeito ex tunc (art. 873).

• desaprovar a atuação do gestor, situação na qual poderá pleitear perdas e danos, ainda que se
trate de operações arriscadas no caso fortuito ou força maior, mesmo que o dono costumasse
fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito de interesses seus.

Observa-se que o dono do negócio só pode recusar e ratificar a atuação do gestor se provar que sua
atuação foi contrária aos seus interesses diretos. A lei presume a boa-fé. Se o vizinho atuou com boa-fé, não
se pode recusar a ratificação dos atos do gestor, devendo provar que ele não agiu de acordo com seus
interesses diretos.

IV. Pagamento indevido

O pagamento indevido é o pagamento sem dever.

Segundo o art. 876, todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir. E
portanto, o pagamento indevido, que é um ato unilateral, faz nascer a obrigação de restituir.

Pagamento indevido é espécie do gênero enriquecimento sem causa.

197
O art. 878 diz que, aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em
pagamento indevido, aplica-se o disposto quanto ao possuidor de boa-fé ou de má-fé, a depender da
existência de boa-fé ou má-fé de quem recebeu o pagamento.

Ex.: alguém recebe o imóvel de boa-fé. Neste caso, terá direito aos frutos colhidos na vigência em
que ele teve o imóvel consigo. Em razão disso, terá direito de indenização e direito de retenção quanto às
benfeitorias úteis e necessárias.

E se esta pessoa for possuidora de má-fé? Neste caso, não há direito aos frutos, nem direito de
retenção, podendo ser indenizado apenas quanto as benfeitorias necessárias.

Fica isento de restituir pagamento indevido quem, recebendo como parte de dívida verdadeira,
inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão das garantias que asseguravam seu direito
(art. 880). Mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva contra o verdadeiro devedor e seu fiador.

Atente-se que a regra é a restituição simples do valor pago, não em dobro. Mas a lei consagra
hipóteses em que cabe restituição em dobro:

• aquele que demanda por dívida já paga ficará obrigado a pagar em dobro o que houver cobrado
do devedor (art. 940).
• o CDC, no art. 42, p.ú., diz que o consumidor poderá pleitear a restituição do pagamento indevido
em dobro.

O CC afasta a possibilidade de repetição de indébito quando se tratar de obrigação natural ou quando


se tratar de pagamento de obrigação imoral.

Com relação à obrigação natural, não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou
cumprir obrigação judicialmente inexigível, pois existe o schuld, apesar de não existir o haftung.

Em relação à obrigação imoral, quem paga recompensa a alguém por ter matado outrem, não tem
direito a esta restituição. Ou seja, não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim
ilícito, imoral, ou proibido por lei. Neste caso, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de
beneficência, a critério do juiz.

Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou para eximir-se


da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigação de indenizar o que a cumpriu,
na medida do lucro obtido.

V. Enriquecimento sem causa

198
Segundo o art. 884, aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

São pressupostos para que haja direito à restituição:

• enriquecimento de quem recebe


• empobrecimento de quem paga (não é pacífico)
• relação de causalidade entre o enriquecimento de um e o empobrecimento do outro
• inexistência de causa jurídica que justifique isso
• inexistência de ação específica

Os requisitos são intuitivos.

Não caberá a restituição por enriquecimento sem causa, se a lei conferir ao lesado outros meios para
se ressarcir do prejuízo sofrido. Ou seja, a ação de enriquecimento sem causa é subsidiária.

Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e,
se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas
também se esta deixou de existir.

3. Classificações das obrigações

Quanto à classificação das obrigações, elas podem ser básica ou especial. A classificação básica é dividida em
positiva consubstanciada em uma obrigação de dar (coisa certa ou incerta) e de fazer. E a negativa, trata-se
da obrigação de não fazer.
A classificação especial possui a seguinte divisão.

- Quanto ao elemento subjetivo (os sujeitos):

a) fracionárias: Pluralidade de devedores ou credores, cada um deles responde apenas por parte da
dívida.
b) conjuntas: Pluralidade de devedores ou credores, impondo-se a todos o pagamento conjunto de
toda a dívida, não se autorizando aos credores exigi-la individualmente.
c) disjuntivas: Devedores se obrigam alternativamente ao pagamento da dívida. Se um cumpre a
obrigação, os demais são exonerados.

199
d) solidárias: Existe solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre uma pluralidade de
credores, cada um com direito à dívida toda (solidariedade ativa), ou uma pluralidade de devedores, cada
um obrigado à dívida por inteiro (solidariedade passiva).

- Quanto ao elemento objetivo (a prestação):

a) alternativas: Aquelas que têm por objeto duas ou mais prestações, sendo que o devedor exonera-
se cumprindo apenas uma delas.
b) facultativas: Aquelas que têm um único objeto e o devedor tem a faculdade de substituir a
prestação devida por outra de natureza diversa.
c) cumulativas: Aquelas que têm por objeto uma pluralidade de prestações a serem cumpridas
conjuntamente.
d) divisíveis e indivisíveis: As obrigações divisíveis admitem o cumprimento fracionado ou parcial da
prestação; nas obrigações indivisíveis só podem ser cumpridas por inteiro.
e) líquidas e ilíquidas: Obrigações líquidas são aquelas certas quanto à existência e determinadas
quanto ao objeto; nas ilíquidas não há especificação do quantum para o seu cumprimento.

- Quanto ao elemento acidental:

a) obrigação condicional: Condicionadas a evento futuro e incerto.


b) obrigação a termo: Exigibilidade subordinada a evento futuro e certo.
c) obrigação modal: Possuem um encargo (ônus) imposto a uma das partes, que experimentará
benefício maior.

- Quanto ao conteúdo:

a) obrigações de meio: O devedor se obriga a empreender a atividade sem garantir o resultado


esperado.
b) obrigações de resultado: O devedor se obriga não apenas a empreender a atividade, mas,
principalmente, produzir o resultado.
c) obrigações de garantia: Eliminar riscos que se pesam sobre o credor, reparando suas
consequências.

200
*Os conceitos aqui apresentados, foram retirados do Manual de Direito Civil; Volume único; Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho; São Paulo; Ed. Saraiva, 2017.
7. Obrigações em espécie

A tripartição clássica do direito obrigacional adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro é oriunda
do direito romano, a qual se perfaz em três modalidades de obrigação: obrigação de dar; obrigação de fazer
e obrigação de não fazer.
Tem-se por obrigações positivas a obrigação de dar (coisa certa ou incerta) e de fazer. E a obrigação
negativa, trata-se da obrigação de não fazer (dever de abstenção).
O Código Civil inicia o tratamento das obrigações a partir do artigo 233 e seguintes, estabelecendo
por primeiro, o estudo da obrigação de dar.

7.1. OBRIGAÇÃO DE DAR

É a obrigação que tem por objeto a prestação de COISA.


A expressão “dar”, se divide em duas situações: (i) dar na modalidade entregar e; (ii) dar na
modalidade restituir. Veja que nas obrigações de dar, não é simplesmente dar de entregar, mas também
como forma de restituição da coisa.
Dessa forma, o verbo “dar” em direito civil tem o sentido de “entregar” (transferir a propriedade ou
posse) ou de “restituir” (devolução da coisa ao proprietário).
Na obrigação de dar, como na compra e venda de um celular, por exemplo, impõe-se o dever de
entregar o bem ao comprador. Noutro sentido, tem-se a obrigação de restituir, quando a pessoa empresta o
celular para outra, por exemplo, por pequeno período tempo, mas a propriedade continua sendo do dono e,
após o uso, deve-se restituir o celular ao proprietário.

OBS.: O CPC denomina ação de restituição de obrigação reipersecutória.

A obrigação de dar pode ser dividida: obrigação de dar coisa certa e obrigação de dar coisa incerta.

• Obrigação de dar coisa certa: Envolve uma coisa já qualificada; quantificada; especificada;
individualizada. Por exemplo: “te darei este iphone”.

• Obrigação de dar coisa incerta: É aquela cuja incerteza é temporária, pois logo após, conseguirei
discriminar a coisa. Por exemplo, “vou lhe dar um iphone”.

201
7.1.1. Dar coisa certa

A regra de ouro inserida no campo do direito das obrigações encontra-se prevista no artigo 313, do
CC que diz: “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”.
É por isso que o credor deve receber exatamente aquilo que foi pactuado, mas, em razão da autonomia da
vontade, o credor poderá consentir em receber prestação diversa da devida. Contudo, a entrega de coisa
diversa somente poderá ocorrer com o consentimento do credor, pois implica em novação objetiva (extingue
a obrigação anterior, criando uma nova obrigação com objeto diferente) ou dação em pagamento (credor
recebe coisa diversa da devida, por sua própria vontade).

Perecimento/deterioração da coisa

Acerca do assunto, deve-se identificar se o dar é entregar ou restituir, após, deve-se definir quem é
o dono e quem é o devedor. O perecimento da coisa segue a regra do “res perit domino”, ou seja, a coisa
perece para o dono.
O dono da coisa na modalidade de entregar é devedor (enquanto a coisa permanece com o
proprietário - antes da tradição -, ele é dono, mas após a relação jurídica, o proprietário passa a ser devedor,
pois cabe a ele a entrega do bem). Na modalidade restituir, o dono da coisa é o próprio credor (aquele que
emprestou o bem, por exemplo, é o dono, e aquele que deve restituir o bem é devedor).

Dessa forma:

➢ Coisa se perder COM culpa → Incidirá perdas e danos.


➢ Coisa se perder SEM culpa → A coisa perece para o dono (Entregar = o dono é o devedor. Restituir
= o dono é o credor).

Obrigação de dar (Exemplificando): Se em um contrato de compra e venda de um celular, mas antes


da entrega do bem, a coisa perece nas mãos do proprietário, sem culpa sua. Quem sofrerá a perda é o dono
da coisa, devendo este devolver o valor que foi pago pelo comprador. Mas, se antes da entrega, a coisa
perecer por culpa do proprietário, a coisa perecerá ao dono + incidência de indenização por perdas e danos
pelo não cumprimento da obrigação + devolução do equivalente (valor que foi pago).

202
Obrigação de restituir (Exemplificando): Se “A” pede emprestado o celular de “B”. E no momento do
uso a coisa vem a se perder sem culpa de “A”, “B” sofrerá a perda do bem em virtude de ser o dono. Agora,
se o perecimento do celular ocorre por culpa de “A”, muito embora o credor sofra com a perda, “A” deverá
indenizar “B” com perdas e danos em razão do não cumprimento da obrigação.
Dispositivos recorrentes em prova:

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos
quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.
Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

➔ Veja que o dispositivo acima diz respeito à obrigação de dar na modalidade entregar e, portanto, o
dono é o devedor.
➔ Resolver a obrigação no direito civil significa desfazer a obrigação, é o retorno do status quo ante.
➔ Se na compra e venda de uma fazenda, por exemplo, mas antes da tradição, tem-se a ocorrência da
avulsão (deslocamento terra e acréscimo na propriedade), fazendo com que a propriedade fique
ainda maior. O vendedor pode exigir aumento no preço, mas se não houver concordância do
comprador, haverá devolução do valor, desfazendo-se o negócio. Isso porque, os melhoramentos e
os acrescidos da coisa autorizam o aumento do preço.
➔ Frutos pendentes são aqueles que ainda não foram colhidos, pois não estão no momento de serem
retirados da coisa.

Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da
tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia
da perda.

➔ Lembre-se, na restituição, o dono é o próprio credor.


➔ Por exemplo, se até o dia da perda da coisa, o devedor pagava ao credor aluguel pelo uso do celular,
serão devidos os alugueis até o dia do perecimento, se ocorreu sem culpa do devedor.

Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas
e danos.

Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se
ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.

Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou
trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.

203
Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso
se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé
ou de má-fé.
Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste
Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.

➔ Na obrigação de dar na modalidade entregar, os melhoramentos cabem ao devedor, que pode exigir
aumento do preço. Ao passo que quando o melhoramento ocorrer na restituição é preciso analisar
se aquele que deve restituir, ou seja, o devedor, trabalhou para aquele acréscimo ou não. Em caso
negativo, este não possui direito a nada, mas se sim, o credor deverá indenizá-lo. Aplica-se a regra
do possuidor de boa-fé ou má-fé.

Em relação aos melhoramentos, ou seja, aquele que possui trabalho humano, são denominadas de
benfeitorias, que podem ser uteis (melhoramentos), necessárias (conservação) e as voluptuárias (lazer,
deleite, embelezamento). Se houve trabalho ou despesa do devedor aplica-se a regra da benfeitoria:

BOA-FÉ As benfeitorias uteis, necessárias ou as


voluptuárias, serão indenizáveis.

Consequências pelo inadimplemento:

- Benfeitorias necessárias ou uteis: pode-se


reter a coisa até o cumprimento. O direito de retenção
não é o direito de usar a coisa, trata-se de
inacessibilidade do bem enquanto não houver o
pagamento.

- Benfeitoria voluptuária: podem ser


levantadas se não houver o pagamento. Em se tratando
de benfeitorias que não possa ser levantadas, as partes
devem solucionar por meio de métodos convencionais
de cobrança.

MÁ-FÉ Ser-lhe-ão ressarcidos somente pelas


benfeitorias necessárias, não tendo direito de retenção,
nem de levantar as uteis ou voluptuárias.

Pontos relevantes:

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não
mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

204
OBS.: A obrigação de dar coisa certa envolve os acessórios que sejam frutos, produtos e benfeitorias
(constituem partes integrantes do bem). As pertenças que são bens móveis inseridos nos bens imóveis com
caráter de definitividade, a qual assume as características de imobilidade, não acompanham o principal
(Informativo 629 do STJ – vide aula 5).

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da
tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a
perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação,
ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.

➔ Em caso de perecimento, a coisa se perde integralmente. Na deterioração, tem-se uma perda parcial.

7.1.2. Dar coisa incerta

A coisa incerta é indicada pelo gênero e pela quantidade – são obrigações genéricas. Por exemplo,
“vou te dar um (quantidade) iphone (gênero)”. A coisa é incerta até que seja escolhida, pois se disser “vou te
dar este iphone”, a coisa já foi escolhida e, portanto, a coisa passa a ser certa.

Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

Indeterminabilidade é temporária – há momento certo para escolha. Eis que, no momento em que a
coisa passa a ser certa, aplicam-se as regras para as obrigações de dar coisa certa.
Via de regra, quando estivermos diante de coisa incerta, a escolha cabe ao devedor, contudo, é
possível que as partes convencionem de forma diversa. É o dispõe o artigo 244, do CC.

Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao
devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem
será obrigado a prestar a melhor.

A escolha é o momento de concentração da obrigação/escolha, a qual vislumbra que a escolha deve


ser feita pela média, não pode ser a pior e nem mesmo a melhor.
Nesse sentido, sendo a coisa incerta e caso haja o inadimplemento da obrigação, eventual ação
judicial, o juiz deverá dar oportunidade ao devedor para exercer seu direito de escolha. Sendo cabível ao
credor impugnar em 15 dias a escolha daquele. Por outro norte, se a coisa for certa, o pedido da parte, desde
logo, é que ordene a entrega da coisa.

205
Dispõe o artigo 812 do CPC.

Artigo 812 do CPC. Qualquer das partes poderá, no prazo de 15 (quinze) dias, impugnar a escolha
feita pela outra, e o juiz decidirá de plano ou, se necessário, ouvindo perito de sua nomeação.

Ademais, a escolha também poderá ser feita por terceiro (inclusive, pode ser feito até por sorteio).
Conforme preleciona o artigo 1930 do CC.

Art. 1.930. O estabelecido no artigo antecedente será observado, quando a escolha for deixada a
arbítrio de terceiro; e, se este não a quiser ou não a puder exercer, ao juiz competirá fazê-la,
guardado o disposto na última parte do artigo antecedente.

Via de regra, o gênero nunca perece. A partir disso, dispõe o artigo 246 do CC: “Antes da escolha, não
poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito”.
Contudo, o professor Pablo Stolze neste ponto, faz uma ponderação reflexiva, o qual afirma que o artigo 246
é falho, pois quando se fala em gênero limitado na natureza, poderá perecer. Por exemplo, obrigação de
entregar determinada espécie em extinção. Caso ocorra a morte do animal, não é possível fazê-lo substituir,
tendo em vista o perecimento do gênero.

7.1.3. Perecimento X Deterioração

Quem suporta o prejuízo? Se antes da tradição, o prejuízo é do dono “res


perit domino”.

Perecimento É a perda total.

Deterioração É a perda parcial.

Perecimento na entrega Sem culpa: (art. 234 - 1ª parte) Obrigação


extinta para ambas as partes, que voltam ao “status
quo ante”; se já recebeu pela coisa tem que devolver o
valor (art. 492).

Com culpa: (art. 234 - 2ª parte) Responde o


devedor por perdas e danos mais o equivalente.

Deterioração na entrega Sem culpa: (art. 235) Credor pode resolver a


obrigação ou aceitar a coisa, abatido do preço o valor
que perdeu.

206
Com culpa: (art. 236) Credor pode exigir o
equivalente ou aceitar a coisa no estado em que se
acha, com direito de reclamar perdas e danos.

Perecimento na restituição Sem culpa: (art. 238) O credor sofre a perda,


ressalvados os direitos até o dia da perda.

Com culpa: (art. 239) Responde pelo


equivalente mais perdas e danos.

Deterioração na restituição Sem culpa: (art. 240) Credor recebe como se


encontra a coisa e sem direito a indenização.

Com culpa: (art. 239) Responde pelo


equivalente mais perdas e danos.

OBS.: Perdas e danos constitui somatório de indenização que a parte pode pleitear em virtude do
não cumprimento de uma obrigação. Por exemplo, dano moral, lucro cessante, dano emergente, honorários
de advogado, entre outras.

7.2. OBRIGAÇÃO DE FAZER

É a obrigação que tem por objeto a prestação de um fato, podendo ser, personalíssima (infungível)
ou não personalíssima (fungível). Abrange o serviço humano em geral, seja material ou imaterial. Constitui-
se de atos e serviços - qualquer atividade lícita, possível e vantajosa.
Por exemplo, a pessoa contrata um advogado para redigir um contrato; contrata cantor para cantar
na festa de casamento; contrata um pedreiro para construir uma casa, dentre outras variadas possibilidades
de obrigação de fazer.
A obrigação de fazer, tal qual a obrigação de dar, constituem uma prestação positiva. Mas nesta
oportunidade, analisa-se se a obrigação é personalíssima ou não.

• Obrigação personalíssima: também chamada de obrigação infungível, trata-se de uma obrigação de


fazer que deva ser prestada exatamente por aquela pessoa que foi contratada. Por exemplo, se
contratada Ivete Sangalo para tocar na festa de casamento, a cantora é insubstituível.
A obrigação de fazer infungível é definida pela pessoa contratada, por suas qualidades ou pela
própria instituição em contrato.

207
• Obrigação não personalíssima: também denominada de obrigação fungível, é a possibilidade de
substituição daquele que deve prestar o serviço. Por exemplo, contrato pedreiro para construir o
muro, nada impede que em caso de não cumprimento da obrigação, ele seja substituído por outro.

Desse modo, em se tratando de uma obrigação infungível e o devedor não cumpre a obrigação por
sua culpa, incidirá perdas e danos. Vejamos:

Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele
só imposta, ou só por ele exequível.

Na mesma linha, o não cumprimento de uma obrigação fungível, sem culpa do devedor, não incidirá
perdas e danos, mas, havendo culpa, incidirá.

Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a
obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.

Ademais, caso o devedor em uma obrigação fungível não cumpre a obrigação, o terceiro pode
cumprir em seu lugar. Em caso de urgência, a contratação do terceiro pode ser feita sem autorização do
magistrado.

Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa
do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.
Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial,
executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.

Notadamente, as obrigações alhures mencionadas possuem íntima ligação com o direito processual
civil, especialmente, no estudo do processo de execução. Pois, quando se fala em execução tem-se o
cumprimento de uma obrigação (direito subjetivo de crédito). Assim sendo, o princípio da especialidade é a
busca da tutela específica, ou seja, é conceder aquilo que foi pactuado entre as partes; que é de direito do
credor. Diante disso, as técnicas executivas devem ser suficientes para alcançar ao credor a tutela específica.
As técnicas indiretas executivas de coerção que são utilizadas para fazer cumprir uma obrigação de
fazer, podem ser de duas modalidades:
(i) prisão, utilizada para prisão civil do devedor de alimentos;

208
(ii) multas, que podem ser: multas legais (previstas na lei – obrigação de dar quantia certa) e multa
judicial - astreintes (podem ser fixadas pelo juiz na sentença e na execução, não transitam em julgado, pode
ser majorada se insuficiente, ou reduzida se excessivamente onerosa). Vale mencionar, que as astreintes são
fixadas de acordo com o caso concreto e a favor do credor.
Nesse trilhar, caberá ao credor além da tutela específica, o pagamento da quantia referente às
astreintes, que são fixadas por dia e somente se encerra com a satisfação da obrigação.
Estatui o artigo 814, do CPC.

Art. 814. Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título extrajudicial, ao
despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data
a partir da qual será devida.

No processo de execução e no cumprimento de sentença, as astreintes podem ser encontradas: execução


para entrega de coisa (desde que não seja dinheiro), obrigação de fazer e não fazer.

- Se a obrigação de Fazer não for cumprida?

Primeiramente, deve-se verificar se a obrigação é fungível ou infungível.

• Fungível: terceiro poderá satisfazer a obrigação às custas do devedor OU converter em perdas e


danos (art. 816, do CPC).

• Infungível: são obrigações que somente o devedor pode cumprir, caso em que o inadimplemento
converte-se em perdas e danos.

Dispositivos do Código de Processo Civil

Art. 816. Se o executado não satisfizer a obrigação no prazo designado, é lícito ao exequente, nos próprios
autos do processo, requerer a satisfação da obrigação à custa do executado ou perdas e danos, hipótese
em que se converterá em indenização.
Parágrafo único. O valor das perdas e danos será apurado em liquidação, seguindo-se a execução para
cobrança de quantia certa.

209
Art. 817. Se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento do
exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado.
Parágrafo único. O exequente adiantará as quantias previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz
houver aprovado.

Art. 818. Realizada a prestação, o juiz ouvirá as partes no prazo de 10 (dez) dias e, não havendo
impugnação, considerará satisfeita a obrigação.
Parágrafo único. Caso haja impugnação, o juiz a decidirá.

Art. 819. Se o terceiro contratado não realizar a prestação no prazo ou se o fizer de modo incompleto ou
defeituoso, poderá o exequente requerer ao juiz, no prazo de 15 (quinze) dias, que o autorize a concluí-la
ou a repará-la à custa do contratante.
Parágrafo único. Ouvido o contratante no prazo de 15 (quinze) dias, o juiz mandará avaliar o custo das
despesas necessárias e o condenará a pagá-lo.

Art. 820. Se o exequente quiser executar ou mandar executar, sob sua direção e vigilância, as obras e os
trabalhos necessários à realização da prestação, terá preferência, em igualdade de condições de oferta,
em relação ao terceiro.
Parágrafo único. O direito de preferência deverá ser exercido no prazo de 5 (cinco) dias, após aprovada a
proposta do terceiro.

Art. 821. Na obrigação de fazer, quando se convencionar que o executado a satisfaça pessoalmente, o
exequente poderá requerer ao juiz que lhe assine prazo para cumpri-la.
Parágrafo único. Havendo recusa ou mora do executado, sua obrigação pessoal será convertida em perdas
e danos, caso em que se observará o procedimento de execução por quantia certa.

7.3. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER

A obrigação de não fazer tem por objeto uma prestação negativa, um comportamento omissivo do
devedor, e está regulada nos artigos 250 e 251 do CC.
É um dever de abstenção de um fato.

Indaga-se: Como que o devedor descumpre a obrigação de não fazer?


R: Quando ele faz!

Desse modo, a execução da obrigação de não fazer, é um fazer, e o credor requererá o desfazimento
daquilo que não deveria ser sido feito.

OBS.: O artigo 814 do CPC também é aplicado nas obrigações de não fazer.

Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne
impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.

210
Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o
desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.
Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer,
independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.

- Se a obrigação de Não Fazer não for cumprida?

Deve-se verificar se a obrigação é permanente/contínua ou instantânea.

• Permanente/contínua: terceiro poderá satisfazer a obrigação às custas do devedor MAIS perdas e


danos.

• Instantânea: são obrigações que não admitem serem desfeitas, em caso de inadimplemento,
converte-se em perdas e danos.

Art. 822 do CPC. Se o executado praticou ato a cuja abstenção estava obrigado por lei ou por
contrato, o exequente requererá ao juiz que assine prazo ao executado para desfazê-lo.

Art. 823 do CPC. Havendo recusa ou mora do executado, o exequente requererá ao juiz que mande
desfazer o ato à custa daquele, que responderá por perdas e danos.
Parágrafo único. Não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em perdas e danos,
caso em que, após a liquidação, se observará o procedimento de execução por quantia certa.

8. Obrigações Alternativas

Nas obrigações divisíveis, indivisíveis e obrigação solidária tem-se uma pluralidade de sujeitos (vários
credores ou vários devedores, ou vários credores e devedores na mesma relação obrigacional).
As obrigações alternativas não envolvem incertezas, mas envolve a prestação dois objetos ou mais.
Por exemplo, “você tem que me entregar o pincel preto ou o pincel vermelho”.
Em regra, dá-se ao devedor a alternativa de escolha. Contudo, nada impede que seja estipulado de
forma diversa, por exemplo, pactuam que a escolha será do credor; do terceiro; por sorteio etc. (art. 252 do
CC).
Desse modo, se eventualmente o credor interpuser uma ação de execução decorrente de um título
executivo extrajudicial em face do devedor, a qual prevê o cumprimento de uma obrigação alternativa, deve-
se oportunizar ao devedor seu direito de escolha.

211
Atenção! Pedido de cumulação alternativa – pedido alternativo que pode ser cumprido de duas
formas, mas a escolha cabe ao magistrado - tutelado pelo Código de Processo Civil é distinto de obrigação
alternativa.
Por outro lado, quando estivermos diante de uma ação de conhecimento, o autor não faz pedido de
cumulação alternativa, mas pedido alternativo.
As obrigações alternativas encontram-se guarida nos artigos 252 ao 256 do CC.

Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou.
§ 1º Não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra.

➔ Por exemplo, o devedor deve entregar ao credor 50 computadores ou 50 impressoras e à escolha


cabe ao devedor.
➔ O que não pode ser feito neste caso, é o cumprimento da obrigação mediante entrega de 25
computadores e 25 impressoras. Tal situação encontra respaldo na regra de ouro disposta no artigo
313, do CC: “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais
valiosa”. Todavia, caso o devedor consinta em receber prestação diversa, ter-se-á dação em
pagamento.

§ 2º Quando a obrigação for de prestações periódicas, a faculdade de opção poderá ser exercida em
cada período.

➔ Prestações periódicas são aquelas que se prolonga no tempo. Se, por exemplo, durante o lapso
temporal de 12 meses e no dia 10 de cada mês o devedor deva entregar ao credor 50 computadores
ou 50 impressoras. Optando o devedor no primeiro mês pela entrega de 50 computadores, não
significa que nos demais meses ele deverá entregar tão somente os computadores. Ou seja, as
escolhas serão renovadas periodicamente.

§ 3º No caso de pluralidade de optantes, não havendo acordo unânime entre eles, decidirá o juiz,
findo o prazo por este assinado para a deliberação.

➔ Em uma situação hipotética em que dois são os devedores, a escolha deve ser feita de forma
conjunta. Havendo divergência na escolha do objeto, caberá ao magistrado a escolha. (Recorrente
em provas)

§ 4º Se o título deferir a opção a terceiro, e este não quiser, ou não puder exercê-la, caberá ao juiz a
escolha se não houver acordo entre as partes.

212
➔ Competindo a escolha a um terceiro, e este não puder ou não quiser exercer a escolha, caberá ao
magistrado à escolha.
➔ Cuidado! A escolha somente será do credor se o contrato assim o prever.

Art. 253. Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada inexequível,
subsistirá o débito quanto à outra.

➔ Desse modo, se alguma das prestações tornarem inexequível, por exemplo, por perecimento do
objeto, a outra subsistirá.

Art. 254. Se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo
ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais
as perdas e danos que o caso determinar.

➔ Havendo perecimento de um dos objetos, a escolha persistirá naquele que se encontra íntegro
(objeto que sobrou). Contudo, havendo perecimento deste último também, por culpa do devedor,
caberá a este o pagamento do objeto escolhido (aquele objeto que havia sobrado), mais perdas e
danos.

Art. 255. Quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se impossível por culpa
do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e
danos; se, por culpa do devedor, ambas as prestações se tornarem inexequíveis, poderá o credor
reclamar o valor de qualquer das duas, além da indenização por perdas e danos.

Art. 256. Se todas as prestações se tornarem impossíveis sem culpa do devedor, extinguir-se-á a
obrigação.

➔ Inexistindo culpa do devedor, resolve-se a obrigação, é o retorno do status quo ante.

9. Obrigações Divisíveis e Indivisíveis

Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição
considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. Por exemplo, o dinheiro, saca de café etc. Já os
bens indivisíveis são aqueles que não admitem fracionamento, pois, se houver, perdem sua qualidade. Têm-
se como exemplo de bens indivisíveis os animais.
Torna-se relevante o estudo das obrigações divisíveis e indivisíveis quando houver pluralidade de
credores. Desse modo, havendo um credor e um devedor, não há relevância em sabermos se a obrigação é

213
divisível ou indivisível. A problemática reside na situação em que houver um credor com vários devedores ou
vários credores com apenas um devedor – nessa situação, é necessário sabermos se a obrigação é divisível
ou não.
Desse modo, em uma obrigação divisível, por exemplo, em que três devedores devem três mil reais
ao credor, cada devedor está obrigado ao pagamento de mil reais – fracionam-se as obrigações em quantos
forem os sujeitos.
Por outro norte, se a prestação envolver uma obrigação indivisível, por exemplo, em que dois
devedores devem entregar ao credor um cavalo que custa dois mil reais, cada devedor estará obrigado pela
dívida toda. No entanto, se a obrigação for cumprida por apenas um dos devedores, este se sub-roga no
direito do credor em relação ao outro devedor. A partir disso, aquele devedor que não cumpriu a obrigação
torna-se devedor daquele que pagou na quantia de mil reais – quota parte na obrigação (art. 259, parágrafo
único do CC).
Dispositivos relevantes:

Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-
se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores.

➔ Em suma, quando a obrigação é divisível cada sujeito terá o direito de pagar ou de receber, a sua
quota parte. Desse modo, se em uma obrigação possui somente um devedor com vários credores,
cada credor poderá exigir do devedor sua referida quota.

Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não
suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão
determinante do negócio jurídico.

➔ Conforme visto em aula anterior, a indivisibilidade da obrigação pode ser determinada pela vontade
das partes. Mas na maioria das situações, a indivisibilidade é inerente ao próprio objeto da obrigação.

Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obrigado
pela dívida toda.
Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos
outros coobrigados.

Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira; mas o
devedor ou devedores se desobrigarão, pagando:
I - a todos conjuntamente;
II - a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.

Art. 261. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o
direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total.

214
Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas
estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente.

➔ Remitir = perdão

Parágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação, novação, compensação ou


confusão.

➔ Transação = acordo
➔ Novação = extinção de uma obrigação, para criação de outra.
➔ Compensação = compensar as dívidas.
➔ Confusão = quando a pessoa do credor e do devedor se concentrarem na mesma pessoa.

Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos.

➔ No momento em que o bem deixa de ser indivisível, cessa as regras de indivisibilidade. Por conta
disso, se o devedor está obrigado a entregar um cavalo para dois credores, e o animal morre, o
devedor deverá pagar a quantia de dois mil reais (valor do bem). Tendo em vista que dinheiro é
divisível, aplicam-se as regras de divisibilidade.

§ 1º Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores, responderão todos
por partes iguais.

➔ Seguindo o exemplo apresentado acima, havendo dois devedores obrigados na entrega de um cavalo
no valor de dois mil reais. Se a coisa vier a se perder por culpa dos devedores, cada um responderá
pelo valor de mil reais (equivalente - valor do animal) mais a importância referente às perdas e danos.

§ 2º Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas perdas e


danos.

➔ Havendo culpa apenas de um dos devedores, o valor sobre o equivalente continua sendo dos dois
devedores, mas o culpado na morte do cavalo deverá arcar com as perdas e danos.
10. Das Obrigações Solidárias
*Tema recorrente em provas

Obrigações solidárias são aquelas em que concorrem mais de um credor ou mais de um devedor em
uma obrigação – pluralidade de sujeitos. Solidariedade ativa é aquela em que há uma pluralidade de
credores; na solidariedade passiva, tem-se uma pluralidade de devedores.
Regras básicas relacionadas à solidariedade:

215
Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um
devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.

➔ Na solidariedade ativa, pressupõe vários credores, cada um possui o direito ao recebimento do todo.
Na solidariedade passiva, cada devedor tem obrigação pelo pagamento do todo. A solidariedade “é
um por todos”.

Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

➔ Exemplo de solidariedade legal: No contrato de fiança, se os fiadores renunciarem o benefício de


ordem (exigência de que seja executado por primeiro os bens do devedor, para em seguida atingir
os bens dos fiadores), serão considerados devedores solidários juntamente com o devedor principal.
➔ Atente-se: Se uma situação hipotética for cobrada em prova envolvendo solidariedade, deve-se fazer
a seguinte indagação. Essa situação enseja solidariedade legal ou não? Se considerar que NÃO,
somente pode-se considerar que há solidariedade se tiver constando na situação hipotética que de
fato há uma solidariedade. Haja vista que a solidariedade não se presume!
➔ Nas obrigações solidárias pouco importa se as obrigações são divisíveis ou indivisíveis, pois o credor
ou os credores terão direito ao todo, e o devedor ou os devedores terão a obrigação pelo todo.

Art. 266. A obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos co-credores ou co-devedores, e
condicional, ou a prazo, ou pagável em lugar diferente, para o outro.

➔ Embora tenha pluralidade de sujeitos, têm-se várias relações jurídicas/vínculos jurídicos de cada
credor, em face de cada devedor. Sendo possível, portanto, que em face de um dos devedores
subsista uma condição; em face do outro, o lugar do cumprimento da obrigação é distinto dos
demais; e em relação a outro devedor, o prazo para pagamento é diferenciado etc.
➔ Não é porque existe solidariedade que todas as relações jurídicas serão estritamente iguais, permite-
se que haja peculiaridades diferenciadas dentro das respectivas classes de devedores e/ou credores.

10.1. Da Solidariedade Ativa

A solidariedade ativa consiste na pluralidade de credores. Sendo possível que haja pluralidade de
sujeitos em ambos os polos da demanda.
Dispositivos pertinentes:

Art. 267. Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da
prestação por inteiro.

216
➔ Na hipótese de haver quatro credores solidários e um devedor, referente a um montante de quatro
mil reais. Cada co-credor tem direito de receber e cobrar a totalidade da dívida em face do devedor.

Art. 268. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor comum, a qualquer
daqueles poderá este pagar.

➔ Neste caso, enquanto nenhum dos credores ingressam com ação em face do devedor, este poderá
pagar para qualquer deles.
➔ No que diz respeito à divisibilidade e indivisibilidade, a regra é diversa. E no caso de obrigação
divisível, o devedor deverá pagar para cada credor sua quota parte, ao passo que na obrigação
indivisível o bem é entregue a todos os credores de forma conjunta ou ocorre à entrega para um
deles, mediante caução de ratificação dos demais.
➔ Havendo solidariedade ativa em face de uma obrigação indivisível, na entrega de um cavalo, por
exemplo, não é necessária caução de ratificação e nem mesmo a entrega do bem de forma conjunta.
Visto que existe uma prévia autorização imposta pela própria solidariedade ativa de que qualquer
credor pode receber a obrigação na totalidade, seja um bem divisível, seja bem indivisível.

Assertiva de prova:
“Na solidariedade ativa para entrega de bem indivisível a um dos co-credores, deve haver caução de
ratificação dos demais” → Incorreta.

➔ Além do mais, se apenas um credor ingressa com ação em face do devedor, este deverá adimplir a
obrigação em face daquele que ajuizou a ação, por própria disposição do artigo 268. Em virtude disso,
a demanda fará coisa julgada material, ou seja, atingirão os demais credores, haja vista que o devedor
se desonera da obrigação pagando a qualquer deles.
São modalidades de coisa julgada material:

• Coisa julgada inter partes: é a regra, atinge as partes do processo.


• Coisa julgada ultra partes: é aquela que atinge pessoa que não seja participante do processo.
• Coisa julgada erga omnes: é aquela presente nos processos abstratos, que discutem, por exemplo,
controle de constitucionalidade. A decisão atinge todos os jurisdicionados.

- A solidariedade ativa e passiva é exemplo de coisa julgada material ultra partes. Isso porque, a
coisa julgada na demanda proposta por um dos credores solidários atingirá os demais. Ou seja, tem-
se uma coisa julgada que atinge quem não é parte - pois todos os credores poderiam ajuizar ação

217
conjuntamente formando litisconsórcio ativo. Nesse contexto, ter-se-á um litisconsórcio facultativo
unitário, ou seja, a decisão será unânime para todos.
Importante ponderar ainda, que caso o juiz entenda necessário, poderá determinar a citação de
interessados/credores, é a chamada intervenção iussu iudicis, ou seja, é aquela provocada pelo juiz
a qual determina o ingresso daqueles que poderiam participar do processo em virtude de um
litisconsórcio facultativo, mas como é unitária, a decisão daquele processo poderá atingir todos.

Art. 269. O pagamento feito a um dos credores solidários extingue a dívida até o montante do que
foi pago.

Art. 270. Se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um destes só terá direito a
exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação
for indivisível.

➔ Por exemplo, em uma relação obrigacional composta por um devedor e quatro credores, em virtude
de um montante de quatro mil reais. Havendo falecimento do credor 1, deixando como herdeiro seus
dois filhos, estes terão direito de receber a quota parte que era devido ao falecido. Desse modo, se
a dívida era de quatro mil reais, cada credor poderá exigir o valor total da dívida, mas os herdeiros
não poderão exigir o montante integral, pois cada filho do de cujus receberá a quota do crédito que
corresponde seu quinhão hereditário, que no caso seria 500 reais.
➔ Agora, se a obrigação for indivisível, tendo por objeto a entrega de um cavalo, por exemplo, os filhos
do de cujus poderiam exigir o bem – em razão da invisibilidade do objeto.

Art. 271. Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos, a
solidariedade.

➔ Em se tratando de obrigação solidária na entrega do cavalo, havendo morte do animal, todos os


devedores permanecem obrigados pelo valor integral do animal.

Art. 272. O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá aos outros pela
parte que lhes caiba.

➔ Havendo o perdão da dívida por um dos credores solidários, significa que ele está perdoando a dívida
inteira, de modo que o respectivo credor se obriga ao pagamento da quota parte dos demais.

Art. 273. A um dos credores solidários não pode o devedor opor as exceções pessoais oponíveis aos
outros.

➔ Exceção pessoal é defesa pessoal.

218
➔ O devedor poderá apresentar defesa geral e defesa pessoal. Mas a defesa pessoal fica atrelada ao
devedor/demandado e o credor/demandante. De modo que o devedor/demandado não poderá
opor exceção pessoal de outro co-devedor.

Art. 274. O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o
julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito
de invocar em relação a qualquer deles.

➔ Típico exemplo de coisa julgada ultra partes.

10.2. Da Solidariedade Passiva

Solidariedade passiva é aquela que possui pluralidade de devedores, e o credor, por sua vez, pode
exigir de qualquer devedor o cumprimento da obrigação por inteiro, seja o bem divisível ou indivisível.

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou
totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores
continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra
um ou alguns dos devedores.

Art. 276. Se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum destes será obrigado
a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for
indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos
demais devedores.

➔ Em uma relação processual em que há único credor e onze devedores solidários na quantia de onze
mil reais. Havendo o falecimento de um dos devedores, deixando dois herdeiros – filhos -, o credor
somente poderá exigir de cada herdeiro a quota do quinhão hereditário de cada um (mil reais), salvo
se a obrigação for indivisível.
➔ Contudo, será possível ainda, que o credor ajuíze ação em face de um dos filhos do de cujus cobrando
a respectiva quota. Além do mais, tendo em vista que a herança constitui um todo, o credor poderá
cobrar toda a dívida do herdeiro, e este sub-roga nos direitos do credor para cobrar os demais
devedores.
➔ Vale destacar que no momento do falecimento do autor da herança, através do princípio da saisine,
tem-se a transmissão imediata dos ônus e dos bônus. De modo que se o de cujus tinha crédito a
receber, os créditos serão transferidos para os herdeiros; em caso de dívidas, também haverá
responsabilização pelo pagamento até os limites da herança.

219
Art. 277. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida não
aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada.

➔ Seguindo o exemplo acima, se um dos devedores solidários paga a quantia de mil reais, continua
existia solidariedade em relação ao restante da obrigação. Bem como, perdoando o credor um dos
devedores, continua existindo solidariedade em relação ao restante da dívida, que seria dez mil reais.

Art. 278. Qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um dos devedores
solidários e o credor, não poderá agravar a posição dos outros sem consentimento destes.

➔ Havendo solidariedade passiva em relação aos onze mil reais. E, realizado acordo entre credor e um
dos devedores, impondo-o outra obrigação, este acordo não vincula/obriga os demais devedores.

Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para
todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.

➔ Suponhamos que os devedores devem entregar um cavalo que corresponde à quantia de onze mil
reais. Se o animal vier a falecer por culpa de um dos devedores, os demais devedores ficam obrigados
pelo pagamento do equivalente (valor do animal). Aquele que agiu com culpa responderá também
pelas perdas e danos.

Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta
somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida.

➔ Não havendo o cumprimento da obrigação até a data estipulada, todos os devedores respondem
pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um dos devedores.
Todavia, aquele devedor que agiu com culpa e deu causa ao acréscimo, estará obrigado ao
pagamento desse acréscimo.

Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as
comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro co-devedor.

➔ É por isso que o devedor que esta sendo demandado em uma ação judicial, não poderá opor exceção
pessoal de outro devedor que foi coagido pelo credor, por exemplo.

Art. 282. O credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os
devedores. (Dispositivo recorrente em provas).

220
➔ Renunciar a solidariedade não significa perdoar a dívida. Desse modo, se o credor renunciar a
solidariedade a um dos devedores, em relação aos demais, a solidariedade permanece íntegro e o
credor cobrará o restante da obrigação de qualquer deles (dez mil reais).

Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou mais devedores, subsistirá a dos


demais.

Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores
a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais,
no débito, as partes de todos os co-devedores.

➔ Havendo algum devedor insolvente – aquele que não tem bens para pagamento da dívida – a quota
parte que seria dele, devem ser partilhados entre os demais devedores solidários para cumprimento
da obrigação.

Art. 284. No caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os exonerados da


solidariedade pelo credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente.

➔ Quando o credor libera da solidariedade qualquer um dos devedores, a quota do insolvente também
integrará a quota daquele que foi exonerado da solidariedade.

Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por
toda ela para com aquele que pagar.

➔ Havendo solidariedade entre o locatário e fiador (este somente é devedor em razão da renúncia ao
benefício de ordem da fiança, por exemplo). Se este paga a dívida por inteiro, cobrará a integralidade
da dívida do locatário, visto que a responsabilidade do fiador somente ocorreu em razão do não
cumprimento de uma obrigação que cabia ao locatário.

Pergunta:
1- Qual o conflito existente entre o processo civil e o direito civil no que tange a solidariedade passiva?
R: No direito civil, observa-se de forma clara que o credor possui a prerrogativa de selecionar contra
quem ele irá demandar. No entanto, quando aquele devedor é citado no processo, ele poderá através do
instituto da intervenção de terceiro, denominado de chamamento ao processo, indicar os demais
devedores solidários a fim de integrar a lide (art. 130, inciso III do CPC).
Art. 130. É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu:
III - dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da
dívida comum.

221
Quanto à divisibilidade do objeto

Só haverá esta classificação se houver pluralidade de credores. Ou seja, importa saber se ela divisível
ou indivisível se houver mais de um credor ou mais de um devedor.

• obrigação divisível
• obrigação indivisível

a) Obrigação divisível

Poderá ser divisível quando puder ser cumprida de forma fracionada.

Segundo o art. 257, havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível,
essa se presume dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores.

Isto significa que se houver uma obrigação divisível e pagar 100 mil reais e houver 10 credores,
presume-se que cada um deles teria direito a 10 mil reais. E se houver 10 devedores, presume-se que cada
um deles deve 10 mil reais.

Esta é a presunção! Se o instrumento contratual trouxer outra previsão, a outra prevalecerá.

b) Obrigação indivisível

Ocorrerá quando não puder ser fracionada o cumprimento.

Em relação à obrigação indivisível, esta impossibilidade de fracionamento pode decorrer da própria


natureza do objeto da prestação, ou por razões econômicas, ou ainda por algum motivo determinante do
negócio jurídico.

A indivisibilidade poderá ser natural, legal ou por convenção das partes.

Na maioria das vezes, a indivisibilidade é econômica, pois o fracionamento das coisas gera a sua
desvalorização, tendo origem na autonomia privada.

Flávio Tartuce estabelece que, se houver 2 ou mais devedores, cada um será obrigado a dívida toda,
pois a obrigação é indivisível. Mas o devedor que paga a dívida toda sub-roga-se no direito do credor em
relação ao outro ou aos outros coobrigados. Há aqui um caso de sub-rogação legal.

Em caso de pluralidade de credores na obrigação indivisível, estes credores poderão exigir a


obrigação por inteiro. Porém o devedor só vai se desonerar se pagar a todos os credores conjuntamente, ou
a um dos credores, quando este der caução de ratificação de concordância dos outros credores.

222
Flávio Tartuce estabelece que se um dos credores remitir ou perdoar a dívida, a obrigação não fica
extinta com relação aos demais. Mas estes demais só poderão exigir aquela obrigação, descontando a parcela
do credor que remitiu ou perdoou a dívida. E este mesmo critério vai ser observado no que toca à transação,
novação, compensação ou confusão com relação aos demais credores.

Supondo que Samer tenha 3 credores, pois vendeu a eles um boi que custa 30 mil reais. Um dos
credores perdoou a dívida, não querendo mais o boi. No entanto, os outros dois continuam querendo o boi.
Neste caso, os credores têm direito ao boi, mas deverão pagar 10 mil reais para ter direito ao recebimento
deste boi. A obrigação continua indivisível, mas é preciso descontar do valor a quota parte daquele que
perdoou a dívida que existia.

A obrigação indivisível perde o seu caráter se for convertida em perdas e danos. Ex.: o boi morreu,
razão pela qual Samer deverá entregar 30 mil reais aos credores. A partir de então, a obrigação passa a se
tornar divisível. Veja que, na obrigação solidária, a conversão em perdas e danos não desnatura a
solidariedade.

Havendo perecimento do objeto da prestação indivisível, por culpa de um só dos devedores,


estabelece o Enunciado 540 do CJF que todos os devedores irão responder de maneira divisível pelo
equivalente do bem que pereceu, mas só o culpado responderá por perdas e danos.

Este entendimento não é pacífico. Tartuce defende que com a conversão em perdas e danos, se
houver culpa de apenas um dos devedores, este deverá arcar com o pagamento da coisa e com a indenização,
ficando todos os demais totalmente desobrigados.

Samer entende que deve adotar o Enunciado do CJF.

4. Adimplemento das obrigações (Teoria do Pagamento)

Como se sabe, é por meio do pagamento que se tem a liberação do devedor em relação ao vínculo
obrigacional que ele tinha firmado com o credor.

I. Pagamento direto

Quando se fala em pagamento direto interessa os elementos subjetivos da obrigação, ou seja, o


solvens e o accipiens. Elementos subjetivos são os sujeitos daquela relação.

a) Solvens

É aquele que irá solver a obrigação, ou seja, é quem vai pagar. Via de regra, o solvens é o devedor,
mas outras pessoas também podem pagar.

223
O art. 304 do CC diz que qualquer interessado na extinção da dívida pode pagar, usando, se o credor
se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Quem é o terceiro interessado na dívida?

É aquela pessoa que tenha interesse patrimonial na extinção daquela dívida, como o fiador, avalista,
herdeiro, etc.

Havendo o pagamento pelo interessado, ele irá se sub-rogar nos direitos do credor. Há uma sub-
rogação legal. O pai que paga a dívida do filho não é terceiro interessado, devendo haver interesse jurídico.

Cabe ressaltar que o solvens poderá ser o terceiro não interessado. Se o terceiro não interessado
fizer o pagamento em seu próprio nome, terá direito ao reembolso, não se sub-rogando nas posições do
credor. Na verdade, terá direito apenas ao reembolso. Se pagar a dívida antes do vencimento, só terá direito
ao reembolso quando houver o vencimento daquela dívida.

E se o terceiro não interessado fizer o pagamento em nome do devedor, e em conta desse devedor?

Não existindo oposição do devedor quanto a este pagamento, que o terceiro não interessado faz em
seu nome, este terceiro não interessado não terá direito a nada. Neste caso, considera-se como se tivesse
feito uma doação, já que fez em nome do devedor e não houve oposição desse devedor.

Diferente é o art. 306, que diz que realizado o pagamento por terceiro não interessado, em seu
próprio nome (terceiro), sem conhecimento ou havendo oposição do devedor, não existirá a obrigação de
reembolso em relação a este terceiro, se o devedor provar que ele tinha meios para ilidir a ação do credor.
Ex.: disser que a dívida estava prescrita, situação na qual não poderá cobrar do devedor.

Por outro lado, se o devedor não prova que tinha meio para ilidir a ação do credor, aí é claro que
deverá pagar ao terceiro não interessado, a despeito de ter pago com a oposição, visto que o sujeito deveria
ter de pagar de alguma forma ao credor. Mas como o terceiro pagou, terá este direito ao reembolso. Isso
porque a lei veda o enriquecimento sem causa.

O que obsta o direito ao reembolso é considerar que o devedor poderia dizer que não pagaria o
credor, pois ele era devia ao devedor, razão pela qual seria compensada a dívida, ou a dívida estava prescrita,
ou ainda havia confusão. Se o devedor conseguir provar que não iria pagar a dívida, o terceiro não interessado
não terá direito a reembolso.

O art. 307 estabelece que só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade,
quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu. Ou seja, veda-se a venda a non domino,
ou seja, alienação por quem não é dono.

224
O parágrafo único diz que, se a parte der em pagamento coisa fungível que pertença a um terceiro,
não será mais possível que este terceiro reclame do credor que recebeu de boa-fé a coisa fungível e que a
consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

b) Accipiens

É quem vai receber o pagamento, ou seja, a quem se deve pagar.

Quem recebe normalmente é o credor, mas o pagamento pode ser feito a um representante do
credor, que tenha poderes para receber o pagamento. Caso este representante não tenha poderes, este
pagamento só irá valer após uma ratificação do credor, ou ainda se o devedor provar que houve a reversão
do pagamento em proveito do credor.

O art. 309 do CC é válido o pagamento ao credor putativo, ou seja, aquele que parece credor, mas
que não o é, desde que o credor tenha agido com boa-fé. Este dispositivo aplica a teoria da aparência.

Ex.: Eduardo é locatário de um imóvel e vem fazendo pagamentos do aluguel na imobiliária X. Após
um ano, o locador mudou para imobiliária Y, sem informar ao locatário. Neste caso, Eduardo continuou
depositando em favor da imobiliária X. Este é credor putativo, pois o devedor fez pagamentos por meio da
teoria da aparência.

Segundo o art. 310, não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de dar quitação, salvo
se o devedor provar que houve reversão do valor pago em favor daquele credor incapaz de dar quitação.

É preciso conferir uma interpretação extensiva para esta incapacidade, não abrangendo apenas a
incapacidade stricto sensu (absoluta e relativa), funcionando também como tal o credor que não tinha
autorização para isso. Neste caso, o pagamento deve acontecer novamente.

O art. 311 diz que deve ser autorizado para receber o pagamento quem está munido do documento
representativo da quitação. Presume-se autorizado a receber o pagamento quem detém o recibo nas mãos,
salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante.

Já o art. 312 enuncia que, se o devedor pagar ao credor, apesar de já ter sido intimado da penhora
feita sobre o crédito, ou sobre a impugnação feita sobre aquele crédito por uma terceira pessoa, não deve
ser tido como válido o pagamento perante o terceiro. Na verdade, será considerado ineficaz, apesar de a lei
falar em invalidade.

Ex.: João é credor do Samer, tendo um cheque de 30 mil reais. João está devendo José, o qual
promove ação de execução contra João. O cheque é penhorado, e Samer já tem ciência disso. Samer faz o
pagamento da dívida em favor de João. Este pagamento é inválido, segundo a lei, em face de José.

225
c) Do objeto e da prova do pagamento direto

Aqui há duas situações distintas:

• Objeto do pagamento
• Prova do pagamento

i. Objeto do pagamento

O art. 313 diz que o objeto da prova é a prestação, e o credor poderá se recusar a receber o que não
foi pactuado, ainda que esta coisa seja mais valiosa do que aquilo que foi pactuado.

Além disso, se não tiver sido acordado o pagamento parceladamente, não se pode obrigar o credor
a receber de forma parcelada, e nem o devedor a pagar parceladamente, salvo se o contrato tiver previsão
nesse sentido.

Mas há uma exceção legal, conforme o art. 916, o qual diz que, no prazo para embargos,
reconhecendo o crédito do exequente, e comprovando o depósito de 30% do valor da execução, acrescido
de custas e honorários de advogado, o executado pode requerer que lhe seja permitido pagar o restante em
até 6 parcelas mensais. Trata-se de uma imposição legal de recebimento parcelado da dívida.

O art. 314 enuncia que, ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor
ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.

Já o art. 315 afirma que, as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda
corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes. Trata-se de aplicação do princípio
do nominalismo, o qual sofrerá temperamentos porque poderá se estar diante de uma hipótese de correção
monetária.

Para se evitar os efeitos da inflação, aplicam-se índices de correção monetária, sendo absolutamente
válido, encontrando previsão no art. 316, o qual afirma que é lícito convencionar o aumento progressivo de
prestações sucessivas, e neste caso tem-se uma cláusula de escala móvel ou escolamento, pois aí consegue
vislumbrar a manutenção do poder aquisitivo ou do valor real da prestação.

O art. 317 estabelece que, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta
entre o valor da prestação devida e o valor do momento de sua execução, poderá o juiz corrigir esta
desproporção, desde que haja pedido da parte, de modo a assegurar o valor real da prestação.

Este dispositivo traz a revisão contratual por um fato superveniente diante de uma imprevisibilidade
que resultou em onerosidade excessiva. É a denominada teoria da imprevisão.

226
O art. 318 diz que são nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira
(cláusula valutar), também são nulas as convenções que prevejam a possibilidade de compensar o valor de
uma prestação com a comparação entre a moeda nacional e uma moeda estrangeira.

Existem exceções, casos em que serão ressalvados pela legislação, como é o caso do art. 2 do DL
857/69, que diz ser estas proibições inaplicáveis aos:

• contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias;


• contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação
de bens e serviços vendidos a crédito para o exterior;
• contratos de compra e venda de câmbio em geral;
• empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e
domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território
nacional;
• contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação
das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas
residentes ou domiciliadas no país.

ii. Prova do pagamento direto

O devedor que paga tem direito a quitação pelo credor, e pode reter o pagamento, enquanto não
lhe seja dada.

Essa quitação deverá ter os seguintes requisitos, previstos no art. 320:

• valor expresso da obrigação


• dívida que está sendo quitada (especificidade)
• identificação do devedor, ou de quem está pagando em seu lugar
• tempo e lugar do pagamento
• assinatura do credor, ou de seu representante

O parágrafo único do art. 320 diz que, ainda que a quitação não tenha os requisitos estabelecidos,
valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias conseguir se perceber que a dívida foi paga.

Deve-se obstar o enriquecimento sem causa do credor.

Existem algumas regras que fazem nascer a presunção de pagamento. Esta presunção é relativa,
admitindo prova em contrário:

• nas obrigações de trato sucessivo, a quitação da última estabelece a presunção de que foram
solvidas as prestações anteriores, salvo se houver ressalva expressa da quitação.

227
• se for dada quitação ao capital, sem a reserva dos juros, presume-se que houve o pagamento dos
juros também. Trata-se de aplicação do princípio da gravitação jurídica.

• a entrega do título ao devedor firma a presunção relativa do pagamento, mas esta presunção de
quitação fica sem efeito se o credor provar em 60 dias que não houve o pagamento.
Flávio Tartuce diz que tal presunção se dará apenas em relação aos títulos de crédito, pois se for
outro instrumento contratual, será presumido o perdão da dívida.

• presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação. Isto é, se o


contrato não tratar sobre de quem serão as despesas, correrão por conta do devedor. Agora, se
houver um aumento dessas despesas por fato imputado ao credor, em relação a este acréscimo,
quem deverá suportar será o credor.

• Se houver o pagamento por medida ou por peso, e havendo silêncio das partes, presume-se que
foi adotado os critérios do lugar da execução da obrigação.
Ex.: Se Samer compra 10 alqueires no Estado de SP, e ele mora em Goiás. Mas qual seria a
metragem do alqueire? Não foi falado. Em São Paulo, 1 alqueire é 24.000m, enquanto em Goiás
1 alqueire é 48.000m. Dessa forma, presume-se que a medida seguirá o critério do lugar da coisa.

d) Do lugar do pagamento direto

Com relação ao lugar do pagamento, a obrigação pode ser classificada em:

• obrigação quesível: é a regra. O devedor fica quieto, não saindo do lugar, pois o pagamento é
feito no seu domicílio. É o credor que vai buscar o pagamento. Há uma presunção relativa de que
as obrigações têm pagamento quesível, salvo se o instrumento negocial, ou a natureza da própria
obrigação, ou mesmo a lei, impuser uma lei em sentido contrário.

• obrigação portável: o local de cumprimento é o domicílio do credor, ou um terceiro lugar.

Designados dois ou mais lugares para o pagamento ser feito, quem escolhe entre eles é o credor.

Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, este


pagamento será feito no lugar em que se encontra o imóvel (o bem).

O art. 329 estabelece que, se ocorrer um motivo grave para que se não justifique o pagamento no
lugar determinado, poderá o devedor fazer o pagamento em outro lugar, sem que gere prejuízo para o
credor. Motivo grave será dito pelo juiz, como enchente, greve no serviço público, etc.

228
O art. 330 estabelece que o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir a renúncia
do credor relativamente ao lugar previsto no contrato. Trata-se da consagração do princípio da boa-fé
objetiva, nascendo a surrectio para o devedor e a supressio para o credor.

• Supressio: é uma supressão, por uma renúncia tácita de um direito pelo seu não exercício pelo
passar do tempo.
• Surrectio: é o nascimento de um direito para a parte em razão do não exercício da outra parte.

e) Do tempo do pagamento

O devedor deverá pagar quando houver o vencimento da obrigação. O vencimento é o momento em


que a obrigação deverá ser satisfeita.

Lembre-se que, salvo disposição legal em contrário, não se ajustando o tempo do pagamento, poderá
o credor exigir imediatamente.

As obrigações condicionais devem ser cumpridas na data em que ocorrerá a condição, cabendo ao
credor a prova de que deste teve ciência o devedor.

A obrigação poderá ser:

• obrigação de execução instantânea: é a obrigação em que é cumprida imediatamente após a


sua constituição. Ex.: compra de pão na padaria.
• obrigação de execução diferida: neste caso, o cumprimento se dá de uma vez só, mas ocorre no
futuro, de forma diferida. Ex.: Samer compra um bem por 10 mil reais, mas ele quer 30 dias para
pagar o valor.
• obrigação de execução continuada (ou de trato sucessivo): o cumprimento da obrigação se dará
por subvenções periódicas. Ex.: comprou um bem por 10 mil reais, mas pagou em 10 meses.

O art. 333 traz um rol de situações em que há o vencimento antecipado da dívida. Se a dívida deve
ser paga no momento do seu vencimento, e se há um rol de vencimento antecipado, há uma antecipação do
pagamento desta dívida.

O vencimento antecipado da dívida poderá ocorrer, situação na qual terá o credor direito de cobrar
a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado:

• quando há falência do devedor, ou de concurso de credores;


• quando os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro
credor;
• quando se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou
reais, e o devedor, tendo sido intimado, se negou a reforçar as garantias.

229
Nestas situações, haverá o vencimento antecipado da dívida.

Mas e se houver uma solidariedade passiva, o devedor solidário também sofrerá o vencimento
antecipado?

NÃO. Não irá se reputar antecipado o vencimento com relação aos demais devedores solventes.

Lembrando que o rol acima é meramente exemplificativo.

II. Das regras especiais de pagamento e das formas de pagamento indireto

a) Do pagamento em consignação

Conceitua-se como um depósito feito pelo devedor da coisa devida, a fim de que o devedor se libere
de uma obrigação, podendo ocorrer na esfera judicial ou na esfera extrajudicial, neste caso o dinheiro é
depositado em estabelecimento bancário oficial.

O pagamento em consignação é um meio indireto de o devedor exonerar-se do liame obrigacional


que vincula o devedor ao credor.

Está sempre relacionada a uma obrigação de dar, não podendo estar relacionada a uma obrigação
de fazer ou não fazer, visto que é necessário depositar a coisa.

O art. 335 estabelece um rol de situações em que a consignação poderá acontecer:

• poderá haver consignação em pagamento se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar
receber o pagamento, ou se recursar a dar quitação;
• poderá haver consignação em pagamento se o credor não for, nem mandar representante para
receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos (obrigação quesível);
• poderá haver consignação em pagamento se o credor for incapaz de receber, for desconhecido,
declarado ausente, ou se o credor residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
• poderá haver consignação em pagamento se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente
receber o objeto do pagamento;
• poderá haver consignação em pagamento se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

Para que a consignação em pagamento seja válida e eficaz, é necessário que o devedor observe todos
os requisitos do pagamento direto, como pessoas, objeto, modo e tempo do pagamento e todos os requisitos
sem os quais não é válido o pagamento.

Promovida a ação de consignação em pagamento, será citado o credor para que apresente
contestação. Na contestação, o credor poderá alegar:

230
• não houve recusa do pagamento
• que houve justa recusa
• que o depósito não foi efetuado no prazo e no lugar do pagamento
• que o depósito não foi integral, situação na qual deverá indicar o valor

O art. 546 do NCPC estabelece que, julgado procedente o pedido, o juiz declarará extinta a
obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios. É o princípio da
causalidade.

O CC, no art. 339, diz que, julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantar o objeto
da consignação, eis que o levantamento da quantia consignada só será possível se os outros devedores
concordarem e os fiadores concordarem. Tanto é que o art. 340 do CC diz que o credor que, depois de
contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer no levantamento, perderá a preferência e a garantia que
lhe competiam com respeito à coisa consignada, ficando para logo desobrigados os codevedores e fiadores
que não tenham anuído.

Se o credor anuiu, a despeito da concordância dos fiadores, eles “lavaram as mãos”, não
respondendo mais em relação àquela dívida.

O art. 342 diz que, se houver a obrigação de dar coisa incerta, é preciso que se faça a escolha
(concentração). Se esta escolha couber ao credor, será ele citado para promover a concentração, sob pena
de não o fazendo perder o direito de escolha, e ser depositada a coisa à escolha do devedor.

O devedor de uma obrigação litigiosa se exonerará através de consignação. Supondo que o devedor
pague a um dos pretendidos credores, tendo o conhecimento do litígio. Neste caso, o devedor de obrigação
litigiosa assumirá o risco do pagamento.

Se ele achou que João venceria e João vencer, não há problema. O problema surge se Pedro pagou a
João, mas quem venceu foi José. Então deverá pagar a José, visto que assumiu o risco, a despeito do litígio
que pesava sob o objeto.

Se a dívida vencer, pendendo litígio entre os credores, pode qualquer dos credores requerer a
consignação. Veja, via de regra, a consignação é requerida pelo devedor, mas no caso do art. 345 é o credor
que pede a consignação (art. 345).

Se houver prestações sucessivas e houver consignação de uma delas, o devedor pode continuar
depositando as que forem se vencendo no curso do processo, sem maiores formalidades.

Deverá fazer este depósito no prazo de 5 dias, contados da data do respectivo vencimento de cada
uma das prestações em que forem se vencendo no curso do processo.

231
O §1º do art. 539 do NCPC estabelece que em se tratando de obrigação em dinheiro, poderá o valor
ser depositado em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento,
cientificando-se o credor por carta com aviso de recebimento, dando o prazo de 10 (dez) dias para a
manifestação de recusa.

Decorrido o prazo de 10 dias, contado do retorno do aviso de recebimento, sem a manifestação de


recusa, será liberado o devedor da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada.

Mas se houver recusa, poderá ser proposta, dentro de 1 (um) mês, a ação de consignação, promovida
pelo devedor, instruindo a inicial com o comprovante do depósito e comprovante da recusa pelo credor.

Não propondo a ação, o depósito ficará sem efeito, podendo o devedor levantar este depósito.

b) Da imputação do pagamento

Imputar é apontar para alguém ou para algo.

Uma pessoa que está obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem
a pessoa o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.

Ex.: Samer deve a João 50 mil reais de um cheque, outro de 50 mil reais e mais um de 50 mil reais.
Cada um desses cheques venceu em 3 meses, 2 meses e 1 mês, respectivamente. Samer deposita 50 mil
reais.

A imputação é dizer qual é a dívida que está sendo paga. Esta escolha geralmente cabe ao devedor,
sendo possível ao contrato estabelecer que esta escolha caiba ao credor.

Caso o devedor não fazer qualquer declaração, transfere-se o direito de escolha ao credor.

Caso não haja manifestação do credor, quem fará a imputação é a própria lei.

A ordem de imputação é a seguinte:

• havendo capital e juros, o pagamento será feito primeiro em relação aos juros.
• havendo duas dívidas, será imputado o pagamento à dívida mais antiga.
• havendo as dívidas com mesmo vencimento, será imputada à dívida mais onerosa.
• não havendo dívida mais onerosa, a imputação será feita a todas as dívidas, na mesma
proporção, apesar de ausência de previsão legal.

Perceba que há uma ordem legal quando o devedor e o credor não exerce este direito que a lei lhes
concede.

232
O ato de imputação é um ato unilateral, razão pela qual é consagrado como uma regra especial de
pagamento.

c) Do pagamento com sub-rogação

Sub-rogar-se é substituir uma coisa por outra. Coloca-se uma coisa no lugar da coisa primitiva. E esta
nova coisa terá os mesmo ônus e mesmos atributos.

Mas se fizer uma substituição não de uma coisa, mas de uma pessoa por outra, tendo esta os mesmos
direitos e as mesmas ações daquela pessoa antiga, haverá uma sub-rogação pessoal.

Na sub-rogação pessoal ativa, troca-se o credor. O que se percebe é que não há extinção da
obrigação, só sendo trocado o credor. Ou seja, uma terceira pessoal passa a ser o credor da relação jurídica
obrigacional.

A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

• do credor que paga a dívida do devedor comum;


• do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que
efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;
• do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em
parte.

O art. 349 afirma que a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e
garantias que o credor primitivo tinha, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

A sub-rogação poderá ser classificada em:

• Sub-rogação legal
• Sub-rogação convencional

i. Sub-rogação legal

São as hipóteses de pagamento feitas por terceiro interessado, o qual irá se sub-rogar na posição do
credor.

Ex.: o credor paga a dívida do devedor comum a outro credor. Samer e João são credores de José de
100 mil reais. Samer dá 50 mil reais a João, passando a ter o crédito de 100 mil reais de José. Neste caso, há
sub-rogação legal.

Também tem sub-rogação legal o adquirente de um imóvel hipotecado que paga ao credor
hipotecário, situação na qual ficará sub-rogado na posição de credor hipotecário.

233
Também será possível a sub-rogação do terceiro interessado que paga a dívida pela qual podia ser
responsabilizado.

ii. Sub-rogação convencional

O pagamento efetivado por terceiro não interessado, via de regra, não gera sub-rogação, mas poderá
gerar se estiver previsto em contrato. Quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente
lhe transfere todos os seus direitos, há aqui uma sub-rogação convencional.

Quando uma terceira pessoa empresta ao devedor uma quantia necessária para que o devedor solva
sua dívida, mas com a condição de que deste que está emprestando (mutuante) ficar sub-rogado nos direitos
do credor satisfeito, também haverá sub-rogação convencional.

Segundo o CC, a sub-rogação é convencional:

• quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus
direitos;
• quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a
condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito. Nesta
hipótese, aplica-se as regras da cessão do crédito.

Em relação à sub-rogação legal, o sub-rogado pode exercer todos os direitos do credor até a soma
do que ele tiver desembolsado para desobrigar o devedor. Não há intuito de lucro, havendo caráter gratuito
na sub-rogação legal.

Veja, se o terceiro pagou 100 mil para se sub-rogar no direito de credor, só poderá cobrar do devedor
100 mil, e não 150 mil, que era a dívida originária, por exemplo.

O que se discute é saber se a sub-rogação legal pode justificar que o sub-rogado cobre valor a mais,
não havendo definição aos entendimentos.

Tartuce entende que não pode, pois, do contrário, a sub-rogação passaria a ter a mesma feição da
cessão de créditos, a qual tem natureza onerosa. Ele entende que a sub-rogação só pode ter natureza
gratuita.

Existe outra corrente que entenda que possa ter caráter oneroso, com base no princípio da
autonomia privada (Maria Helena Diniz).

Relativamente ao credor originário, que só em parte for reembolsado, somente ele vai ter
preferência em relação ao sub-rogado parcial, na cobrança da dívida restante. Isto se os bens do devedor

234
não forem suficientes para saldar inteiramente o que dever ao credor originário e agora dever ao sub-rogado
parcial.

É o teor do art. 351, o qual dispõe que o credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência
ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente
o que a um e outro dever.

Ex.: João é credor de José de 100 mil reais. Samer dá 50 mil reais a João, e irá se sub-rogar
parcialmente. Samer poderá cobrar 50 mil reais de José nas mesmas condições que João, mas ele é credor
originário. No entanto, se José só tiver 50 mil reais para pagar, ele irá pagar João, visto que ele tem
preferência em relação ao sub-rogado.

d) Da dação em pagamento

Dação em pagamento é uma forma de pagamento indireto. Trata-se da hipótese em que o credor
consente em receber prestação diversa da que lhe é devida.

Há um acordo privado entre os sujeitos da relação obrigacional, em que pactuam a substituição do


objeto obrigacional por outro.

Ex.: João deve 100 mil reais a Pedro. Pedro dá um lote para João e resta quitada a dívida.

Houve aqui uma dação em pagamento.

O art. 358 diz que, se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará
em cessão.

Ex.: João deve 100 mil reais a Samer. Mas ele resolve dar um cheque de 100 mil que era de José.
Neste caso, se a coisa dada é título de crédito, haverá uma cessão.

Não existe identidade entre cessão de crédito e dação em pagamento. Na cessão de crédito, há uma
transmissão de uma posição contratual, ou seja, da obrigação. Na dação, há o pagamento indireto.

Neste caso, é preciso interpretar o art. 358, no sentido de que serão aplicadas as regras da cessão de
crédito por analogia.

Supondo que o terceiro, devedor do título, não tenha sido notificado, é necessário notificar, visto
que é necessário saber quem é o credor do título. Na cessão ele seria notificado, razão pela qual aqui na
dação também o será.

235
Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, a obrigação primitiva será restabelecida e
ficará sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé.

Ex.: João deve um cavalo a Pedro, mas este aceitou um lote de Pedro. Feita a dação. No entanto, por
conta de uma ação, houve evicção lote, voltando João a dever um cavalo a Pedro. Ocorre que, no período, o
cavalo havia sido vendido para um terceiro de boa-fé. Neste caso, João deverá para Pedro um valor
equivalente ao cavalo.

e) Da novação

A dação em pagamento não se confunde com novação real.

Na dação não há substituição de uma obrigação por outra. O que há é a substituição do objeto da
prestação.

Na novação, a dívida anterior se extingue e nasce uma nova.

A novação também é uma forma de pagamento indireto, ocorrendo a substituição de uma obrigação
por outra obrigação nova.

O principal efeito da novação é a extinção de uma dívida primitiva, com todos os acessórios e
garantias, com o surgimento de uma dívida nova.

Pode ser que seja ressalvada, mantendo-se os acessórios e as garantias. Mas neste caso Tartuce
afirma que se houver esta previsão, significa que não houve a novação total, mas parcial, pois parte dela foi
mantida.

Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação
em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens
dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.

São elementos essenciais da novação:

• existência de obrigação anterior


• obrigação nova surgir
• intenção de novar (animus novandi)

Segundo o art. 360, dá-se a novação:

• quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;
• quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;

236
• quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor
quite com este.

Segundo o art. 361, o ânimo de novar poderá ser expresso ou tácito, mas deverá ser inequívoco.

Não podem ser validadas por novação obrigações nulas ou obrigações extintas, visto que não se pode
novar o que não existe, e a obrigação já extinta inexiste. Também não se pode novar obrigação que não
produz efeitos jurídicos, e portanto obrigação nula.

Por outro lado, a obrigação anulável, que produz efeitos, poderá ser confirmada pela novação, sendo
portanto uma forma de convalidação.

Se a obrigação é nula, a novação é nula.

Supondo que a obrigação anterior era válida, e aí veio a novação, a qual seria nula. Neste caso, se a
novação é nula, vai prevalecer a obrigação antiga, visto que deverá retroagir.

A novação pode ser:

• novação objetiva (real): o devedor vai contrair com o credor uma nova dívida, mas o credor e
devedor são os mesmos.
• novação subjetiva (pessoal): há alteração dos sujeitos da relação, podendo ser classificada em:
o novação subjetiva ativa: há substituição do credor. Para isso, a lei traz alguns requisitos: i)
consentimento do devedor perante o novo credor; ii) consinta o antigo credor; iii) consinta
do novo credor. Todos precisam consenti r!
o novação subjetiva passiva: há a extinção da dívida anterior por uma nova, mas com a
substituição do devedor. Aqui também há uma subclassificação:
▪ novação subjetiva passiva por expromissão: em que o terceiro assume a dívida do
devedor originário, substituindo o devedor originário, mas sem consentimento do
devedor originário. E por isso expromissão.
▪ novação subjetiva passiva por delegação: nesse caso, é feita com consentimento do
devedor originário, concordando em ser substituído.
o novação subjetiva mista: há alteração do objeto e a alteração dos sujeitos da relação
jurídica. Ex.: Samer devia um cavalo a José. Agora, quem deve é João, e não mais um cavalo,
e sim um boi. Houve uma novação subjetiva e objetiva.

No caso da novação subjetiva passiva: altera-se o devedor. A obrigação anterior está extinta e se
altera a obrigação com um novo devedor. Caso este novo devedor seja insolvente, o credor não terá direito
de regresso contra o antigo devedor, visto que a dívida anterior está extinta. Isto, salvo se o credor
demonstrar que o devedor originário obteve esta novação passiva por má-fé.

237
Em outras palavras, se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação
regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição (art. 363).

Se não houver o consentimento do fiador, e for feita uma novação, estará ele exonerado, visto que
da nova ele não participou.

O art. 365 vai dizer que ocorrendo a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente
sobre os bens do que contrair a nova obrigação vão subsistir as preferências e garantias do crédito novado.
Ou seja, os outros devedores solidários ficam por esse fato exonerados.

Isto é, se os devedores solidários da obrigação primitiva estão exonerados, visto que aquela dívida
se extinguiu.

Cabe ressaltar que o STJ tem analisado o instituto da novação com as lentes do princípio da função
social do contrato. Esta forma de enxergar a novação fica evidenciada pela Súmula 286 do STJ, que diz que a
negociação do contrato bancário, ou a confissão da dívida, não impede a possibilidade de discussão sobre
eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.

f) Da compensação

Compensação ocorre quando duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra,
situação na qual as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

O art. 369 estabelece que compensação efetua-se quando houver:

• dívidas líquidas
• dívidas vencidas e
• coisas fungíveis

O art. 370 diz que, embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, elas não poderão ser
compensadas, se for verificado que elas diferem na qualidade, quando a qualidade estiver especificada no
contrato.

Por exemplo, se apesar de serem sacas de café, um ser de tipo exportação e o outro não, haverá uma
diferença de qualidade, razão pela qual não se poderá fazer compensação legal.

O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever. Todavia, o fiador pode
compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado. Está dizendo que o fiador pode, quando cobrado
pelo credor, dizer que o credor deve 10 mil reais ao afiançado, devendo haver a compensação
primeiramente.

238
Os prazos de favor (prazos graciosamente concedidos pelo credor), embora consagrados pelo uso
geral, não obstam a compensação. Ou seja, se o devedor souber que o credor está deve 10 mil, mas está
devendo a ele 20 mil, mas o devedor apenas quer cobrar os 10 mil, sem que seja compensado dos 20 mil.
Neste caso, o devedor pede prazo de favor, período no qual cobrará os 10 mil do credor. Quando o credor
for dizer que o devedor ainda deve 10 para ele, não poderá alegar que o prazo de favor prolongou o
vencimento, situação na qual ocorreria a prorrogação.

Ou seja, prazos de favor não obstam a compensação.

A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, porém existem algumas exceções a
esta regra:

• não haverá compensação se a dívida provier de esbulho, furto ou roubo não será possível a
compensação.
• não haverá compensação se a dívida se originar de comodato, depósito ou alimentos;
• não haverá compensação se a dívida for de coisa não suscetível de penhora.

Portanto, a dívida impenhorável também é incompensável.

O art. 375 traz a possibilidade de cláusula excludente de compensação. Ou seja, diante da autonomia
privada e liberdade contratual, permite-se que as partes consagrem a cláusula de exclusão a compensação.
Dessa forma, não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de
renúncia prévia de uma delas. Veja então que também admite-se a renúncia à compensação.

O art. 376 diz que, obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a
que o credor dele lhe dever.

O devedor que, notificado, nada opuser à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, este
devedor não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente.

A lei diz que, quando é feita a cessão, o cessionário receberá o crédito, passando a ser credor do
cedido. Depois de cedido, e não tendo se oposto, não poderá alegar que teria à época crédito contra o
cedente, pois não havia se manifestado em tempo.

Cabe ressaltar que, se a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário
compensação do crédito que antes tinha contra o cedente.

O art. 379 diz que, se a mesma pessoa for obrigada por várias dívidas compensáveis, serão
observadas, no compensá-las, as regras estabelecidas quanto à imputação do pagamento. Ou seja, se há
várias dívidas compensáveis, o devedor vai dizer qual é a dívida que está compensando. Caso não o faça,
quem irá dizer será o próprio credor.

239
Caso ninguém se valha dessa faculdade, quem vai decidir será a lei:

• havendo capital e juros, o pagamento será feito primeiro em relação aos juros.
• havendo duas dívidas, será imputado o pagamento à dívida mais antiga.
• havendo as dívidas com mesmo vencimento, será imputada à dívida mais onerosa.
• não havendo dívida mais onerosa, a imputação será feita a todas as dívidas, na mesma
proporção, apesar de ausência de previsão legal.

Por fim, não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor que se torne
credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exequente a compensação,
de que contra o próprio credor disporia.

g) Da confusão

Confusão está presente quando há na mesma pessoa credor e devedor. Isto pode ocorrer tanto por
ato inter vivos como por ato causa mortis.

A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação até a


concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quanto ao mais a solidariedade.

Confusão ocorre quando o credor e o devedor são a mesma pessoa, situação na qual extinguiu a
obrigação.

No caso de causa mortis, a confusão poderá ocorrer quando o filho deve ao pai, mas, tendo aquele
morrido, o filho recebeu a herança, extinguindo a dívida.

No caso do credor solidário, João deve com outros 3 indivíduos 100 mil reais ao pai. João era o único
herdeiro. Em relação a ele, houve a confusão. Portanto, 25 mil reais houve confusão, faltando 75 mil reais,
situação na qual persistirá a solidariedade, passando João ser o credor do crédito.

Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus acessórios, a obrigação anterior.

h) Da remissão das dívidas

A remissão é o perdão.

A remissão é o direito exclusivo do credor de exonerar o devedor.

O art. 385 estabelece que a remissão da dívida é um negócio jurídico bilateral, ou seja, o perdão
deverá ser aceito pelo devedor, situação na qual, se aceita, extinguirá a obrigação, mas sem prejuízo de
terceiro.

A remissão só poderá ocorrer se não houver prejuízo a terceiros.

240
A remissão concedida a um dos codevedores extingue a dívida na parte a ele correspondente, mas
não atinge a solidariedade em relação aos demais, de modo que não possa cobrar o débito sem dedução da
parte remitida.

Ex.: João é credor de Pedro e mais 4, no valor de 100 mil reais. João perdoa Pedro, mas ainda será
credor de 80 mil reais, mantendo a solidariedade em relação aos demais.

A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova desoneração do
devedor e seus coobrigados, se o credor for capaz de alienar, e o devedor capaz de adquirir.

O perdão poderá ser expresso ou tácito.

Atente-se que, se houver a entrega do negócio empenhado, não haverá o perdão da dívida, mas tão
somente a exoneração da garantia que existia em relação àquela dívida. Ou seja, a restituição voluntária do
objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, não a extinção da dívida.

Não confundir renúncia com remissão, pois renúncia é gênero e remissão é espécie. Na renúncia, é
possível recair sobre diversos direitos pessoais, inclusive é um ato unilateral. A remissão é perdão, ou seja, é
ato bilateral, só podendo se dar em relação a direitos creditórios.

5. Transmissão das obrigações

I. Introdução

Transmitir é passar para frente.

Quando há uma transmissão há uma cessão. E com isso é possível extrair um conceito importante de
que é o conceito de cessão.

Cessão é a transferência, a título oneroso ou gratuito, de uma posição na relação jurídica


obrigacional.

O direito brasileiro admite três formas de cessão:

• cessão do crédito
• cessão do débito
• cessão do contrato

II. Cessão de crédito

A cessão de crédito pode ser conceituada como um negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso,
através do qual o credor transfere a outrem, totalmente ou parcialmente, a sua posição na relação
obrigacional.

241
Ou seja, o credor passa para outra pessoa a posição de credor.

Há um credor primitivo que cede este crédito, denominado de cedente, bem como uma pessoa que
passa a ser credora, denominada cessionário. Há ainda o devedor, que é denominado de cedido.

Com a cessão, são transferidos todos os elementos da obrigação, tanto os acessórios como as
garantias, visto que a obrigação é a mesma, pois há mudança dos sujeitos que compõem a obrigação. No
entanto, os acessórios poderão não ser abrangidos, caso haja disposição em contrário.

Cabe ressaltar que o cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no
registro do imóvel.

A verdade é que a cessão de crédito independe da anuência do devedor, mas ele deve ficar sabendo
que houve esta cessão.

O art. 286 vai dizer: o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da
obrigação, a lei, ou se não houver vedação no contrato (convenção) com o devedor.

Esta cláusula proibitiva da cessão, que poderá estar prevista no contrato, não será oponível ao
cessionário de boa-fé, se ela não estiver escrita no contrato (instrumento da obrigação).

Em regra, a cessão tem eficácia inter partes, e não exige sequer que seja escrita, ou seja, poderá ser
verbal.

Mas para ter eficácia perante terceiros, será necessário que seja formulada por um instrumento
escrito, já que a cessão é negócio jurídico bilateral. Ou seja, é ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão
de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das
solenidades do § 1º do art. 654.

Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos


conservatórios do direito cedido (art. 293).

Para a cessão ser válida, é desnecessária a anuência do devedor. Mas o art. 290 dispõe que a cessão
não tem eficácia em relação aodevedor se ele não for notificado. Todavia, considera-se notificado o devedor
que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

O devedor pode opor ao cessionário (que passou a ter a condição de credor) as exceções que ele
tinha em face do antigo credor ao novo credor, bem como as exceções que, no momento em que veio a ter
conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. Isso significa que, quando o cedido for notificado da
cessão, poderá alegar uma cessão em face do cedente.

242
A cessão de crédito pode ser onerosa (pode envolver lucro), situação na qual o cedente ficará
responsável pela existência do crédito ao tempo que cedeu (pro soluto).

Sendo a título gratuito, o cedente também terá responsabilidade, caso tenha procedido de má-fé.

Ex.: contrato de faturização (factoring) é exemplo de cessão de crédito onerosa. Há um cheque para
receber 10 mil reais daqui a 30 dias, mas o sujeito busca a factoring para obter 9 mil reais hoje. Aqui houve
uma cessão de crédito onerosa. O cedente só responderá pela existência do crédito e não pela solvência. O
credor originário não responde pela solvência, mas apenas pela existência.

A cessão de crédito, em regra, é pro soluto, e não pro solvendo. Todavia, é possível existir esta
previsão contratual, no sentido de que a cessão é pro solvendo, ou seja, o cedente terá responsabilidade
pelo pagamento do crédito. Neste caso, a cessão será pro solvendo. Nesta hipótese, o cedente não
responderá por mais do que recebeu com os seus respectivos juros, mas tem de ressarcir as despesas da
cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança.

Supondo que no contrato com a factoring, Samer tenha recebido 9 mil reais pela cessão do crédito
de 10 mil reais. Daqui a 30 dias, se a factoring não receber os 10 mil reais, Samer deverá pagar os 9 mil, mais
os respectivos juros durante este intervalo de tempo à factoring. Trata-se de cessão pro solvendo.

O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento
da penhora. Todavia, o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica exonerado, subsistindo
somente contra o credor os direitos de terceiro.

Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou
que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão,
o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.

Segundo o art. 291, ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com
a tradição do título do crédito cedido.

III. Cessão de débito (assunção de dívida)

Na cessão de débito, haverá um novo devedor.

Trata-se de um negócio jurídico bilateral pelo qual um devedor, com anuência do credor, transfere a
um terceiro a posição de sujeito passivo da relação obrigacional.

O art. 299 estabelece que é facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, desde que haja o
consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se, ao tempo da

243
assunção, o devedor derivado fosse insolvente e o credor o ignorava. Veja, se ficar demonstrado que, ao
tempo da assunção, o devedor que ingressava já era insolvente, e o credor desconhecia esta situação.

Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que se manifeste, consentindo na assunção
da dívida, situação na qual será interpretado o silencia como recusa. Ou seja, quem cala não consente. É
preciso que o credor concorde com a assunção da dívida.

Na assunção de dívida, há o antigo devedor (cedente), o novo devedor (cessionário) e o credor


(cedido).

A cessão de débito pode ser classificada de duas formas:

• Assunção por expromissão: uma terceira pessoa assume espontaneamente o débito da outra, e
o devedor principal nem toma parte dessa situação. O devedor originário não anui. Esta assunção
de dívida pode ser sub-classificada em liberatória e cumulativa:

o Assunção por expromissão liberatória: o devedor primitivo se exonera, ingressando um


novo devedor, liberando o devedor antigo.
o Assunção por expromissão cumulativa: o expromitente entra como um novo devedor, mas
ao lado do devedor primitivo. O devedor primitivo não é exonerado nessa circunstância.

• Assunção de delegação: o devedor originário participa dessa relação, transferindo débito para
terceiro, com a anuência do credor. Esta é a mais comum de ocorrer.

O art. 300 consagra como regra geral que devem ser consideradas extintas todas as garantias
especiais dadas ao credor originário, salvo com consentimento expresso do devedor primitivo.

Isso significa que as garantias especiais dada pelo credor primitivo, serão consideradas extintas, pois
ele está exonerado. O novo devedor passará a responder, salvo se houver consentimento expresso do
devedor primitivo, no sentido de que as garantias por ele prestadas continuam valendo.

Sendo anulada a assunção de dívida, restaura-se o débito. E sendo ele restaurado, serão
restauradas também as suas garantias, salvo garantias prestadas a terceiros, com exceção do caso em que
terceiros conheciam o vício da assunção (art. 301).

Ou seja, a assunção de dívida é negócio jurídico, podendo ser anulado. Se for anulado, terá efeitos
retroativos, motivo pelo qual o devedor primitivo, que outrora estava exonerado, não mais está. Há o retorno
ao status anterior, devendo voltar tudo ao normal, inclusive às garantias especiais.

No que toca ao terceiro, esta garantia que tinha prestado não volta, salvo se o terceiro tivesse
conhecimento desse vício anteriormente, situação na qual também voltará como garantidor.

244
Na assunção de dívida, não poderá o novo devedor opor ao credor as exceções pessoais que
competiam ao devedor primitivo. Ou seja, o novo devedor não poderá opor exceções pessoais pertencentes
ao devedor primitivo.

Ademias, o adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito
garantido. Se o credor, notificado, não impugnar em 30 dias a transferência do débito, entender-se-á dado
o assentimento.

IV. Cessão de contratos

A cessão contratual não está regulamentada em lei, mas ainda assim é válida. Trata-se de um negócio
jurídico atípico.

É a transferência da inteira posição ativa ou passiva na relação contratual. O que há é a cessão da


posição contratual.

Na maioria das vezes, nos contratos, as partes são mutuamente credores e devedores de obrigações.
Trata-se de uma relação complexa, já que se trata de uma cessão de um complexo de direitos e obrigações.

Para que haja a cessão contratual, é indispensável que haja o consentimento do outro contratante.

Isso porque o contrato faz lei entre as partes, obrigando as partes que contrataram. O princípio que
orienta os contratos é o princípio da relatividade.

Ex.: no mandato, o sujeito faz um substabelecimento, situação na qual cede a posição de mandatário.
Ou seja, há uma cessão contratual.

6. Inadimplemento obrigacional

Tem-se como inadimplemento o não cumprimento da obrigação, ou seja, devedor que não cumpriu; credor
que não foi buscar; não faz o que deveria ter sido feito; fazer o que não era pra ser feito; não entregar o que
era pra ser entregue; não restituir o que era pra ser restituído; inadimplemento por culpa ou sem culpa etc.
O inadimplemento deveria ser uma exceção na relação obrigacional.
O não cumprimento da obrigação pode se dar:

a) Por ato culposo do devedor: a expressão “culpa” é aplicada em sentido lato, abrangendo tanto a
culpa stricto sensu - imprudência, negligência e imperícia - como o dolo.

b) Por fato não imputável ao devedor: quando o inadimplemento da obrigação ocorrer sem culpa
do devedor, ou seja, ocorrência de fato invencível, fortuito ou de força maior.

245
- Inadimplemento por ato culposo do devedor (artigo 389 do CC):

O inadimplemento por ato culposo do devedor pode ser absoluto ou relativo.

• ABSOLUTO: quando ocorre o total descumprimento da obrigação, de modo que a obrigação não
possa ser mais cumprida ou não for mais útil ao credor - artigo 389 e 402 do CC.
Ex.: “A” se compromete a entregar a “B” um carro no dia de amanhã, mas hoje, “A” sofre acidente
acarretando em perda total do veículo. Não há como efetivar a entregar o veículo à “B” por
impropriedade do bem e consequente inadimplemento absoluto da obrigação.
Ex.: Noiva contrata “A” para confeccionar seu vestido de noiva. Na data estipulada para a realização
do casamento, a profissional não entrega/não faz a vestimenta. Embora possa ser entregue após o
casamento, o cumprimento a posteriori não é interessante à credora, por inutilidade do bem.

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

• RELATIVO: ocorre quando há o atraso, somente, ou seja, a obrigação não é cumprida no


tempo/vencimento que deveria. Porém é possível seu cumprimento posterior, como forma de
minimizar os impactos do atraso.
Inadimplemento relativo é também chamado de instituto da mora, que ocorrerá quando o
pagamento não é feito no tempo, lugar e forma convencionados.

O inadimplemento decorrente de ato culposo do devedor enseja ao credor o direito de acionar o


mecanismo sancionatório do direito privado para pleitear o cumprimento forçado da obrigação ou, na
impossibilidade deste se realizar, a indenização cabível – sempre que houver culpa no não cumprimento da
obrigação haverá fixação de indenização. Somente quando o não cumprimento resulta de fato que lhe
seja imputável se pode dizer, corretamente, que o devedor falta ao cumprimento. Ou seja, quando o devedor
não cumpre a obrigação deve-se analisar o motivo pelo qual não houve esse cumprimento, pois, via de regra,
o devedor não responde pelo extraordinário, visto se tratar de acontecimentos que não decorrem da vontade
humana. Por exemplo, não entrega o bem na data estipulada, tendo em vista a ocorrência de enchente que
ocasionou a deterioração da coisa.

246
Qualquer que seja a prestação prometida (dar, fazer ou não fazer), o devedor está obrigado a cumpri-
la, e tem o credor o direito de receber exatamente o bem, serviço ou valor estipulado na convenção, não
sendo obrigado a receber coisa diversa, ainda que mais valiosa (art. 313, do CC).
Como explanado, no inadimplemento relativo temos o fenômeno da mora em razão do atraso no
cumprimento da obrigação. Portanto, a mora pode ser tanto do devedor quanto do credor, vejamos:

a) Mora do devedor: - também chamado de mora debendi; mora solvendi; mora debitoris - configura-
se mora do devedor quando ocorre o descumprimento ou cumprimento imperfeito da obrigação por parte
deste, por causa a ele imputável.
Veja que somente haverá responsabilidade do devedor pela mora, quando houver culpa deste em
relação ao não cumprimento da obrigação.
É preciso dívida líquida e certa; dívida exigível e, vale lembrar que, se a obrigação tem vencimento
certo, a regra é de que a mora seja ex re, é preciso viabilidade do cumprimento tardio da obrigação.
Sobre viabilidade, não é justo analisar se é viável mediante arbítrio do devedor, mas deve partir de
uma análise objetiva. O enunciado 162 da III Jornada de Direito Civil adverte que a análise da viabilidade ou
não do cumprimento tardio da obrigação deve ser feita objetivamente e de acordo com a boa-fé. É o que
preceitua o parágrafo único, do artigo 395 do CC.

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos
valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e
exigir a satisfação das perdas e danos.

A mora pode ser de duas espécies:

• Mora ex re (em razão de fato previsto na lei): configura-se quando o devedor nela incorre
automaticamente, sem necessidade de qualquer ação por parte do credor, o que sucede:

1) Quando a prestação deve realizar-se em um termo prefixado e se trata de dívida portável. O devedor
incorrerá em mora ipso lure desde o momento do vencimento dies interpellat pro homine – o dia interpela
pelo homem;

2) Nos débitos derivados de um ato ilícito extracontratual, em que a mora começa no exato momento da
prática do ato;

247
3) Quando o devedor houver declarado por escrito que não pretende cumprir a prestação.

• Mora ex persona: Dá-se a mora ex persona em todos os demais casos. Será, então, necessária uma
interpelação ou notificação por escrito para a constituição em mora.
Ex.: Em um contrato de empréstimo em que “A” empresta veículo a “B”, sem que houvesse
estipulação da data de devolução. Para que haja exigência da devolução do veículo, é necessário que
“A” constitui “B” em mora, e assim o faz através de interpelação ou notificação.
Um dos efeitos da citação no processo civil é exatamente a constituição em mora do devedor – art.
240, do CPC.

A mora do devedor gera dois efeitos básicos:

➔ A responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao credor (art. 395, do CC).

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros de mora,
atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e
honorários de advogado.

➔ Durante a mora, o devedor é responsável pela integridade da coisa devida, ainda que o dano resulte
de caso fortuito ou força maior (inadimplemento objetivamente imputável – perpetuatio obligationis
– art. 399).

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa
impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo
se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse
oportunamente desempenhada.

Em suma, o devedor não responde pelo extraordinário, via de regra. Mas se o devedor não cumpre
a obrigação de forma voluntária por culpa ou dolo, tem-se configurado o inadimplemento absoluto ou a
incidência de mora, ou seja, é o que chamamos de inadimplemento subjetivamente imputável.
Por outro lado, o devedor responderá pela impossibilidade da prestação, quando ocorrer o que
chamamos de inadimplemento objetivamente imputável, ou seja, quando no momento em que ocorreu o
caso fortuito ou força maior o devedor estava inadimplente perante o credor, salvo se provar que o
extraordinário teria acontecido de qualquer forma, ou seja, estando o bem em suas mãos ou não.

248
b) Mora do credor: - também chamada de mora cedendi, mora accipiendi ou mora creditoris –
professor Silvio Rodrigues diz que a mora do credor existe e a análise da culpa do credor é desnecessária –
ou seja, mesmo que a culpa não esteja presente haverá responsabilidade do credor.
Dessa forma, em uma obrigação quérable, por exemplo, em que o credor deve ir até o devedor para
buscar um cavalo e não o faz na data estipulada. Quem responde pelo inadimplemento é o credor.
Segundo o jurista Washington de Barros Monteiro, “configura-se a mora do credor quando ele se
recusa a receber o pagamento no tempo e lugar indicados no título constitutivo da obrigação, exigindo-o por
forma diferente ou pretendendo que a obrigação se cumpra de modo diverso. Decorre ela, pois, de sua falta
de cooperação com o devedor para que o adimplemento possa ser feito do modo como a lei ou a convenção
estabelecer” (art. 395, do CC).
Constituem efeitos da mora do credor:

Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da
coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela
estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o
pagamento e o da sua efetivação.

1ª parte: Se o credor não recebe a coisa, durante o tempo que o devedor ficar com a coisa não responde pela
conservação, salvo se agir com dolo.

2ª parte: Se o devedor tiver despesa para conservar a coisa, o credor deve indenizar o devedor.

3ª parte: Se houver uma obrigação a ser cumprida em determinada data, considera-se o valor do dia. Caso o
pagamento não tenha sido feito no dia por culpa do credor, será considerado o valor mais benéfico ao
devedor entre estas datas.

- Inadimplemento por fato não imputável ao devedor:

O inadimplemento decorrente de fato não imputável ao devedor, mas “necessário, cujos efeitos não
era possível evitar ou impedir” (art. 393, do CC) denominado caso fortuito ou força maior, configura-se o
inadimplemento fortuito da obrigação. Neste caso, o devedor não responde pelos danos causados ao
credor, “se expressamente não se houver por eles responsabilizado” (art. 393, do CC).
Em geral, o inadimplemento fortuito extingue a obrigação sem que haja consequente obrigação de
indenizar (art. 393, do CC).

249
Numa relação obrigacional, existe o credor e o devedor, não havendo o pagamento, entra-se no
campo do inadimplemento. Quando a obrigação é descumprida por fortuito há o inadimplemento total,
absoluto, sem obrigação de indenização a se pagar.
Às vezes mesmo havendo o fortuito ou força maior, em algumas situações, ainda assim haverá
responsabilidade civil.
Neste contexto, o inadimplemento pode ser dividido em imputável ou inimputável.

• Inadimplemento imputável: quando as consequências são atribuídas ao devedor. Podendo ser


inadimplemento subjetivamente imputável, quando o devedor agiu com culpa ou inadimplemento
objetivamente imputável quando a inexecução tenha decorrido de fato alheio e não imputável ao
devedor, como o fortuito e a força maior, mas ao tempo do evento já estava em mora.

• Inadimplemento inimputável: é o inadimplemento sujas consequências não podem ser atribuídas


ao devedor, por ausência de culpa.

Quando ocorre o descumprimento dos deveres anexos de boa-fé dentro da relação contratual, tem-
se o chamado adimplemento ruim, que ocorre quando a obrigação é cumprida, mas cumprida de maneira
ruim ou violando os deveres anexos de boa-fé - os deveres da boa-fé observam-se a analise da lealdade, da
proteção, de esclarecimento entre os contraentes.
Para a teoria do substancial performance ou adimplemento substancial, os contratos que gozam
que execução continuada/diferida com parcelas substancialmente adimplidas (ou seja, restando três
parcelas para o término, por exemplo) e sendo a mora irrelevante, não ensejará em extinção da obrigação,
podendo incidir, além da cobrança, a indenização por perdas e danos.
Contudo, o STJ possui entendimento de que NÃO é possível a alegação da teoria do adimplemento
substancial quando a obrigação envolver alimentos e nos contratos de financiamento regidos pelo Decreto
n° 911.

➔ CLÁUSULA PENAL E ARRAS

Cláusula Penal Arras

- A cláusula penal é um pacto acessório de - Arras constituem verdadeiro sinal e tem


natureza pessoal, previsto nos artigos 408 a 416 do natureza de direito real - artigos 417 a 420 do CC.
CC.

250
- Trata-se uma antecipação, ou seja, - É a possibilidade de desistência do
prognose de uma possível perdas e danos. Diante contrato ou de confirmação da obrigação.
disso, é possível que as partes, de antemão,
consignem no contrato a possibilidade de cláusula - As arras podem ser confirmatórias ou
penal em caso de não cumprimento da obrigação. penitenciais:

- A cláusula penal embutida no contrato a) Confirmatórias: reforçam a


não pode ultrapassar o valor da obrigação principal. obrigatoriedade contratual; cumulável com perdas
e danos ou execução parcial da obrigação.
- Segundo entendimento recente no STJ no Nessa modalidade de arras, a parte dá o
informativo n° 627, é possível a redução de cláusula sinal, mas deve ser devolvido no momento em que
penal de ofício pelo juiz, quando excessiva. o negócio jurídico é efetivado ou compensado.

- Têm-se duas modalidades de cláusula b) Penitenciais: viabiliza eventual


penal: arrependimento; não admite cumulação com
perdas e danos. Servem como forma de
a) Moratória: é fixada para o caso de indenização em caso de desistência da celebração
inadimplemento relativo e admite cumulação com do negócio jurídico.
pedido indenizatório (cláusula penal +
indenização);

b) Compensatória: é fixada para o caso de


inadimplemento absoluto; é uma forma de
antecipação das perdas e danos, mas não admite
cumulação com indenização.

Informativo 627: Constatado o caráter manifestamente excessivo da cláusula penal contratada, o magistrado
deverá, independentemente de requerimento do devedor, proceder à sua redução. Fundamento: CC/Art.
413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida
em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a
finalidade do negócio. STJ. 4ª Turma. REsp 1.447.247-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
19/04/2018 (Info 627).

Informativo 613: Na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a cumulação das arras com
a cláusula penal compensatória, sob pena de ofensa ao princípio do non bis in idem. Ex: João celebrou
contrato de promessa de compra e venda com uma incorporadora imobiliária para aquisição de um
apartamento. João comprometeu-se a pagar 80 parcelas de R$ 3 mil e, em troca, receberia um apartamento.
No início do contrato, João foi obrigado a pagar R$ 20 mil a título de arras. No contrato, havia uma cláusula
penal compensatória prevendo que, em caso de inadimplemento por parte de João, a incorporadora poderia
reter 10% das prestações que foram pagas por ele. Trata-se de cláusula penal compensatória. Suponhamos
que, após pagar 30 parcelas, João tenha parado de pagar as prestações. Neste caso, João perderá apenas as

251
arras, mas não será obrigado a pagar também a cláusula penal compensatória. Não é possível a cumulação
da perda das arras com a imposição da cláusula penal compensatória. Logo, decretada a rescisão do contrato,
fica a incorporadora autorizada a apenas reter o valor das arras, sem direito à cláusula penal. STJ. 3ª Turma.
REsp 1.617.652-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017 (Info 613).

Informativo 577: Se a proporção entre a quantia paga inicialmente e o preço total ajustado evidenciar que o
pagamento inicial englobava mais do que o sinal, não se pode declarar a perda integral daquela quantia inicial
como se arras confirmatórias fosse, sendo legítima a redução equitativa do valor a ser retido. STJ. 3ª Turma.
REsp 1.513.259-MS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/2/2016 (Info 577).

*Informativos retirados do site Dizer o Direito

7. Responsabilidade civil

I. Introdução

A responsabilidade civil surge em razão do descumprimento de alguma obrigação. Há desobediência


de uma regra legal, seja contratual ou extracontratual, nascendo o direito de indenizar.

Em relação à origem, a responsabilidade civil vai admitir a seguinte classificação:

• Responsabilidade civil contratual: a responsabilidade civil contratual é aquela que surge em


razão do inadimplemento de uma obrigação contratual.
• Responsabilidade civil extracontratual (aquiliana): é baseada no ato ilícito e no abuso de direito.

Ato ilícito é um ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, que viola direitos e causa prejuízos
a uma outra pessoa, situação na qual nasce o dever de reparar o dano.

O art. 186 do CC diz que, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

O art. 187 consagra a teoria do abuso de direito (teoria dos atos emulativos).

Abuso do direito é o exercício de forma abusiva ou irregular do direito. O ato é originariamente lícito,
mas foi exercício fora dos limites impostos pelos seus fins econômicos, social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes. Aqui há a consagração dos princípios da socialidade e eticidade.

A teoria do abuso de direito está consagrado em 4 conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, em


cláusulas gerais que serão preenchidas pelo juiz (fins econômicos, social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes).

252
Para que o abuso do direito esteja configurado, é importante que a pessoa esteja exercendo o direito
de forma abusiva ou irregular. É a atuação do exercício irregular do direito.

Para tanto, não é necessário que se discuta ou que se levante o elemento culpa. Basta que a conduta
exceda manifestamente os parâmetros do art. 187 (fins econômicos, fins social, boa-fé objetiva ou pelos bons
costumes).

Em suma, o abuso de direito é causa de responsabilidade objetiva, não se discutindo a presença ou


não de culpa.

O exercício irregular do direito poderá se dar em diversos ramos da ciência jurídica: direito do
consumidor (ex.: propagandas discriminatórias), direito do trabalho (ex.: direito de demissão do trabalhador,
mas não poderá ser vexatória), direito processual (ex.: punição por litigância de má-fé para quem deduziu
pretensão contra texto expresso em lei).

O que é assédio judicial?

Assédio judicial ocorre quando alguém, líder de um certo grupo, instiga os liderados a promover
uma série de demandas descabidas contra uma determinada pessoa. Ex.: pessoa ameaça ingressar com
mais de 100 processos contra outra por esta não fazer o que ela quer. Apesar de haver o direito de ação, este
está sendo exercido de forma irregular.

Dentro do direito civil, será encontrado no direito das coisas, o exercício abusivo do direito de
propriedade, que atribui ao titular a prerrogativa de usar, gozar, de fruir, de dispor da coisa, sendo oponível
a todos os outros. Este direito de propriedade tem esse caráter erga omnes. Quando estão preenchidos todos
estes atributos, o sujeito passa a ter a propriedade plena do bem.

O Código Civil consagra limitações ao direito de propriedade, como o direito de vizinhança, em que
as regras relacionadas ao uso nocivo da propriedade, árvores limítrofes, passagem forçada, limites entre
prédios, etc. Tudo isso é limitação ao exercício de propriedade. E se o sujeito não observa estes limites, estará
exercendo irregularmente o seu direito de propriedade, e portanto haverá abuso do direito.

O §1º do art. 1.228 diz que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o
equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Com base neste dispositivo é possível verificar que o exercício do direito de propriedade deverá
atender ao fim econômico e social, bem como a preservação do meio ambiente.

Percebe-se que o direito de propriedade é limitado, pois ela deve cumprir a sua função social.

253
O ato emulativo, ou seja, o exercício abusivo do direito, está vedado expressamente no §2º do art.
1.228, o qual estabelece que são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. O sujeito não pode utilizar a propriedade
para prejudicar outra pessoa.

II. Elementos da responsabilidade civil

São elementos da responsabilidade civil que fazem nascer o direito de indenizar:

• Conduta humana
• Dano (prejuízo)
• Culpa lato sensu (dolo ou culpa)
• Nexo de causalidade

a) Conduta humana

A conduta humana é causada por uma ação ou omissão, que poderá ser voluntária, por negligência,
imprudência ou imperícia.

A conduta humana pode ser dolosa ou culposa.

A regra é de que a conduta seja positiva, ou seja, uma ação.

Para que haja uma conduta omissiva apta a gerar o dever de indenizar, é preciso que se esteja diante
de um caso em que o sujeito tinha o dever jurídico de agir e não agiu, ou seja, tinha o dever jurídico de
praticar o ato, mas não praticou. Além disso, é imprescindível que tenha havido prejuízo.

Para responsabilizá-lo, não basta que o indivíduo tivesse o dever de praticar o ato, não praticou e
houve o prejuízo. É necessário ainda demonstrar que, se a conduta tivesse sido praticada, o dano teria sido
evitado, ou poderia ter sido evitado. Não basta o dever de agir e não agiu, devendo também demonstrar que
se o indivíduo tivesse agido, o dano poderia não ter ocorrido.

O art. 942 do CC estabelece que os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de
outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado. Se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão
solidariamente pela reparação. Há consagração da hipótese de solidariedade legal.

Perceba que, neste caso, o indivíduo está sendo responsabilizado por ato próprio.

Todavia, poderá o indivíduo responder por ato praticado por terceiros, como os pais respondem
pelos filhos menores, dono do animal responde pelo animal, etc.

254
Como se vê, não é apenas o ato próprio que gera responsabilidade para o indivíduo, mas também
atos de terceiros, a depender do caso.

b) Culpa genérica (culpa lato sensu)

Culpa genérica engloba tanto dolo quanto a culpa em sentido estrito.

Dolo é a violação intencional, ou seja, é a vontade e consciência de praticar uma conduta. No direito
civil, o dolo tem o mesmo tratamento da culpa grave, respondendo o indivíduo pelos danos que causou em
sua totalidade.

A culpa em sentido estrito, apesar de existir o desrespeito a uma norma, não há a violação intencional
desse dever. Portanto, na culpa há uma conduta voluntária, mas se chega a um resultado involuntário.
Todavia, o resultado era previsível, razão pela qual houve uma violação aos deveres objetivos de cuidado.

As modalidades de culpa são: imprudência, imperícia e negligência.

• Imprudência: é falta de cuidado somado a uma ação. É o agir sem tomar os cuidados necessários.
É o sujeito que emprega velocidade acima do permitido.

• Negligência: é a falta de cuidado pela omissão. É o sujeito que causa dano, porque o carro
derrapa na pista, batendo no carro estacionado, eis que os pneus estavam carecas, ainda que
estivesse em baixa velocidade.

• Imperícia: é falta de qualificação, própria dos profissionais liberais. Ex.: médico que faz cirurgia
sem ter habilitação para fazer cirurgia.

É possível que haja na mesma situação negligência e imprudência, como é o caso em que o sujeito
corre a 200 km/h na avenida, chovendo e com pneus carecas.

A culpa poderá sofre classificações.

i. Quanto à origem

• Culpa contratual: é o desrespeito a uma norma prevista no contrato, ou mesmo um dever anexo,
relacionado com a boa-fé objetiva. Vale lembrar que a culpa contratual é considerada mais grave
do que a extracontratual.
• Culpa extracontratual (aquiliana): é a violação de um dever estampado no ordenamento
jurídico, ou mesmo um abuso de um direito, que se tem consagrado no ordenamento jurídico, o
qual é exercido de forma abusiva.

ii. Quanto à presunção

255
• Culpa in vigilando: era a culpa decorrente da quebra do dever legal de vigilância. É o pai que não
vigiou o filho, tendo este causado dano. Neste caso, o pai iria ser responsabilizado por este
prejuízo.
• Culpa in elegendo: o patrão, pelo ato do empregado que causou prejuízo, responderia, já que
ele elegeu aquele empregado.
• Culpa in custodiendo: é a culpa decorrente da falta de cuidado ao se guardar uma coisa ou um
animal. Se a coisa estava sob a custódia, haveria uma presunção de culpa.

Hoje em dia não cabe mais falar nessas modalidades de culpa presumida. Isso porque o art. 933 do
Código Civil adota a teoria do risco. Portanto, esses casos acima passam a ser casos de aplicação da
responsabilidade objetiva.

Está superado o modelo de culpa presumida, conforme Enunciado 452 do CJF.

iii. Quanto ao grau de culpa

• Culpa grave (lata): há uma imprudência ou negligência crassa. O efeito é o mesmo do efeito do
dolo, devendo o ofensor pagar a indenização integral.
• Culpa média e culpa leve: é a culpa intermediária, passando a ser analisada se há uma
concorrência de culpas com relação ao terceiro. Isso porque haverá repercussão na indenização.
Se houver uma exceção desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, o juiz poderá reduzir
equitativamente a indenização, especialmente quando a vítima tiver contribuído para o evento
danoso.
• Culpa levíssima: o fato só teria sido evitável se tivesse empregado uma cautela extraordinária.
Em regra, responderá a pessoa, ainda que a culpa seja levíssima, conforme se extrai do art. 944
do CC, o qual diz que a indenização mede-se pela extensão do dano. Mas, presente a culpa
levíssima, a indenização deverá ser reduzida, visto que haverá maior desproporção entre a culpa
e o dano experimentado.

Essa possibilidade de redução do montante da indenização em razão do grau de culpa do agente


deve ser interpretada de forma restritiva, visto que se trata de exceção à regra da reparação integral do
dano.

É possível que haja a não reparação integral do dano, nos casos em que há desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano experimentado, situação na qual o juiz reduzirá equitativamente a
indenização. Esta desproporção deve ser analisada restritivamente, porque a regra é a reparação integral.

Veja que este tema é tratado na responsabilidade subjetiva, em que há análise da culpa.

256
Flávio Tartuce chama a atenção para os casos de responsabilidade objetiva. Para ele, no caso de
responsabilidade objetiva, não se discute culpa, mas a culpa concorrente da vítima é admitida como
atenuante do nexo de causalidade. Dessa forma, se a vítima contribuiu 20% para a ocorrência do dano e o
causador contribuiu com 80% para a causação do dano, significa que haverá implicância na redução
equitativa da indenização. Portanto, se há um dano de 100 mil, mas 20% foi culpa da vítima, deverá reduzir
20% na indenização, por conta da atenuação do nexo de causalidade.

c) Nexo de causalidade

O nexo de causalidade é um elemento imaterial da responsabilidade civil.

É a relação de causa e efeito, entre a conduta culposa e o dano suportado.

A responsabilidade civil, ainda que objetiva, não existe se não houver relação de causalidade entre a
conduta do agente e o dano experimentado pela vítima.

i. Teorias justificadoras do nexo de causalidade

Existem várias teorias que justificam o nexo de causalidade, sendo 3 delas as mais importantes:

• Teoria das equivalências das condições: eliminam-se hipoteticamente o antecedente a fim de


verificar se os fatos ocorreriam da mesma forma que ocorreram. Não foi adotada no Código Civil.

• Teoria da causalidade adequada: existe uma parcela da doutrina (Tartuce) que diz que esta foi
adotada pelo Código Civil, sendo esta a ser adotada para fins de prova. Esta teoria diz que o fato
relevante ao evento é o que gera a responsabilidade civil. Ou seja, existe nexo de causalidade
quando há fato relevante para causação do dano. Estaria prevista nos arts. 944 e 945 do CC. O
que se faz é a possibilidade de pensar a causalidade como forma adequada.

• Teoria do dano direto e imediato: prevalece na doutrina esta corrente. Somente devem ser
reparados os danos que decorrem dos efeitos necessários da conduta do agente. Os efeitos
necessários decorrentes daquela conduta são os que podem ser imputados àquele sujeito. É a
ideia do art. 403 do CC. Veja, é na doutrina que prevalece!

ii. Excludentes do nexo de causalidade

São excludentes do nexo de causalidade:

• Culpa exclusiva da vítima


• Culpa exclusiva de terceiro
• Caso fortuito ou força maior

257
Nos casos de culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro, responsabilidade subjetiva
recai inteiramente sobre a vítima ou sobre o terceiro, de forma que causou o dano não será responsabilizado.

A respeito do caso fortuito ou da força maior, não há unanimidade sobre o conceito de caso fortuito
ou força maior. Flávio Tartuce diferencia, estabelecendo que:

• Caso fortuito: é um evento totalmente imprevisível, decorrente de ato humano ou evento


natural.
• Força maior: é um evento previsível, mas inevitável. Ex.: furacão. Sabe-se que virá, mas é
inevitável.

Essas excludentes do nexo de causalidade devem ser analisadas caso a caso. É preciso verificar se
naquele evento se está diante de um caso fortuito ou força maior, ou se decorre do risco do
empreendimento, o chamado risco proveito, ou seja, se não há relação com a atividade do suposto causador
do dano.

É imperioso saber se o fato causado entra ou não no risco do negócio. Isto é, se será considerado
efeito interno ou se se trata de um evento externo ao negócio, a fim de verificar se há responsabilidade ou
não pelo fato. Isto varia de caso a caso.

Por exemplo, assalto à mão armada pode ser caso fortuito ou não, a depender do negócio.

Para descobrir é preciso verificar onde o assalta ocorreu e qual era o serviço prestado pelo
estabelecimento que ocorreu. Ex.: assalto a ônibus é considerado caso fortuito ou força maior, excluindo a
responsabilidade pela ausência de nexo causal. Todavia, o assalto dentro de uma agência bancária não
exclui o nexo de causalidade, devendo a instituição financeira ser responsabilizada. Este dever de indenizar
continua presente porque o banco deve garantir segurança de quem está dentro dele.

Todavia, se o assalta ocorre na via pública, fora da instituição financeira, o banco não responde,
pois o evento foge do risco do empreendimento, ou seja, é um fato externo. O assalto dentro da agência é
fato interno.

O STJ entende que assalto praticado no interior de shopping center não exime a empresa de
responder pelo prejuízo experimentado pela vítima, pois se trata de risco do empreendimento, ainda que
seja no estacionamento.

Além disso, o STJ, na Súmula 479, estabelece que instituições financeiras respondem objetivamente
pelos danos gerados por um fortuito interno, relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros, no
âmbito das atividades bancárias.

Perceba que há excludentes de nexo de causalidades que devem ser analisados casuisticamente.

258
Com relação ao caso fortuito e a força maior, para estarem presentes, no entanto, é necessário o
preenchimento de dois elementos que os caracterizam:

• Necessariedade: deve ser analisado se o fato ocorrido tinha, no caso concreto, a aptidão (força)
de impossibilitar o cumprimento da obrigação. O fato deve ser de tal ponto grave que gere a
impossibilidade absoluta de cumprimento da prestação. Vale ressaltar que impossibilidade não
se confunde com dificuldade ou onerosidade. Não basta que o fato tenha tornado mais difícil ou
oneroso o cumprimento da obrigação. Ele deve ter tornado impossível.

• Inevitabilidade: deve ser analisado se o devedor não tinha, no caso concreto, meios para evitar
ou impedir as consequências do evento. “O fato deve ser irresistível, invencível, atuando com
força indomável e inarredável. O que se considera é se o evento não podia ser impedido nos seus
efeitos. O fato resistível, que pode ser superado, não constitui evento a autorizar a exoneração.
É perfeitamente possível que o fato seja imprevisível, mas suas consequências evitáveis. Se o
devedor não toma medidas para evitá-la, tipifica-se o inadimplemento e não a impossibilidade
com apoio no caso fortuito ou força maior.” (Marco Aurélio Viana).

Por conta disso, o STJ entendeu que a invasão promovida pelo MST em propriedade rural, por si só,
não é fato suficiente para configurar o evento como de força maior, pois deve ser analisada,
concretamente, a presença dos requisitos do caso fortuito e força maior (necessariedade e inevitabilidade,
previstos no art. 393, parágrafo único). A parte que faz esta alegação deve comprovar que a ocupação ilegal
da propriedade rural pelo MST criou óbice intransponível ao cumprimento da obrigação. Deverá também
provar que não havia meios de evitar ou impedir os seus efeitos. Assim, a cédula de crédito rural hipotecária
permanecerá exigível na hipótese de o MST invadir o imóvel do financiado e este deixar de comprovar que
a invasão constitui óbice intransponível ao pagamento do crédito e que não existiam meios de evitar ou
impedir os efeitos dessa ocupação.

d) Dano (prejuízo)

Via de regra, não existe responsabilidade civil sem dano.

O dano assume um papel fundamental em matéria de responsabilidade civil.

Existem as seguintes espécies de danos:

• Dano material
• Dano moral
• Dano estético
• Dano moral coletivo
• Dano social

259
• Dano pela perda de uma chance

i. Danos patrimoniais ou materiais

Dano patrimonial ou material atinge o patrimônio corpóreo de uma pessoa. Não cabe a fixação de
dano hipotético ou eventual de uma pessoa.

É preciso provar a efetiva lesão, como regra.

E portanto o dano material deve ser provado.

O dano patrimonial pode ser sub-classificado em:

• Danos emergentes (danos positivos): é o que efetivamente se perdeu com o dano. Ex.: houve
um homicídio, situação na qual a família gastou com hospital, funeral, etc. A família tem o direito
de ser reembolsado por estas despesas.
• Lucros cessantes (danos negativos): é aquilo que efetivamente se deixou de ganhar. Ex.: no caso
do homicídio, é a prestação de alimentos indenizatórios, ou seja, é o valor que o sujeito estaria
contribuindo para a sua família, mas que agora não pode mais. Existem lucros e rendas cessantes.

O taxista, quando fica na oficina por conta de um dano experimentado, ficará sem trabalhar. Se o
valor da reparação do carro foi 3 mil reais, isto será dano emergente. Mas durante o período que o sujeito
ficou sem trabalhar ele não ganhou, devendo receber os danos negativos, ou seja, os lucros cessantes por
aquilo que não recebeu durante o período.

→ Alimentos indenizatórios

Em relação aos alimentos indenizatórios, por conta de morte ou invalidez, é devida uma indenização
a título de lucros cessantes aos dependentes do falecido.

Mas como se chega a este valor?

Deve-se levar em conta o tempo de vida provável daquela pessoa que faleceu, considerando a
expectativa de vida informada pelo IBGE.

O cálculo dos alimentos indenizatórios é feito da seguinte forma: o STJ considera que 2/3 do salário
da vítima, pois 1/3 ela gastaria consigo mesma. Portanto, 2/3 irão para os dependentes da vítima, mais FGTS,
décimo terceiro, férias, horas extras eventuais, até o limite da idade de expectativa de vida provável da
vítima.

Supondo que o acidente tenha atingido uma vítima que já tinha ultrapassado este limite de idade de
vida provável, trazido pelo IBGE. Ex.: atropelaram o senhor de 80 anos na faixa de pedestre.

260
Neste caso, faz-se um cálculo de sobrevida, de acordo com as condições gerais daquele sujeito. E
este cálculo poderá variar de 2 a 5 anos, ou até maior.

A jurisprudência entende que o valor que foi pago pelo seguro obrigatório (DPVAT) deve ser abatido
do montante reparatório pago pelo causador do dano. Este é o teor da Súmula 246 que diz que o valor do
seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada.

Há crítica da doutrina sobre isso, pois para a jurisprudência seria caso de enriquecimento sem causa.

Em alguns casos, o STJ tem quebrado esta regra de que a indenização deverá ser fixada com base
na vida provável da vítima falecida. Exemplo disso ocorre nos casos em que quem falece é o filho da família.
Ex.: filho teria 17 anos quando faleceu. Neste caso, ele contribuiria para família até uma certa idade. Ou
também nos casos em que falece o pai da família, o qual tinha 54 anos e o filho tinha 17 anos. Neste caso, o
filho não vai ficar recebendo do pai até o fim da vida provável, mas apenas até os 24 ou 25 anos, que é o
limite da relação de dependência. Esta é a presunção que o STJ cria.

Mas isto vai variar de caso a caso.

E se quem morre é o filho menor?

Neste caso, a Súmula 491 do STF estabelece que é indenizável o acidente que cause a morte de filho
menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.

O cálculo dessa indenização é feito com base num salário mínimo, contabilizando 2/3 no período em
que o menor teria entre 14 a 24 anos, supondo que ajudaria a família.

No entanto, existem julgados que defendem elementos indenizatórios aos pais, inclusive após este
período. Nesta situação, em que o indivíduo atinge 24 ou 25 anos, presume-se que ele teria casado, hipótese
que passará a contribuir com 1/3 de seus rendimentos.

Flávio Tartuce critica essa visão do STJ, alertando que isto não é a realidade brasileira. Para ele, a
pessoa com 25 anos, como regra geral, não contribui com mais nada para sua família.

Segundo o STJ, na responsabilidade civil extracontratual, se houver a fixação de pensionamento


mensal, os juros moratórios deverão ser contabilizados a partir do vencimento de cada prestação, e não
da data do evento danoso ou da citação.

Não se aplica ao caso a Súmula 54 do STJ, que somente tem incidência para condenações que são
fixadas em uma única parcela. Se a condenação for por responsabilidade extracontratual, mas o juiz fixar
pensão mensal, neste caso, sobre as parcelas já vencidas incidirão juros de mora a contar da data em que
venceu cada prestação. Sobre as parcelas vincendas, em princípio não haverá juros de mora, a não ser que o

261
devedor atrase o pagamento, situação na qual os juros irão incidir sobre a data do respectivo vencimento
(Inf. 580, STJ).

Aula 10. Responsabilidade civil (continuação).

III. Dano moral

O dano é uma lesão.

O dano moral está presente quando está lesão se dá em face de direitos da personalidade.

A angústia, o sofrimento ou a dor são efeitos do dano moral. Isso porque o dano moral é configurado
a lesão de direitos da personalidade.

No dano moral não existe uma finalidade de acréscimo patrimonial, tanto é que não incide imposto
de renda sobre esta indenização. Este entendimento inclusive é sumulado pelo STJ (Súmula 498).

Como dito, para haver dano moral, é necessário que haja lesão aos direitos da personalidade. Diante
disso, é possível que o indivíduo não sinta dor, angústia ou sofrimento, mas ainda assim esteja presente o
dano moral.

Se estiverem presentes os sentimento negativos, poderá ou não gerar dano moral.

Demonstrada a ocorrência da ofensa, não é preciso comprovar que essa ofensa gerou dor, angústia
ou sofrimento para configuração do dano moral.

É por isso que se diz que é um dano moral in re ipsa, isto é, comprovado dano a um direito da
personalidade, não é necessário comprovar que aquela atitude gerou dor, angústia ou sofrimento. Ex.:
inscrição no cadastro dos inadimplentes quando é indevida.

a) Classificação do dano moral

O dano moral pode ser classificado como:

• Dano moral direto: a lesão atinge a própria pessoal, diretamente. O sujeito inscreveu o nome do
lesado nos cadastros de inadimplentes.
• Dano moral indireto: ocorre quando há um dano moral em ricochete. Isto é, o dano moral que
atinge a pessoa de forma reflexa. Por exemplo, por conta da atitude imprudente alguém é morto.
Há um dano moral à família do lesado. Veja, um terceiro experimentou o dano moral por um fato
ocasionado a outra pessoa. Ex.: uso indevido da imagem do morto ou lesão à honra do morto.

262
Haverá também dano em ricochete quando há lesão em face de uma coisa. O animal é considerado
uma coisa para fins de indenização. Se alguém matar um animal, poderá ser considerado que houve um dano
moral, caso em que seria um dano moral em ricochete, atingindo a pessoa de forma reflexa.

b) Diferença entre dano moral e mero dissabor da vida em sociedade

O STJ tem o entendimento de que a mera quebra de um contrato, ou mera inadimplência de um


contrato, não é capaz de gerar dano moral.

Esta é a regra. Isso porque a jurisprudência do STJ vai dizer que, se o descumprimento do contrato
se der em relação a valores que são fundamentais, aí haverá dano moral. Ex.: sujeito precisa ser internado,
mas o plano de saúde indevidamente nega esse atendimento. Como o valor tratado aí é saúde, e é
fundamental, haverá dano moral.

Outro direito fundamental reconhecido é o direito à moradia. Neste caso, a questão que chega ao
STJ é o fato de que a construtora não entregou o imóvel na data aprazada. Por conta disso, o STJ entende
que se ultrapassar os limites do razoável, haverá configuração do dano moral.

c) Corpos estranhos encontrados em produtos alimentícios

No caso em que há contato do corpo estranho com a pessoa que consumiu o produto alimentício,
segundo o STJ, haverá a configuração do dano moral. Isto é pacífico.

A discussão que existe é, e se o sujeito comprar a Coca-Cola, notar que há uma barata nadando
dentro do refrigerante? Neste caso, há ou não o dano moral?

Em 2014, o STJ considerou que os danos morais seriam reparáveis, ainda que o produto não tivesse
sido consumido. O fundamento foi de que houve um concreto risco de lesão à saúde do consumidor, de
forma que há uma ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada. Neste caso, justifica a fixação de
danos morais de alimentos não consumido, pois continha um corpo estranho.

O que se percebe é que há um caminhar para a responsabilidade civil sem dano. Isso porque o sujeito
não experimentou o dano moral.

Todavia, a respeito do fato de o consumidor ter encontrado um produto estranho no produto, mas
não tê-lo consumido, julgados posteriores do STJ afastaram o cabimento de indenização por dano moral.

O ministro Luís Felipe Salomão disse que: “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se
consolidou, no sentido de que a ausência de ingestão do produto impróprio para o consumo configura
hipótese e mero dissabor vivenciado pelo consumidor”. Este julgado é de 2015.

d) Espera na fila do banco e indenização por dano moral

263
A espera na fila do banco gera indenização por dano moral?

Isto irá depender do caso concreto. O dano moral não surge apenas da simples violação à legislação
que determina o tempo máximo de espera.

O mero descumprimento do prazo, apesar de gerar ume infração administrativa, poderá não haver
dano moral, pois vai depender da verificação dos casos, ou dos fatos que geraram sofrimento ou o
desconforto que ultrapassou o limite do mero dissabor da vida em sociedade, causando angústia, dor ou
outro valor psíquico, capaz de gerar dano moral.

Ex.: idoso esperou durante 2 horas na fila do banco em pé. Houve a responsabilização por dano moral
neste caso.

Estas decisões em que começa a condenar alguém porque fez com que outra pessoa esperasse por
mais de duas horas na fila do banco implica a adoção da possibilidade de se responsabilizar civilmente alguém
pela perda do tempo livre.

A perda do tempo livre justifica a indenização, pois se trata de um valor que deve ser considerado.

e) Danos morais da pessoa jurídica

Pessoa jurídica pode ou não pode sofrer dano moral?

O tema está pacificado na jurisprudência e no código civil caminha neste sentido ao estipular, no art.
52, que se aplica à pessoa jurídica, no que couber, os direitos da personalidade.

Portanto, o Código Civil vai reconhecer a existência de direitos da personalidade em favor da pessoa
jurídica.

Se ela tem direitos da personalidade, e se o dano moral é violação aos direitos da personalidade,
quer dizer que, se a pessoa jurídica sofrer violação em um de seus direitos da personalidade, haverá sofrido
dano moral, cabível indenização neste sentido.

Normalmente atinge a honra objetiva da pessoa jurídica. Ex.: inscrição indevida em cadastro de
inadimplentes da pessoa jurídica.

São alguns direitos da personalidade da pessoa jurídica: direito ao nome, direito à honra objetiva,
direito à imagem, etc.

O STJ foi decidir a respeito do cabimento ou não de indenização por danos morais em benefício de
pessoa jurídica de direito público. Ocorre que o STJ entendeu que não são cabíveis. O fundamento é a
origem do instituto do cabimento da indenização por danos morais.

264
Como se sabe, o dano moral busca proteger os direitos fundamentais. E a origem dos danos
fundamentais está ligada à necessidade de se proteger o cidadão do Estado. Por isso, tanto a doutrina como
a jurisprudência somente irão reconhecer às pessoas jurídicas de direito público direitos fundamentais de
caráter processual ou que assegurem a ela a sua autonomia.

Veja, são direitos fundamentais que asseguram proteção ao Estado contra o próprio Estado.

Para o STJ, não cabe ao Estado alegar que um indivíduo violou direito da personalidade do Estado e,
portanto, deve indenizá-lo moralmente, pela violação da imagem.

f) Natureza jurídica da indenização por danos morais

Para se chegar a este valor, é necessário analisar 3 correntes:

1ªC: entende que a indenização de danos morais tem a natureza meramente reparatória. Está
superada.

2ªC: a indenização por danos morais tem caráter punitivo ou disciplinador (punitive damages). A ideia
é punir alguém pelo fato de ter violado um direito da personalidade.

3ªC: a indenização por danos morais tem caráter compensatório, caráter reparatório, mas também
tem um caráter pedagógico, disciplinador, visando coibir novas condutas. Não pode ser ínfima a indenização
a fim de fomentar a prática ilícita pelo ofensor. Esta é a tese que vai prevalecer.

Há uma tendência de se admitir a fixação dos danos morais se valendo de um critério punitivo,
pedagógico e compensatório.

Porém o que prevalece, para fins de prova, é o caráter compensatório e o caráter pedagógico.

g) Tabelamento ou critérios de quantificação para arbitrar o dano moral

Em outubro de 2016, o STJ fixou critérios para se chegar a esse valor de indenização por danos morais.

Inicialmente, o juiz, para fixar danos morais, deve agir com equidade, com bom senso, levando-se
em conta a extensão do dano, condições socioeconômicas e culturais das pessoas envolvidas, questões
psicológicas das partes, assim como o grau de culpa do agente ou do terceiro, ou mesmo da vítima, o quanto
ela concorreu para o evento.

Ocorre que o STJ tem um julgado que é da relatoria do ministro San Severino, que foi relembrado
por Luís Felipe Salomão.

O STJ tem o entendimento de que o julgador deve adotar o método bifásico:

265
• 1ª Fase: Fixação do valor básico de acordo com o interesse jurídico lesado e analisa-se como o
Tribunal normalmente fixa o dano para essa situação. Ex.: houve morte no caso concreto e o
Tribunal normalmente fixa 200 salários mínimos para estes casos.

• 2ª Fase: Fixação definitiva do valor da indenização, de acordo com as circunstâncias


particulares do caso concreto. Aqui, verifica-se a gravidade do fato, a circunstância em que se
deu o fato, se a vítima concorreu com o fato, condições econômicas das partes.

É preciso entender que a indenização tem uma função pedagógica, mas o valor pecuniário não pode
gerar enriquecimento sem causa do autor.

Portanto, o juiz deve ter atenção ao princípio da proporcionalidade, de forma que não seja ínfima a
indenização, a ponto de fomentar a prática ilícita, e nem mesmo alta para gerar enriquecimento sem causa.

IV. Danos estéticos

Hoje, doutrina e jurisprudência separam dano estético de dano moral, mas ambos são danos de
caráter extrapatrimonial.

Conceitua-se dano estético como sendo lesão à beleza física, à harmonia da forma externa de
alguém.

Estes danos estão presentes quando a pessoa tem uma ferida, uma cicatriz, um corte na pele, quando
sofre uma lesão ou a perda de um órgão, podendo ser inclusive interno, desde que seja visível. A imputação
também pode ser dano estético.

O dano estético é presumido, pois está exteriorizada a lesão (in re ipsa).

O STJ vem entendendo que dano estético é uma coisa e dano moral é outra. No dano estético há
uma alteração morfológica da formação corporal, que agride a visão, causando desagrado ou repulsa, ou
mesmo chamando atenção pela falta de harmonia gerada pelo evento.

No dano moral, há uma alteração mental.

Por isso a súmula 387 do STJ diz que é lícita a cumulação de dano estético com o dano moral.

V. Danos morais coletivos

Dano moral coletivo é o dano que atinge ao mesmo tempo vários direitos da personalidade de
pessoas determinadas ou determináveis. Os danos morais coletivos não têm caráter difuso.

O CDC vai admitir expressamente a reparação de danos morais coletivos (art. 6, VI).

266
Os danos morais coletivos atingem direitos individuais homogêneos e direitos coletivos em sentido
estrito. Isso porque, no dano moral coletivo, a indenização é destinada às vítimas. Por isso devem elas ser
determinadas ou determináveis.

No STJ, há precedentes nos dois sentidos, ora admitindo danos morais coletivos, ora inadmitindo
essa indenização. No entanto, é uma tendência a sua admissão de reparação de dano moral coletivo.

Em 2012, o STJ condenou uma instituição bancária por danos morais coletivos, causados aos clientes
com deficiência física, pois o banco havia colocado os caixas no andar de cima da agência bancária,
dificultando o acesso das pessoas com deficiência.

VI. Danos sociais

O professor da USP, Antônio Junqueira, propõe uma nova modalidade de dano, denominado dano
social.

Danos sociais são lesões à sociedade, que atingem à qualidade de vida da sociedade, tanto por conta
do seu rebaixamento patrimônio moral, principalmente no tocante à segurança, quanto por diminuição da
qualidade de vida. Esse rebaixamento pode ter repercussão material e também repercussão moral.

O dano social decorre de uma conduta socialmente reprovável. São danos difusos, envolvendo
direitos difusos, sendo as vítimas indeterminadas e indetermináveis. Por conta disso, a indenização por danos
sociais também está previsto no art. 6º, VI, do CDC.

O valor a ser fixado será destinado ao fundo de proteção que tenha relação ao direito atingido ou a
uma instituição de caridade.

O TJSP condenou a Amil ao pagamento de danos sociais, em que pese a polêmica condenação ter
sido originada de um processo individual sem que houvesse pedido de danos sociais na petição inicial. Foi
fixada em 1 milhão de reais, destinado aos Hospital das Clínicas de São Paulo. Isso porque a Amil,
reiteradamente, se negava a cobrir tratamentos médicos quando o sujeito tinha direito.

Flávio Tartuce rasgou elogios a esta decisão, afirmando que a condenação decorreu de uma matéria
de ordem pública, motivo pelo qual seria desnecessário o pedido na petição inicial.

VII. Danos por perda de uma chance

A perda de uma chance é um tema interessante e importante, visto que se percebeu que as pessoas
sofriam danos por perda de uma chance considerável de se cumprir.

267
Essa perda de uma chance ocorre quando a pessoa vê frustrada uma expectativa que ela tinha e
que, dentro da lógica do razoável, ela teria, caso as coisas tivessem seguido o seu curso normal. É a perda
da chance séria e real que justifica a indenização.

Por exemplo, vários julgados condenam advogados que perdem o prazo do recurso, pois houve a
perda de uma chance de vitória judicial. Perceba que se trata de um caso em que o sujeito de 1ª instância
decida de uma forma, e o Tribunal de Justiça entende de outra forma. Neste caso, não há dúvidas de que
deverá pagar indenização.

Essa chance de vitória deve ser séria e real, quando, por exemplo, o Tribunal tenha o entendimento
pacífico contrário ao entendimento do juiz que julgou a sentença. Do contrário, se a chance era mínima, não
haverá perda de uma chance.

O STJ vai dizer que a teoria da perda de uma chance pode ser utilizada para apuração de
responsabilidade civil por erro médico, mas na hipótese em que o erro médico tenha reduzido de forma
concreta as possibilidades de cura do paciente. Ou seja, o paciente teria grandes chances de cura se tivesse
sido tratado adequadamente, mas ele veio falecer em razão daquela doença porque houve um tratamento
médico inadequado, ocasionando a perda de uma chance de viver.

No caso dessa indenização por erro médico, não se trata de uma coisa simples. No caso, o que matou
o paciente não foi o erro médico ou o médico, e sim a doença. O dano morte foi experimentado em razão de
uma doença.

A perda de uma chance é uma modalidade autônoma de indenização, motivo pelo qual não há
responsabilização pelo resultado morte, pois não foi o médico que causou. O médico irá responder pela perda
de uma chance que ele privou o paciente. Então, a chance em si é considerada como um bem autônomo,
perfeitamente reparável. E portanto, não há uma mitigação do nexo causal, e sim o nexo causal direto. Ou
seja, há a conduta do médico, que pode ser omissiva ou comissiva e o resultado e o dano, que é a perda da
chance, como bem jurídico autônomo.

Há uma doutrina que pretende dar um caráter mais objetivo para esta teoria da perda de uma
chance, a fim de considerar para que haja uma chance real e séria, deverá ela ser superior a 50% de chances.

No entanto, não há entendimento consolidado nesse sentido.

A maior parte dos julgados não considera aplicável a teoria da perda de uma chance, motivo pelo
qual dependerá do caso concreto a fixação de indenização.

VIII. Regras importantes quanto à fixação da indenização previstas no Código Civil

a) Pensão por incapacidade do trabalho

268
De acordo com o art. 950 do CC, se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer
sua profissão ou ofício, ou se diminuir a capacidade de trabalho, a indenização cabível deve cobrir, além das
despesas de tratamento e os lucros cessantes, a pensão correspondente ao trabalho que ele não poderá
mais exercer, ou uma pensão que cubra a depreciação da remuneração que experimenta, em razão de não
poder mais exercer na plenitude o trabalho que exercia.

Essa indenização eventualmente poderá ser pleiteada de uma só vez.

Esse pedido do credor, para receber tudo de uma vez será feito, não necessariamente vai ocorrer,
pois o juiz, para deferir ou não, analisará quais são as condições econômicas do devedor.

b) Responsabilidade dos profissionais liberais

O art. 951 do CC vai regulamentar a responsabilidade dos profissionais liberais. Esta responsabilidade
é subjetiva.

Segundo o entendimento majoritário, se o profissional de saúde assume uma obrigação de


resultado, como o cirurgião plástico, cirurgião dentista para o tratamento ortodôntico, a responsabilidade
será objetiva. Ou seja, ela independe de culpa.

Mas será encontrado no entendimento no próprio STJ, em que entende que poderá ser discutida a
culpa no caso de obrigação de resultado assumida por profissional liberal. Cumpre ao médico demonstrar
que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação na cirurgia.

Veja, o STJ diz que se continua discutindo a culpa, porém há a inversão do ônus da prova. O paciente
não precisa provar que o médico errou, e sim o médico provar que não houve culpa sua, e que o erro
experimentado decorreu de fatores externos, alheios à cirurgia.

c) Valor de afeição em face da perda da coisa

O art. 952 do CC diz que, havendo usurpação ou esbulho de coisa alheia, além dessa coisa ter de ser
restituída, a indenização vai consistir pagar o valor das deteriorações e dos lucros cessantes. Se a coisa faltar,
o esbulhador terá de indenizar o correspondente à coisa perdida, tendo em vista eventual afeição que a
pessoa pode ter.

Percebe-se que o valor de afeição em face de perda da coisa será considerado.

O legislador diz que o vizinho, bêbado do prédio, que entrou no garagem e atropelou o cachorro da
vizinha, não poderá apenas repor um novo cachorro, ainda que seja da mesma raça. Neste caso, é necessário
considerar o valor da afeição, considerando o quanto o animal era importante para a pessoa.

O valor de afeição deverá ser considerado quando for fixar o valor da indenização.

269
IX. Classificação da responsabilidade civil quanto à culpa

Existe responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva.

• Responsabilidade civil subjetiva: a responsabilidade civil subjetiva é a regra, devendo ser


comprovada a presença de culpa em sentido amplo (dolo ou negligência, imprudência ou
imperícia).
• Responsabilidade civil objetiva: a responsabilidade objetiva, dentre outros vários fundamentos
legais, encontra fundamento importante no Código Civil, que é o art. 927, parágrafo único.

Este dispositivo diz que, aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.

No entanto, o parágrafo único diz que, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Perceba aqui que a responsabilidade poderá independer de culpa, e ser objetiva, quando:

• a lei disser que ela é objetiva


• a atividade for de risco (cláusula geral)

No Brasil, a responsabilidade objetiva é fundada na teoria do risco em uma de suas modalidades.

A teoria do risco possui as seguintes vertentes:

• Teoria do risco administrativo: adotada nos casos de responsabilidade objetiva do Estado.


• Teoria do risco criado: está presente nos casos em que o agente cria um risco. No art. 938 do CC,
há responsabilidade do ocupante do prédio pelas coisas que dele caírem ou serem lançadas
(defenestrar).
• Teoria do risco profissional: neste caso, a atividade exercida pelo sujeito gera riscos.
• Teoria do risco proveito: o risco decorre de uma atividade lucrativa. O sujeito extrai proveito
desse risco. É o que fundamenta a responsabilidade de um fornecedor por um produto. O sujeito
colocou 1 milhão de Coca-Cola, mas uma delas tinha uma barata. Há a teoria do risco proveito,
apesar do CDC já disser que responde objetivamente.
• Teoria do risco integral: diverge das demais, pois não admite causa excludente de
responsabilidade civil alegada. É típica dos danos ambientais e dos danos nucleares.

Perceba que o parágrafo único do art. 927 fala em atividade de risco. Esta expressão é uma cláusula
geral. Então é o juiz quem vai dizer se aquela atividade é de risco ou não é.

270
Se for lido o art. 7º, XXVIII, da CF, parece que a responsabilidade do empregador é dolosa ou culposa,
em face de dano experimentado pelo empregado.

Este dispositivo diz que são direitos do trabalhador, sem excluir outros, seguros contra acidentes do
trabalho a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que o empregador está obrigado, quando
incorrer em dolo ou em culpa.

A CF diz que o seguro vai ter de arcar, sem excluir a indenização quando incorrer em dolo ou culpa.
Então, para ter de pagar indenização será necessário incorrer dolo ou culpa.

No entanto, quando o dispositivo inicia, afirma que são direitos do trabalhador, sem excluir outros.
Portanto, o empregador deverá pagar ao empregado uma indenização, quando causa prejuízo, com dolo ou
culpa, mas também quando há prejuízo sem dolo ou sem culpa, respondendo objetivamente pelos danos
causados ao empregado. Isso porque a atividade que exerce é uma atividade de risco.

Portanto, atividade de risco é aquilo que a jurisprudência dos Tribunais dizem que é. Trata-se de uma
cláusula geral.

O segundo exemplo é o caso dos ambientes virtuais, em que há mensagens de ofensas ali
prolatadas.

Segundo o STJ, o dano moral decorrente de mensagens de conteúdo ofensivo inseridas no site pelo
usuário, não constituem risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não lhes
aplica a responsabilidade objetiva do parágrafo único do art. 927 do CC.

Então, tem-se entendido que é necessário demonstrar a culpa da empresa que mantém o site. Neste
caso, só irá responder se tiver agido culposamente, como por exemplo quando é comunicada
extrajudicialmente sobre as mensagens ofensivas, e ainda assim não toma providências para afastar o dano.

Em 2014, veio o Marco Civil da Internet 12.965/14, no seu art. 18, a lei diz que o provedor de conexão
à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiro.

O problema é que o art. 19 traz uma restrição perigosa, pois diz que provedores de internet somente
podem ser responsabilizados por danos decorrentes de um conteúdo gerado por uma terceira pessoa se,
após ordem judicial específica, não tomarem as providências para, dentro do prazo assinalado, tornar
indisponíveis o conteúdo.

Veja, pela lei, a responsabilidade dos provedores é denominada de responsabilidade civil subjetiva
agravada, pois não basta a culpa, mas deverá ser esta culpa agravada por uma ordem judicial descumprida.

X. Responsabilidade objetiva no Código Civil e principais regras específicas

271
a) Responsabilidade civil objetiva por atos de terceiros

Lembrando que não se fala mais em culpa in custodiendo, in elegendo e in vigilando, pois passam a
ser casos de responsabilidade objetiva.

O art. 932 vai dizer que:

• Os pais são responsáveis pelos atos praticados pelos filhos que estejam sob a sua autoridade e
sob a sua companhia.

• O tutor e curador são responsáveis por atos de pupilos ou curatelados que estejam sob sua
autoridade e em sua companhia.

• O empregador é responsável pelos atos dos seus empregados.

• Os donos do hotel também serão responsáveis pelos hóspedes que tenham gerado dano.

• Aqueles que contribuírem gratuitamente nos produtos do crime, serão responsáveis até a
concorrência da respectiva quantia, independentemente de culpa. Ou seja, se o indivíduo
contribuiu com o produto do crime, deverá responder até a quantia que a qual concorreu.

Todos esses casos são de responsabilidade civil objetiva, conforme o art. 933, o qual diz que as
pessoas mencionadas no art. 932 respondem independentemente de culpa.

Trata-se de aplicação da teoria do risco criado.

Para que essas pessoas respondam, não é necessário que demonstrem culpa delas, mas é necessário
que demonstrem que houve culpa daqueles pelos quais elas respondem. Então, há uma responsabilidade
objetiva indireta, denominada responsabilidade objetiva impura.

Isso porque não é necessária comprovar culpa do sujeito que está sendo responsabilizado, porém é
preciso provar a culpa do tutelado, curatelado, filho, empregado, etc.

Por conta disso, é que se chama de responsabilidade objetiva indireta ou impura.

Lembrando que quem ressarcir o dano tem o direito de reaver o que tiver pago em benefício
daquele por quem pagou. O direito de regresso está garantido, salvo quando o causador do dano for
descendente, absolutamente ou relativamente incapaz.

O art. 942, parágrafo único, diz que há solidariedade entre todos os sujeitos dos incisos do art. 932.
Trata-se de uma solidariedade em relação à vítima, ou seja, poderá ela acionar tanto o empregado quanto o
empregador.

272
Ocorre que o caso dos incapazes é uma exceção a essa regra. Se o ato ilícito foi praticado por um
incapaz, o responsável por ele irá responder de forma principal e o incapaz terá apenas responsabilidade
subsidiária e mitigada.

Atente-se que deve ser lido este dispositivo juntamente com o art. 928. Este dispositivo diz que o
incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis:

• Não tiverem obrigação de fazê-lo ou;


• Não dispuserem de meios suficientes.

O parágrafo único do art. 928 diz que a indenização, que deverá ser equitativa, não terá lugar se
privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Este dispositivo cria a hipótese de responsabilização civil do incapaz.

Atente-se que todos são solidários, menos o incapaz. Isso porque o incapaz tem uma
responsabilidade subsidiária, pois só irá responder se os responsáveis por ele não tiverem essa
responsabilidade ou não tiverem condições de pagar. A responsabilidade do incapaz deve ser equitativa, com
base naquilo que poderá pagar, e nem terá lugar se essa indenização privá-lo ou daqueles que dele
dependam de sua sobrevivência.

Começa-se a perceber que a responsabilidade do incapaz é subsidiária. Ex.: a indenização é de 10


mil. Percebe-se que os pais do incapaz conseguem pagar 5 mil e o incapaz 5 mil. Neste caso, a
responsabilidade do incapaz é subsidiária, somente a partir do momento em que não conseguir pagar.

Lembrando que o STJ decidiu que a responsabilidade dos pais por filho menor, além de ser objetiva,
deve-se comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito daquele pelo qual são os pais responsáveis
legalmente (ou seja, é necessário provar apenas a culpa do filho).

Por isso, pode-se concluir dizendo que os incapazes (ex: filhos menores), quando praticarem atos que
causem prejuízos, terão responsabilidade subsidiária, condicional, mitigada e equitativa, nos termos do art.
928 do CC. A responsabilidade dos pais dos filhos menores será substitutiva, exclusiva e não solidária.

Por conta desse entendimento, não há obrigação nenhuma da vítima lesada de propor a ação em
litisconsórcio contra o responsável e o incapaz. Não há litisconsórcio necessário, neste caso.

Seria plenamente possível que o autor (vítima) tivesse, por sua opção e liberalidade, ajuizado a ação
contra ambos (pai e filho, este causador do dano). Neste caso, teríamos uma hipótese de litisconsórcio:

• Facultativo: não há nada (seja a lei ou a relação jurídica) que obrigue sua formação, decorrendo
ela da conveniência da parte.

273
• Simples: porque a decisão não seria necessariamente idêntica para o incapaz e seu responsável.

A vantagem de o autor propor contra os dois seria para o caso de ele já saber que o responsável pelo
incapaz não possui patrimônio suficiente e que o próprio incapaz detém bens, em seu nome, que poderiam
servir para custear a indenização. Trata-se de hipótese rara na prática, mas possível. Neste caso, o autor faria
dois pedidos:

• O primeiro para que haja a condenação do responsável pelo incapaz a reparar o dano;
• O segundo pedido seria subsidiário, ou seja, na hipótese de o responsável pelo incapaz não ter a
obrigação de indenizar ou não ter meios para isso, pede-se a condenação do próprio incapaz.

Contudo, há uma exceção: os pais só respondem pelo filho incapaz que esteja sob sua autoridade
e em sua companhia. Assim, os pais, ou responsável, que não exercem autoridade de fato sobre o filho,
embora ainda detenham o poder familiar, não respondem por ele.

Desse modo, a mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia
permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor – sobre quem apenas o pai exercia
autoridade de fato – não pode ser responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo
considerando que ela não deixou de deter o poder familiar sobre o filho (Inf. 575, STJ).

Lembrando que o art. 932, I, do CC estabelece que são também responsáveis pela reparação civil os
pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

A doutrina e a jurisprudência afirmam que o legislador não foi muito feliz quando utilizou a expressão
“em sua companhia”. Assim, deve-se evitar, neste caso, a interpretação literal e os pais irão responder
mesmo que eles não estejam presentes no momento do ato causador do dano.

Para Cristiano Farias, não se trata de proximidade física no momento do dano. Mesmo que o menor,
em viagem, cause danos a terceiros, tais danos estão sob o amparo do dispositivo em questão. Cabe aos
pais contribuir para a formação dos hábitos e comportamentos dos filhos, e isso se reflete, de modo sensível,
quando os menores estão fora do lar, e não se encontram sob a proteção direta deles, e nem haja fiscalização
familiar. É irrelevante, portanto, para a incidência da norma, a proximidade física dos pais, no momento em
que os menores causam danos.

Inclusive o STJ já decidiu que o fato de o menor não residir com o genitor não configura, por si só,
causa excludente de responsabilidade civil.

Por todo o exposto, não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente
pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta.

274
Deve-se esclarecer que a responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores, nos termos do art.
932, I, é objetiva. A responsabilidade por ato de terceiro (art. 932) é objetiva, sendo também chamada de
responsabilidade indireta ou complexa.

Este é inclusive o teor do Enunciado 451-CJF: A responsabilidade civil por ato de terceiro funda-se na
responsabilidade objetiva ou independente de culpa, estando superado o modelo de culpa presumida.

Assim, as pessoas arroladas no art. 932 responderão sem que se discuta se tiveram ou não culpa. A
vítima precisará, contudo, provar a culpa do causador direto do dano.

i. Responsabilidade dos hospitais e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça

Especificamente quanto às demandas por danos causados por médicos, se for observado qual é a
responsabilidade dos hospitais nestes casos? O médico é empregado dos hospitais e aí eles respondem
objetivamente, independentemente de culpa?

Depende. O STJ faz essa distinção.

Para o STJ, a responsabilidade dos hospitais, pelos danos causados aos pacientes (que são
consumidores), poderá ser sintetizada da seguinte forma:

• Obrigações assumidas diretamente pelos hospitais: tais como fornecimento de recursos


materiais, fornecimento de recursos humanos auxiliares, etc., devem ser prestadas de forma
adequada e, nessa hipótese, a responsabilidade do hospital será objetiva.

• Atos técnicos praticados por médicos sem vínculo de emprego e de subordinação: serão
imputados ao profissional médico pessoalmente, ficando o hospital eximido da responsabilidade,
desde que não tenha concorrido para o dano.

• Atos praticados de forma defeituosa por médico vinculado ao hospital: responderão


solidariamente o hospital e o médico, inclusive objetivamente. Ou seja, será pela teoria da
responsabilidade objetiva impura, pois, comprovado que o médico agiu de forma culposa, então
o hospital responde objetivamente indiretamente.

O STJ faz essa distinção importante aqui.

b) Responsabilidade civil objetiva por danos causados por animal

No art. 936 dispõe que o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não
provar culpa da vítima ou força maior.

275
Não havendo culpa exclusiva da vítima ou força maior, haverá uma causa excludente do nexo de
causalidade.

Na verdade, a responsabilidade civil do dono ou detentor do animal é objetiva.

Não se fala mais em culpa in custodiendo.

c) Responsabilidade civil objetiva por danos causados por prédios em ruína

O art. 937 diz que o dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua
ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

Perceba que não é defenestração, não se trata de coisas jogadas da janela. Aqui é o prédio em ruínas.

O Código exige que essa necessidade de reparos seja manifesta.

Neste caso, o dono da construção responde objetivamente pelo risco criado ou pelo risco proveito.

Essas situações, na imensa maioria dos casos, estarão inseridas dentro da responsabilidade objetiva
do CDC. Isso porque o morador do prédio será considerado como consumidor direto (quem comprou o
apartamento) e a vítima do evento serão vítimas do eventos, sendo considerados consumidores por
equiparação (bystander).

d) Responsabilidade civil objetiva por danos causados por coisas lançadas (defenestramento)

Para não confundir, é necessário destacar a responsabilidade civil objetiva por danos causados por
coisas lançadas (defenestramento).

Defenestrar significa jogar pela janela, com base no art. 938 do CC, o qual diz que, aquele que habitar
prédio, ou parte dele, responde pelo dano provenientes das coisas que dele caírem ou forem lançadas em
lugar indevido.

Há aqui uma responsabilidade objetiva do ocupante da casa, em virtude do risco criado.

E o caso de prédios de escritório ou de apartamentos em que se mostra impossível identificar de


onde é que a coisa foi lançada. Neste caso, a responsabilidade será do condomínio, tendo este direito de
regresso se souber quem foi.

e) Responsabilidade civil objetiva no contrato de transporte

Sabe-se que o contrato de transporte é um contrato típico, pois está descrito na lei.

276
O art. 750 diz que a responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do
conhecimento, começa no momento em que o transportador, ou seus prepostos, recebem a coisa, e termina
quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se o destinatário não for encontrado.

Começa quando recebe e termina quando entrega. A obrigação é de resultado.

O transportador assume a obrigação de entregar ao seu destino, com segurança e integridade. O


nome dessa cláusula de cláusula de incolumidade.

A responsabilidade do transportador ganha contornos de responsabilidade objetiva, conforme art.


734, que diz que o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens,
salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

Portanto, se houver dano à pessoa ou à bagagem, o transportador deverá pagar.

O art. 735 diz que, havendo acidente com o passageiro, não cabe a alegação de culpa exclusiva de
terceiro. Tal proteção é maior do que a prevista no CDC, visto que lá a culpa exclusiva de terceiro exclui a
responsabilidade, aqui não.

O transportador terá direito à ação regressiva, apesar de ter que indenizar o passageiro.

Em relação ao transporte de pessoas, o art. 736 diz que não há responsabilidade contratual objetiva
do transportador no caso de transporte gratuito (carona).

O art. 736, parágrafo único, diz que, caso o transportador receba algum tipo de vantagem indireta,
a sua responsabilidade será objetiva. Ex.: pagar gasolina, pedágio, almoço etc. Então a responsabilidade será
objetiva.

No caso de programa de milhagem, aplica-se o art. 736, parágrafo único, visto que a companhia aérea
recebe um lucro indireto. Portanto, não dá para dizer que o sujeito terá responsabilidade subjetiva.

XI. Excludentes do dever de indenizar

a) Legítima defesa

O art. 188, I, diz que não constituem atos ilícitos aqueles atos praticados em legítima defesa.

A excludente do dever de indenizar é a legítima defesa real, visto que a legítima defesa putativa não
exclui o dever de indenizar.

Tartuce faz uma analogia para aplicar ao art. 930 do CC os casos de legítima defesa. Esta dispositivo
é inicialmente aplicável a estado de necessidade e remoção de perigo iminente.

277
O art. 930 consagra o direito de regresso daquele que causou o dano em relação ao causador do
estado de perigo. Portanto, indeniza-se, mas tem o direito de regresso.

O parágrafo único reconhece o direito de regresso contra aquele que o dano acabou sendo causado.
Ex.: destruiu o muro do vizinho para salvar alguém que seria atropelada. Deverá pagar o muro ao vizinho,
mas terá o direito de regresso à pessoa que foi a pessoa em razão da qual causou o dano.

Tartuce diz que, sendo exercido a legítima defesa em caráter imoderado, ou seja, havendo abuso, e
no caso de legítima defesa putativa, haverá o dever de indenizar. Mas poderá ter o direito de regresso em
face da pessoa que o sujeito defendeu, ou em face da pessoa que causou ao sujeito o pensamento de que a
situação era de legítima defesa.

Se age em legítima defesa putativa ou se excede na legítima defesa, deverá o sujeito indenizar o
prejudicado. Mas poderá ter direito de regresso, aplicando o art. 930, em face da pessoa protegida ou em
face da pessoa que gerou o estado de ânimo, que no mundo dos fatos não existiu.

b) Estado de necessidade ou remoção de perigo iminente

O art. 188, II, diz que não constituem atos ilícitos a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a
lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

O parágrafo único diz que o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem
absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Isso significa que o ato praticado em estado de necessidade não é ilícito, mas só é ilícito, caso seja
imprescindível, pois do contrário o sujeito irá responder, e nos limites do indispensável.

O art. 929 diz que, se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, não forem culpados do perigo, terão
direito à indenização do prejuízo que sofreram.

O art. 930 diz que, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação
regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Ex.: Lucas soltou o Rottweiller na rua, vindo em direção à João. Mas João quebrou a porta do vizinho
Pedro para se esconder. João deverá indenizar Pedro por ter quebrado a porta, mas também terá direito de
regresso contra Lucas por ter soltado o cachorro quando não deveria.

c) Exercício regular do direito

O art. 188, I, segunda parte, diz que o ato praticado num exercício regular de um direito não é ato
ilícito.

278
Exemplo disso é o caso da inclusão do nome do devedor no rol de inadimplentes. Pode causar um
dano à imagem se for indevido, mas é direito se o devedor estiver em mora.

d) Excludentes de nexo de causalidade

Nexo de causalidade é o vínculo entre a conduta e o resultado.

São excludentes do nexo de causalidade:

• culpa exclusiva da vítima


• culpa exclusiva de terceiro
• caso fortuito ou força maior

e) Cláusula de não indenizar

Cláusula é uma previsão contratual.

A cláusula de não indenizar é uma previsão contratual que exclui totalmente a responsabilidade da
parte.

Esta cláusula é conhecida como cláusula de irresponsabilidade. A aplicação dessa cláusula de não
indenizar é uma aplicação muito comedida e restrita.

A cláusula de não indenizar só vale para os casos de responsabilidade contratual, não havendo falar
em casos de responsabilidade extracontratual.

A cláusula de não indenizar não incide nos casos em que houver conduta dolosa, ou criminosa, da
parte. Ex.: diante de um contrato que tem cláusula de não indenizar e a outra parte atua dolosa, ou
criminosamente, para causar o dano. Neste caso, a cláusula de não indenizar não será válida.

É nula a cláusula de não indenizar quando inserida em contrato de consumo.

É nula a cláusula de não indenizar nos contrato de adesão.

É nula a cláusula de não indenizar nos contratos de transporte.

Também não tem validade e nem eficácia a cláusula de não indenizar nos contratos de guarda. Ex.:
contratos de estacionamento.

É possível que haja causa excludente do nexo de causalidade nos casos de contrato de guarda. Ex.:
roubo dentro do estacionamento. Neste caso, a empresa de estacionamento não responde por assalto a mão
armada ocorrida dentro do estacionamento.

→ TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

279
1. Teoria geral dos contratos

Contratos

Previsto a partir do artigo 421, do Código Civil, contratos é a mais comum e mais importante fonte
de obrigação ao lado das declarações unilaterais de vontade (testamento) e os atos ilícitos (responsabilidade
civil).
O contrato constitui uma das principais formas de movimentação da economia, sendo, portanto, o
responsável pela circulação de riquezas. Tudo que fazemos gira em torno de relações contratuais, por
exemplo, se você compra um livro da editora “X”, tem-se um contrato; se você recebe sinal de TV a cabo, há
uma relação contratual. Há quem diga, ainda, que na seara do direito de família, o casamento é espécie
contratual.

Recapitulando:

Fatos são acontecimentos da vida (por exemplo, dia, noite, pessoas nasceram, morreram etc.), no
momento que esses fatos passam a ter repercussão na esfera jurídica, estamos diante dos fatos jurídicos.
Fatos jurídicos são divididos em fatos jurídicos em sentido estrito e atos jurídicos.
Os fatos jurídicos em sentido estrito são aqueles que ocorrem SEM VONTADE HUMANA e podem
ser subdivididos em: ordinários e extraordinários. Ordinário é aquele previsível, por exemplo, morte,
nascimento, maioridade; já os extraordinários, são aqueles imprevisíveis, que, inclusive, serão analisadas
neste estudo.
Já os atos jurídicos, são aqueles que ocorrem COM VONTADE HUMANA, e podem ser subdivididos
em: ilícitos e lícitos. Nos atos jurídicos ilícitos ocorre o que chamamos de responsabilidade civil, trata-se
de ato contrário ao ordenamento jurídico civilista. Já o ato lícito, são aqueles praticados em conformidade
com o ordenamento jurídico civilista, que por sua vez, podem ser de duas modalidades:

• Ato jurídico em sentido estrito: é aquele em que a vontade humana está direcionada para o ato
em si, suas consequências estão na lei e não podem ser modificadas. Por exemplo, reconhecimento de
paternidade, tomada da posse, notificações, fixação de domicílio.

• Negócio jurídico: é aquele em que a vontade humana está direcionada para a consequência de
determinado ato, dentre as variadas consequências que a lei permite, temos, a título de exemplo, os
contratos e os testamentos.

Notadamente, nesta oportunidade, estudaremos sobre um ato jurídico lícito, ou seja, a vontade
humana prevista na elaboração do contrato está direcionada para as consequências do ato. Por exemplo, se
“A” celebra contrato de compra e venda de um celular com “B”, o contrato é assinado por ambas às partes.
Contudo, faz-se necessário a seguinte indagação: A vontade de vender o celular, é exteriorizada através da

280
assinatura do contrato? Não, a vontade de “A” está voltada para as consequências, ou seja, a entrega do
celular e o recebimento do dinheiro.
Dessa forma, tem-se como contrato, espécie de negócio jurídico, que depende, para sua formação,
da participação de pelo menos duas vontades, sendo, portanto, negócios jurídicos bilaterais (manifestação
de duas vontades) ou plurilaterais (manifestação de mais de duas vontades).
Logo, levando-se em consideração a classificação de negócio jurídico, todos os contratos são
negócios jurídicos bilaterais, porém, admite-se negócio jurídico unilateral.
Negócio jurídico bilateral é aquele que está direcionado a produção de vantagens, como no contrato
de doação pura, que é unilateral no que diz respeito à vantagem, mas com relação à manifestação de
vontade, é bilateral. Isso porque o doador manifesta-se a vontade de doar e o donatário a vontade de
receber, com a prevalência do silêncio em algumas situações (art. 539 do CC).
Em resumo: Quando se fala em contrato, tem-se um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, não
existe contrato formalizado com uma única manifestação de vontade, pois, neste caso, estaremos diante de
ato unilateral. Diante disso, sempre que na classificação de contratos houver unilateralidade, estará
relacionada à produção de vantagens.
Segundos os ensinamentos do professor Clóvis Beviláqua: “contrato é acordo de vontades para o fim
de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir relações jurídicas”.
A autonomia da vontade é um princípio clássico do direito contratual, tendo em vista que a
elaboração do contrato ocorre por meio da manifestação de vontade dos contratantes. Consequentemente,
o contrato de aperfeiçoa, pura e simplesmente, pela manifestação de vontade, não há maiores formalidades.
Salienta-se ainda que, anteriormente, tínhamos a autonomia da vontade como um princípio
absoluto, o que não ocorre nos dias atuais. O anterior Código Civil (1.916) era um sistema extremamente
preocupado com questões patrimoniais, ou seja, buscava proteger tão somente o patrimônio dos sujeitos.
Havia figuras específicas neste código, por exemplo:
(i) o homem que tomava as decisões nas relações familiares - o homem fixava domicílio conjugal; ele
que autoriza a esposa a trabalhar; o salário da esposa era regido pelo homem, bem como, poderia ser retido
por ele; o homem detinha o pátrio poder sob os filhos;
(ii) o testador nas relações sucessórias, poderia dispor livremente e da forma que quisesse os seus
bens;
(iii) os contratantes poderiam contratar da forma que melhor lhe convier; sobre o objeto que
quisesse; estipulavam as cláusulas contratuais; total ausência de aplicação da teoria da imprevisão e
aplicação do princípio pacta sunt servanda – o contrato faz lei entre as partes;
(iv) os proprietários poderiam utilizar a propriedade da maneira que pretendia.

281
1.1. Função Social dos Contratos

Nesta seara, verificam-se alguns princípios basilares que regem o direito civil contemporâneo,
também chamado de “pedras de toque” do direito civil moderno, como: princípio da socialidade, princípio
da eticidade e princípio da operabilidade, concretude ou simplicidade.
O princípio da função social dos contratos decorre do princípio da socialidade. Ou seja, continua-se
presente a autonomia da vontade, mas, limitado pela “ética, boa-fé, probidade”. Importante ponderar, que
as expressões alhures mencionadas, encontra-se positivado no Código Civil, em seu artigo 422, que diz: “Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios
de probidade e boa-fé”.
Ademais, informa o princípio da operabilidade, concreto ou simplicidade que o direito deve ser
concretizado. Assim, para não engessar o direito, o legislador insere no ordenamento jurídico
cláusulas/normas gerais, conceitos indeterminados, vagos ou abstratos, a serem interpretados no caso
concreto.
Tem-se, portanto, como função social dos contratos, transmitir um sentido social. Em outras
palavras, “é a retirada do sentido egoísta enraizado desde o CC/16, para algo extremamente preocupado
com a coletividade”. Ou seja, o princípio da socialidade coloca as avenças em um plano transindividual.
Nesse sentido, dispõe o artigo 421, do CC.

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

A expressão “função social” é vaga, ou seja, trata-se de um conceito aberto, desse modo, deve-se
realizar uma interpretação do que venha a ser função social no caso concreto. É por isso que é vedada a
utilização do contrato como forma de “esmagamento social”. Por exemplo, não é permitido em contrato de
financiamento com instituição bancária, cláusulas que transcendem os limites do egoísmo, ou seja, que
rompe a função social do contrato e as bases do diploma civilista, com utilização autoritária e exacerbada
para satisfação da vontade das partes.
Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a
excepcionalidade da revisão contratual.
Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos
concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis
especiais, garantido também que:
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das
cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

282
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Com o advento do CC/2002 e segundo os ensinamentos de Judith Martins, atualmente, vive-se a era
da autonomia da vontade solidária, ou seja, os contratantes continuam tendo autonomia da vontade, de
modo que podem contratar com quem quiser; o objeto do contrato é escolhido pelas partes; contratam
quando querem e da forma que desejam, contudo, deve-se observância a função social dos contratos.

DICA: Grande probabilidade de ser cobrada em provas subjetivas a seguinte indagação: Discorra acerca da
função social do contrato e a autonomia da vontade contratual.

Conclui-se, portanto, que a autonomia da vontade sempre esteve presente do campo do direito civil,
ao passo que se o sujeito não pode manifestar sua vontade, considera-se incapaz. Com efeito, enquanto a
autonomia da vontade perante o sistema civilista revogado era absoluta, hoje, continua-se coexistindo essa
autonomia, mas com algumas limitações, o que não descaracteriza o regime privado, mas aproxima-se com
a preocupação com o coletivo, inerente ao direito público.
Notadamente, nós tínhamos uma relação entre o direito público e direito privado marcada por uma
verdadeira dicotomia, ou seja, um não tinha relação com o outro. O direito público era pensado para reger
as relações de direito público, ou seja, do Estado. Por sua vez, o direito privado, para reger as relações
privadas, dos particulares. Tal dicotomia refere-se à chamada summa divisio, e podemos citar como
exemplo, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Em decorrência da função social do contrato, importante se faz algumas ponderações:

➢ O contrato deve ser concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público;
➢ O contrato não pode ser usado como instrumento de atividades abusivas, causando dano à parte
contrária ou terceiros;
➢ Complementa a aplicação da boa-fé, pois, caso contrário, não se fala em preocupação com o coletivo;
➢ Questão de ordem pública, ou seja, verificando o magistrado que houve violação a função social do
contrato, ele poderá reconhecê-las de ofício. Tem-se como exemplo, a boa-fé, função social do
contrato, interpretação de cláusulas gerais e etc;
➢ Consoante às lições do professor Caio Mario: “A autonomia da vontade, à luz da função social,
somente sofrerá restrição quando em confronto com interesses sociais. Assim, é fonte de equilíbrio
social”.

283
1.2. Principiologia contratual

São princípios clássicos dos contratos: autonomia da vontade, relatividade dos contratos,
obrigatoriedade dos contratos dentre outros. Nesta linha, tem-se, ainda, uma principiologia contemporânea,
consubstanciada a luz do direito civil constitucionalizado, de modo que a interpretação do direito privado
deva ser realizada conforme regras e ditames da Constituição Federal.

1.2.1. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

O princípio da autonomia da vontade nos conduz a uma liberdade contratual, de modo que a pessoa
é livre para contratar; estipular cláusulas contratuais; escolher com quem irá contratar; a escolha do objeto
contratual.
Hodiernamente, tem-se uma autonomia da vontade que não é absoluta, ou seja, comporta algumas
limitações, e estas, por sua vez, podem ser visualizadas por meio da função social dos contratos e de cláusulas
gerais, como é o caso da boa-fé objetiva.

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

➔ A função social limita a autonomia da vontade.

Enunciados da Jornada de Direito Civil

Enunciado 21: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula
geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros,
implicando a tutela externa do crédito.

➔ Tem-se como exemplo de terceiro atuando na relação contratual, na estipulação em favor de


terceiro.

Enunciado 22: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula
geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.

➔ Dessa forma, sempre que houver a possibilidade de desfazimento do contrato, pela aplicabilidade
da teoria da imprevisão, por exemplo, deve-se verificar a possibilidade de conservação do contrato
antes do seu desfazimento. A conservação do contrato ocorre justamente em razão da função
social do contrato.

Enunciado 23: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o
princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes
interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

➔ Recorrente a cobrança deste enunciado.

284
Enunciado 166: A frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a
impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito brasileiro pela
aplicação do art. 421 do Código Civil.

Enunciado 167: Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre
esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que respeita à regulação contratual, uma vez que
ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos.

➔ Teoria geral dos contratos assentada na boa-fé objetiva.

Enunciado 360: O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as
partes contratantes.

➔ Muito embora a função social do contrato seja vista com uma preocupação com a coletividade, a
função social em sentido stricto sensu, está intimamente ligada à própria essência contratual do
que temos atualmente. Ex.: ser ético no contrato, ter boa-fé – ou seja, a função social é aplicada
no que diz respeito à intimidade dos contratantes.

Enunciado 361: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer
preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.

O entendimento sumular 302 do STJ prevê uma forma de descumprimento da função social do
contrato e limita a autonomia da vontade, in verbis:

Súmula 302: É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita o tempo de internação
hospitalar do segurado.

1.2.2. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA ORDEM PÚBLICA

A liberdade de contratar pode gerar desequilíbrio e exploração econômica dos mais fracos,
principalmente, em setores mais sensíveis, onde há uma fiscalização do estado nos contratos privados que
tenham uma atuação maior no direito público – coletividade - do que no direito privado, é o que chamamos
de dirigismo contratual. Como por exemplo, os contratos de telecomunicações, de seguros, de sistema
financeiro, etc.
Acerca do seguro de vida, entendeu o STJ quando da edição do Informativo 594:

Não é devida a indenização securitária decorrente de contrato de seguro de automóvel quando o


causador do sinistro – preposto da empresa segurada – estiver em estado de embriaguez, salvo se o
segurado demonstrar que o infortúnio ocorreria independentemente dessa circunstância. STJ. 3ª
Turma. REsp 1.485.717-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/11/2016 (Info 594).

285
Nesse trilhar, prevê o artigo 2035, parágrafo único, do Código Civil.

Artigo 2035, parágrafo único: Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e
dos contratos.

O dispositivo acima assinalado é bastante estudado quando falamos em LINDB, haja vista que uma
lei nova, quando entra no ordenamento jurídico, é aplicada imediatamente, inclusive em casos pendentes.
Porquanto, com a vigência do CC/2002, houve a aplicação imediata das novas regras civis assentados sobre
os novos princípios, aos contratos que se encontravam em andamento, ou seja, aqueles de trato sucessivo.
Dessa forma, o dirigismo contratual decorre justamente da preocupação com a função social do
contrato e a dignidade da pessoa humana no âmbito contratual.
Embora no dirigismo contratual tenha a atuação firme e efetiva do estado na fiscalização de
contratos privados, alguns doutrinadores, sobretudo, defendem que o dirigismo contratual é o mesmo que
publicização do direito privado, o que é equivocado. Pois, em verdade, dirigismo contratual trata-se do
princípio da supremacia da ordem pública no âmbito dos contratos e, por outro lado, publicização do direito
civil estaria intrinsecamente ligado a uma constitucionalização do diploma civilista, o que é muito mais amplo.

1.2.3. PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO

Pelo princípio do consensualismo, os contratos se formam pela manifestação da vontade e, via de


regra, a forma é livre, conforme mencionado quando do estudo dos elementos de existência do negócio
jurídico – agente, vontade, objeto e forma.
Forma, portanto, é a exteriorização da vontade, e a lei não impõe forma específica, no entanto,
quando a lei exigir forma ou solenidade específica, deve ser compulsoriamente observada, pois, caso
contrário, o contrato será nulo - conforme alusão ao artigo 166, do Código Civil.
Tem-se como exemplo do princípio em comento: Quando “A” pergunta a “B” se este deseja comprar
um celular, e este diz que sim, o contrato está formado e pode-se exigir o adimplemento contratual. Mesmo
que o bem ainda esteja com “A”, isso porque, nesse contrato, a lei não impõe a tradição (entrega do bem).
Ademais, como mencionado, para formar um contrato não se faz necessário a tradição. Mas o direito
real só se transmite com a observância dos artigos 1226 e 1227 do CC, ou seja, se o bem for móvel, será com
a tradição (entrega), sendo o bem imóvel, a transmissão se dará com o registro ou tradição solene.
Desse modo, se houver a celebração de um contrato com determinada pessoa cujo objeto é um bem
móvel, e não ocorre à entrega do bem, a pessoa que comprou e pagou pelo que foi pactuado, em nenhum

286
momento foi proprietário. Agora, se o alienante vende e transfere esse mesmo bem a um terceiro, o bem
será do terceiro, porque houve a tradição.
Nesse contexto, o sujeito que realizou o pagamento e não lhe foi entregue o bem, NÃO poderá
pleitear ação reivindicatória, tendo em vista que este nunca foi proprietário. Todavia, ante a formalização do
contrato que não foi adimplido, o sujeito terá duas opções: (i) exigir o adimplemento contratual, se a
obrigação for incerta ou; (ii) desfazimento do contrato (devolução do montante + perdas e danos).
Importante: Não confundir contratos que estabelecem obrigações com direitos reais.
Via de regra, os contratos são consensuais. Excepcionalmente, têm-se os contratos reais, que se
formam por meio da entrega da coisa, por exemplo, no contrato de comodato (empréstimo de uso) e no
contrato de depósito (cuidado com a coisa).

1.2.4. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS

Em regra, o contrato só produz efeitos em relação às pessoas que dele participam e que
manifestaram suas vontades. Mas de forma excepcional, pode atingir terceiro. Portanto, trata-se de um
princípio não absoluto.
O atingimento do terceiro ocorrerá, quando houver estipulação em favor de terceiro. Exemplo disso
ocorre no contrato de seguro de vida, em que os beneficiários do de cujus poderão exigir o pagamento
referente ao seguro.

1.2.5. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS

O princípio da obrigatoriedade dos contratos refere-se à intangibilidade dos contratos, ou seja, força
vinculante dos contratos. Dessa forma, uma vez contratado, as partes estão obrigadas.
Pontos básicos: segurança jurídica + pacta sunt servanda - o contrato faz lei entre as partes.
Atualmente, vive-se uma relativização da obrigatoriedade. A doutrina, por sua vez, estabelece uma
limitação clássica (existente desde o CC/16) e uma limitação moderna (criada através do CC/02).
Logo, o inadimplemento da parte, ocorrerá em duas situações:

• IMPUTÁVEL: quando as consequências são atribuídas ao devedor. Podendo ser inadimplemento


subjetivamente imputável, quando o devedor agiu com culpa ou inadimplemento objetivamente

287
imputável quando a inexecução tenha decorrido de fato alheio e não imputável ao devedor, como o
fortuito e a força maior, mas ao tempo do evento já estava em mora.

• INIMPUTÁVEL: é o inadimplemento cujas consequências não podem ser atribuídas ao devedor, por
ausência de culpa (Essa é a limitação clássica – artigo 393, parágrafo único, do CC).

Recapitulando – Aula XV:

O inadimplemento por ato culposo do devedor pode ser absoluto ou relativo:

• ABSOLUTO: quando ocorre o total descumprimento da obrigação, de modo que a obrigação não
possa ser mais cumprida ou não for mais útil ao credor - artigo 389 e 402 do CC.
Ex.: “A” se compromete a entregar a “B” um carro no dia de amanhã, mas hoje, “A” sofre
acidente acarretando em perda total do veículo. Não há como efetivar a entregar o veículo à “B”,
por impropriedade do bem e consequente inadimplemento absoluto da obrigação.

• RELATIVO: ocorre quando há o atraso, somente, ou seja, a obrigação não é cumprida no


tempo/vencimento que deveria. Porém é possível seu cumprimento posterior, como forma de
minimizar os impactos do atraso.
Inadimplemento relativo é também chamado de instituto da mora, que ocorrerá quando
o pagamento não é feito no tempo, lugar e forma convencionados.

A mora pode ser de duas espécies:

• MORA EX RE (em razão de fato previsto na lei): configura-se quando o devedor nela incorre
automaticamente, sem necessidade de qualquer ação por parte do credor, o que sucede:

1) Quando a prestação deve realizar-se em um termo prefixado e se trata de dívida portável. O


devedor incorrerá em mora ipso lure desde o momento do vencimento dies interpellat pro homine – o dia
interpela pelo homem;

2) Nos débitos derivados de um ato ilícito extracontratual, em que a mora começa no exato
momento da prática do ato;

3) Quando o devedor houver declarado por escrito que não pretende cumprir a prestação.

• MORA EX PERSONA: Dá-se a mora ex persona em todos os demais casos. Será, então, necessária
uma interpelação ou notificação por escrito para a constituição em mora.
Ex.: Em um contrato de empréstimo em que “A” empresta veículo a “B”, sem que houvesse
estipulação da data de devolução. Para que haja exigência da devolução do veículo, é necessário
que “A” constitui “B” em mora, e assim o faz, através de interpelação ou notificação.

288
Em síntese, há duas formas de inadimplemento do contrato: (i) em razão de fato alheio a vontade do
devedor, ou seja, por caso fortuito ou força maior (presente no CC/16) e; (ii) quando houver possibilidade de
aplicação da teoria da imprevisão (presente no CC/02).

1.2.6. PRINCÍPIO DA REVISÃO DOS CONTRATOS OU DA ONEROSIDADE EXCESSIVA

A teoria da imprevisão é uma mitigação moderna à obrigatoriedade dos contratos (ausência no


CC/16) – artigo 478 e 479, do CC.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de
modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Aplica-se a teoria da imprevisão: (i) nos contratos de execução continuada ou diferida; (ii) quando
houver desequilíbrio nas prestações; (iii) em contrato comutativo (aquele em que as prestações estão
previamente definidas).
Trata-se de circunstâncias não contemporâneas à formação do contrato. Os contratantes, por sua
vez, recorrem ao judiciário a fim de alterar o convencionado entre as partes, no que tange as prestações
futuras.
A teoria da imprevisão, também conhecida como cláusula rebus sic stantibus, é aquela em que, ainda
que não prevista no contrato primitivo, é inerente aos contratos de execução continuada ou diferida. Logo,
como se trata de cláusula implícita, gera revisão ou resolução do contrato, mantendo-se o negócio íntegro,
mas objetivando o equilíbrio entre os contratantes – conservação do negócio jurídico e função social do
contrato.
Pressupostos de incidência da teoria da imprevisão:

• Imprevisibilidade: é objetiva, ou seja, não há como ninguém prever;

➔ Atenção: A análise subjetiva está relacionada a imprevistos, e estes são não aplicados na teoria da
imprevisão.

289
• Excepcionalidade do fato;
• Desequilíbrio entre as prestações mesmo sem demonstrar o “efeito gangorra”: este efeito é aquele
em que uma das partes detém vantagem e a outra não;
• Não se aplica aos contratos aleatórios.

Com a aplicação a teoria da imprevisão, deve-se observar a tentativa de manutenção da conservação


do contrato, mas caso não seja possível, faz-se necessário à resolução contratual. É o que prevê o artigo 479,
do CC.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as
condições do contrato.

Por derradeiro, calha mencionar, que o STJ reconhece a aplicação da teoria da imprevisão aos
contratos consumeristas, entendendo que é possível contabilizar imprevistos para revisão de contratos dessa
natureza, na qual chamamos de teoria da quebra da base.
Ademais, importante ponderar, que a teoria da imprevisão é inaplicável aos contratos aleatórios,
vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL.


COMPRA E VENDA DE SOJA. ENTREGA FUTURA.
RESCISÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA. TEORIA DA IMPREVISÃO.
INAPLICABILIDADE.
1. Reconhecidas no acórdão de origem as bases fáticas em que se fundamenta o mérito, não
configura reexame de fatos e provas sua mera valoração.
2. Nos contratos agrícolas de venda para entrega futura, o risco é inerente ao negócio. Nele não se
cogita a imprevisão.
3. Agravo não provido.
(AgRg no REsp 1210389/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
24/09/2013, DJe 27/09/2013).

Contratos aleatórios, por sua vez, são aqueles que possuem a álea – risco - e envolvem sorte ou azar
aos contratantes. São modalidades de contrato aleatório: eptio spei – compra da esperança - e empitio rei
speratae – compra da coisa esperada.
Geralmente, no próprio contrato aleatório há a incidência de fatos imprevisíveis, desse modo, se uma
das partes propõe a outra, a entrega de sementes de tomates para plantio, comprometendo-se a comprar
todos os tomates que nascerem dessa safra, pelo valor de R$ 1,00 cada, na qual costumeiramente perfaz a

290
produção de mil tomates. Independentemente da quantidade de tomates que nascerem nesta safra, aquele
que se obrigou, deve pagar pelo que compactuou.

OBS.: Se no contrato aleatório, o fato imprevisível não estiver inerente à álea, é possível a aplicação da
teoria da imprevisão, tendo em vista que esta teoria é implícita nos contratos aleatórios.
Tem-se como exemplo, o preço. Desse modo, se a parte se compromete a pagar um dólar por tomate, e a
moeda esteja valendo R$ 3,15. Havendo modificação na economia e passando o dólar a valer R$ 1,00, haverá
prejuízo a uma das partes.
1.2.7. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E PROBIDADE

Sob a perspectiva do Código Civil de 2002, especialmente no artigo 422, encontra-se presente o
princípio da probidade e da boa-fé, tendo como princípio básico, a eticidade.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O princípio da boa-fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as
tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato.
O juiz presume a boa-fé, devendo a má-fé ser provado por quem alega. O previsto no artigo 422, do
CC, trata-se de uma cláusula geral, devendo ser interpretada no caso concreto.
A boa-fé se divide em:

• Boa-fé subjetiva ou aspecto psicológico da boa-fé: trata-se da boa-fé interiorizada na mente do


sujeito; nas crenças internas de cada indivíduo.

• Boa-fé objetiva ou aspecto ético da boa-fé: trata-se de um padrão comportamental ético, pautada
na confiança adjetivada – eticização da conduta social – na qual não oscila de sujeito para sujeito. A
boa-fé principiologica que estudamos é a objetiva.

1.2.7.1. Teoria do abuso de direito

No novo CC, a matéria do abuso de direito tem real destaque; é o novo regime dos atos ilícitos.

291
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Quando violada a boa-fé objetiva, ocorre à quebra da confiança, que tem como reflexo, o
cometimento do ato ilícito.
São vertentes da boa-fé objetiva em relação aos contratantes: dever de informação; dever de
proteção; dever de cooperação e dever de lealdade.
Atente-se, o inadimplemento não ocorre tão somente com o inadimplemento da obrigação, mas
também, com o adimplemento ruim da obrigação e, consequentemente, há quebra da confiança, o que
enseja o pagamento pelas perdas e danos. Convém mencionar ainda, que a responsabilidade em decorrência
de ato ilícito pelo abuso de direito, é objetiva, de forma que o sujeito responderá independentemente de ter
agido com culpa.
O dispositivo dispensa o “sentimento mau” e introduz o sistema da culpa social residente no
comportamento excessivo.
São figuras comuns que retratam o rompimento da confiança: venire contra factum proprium;
suppressio, surrectio, tu quoque, duty to mitigate the loss.

1.2.7.1.1. Venire contra factum propium

Pune o exercício do direito subjetivo quando se caracterizar abuso da posição jurídica, ou seja, trata-
se do aproveitamento da própria torpeza. Funda-se na proteção da confiança – teoria dos atos próprios.
Requisitos:

• Conduta inicial (factum proprium);


• Confiança da parte contrária;
• Comportamento contrário à conduta inicial (violador da legítima confiança);
• Dano ou potencial dano a partir da contradição.

Constitui exemplo de venire contra factum proprium, a Súmula 370 do STJ, que diz: “Caracteriza dano
moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado”. Ex.: João realiza compras na loja de José, e aquele,
pergunta a José se ele aceita que o pagamento seja feito mediante entrega de cheque pré-datado, José diz
que sim (conduta inicial). João entrega o cheque (confiança), mas no mesmo instante, José deposita o cheque
(comportamento contrário à conduta inicial). A responsabilidade civil de José, neste caso, é objetiva.
Resta caracterizado, portanto, abuso do direito, pois, muito embora José tenha o direito de depositar
o cheque, age com abuso de direito, ante a violação do dever de confiança.

292
1.2.7.1.2. Supressio e surrectio

O supressio, expressão alemã verwirkun, é, a priori, a perda de um direito pelo seu não exercício no
tempo; um protraimento desleal do exercício de um direito.
Requisitos para caracterização da supressio:

• Omissão no exercício de um direito;


• Transcurso de um período de tempo;
• Objetiva deslealdade;
• Intolerabilidade do posterior exercício.

Na surrectio, por sua vez, o raciocínio é o inverso; este configura o surgimento do direito pelo
costume ou comportamento de uma das partes; constituição de novo direitos.
São três os requisitos que caracterizam a surrectio:

• Certo lapso de tempo;


• Conjunção de fatores que apontem a criação deste novo direito;
• Ausência de condições que impeçam a surrectio.

Verifica-se, portanto, que supressio e surrectio possuem o mesmo enfoque, onde tem uma, tem-se
presente a outra.

Exemplo 1: Na convenção condominial de um prédio, ficou convencionado entre os proprietários, que tais
imóveis seriam utilizados para moradia, ou seja, imóveis residenciais – quitinetes. Contudo, alguns
proprietários passaram a alugar os referidos imóveis com o objetivo de, ali, instalarem salas comerciais. Por
longos anos, o condomínio era composto por salas comercias e residenciais. Todavia, um ocupante das salas
comerciais, passou a realizar atividades com bastantes ruídos/barulhos, causando incomodo nos demais
usuários. O condomínio, por sua vez, ajuíza ação requerendo o cumprimento da convenção condominial, ou
seja, que tais imóveis fossem utilizados para fins de moradia, somente. O Tribunal entendeu que já havia se
passado muito tempo, para, só agora, requererem o cumprimento da convenção condominial. De modo que,
com o passar dos anos, a atividade comercial foi sendo tolerada pelos condôminos, perdendo-se, portanto,
o direito de exigir o disposto na convenção.

293
Exemplo 2: Em um contrato de locação ficou consignado que o locatário deveria realizar o pagamento dos
alugueres na imobiliária, no dia 10 de cada mês. Após a assinatura do contrato, ficou estabelecido,
verbalmente, que determinado funcionário da imobiliária passaria na residência do locatário para
recebimento dos alugueres, durante todos os meses de vigência do contrato. Durante o primeiro ano,
realizou-se dessa forma. Contudo, no 13º mês, o funcionário não passou para receber o aluguel. Em contato
com o locador, este alega ao locatário, que ele deveria ir até a imobiliária realizar o pagamento, tendo em
vista que haviam pactuado uma dívida portável. Mas veja que, consoante o disposto no artigo 330, do CC: “O
pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto
no contrato”. Dessa forma, não pode locatário cobrar multa em razão da mora.
Verifica-se, portanto, que o locador tem o direito de cobrar o aluguel, mas assim o faz, com abuso do direito.
Pois, para o locador ocorreu a supressio – perda do direito de exigir uma dívida portável – e para o locatário,
ocorreu a surrectio – direito de ter uma dívida quérable.

1.2.7.1.3. Tu quoque

A expressão “tu quoque” tem origem na frase dita pelo governante romano Júlio Cesar, a seu filho
adotivo Marcus Brutus: “Tu quoque, Brute, fili mi?”.
O fenômeno da tu quoque encontra-se estampado no artigo 476, do CC, o qual se refere à doutrina
do “exceptio non adimplente contractus”, ou seja, exceção (defesa) do contrato não cumprido.
Por exemplo, as partes convencionam que o veículo somente será entregue após o pagamento de
trinta mil reais. Mas, mesmo não efetuando o pagamento da obrigação, o devedor ajuíza ação em face do
credor, requerendo o adimplemento do contrato. O credor, por sua vez, apresentará defesa alegando a tese
da exceptio non adimplente contractus.
Dispõe o artigo 476, do CC.

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação,
pode exigir o implemento da do outro.

Igualmente, no âmbito dos contratos, pode ser consignado, ainda, a chamada “cláusula solve et
repete”, que trata-se da renúncia à exceção do contrato não cumprido. Ou seja, as partes pactuam que,
mesmo havendo o não cumprimento da obrigação por uma delas, à outra se submete ao cumprimento da
obrigação que lhe cabe.

294
Ademais, temos ainda, a exceção ao contrato não cumprido em relação ao modo de cumprimento
da obrigação, que ocorrerá quando a parte cumpre a obrigação que lhe compete, mas o faz de maneira
diversa. Ou seja, viola o meio pelo qual deva ser cumprida a obrigação pactuada. (Tema já cobrado em prova
subjetiva)
Prevê o artigo 477, do CC.

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em
seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a
outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê
garantia bastante de satisfazê-la.

O dispositivo acima mencionado assegura o inadimplemento da obrigação de forma antecipada, ou


seja, a parte visualiza que a outra não conseguirá cumprir com o pactuado e, por essa razão, também não
cumpre o que lhe cabe.
Em outras palavras, a teoria da exceptio non adimplente contractus assegura que, aquele que
descumpriu norma legal ou contratual, atingindo com isso determinada posição jurídica, não pode exigir do
outro o cumprimento do preceito que ele próprio já descumprira (não faça aquilo que não quer que lhe
façam) – espécie da teoria dos atos próprios.
Acerca do tema, disporá a Súmula 385 do STJ.

“Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral,
quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

DICA: Sempre que forem mencionadas em provas as expressões: venire contra factum proprium; suppressio;
surrectio; tu quoque, tratam-se de vertentes da teoria do abuso do direito e a responsabilidade, nestes casos,
é objetiva.

1.2.7.1.4. Duty to mitigate the loss

Este instituto tem origem no direito norte-americano e tem seu reconhecimento perante o STJ e na
doutrina civilista. Trata-se, portanto, do dever de mitigar as próprias perdas.
Logo, tal instituto, é uma vertente da confiança e da boa-fé objetiva. Dessa forma, embora o sujeito
tenha o direito de exigir do devedor o adimplemento da obrigação, se o credor não mitigar suas perdas, ou
seja, reduzir as perdas, acaba por prejudicar o devedor. Além de gerar desconforto sob a égide da função

295
social do contrato, descumprem-se, também, as regras de boa-fé objetiva por abuso de direito, sendo, o
violador, responsabilizado civilmente, independentemente de culpa.
É confirmado pelo enunciado 169 do Conselho da Justiça Federal, que prevê “Art. 422: O princípio
da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”.
Reflete a exigência imposta ao credor de atuar para minimizar os próprios danos, os quais serão
reparados posteriormente pelo devedor (autor do fato que gerou o dano), na medida do possível.
Caso o credor não observe a incumbência imposta pelo ordenamento, deverá suportar
consequências de natureza econômica. Ou seja, deverá haver uma redução proporcional do valor a ser pago
como indenização, isto em razão do ato ilícito também praticado pelo credor (vítima do dano). Trata-se de
parcial inadimplemento contratual (dever anexo de reduzir o dano) que gera uma compensação.

Exemplo:
1ª hipótese: João verifica algumas faíscas de fogo saindo do motor de seu veículo, muito embora o
automóvel tenha seguro, João tenta conter o incêndio (mesmo que tenha danificado parte do veículo).
2ª hipótese: Por outro lado, se João, deixar que o fogo se espalhe, nada fazendo para minimizar os
prejuízos. Mesmo que João tenha direito de acionar a seguradora, também possui o dever de reduzir as
próprias perdas.
Sendo devidamente comprovado esta última situação, João age com abuso do direito, tendo em vista
que o mesmo não procurou evitar um prejuízo maior - com inobservância da boa-fé objetiva no caso
concreto.

1.3. Formação dos contratos

De antemão, importante memorar, que o princípio do consensualismo ganha destaque, quando do


estudado de contratos, isso porque, via de regra, os contratos são formados pela manifestação de vontade.
Todo contrato, é negócio jurídico bilateral ou plurilateral, ou seja, deve ter, ao menos, duas manifestações
de vontade.
Atente-se, o contrato também pode ser visualizado na doação pura, pois o doador manifesta-se a
vontade de doar e o donatário a vontade de receber.
Calhar mencionar que, excepcionalmente, temos os contratos reais, que se formam por meio da
entrega da coisa (tradição), como ocorre no contrato de comodato (empréstimo de uso) e no contrato de
depósito (cuidado com a coisa).
Ademais, em algumas situações, a lei exige certas formalidades/solenidades para a formação dos
contratos, trata-se da chamada ad solemnitatem, exemplo disso, é o que prevê o artigo 108, do CC: “Não

296
dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta
vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
Fases para a formação dos contratos:

*Negociações preliminares – proposta/policitação/ oblação/ oferta – contrato preliminar – contrato


definitivo

a) Negociações preliminares ou fase de puntação: envolve as conversas prévias, ou seja, é o


momento em que as partes pontuam o que será contratado. No entanto, as negociações preliminares não
fazem parte do direito contratual (ou seja, não há vinculação contratual) e, portanto, a responsabilidade civil
nessa fase é aquilina, ou seja, trata-se de responsabilidade civil extracontratual.
Importante ponderar, que a responsabilidade civil decorrente das relações jurídicas contratuais é
uma responsabilidade civil contratual.

Assertiva de prova:
Tanto na fase de negociações prévias quanto na fase de proposta contratual, a responsabilidade civil dos
envolvidos é contratual → Falso.

b) Fase de proposta ou policitação: tem-se o início da formação do contrato, que é feita pela
declaração/proposta do proponetente/policitante, e a aceitação, é feita pelo aceitante/oblato. A proposta,
por sua vez, trata-se de declaração receptícia de vontade, devendo ser séria, concreta, pautada na boa-fé
objetiva.

➢ Proponente ou policitante = denominação conferida àquele que faz a proposta.


➢ Aceitante ou oblato = denominação conferida àquele que aceita a oferta.

Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela,
da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

➔ Atente-se: A proposta é vinculante - vincula o proponente. Dessa forma, a mera proposta e aceitação
da mesma, inicia a formação de um contrato, não necessitando da efetiva entrega da coisa – tendo
em vista que o contrato de compra e venda não se trata de contrato real.

297
➔ Somente os contratos reais se formam com a tradição. Diante disso, a propriedade de bem móvel
se transmite com a tradição, e de bem imóvel, através da tradição solene, ou seja, com o registro, ou
ainda, quando a lei exigir tal solenidade.
➔ Cuidado! Sendo realizada a proposta, tem-se um contrato, e este, por sua vez, é fonte de obrigação.
Neste contexto, muito embora o objeto do contrato envolva um direito real que é a propriedade do
bem, não se pode confundir direitos reais com direitos obrigacionais. Haja vista que o direito real é
daquele que o credor entregou o bem, ainda que a entrega não seja realizada para o efetivo
comprador.
➔ Desse modo, se houver a celebração de um contrato com determinada pessoa cujo objeto é um bem
móvel, e não ocorre à entrega do bem, a pessoa que comprou e pagou pelo que foi pactuado, em
nenhum momento foi proprietário. Agora, se o alienante vende e transfere esse mesmo bem a um
terceiro, o bem será do terceiro, porque houve a tradição.
Ademais, o sujeito que realizou o pagamento e não lhe foi entregue o bem, NÃO poderá pleitear
ação reivindicatória, tendo em vista que este nunca foi proprietário.
➔ Como dito, a proposta obriga o proponente, salvo no que tange as excepcionalidades consignadas
no artigo 427, do CC.

Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos delaA,
da natureza do negócioB, ou das circunstâncias do casoC.

A) A oferta não obriga o proponente se contiver cláusula expressa a respeito. É quando o próprio
proponente declara que não é definitiva e reserva o direito de retirá-la. Muitas vezes a aludida
cláusula contém dizeres: “proposta sujeita a confirmação” ou “não vale como proposta”. Isso faz com
que o oblato (aceitante) tenha conhecimento de que o proponente não se vincula.
➔ Nesta situação, tem-se a vontade do ofertante em não vincular-se.
➔ Muito cobrado em prova;

B) A proposta não obriga o proponente em razão da natureza do negócio. É o caso, por exemplo, das
chamadas propostas abertas ao público que se consideram limitadas ao estoque existente (artigo
429 do CC). Ou seja, não há potestatividade do aceitante, pois, pode-se ter algo alheio a vontade do
ofertante na qual limita o nascimento do contrato e obrigatoriedade da proposta;
➔ Nesta situação, em razão da própria da natureza do negócio, extrapola a vontade do ofertante em
vincular-se do caso.
➔ Muito cobrado em prova;

298
C) Em razão das circunstâncias do caso: não são quaisquer circunstâncias, mas as mencionadas no artigo
428 do CC.

Dessa forma, disporá o artigo 428, do Código Civil.

Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:


I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também
presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao
conhecimento do proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do
proponente.

➔ O que são “ausentes” e “presentes”?

Proposta feita a Presente (ou seja, pessoa


- - Sem prazo: deve ser imediatamente aceita, sob
presente, com comunicação imediata, instantânea, pena de perder a eficácia (art. 428, I); é o caso do
como por exemplo, proposta feita por telefone). “pegar ou largar”, se o oblato não aceita de
imediato, o policitante está desobrigado.

- - Com prazo: é obrigatória durante o prazo assinado.

Proposta feita a Ausente (ou seja, sem - - Sem prazo: perde a validade se a resposta não
comunicação imediata ou instantânea, como por chegar ao proponente em prazo razoável - “prazo
exemplo, proposta realizada por carta, por e-mail). moral” - (art. 428, II). Tem-se como prazo razoável,
uma cláusula geral, que deve ser interpretada no
caso concreto.

- - Com prazo: é obrigatória durante o prazo, não se


formando o contrato se a aceitação for expedida
depois de vencido. Ou seja, a aceitação deve ser
exteriorizada/expedida antes de escoado o prazo,
ainda que chegue ao conhecimento do
proponente fora desse prazo.

OBS.: As declarações que visem simplesmente à aproximação e o “convite a fazer oferta” não configuram
oferta.

299
OBS.: A oferta pode ser feita a pessoa indeterminada (oferta ao público), valendo, nesse caso, como proposta
e não como “convite a fazer oferta” (art. 429 do CC). Ex.: proposta realizada em outdoor.

Dispositivos importantes:

Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato,
salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.
Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada
esta faculdade na oferta realizada.

➔ Oferta ao público trata-se de uma indeterminabilidade temporária.


Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente,
este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.

➔ Faz-se necessário, neste ponto, observarmos a teoria da expedição, uma vez que, quando a proposta
for feita a ausente e com prazo, a aceitação deve ser expedida antes do término do prazo.
➔ O dispositivo em destaque visa regular os riscos do atraso da aceitação até a chegada ao proponente,
em razão de alguma situação alheia a vontade do policitante e do aceitante.

Art. 431. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova
proposta.

➔ Típico exemplo de contraproposta, na qual vincula o contra proponente.

Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente
a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa.

➔ Via de regra, para formação do contrato, faz-se necessário à aceitação. Contudo, excepcionalmente,
o silêncio implica aceitação quando houver autorização para tanto (art. 539, do CC). Por exemplo, na
doação pura, o silêncio é interpretado como aceitação. Dessa forma, se ao invés de aceitar, deve-se
promover a recusa, esta deve ser feita dentro do lapso temporal estipulado.

Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a
retratação do aceitante.

➔ Ou seja, tanto a proposta quanto a aceitação, são retratáveis.

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III - se ela não chegar no prazo convencionado.

300
Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

1.4. Contrato preliminar

Dispõe o artigo 462, do CC.

Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais
ao contrato a ser celebrado.

O contrato preliminar é um pré-contrato, ou seja, um contrato de promessa, que tem por objeto a
celebração de outro contrato no futuro. Por exemplo, João se desloca até uma construtora e relata sua
intenção em adquirir um apartamento alocado no décimo andar de determinado prédio que mesma
construirá. João celebra contrato preliminar com a construtora, por meio de um contrato de promessa de
compra e venda. Não se trata de um contrato de compra e venda, pois, quando se trata de bem imóvel cujo
valor excede a trinta salários mínimos, faz-se necessário a escritura pública. Contudo, para haver escritura
pública, é preciso ter o bem, mas o imóvel ainda não foi construído (não existe). Dessa forma, com intenção
de criar vínculo entre as partes, o que pode ser feito no momento, é um contrato de promessa de compra e
venda – ou seja, promete-se que será realizado um contrato definitivo posteriormente.

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e
desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir
a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

Art. 464. Esgotado o prazo (para que efetive o contrato definitivo), poderá o juiz, a pedido do
interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato
preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.

➔ Obviamente, que as obrigações personalíssimas não podem ser supridas pelo judiciário.

Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-
lo desfeito, e pedir perdas e danos.

Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito,
deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente
assinado pelo devedor.

O contrato preliminar, também conhecido como “pactum de contrahendo” ou contrato promessa, é


aquele que tem por objetivo garantir a realização de um contrato definitivo. Tal contrato possui caráter

301
provisório, interino e apenas é celebrado quando as partes se comprometem a convencionar,
posteriormente, um contrato definitivo. Normalmente é utilizado nos casos em que as partes têm interesse
recíproco no negócio jurídico, porém, por algum inconveniente momentâneo, a contratação definitiva é
efetivada em circunstância oportuna subsequente.
Não se confunde com “acordos provisórios” – minutas, esboços ou cartas de intenção e negociações
preliminares.
Notadamente, os contratos preliminares possuem as mesmas regras e requisitos do contrato
definitivo, exceto quanto à forma.
Entendimento sumular e enunciado acerca do tema:

Súmula 84 do STJ: É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse


advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.

Súmula 308 do STJ: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou
posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do
imóvel.

Súmula 413 do STF: O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados, dá
direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais.

Enunciado 30 da Jornada de Direito Civil: A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código
Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros.

DICA: Geralmente é cobrado em prova: registro e a forma dos contratos preliminares.

1.5. Estipulação em favor de terceiros – artigos 436 a 438, do CC

Consigna o princípio da relativização dos contratos que, via de regra, os contratos produzem efeitos
entre as partes, ou seja, entre contratante e contratado. Todavia, excepcionalmente, o contrato pode atingir
terceiros.
Dessa forma, o instituto em comento, trata-se de uma hipótese de atingimento de terceiro no
contrato.
Exemplo disso é o seguro de vida, em que o sujeito celebra contrato com instituição bancária, e neste
caso, tem-se a estipulação de um beneficiário (terceiro). Contudo, o terceiro somente atuará neste contrato,
quando este produzir seus efeitos, que ocorrerá através da morte do estipulante. Atente-se, a morte é termo
no contrato de seguro de vida.

302
Consoante os ensinamentos do doutrinador Orlando Gomes: “A estipulação em favor de terceiro é o
contrato por via do qual uma das partes se obriga a atribuir vantagem patrimonial gratuita a pessoa estranha
à formação do vínculo contratual”.
Na estipulação em favor de terceiro, tem-se as seguintes figuras:

• Estipulante (estipula a vantagem a terceiro);


• Promitente (promete a cumprir algo relacionado ao terceiro) e;
• Beneficiário (próprio terceiro)

Este contrato forma-se com o consentimento do estipulante e do promitente, sendo necessário


apenas que o terceiro (beneficiário) seja determinável (inclusive pessoa futura). Importante ponderar que, a
estipulação em favor de terceiro é muito utilizada nos contratos de seguro em geral, especialmente, nos
seguros de vida e de veículo etc.
Regras:

✓ O terceiro torna-se credor do promitente. Podendo aquele, ajuizar ações em face do promitente para
assegurar seu direito, mesmo não sendo parte na relação contratual;
✓ O direito subjetivo do terceiro nasce com o contrato;
✓ O terceiro pode recusar-se a receber;
✓ Se o estipulante falece antes de indicar o beneficiário: negócio jurídico é inexistente;
✓ Se o beneficiário falece antes de tomar ciência: aplicam-se as regras de sucessão causa mortis;
✓ Se o beneficiário não detém legitimidade: negócio jurídico é nulo (art. 104 do CC/2002).
✓ *O estipulante pode exigir o cumprimento da obrigação;
✓ O estipulante pode trocar o beneficiário por ato inter vivos ou causa mortis – testamento.

DICA: Quando é cobrada em prova esse tema, cobra-se, especialmente, quanto à possibilidade de o terceiro
ajuizar ações requerendo o adimplemento contratual por parte do promitente.

1.6. Promessa de fato de terceiro – artigos 439 e 440, do CC

Prescreve o artigo 439 do Código Civil:

303
Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o
não executar.

A promessa de fato de terceiro trata-se de contrato por outrem, ou seja, promete-se um fato que o
terceiro irá cumprir.
O único vinculado é o que promete, assumindo obrigação de fazer que, não sendo executada,
resolve-se em perdas e danos. Dessa forma, ninguém pode vincular o terceiro a uma obrigação. As obrigações
têm como fonte somente a própria manifestação da vontade do devedor, da lei ou eventual ato ilícito por
ele praticado.
Inovação: Art. 439, parágrafo único: “Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do
promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a
indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens”.
Por exemplo, quando um dos cônjuges - casado sob o regime da comunhão um universal de bens -
se compromete a ser fiador em determinado imóvel e, garante ao estipulante, que seu cônjuge também
assinará o contrato na qualidade de fiador. Mas ao final, este último se recusa a assinar o contrato. Diante
dessas situações, a regra é que aquele que prometeu fato de terceiro responderá por perdas e danos,
contudo, no caso apresentado, tendo em vista que em decorrência dessa responsabilização, os bens do
terceiro, que é cônjuge do promitente, poderão ser atingidos na hipótese de eventual inadimplemento do
contrato, não haverá qualquer tipo de responsabilização em face do promitente.
Assim sendo, a proteção de um dos cônjuges contra desatinos do outro, negando eficácia à promessa
de fato de terceiro quando este for cônjuge do promitente, o ato a ser por ele praticado depender da sua
anuência e, em virtude do regime de casamento, os bens do casal venham a responder pelo descumprimento
da promessa.

1.7. Contrato aleatório – Artigos 458 a 461, do CC

Os contratos aleatórios são aqueles que possuem a álea – risco - e envolvem sorte ou azar aos
contratantes. Se no contrato aleatório, o fato imprevisível não estiver inerente à álea, é possível a aplicação
da teoria da imprevisão.
Em outras palavras, trata-se de contratos onerosos em que a prestação de uma ou mais partes
contém elementos de incerteza quanto à sua existência, verificação, quantidade ou qualidade, ficando sua
plena definição na dependência de fato futuro.

304
Nesta seara, importante se faz a distinção entre contratos comutativos e contratos aleatórios. No
contrato comutativo, sabe-se exatamente qual é o objeto do contrato – ou seja, tem ciência do que vai
receber e do que será pago. Noutro sentido, os contratos aleatórios pressupõe incerteza, e podem ser
divididos em naturalmente aleatórios e acidentalmente aleatórios, vejamos:

• Naturalmente aleatórios: contrato de seguro (o sujeito sabe quanto deverá pagar pelo seguro, mas
a seguradora não sabe quando irá indenizá-lo, em virtude de um sinistro, por exemplo), jogo e
aposta;

• Acidentalmente aleatórios: trata-se de contratos naturalmente comutativos, mas em razão de


circunstâncias ou cláusula, tornou-se aleatório – contrato de compra e venda.

OBS.: O contrato pode ser aleatório para ambas as partes ou para apenas uma delas.

OBS.: O disposto no artigo 458, diz respeito tão somente dos contratos acidentalmente aleatórios. Tendo em
vista que os contratos naturalmente aleatórios serão estudados no campo dos “contratos em espécie”. Ou
seja, o contrato de seguro, por exemplo, encontra-se previsão nos artigos 757 e seguintes; jogo e a aposta,
nos artigos 814 e seguintes.

Assim sendo, os contratos acidentalmente aleatórios, podem ser de duas espécies:

1- Compra e venda de coisa futura:

a) Emptio spei - compra da esperança: assume o risco da coisa existir ou não (risco total).
Por exemplo, João propõe a José que este pesque e pegue a quantia de mil peixes (objeto do
contrato), na qual pagará um real por peixe, totalizando o montante de mil reais (valor do contrato). Naquele
dia, José pescou dez mil peixes, em razão deste contrato, João deve pagar a José a quantia mil reais. Por
outro lado, se José tivesse pescado novecentos peixes, por exemplo, ainda assim, João teria que lhe pagar a
quantia pactuada, ou seja, mil reais. Outro exemplo, é a compra de safra futura.
Tal modalidade de contrato encontra-se previsão no artigo 458 do CC.

Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não
virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe
foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado
venha a existir.

305
b) Emptio rei speratae - compra da coisa esperada: não assume o risco da inexistência, mas da
quantidade (risco parcial).
Por exemplo, João quer mil peixes na qual pagará a quantia de mil reais. José lhe traz dez mil peixes,
João deve pagar a quantia de mil reais; se José trouxer dois mil peixes, João deve pagar mil reais; se José não
trouxer peixe, João não terá que pagar nenhuma quantia, pois, no caso em comento, assume-se tão somente
o risco da quantidade e não da existência.

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de
virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que
de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à
esperada. Parágrafo único: Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante
restituirá o preço recebido.

Com efeito, a teoria da imprevisão poderá ser aplicada nessas modalidades de contrato, mas desde
que NÃO seja em relação ao emptio spei em razão da existência da coisa e no emptio rei speratae, no que
tange a quantidade da coisa. Dessa forma, se no contrato aleatório, o fato imprevisível não estiver inerente
à álea, como no caso do preço, por exemplo, é possível a aplicação da teoria da imprevisão. (Tema de prova)
A parte somente não ficará obrigada pelo que pactuou se ficar definido que houve desídia da parte
contrária pelo não cumprimento do contrato.

*Recorrente a cobrança em provas dos itens “a” e “b”.

2. Coisas existentes expostas a risco: coisa existe, mas está exposta a risco;

Assunção do risco pelo adquirente, ainda que a coisa não mais exista, no todo em parte, no dia do
contrato. Anulação caso o alienante tivesse conhecimento da consumação do risco.

Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido
pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse,
em parte, ou de todo, no dia do contrato.

➔ Por exemplo, o adquirente faz compra pela internet de coisa sujeita a risco de deterioração. O
adquirente assume o risco do transporte. O alienante, nessa situação, não será responsabilizado,
caso o objeto, no destino, esteja danificado/deteriorado.

306
Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser anulada como dolosa
pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não ignorava a consumação do risco, a que no
contrato se considerava exposta a coisa.

1.8. Vício redibitório – Garantia implícita imposta ao alienante

O vício redibitório é uma garantia implícita imposta nos contratos comutativos e ao alienante. Uma
vez que, aquele que aliena o bem, deve ser responsável pela integridade, fruição e funcionamento da coisa.

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou
defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.
Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

É possível que os contratos tenham, basicamente, três tipos de garantias: (i) garantias materiais: que
são os vícios redibitórios; (ii) garantias jurídicas: consiste na evicção e; (iii) garantias atípicas:
impostas/criadas pelas partes.
O vício redibitório trata-se de um defeito material da coisa (garantia material implícita) existente nos
contratos onerosos e comutativos ou, na doação onerosa (trata-se de doação com encargo, por exemplo,
“lhe dou este carro para você promova o transporte das crianças”). O vício redibitório nunca pode ser
aplicado nos contratos aleatórios ou gratuitos.
Este vício é um defeito grave que torna uma coisa inadequada a certos fins ou funções a que se
propõe - princípios de probidade e boa-fé. Dessa forma, aquele que aliena o bem de forma onerosa, deve
garantir a fruição da coisa, pois se houver algum vício sobre o bem objeto da alienação, estamos diante de
um vício redibitório, vício oculto, interiorizado na coisa.
Dessa forma, mesmo que no contrato não haja garantia do vício redibitório, ainda assim, persistirá.
Paira mencionar, que nas relações consumeristas, a análise desses vícios difere do campo civilista,
porque naquele, tem-se os denominados vícios aparentes e não aparentes.
REDIBIR = significa anular judicialmente uma venda ou outro contrato comutativo em que a coisa
negociada foi entregue com vícios ou defeitos ocultos, que impossibilitam o uso ao qual se destina ou que
lhe diminuem o valor.
São defeitos ocultos em coisa recebida – Descobertos: ocorrerá a redibição da coisa, ou seja, torna-
se sem efeito o contrato, acarretando-lhe a resolução, com a restituição da coisa defeituosa ao seu antigo
dono ou sendo concedido um abatimento no preço, se preferir o adquirente.

307
Constatando a presença de vício redibitório, cabe ao sujeito a escolha de um dos meios de
reclamação:

• AÇÃO REDIBITÓRIA: objeto da demanda é o desfazimento do contrato – redibir o negócio (uso


impossível).
A natureza jurídica do pedido de desfazimento do contrato e, consequentemente, da sentença
proferida neste processo, será desconstitutiva ou constitutiva negativa (Natureza jurídica do mérito
da ação é a mesma natureza jurídica da sentença).

• AÇÃO QUANTI MINORIS OU ESTIMATÓRIA: objeto da demanda será o abatimento do preço e


manutenção do negócio.
A natureza jurídica do pedido e da sentença será condenatória.

Atentem-se: Não é porque o bem possa ser utilizado ainda, que o adquirente terá o dever de exigir
tão somente o abatimento do preço. Isso porque, ainda que a coisa esteja funcionando, pode-se requerer o
desfazimento do contrato, tendo em vista que o adquirente não é obrigado a permanecer com um bem na
qual acreditava que funcionaria.

Indaga-se: Responde pelo vício redibitório em caso de boa fé, não ciência do defeito?
R: Sim, tendo em vista que no vício redibitório não exige má-fé do alienante. Dessa forma, se de boa-fé o
alienante, haverá a resolução do contrato; se de má-fé, além da resolução do contrato, incumbe ao
alienante à condenação por perdas e danos (inclusive dano moral).

Assertiva de prova:
Para configuração do vício redibitório é importante à caracterização da culpa do alienante → Incorreta,
pois no vício redibitório a analise é objetiva, ou seja, independe de culpa.

1.8.1. Prazos para o ajuizamento da ação redibitória e ação quanti minoris

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de
trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava
na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.

308
➔ Ponderação reflexiva: Nas ações quanti minoris – estimatória – não se aplica o dispositivo acima
mencionado, tendo em vista que a sentença é condenatória e a relação entre credor e devedor é de
direito subjetivo. Os direitos subjetivos, por sua vez, estão sujeitos a prazos prescricionais, enquanto
que os prazos decadenciais estão ligados a direitos potestativos.
Dessa forma:
Redibir o contrato → direito potestativo;
Cobrar o abatimento do preço → direito subjetivo.
➔ Desta maneira, para a ação quanti minoris, aplicam-se as regras de prazo prescricional – 03 anos -; e
para ação redibitória, aplica-se o prazo decadencial previsto no artigo 445 do CC.
➔ Nesse contexto, quando da leitura do artigo 445, deve-se excluir a expressão “abatimento no preço”.
Todavia, se em prova objetiva for cobrada a literalidade do dispositivo, deve-se assinalar como
correta.
➔ Possibilidade de burlar o prazo: Se as partes num contrato de compra e venda de um bem móvel, por
exemplo, realizam a entrega desse bem na data de hoje, mas somente formalizam o contrato de
compra e venda no dia de amanhã. Tendo em vista que no momento da formalização do contrato o
adquirente já estava na posse do bem, o prazo para o ajuizamento de redibitória cai para 15 dias.
Essa redução é realizada, independentemente de quanto tempo faz que o adquirente se encontre na
posse do bem.

§ 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do
momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias (para descobrir o
vício), em se tratando de bens móveis (para descobrir o vício); e de um ano, para os imóveis.

§ 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos
em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais (costumes), aplicando-se o disposto no parágrafo
antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

➔ Trata-se de uma das hipóteses de costume autorizados pelo ordenamento jurídico pátrio - secundum
legem. Esse costume não se trata de método de integração da norma.

Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o
adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento,
sob pena de decadência.

309
➔ Os prazos de garantia não contam durante a garantia convencional.

1.9. Evicção – Garantia implícita imposta ao alienante

O instituto da evicção trata-se de uma garantia jurídica, pois o vício/defeito encontra-se na relação
jurídica e não na coisa, como ocorre no vício redibitório. Podem ocorrer nos contratos onerosos e
comutativos ou, na doação onerosa.
A evicção ocorre quando quem vendeu não poderia ter vendido e quem comprou perde o bem para
o verdadeiro proprietário. Em outras palavras, evicção é a perda ou desapossamento de um bem, judicial ou,
excepcionalmente administrativa, em razão de um defeito jurídico anterior à alienação. Tem-se como
exemplo de evicção administrativa, a apreensão de veículo por falsificação de documento realizado pelo
antigo dono.
A má-fé na evicção é latente.
Cabe ao alienante a obrigação da evicção. Trata-se de uma obrigação de fazer - garantir a propriedade
ou vir a indenizar pela impossibilidade da manutenção de tal benefício em favor do adquirente.
Possui íntima conexidade com o princípio da boa-fé objetiva.
São figuras inerentes a evicção:

• Evicto (quem perde o bem);


• Evictor (quem retoma o bem);
• Alienante.

O evicto, ao exercer o seu direito, resultante da evicção, formulará, em face do alienante, uma
pretensão tipicamente indenizatória. Inclusive, a prática de atos conservatórios em casos de cláusulas
condicionais.
O evicto poderá pleitear, pois, salvo estipulação em contrário, a restituição integral do preço ou das
quantias que pagou (art. 450 do CC):

a) A indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;


b) A indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da
evicção;
c) As custas judiciais e os honorários do advogado por ele constituído.

310
OBS.: Dispõe o artigo 457 do CC: “Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era
alheia ou litigiosa”. Típico exemplo de grilagem de terra. Que ocorrerá quando o indivíduo invade área
pública para vendê-la e, aquele que compra sabendo de tal situação, não poderá, posteriormente, demandar
evicção.

OBS.: Ação edilícia deve ser observado o prazo prescricional de 3 (três) anos, na forma do art. 206, § 3º, inciso
V, do CC.

Os prazos de evicção são prescricionais de 03 anos - evicção possui a mesma natureza da ação quanti
minoris.
Aquele que perde o bem (adquirente) tem duas opções: (i) proprietário ajuíza ação contra ele e, após,
ajuíza-se ação em face do alienante ou; (ii) o verdadeiro proprietário ajuíza ação em face do adquirente, e
este denuncia a lide ao alienante.
Importante ponderar, que a denunciação da lide é uma opção do adquirente.

Art. 125 do CPC. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:
I - ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a
fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

Art. 448 do CC. Podem as parte, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a
responsabilidade pela evicção.

➔ Sempre decorrerá de cláusula expressa, nunca podendo, ser implícita.


Validade: Evicto deve ter sido informado do risco da evicção + ter assumido o risco.

Art. 449 do CC. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem
direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou,
dele informado, não o assumiu.

2. Contratos em espécie

I. Compra e venda

A compra e venda está previsto no art. 481 do CC.

a) Conceito

311
O art. 481 conceitua compra e venda, pois estabelece que, pelo contrato de compra e venda, um
dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em
dinheiro.

Trata-se de um contrato translativo, mas o contrato de compra e venda por si só não transmite a
propriedade, pois a propriedade móvel se transfere através da tradição, e a transferência da propriedade
imóvel se dá por meio do registro no cartório de registro imobiliário.

O contrato de compra e venda só traz o compromisso do vendedor de transmitir essa propriedade e


promover a tradição ou o registro.

b) Natureza jurídica

A respeito da natureza jurídica da compra e venda, esta possui algumas características:

• Contrato bilateral
• Contrato sinalagmático: as duas partes prestam e sabem, como regra, o que estão prestando.
• Contrato oneroso: há sacrifício patrimonial para ambas as partes
• Contrato comutativo: sabe de antemão quais são as prestações. Poderá assumir a forma de
contrato aleatório, como é o caso de compra da esperança (ex.: compra da colheita futura).
• Contrato consensual: reputa-se celebrado o contrato a partir do momento em que há encontro
das vontades. O art. 482 diz que, a compra e venda, quando pura, considera-se obrigatória e
perfeita, desde que as partes acordem quanto ao objeto e quanto ao preço.

c) Elementos constitutivos

São elementos constitutivos da compra e venda:

• Partes: as partes devem ser capazes.


• Coisa: a coisa deve ser lícita, determinada ou determinável. A coisa deve ser de propriedade do
vendedor, pois se estiver vendendo coisa que não é dele, será denominado de venda a non
domino. Neste caso, a lei nos faz concluir que a venda a non domino é caso de ineficácia perante
o seu real proprietário.
• Preço: deve ser certo e determinado, em moeda nacional corrente, e por um valor nominal, com
base no princípio do nominalismo.

i. Categorias especiais de preço

Existem algumas categorias especiais de preço:

312
• Preço por cotação: admitido no art. 487 do CC. Nos casos de compra e venda em que o preço
está fixado com base num índice, há um preço por cotação. Este índice permite uma objetiva
determinação, pois não há arbitrariedade de uma das partes. Poderá o preço ser fixados com
base na taxa de mercado, na bolsa de valores, etc.

• Preço por avaliação: o art. 485 permite que o preço seja arbitrado pelas partes ou por um
terceiro de sua confiança. Ex.: venda de um imóvel, mas chamarão 3 imobiliárias fazem a
avaliação.

• Preço tabelado ou preço médio: não são a mesma coisa. O art. 488 do CC diz que, convencionada
a venda sem fixação do preço ou sem a fixação de critérios para fixação do preço, se não houver
tabelamento oficial (preço fixado pelo Estado), entende-se que as partes se sujeitaram ao preço
médio ou corrente, nas vendas habituais do vendedor.
O parágrafo único vai dizer que, não havendo acordo sobre o preço, vai prevalecer o preço médio.
Ou seja, na falta de acordo sobre o preço, não se presume que está concluída a compra e venda.
O parágrafo único do art. 488 somente se aplica se houver uma diversidade de preços
habitualmente praticado pelo vendedor. Se o vendedor possui diversos preços praticados, vai
valer o termo médio.

• Preço unilateral: o art. 489 consagra a nulidade da compra e venda se a fixação do preço for
deixada ao livre arbítrio de uma das partes. No entanto, o preço unilateral é o preço fixado por
uma das partes unilateralmente, mas sem que haja a arbitrariedade, sem a liberdade de
arbítrio. O que o comando legal veda é o preço manipulado por cartéis.

d) Estrutura sinalagmática e os efeitos da compra e venda

O conceito de sinalagma tem uma relação íntima com o equilíbrio contratual. O direito do comprador
é de receber a coisa, mas o devedor tem o direito de receber o preço.

Dessa estrutura sinalagmática é possível extrair que os riscos relacionados à coisa, ao preço, ao
transporte da coisa, ao registro, vão correr ora por parte do comprador ora por parte do vendedor.

• Risco em relação a coisa correm por conta do vendedor: é o vendedor que tem a obrigação de
entregar a coisa ao comprador. Enquanto não ocorre essa tradição, a coisa é do vendedor. É a
tradição que transmite a propriedade (res perit domino).
• Risco do preço corre por conta do comprador: isso porque ainda não houve a tradição.
• Despesas com transporte da coisa: via de regra correm por conta do vendedor, salvo se
estipularem de forma diferente.
• Despesas com escritura e despesas com o registro: são pagas pelo comprador.

313
O art. 491 do CC diz que não sendo a venda à crédito ou à prazo, o vendedor não é obrigado entregar
a coisa antes de receber o preço.

O art. 492 traz a regra que diz que, até o momento da tradição, os riscos correm por conta do
vendedor, e os riscos do preço peço comprador.

Os casos fortuitos que ocorrerem no ato de contar, marcar ou de assinalar as coisas (ex.: gado
marcado e pesado), se elas já estiverem à disposição do comprador, os riscos correrão pelo comprador. Ex.:
o vendedor já levou os gados para a fazenda do comprador, situação em que ele já está marcando o gado.
Se naquele momento ocorrer um caso fortuito e o gado vier a se perder, os riscos do gado correrão por conta
do comprador, visto que a coisa já estava à disposição do comprador.

Também correrão os riscos por conta do comprador, se este estiver em mora de receber as coisas,
desde que estejam à sua disposição no tempo em que foi ajustado, no modo e da forma ajustada.

Em relação à tradição da coisa vendida, se não houver estipulação entre as partes, a tradição irá
ocorrer no lugar onde se encontrava a coisa ao tempo em que foi celebrada a venda. As despesas com a
tradição via de regra correm pelo vendedor, mas a coisa deverá ser entregue no lugar onde estava quando
foi pactuado o contrato, salvo se houver disposição diversa.

É possível que as partes negociem a expedição da coisa por parte do vendedor. Isso é comum nas
vendas realizadas fora do estabelecimento comercial.

Nesses casos, se a coisa é expedida para um lugar diverso, por ordem e por conta do comprador,
correrão os riscos por conta dele, salvo se o vendedor não seguir as instruções do comprador.

O art. 495 do CC diz que, não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o
comprador cair em insolvência civil, poderá o vendedor sobrestar a entrega da coisa até que o comprador
lhe dê garantias, seja real ou fidejussória, de que vai pagar o preço por aquela coisa. Há aqui exceptio non
adimpleti contractus, há um inadimplemento antes da entrega da coisa.

e) Restrições à autonomia privada na compra e venda

i. Venda de ascendente a descendente

O art. 496 do CC diz que é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros
descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

O parágrafo único desse dispositivo dispensa o consentimento do cônjuge se o regime for de


separação obrigatória de bens.

314
Este dispositivo é uma norma restritiva de direitos, não admitindo interpretação extensiva e nem
analogia aos casos de união estável.

O prazo para anular essa venda de ascendente para descendente é um prazo decadencial de 2 anos,
contado da celebração do negócio.

O Enunciado 545 do CJF diz que o prazo para anular esse contrato de 2 anos é contado da ciência
do ato, e que esta ciência se presume absolutamente quando houver um registro dessa transferência.

A jurisprudência do STJ tem entendido que a anulação da venda de ascendente para descendente
só será admissível se houver prova do prejuízo para a parte que levantou essa anulabilidade.

ii. Venda entre cônjuges

Há outra espécie de restrição à autonomia privada.

Cônjuge pode comprar do outro cônjuge bens, mas não qualquer bem.

O art. 499 possibilita a compra e venda entre cônjuges, desde que o contrato de compra e venda
seja compatível com o regime de bens adotado pelo casal. Isso porque só é possível compra e venda de
bens excluídos da comunhão. Se o bem estiver dentre aqueles constantes da comunhão, a compra e venda
será nula, visto que há a impossibilidade do objeto (art. 166, II).

É possível que haja a compra e venda de bens entre cônjuges mesmo que se trate de comunhão
universal, pois existem bens excluídos do regime da comunhão universal, como são os bens de uso pessoal
e utensílios de trabalho dos cônjuges.

• Regime de comunhão parcial: a compra e venda poderá se dar desde que seja de bens
particulares.
• Regime de comunhão universal: a compra e venda poderá se dar desde que seja de bens
incomunicáveis.
• Regime de participação final nos aquestos: a compra e venda poderá se dar em relação ao bens
que não entram na participação.
• Regime de separação legal ou convencional: a compra e venda poderá se dar, desde que não
haja fraude ou ilicitude. Lembre-se que a má-fé não se presume. Não é porque o indivíduo é
casado sob o regime de separação que não poderá vender bens ao seu cônjuge.

iii. Venda de bens sob administração

O art. 497 diz que não podem ser comprados, ainda que estejam em hasta pública, pelos tutores,
curadores, testamenteiros, administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração.

315
Neste caso, haveria um conflito de interesses. Ademais, é vedada a compra pelos servidores públicos
em geral dos bens e dos direitos da pessoa jurídica a que este servidores servirem ou dos bens que
estiverem sob a sua administração direta ou indireta.

A lei está buscando impedir a ocorrência de situações nas quais a atividade funcional da pessoa possa
influir no negócio que será firmado, e o agente ser beneficiado pela influência que sustenta.

É ainda vedada a compra pelos juízes e serventuários em geral dos bens a que se litigar no tribunal
em que servirem, tanto o juiz quanto os serventuários da justiça.

Também não poderá comprar os bens o leiloeiro ou seus pressupostos quanto aos bens cuja venda
esteja encarregado.

Perceba que há uma vedação de cunho moral.

Mais uma vez o STJ faz uma interpretação no sentido de que o juiz não pode comprar um bem que
esteja no seu tribunal, mas poderá comprar em outro tribunal, assim como o servidores. Isso porque se não
há risco da influência não há prejuízo e nem ilegalidade.

iv. Venda de bens em condomínio

O art. 504 do CC diz que um condômino não pode, em relação ao condomínio de coisa indivisível,
vender a sua parte a estranhos se outro condômino quiser tanto por tanto, ou seja, em igualdade de
condições.

Há uma espécie de preempção legal. O condômino, se não tiver o conhecimento da venda, poderá
simplesmente depositar o preço, e haver para si a coisa vendida para um terceiro ou estranho, desde que o
faça em 180 dias. Este prazo é decadencial.

Contudo, o STJ julgou recentemente um caso em que, ao conceder o direito de preferência aos
demais condôminos, o que o legislador procurou foi conciliar objetivos particulares do vendedor com o
intuito da comunidade dos coproprietários. É a ideia de que a função social recomenda que é mais cômodo
manter a propriedade entre os seus titulares, evitando que haja desentendimentos naquele condomínio pela
entrada de um estranho. É uma hipótese de preferência legal.

O STJ entende que, se o imóvel se encontra em estado de indivisão, apesar de este imóvel ser
divisível, ainda assim há de se reconhecer o direito de preferência do condômino que pretenda adquirir o
quinhão do comunheiro. Há uma restrição da autonomia privada. Ou seja, se o vendedor condômino quiser
vender por 100 mil reais o imóvel a um terceiro, mas o condômino oferecer 100 mil reais, deverá vender a
este.

316
Parte da doutrina entende que, sendo preterido o condômino, deverá propor a ação anulatória da
compra e venda feita.

Mas encontra-se um entendimento no sentido de que deve ser proposta uma ação de adjudicação,
pois o principal efeito da ação é constituir positivamente a venda para o condômino que foi preterido.

Portanto, estaríamos diante de uma ação de adjudicação e não anulatória.

O prazo de 180 dias é contado de quando?

A lei não diz. Maria Helena Diniz diz que esse prazo de 180 dias é contado da data da alienação do
bem. Sílvio Venosa diz que o prazo começa a correr da data em que o condômino tomar ciência do negócio,
ou do registro imobiliário, no caso de imóvel.

Sendo muitos os condôminos, como se saber qual tem a preferência?

A lei traz uma ordem que deve ser respeitada:

1. Quem tiver benfeitoria de maior valor


2. Quem tiver o maior quinhão
3. Quem depositar judicialmente o preço

f) Regras especiais da compra e venda

i. Venda por amostra (por protótipo ou por modelo)

É uma compra e venda que funciona como condição suspensiva.

Isso é comum no caso dos mascates que passavam nas casas com amostras de tecidos. Caso a pessoa
se interessasse por aquele pedaço de tecido, faria um pedido de 5, 10, 20, 40 metros, e o vendedor pediria
para a fábrica fazer. Havia ali uma promessa de entrega das peças ou do tecido, conforme o mostruário.

A venda por amostra tem a eficácia suspensiva, de forma que não ocorre o aperfeiçoamento do
negócio até que haja a tradição com a qualidade esperada do bem que foi adquirido.

Se os bens não foram entregues conforme o que foi contratado, o contratante poderá simplesmente
não aceitar. O contrato de compra e venda será desfeito, por uma condição resolutiva, visto que o produto
não tem a qualidade da amostra do produto apresentado.

O parágrafo único do art. 484 do CC diz que vai prevalecer a amostra, se houver uma contradição
ou ao modo de descrição da coisa no contrato. O dispositivo está dizendo que se o sujeito apareceu na loja
e disse que era egípcio e depois constar no contrato de que o fio era chinês, a amostra irá prevalecer, por
uma questão de boa-fé.

317
ii. Venda a contento ou sujeita à prova

A venda a contento ou sujeita à prova são tratadas como cláusulas especiais no contrato de compra
e venda.

Muitas vezes serão presumidas em alguns contratos, não precisando de previsão expressa algumas
vezes. Ex.: no caso dos vinhos, o garçom coloca um pouco para que o cliente verifique a qualidade do vinho.
No momento em que concorda, a pessoa concorda com a venda, estando implementada a condição
suspensiva.

A venda não se aperfeiçoa enquanto o comprador não se declara satisfeito com o bem que está
sendo adquirido. Há uma condição suspensiva. Na venda a contento, a tradição não transfere a
propriedade, mas apenas da posse. Há a posse direta, pois, enquanto o comprador não manifestar a
vontade, as obrigações que ele teria é de simples comodatário.

A rejeição funcionará como uma condição resolutiva do contrato.

No caso de venda a contento, o prazo para manifestação do comprador, quando não for de imediato
(como no vinho), o vendedor tem o direito de intimar esse comprador, judicial ou extrajudicialmente, para
que se manifeste sobre a venda (art. 582).

Quando é intimado, surge para o comprador o dever de pagar até a restituição da coisa um aluguel
que será arbitrado pelo comodante a título de pena, e será cabível eventual reintegração de posse.

Foi promovida uma venda a contento, mas o sujeito não se manifestou. O vendedor interpelou o
comprador para que ele se manifestasse em 2 dias, para que este se manifestasse ou para que este pagasse
a coisa. Se ele não paga e nem devolve, passados os 2 dias, considera-se como se houve uma locação,
havendo a necessidade de pagar um aluguel cabível, bem como ação de reintegração de posse.

Qual a diferença entre venda a contento e a venda sujeita a prova?

Na venda a contento, o comprador não conhece o bem, sendo necessário provar e manifestar a
vontade de celebrar o contrato.

Na venda sujeita à prova, a coisa já é conhecida, mas o comprador somente necessita da prova de
que o bem é o mesmo que ele já conhece, tendo todas as qualidades assegurada ao vendedor.

iii. Venda por medida

A venda por medida, também denominada de venda ad mensuram. Nesse caso, as partes podem
estipular um preço por medida de extensão. Nessa situação, a medida passa a ser uma condição essencial do
contrato.

318
Na venda ad mensuram, a área do imóvel não é apenas enunciativa, sendo simplesmente enunciativa
no caso da venda ad corpus, situação em que se vende um corpo certo (ex.: rancho, chácara, etc.). Na venda
ad mensuram, o comprador está comprando com base na metragem, caso em que a compra e venda terá
a área como essencial, como é o caso de compra e venda de imóvel por metro quadrado.

No caso de venda por extensão, admite-se que haja uma variação de até 5% (ou seja, até um
vigésimo da área). Existe uma presunção relativa de que essa variação de 5% a mais ou a menos é tolerável
pelo comprador.

Mas se houver uma variação superior ao tolerável, então haverá um vício. Neste caso, o comprador
poderá exigir:

• Complementação da área
• Abatimento do preço (ação quanti minoris)
• Resolução do contrato

Nesse caso, se ficar evidenciada a má-fé do vendedor, vem cumulada com perdas e danos, com uma
indenização em razão do comportamento.

O prazo decadencial é de 1 ano, contado do registro do título, conforme art. 501 do CC. O prazo não
corre enquanto o interessado não for imitido na posse.

Se a venda for realizada ad corpus, ou seja, imóvel vendido como coisa certa, não caberão os pedidos
de complementação, abatimento do preço ou resolução do contrato.

iv. Venda de coisas conjuntas

Não se confunde com a venda casada, que é vedado. A prática do contrato de venda permite a venda
de coisas conjuntas permite. Ex.: compra de um rebanho bovino. Há uma universalidade de fato.

Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma coisa não autoriza a rejeição de todas.
Se foi comprado um rebanho bovino e uma vaca apresenta vício, não impede a rejeição de todos os bovinos.

O art. 503, que se refere a vendas conjuntas, não pode ser aplicado a casos em que a venda seja
coletiva, que é diferente daquelas.

No caso de venda coletiva, as coisas vendidas formam um todo só. Por exemplo, se a compra de um
par de sapatos, um deles apresentar problema, poderá devolver os dois para adquirir novos, pois a venda é
coletiva.

g) Cláusula especiais da compra e venda

319
Há aqui previsões que alteram os efeitos da compra e venda, dando a ela uma feição diferenciada.

O CC consagra:

• Cláusula de retrovenda
• Cláusula de venda a contento ou venda sujeita à prova
• Cláusula de preempção convencional
• Cláusula de venda com reserva de domínio
• Cláusula de venda de documentos

As cláusulas especiais, para que tenham eficácia e validade, devem estar expressamente previstas
no instrumento. Este é um ponto em que se diferenciam das regras especiais.

Nas regras especiais não é necessário que conste expressamente esta previsão.

i. Cláusula de retrovenda

Cláusula de retrovenda é um pacto inserido no contrato pelo qual o vendedor reserva-se o direito
de reaver o imóvel dentro de um certo prazo.

Neste caso, restitui o preço e as despesas feitas pelo comprador, mas reaverá o imóvel.

O prazo máximo que decorre o direito à retrovenda é de 3 anos.

Cláusula de retrovenda só é admitida nos contratos de compra e venda de bens imóveis. Essa
cláusula torna a propriedade resolúvel, e portanto tem-se aqui uma cláusula resolutiva expressa.

Se o comprador se recusa as quantias a que ele faz jus, o vendedor deverá depositar judicialmente
esse valor, propondo uma ação de resgate (art. 506).

O direito de resgate poderá ser exercido pelo vendedor e também pelos herdeiros e legatários, isso
em relação ao terceiro adquirente, já que consta cláusula expressa registrada.

Perceba-se que há uma transmissão causa mortis da cláusula de retrovenda, discutindo a doutrina
se seria possível a transmissão inter vivos da cláusula de retrovenda, inclusive de forma onerosa.

A lei diz que é transmissível da cláusula de retrovenda do vendedor para os herdeiros e legatários.

No caso de transmissão onerosa da cláusula de retrovenda, a professora Maria Helena Diniz diz não
ser possível, pois traria um direito personalíssimo do vendedor.

Paulo Lôbo diz ser possível em virtude de que não há qualquer proibição nesse sentido pelo Código
Civil.

320
O art. 508 do CC trata da retrovenda feita por condôminos, quando duas ou mais pessoas têm o
direito de retrato, mas apenas uma delas o exerce, o comprador poderá intimar a outra ou as outras para
acordarem com essa retrovenda.

Mesmo nesse caso, prevalecerá o pacto em favor de quem tenha depositado o valor pago pela coisa
e pelas despesas do comprador, desde que esse valor seja integral.

ii. Cláusula de preempção

A cláusula de preempção é a cláusula pela qual o comprador de um bem móvel ou imóvel tem a
obrigação de oferecer este bem àquele que o vendeu, podendo essa intimação ser judicial ou extrajudicial,
a fim de que o vendedor use o seu direito de prelação, em igualdade de condições com o terceiro. Isso se o
comprador decidir vender a coisa.

Esta cláusula poderá estar prevista no contrato.

O art. 513, parágrafo único, diz que a preferência abrangerá o prazo de 180 dias se for bem móvel,
ou de até 2 anos se for bem imóvel. Tais prazos devem ser contados da data da realização da venda.

Após o decurso desses prazos, é finda a preferência. Portanto, é possível a venda do bem a outrem,
sem direito de preferência.

Se, dentro do período de preferência, o comprador decidir vender o bem, o vendedor deverá ser
notificado judicial ou extrajudicialmente.

O direito de preferência caducará se a coisa for móvel, se não exercer esse direito de preferência
em 3 dias.

Sendo a coisa imóvel, terá o prazo de 60 dias para exercer o direito de preferência, a contar da data
em que o vendedor foi notificado pelo comprador para exercer o direito de preferência.

O Código Civil diz que, aquele que exerce a preferência tem a obrigação de pagar o preço ajustado
ou encontrado em igualdade de condições com terceiro, sob pena de perder o direito de preferência.

O vendedor que tenha sido preterido no seu direito de preferência, caso seja a preempção
convencional, o vendedor não poderá anular a venda. Se fosse uma prelação legal (ex.: condômino), poderá
fazer a adjudicação do bem.

No entanto, no caso de preempção convencional, se o vendedor for preterido, caberá apenas o


direito de ação visando a reparação de danos, mesmo que o adquirente tenha adquirido o bem por má-fé
(art. 518).

321
O art. 519 diz que, se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por
interesse social, não tiver o destinado para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços
públicos, caberá ao expropriado o direito de preferência pelo preço atual da coisa. Este dispositivo consagra
o direito de retrocessão.

Esse direito de preferência terá natureza real ou natureza pessoal?

O STJ já entendeu que os efeitos são de natureza meramente pessoais, cabendo portanto ao
expropriado o direito de pleitear perdas e danos no caso de tredestinação.

Por outro lado, também há decisões do STJ reconhecendo eficácia real do direito de retrocessão.
Tartuce concorda que esse direito de retrocessão tem natureza real.

O art. 520 diz que o direito de preferência não se pode ceder, e também não passa aos herdeiros.
Há aqui reconhecido a intransmissibilidade do direito de preferência, seja mortis causa, seja inter vivos. A
preferência convencional não se transmite aos herdeiros.

Aula 14. Contratos em espécie (continuação).

iii. Cláusula de venda sobre documentos

Pela cláusula de venda sobre documentos, que tem por objeto bens móveis, a tradição será
substituída pela entrega de um documento correspondente à propriedade (título representativo do
domínio), conforme art. 529 do CC.

Se estiver prevista esta cláusula de venda sobre documentos e esta documentação estiver em ordem,
o comprador não pode recusar pagamento, alegando que há um defeito na qualidade da cosia ou no estado
da coisa, salvo se o defeito estiver efetivamente comprovado.

Veja, o parágrafo único do art. 529 diz que, achando-se a documentação em ordem, não pode o
comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se
o defeito já houver sido comprovado. Isso porque o comprador ainda nem sequer tem a coisa consigo.

Com essa transferência do documento que transfere a propriedade, o pagamento deverá ocorrer na
data e no lugar em que ocorrer essa entrega do documento. Quando o documento é entregue, o preço deverá
ser pago.

O art. 532 diz que, estipulado o pagamento por intermédio de estabelecimento bancário, caberá ao
banco efetuar esse pagamento com a entrega dos documentos, não tendo o banco a obrigação de verificar
a coisa vendida, pela qual não responde.

322
O parágrafo único diz que, nesse caso, somente após a recusa do estabelecimento bancário a efetuar
o pagamento, poderá o vendedor pretendê-lo, diretamente do comprador.

iv. Cláusula de venda com reserva de domínio

Ocorre a cláusula de venda com reserva de domínio quando o vendedor vende a coisa, mas continua
tendo o domínio.

Por meio dessa cláusula, inserida no contrato de coisa móvel infungível, o vendedor mantém o
domínio da coisa, mas até que haja o pagamento integral pelo comprador.

O comprador receberá a posse direta da coisa, mas a propriedade continua sendo do vendedor,
sendo esta resolúvel, visto que, uma vez pagando o comprador, a propriedade passa a ser dele.

Pelos riscos da coisa, responderá o comprador (res perit emptoris), ou seja, é uma exceção à ires perit
domino, sendo uma forma de viabilizar a cláusula com reserva de domínio.

O art. 522 consagra como formalidade para a cláusula de venda com reserva de domínio que sua
estipulação se dê por escrito e haja registro no cartório de títulos e documentos do domicílio do
comprador. Segundo o CC, esta é uma condição de validade perante terceiros de boa-fé. Em verdade não é
uma condição de validade, mas sim de eficácia, pois não levando a registro não deixará de ser válida, e sim
ineficaz perante terceiros.

E se houver mora ou inadimplemento absoluto?

O vendedor poderá promover uma ação de cobrança das parcelas vencidas e que não foram
efetivamente pagas. Essa é uma opção.

A segunda é o vendedor recuperar a posse da coisa, já que ele é o proprietário da coisa.

Mas como é que o vendedor vai recuperar a posse da coisa?

Flávio Tartuce entende que será através da reintegração de posse. Daniel Assunção entende que será
o procedimento comum com tutela de urgência, mas não se sabe como a jurisprudência vai se posicionar.

O art. 525 diz que o vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após
constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.

Vale ressaltar que a teoria do adimplemento substancial também vai promover mudanças e
mitigações na chamada cláusula de reserva de domínio. Ex.: sujeito pagou 90% das parcelas, não poderá o
contrato simplesmente ser desfeito, devendo preservá-lo e promover a ação de cobrança, a fim de que cobre
as parcelas vencidas e as vincendas.

323
É preciso diferenciar da cláusula de venda de reserva com domínio de contrato de alienação fiduciária
e do leasing (arrendamento mercantil):

• Cláusula de venda com reserva com domínio: há uma cláusula especial de compra e venda.
Implica que o domínio permaneça nas mãos do devedor.
• Alienação fiduciária: há um direito real de garantia. O devedor é o fiduciante que compra o bem
de um terceiro, mas não podendo pagar, pegará o dinheiro com a instituição financeira, e para
garantir o pagamento a esta instituição financeira, transferirá a propriedade a esse credor
fiduciário. Há aqui também uma propriedade resolúvel, mas esta é de terceiro, e não do próprio
vendedor.
• Leasing (arrendamento mercantil): há um contrato. Há um contrato de locação com opção de
compra. A opção de compra se dá com o pagamento do valor residual garantido (VRG).

h) Terrenos da Marinha

Terrenos de marinha são todos aqueles que, banhados pelas águas do mar ou dos rios e lagoas
navegáveis, vão até a distância de 33 metros para a parte da terra contados da linha do preamar médio,
medida em 1831.

Os terrenos de marinha são bens da União. Isso se justifica por se tratar de uma região estratégica
em termos de defesa e de segurança nacional.

Segundo José dos Santos, em algumas regiões, a União permitiu que particulares utilizassem, de
forma privada, imóveis localizados em terrenos de marinha. Como essas áreas pertencem à União, o uso por
particulares é admitido pelo regime da enfiteuse (aforamento). A enfiteuse funciona da seguinte forma, a
União (senhorio direto) transfere ao particular (enfiteuta) o domínio útil, este particular passa a ter a
obrigação de pagar anualmente uma importância a título de foro ou pensão.

O particular (enfiteuta) pode transferir para outras pessoas o domínio útil que exerce sobre o bem.
Todavia, a pessoa que transferir o domínio útil do imóvel deverá pagar 5% do valor do domínio útil à União.
Esse valor é chamado de laudêmio e seu pagamento está previsto no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87.

O STJ entende que será nulo o contrato o contrato firmado entre particulares de compra e venda de
imóvel de propriedade da União quando ausente o prévio recolhimento do laudêmio e a certidão da
Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ainda que o pacto tenha sido registrado no Cartório competente.

Vale ressaltar que a prévia autorização da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) não é mera
formalidade, pois, segundo entende o STJ, a comunicação do negócio jurídico formalizado entre o ocupante
e terceiro à SPU não se reveste de ato de mera formalidade, mas se constitui em medida de essencial

324
importância e que produz efeitos jurídicos relevantes, uma vez que a União é a proprietária do terreno de
marinha e, nessa qualidade, deverá estar sempre a par e consentir com a utilização de bem que lhe pertence.

Tais bens públicos são da espécie “bens dominicais”, os quais, apesar de não estarem sendo utilizados
para a realização de uma finalidade pública, o regime jurídico dos bens dominicais é híbrido, aplicando-se as
normas de direito público e de direito privado. O contrato de compra e venda de um bem dominical deve
respeitar formalidades legais mais rígidas do que se fosse um bem de um particular.

O tabelião de notas poderia ter lavrado a escritura de compra e venda e o oficial do Registro de
Imóveis não pode registrar o título sem a prova do pagamento do laudêmio. É dever dos tabeliães e
registradores, antes de lavrar ou registrar a escritura, exigir a certidão da SPU, na qual estará declarado que
houve o pagamento do laudêmio e cumprimento das demais formalidades.

II. Troca ou permuta

Troca ou permuta é conceituado como sendo um contrato através do qual as partes se obrigam a dar
uma coisa para receber outra coisa, não podendo esta coisa ser dinheiro, pois do contrário haveria compra
e venda.

Há aqui um contrato bilateral, oneroso (as duas partes realizam sacrifício patrimonial), comutativo
(as duas partes conhecem as prestações a que se submetem), translativo da propriedade (cada uma das
partes assume essa propriedade), contrato consensual (o contrato se aperfeiçoa com o simples encontro das
vontades).

A permuta vai gerar para cada contratante a obrigação de transferir ao outro contratante o domínio
da coisa, que é o objeto da prestação.

Em relação às despesas com a tradição, o art. 533, I, vai consagrar, via de regra, a divisão em
igualdade, mas o contrato poderá dispor de forma diferente.

Aplicam-se, residualmente, à troca as disposições referentes à compra e venda.

Ressalte-se a distinção de que, na compra e venda, o vendedor, após a entrega da coisa vendida, não
poderá pedir a devolução da coisa pelo fato de não ter recebido o preço.

Na troca, o tradente (permutante) tem o direito de pedir de volta o que deu se a outra parte não
lhe entregar o objeto permutado, ou seja, não cumprir a sua obrigação.

a) Troca entre ascendentes e descendentes

O art. 533, II, diz que é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, se
não houver o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante.

325
Veja que o art. 533 fala de trocas desiguais. Ou seja, se estiver diante de troca s coisas iguais, não é
necessário o consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante.

O raciocínio é o mesmo para o caso em que o descendente der coisa mais valiosa ao ascendente e
este dá a ele uma coisa menos valiosa, sendo desnecessário o consentimento dos demais descendentes e
do cônjuge.

III. Contrato estimatório (venda em consignação)

O contrato estimatório é também denominado de venda em consignação.

Nesse contrato, o consignante vai transferir ao consignatário bem móveis, a fim de que o
consignatário venda esses bens por um preço estimado.

Ou o consignatário vende esses bens, pagando um preço estimado, ou terminado o contrato sem
venda, devolverá esses bens no prazo ajustado (art. 534).

Há aqui um contrato bilateral, oneroso, real (pois se aperfeiçoa com a entrega da cosia consignada)
e comutativo.

Parcela da doutrina vai dizer que, na verdade, esse contrato não seria bilateral, pois quando ele nasce
apenas uma das partes tem a obrigação. Antes de nascer, o consignante entrega a coisa, mas quando termina
de entregar a coisa é que nasce o contrato estimatório, passando a apenas o consignatário a ter a obrigação
de pagar ou de devolver. Portanto, seria um contrato unilateral, mas oneroso.

Há um grande debate sobre a natureza jurídica da obrigação assumida pelo consignatário.

1ªC: Alguns autores vão entender que essa obrigação assumida por ele é alternativa. Isso se dá pelo
fato de poder escolher se ele devolve a coisa ou se ele paga o preço. Caio Mário, Tartuce, Lôbo e Samer.

2ªC: Outros dizem que a obrigação é facultativa, devendo ele pagar, mas caso não queira poderá
devolver. Maria Helena Diniz, Simão e Venosa entendem dessa forma.

O consignatário poderá devolver a coisa ou pagar. Isso é majoritário.

O consignante mantém a condição de proprietário da coisa. O art. 536 diz que a coisa consignada não
pode ser objeto de penhora ou sequestro pelos credores do consignatário, enquanto não pagar
integralmente o preço. Isso porque a coisa não é dele.

O art. 537 diz que o consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de lhe ser
comunicada a restituição. Isso quer dizer que há exigência de um comportamento de boa-fé, dentro do
esperado pelo consignante.

326
Findo o prazo do contrato, o consignante tem duas opções: cobrar o preço de estima ou promover a
ação de reintegração da posse, a fim de reaver o bem cedido. Lógico que isto se considerarmos a obrigação
alternativa.

Caso seja considerada obrigação facultativa, o único dever que o consignatário tem é de pagar a
coisa. Findo o prazo, o credor poderia apenas propor a ação de cobrança e não poderia propor a ação de
reintegração de posse.

Daí a importância de se definir se a obrigação é alternativa ou facultativa.

O art. 535 diz que o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da
coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

Percebe-se que deverá ter de pagar a coisa, já que não consegue devolver. Isso porque passa a ser
de sua responsabilidade.

IV. Doação

Doação é um contrato benéfico, unilateral e gratuito.

Só será admitido interpretação restritiva, conforme art. 114.

Em relação à doação com encargo (modal), entende-se que continua diante de um contrato
unilateral, mas unilateral imperfeito. Isso porque existe o encargo, mas este não constitui uma
contraprestação. O encargo é um ônus, mas que não tem o peso de uma contraprestação. Existe
entendimento em sentido diverso, mas este é o que prevalece.

A controvérsia existe em relação à aceitação do donatário. A aceitação do donatário é requisito


essencial do contrato de doação?

Maria Helena Diniz diz que a doação não se aperfeiçoa enquanto o donatário não manifestar a sua
aceitação.

Paulo Luiz Netto Lôbo vai dizer que a aceitação é simplesmente um elemento complementar, ligado
à eficácia da doação, não sendo elemento essencial da doação. Flávio Tartuce concorda com esse
entendimento, dizendo que a aceitação se encontra no plano da eficácia e não da validade.

O art. 539 diz que o doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a
liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não se manifeste dentro dele a declaração, entende-se
que a aceitou, desde que a doação seja pura, ou seja, não seja sujeita a encargo (modal).

Eventual silencia do doador traz uma presunção relativa de aceitação.

327
Inclusive, dispensa-se a aceitação expressa quando se tratar de doação pura, feita em favor de
absolutamente incapaz. É o que diz no art. 543.

A aceitação ainda pode ser tácita, na hipótese de doação feita em contemplação a casamento futuro.
Quando os nubentes se casam, há uma aceitação tácita. Pode ser feita de um nubente para eles, de um
terceiro em favor dos nubentes, aos filhos que no futuro casamento advierem, etc. Havendo casamento, há
uma aceitação tácita.

O art. 546 diz que, nessa situação, a celebração do casamento gera uma presunção de aceitação.

São características do contrato de doação o fato de ser um contrato consensual (aperfeiçoa com o
encontro de vontades), contrato formal (pode ser solene, escrito, e eventualmente até pode ser verbal).

A doação solene ocorrerá nos casos de doação de imóvel com valor superior a 30 salários mínimos.
A doação será formal e não solene, nos casos envolvendo casos de imóvel inferior ou igual a 30 salários
mínimos e nos bens móveis.

O art. 541, parágrafo único, diz que a doação de bens móveis e de pequeno valor poderá ser verbal
seguida da tradição.

a) Modalidades de doação

i. Doação remuneratória

A doação remuneratória é uma doação em forma de remuneração.

Tem como característica a retribuição de um serviço prestado pelo donatário. Mas vale lembrar que
este serviço originariamente não seria cobrado pelo donatário.

Ex.: doação de um automóvel feita ao médico que salvou a vida do doador. Neste caso, o carro vale
40 mil e a cirurgia feita pelo médico vale 30 mil, ainda que tenha sido gratuita. Mas em relação aos 10 mil é
que haverá a liberalidade. A lei diz que só há liberalidade na parte que excede o valor do serviço prestado.

A análise da doação remuneratória é interessante por 3 razões principais:

• cabe alegação de vício redibitório em relação ao bem doado, já que a doação é remuneratória.
• mesmo nos casos de ingratidão, as doações remuneratórias não podem ser revogadas.
• as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente não estão sujeitas à colação, não
devendo ser trazidas ao inventário.

ii. Doação contemplativa

328
A doação contemplativa (ou meritória) é baseada na condição pessoal do indivíduo, baseada no
merecimento do donatário.

O art. 540 diz que a doação contemplativa é aquela feita em contemplação a um merecimento do
donatário, de modo que esta não perde o caráter de liberalidade.

O doador declara expressamente quais os motivos da sua doação. Normalmente o doador leva em
consideração uma característica pessoal do donatário. Ex.: doam-se os livros ao professor, pois é um
excelente leitor e estudioso.

iii. Doação ao nascituro

O art. 542 diz que a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.

Será o representante legal que aceita a doação ao nascituro.

Na doação ao nascituro, o contrato está válido, mas a eficácia da doação depende do nascimento
com vida do donatário, estando em uma condição suspensiva. Portanto, se está diante de uma doação
condicional.

Entende-se possível a doação a uma prole eventual, nem ter sido concebida ainda. Este
entendimento é confirmado pelo art. 1.800, §4º, que diz que se, decorridos 2 anos após a abertura da
sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do
testador, caberão aos herdeiros legítimos.

O doador morreu, mas antes de morrer doou o bem a uma prole eventual. Se depois da morte,
passados 2 anos, a prole eventual não foi concebida, passa-se os bens aos herdeiros, objeto da doação.

iv. Doação sob forma de subvenção periódica

Subvenção periódica é dar a alguém algo periodicamente. Há aqui uma doação de trato sucessivo,
situação na qual o doador vai estipular rendas a favor do donatário (art. 545).

Em regra, terá como causa extintiva a doação sob forma de subvenção periódica a morte do doador
ou do donatário. Quem morrer primeiro extinguirá a doação.

Atente-se que a doação sob forma de subvenção periódica poderá ultrapassar a vida do doador, se
houver previsão contratual nesse sentido. Nunca vai ultrapassar a vida do donatário, tendo como
característica intuito personae.

v. Doação em contemplação de casamento futuro

329
A doação em contemplação de casamento futuro é aquela em que o sujeito diz que se João casar
com Maria, eles receberão um imóvel. É a denominada doação propter nuptias.

Essa doação é feita a pessoa certa e determinada, e portanto é uma doação condicional.

Esta doação pode ser feita entre os nubentes, por um terceiro que faça a um deles ou a ambos, ou a
favor dos filhos que nascerem àquele casamento.

v. Doação poderá ser de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges

A doação poderá ser de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges.

O art. 544 diz que as doações de ascendentes a descendentes e doação entre cônjuges importam em
adiantamento do que lhes cabe por herança. Há uma preocupação com a legítima.

Há uma presunção de que aquilo que foi recebido antes será adiantamento da herança. Então,
quando for aberto o inventário deverá ser trazido o bem ao processo.

No caso de doação de ascendentes a descendentes, os bens deverão ser colacionados ao processo


de inventário pelo descendente que recebeu o bem, sob pena de ser considerado sonegado, perdendo o
direito que tem sobre a coisa.

É possível que o doador dispense essa colação, caso em que o donatário não precisará trazer o bem
ao inventário.

A doação entre cônjuges é plenamente válida e possível, desde que o bem doado não seja integrante
de patrimônio comum do casal, como é o bem particular. O que não se admite é a doação de bem comum
do casal.

vi. Doação com cláusula de reversão

A doação com cláusula de reversão é aquela em que o doador estipula que os bens doados voltem
ao patrimônio do doador, caso ele sobreviva ao donatário.

O que há aqui é uma condição resolutiva expressa (art. 547).

Atente-se que não se pode estipular que, se o donatário morrer, os bens serão destinados a João,
pois estaria havendo pacta corvina, discutindo herança de pessoa viva.

Se o doador morrer antes do donatário, esta condição jamais ocorrerá, incorporando-se os bens
definitivamente ao patrimônio do donatário, pois a condição resolutiva não se implementará.

330
A cláusula de reversão não torna o bem inalienável, podendo o donatário alienar o bem. Mas se
alienar o bem e vier a falecer antes do doador, essa alienação é sem efeito perante o doador. Torna-se com
a implementação da condição resolutiva, conforme art. 1.359.

vii. Doação conjuntiva

A doação conjuntiva é aquela que conta com a presença de 2 ou mais donatários, havendo uma
obrigação divisível, e que será doado o bem para 2, 3 ou 4 donatários.

Há uma presunção relativa de divisão igualitária da coisa entre os donatários.

Em regra, não existe direito de acrescer entre os donatários. Ou seja, foi doado um bem a 4 pessoas,
mas um dos donatários morreu, agora a parte dele vai para os herdeiros, não havendo direito de acrescer
aos demais.

Isso é a regra, tendo em vista que o direito de acrescer poderá estar previsto no contrato, ou mesmo
em lei, conforme o art. 551, parágrafo único.

O art. 551, parágrafo único, traz o direito de acrescer legal quando os donatários forem marido e
mulher, caso em que, caso a mulher morra, passa tudo para o marido.

viii. Doação manual

A doação manual é a doação com a mão, situação em que há uma tradição imediata, tratando-se da
doação que se dá com a tradição.

Lembre-se que é o caso da doação verbal que se consuma com a tradição, sendo certo que se trata
de coisa de pequeno valor (art. 541, parágrafo único).

ix. Doação inoficiosa

A doação inoficiosa é aquela prevista no art. 549, a qual estabelece que é nula a doação quanto à
parte que exceder o limite de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

É a doação que prejudica a legítima.

Não é toda doação que é considerada nula, atingindo somente a parte que exceder à legítima.

Ex.: João tem um patrimônio de 1 milhão de reais, tendo 79 anos e dois filhos. Arrumou uma
namorada de 18 anos, decidindo doar a ela 700 mil reais. João não poderia doar 700 mil, pois 50% do seu
patrimônio integra a legítima. Portanto se doou 700 mil, considera-se 200 mil nulos, angariando 500 mil.

331
Segundo o STJ, aplicam-se às pretensões declaratória de nulidade de doações inoficiosas o prazo
prescricional de 10 anos para o ajuizamento dessa ação.

A ação só pode ser proposta por quem é interessado na declaração de nulidade, ou seja, pelos
herdeiros do doador.

x. Doação universal

A doação universal é a doação do universo de bens.

O art. 548 diz que é nula a doação de todos os bens sem a reserva do mínimo para a sobrevivência
do doador.

Portanto a doação universal é vedada, caso não haja reserva para sobrevivência do doador.

Há a consagração do estatuto do patrimônio mínimo do Ministro Luiz Edson Fachin.

É preciso fazer uma leitura adequada do art. 548, chegando a conclusão de que poderá a pessoa doar
todo o seu patrimônio, desde que faça reserva de usufruto ou de rendas a seu favor.

Ex.: sujeito doa o seu único apartamento com a cláusula de usufruto de que os valores do aluguel
serão dele.

xi. Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice

O art. 550 diz que a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice na traição é anulável, desde que
proposta a ação anulatória pelo outro cônjuge ou pelos herdeiros necessários, até 2 anos após a dissolução
da sociedade conjugal. Essa dissolução vem com a separação judicial ou divórcio.

Esse dispositivo não pode ser aplicado quando o doador vive em união estável com o donatário. Isto
ocorre quando o doador está separado de fato do cônjuge.

xii. Doação a entidade futura

Doação a entidade futura ocorre quando a entidade irá existir.

A doação feita por uma pessoa a uma pessoa jurídica que ainda não existe, condicionando a eficácia
da doação à regular constituição dessa sociedade é a doação a entidade futura.

Caso a entidade não seja constituída no prazo de 2 anos, a contar da doação, caducará a doação.

b) Promessa de doação

332
Existe uma discussão se é possível um contrato preliminar de doação, o qual será unilateral sobre
uma liberalidade futura.

Uma das partes compromete-se a celebrar um contrato de doação no futuro.

Tartuce entende que é possível. Admitida a validade e eficácia do negócio, o futuro beneficiário, que
tem um contrato preliminar a seu favor, terá o direito de exigir o cumprimento dessa promessa.

c) Revogação da doação

A revogação da doação é uma forma de resilição unilateral, por conta da perda da confiança.

É reconhecido esse instituto como um direito potestativo em favor do doador.

A revogação poderá se dar por 2 motivos:

• Ingratidão do donatário
O art. 556 proíbe que exista a renúncia prévia do doador ao direito de revogar a doação por
ingratidão. Isso não impede que, tendo ocorrido o ato de ingratidão, ainda assim não revogue. O
que não pode é renunciar previamente.
O art. 557 traz um rol exemplificativo de casos que podem motivar a revogação por ingratidão:
o donatário atentou contra a vida do doador: se conseguir consumar a morte do doador,
quem terá legitimidade será os seus herdeiros.
o donatário atentou fisicamente contra o doador
o donatário injuriou gravemente o doador ou se caluniou
o se, podendo ministrar alimentos ao doador, o donatário tenha se recusado a prestar
o quando o donatário causar uma das hipóteses acima em face do cônjuge, ascendente,
descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.
O art. 561 diz que, no caso de homicídio doloso do doador, a ação caberá aos seus herdeiros,
exceto se aquele houver perdoado. A única opção de perdoar o donatário no caso de ter sido
morto pelo donatário, é o caso em que tenha sido vítima da tentativa de homicídio e ter sido
internado no hospital, momento em que, em sã consciência, perdoou o donatário, e
posteriormente viesse a morrer. Neste caso, obviamente não caberia a revogação da doação.
A revogação por ingratidão não vai prejudicar direitos adquiridos por terceiros, e nem vai obrigar
o donatário a restituir frutos que percebeu antes da citação válida da ação que intenta a
revogação da doação. Antes da citação ele é possuidor de boa-fé, então o adquirente terceiro de
boa-fé e os frutos percebidos não devem ser restituídos. Se o donatário já alienou o bem terá o
direito do valor da coisa alienada.
Existem casos em que não se admite a revogação por ingratidão, como é o caso de:

333
o doação puramente remuneratória: somente admite-se a revogação naquilo que exceder a
prestação do serviço, ou seja, na parte da liberalidade;
o doação com encargo quando já cumprido o encargo: também não podem ser revogadas as
doações com encargo quando já cumprido o encargo.
o doação relacionada com o cumprimento de uma obrigação natural: apesar de não existir
responsabilidade, existe débito, não cabendo a revogação.
o doação propter nuptias: não caberá a revogação de doação no caso de doação em
contemplação de casamento futuro.
O prazo para revogação da doação, segundo o art. 559, deverá ser pleiteada no prazo de 1 ano,
a contar de quando chegue o conhecimento do doador o fato que autoriza ao doador o fato que
autoriza a revogação da doação, e chegue ao seu conhecimento de que o autor daquele fato é o
donatário, começando a contar esse prazo de 1 ano. Como a ação de revogação é constitutiva
negativa, esse prazo é decadencial.

• Inexecução do encargo ou modo para executar


No caso de revogação da doação por inexecução do encargo, apesar de existir uma certa
controvérsia, é majoritário o entendimento de que o prazo para revogação da doação por
descumprimento de encargo é prescricional de 10 anos, pois teria ocorrido a violação ao direito
subjetivo do doador de ver cumprido o encargo.

O art. 560 diz que o direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador e nem
prejudica os herdeiros do donatário.

A verdade é que o direito de revogar a doação se transmite aos herdeiros do doador se a ação já foi
iniciada. O direito de revogar não foi transmitido ao herdeiros do doador, mas sim a possibilidade de
prosseguir a ação que foi iniciada pelo doador visando a revogação da doação. Portanto, eles poderão
continuar contra o donatário, inclusive continuar contra os herdeiros do donatário, caso ele venha a falecer
depois do ajuizamento do pleito revogatório.

A respeito da revogação da doação onerosa, por inexecução do encargo, não se pode confundir o
legitimado da revogação da doação com os legitimados para exigir a execução do encargo, que pode ser o
doador, terceiro ou até o Ministério Público, caso o encargo tenha interesse geral.

Não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar o donatário judicialmente para
que dentro de um prazo razoável cumpra a obrigação (art. 562). Após o decurso do prazo, poderá começar
o prazo para doação.

V. Locação de coisas no Código Civil

334
O contrato de locação é um contrato por meio do qual uma das partes se obriga a ceder a outra parte
por um tempo o uso e gozo de uma coisa infungível, por meio de uma certa remuneração que é denominado
aluguel.

A primeira característica é que é um contrato bilateral, contrato oneroso (existe remuneração, ou


seja, o sacrifício por ambas), contrato comutativo (as partes já sabem as suas prestações), contrato
consensual (aperfeiçoa-se com o encontro das vontades), contrato informal (não depende de forma escrita
e nem escritura pública) e é um contrato de execução continuada ou de trato sucessivo.

O Código Civil trata da locação de bens móveis e bens imóveis.

Em relação aos bens imóveis, o CC tratará das locações que não estejam sujeitas à Lei 8.245/91, a
qual trata da locação de imóveis urbanos, levando em consideração a destinação desse imóvel. Se o imóvel
for destinado à residência, indústria, comércio e para prestação de serviços, será regido pela Lei 8.245/91.

E se for destinado para outros fins, será regido para outros fins, como agricultura, pecuária,
extrativismo, etc., incidindo o Estatuto da Terra ou o Código Civil.

Além disso, o art. 1º da Lei de Locações excluiu alguns imóveis do âmbito de aplicação, como imóveis
públicos (Lei 8.666), vagas autônomas de garagem, espaços publicitários, locação de espaços de apart-hotel,
flats, equiparados (CC e CDC), arrendamento mercantil e leasing (resoluções do BACEN).

O que se percebe é que o Código Civil tem uma aplicação reduzida em relação aos imóveis.

a) Deveres das partes numa locação

O locador é obrigado a:

• entregar ao locatário a coisa com todas as suas pertenças e condições de ser utilizadas
• manter o bem no estado de utilização pacífica pelo locatário
• se ocorrer a deterioração da coisa no prazo da locação e não sendo essa deterioração culpa do
locatário, poderá ele propor a redução do aluguel, ou até mesmo resolver o contrato, pois a coisa
não lhe serve mais (art. 567).
• resguardar o locatário contra turbações e esbulhos cometidos por terceiros. Tanto o locador
quanto o locatário serão legitimados para ações possessórias.

O locatário é obrigado a (art. 569):

• servir-se da coisa alugada para seus usos convencionados ou presumidos conforme a natureza
da coisa
• pagar pontualmente o aluguel

335
• levar ao conhecimento do locador as turbações feitas por terceiros
• restituir a coisa no estado em que há recebeu, salvo as deteriorações naturais da coisa

O art. 571 diz que se a locação for estipulada com prazo fixo, antes do vencimento prazo não poderá
ser reavida pelo locador, salvo se o locador indenizar o locatário pelas perdas e danos resultantes da quebra
contratual. Neste caso, o locatário terá o direito de retenção do bem até que haja o seu pagamento.

Da mesma forma, o locatário somente pode devolver a coisa antes do pactuado pagando a multa
prevista no contrato, proporcionalmente ao tempo que restar para o término daquele contrato.

O art. 572 vai dizer que a multa ou a obrigação de pagar o aluguel pelo tempo que restar do contrato,
se ela constituir uma obrigação excessiva, poderá o juiz reduzi-la em bases razoáveis.

Se a locação é por prazo determinado, cessará de pleno direito com o esgotamento do prazo.

Findo o prazo da locação, se o locatário continuar na posse da coisa alugada e o locador não se opor.
Neste caso, presume-se que a locação tenha sido prorrogada pelo tempo indeterminado e com o mesmo
valor de aluguel (art. 574).

Nessas circunstâncias, a qualquer tempo, poderá o locador notificar o locatário para que ele restitua
ao locador o bem. É a denominada denúncia vazia, resilição unilateral.

Se a coisa, objeto de locação, foi alienada pelo locador, havendo um novo proprietário, este não é
obrigado a respeitar o contrato, pois o contrato só vale entre as partes.

Todavia, se o contrato, estando em sua vigência, por prazo determinado, tenha uma cláusula de
vigência no caso de alienação, e esta cláusula conste no registro de imóveis ou no cartório de títulos e
documentos, situação na qual terá eficácia perante terceiros.

Nos casos envolvendo imóvel, caso o novo locador não esteja obrigado a respeitar o contrato, não
poderá simplesmente despejar o locatário, devendo observar o prazo de 90 dias para o locatário desocupar
o bem, situação na qual começará a contar o prazo de notificação, visando a desocupação do imóvel.

Em relação às benfeitorias, o locatário tem direito de retenção quanto às benfeitorias necessárias,


até ser indenizado por ela.

Em relação às benfeitorias úteis, terá direito de retenção se a implementação delas tenha sido
autorizada pelo locador.

O STJ vai trazer a Súmula 335 que vai dizer que nos contratos de locação é válida a cláusula de
renúncia às benfeitorias e ao direito de retenção.

336
VI. Empréstimo: comodato e mútuo

O contrato de empréstimo é um negócio jurídico pelo qual uma pessoa entrega uma coisa a outra
pessoa e de forma gratuita, situação na qual essa pessoa se obriga a devolver a coisa emprestada ao final do
contrato.

Se esta coisa for consumível, esta coisa deverá ser restituída na mesma espécie e na mesma
quantidade.

Há duas espécies de contrato de empréstimo:

• comodato: empréstimo de bem infungível.


• mútuo: empréstimo de bem fungível.

Os dois contratos de empréstimos, além de serem gratuitos e unilaterais, ou seja, benéficos, como
regra, também são comutativos e informais, e reais, percebendo a características de unilateralidade.

a) Comodato

O comodato, que é o empréstimo de bem infungível, pode ter por objeto tanto bens móveis como
imóveis.

A parte que empresta é o comodante e a parte que recebe é o comodatário.

O contrato é baseado na confiança. Por isso o contrato é intuito personae.

A doutrina aponta a possibilidade de comodato de bens fungíveis, desde que esses bens sejam
utilizados para enfeites ou para ornamentação. Trata-se do comodato ad pompam vel ad ostentationem.
Quer dizer que, por convenção das partes, um bem que, por sua natureza é fungível, acaba se tornando
infungível.

O art. 580 diz que tutores, curadores e administradores de bens alheios em geral não podem dar em
comodato, sem autorização especial, dos bens que estão sob sua guarda.

O contrato de comodato é temporário, pois do contrário seria doação. Esse prazo pode ser
determinado ou indeterminado.

Caso seja indeterminado, presume-se que o prazo é aquele para o uso a que se destinou o
empréstimo. Neste caso, não pode o comodante, salvo necessidade urgente e imprevista, assim reconhecida
pelo juiz, suspender o uso ou gozo da coisa emprestada antes do cumprimento do fim a que se propôs.

Esta regra também vale para o comodato com prazo determinado, visto que, antes do prazo, o
comodante não pode reaver a coisa, salvo necessidade e urgência imprevistas.

337
A parte final do art. 582 do CC diz que o comodatário constituído em mora, além de por ela
responder, irá pagar até restituí-la o aluguel da coisa, que será aquele arbitrado pelo comodante. É um
aluguel-pena.

O STJ entende que esse aluguel é uma verdadeira pena privada e não será tido como indenização
pela ocupação. O objetivo aqui coagir o comodatário a fim de que ele restitua o mais rapidamente possível
a coisa emprestada.

Se houver um arbitramento exagerado, poderá ser objeto de controle judicial. Segundo o STJ, o
aluguel-pena não pode ser superior ao dobro do valor do aluguel cobrado em média pelo mercado.

A primeira parte do art. 582 diz que o comodatário é obrigado a conservar, como se sua fosse sua,
não podendo usar a coisa emprestada em desacordo com o que prevê o contrato de comodato ou da própria
natureza da coisa. Se assim o fizer, responderá poder perdas e danos.

O art. 583 diz que, se caindo em risco a coisa emprestada, o comodatário deixar de salvar essa coisa
para salvar coisa própria, responderá pelo dano ocorrido na coisa objeto do comodato, ainda que este dano
seja fruto de caso fortuito ou força maior.

O comodatário não pode recobrar do comodante despesas que ele teve para usar e gozar da coisa
emprestada (art. 584).

Havendo pluralidade de comodatários, haverá responsabilidade solidária entre eles (art. 585). É um
caso de solidariedade passiva legal.

b) Mútuo

O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, havendo de um lado o mutuante (cede a coisa) e do


outro o mutuário (recebe a coisa).

Em regra, é um contrato unilateral, real (aperfeiçoa-se com a entrega da coisa), gratuito (exceção ao
mútuo feneratício), comutativo, temporário e informal.

Exemplo é o empréstimo de dinheiro.

O mútuo somente pode ter por objeto bens móveis, pois só recai sobre bens fungíveis, e todos os
bens imóveis são infungíveis.

Como a coisa é transferida para outrem e este outrem a consome, devolvendo uma nova coisa com
o mesmo gênero, mesma qualidade e com a mesma quantidade, é forçoso convir que este contrato é
translativo da propriedade, pois transfere o domínio da coisa empresada ao mutuário. Portanto, por conta
do mutuário correrão todos os riscos da coisa, desde o momento da tradição.

338
O art. 590 diz que o mutuante pode exigir do mutuário uma garantia real ou fidejussória, se antes do
vencimento do contrato o mutuário sofrer uma notória mutação na sua situação econômica.

Caso o mutuário não atenda essa solicitação do mutante para constituir uma garantia real ou
fidejussória, haverá neste caso o vencimento antecipado da dívida.

Em regra, o mútuo, quando feito a um menor de idade, a lei vai dizer que se for feito a um menor
sem autorização do seu representante, não poderá ser reavido do mutuário, e nem mesmo dos seus fiadores,
pois o mútuo foi feito a um menor sem autorização do representante (art. 588).

Esta regra comporta exceções. O art. 589 diz que não se aplica a regra do art. 588 quando:

• a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar


posteriormente;
• o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus
alimentos habituais;
• se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não
lhes poderá ultrapassar as forças;
• se o empréstimo reverteu em benefício do menor;
• se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.

i. Mútuo oneroso (mútuo feneratício)

O mútuo poderá ser oneroso, tratado no art. 591.

Segundo esse artigo, destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os
quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização
anual.

Ou seja, o mútuo feneratício está limitado a 1% ao mês.

No entanto, a jurisprudência superior entende pacificamente que entidades bancárias não estão
sujeitas a esse limite, pois não se sujeitam à Lei de Usura.

Há inclusive a edição de 3 súmulas sobre o tema:

• Súmula 382: a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica
abusividade.
• Súmula 379: nos contratos bancários, não regidos por legislação específicas, os juros moratórios
podem ser convencionados até o limite de 1% ao mês, mas são os contratos bancários não
regidos por legislação específica. Essa súmula atinge as empresas de factoring.

339
• Súmula 530: nos contratos bancários, na impossibilidade de se comprovar a taxa de juros
efetivamente contratada, por não ter sido juntado o instrumento de pactuação aos autos, será
aplicada a média de mercado divulgada pelo BACEN, salvo se a taxa cobrada pelo banco for mais
vantajosa para o consumidor.

O art. 592 do CC traz os prazos do contrato, caso não haja previsão no instrumento do mútuo. No
caso de mútuo de produtos agrícolas, tanto para consumo quanto para semeadura, presume-se o prazo até
a próxima colheita.

No caso de empréstimo de dinheiro, o prazo é de 30 dias, contados da sua celebração, caso não haja
previsão.

Nos demais casos, coisa fungível presume-se o prazo que declarar o mutuante de qualquer forma.
Esse prazo será fixado por aquele que emprestou a coisa por meio de interpelação judicial feita ao
mandatário, o que não obsta que o magistrado venha a aumentar esse prazo efetivamente, a depender das
circunstâncias evidenciadas.

V. Prestação de serviço

É um negócio jurídico através do qual alguém (prestador) se compromete a realizar uma determinada
atividade, a qual é exercida no interesse de uma outra pessoa (tomador).

Mas essa pessoa que se compromete por meio de outrem é denominado remuneração.

Há aqui um contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo e informal. Bilateral, pois há pessoas
que vão prestar de ambos os lados. Consensual, pois se aperfeiçoa com acordo de vontades. Comutativo,
pois ambas as partes prestam alguma coisa. Informal, pois pode ser oral, escrito, ou seja, não depende de
forma escrita.

a) Regras da prestação e serviço no CC/02

O art. 594 diz que toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser
contratado mediante remuneração.

Percebe-se que a prestação de serviço deve ser de um serviço lícito. A licitude deve ser analisado em
sentido amplo, bastando que haja uma contrariedade à função social do contrato, à boa-fé, função
econômica, etc. Dessa forma, o contrato, pelo menos em alguma parte, será nulo.

Se a remuneração não estiver sido estipulada ou não tiver acordo entre as partes, a fixação dessa
remuneração será feita por arbitramento, levando em conta os costumes do local, tempo de serviço e
qualidade do serviço executado, e impedindo o enriquecimento sem causa das partes.

340
O art. 597 diz que a retribuição será paga depois de prestado o serviço, se não houver uma
convenção ou costume que disponha de forma diversa, ou seja, que o pagamento será adiantado ou que o
pagamento será em prestações.

O art. 598 diz que prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de 4 anos. É um teto,
pois não poderá ter caráter perpétuo.

Se houver um contrato em que o prazo da prestação de serviço é fixada em um período superior a 4


anos, o contrato deverá ser reputado extinto em relação ao excesso. Preserva-se o contrato, mas naquilo
que ultrapassar 4 anos, será considerado extinto.

O CJF trouxe um enunciado estabelecendo que, nos contratos de prestação de serviço, nos quais haja
de um lado e de outro empresários, e sendo a função econômica relacionada à exploração de uma atividade
empresarial, as partes podem convencionar um prazo superior ao prazo de 4 anos. Este prazo de 4 anos não
será aplicado quando houver um contrato firmado entre duas pessoas jurídicas no exercício de atividade
empresarial. Flavio Tartuce discorda.

b) Extinção do contrato de prestação de serviço

O art. 599 diz que, sendo o negócio da prestação de serviço celebrado sem prazo, não podendo o
elemento temporal ser retirado de sua natureza ou do costume do lugar, pode qualquer uma das partes,
mediante aviso prévio, resolver o contrato.

O parágrafo único do art. 599 vai consagrar prazos para essa denúncia do contrato:

• aviso com antecedência de 8 dias, se o salário se houver fixado por tempo de um mês, ou mais;
• aviso com antecipação de 4 dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou quinzena;
• aviso de véspera, quando se tenha contratado por menos de sete dias.

Decorre esses prazos da boa-fé objetiva e do direito de informação.

O prestador de serviço contratado por um tempo certo ou contratado por uma obra determinada,
deverá cumprir esse prazo, não podendo se ausentar ou se despedir sem justa causa.

Do contrário, apesar de ter direito à retribuição daquilo que prestou, deverá pagar perdas e danos
ao tomador (art. 602).

Isso vai se valer na hipótese de o prestador ter sido demitido por justa causa, visto que neste caso
está sendo despedido por uma falha dele. Terá direito à retribuição, mas deverá pagar uma indenização ao
tomador.

341
Por outro lado, se o prestador de serviço for demitido sem justa causa, o tomador deverá pagar, além
da retribuição vencida, a metade dos valores que teria direito até o termo final do contrato.

O art. 605 do CC vai dizer que o tomador não pode transferir para outra pessoa o direito aos serviços
ajustados. E o prestador não pode, sem a concordância com tomador, se substituir por outra pessoa. Há aqui
a consagração de que a prestação de serviço tem o caráter intuito personae.

A prestação de serviço é um negócio personalíssimo, motivo pelo qual, se uma das partes morre, o
contrato também será extinto. Também se extingue o contrato de prestação de serviços pelo escoamento
do prazo, se tiver prazo determinado; pela finalização da obra, se for uma obra certa; pela rescisão do
contrato, se tiver aviso prévio; por inadimplemento de uma das partes; pela impossibilidade de
continuidade do contrato por motivo de força maior.

c) Tutela externa do contrato

O art. 608 consagra a denominada tutela externa do crédito, estabelecendo que aquela pessoa que
aliciar outra pessoa que estava obrigada em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a
importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante 2 anos.

Quem chega para aliciar a pessoa que está contratada por outrem para prestar o serviço vai pagar a
outra pessoa o valor que esse prestador teria direito durante 2 anos em face dessa outra pessoa. Há uma
fixação de uma indenização contra um terceiro que interfere numa relação contratual que não celebrou.

Por isso, tutela externa do contrato, pois há responsabilização do terceiro que desrespeitou o
contrato. Há uma exceção muito clara ao princípio da relatividade.

d) Prestação de serviço agrícola

O art. 609 estabelece que a alienação do prédio agrícola, onde a prestação dos serviços se opera,
não importa a rescisão do contrato, ressalvando-se ao prestador opção entre continuar esse contrato com
o adquirente da propriedade ou com o primitivo contratante.

A pessoa que comprou a propriedade agrícola deverá continuar com o sujeito que está prestando o
serviço até o término do serviço. Há aqui uma obrigação que assume uma eficácia real perante o adquirente
do prédio agrícola, pois terá de perceber esse contrato em relação à pessoa que nem participou.

Trata-se de uma exceção ao princípio da relatividade.

VI. Contrato de empreitada

Alguns dizem que é uma espécie de prestação de serviço.

342
A empreitada é o contrato por meio do qual uma das partes (empreiteiro) vai se obrigar a fazer ou
mandar fazer determinada obra mediante remuneração. Esta obra será feita em favor de outra pessoa, que
é denominado de tomador ou dono da obra.

A doutrina diz que são 3 as modalidades de empreitada, conforma art. 610:

• empreitada sob administração: o empreiteiro apenas administra as pessoas que foram


contratadas pelo dono da obra.
• empreitada sob mão de obra: o empreiteiro fornece a mão de obra, sendo o material fornecido
pelo dono da obra. Neste caso, o empreiteiro não apenas gerencia, mas contrata as pessoas.
• empreitada mista ou de lavor e materiais: o empreiteiro fornece a mão de obra e também os
materiais, se comprometendo a executar a obra inteira. Há aqui uma obrigação de resultado. Por
isso, é o empreiteiro que contrata o pessoal e fornece os materiais.

Há aqui um contrato bilateral, oneroso, comutativo, consensual e informal.

a) Regras da empreitada no CC/02

O art. 611 diz que na hipótese de o empreiteiro fornecer os materiais (empreitada mista), correrão
por conta do empreiteiro os riscos até o momento de entrega da obra. Se o dono da obra estiver em mora
para receber a obra, os riscos serão por conta do dono da obra.

O art. 612 diz que se o empreiteiro só forneceu a mão de obra, todos os riscos pelos quais ele não
tenha culpa correrão por conta do dono da obra. Quando a empiteirada é de mão de obra apenas, a obrigação
do empreiteiro passa a ser uma obrigação de meio, e não de resultado, ao contrário da empreitada de lavor
e materiais.

Sendo a empreitada de mão de obra, se a coisa perece antes de ser entregue e não há mora do dono
ou culpa do empreiteiro, ele não responderá, mas também não terá direito à retribuição, pois não houve
culpa do prestador e do tomador.

Mas se o empreiteiro comprovar que a coisa pereceu por conta dos defeitos dos materiais fornecidos
pelo dono da obra, e que ele reclamou tempestivamente contra aquela quantidade de materiais ou contra
aquela qualidade de materiais. Nesse caso, o código diz que há direito sim a retribuição.

O art. 618 diz que, nos contratos de empreitada de edifício, ou de outras construções consideráveis,
o empreiteiro de materiais e de lavor responderá pelo prazo irredutível de 5 anos pela solidez e pela
segurança do trabalho. Isso em razão dos materiais ou do solo, por exemplo. Aqui há um prazo de garantia
legal.

343
Haverá decadência do direito do dono da obra se não propuser a ação contra o empreiteiro, nos 180
seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

Em relação ao prazo para pleitear indenização por descumprimento de contrato, e tendo isso
causado prejuízo (responsabilidade civil contratual), o STJ entende que há um prazo de 10 anos.

Concluída a obra, de acordo com o ajustado, o dono da obra é obrigado a receber essa obra.

Poderá o dono da obra rejeitar quando o empreiteiro tiver se afastado das suas instruções, ou de
seus planos dados a ele, ou se tiver se afastado das regras técnicas para construção.

Eventualmente, poderá o dono da obra requerer que haja o abatimento proporcional do preço
contratado. Isso se o serviço não tiver sido prestado a contento, evitando um enriquecimento sem causa de
quem prestou o serviço (art. 616).

Em relação ao pagamento da remuneração, o art. 614 vai dizer que se a obra constar de partes
distintas (ex.: 10 salas de um prédio comercial, e ele vai reformar as 10), ou for obra em que se determina
por medidas, o empreiteiro tem direito de receber ou de exigir o pagamento na proporção em que a obra
foi executada.

O preço da empreitada pode ser estipulado pela obra inteira, denominando-se preço global.

O art. 614, §1º, cria uma presunção relativa, dizendo que tudo o que foi pago presume-se verificado.

No §2º, o CC estabelece que o que se mediu presume-se verificado se, em 30 dias, a contar da
medição, não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver incumbido da
sua fiscalização. Essa presunção exige dois comportamentos: comissivo (medir a obra) e omissivo (ausência
de denúncia da obra no prazo de 30 dias, situação na qual caso não seja denunciado haverá presunção de
que foi verificado e que está de acordo com o projeto).

O art. 619 trata da denominada empreitada com preço fixo. Essa empreitada pode ser por preço
fixado absoluto ou por preço fixo relativo.

O empreiteiro que se compromete a executar uma obra inteira, conforme o plano que foi aceito, terá
ele direito de receber a prestação que ele convencionou, mas não terá direito de acréscimo do preço, pois
houve uma empreitada com preço fixo absoluto.

Agora, se forem introduzidas modificações no projeto, a não ser que resultem de instruções escritas
pelo dono da obra, haverá a possibilidade de ser acrescido um valor ao preço fixo originariamente fixado.

344
Eventualmente, ainda que não exista autorização escrita do dono da obra, será este obrigado a pagar
o empreiteiro todos os aumentos, se o dono da obra estiver sempre presente na obra, e ele não podia ignorar
o que estava sendo feito no local, não tendo jamais protestado com o que estava ocorrendo.

Neste caso, ainda que não tenha dado instruções escritas, o parágrafo único do art. 619 diz que
deverá o dono da obra pagar. Trata-se de aplicação da boa-fé. Haveria uma autorização tácita.

Se houver uma diminuição do preço do material ou mesmo da mão de obra, que seja superior a 10%
do preço global convencionado, poderá o valor do preço global ser revisto, se houver pedido do dono da
obra nesse sentido.

A execução da obra poderá ser transferida a um terceiro. Quando o código autoriza a empreitada de
mão de obra, que há uma sub-empreitada, há uma exceção. Ao contrário da prestação de serviços, que tem
caráter personalíssimo, a empreitada pode ser cedida a outrem.

Essa sub-empreitada pode ser total ou parcial.

Mesmo depois de iniciada a construção, o dono da obra pode suspender essa construção. Isso desde
que pague ao empreiteiro as despesas que o empreiteiro teve, o lucro que o dono da obra já experimentou
pelo serviço já feito e ainda uma indenização razoável por suspensão da obra.

O art. 625 autoriza a suspensão da obra, situação na qual será autorizada a suspensão da obra nas
seguintes hipóteses:

• suspensão da obra por culpa do dono


• suspensão da obra por motivo de força maior;
• suspensão da obra quando, no decorrer dos serviços, forem manifestadas dificuldades
imprevisíveis de execução do serviço, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras
semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se
opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços;
• suspensão da obra se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza,
forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o
acréscimo de preço.

Como dito, o contrato de empreitada não é personalíssimo, tanto que o art. 626 afirma que o
contrato de empreitada não se extingue pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em
consideração às qualidades pessoais do empreiteiro.

VII. Contrato de depósito

345
O contrato de depósito traz um depositário, que recebe um objeto móvel e corpóreo para guarda,
até que o depositante reclame desse objeto.

O objeto pode ser classificado como:

• depósito voluntário: há o depósito por vontade do depositante.


• depósito necessário: há o depósito por imposição.
o depósito necessário legal: decorre da lei.
o depósito necessário miserável: decorre de uma calamidade pública.

Em relação ao objeto do depósito, poderá ser classificado em:

• depósito regular: o objeto é uma coisa infungível.


• depósito irregular: o objeto é uma coisa fungível.

O contrato de depósito, em regra, é unilateral e gratuito. Mas é possível que seja bilateral e oneroso.

Percebe-se que há depósito oneroso em guarda de cofre de banco. Nesse caso, este depósito é
remunerado, apesar de que, via de regra, o contrato ser gratuito.

O contrato de depósito é comutativo e é personalíssimo, pois se confia na pessoa que guarda a coisa.

O contrato de depósito é real, aperfeiçoando-se com a entrega da coisa.

O art. 646 diz que o depósito voluntário se prova por escrito. Não quer dizer que o contrato seja
formal, mas sim formal, pois para sua celebração não necessita da forma escrita. Para o depósito ser provado,
deverá ele estar escrito. O dispositivo trata da prova da existência do contrato de depósito, e não da sua
existência em si. Para sua eficácia perante terceiros, talvez seja necessário a prova escrita para provar a sua
existência.

O contrato de depósito não se confunde com o comodato, apesar de ambos, via de regra, serem
gratuito. A diferença é que o comodatário goza e utiliza da coisa, enquanto o depositário apenas guarda a
coisa.

a) Regras quanto ao depósito voluntário

O depósito é voluntário porque as partes acordaram nesse sentido. No caso do depósito voluntário,
o depositário é obrigado a ter a guarda do bem. Além disso, é obrigado a ter em relação à coisa o mesmo
cuidado que teria com uma coisa que lhe pertence.

346
Ainda, o depositário tem o dever de restituir a coisa com todos os frutos e acrescidos que ela
experimentou (art. 629). Isso porque o depositário não goza da coisa, motivo pelo qual deverá devolver a
coisa com os frutos gerados durante o período.

Se a coisa tiver sido depositada em benefício de um terceiro, sendo notificado o depositário disso,
não poderá o depositário se exonerar restituindo a coisa a este, sem consentimento do terceiro.

Ainda que o contrato fixe um prazo para restituição, o depositário ainda assim deverá entregar a
coisa logo que ela for exigida pelo depositante.

Mas o art. 636 também excepciona a regra, estabelecendo que o depositário não é obrigado a
devolver a coisa quando:

• tiver direito de retenção por conta das despesas para conservação da coisa em razão dos
prejuízos que experimentou em razão do depósito.
• o objeto foi judicialmente embargado;
• sobre objeto pendeu uma execução notificada ao depositário
• houver uma suspeita fundada de que a coisa foi dolosamente obtida, requerendo o depositário
que a coisa seja depositada em depósito público.

O contrato de depósito é personalíssimo, pois se baseia na confiança. Dessa forma, conclui-se que a
morte do depositário ou do depositante implica extinção do contrato.

O CC reconhece a possibilidade de o depósito voluntário ser feito de forma conjunta, tendo dois ou
mais depositantes. Se for divisível a coisa depositada, quando for o momento de devolução da coisa, o
depositário irá entregar a cada um dos depositantes a sua respectiva parte, salvo se houver entre os
depositantes solidariedade. Neste caso, o depositário poderá entregar a coisa toda a um dos depositantes.

O contrato de depósito não traz a possibilidade de uso da coisa. Se houver o uso da coisa, haverá
motivo suficiente para resolução do contrato, já que o depositário serviu-se da coisa ou alienou a coisa sem
expressa autorização do depositante.

A exceção existe quando o depositante autoriza o uso da coisa, ou quando permita que uma
terceira pessoa use a coisa. Nesse caso, o depositário será responsável se houver prejuízo pela utilização da
coisa pelo terceiro que o depositário escolheu, visto que a lei presume que tenha havido culpa na escolha do
terceiro (art. 640, parágrafo único).

O depositário não responde por caso fortuito ou força maior. A sua responsabilidade é subjetiva,
mesmo sendo o contrato gratuito.

O depositário tem a obrigação de restituir a coisa assim que o depositante reivindicar.

347
Por outro lado, o depositante também tem obrigações no contrato de depósito, mesmo que gratuito,
sendo obrigado a pagar ao depositário as despesas para conservação da coisa e os prejuízos que o depositário
experimentou com o depósito, visto que não se permite enriquecimento sem causa. Neste caso, poderá
haver direito de retenção do depositário caso não seja ressarcido.

b) Depósito necessário

Maria Helena Diniz diz que são 3 as espécies de depósito necessário:

• depósito legal: decorre da lei.


• depósito miserável: decorre de calamidade.
• depósito do hospedeiro: o hospedeiro é o depositário das bagagens dos hóspedes, de forma que
os hospedeiros respondem como depositários se houver a perda da bagagem dentro do hotel.

Em regra, o depósito necessário não se presume gratuito, diferentemente do voluntário.

Não se admite que haja a prisão civil do depositário infiel, pois o Pacto de San José da Costa Rica tem
eficácia supralegal e não admite essa prisão.

VIII. Mandato

O mandato é o contrato pelo qual o mandante vai transferir poderes a outrem, denominado
mandatário, e esse poder é transferido para que o mandante exerça determinados atos ou que administres
interesses do mandante.

O art. 654 diz que todas as pessoas capazes são aptas a dar procuração por instrumento particular,
tendo validade, desde que haja assinatura do mandante.

Mandato é o contrato e procuração é o instrumento através do qual o mandato se materializa. O


instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e
do outorgado, a data da outorga e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes
conferidos ao outorgado.

O mandado é um contrato unilateral, pois é o mandatário que assumirá as obrigações, via de regra.

A vontade das partes ou a natureza profissional do outorgado, poderá converter o mandato em


contrato bilateral imperfeito, que ocorre quando o mandatário tiver direito a remuneração.

Presume-se que o mandato é gratuito, quando se está diante de um mandato civil, mas quando se
estiver diante de um contrato empresarial, esta representação será oneroso.

348
Em relação ao mandato oneroso, há a regra de que o mandatário deve retribuir a remuneração
acordada pelas partes ou a remuneração prevista em lei. Se a lei e o contrato forem omissos, o valor da
remuneração do mandatário será determinada pelos usos do lugar. Caso ainda assim não chegue ao valor,
será arbitrada pelo juiz de forma razoável.

O mandato é consensual, aperfeiçoando-se pela vontade das partes. É o mandato um contrato


informal.

Mesmo que o mandato seja outorgado por instrumento público, poderá haver substabelecimento
do mandato por instrumento particular. Mas isto não é sempre! Isso porque o art. 657 vai dizer que a outorga
do mandato está sujeito à forma exigida em lei para o ato a ser praticado.

O mandato verbal não pode ser admitido em casos em que a celebração do contrato para qual o
mandato foi celebrado exija a forma escrita. Ex.: mandato para alguém celebrar um contrato de fiança em
meu nome. Neste caso, o mandato deverá ter forma escrita. Para comprar um imóvel, deverá se dar por
instrumento público.

Feita a nomeação do mandatário, será necessário que ele aceite este encargo. Essa aceitação poderá
ser tácita ou expressa. A aceitação tácita resultará do início do cumprimento do contrato celebrado.

O contrato de mandato é personalíssimo, pois se baseia na confiança.

c) Principais classificações do mandato

Em relação à origem, o mandato pode ser:

• mandato legal: o mandato decorre da lei. Ex.: pai administra o bem do filho incapaz.
• mandato judicial: o mandato é conferido por uma ação judicial. Ex.: inventariante representa o
espólio.
• mandato convencional: o mandato decorre de contratos e convenção das partes.
o mandato ad judicia: representação da pessoa no campo judicial.
o mandato ad negotia: para administração em geral do interesse do mandante na esfera
extrajudicial.

Em relação à pessoa do mandatário:

• mandato singular: quando só há um mandatário.


• mandato plural: quando há vários mandatários, podendo assumir as seguintes formas
o mandato plural conjunto ou simultâneo: nenhum dos mandatários podem agir de forma
separados, devendo agir de forma conjunta.

349
o mandato plural solidário: qualquer dos mandatários ou dos procuradores podem agir de
forma isolada. Em regra, quando há mandato plural, presume-se que o mandato é solidário.
o mandato plural fracionário: a ação que compete a cada mandatário é discriminada no
instrumento.
o mandato plural sucessivo ou substitutivo: o mandatário só pode agir na falta do mandatário
principal, havendo uma ordem prevista no instrumento.

d) Principais regras do mandato no CC/02

Primeiramente, atos praticados por quem não tem mandato ou por quem tenha e não tenha poderes
suficientes para a prática do ato, estes atos serão ineficazes em relação ao suposto mandante.

Não vinculam o mandante, salvo se ele ratificar os atos praticados, conforme art. 662 do CC, caso em
que esta ratificação retroagirá à data do ato. Portanto, essa ratificação terá efeitos ex tunc.

Sempre que o mandatário realizar negócios expressamente em nome do mandante, será o


responsável o mandante, já que o mandatário não pratica o ato em seu nome.

Como o mandatário é um possuidor de boa-fé, poderá reter o objeto da operação que firmou até o
recebimento do pagamento de que lhe é devido por conta do mandato, desde que seja oneroso.

O mandatário que excede os poderes outorgados pelo mandante ou procede contra os poderes
outorgados pelo mandante, será considerado gestor de negócios. Neste caso, enquanto o mandante não
ratificar ou confirmar o ato, será considerado gestão de negócios. Após a ratificação será considerado
mandato retroativo.

O menor relativamente incapaz poderá ser mandante ou mandatário. Se ele é o mandante, os


poderes que outorga deverão ser feito por instrumento público, caso tenha por objeto a prática de atos da
vida civil.

Se a procuração tiver por objeto a atuação em juízo, neste caso o menor poderá outorgar por
simples instrumento particular, desde que assistido pelo seu representante legal.

Se o relativamente incapaz for mandatário, se for mandato extrajudicial, o mandante não terá ação
contra o menor púbere, já que assumiu o risco.

e) Obrigações do mandatário

São obrigações do mandatário:

• aplicar toda sua diligência na execução do mandato;


• prestar contas da sua gerência;

350
• não pode compensar prejuízos a que tenha dado causa com proveitos que tenha gerado ao
mandante;
• pelas somas que o mandatário deveria ter entregado ao mandante, mas inclusive tomou para si
essas somas, deverá pagar ao mandante juros, desde o momento em que houve abuso da sua
representação.
• se o mandatário comprar em nome próprio algo que deveria comprar ao mandante, poderá o
mandante ingressar com a ação reivindicatória para obter a coisa comprada pelo mandante em
seu nome.
• se o mandatário, conhecendo da morte, da interdição ou da mudança de estado do mandante,
estiver diante de um negócio que já tenha se iniciado e deve ser concluído se não houver perigo,
o mandatário deve concluir o negócio.

f) Obrigações do mandante

São obrigações do mandante:

• deve satisfazer as obrigações contraídas pelo mandatário;


• deve adiantar as importâncias necessárias para execução do mandato;
• deve pagar ao mandatário a remuneração ajustada;
• deve ressarcir ao mandatário as perdas sofridas pela execução do mandato, desde que não
resultem de culpa do mandatário.
• ainda que o mandatário contrarie instruções do mandante, se não se exceder aos limites do
mandato, o mandante estará obrigado perante a parte que celebrou negócio com o procurador
do mandante. A única coisa é que o mandante tem é o direito de regresso ao mandatário para
pleitear perdas e danos.
• sendo o mandato outorgado por duas ou mais pessoas, cada uma ficará solidariamente
responsável perante o mandatário.

g) Substabelecimento

Substabelecimento é uma cessão parcial de um contrato. O mandatário transferirá partes dos


poderes a uma pessoa.

Havendo proibição de substabelecer, e o mandatário ainda assim o fizer, responderá o mandatário


pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto (substabelecido), ainda que esses prejuízos se deem
por caso fortuito ou força maior, salvo se comprovar que teriam ocorrido mesmo que estivesse sob sua
gerência.

351
Se houver poderes de substabelecer, o mandatário só serão imputados a ele os danos que o
substabelecido causar se tiver agido com culpa na escolha do substabelecido ou nas instruções passadas ao
substabelecido.

Se a proibição de substabelecer constar expressamente na procuração, o mandante não se obriga


pelas obrigações firmadas pelo substabelecido.

Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o mandatário irá responder se o


substabelecido proceder culposamente. Trata-se de uma responsabilidade objetiva indireta, visto que, para
responsabilizar o mandatário, será necessário demonstrar que houve culpa do substabelecido.

Em relação à extensão do substabelecimento, poderá ser:

• substabelecimento sem reserva de poderes: o sujeito que substabelece transfere ao


substabelecido de forma definitiva, renunciando o mandato.
• substabelecimento com reserva de poderes: o substabelecente outorgará poderes ao
substabelecido, mas não irá outorgar poderes.

h) Extinção do contrato de mandato

O contrato de mandato se extinguirá quando há revogação pelo mandante ou quando há revogação


pelo mandatário.

A morte ou interdição de qualquer das partes implica fim do mandato.

Além disso, também se encerra o mandato pelo escoamento do prazo ou pela conclusão do negócio
que justificou o mandato.

O CC ainda autoriza a chamada cláusula de irrevogabilidade. Esta cláusula afasta o direito potestativo
do mandante de resilir unilateralmente o contrato.

Ocorrendo a revogação do mandato pelo mandante, e a notificação somente do mandatário, essa


resilição não irá gerar efeitos em relação a terceiros de boa-fé, reputando-se como celebrado o contrato,
tendo o mandante direito de regresso contra o mandatário (art. 686).

A revogação pode ser expressa ou também poderá ser tácita. A revogação tácita do mandato ocorre
quando se comunica ao mandatário a nomeação de outro procurador/mandatário.

No caso de morte de uma das partes, apesar de haver a extinção do mandato, serão válidos, em
relação aos contratantes de boa-fé, os atos que foram ajustados com esses contratantes de boa-fé em nome
do mandante pelo mandatário, enquanto o mandatário ignorar que houve a morte do mandante ou a
revogação por qualquer outra causa.

352
IX. Contrato de comissão

O contrato de comissão é um contrato pelo qual o comissário vai realizar a aquisição ou a venda de
um bem em seu próprio nome à conta do comitente.

A diferença da comissão e o contrato é de que na comissão o comissário age em seu próprio nome,
e não em nome do comitente.

O contrato de comissão é bilateral, oneroso, consensual, comutativo e informal.

O contrato de comissão é realizado com base na confiança do comissário, constituindo-se caráter


intuito personae.

O comissário fica obrigado diretamente com a pessoa que ele contratar, não havendo ação dessa
pessoa contra o comitente e nem deste contra aquela.

São espécies de comissão:

• comissão imperativa: não há margem de manobra para o comissário.


• comissão indicativa: há uma margem de atuação do comissário, devendo comunicar ao
comitente para saber se este concorda ou não com essa atuação.
• comissão facultativa: o comitente vai transferir ao comissário as razões do seu interesse nos
negócios, mas não há restrição ou observação especial do comissário.

A obrigação do comissário é uma obrigação de meio. Portanto, a responsabilidade dele é subjetiva,


tanto é que a lei diz que responderá ele por prejuízo, salvo por motivo de força maior.

O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem ele tratar, a não ser que haja
culpa dele.

Todavia, no contrato de comissão, é possível que se estabeleça a chamada cláusula del credere.
Nesse caso, quando há cláusula del credere, o comissário responde solidariamente com a pessoa com quem
ele tiver tratado.

Essa cláusula não é sempre permitida, pois no contrato de representação comercial autônomo, a lei
4.886/65, em seu art. 43, vai vedar expressamente esta cláusula del credere.

Em regra, presume-se que o comissário poderá conceder a dilação do prazo para pagamento pelo
terceiro, em conformidade com os usos do lugar e não tiver instruções diversas dadas pelo comitente.

353
Em havendo morte do comissário ou se por motivo de força maior o comissário não puder concluir o
contrato de comissão, o comitente deverá pagar uma remuneração proporcional ao comissário. Mas
obviamente o contrato irá se encerrar, pois o contrato é personalíssimo.

Mesmo que o comissário tenha motivado o fim do contrato, terá direito de ser remunerado pelos
serviços que já prestou e que se mostrem úteis ao comitente. No caso de dispensa por causa decorrente de
culpa do comissário, o comitente terá o direito de exigir do comissário os prejuízos experimentado (art. 703).

O art. 709 diz que no contrato de comissão devem ser aplicadas as regras previstas para o contrato
de mandato, pois são contratos muito próximos.

Segundo o STJ, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de


pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em
regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade
autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. Todavia, é abusiva a cobrança pelo
promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado
à celebração de promessa de compra e venda de imóvel.

No mesmo julgado acima, ficou decidido de que a incorporadora tem legitimidade passiva "ad
causam", na condição de promitente-vendedora, para responder a demanda em que é pleiteada pelo
promitente-comprador a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de
assessoria técnico-imobiliária, alegando-se prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor.

Essa ação prescreve em 3 anos para restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem
ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (art. 206, § 3º, IV, CC).

X. Agência e distribuição

No contrato de agência, uma pessoa vai assumir, em caráter perene e não eventual, a obrigação de
promover à conta de outra pessoa, mediante retribuição, a realização de certos negócios.

Ou seja, dentro de uma zona determinada, alguém vai promover negócios à conta e em nome de
outra pessoa e será remunerado por isso.

Distribuição haverá quando o agente tiver à disposição a coisa que vai ser negociada.

Quando se está diante de contrato de agência, há um contrato bilateral, consensual, comutativo,


personalíssimo e informal.

É ainda uma característica do contrato de agência o fato de ser um contrato de trato sucessivo, pois
as obrigações vão sendo cumpridas periodicamente.

354
O contrato de distribuição terão as mesmas características do contrato de agência, sendo ,
consensual, comutativo, personalíssimo e informal, além de ser de trato sucessivo.

O contrato de agência e de distribuição são contratos de exclusividade. Tanto é que o art. 711 diz
que, salvo ajuste em contrário, o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente, na
mesma zona, com idêntica incumbência. Além disso, não pode o agente assumir o encargo de nela tratar de
negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes.

O agente deve agir com toda a diligência possível e deve observar as instruções do representado
(proponente), sob pena de haver um descumprimento do contrato.

O agente e o distribuidor tem direito à remuneração pelos negócios concluídos dentro da sua de
exclusividade. Ainda que não tenha interferido naquele negócio, mas que tenha sido celebrado na sua zona,
terá ele direito à participação. A isso se dá o nome de comissão.

A remuneração é devida também ao agente quando o negócio deixa de ser realizada por conta do
representado (proponente). Ou seja, o agente ou distribuidor fez tudo e era para o negócio ser celebrado,
mas não foi, terá o proponente direito de receber a sua comissão.

Se o proponente sem justa causa cessa o atendimento das proposta ou reduz o atendimento,
começando a agir de forma antieconômica a continuação do contrato, o agente ou distribuidor terá direito
à indenização. Isso porque houve a quebra da boa-fé.

No tocante ao descumprimento do contrato, destacam-se duas regras:

• mesmo quando dispensado por justa causa, o agente tem direito de ser remunerado pelos
serviços úteis que prestou.
• se a dispensa se der sem culpa do agente, neste caso terá direito à remuneração devida, mas
terá direito dos negócios pendentes, pois trabalhou até o momento, havendo a sua dispensa sem
ter dado causa.

O art. 720 vai dizer que se o contrato for celebrado por tempo indeterminado, qualquer das partes
poderá resolver o contrato, desde que tenha aviso prévio de 90 dias de antecedência e que tenha havido
prazo compatível com o investimento ou com a natureza do contrato celebrado, ou com o investimento
feito pelo agente.

Por fim, deve ser aplicado ao contrato de agência ou distribuição, naquilo que forem compatíveis as
regras do mandato ou da comissão que estejam no Código Civil ou regras de representação previstas em lei
especial.

XI. Corretagem

355
Corretagem é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa (corretor) se obriga a obter para uma outra
pessoa (comitente) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas pelo comitente.

O corretor receberá uma remuneração chamada de comissão.

O contrato, portanto, é um contrato bilateral, oneroso, informal e consensual.

Trata-se de um contrato acessório, pois visa a celebração de um outro contrato, dependendo dessa
celebração para surtir efeitos.

É um contrato aleatório, pois o corretor de imóveis só irá receber a comissão se o negócio for
firmado. Há sujeição do risco.

A comissão pode ser variável, fixa ou mista.

A obrigação de pagar a comissão de corretagem, segundo o STJ, é de quem contrata o corretor. Se é


o vendedor que contrata o corretor para vender o imóvel, quem paga é o vendedor.

O art. 725 diz que a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha o corretor conseguido o
resultado previsto no contrato de corretagem, ainda que esse contrato não se efetue em razão de
arrependimento das partes.

O STJ entende que o corretor tem direito à remuneração mesmo tendo sido realizado um negócio
que ele intermediou posteriormente ao prazo do contrato de corretagem.

Ademais, o STJ entende que a remuneração é devida mesmo havendo inadimplemento por qualquer
das partes posteriormente. O que é fundamental é que o contrato de corretagem tenha gerado um resultado
útil.

O STJ também entende que, ainda que o negócio jurídico de compra e venda não se concretize por
inadimplemento do comprador, é devida a comissão de corretagem no caso em que o corretor tenha
intermediado esse negócio. As partes firmaram um contrato de promessa de compra e venda, e um dos
contratantes lançou um sinal, caso em que o corretor fará jus à remuneração, pois realizada a intermediação.

O art. 726 diz que sendo iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes, sem atuação do
correto, não terá o corretor direito a nenhuma remuneração, mas se por escrito tiver sido ajustado um
contrato de corretagem de exclusividade, por meio de instrumento chamado de opção, terá direito o corretor
à remuneração, ainda que o negócio tenha sido realizado sem a sua mediação.

Essa remuneração não será devida quando se estiver diante de uma comprovada inércia, ociosidade
ou descumprimento do contrato de corretagem pelo corretor.

356
Se houver corretagem conjunta, ou seja, por mais de um corretor, a remuneração será paga a todos
em partes iguais, salvo se o ajuste tiver sido feito de forma contrária.

XII. Contrato de transporte

O contrato de transporte é aquele em que alguém (transportador) se obriga a transportar alguém ou


alguma coisa a algum lugar, mediante remuneração.

Essa obrigação é de resultado. Aqui há uma cláusula de incolumidade, entregando a coisa ou a pessoa
incólume ao seu destino.

Trata-se de um contrato bilateral, pois o transportado é devedor da passagem e credor do transporte,


e há o transportador que é o devedor do transporte e credor da passagem. É comutativo, oneroso e informal,
não dependendo de forma escrita ou de escritura pública.

a) Regras gerais previstas no Código Civil

O art. 731 do CC diz que o contrato de transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou
concessão será regido pelas normas regulamentares, sem prejuízo do disposto neste Código.

Percebe-se que se há um contrato de transporte com base numa autorização, permissão ou


concessão haverá normas de direito administrativo, visto que há uma relação contratual firmada com o
Estado, mas sem prejuízo da aplicação das normas de direito civil.

O art. 732 diz que vão ser aplicadas as normas previstas em leis especiais e tratados e convenções
internacionais ao contrato de transporte, desde que essas normas não contrariem aquilo disposto no Código
Civil.

Há discussões sobre qual regra será aplicada quando há tratado regulamentando transporte
específico. Isso é importante em razão da Convenção de Varsóvia e em razão da Convenção de Montreal.
Essas duas convenções vão se relacionar a limitações de indenização em caso de perda de voo ou de extravio
de bagagens em viagens internacionais, relacionadas a transporte aéreo.

A pergunta que se faz é: num contrato de transporte aéreo internacional haverá essa limitação ou
não para o estabelecimento de uma indenização? A reparação será proporcional ao dano ou conforme prevê
a convenção?

O STJ se inclina no sentido da reparação integral do dano, ou seja, ausência de aplicação das
convenções internacionais, visto que deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor. Mas isso desde
que haja relação de consumo.

357
O art. 733 do CC trata do transporte cumulativo. É o transporte em que há vários transportadores
que se obrigam por determinado percurso. Ex.: uma parte do trecho será rodoviário e outra parte é aquático.
Aqui há transportes cumulativos, já que em cada percurso há transporte diferente.

O art. 756 diz que no transporte cumulativo, todos os transportadores responderão solidariamente.
Uma empresa, no entanto, terá direito de regresso contra a outra.

Havendo dano resultante do atraso ou da interrupção da viagem vai ser determinado em razão da
totalidade do percurso. Essa ressalva do §1º do art. 733 é interessante, pois se foi contratado uma companhia
para levar alguém de Brasília a São Paulo em 12 horas. Quando chega em Goiânia o ônibus quebra. A
companhia, após 2 horas, decide pagar o transporte aéreo. O sujeito que chegaria às 6 horas da manhã de
ônibus, chegou às 6 horas da manhã de avião. Não houve atraso.

Nesse caso, será considerado o trajeto como um todo para verificar se houve o cumprimento
tempestivo da obrigação de resultado ou não.

b) Transporte de pessoas

No caso de transporte de pessoas, há de um lado o transportador e de outro o passageiro. O


passageiro é transportado por meio do pagamento de uma passagem.

A obrigação assumida é uma obrigação de resultado, não respondendo o transportador apenas em


casos de força maior (inclusive caso fortuito).

O art. 734 não admite como excludente a cláusula de não indenizar. É inadmissível no contrato de
transporte, ainda que não se trate de contrato de consumo.

O parágrafo único do art. 734 diz que é lícito ao transportador exigir a declaração do valor que
contém a bagagem entregue a ele, a fim de fixar o valor máximo da indenização.

O art. 735 diz que a responsabilidade contratual do transportador por acidente com passageiro não
é elidida por culpa de terceiro, pois em relação ao terceiro terá direito de ação de regresso.

Perceba que há casos em que o Código Civil se mostra mais favorável ao consumidor do que o próprio
CDC, visto que a responsabilidade no CDC pode ser elidida por culpa de terceiro, enquanto o art. 735 afirma
que, no caso de contrato de transporte, não se admite a culpa do terceiro para excluir a responsabilidade.

Portanto, há aqui a necessidade do diálogo das fontes, conforme Cláudia Lima Marques.

O transporte ainda pode ser feito de forma gratuita (carona), hipótese em que não se subordina às
normas do contrato de transporte, conforme súmula 145 do STJ. A referida súmula afirma que, no transporte

358
desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao
transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.

Não se considera gratuito quando há um interesse indireto, ou seja, mesmo que seja sem
remuneração, se trouxer remuneração indireta, haverá responsabilização do transportador. Ex.: passageiro
paga gasolina ou pedágio, não sendo considerado isso como carona.

O art. 738 diz que a pessoa transportada deve se sujeitar às normas estabelecidas pelo transportador,
fixada em bilhetes ou à vista do transportado, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou
prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço.

Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções
regulamentares pelo próprio passageiro, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que
a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. Há a concorrência da vítima para o dano. E quando
isso ocorre, haverá a redução da indenização, visto que era dever legal da vítima observar as normas de
segurança e instituídas pelo transportador.

O transportador não pode recusar passageiros por qualquer motivo, salvo nos casos previstos em
regulamento ou quando as condições de higiene ou de saúde do interessado justificarem essa recusa.

O art. 740 trata da chamada resilição unilateral do contrato de transporte. É a resilição feita pelo
passageiro, sendo essa possível antes da viagem, e desde que seja feita a comunicação da resilição ao
transportador em tempo para que a passagem seja vendida a outra pessoa.

Caso a viagem já tenha sido iniciada e o passageiro desista da viagem no meio do percurso, poderá
receber de volta o valor proporcional ao percurso, desde que fique comprovado que outra pessoa foi
transportada em seu lugar. Do contrário, não terá direito a receber nada de volta.

O art. 742 consagra em favor do transportador o direito de retenção da bagagem, como garantia do
valor da passagem. Para Tartuce e Venosa, não há nesse caso penhor legal da bagagem, e sim um direito
pessoal, colocado à disposição do transportador.

Para o Samer, seria uma hipótese de penhor legal, pois pode a empresa ficar com a bagagem para
garantir a passagem.

c) Transporte de coisas

No transporte de coisas não há passageiros, mas sim um expedidor, o qual irá entregar um bem
corpóreo ao transportador para que ele leve esse bem a um destinatário, que poderá ser o próprio expedidor,
recebendo uma remuneração denominado frete.

359
O art. 744 diz que ao receber a coisa, o transportador irá emitir o conhecimento, com a menção dos
dados que identificam aquela coisa recebida. Esse conhecimento é um título de crédito, sendo este atípico.

O art. 745 diz que, no caso de informação inexata ou falsa descrição no documento que o
transportador emitiu com base nas informações prestadas pelo transportado, o transportador indenizado
pelo prejuízo que sofrer. Esta ação respectiva deve ser ajuizada no prazo de 120 dias, a contar daquele ato,
sob pena de decadência.

A doutrina afirma que neste caso o prazo seria prescricional, já que haveria a violação de um direito
que gera um prejuízo, situação em que o autor irá buscar a pretensão à indenização.

Veja, se o expedidor informar que o transportador está expedindo tijolos, mas na verdade se trata
de maconha, o expedidor deverá arcar com o dano, tendo o transportador ter o prazo de 120 dias para
propositura dessa ação, a contar do momento em que a informação falsa foi prestada.

O art. 750 vai dizer que a responsabilidade do transportador irá se limitar ao valor constante do
conhecimento, já que teria o dever de informar. Essa responsabilidade iniciará do momento em que recebe
a mercadoria e somente vai se encerrar no momento em que entregar ao destinatário. Caso não encontre o
destinatário, será depositada a mercadoria em juízo.

O art. 752 afirma que, desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a avisar o
destinatário que desembarcou as mercadorias, salvo se houver convenção nesse sentido. Ademais, devem
constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de entrega a domicílio.

Cabe mencionar que há uma crítica da doutrina com relação à possível violação da boa-fé objetiva,
em virtude de não haver a observância do direito de informação.

Ao final do percurso, as mercadorias serão entregues ao destinatário ou quem apresente o


documento de frete endossado. Essa pessoa deverá conferir as mercadorias, hipótese em que, se não
estiverem elas de acordo, deverá apresentar imediatamente a reclamação, sob pena de decadência.

Se o vício da coisa não for perceptível icto oculi no momento de recebimento da mercadoria. Nesse
caso, o parágrafo único do art. 754 afirma que, se houver avaria ou perda parcial não perceptível à primeira
vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em 10 dias a
contar da entrega da mercadoria, sob pena de decadência.

O art. 753 diz que, se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, o transportador
solicitará instruções ao remetente, e zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá,
salvo força maior. Veja que a coisa estará sob responsabilidade do transportador.

360
Se perdurar o impedimento, mas não sendo este imputável ao transportador e se não houver
manifestação do remetente, poderá o transportador fazer o depósito judicial da coisa ou vender a coisa
transportada, desde que sejam observados os preceitos legais e regulamentares, ou os usos locais,
depositando o valor em juízo ou em favor do expedidor.

Por outro lado, caso o impedimento se dê por responsabilidade do transportador, poderá este
depositar a coisa judicialmente, mas por sua conta e risco. Só será possível vender a coisa transportada,
quando o impedimento ser de sua responsabilidade, caso a coisa seja perecível.

Seja qual for o caso, o transportador deve informar o remetente da efetivação do depósito ou da
venda.

Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns, continuará a responder


pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser
contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte.

Caso haja dúvida sobre quem seja o destinatário, o transportador deve fazer o depósito judicial da
coisa, caso não seja possível obter instruções do remetente. Se a demora puder ocasionar a deterioração da
coisa, o transportador deverá vender a coisa, depositando o saldo em juízo.

XIII. Contrato de seguro

O art. 757 traz o conceito do contrato de seguro.

Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir


interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Em outras palavras, no contrato de seguro, uma pessoa física ou jurídica (chamada de “segurada”)
paga uma quantia denominada de “prêmio” para que uma pessoa jurídica (“seguradora”) assuma
determinado risco. Caso o risco se concretize (o que chamamos de “sinistro”), a seguradora deverá fornecer
à segurada uma quantia previamente estipulada (indenização).

Então, há um segurador que recebe um prêmio, situação na qual garante determinados bens ou
pessoas contra riscos predeterminados.

Há um contrato bilateral, oneroso, consensual, mas é aleatório, pois o risco é um fator determinante.

Apesar de parte da doutrina afirmar que o contrato de seguro é comutativo, por conta de cálculos e
estatísticas utilizadas pela seguradora. Mas ainda prevalece que se trata de um contrato aleatório.

Essa comutação ocorrerá entre o prêmio que o segurado paga é a garantia, que é a contraprestação
que o segurador dá. Portanto, o segurador recebe o prêmio dando ao segurado uma garantia.

361
Apesar desse entendimento doutrinário, Tartuce entende que o contrato é aleatório.

a) Regras gerais do seguro no Código Civil

Quem pode ser segurador?

Somente pode ser segurador uma entidade legalmente autorizada para esta finalidade (art. 757). Ou
seja, somente sociedades anônimas, grupos de seguro ou cooperativas. Para ser seguradora é indispensável
que haja autorização do governo federal.

Ressalta-se que as cooperativas para seguro terão por objeto apenas seguros agrícolas.

Segundo a lei, a prova do contrato de seguro se dá por meio da apólice ou bilhete de seguro. Na
falta, poderá ser comprovado por qualquer documento que comprove o pagamento do prêmio.

Veja que a forma é livre, não sendo um contrato formal, pois a lei diz que irá prová-lo por meio da
apólice ou bilhete de seguro. Ou seja, se irá prová-lo é porque ele existe.

Isso mostra que o contrato de seguro é consensual, pois ele está aperfeiçoado desde o momento em
que o acordo de vontades ocorre.

A apólice é o instrumento do contrato de seguro. Ela irá conter as regras gerais do negócio, e a sua
emissão deverá ser precedida, segundo a lei, por uma proposta escrita com a declaração dos elementos
essenciais dos interesses e dos riscos a ser garantidos.

O bilhete do seguro é o instrumento mais simplificado do negócio, por meio do qual se pode
contratar o seguro.

Tanto a apólice como o bilhete de seguro podem ser nominativo, à ordem ou ao portador,
mencionando em relação a cada um deles os riscos assumidos, início e fim do seguro, limite da garantia e
prêmio devido.

• apólice ou bilhete de seguro nominativo: menciona o nome do segurador e do segurado. Neste


caso, é transferido por meio de cessão civil.
• apólice ou bilhete de seguro à ordem: será transmitido em endosso em preto, dizendo quem é
que irá receber.
• apólice ou bilhete de seguro ao portador: quem portar é o segurado. Serão transmissíveis por
simples tradição.

O art. 761 vai tratar do denominado cosseguro. No cosseguro, há os riscos de um seguro direto que
são assumidos por várias segurados, sendo corresponsáveis pelo risco.

362
Nesse caso, a apólice vai indicar qual é a seguradora líder, dentre as corresponsáveis, que irá
administrar o contrato.

Não se pode confundir cosseguro com resseguro. Nessa hipótese, há uma seguradora que faz um
seguro, mas contrata outra seguradora, temendo os riscos desse contrato anterior.

O art. 762 diz que é nulo o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado,
do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.

O art. 763 irá dizer que, não tem direito à indenização o segurado que estiver em mora no
pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação. Flávio Tartuce afirma que este
dispositivo deve ser interpretado conforme o adimplemento substancial. Como exemplo, é o caso em que o
indivíduo paga o seguro há 10 anos, mas no mês de atraso não paga e a seguradora recusa a garantia. Neste
caso, deverá a seguradora garantir.

O fato de se não ter verificado o risco em previsão do qual se faz o seguro não exime o segurado de
pagar o prêmio, salvo disposição especial.

O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais


estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele
concernentes.

O art. 766 diz que, se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir
circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, este segurado perderá o
direito à garantia, e também ficará obrigado ao prêmio vencido.

Portanto, se quebrou a boa-fé objetiva, perderá a garantir e ficará obrigado ao prêmio que não
pagou.

O parágrafo único diz que, se a inexatidão ou omissão nas declarações do segurado não resultar de
má-fé, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou poderá cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença
do prêmio.

No chamado seguro à conta de outrem, o segurador poderá opor ao segurado quaisquer defesas
que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de
pagamento do prêmio. Há no art. 767 uma exceção ao princípio da relatividade.

Ex.: se o pai fez um seguro em favor do filho, poderá o segurador opor ao filho exceções que teria
contra o pai. Ainda que se trate de terceiro, o art. 767 é exceção ao princípio da relatividade.

363
O art. 768 diz que o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco
objeto do contrato. No entanto, deverá este agravamento se dar de maneira intencional.

Por isso ganha discussão na doutrina e na jurisprudência se a embriaguez do segurado em acidentes


de trânsito afasta ou não o dever da seguradora de pagar a indenização.

No STJ há entendimentos para os dois sentidos. Flávio Tartuce entende que a embriaguez, por si só,
não consiste em agravamento intencional do risco, não afastando o dever de indenizar.

Todavia, o STJ entendeu que não é devida a indenização securitária decorrente de contrato de
seguro de automóvel quando o causador do sinistro (preposto da empresa segurada) estiver em estado de
embriaguez, salvo se o segurado demonstrar que o infortúnio ocorreria independentemente dessa
circunstância (Inf. 594).

Em outras palavras, será devido o pagamento da indenização se a empresa segurada conseguir


provar que o acidente ocorreria mesmo que o condutor não estivesse embriagado.

O art. 769 do CC diz que o segurado é obrigado a comunicar o segurador, logo que saiba, todo
incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de, se não informar o segurador,
perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé. Há um dever de informar, resultante da boa-fé.

Caso não comunique e fique comprovado que silenciou de má-fé, nesta hipótese perderá o direito
de indenização.

O segurador, desde que o faça nos 15 dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco
sem culpa do segurado, poderá cientificar, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

Essa resolução, que deve ser comunicada no prazo de 15 dias, só terá eficácia após 30 dias da
notificação do segurado, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.

O art. 771 determina que o segurado deverá comunicar imediatamente à seguradora quando ocorrer
algum sinistro envolvendo o veículo, já que isso possibilita que esta tome medidas que possam amenizar os
prejuízos da realização do risco, bem como a sua propagação. Se não houver esta comunicação imediata, o
segurado perderá o direito à indenização.

Todavia, o STJ decidiu que, para que a perda do direito à indenização, é necessário que fique
demonstrada a omissão dolosa do segurado, que beire a má-fé, ou culpa grave, prejudicando, de forma
desproporcional, a atuação da seguradora. Ex.: se o segurado demorou 3 dias para comunicar à seguradora
sobre o roubo do veículo em razão de ameaças do criminoso, não perderá a indenização, pois não poderia
ser dele exigido comportamento diverso.

364
Em regra, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado.
Mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do
contrato.

Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado deve informar o sinistro ao segurador, logo
que souber. E ainda o segurado deverá tomar as providências imediatas para minorar a ocorrência do
sinistro. Isso é a consagração do dever de mitigar as perdas (duty to mitigate the loss).

O art. 773 do CC vai dizer que o segurador, que ao tempo do contrato sabia que o risco estava
superado, mas não obstante expediu a apólice irá pagar em dobro o prêmio estipulado. Isso porque se não
há risco, não há porque celebrar contrato de seguro. Por conta disso, a doutrina afirma que o contrato é
aleatório, pois o risco é elemento essencial do contrato de seguro.

É possível que o contrato de seguro traga a cláusula de recondução tácita do contrato pelo mesmo
prazo. Se ficarem caladas as partes, o contrato será prorrogado no tempo pelo mesmo prazo.

O prolongamento do contrato nas mesmas condições contratadas pelo mesmo prazo. Tal cláusula é
válida, mas não pode ocorrer por mais de uma vez (art. 774).

Ocorrendo o pagamento pela seguradora, é possível a ação regressiva em face do culpado pelo
evento danoso. A seguradora irá pagar o sujeito que está garantido, mas terá direito de ressarcimento ou de
regresso em face de quem efetivamente causou o dano.

Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos
aos contratos que agenciarem.

O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se


convencionada a reposição da coisa.

b) Seguro de dano

No seguro de dano, a garantia não pode ultrapassar o valor da coisa garantida, ou seja, do valor do
interesse segurado. Se o valor segurado for superior ao bem garantido, estará havendo enriquecimento sem
causa.

Portanto, se o valor segurado for superior ao valor coisa, o segurado vai perder a garantia e pagar o
prêmio por quebra da boa-fé e enriquecimento sem causa (art. 778).

Em relação à indenização a ser recebida pelo segurado, o art. 781 diz que não poderá ultrapassar o
valor do interesse segurado no momento do sinistro. Em hipótese alguma o limite máximo da garantia fixada

365
na apólice. Ex.: foi feito um seguro de um carro de 50 mil reais. Este é o valor do seguro. Após um ano, o
sujeito trocou o carro. Quando for avaliar, o segurador pagou 40 mil reais, com base na tabela FIPE.

É possível a cumulação de seguros, no caso de seguro de dano, inclusive o seguro duplo. Mas sempre
o valor do seguro não poderá ser superior ao interesse segurado.

O art. 783 autoriza o seguro parcial, assegurando o interesse por menos do que ele vale.

Se ocorrer um sinistro parcial, a indenização também será reduzida proporcionalmente. Ex.: segura-
se 50% do bem, se fica segurado 10 mil receberá 5 mil reais da seguradora. É a denominada cláusula de
rateio.

Em relação à garantia, esta não inclui o sinistro provocado por vício intrínseco à coisa segurada.
Portanto, se o segurado não declarou do vício quando da celebração do contrato, será um vício não segurado.
Dessa forma, o vício não é algo que aconteceu, mas sim por algo intrínseco à coisa. A responsabilidade neste
caso será do fornecedor.

Em regra, o contrato de seguro de dano não é personalíssimo, podendo transferir a terceiro a


condição de segurado do bem. Mas é possível que o contrato preveja a clausula proibitiva de cessão.

O STF entende que, sendo paga a indenização, o segurador vai se sub-rogar nos limites do valor
respectivo, nos direitos e ações que competem ao segurado, contra o autor do dano. Essa regra não se aplica
ao seguro de pessoas, pois o art. 800 do CC é explícito, estabelecendo que, nos seguros de pessoa, o
segurador não pode se sub-rogar nos direitos e ações do segurado ou do beneficiado, contra quem causou o
sinistro. Há aqui apenas a vedação legal à sub-rogação para o seguro de pessoa.

O Código Civil prevê que a seguradora que paga a indenização sub-roga-se nos direitos do segurado.
Ou seja, o art. 786 estabelece que, paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor
respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. Este inclusive já era
o teor da Súmula 188 do STF, a qual diz que o segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo
que efetivamente pagou, até ao limite previsto no contrato de seguro.

Segundo o §2º do art. 786, é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo
do segurador, os direitos a que se refere este artigo. Tal dispositivo previu, de forma expressa e inequívoca,
a ineficácia, perante o segurador, de atos de disposição praticados pelo segurado juntamente ao autor do
dano.

Desse modo, eventual termo de renúncia ou quitação outorgado pelo segurado ao terceiro
causador do dano não impede o exercício do direito de regresso pelo segurador. O legislador buscou
proteger o direito do segurador de ser ressarcido da quantia que gastou para indenizar o segurado.

366
Assim, se o segurado optou por acionar o seguro, cobrando a garantia contratada, não lhe cabe firmar
com o causador do dano qualquer tipo de transação que possa importar na extinção ou diminuição do direito
de regresso do segurador. Se o fizer, o ato será absolutamente ineficaz em relação ao segurador. Por
exemplo, o acordo celebrado entre o causador do dano e o segurado, em que este “fica com pena” da
motorista e pede para que ela pague apenas a franquia do seu seguro, é válido e eficaz entre eles
(contratantes).

No entanto, não se pode admitir que os efeitos dessa avença sejam estendidos ao segurador que,
além de não ter participado do ajuste, possui, por força de lei, o direito de ser reembolsado de todos os
valores gastos com o reparo do bem sinistrado. Portanto, mesmo que o segurado tenha outorgado termo
de quitação ou renúncia ao causador do sinistro, o segurador terá direito de ser ressarcido, em ação
regressiva contra o autor do dano, pelas despesas que efetuou com o reparo ou substituição do bem
sinistrado.

Tudo que foi dito acima é a regra. Haverá exceção no caso de má-fé do segurado e boa-fé do autor
do dano. Ex.: Pedro, negligente, bateu no carro de João, que não revela que tem seguro. Pedro paga o
conserto a João e este assina a quitação integral. No entanto, João, de má-fé, aciona o seguro pedindo o
conserto do carro, o que é feito. Após, a seguradora ajuíza ação regressiva contra Pedro cobrando a quantia
do conserto do carro segurado.

Nessa hipótese específica e excepcional, o STJ entende que o terceiro (Pedro), ao ser demandado
na ação regressiva, poderá se eximir do ressarcimento das despesas com o bem sinistrado, bastando que,
nos termos do art. 373, II, do CPC, prove que já realizou a reparação completa dos prejuízos causados,
apresentando o recibo assinado pelo segurado ou eventuais documentos que comprovem o custeio das
despesas. Neste caso, o juiz deverá julgar improcedente o pedido regressivo formulado, restando à
seguradora a alternativa de demandar contra o próprio segurado, por locupletamento ilícito, tendo em
vista que, em evidente ato de má-fé contratual, requereu, indevidamente, a cobertura securitária mesmo
já tendo sido indenizado diretamente pelo autor do dano.

Também merece destaque o art. 786, §1º, o qual estabelece que, salvo dolo, a sub-rogação não tem
lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, ascendente ou descendente, seja consanguíneo ou
afim. Esse dispositivo fala que o segurador irá se sub-rogar no direito do segurado e vai propor a ação contra
o causador do dano. Mas se o causador do dano for a mulher, filho ou pai da pessoa, não haverá sub-
rogação. A exceção é em relação ao dolo.

O seguro de responsabilidade civil é uma modalidade de seguro de dano. No seguro de


responsabilidade civil, a seguradora se compromete a cobrir danos causados por atos ilícitos cometidos pelo
segurado ao terceiro.

367
O Código Civil é expresso ao proibir o segurado de reconhecer a sua responsabilidade ou confessar a
ação, ou mesmo transigir com o terceiro indenizado ou mesmo de indenizá-lo, sem que haja a anuência
expressa do segurador nos casos de seguro de responsabilidade civil.

No caso de seguro de responsabilidade civil, se foi intentado uma ação contra o segurado, o segurado
deverá dar ciência ao segurador a respeito da lide. Essa ciência será dada através da denunciação da lide.
Não havendo, poderá posteriormente em acionar o segurador.

O STJ, na súmula 537, estabelece que, em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada,
se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente
junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.

É bom lembrar que o fato de poder ser condenada diretamente e solidariamente não autoriza que
ela seja acionada unicamente e exclusivamente pelo terceiro. Tanto é que a súmula 529 estabelece que no
seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta
e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano.

Existem seguros de responsabilidade civil que são obrigatórios como é o caso do DPVAT. Nesses
seguros, a indenização pelo sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado (art. 788).

Vale mencionar a súmula 246 do STJ, a qual diz que o valor do seguro obrigatório deve ser deduzido
da indenização judicialmente fixada.

i. Seguro DPVAT

O DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestres) é um seguro
obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a
pessoas, transportadas ou não.

Qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga,
em vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros,
os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros. Para receber indenização, não importa
quem foi o culpado.

O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos
pessoais.

O STJ já se manifestou no sentido de que o DPVAT não cobre os danos de acidente ocasionado por
trem.

Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei?

368
• no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima)
• no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima)
• no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso
a cada vítima.

A incidência de atualização monetária nas indenizações por morte ou invalidez do seguro DPVAT
opera-se desde a data do evento danoso, conforme súmula 580 do STJ.

Quem são os beneficiários do seguro DPVAT? Quem tem direito de receber a indenização?

• No caso de morte: metade será paga ao cônjuge do falecido, desde que eles não fossem
separados judicialmente, e o restante aos herdeiros da vítima, obedecida a ordem da vocação
hereditária. Não havendo cônjuge nem herdeiros, serão beneficiários os que provarem que a
morte da vítima os privou dos meios necessários à subsistência. Segundo o STJ, é válido o
pagamento de indenização aos pais do de cujus no caso em que os genitores, os quais se
apresentaram como únicos herdeiros, diante da apresentação da certidão de óbito que
afirmava que o falecido era solteiro e não tinha filhos. Nada impede, porém, que o filho exerça
seu direito de ingressar com ação cobrando a quantia dos pais do falecido que receberam a
indenização de forma indevida.
• No caso de invalidez permanente: a própria vítima.
• No caso de despesas de assistência médica e suplementares: a própria vítima.

O STJ decidiu que, se uma gestante envolve-se em acidente de carro e, em virtude disso, sofre um
aborto, ela terá direito de receber a indenização por morte do DPVAT, nos termos do art. 3º, I, da Lei
6.194/74. Segundo o Ministro Relator, o ordenamento jurídico como um todo alinhou-se mais à teoria
concepcionista para a construção da situação jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela
majoritária doutrina contemporânea” (Inf. 547).

A ação de cobrança do DPVAT prescreve em 3 anos, iniciando o prazo da data em que teve ciência
inequívoca do caráter permanente da invalidez ou da morte. O prazo prescricional começa no dia que foi
realizado o pagamento administrativo que o beneficiário considera que tenha sido menor que o devido.

A súmula 573 do STJ estabelece que, nas ações de indenização decorrente de seguro DPVAT, a ciência
inequívoca do caráter permanente da invalidez, para fins de contagem do prazo prescricional, depende de
laudo médico, exceto nos casos de invalidez permanente notória ou naqueles em que o conhecimento
anterior resulte comprovado na fase de instrução.

Para obter a indenização, a pessoa deverá procurar uma das empresas seguradoras que seja
consorciada ao DPVAT e apresentar a documentação necessária. Para requerer o seguro DPVAT não é

369
necessário advogado, despachante ou qualquer outra ajuda de terceiros. Segundo o STJ, o Ministério Público
tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos dos
beneficiários do seguro DPVAT, dado o interesse social qualificado presente na tutela dos referidos direitos
subjetivos.

Na ação de cobrança do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre:

• foros do domicílio do autor


• foro do local do acidente ou
• foro do domicílio do réu

Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o valor pago
pela seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário, por meio de uma ação de cobrança contra a
seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT.

Consoante o entendimento do STJ, em ação de cobrança de seguro DPVAT, a intimação da parte para
o comparecimento à perícia médica deve ser pessoal, e não por intermédio de advogado (Info 589).

Segundo o STJ, o espólio, ainda que representado pelo inventariante, não possui legitimidade ativa
para ajuizar ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) em caso de morte da vítima no acidente de
trânsito.

Segundo a Lei do DPVAT, o valor indenizatório deve ser pago metade ao cônjuge não separado
judicialmente e o restante aos herdeiros da vítima, segundo a ordem de vocação hereditária (art. 4º da Lei
6.194/1974). O valor oriundo do DPVAT não integra o patrimônio da vítima de acidente de trânsito. Em outras
palavras, o valor da indenização não é um crédito da vítima falecida. Não integra o patrimônio deixado pelo
morto. O valor da indenização do DPVAT, em caso de morte, passa diretamente para os beneficiários
(cônjuge supérstite e demais herdeiros).

c) Seguro de pessoa

O contrato de seguro de pessoa visa assegurar a pessoa humana, protegendo ela contra riscos de
morte, comprometimento de saúde, incapacidades em geral, etc.

O art. 789 diz que nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo
proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos
seguradores.

A primeira diferença entre o seguro de dano e o seguro de pessoa é de que este não tem limites, pois
a vida humana não é quantificável.

370
Se a pessoa quiser fazer 10 seguros de vida, será possível.

No seguro de vida e no seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena
de falsidade, o interesse de assegurar a vida do outro. Deve declarar qual é o interesse para assegurar.

Presume-se esse interesse quando o segurado for ascendente, descendente ou cônjuge do


proponente, pois do contrário deverá explicar a razão de fazer o seguro.

O contrato de seguro de pessoas pode instituir um terceiro beneficiário, o qual receberá a


indenização em caso da morte do segurado. Na falta de indicação do terceiro, o capital será pago metade
ao cônjuge e a outra metade aos herdeiros do segurado.

Se não for casado e não tiver herdeiros necessários, vão ser beneficiados aqueles que provaram
que com a morte do segurado ficaram privados dos meios necessários à subsistência (art. 792, parágrafo
único).

Também é válida a instituição do seguro como beneficiário o companheiro, desde que, ao tempo do
contrato, o beneficiário era separado judicialmente ou mesmo separado de fato (art. 793).

Nos casos de seguro de vida ou acidentes pessoais geradores de morte, o capital estipulado não
está sujeito às dívidas do segurado, pois não é herança.

Ainda a respeito do seguro de vida, o STJ tem uma decisão no sentido de que, na hipótese em que o
contrato de seguro de vida é renovado ano a ano, não pode a seguradora modificar subitamente as
condições da avença, e nem deixar de renová-la em razão da idade do segurado.

No seguro de vida por causa de morte, é lícito estipular um prazo de carência. Durante o período de
carência, o segurador não responderá pela ocorrência do sinistro (art. 797). Nessas hipóteses, ocorrendo o
sinistro, o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica. A reserva técnica
é aquilo que já foi pago.

Em relação ao beneficiário do seguro, este não tem direito ao capital estipulado quando o segurado
comete suicídio nos 2 primeiros anos da vigência do contrato ou nos 2 primeiros anos da recondução de um
contrato que estava suspenso. A pessoa receberá a reserva técnica, mas o capital não irá receber (art. 798).

Não interessa mais se o suicídio foi premeditado ou não.

Ressalvada essa hipótese, é nula cláusula contratual que exclua pagamento de capital por causa de
suicídio do segurado. Passados estes 2 anos, tem total direito de receber.

371
Esse seguro de pessoas pode ser estipulado por uma pessoa natural ou por pessoa jurídica, em
proveito de um grupo que essa pessoa jurídica de qualquer modo se vincule. É o denominado seguro de vida
em grupo. Neste caso, o estipulante é o único responsável para com o segurador.

Se houver modificação do valor da apólice, será necessário a anuência expressa dos segurados que
correspondam a 3/4 dos integrantes do grupo (art. 801).

XIV. Constituição de renda

Por meio da constituição de renda uma pessoa (instituidor) entregará uma determinada quantia em
dinheiro, bem móvel ou imóvel, a outra pessoa (rendeiro).

O rendeiro fica obrigado a pagar ao instituidor temporariamente uma certa renda, a qual poderá ser
estipulada em favor do próprio rendeiro.

Perceba que, em regra, essa transmissão ocorre de forma gratuita, por meio de atividade
benevolente. Não há qualquer contraprestação por parte do rendeiro, pois ele seria o beneficiário.

Em regra, o contrato é unilateral, gratuito, comutativo, real, temporário e solene.

Veja, o contrato de constituição de renda deve se dar por escritura pública.

A constituição de renda pode ser instituída por ato inter vivos ou por ato causa mortis (testamento).
Neste caso, o testamento deve ser público, conforme a doutrina.

A constituição da renda pode se dar por meio de sentença judicial, como quando há o pagamento
de alimentos indenizatórios.

A constituição de renda é feita por prazo certo, mas pode ser feito inclusive por vida, ou seja, até
que se ultime a vida do devedor (rendeiro), situação na qual que, ocorrendo, retornará o bem ao instituidor.

Não pode a constituição de renda ser pela vida do instituidor, pois se este morrer, a família daquele
que necessitava dos alimentos ou da renda não poderá ficar sem nada.

Se o rendeiro deixar de cumprir uma obrigação estipulada, o credor (instituidor) poderá acioná-lo.
Este credor também poderá ser terceiro, que em benefício do qual a renda foi instituída. Este credor também
poderá acioná-lo para que ele pague o que deve, ou para que apresente garantias de que vai pagar o que
deve, ou que deverá a partir daquele momento, sob pena de rescindir o contrato de constituição de renda
(art. 810).

372
Via de regra, não existe direito de acrescer entre os beneficiários da renda. Se falece o rendeiro, o
outro continuará recebendo a mesma coisa que recebida, sendo extinto o benefício contra aquele que
faleceu.

A exceção está na chamada constituição de renda gratuita em que há o direito de acrescer entre os
cônjuges. É o caso da constituição de renda legal, em que, morrendo um dos cônjuges, o outro passar a
receber a renda do outro.

Além desse direito de acrescer legal, é possível o direito de acrescer convencional, em que haja
previsão nesse sentido.

XV. Jogo e aposta

Apesar de o Código tratar de forma conjunta, não se confundem os contratos.

O contrato de jogo ocorre quando duas ou mais pessoas prometem entre si que vão pagar uma certa
soma àquela pessoa que conseguir um resultado favorável de um acontecimento incerto.

A aposta está presente quando duas ou mais pessoas têm opiniões discordantes entre qualquer
assunto, e elas prometem entre si que vão pagar uma certa quantia ou entregar determinado bem à pessoa
cuja opinião prevalecer, por conta de um evento incerto.

Em ambos os casos há contratos bilaterais, onerosos, consensual, informal, mas é essencialmente


aleatório, visto que a aposto e o jogo decorrem de um risco.

Em regra, as dívidas de jogo e aposta constituem obrigações naturais, pois há o schuld sem haftung,
ou seja, há débito, mas não há responsabilidade.

Essa regra vai se estender para qualquer contrato que encubra a dívida do jogo ou da aposta,
mesmo que seja um reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo.

Essa regra tem aplicação ainda que o jogo não seja proibido. Mesmo assim a obrigação será natural.

A única exceção é se houver um jogo ou aposta legalmente permitidos, tais como as loterias oficiais:
Mega-Sena, Lotomania, etc. Nesses casos, a dívida poderá ser cobrada judicialmente.

Ainda há uma exceção aos denominados prêmios oferecidos para o vencedor de uma competição
de natureza desportiva, artística ou intelectual. Em verdade, o que se tem aqui é uma promessa de
recompensa, sendo um ato unilateral que constitui uma fonte de obrigação.

XVI. Fiança

373
Fiança é um contrato pelo qual o fiador garante que vai satisfazer ao credor uma obrigação que é
assumida pelo devedor, caso este não cumpra a obrigação.

Perceba que a fiança é um contrato acessório, firmado entre fiador e credor.

Por isso, em regra, há o benefício de ordem do fiador.

O contrato de fiança traz duas relações jurídicas: uma que é interna do próprio contrato, que é a
relação entre o fiador e o credor do devedor, mas também há uma relação externa, que é a relação entre o
fiador e o devedor.

O art. 820 diz que a fiança pode ser estipulada, ainda que sem o consentimento do devedor, e
mesmo contra a sua vontade, visto que é um contrato diferente do contrato firmado entre credor e devedor.

Na fiança há um contrato unilateral, pois quem tem obrigação é apenas o fiador. Em regra, é um
contrato gratuito, salvo quando as instituições financeiras são as fiadoras, situação em que serão
remuneradas e o contrato passará a ser oneroso. A fiança será formal, pois exige a forma escrita.

O art. 819 diz que a fiança não admite interpretação extensiva, pois se está diante de um contrato
benéfico.

O STJ, na Súmula 214, diz que o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de
aditamento ao qual não anuiu. Há aplicação do princípio da relatividade do contrato.

Segundo o STJ, a fiança limitada decorre da lei e do contrato, de modo que o fiador não pode ser
compelido a pagar valor superior ao que foi avençado, devendo responder tão somente até o limite da
garantia por ele assumida, o que afasta sua responsabilização em relação aos acessórios da dívida principal
e aos honorários advocatícios, que deverão ser cobrados apenas do devedor afiançado.

Por se tratar de contrato benéfico, as disposições relativas à fiança devem ser interpretadas de forma
restritiva (art. 819 do CC), razão pela qual, nos casos em que ela é limitada (art. 822), a responsabilidade do
fiador não pode superar os limites nela indicados. Ex: indivíduo outorgou fiança limitada a R$ 30 mil; significa
que ele não terá obrigação de pagar o que superar esta quantia, mesmo que esse valor a maior seja
decorrente das custas processuais e honorários advocatícios (Inf. 595).

Atente-se ao caso da fiança que garante a locação urbana (Lei de Locações). Salvo disposição em
contrário, qualquer das garantias da locação vai se estender até que o imóvel seja devolvido, ainda que esta
prorrogação tenha se dado por prazo indeterminado. Então a fiança será prorrogada, conforme seja
prorrogada automaticamente a fiança.

374
Por isso a lei diz que, passando a fiança a ter prazo indeterminado, o fiador poderá se exonerar por
uma notificação dirigida ao locador. Neste caso, ficará garantida a dívida ainda por mais 120 dias após a
notificação.

Em julho de 2015 o STJ entendeu que essa tese da prorrogação da fiança se estenderá também para
fianças prestadas em contratos bancários. Neste caso, o fiador poderá se exonerar para não mais afiançar o
débito.

Se o contrato principal for nulo, a fiança será nula, pois se trata de contrato acessório, mas o contrário
não ocorrerá da mesma forma.

a) Efeitos e regras da fiança no Código Civil

A fiança pode ser total ou parcial, podendo afiançar parte da dívida ou a dívida toda. O que não se
pode fazer é afiançar um valor superior ao valor do débito principal.

Em regra, a fiança será total, garantindo a dívida com todos os seus acessórios, juros, multa, despesas
judicial com citação do fiador, etc., tendo ele direito de regresso contra o afiançado.

Tornando-se insolvente ou incapaz o fiador, o credor pode exigir a sua substituição. Se esta
substituição do fiador não ocorrer, haverá o vencimento antecipado da dívida.

Lembre-se que o fiador não é devedor solidário e sim subsidiário, tendo benefício de ordem.
Regulamentando o benefício de ordem, o art. 827 diz que o fiador demandado pelo pagamento da dívida
tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

O fiador que alega o benefício de ordem deve indicar os bens do devedor principal que bastem para
a satisfação da dívida. Mas ele irá nomear bens livre e desembaraçados localizados no mesmo município em
que haja a cobrança da dívida. Tartuce entende que essa redação literal do dispositivo deve sofrer
ponderações.

O art. 828 consagra hipóteses em que o fiador não pode alegar benefício de ordem:

• fiador renunciou expressamente ao benefício de ordem;


• fiador se obrigou como principal pagador ou como devedor solidário;
• devedor estiver insolvente ou devedor falido.

A renúncia ao benefício de ordem será nula quando estiver inserida em contrato de adesão,
conforme o Enunciado 364 do CJF.

O art. 829 diz que a fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa
em solidariedade entre os fiadores, se não reservarem o benefício da divisão.

375
A exceção a esta regra consta do fato em que se houver no contrato de fiança uma distribuição de
quanto cada um deles ficará responsável.

O art. 834 diz que, quando o credor sem justa causa deixar de dar andamento à execução feita
contra o devedor, o fiador poderá fazê-lo, pois caso não pague o devedor, o fiador deverá pagar.

Tanto é que o art. 835 diz que o fiador poderá se exonerar da fiança que tenha celebrado sem
limitação de tempo sempre que lhe convier. Este dispositivo está dizendo que o fiador, se foi prestada por
prazo indeterminado, poderá se exonerar quando quiser.

Neste caso, ficará o fiador obrigado a todos os efeitos da fiança 60 dias após a notificação do credor.

Atente-se que o fiador ficará por 120 dias obrigado quando se tratar de locação urbana. No caso de
contratos em geral, ficará o fiador obrigado por mais 60 dias a contar da comunicação.

O art. 836 diz que a obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas a responsabilidade da fiança será
limitada ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.

O contrato de fiança depende da confiança, sendo personalíssimo, de forma que a morte implica fim
ao contrato de fiança.

O art. 837 diz que o fiador pode opor ao credor as exceções e defesas pessoais do próprio fiador, que
geram a extinção do contrato, mas também poderá alegar defesas extintivas da obrigação que competem ao
devedor principal. Ex.: fiador não paga sob alegação da prescrição, pagamento direto ou indireto, etc.

O fiador, mesmo que solidário, fica desobrigado se, sem o seu consentimento, o credor conceder
moratória ao devedor. O STJ entende que moratória ou transação entre devedor e o credor exoneram o
fiador, ainda que ele tivesse assumido a obrigação em caráter solidário, já que não participou dessa nova
celebração.

A fiança será extinta se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos direitos e preferências
do credor pelo fiador. Ex.: o credor é credor de garantia real (hipoteca) e garantia fidejussória (existe um
fiador), mas o credor renuncia a sua preferência sobre a coisa, executando o fiador.

Neste caso, a fiança estará extinta por fato atribuível ao credor, visto que estará o fiador
impossibilitado de se sub-rogar aos direitos e preferências que ele tinha.

Ademais, a fiança será extinta se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do


devedor, um conteúdo diverso da dívida obrigada. Ou seja, a fiança está extinta se houver dação em
pagamento, mesmo que depois o credor venha a perder esse bem em razão da evicção.

376
O art. 839 diz que se for invocado o benefício de ordem e o devedor, retardando-se a execução, cair
em insolvência, também ficará o fiador exonerado. Isso quer dizer que, quando for executar o fiador, e ele
indicar vários bens do devedor, alegando benefício de ordem, mas o credor nada o fez.

Quanto à sua extensão da fiança, ela poderá ser classificada em:

• Fiança ilimitada: quando a garantia concedida pelo fiador abrange a integralidade da obrigação,
incluindo as parcelas acessórias da dívida principal. Ex.: multa contratual, juros de mora e
atualização monetária;
• Fiança limitada: quando o fiador manifesta, de forma expressa, que só está se responsabilizando
por determinada parcela da obrigação. Na fiança limitada, o fiador poderá dizer que está se
responsabilizando apenas pela obrigação principal e que não pagará despesas acessórias. Ex.:
fiador se compromete a pagar apenas os aluguéis que o inquilino não quitar, mas não arcará com
multa ou quaisquer outras verbas acessórias. Existe também a possibilidade de a fiança limitada
abranger até mesmo apenas uma parte da obrigação principal. Ex.: fiador se comprometo a pagar
até o máximo de 70% da dívida principal, caso o devedor não cumpra sua parte.

A regra é que a fiança seja ilimitada (total, universal). Assim, se o fiador quiser se responsabilizar
apenas por parte da obrigação, isso deverá ser expressamente consignado no contrato. Em caso de silêncio
por parte do fiador (ou seja, se o contrato não falar nada), entende-se que a fiança foi concedida de forma
ilimitada.

Por essa razão, o art. 822 diz que, não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios
da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.

Já o art. 823 afirma que a fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em
condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá
senão até ao limite da obrigação afiançada.

XVII. Transação

Transação é uma espécie de concessão recíproca. Transação é um contrato por meio do qual as
partes vão pactuar a extinção de uma obrigação por meio de concessões recíprocas.

A transação pode ser preventiva, sendo antes de ser instaurado qualquer processo judicial.

É um contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo e deve ter como objeto direitos
obrigacionais de cunho patrimonial e de caráter privado. Se não for dispositivo, não há como transacionar.

377
O art. 842 diz que a transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou
por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita
por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz

A transação é um contrato formal, mas não é solene, salvo quando o ato exigir escritura pública. Há
pelo menos a exigência de forma escrita.

A transação poder ser:

• Transação judicial (ou extintiva): ocorre quando a transação é feita perante o juiz. Essa transação
deverá ser feita por escritura pública ou por termo nos autos, assinado pelas partes e
homologado pelo juiz, fazendo coisa julgada material.
• Transação extrajudicial (ou preventiva): é feita preventivamente, antes de ser instaurado o
litígio judicial. Exige-se apenas a forma escrita.

A transação deve ser interpretada de forma restritiva, já que há concessões mútuas.

Diante de natureza contratual da transação, via de regra, produz efeitos inter partes (p. relatividade).
No entanto, pode admitir algumas exceções, como o caso da transação entre o credor e o devedor, sem o
conhecimento do fiador, implica desobrigação do fiador. Portanto, produziu efeitos perante um terceiro que
nem participou da transação.

A transação entre um credor solidário e um devedor vai extinguir a obrigação desse devedor em
relação a todos os credores solidários que não participaram da transação.

Se a transação for entre um dos devedores solidários e seu credor, vai se extinguir a dívida para todos
os devedores solidários.

Portanto, há uma exceção ao princípio da relatividade do contrato.

Ocorrendo a evicção da coisa renunciada pelo outro transigente, ou seja, o transigente forneceu ao
outro uma coisa a que depois gerou evicção.

A consequência é o reavivamento da obrigação extinta pela transação? Não. Diferentemente da


dação em pagamento, que é modo de pagamento indireto, aqui há um contrato. O fato de experimentar a
evicção não implica o retorno do status a quo anterior à celebração da transação. O evicto terá direito a
perdas e danos (art. 845).

Em decorrência do princípio da indivisibilidade, que é adotado pelo art. 848 do CC, chegamos a
conclusão de que é nula a transação quando é nula qualquer de suas cláusulas. Por isso o princípio da
indivisibilidade.

378
Nula a cláusula da transação, nula é a transação. Em se tratando da transação, haverá mitigação do
princípio da preservação do contrato.

Ressalte-se o parágrafo único do art. 848 que diz que, quando a transação versar sobre diversos
direitos contestados, independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não prejudicará os
demais, já que os demais são independentes.

Ou seja, se a transação estiver tratando de diferentes objetos e direitos, os quais são independentes
entre si, o fato de ter sido maculado um direito não atinge os demais.

O art. 850 diz que é nula a transação a respeito do litígio de uma sentença transitada em julgado, se
dessa sentença não tinha conhecimento algum dos transatores. Ou ainda é nula uma transação por título
posteriormente descoberto se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o objeto da transação. É nula
a transação a non domino.

XVIII. Compromisso

Compromisso é um acordo de vontades por meio do qual as partes decidem que não vão submeter
o litígio a uma decisão judicial, conferindo a solução de uma desavença a um árbitro ou árbitros. Diante desse
conflito de interesses de natureza disponível será feita por um árbitro.

A arbitragem se restringe a direitos patrimoniais disponíveis, decidindo as próprias partes a tarefa de


retirar do judiciário e submete a um árbitro a decisão do fato em apreço.

O compromisso arbitral não se confunde com cláusula compromissória. A cláusula é prevista em


contrato para que a arbitragem seja solucionada. No compromisso arbitral ocorre após o surgimento do
conflito, situação em que as partes acordam em submeter o litígio ao árbitro.

O compromisso é bilateral, oneroso, consensual e comutativo.

O art. 851 vai admitir duas formas de compromisso arbitral:

• Compromisso arbitral judicial: é celebrado na pendência da lide (endoprocessual). É feito por


termo nos autos.
• Compromisso arbitral extrajudicial: ocorre antes do ajuizamento da ação. Portanto, pode ser
celebrado por escritura pública ou particular.

O art. 853 traz a cláusula compromissória, que é uma convenção, através da qual as partes
comprometem-se a submeter à arbitragem litígios que possam vir a surgir, relativamente ao contrato.

Recentemente, o STJ entendeu que o Poder Judiciário não pode decretar a nulidade de cláusula
arbitral (compromissória) sem que essa questão tenha sido apreciada anteriormente pelo próprio árbitro.

379
Isso porque, segundo o art. 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), antes de judicializar
a questão, a parte que deseja arguir a nulidade da cláusula arbitral deve formular esse pedido ao próprio
árbitro (Info 591).

Segundo a Ministra Nancy Andrighi, a kompetenz-kompetenz (competência-competência) é um dos


princípios basilares da arbitragem, que confere ao árbitro o poder de decidir sobre a sua própria
competência, sendo condenável qualquer tentativa, das partes ou do juiz estatal, no sentido de alterar essa
realidade. Em outras palavras, no embate com as autoridades judiciais, deterá o árbitro preferência na
análise da questão, sendo dele o benefício da dúvida

Vale ressaltar que essa questão da nulidade poderá ser apreciada pelo Poder Judiciário em momento
posterior. Isso porque, para fazer cumprir a sentença arbitral, o credor terá que ajuizar uma execução judicial.
Nesse momento, o devedor poderá se defender por meio de embargos à execução alegando a nulidade da
cláusula arbitral e, consequentemente, da sentença arbitral.

Excepcionalmente, é possível que o Poder Judiciário, nos casos em que prima facie é identificado um
compromisso arbitral "patológico", isto é, claramente ilegal, declare a nulidade dessa cláusula,
independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral.

Outro julgado importante do STJ foi o de que a franquia, ainda que não seja contrato de consumo, é
um contrato de adesão. Segundo o art. 4º, § 2º da Lei nº 9.307/96, nos contratos de adesão, a cláusula
compromissória só terá eficácia se o aderente:

• tomar a iniciativa de instituir a arbitragem; ou


• concordar, expressamente, com a sua instituição, por escrito, em documento anexo ou em
negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo,
como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96. Assim, é
possível a instituição de cláusula compromissória em contrato de franquia, desde que observados os
requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96.

→ DIREITO DAS COISAS


1. Introdução

O direito das coisas é um ramo do direito civil, mas qual é o conteúdo desse ramo?

O objeto do direito das coisas são as relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas
diretamente. Pessoas e coisas determinadas ou determináveis.

380
Coisa é tudo aquilo que não é pessoa, que não é humano.

Há uma relação de domínio exercida pela pessoa em face da coisa. A pessoa é o sujeito ativo e exerce
o poder sobre a coisa.

No direito das coisas, o sujeito passivo é indeterminado, podendo ser determinável. O sujeito passivo
é a coletividade, pois a ideia é o efeito erga omnes. Toda coletividade deve respeitar aquele direito.

Existe uma discussão sobre se seria mais adequado se valer da expressão direitos reais ou direitos
das coisas.

O direito das coisas é mais abrangente (ex.: posse), pois os direitos reais têm enumeração legal.

Em relação aos direitos reais, direito que é exercido sobre um bem, há duas teorias que vão justificar
os direitos reais:

• Teoria personalista: o direito real é uma relação jurídica estabelecida entre pessoas, mas uma
relação intermediada por coisas, ainda que as pessoas sejam indeterminadas. Essa teoria nega a
realidade metodológica dos direitos reais ou das coisas.
• Teoria realista: é a teoria clássica. O direito real constitui um poder imediato que a pessoa exerce
sobre a coisa, e com eficácia erga omnes. Para esta teoria real, o direito real é direito imediato
da pessoa sobre a coisa. Esta é a teoria adotada.

Os direitos reais vão girar em torno do conceito de propriedade, apresentando características


próprias, que vão distingui-los dos direitos pessoais de caráter patrimonial.

São características dos direitos reais x direitos pessoais de caráter patrimonial:

• Os direitos reais têm oponibilidade erga omnes. No direito patrimonial, em regra, há efeitos
apenas inter partes, sem vincular ninguém mais.

• Nos direitos reais há direito de sequela, que segue a coisa, caso ela seja móvel, onde quer que
esteja. No direito patrimonial há a responsabilidade patrimonial de quem deve ao titular.

• No direito real há um direito de preferência, tendo caráter taxativo na lei (tipicidade). No caso
direitos pessoais de caráter patrimonial, há contratos típicos e atípicos, inominados, não sendo
o rol taxativo.

Em relação ao rol taxativo dos direitos reais, é importante ver o art. 1225 do CC. Segundo o
dispositivo, são direitos reais:

• a propriedade;

381
• a superfície;
• as servidões;
• o usufruto;
• o uso;
• a habitação;
• o direito do promitente comprador do imóvel;
• o penhor;
• a hipoteca;
• a anticrese.
• a concessão de uso especial para fins de moradia;
• a concessão de direito real de uso.

O que são direitos reais, via de regra, está descrito no art. 1.225. Para a doutrina clássica, o rol é
taxativo, mas leis extravagantes podem criar novos direitos reais. O art. 1.225 é, em verdade, uma tipicidade
legal dos direitos reais, razão pela qual a lei possa vir trazer outras situações em que haverá direitos reais,
como a Lei 11.977, que dispõe sobre o Minha Casa Minha Vida, criando a legitimação da posse como direito
real (art. 59).

A doutrina clássica diz que direitos reais são taxativo.

Flávio Tartuce defende que se trata de uma tipicidade legal. Portanto, haveria uma maior abertura
para a criação dos direitos reais.

O STJ entretanto já entendeu que a multipropriedade imobiliária (time-sharing), incluída no Código


Civil, pela Lei 13.777/2018, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se com os institutos
constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil.

Isso ocorreu quando a Corte Superior entendeu ser inválida a penhora da integralidade de imóvel
submetido ao regime de multipropriedade (time-sharing) em decorrência de dívida de condomínio de
responsabilidade do organizador do compartilhamento.

Para provas objetivas, adotar a taxatividade dos direitos reais.

I. Principais diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais patrimoniais

• Direitos reais:
o Relação estabelecidas entre pessoas e coisas (relação imediata).
o Incidência forte do princípio da publicidade.
o Direito real tem eficácia erga omnes. O registro da transferência do imóvel é constitutivo do
direito de propriedade.

382
o Rol é taxativo.
o Direito é permanente.
o Direitos são usucapíveis.

• Direitos pessoais:
o Relação jurídica entre pessoas. O objeto imediato é uma prestação, que pode ser uma coisa
ou um fazer.
o Princípio mais relevante é a autonomia privada.
o Os direitos pessoais tem eficácia inter partes.
o O rol é exemplificativo.
o O direito tem caráter transitório, como regra.
o Não se adquirem por usucapião.

Quanto à eficácia inter partes, tem essa sido relativizada nos direitos pessoais de caráter patrimonial,
como a tutela externa do crédito, eficácia do contrato perante terceiros e função social dos contratos faz
com que o contrato produz efeitos e deva ser respeitado inclusive por quem nem participou do contrato,
havendo uma relativização da relatividade dos contratos.

Existem ainda conceitos híbridos, intermediários, tais como a posse. Flávio Tartuce entende ser
direito especial. Há quem defenda que não é sequer direito, mas um fato (minoritária).

Outro conceito intermediário é o das obrigações propter rem, que tem caráter pessoal, mas
perseguem a coisa. Ex.: se não foi pago o condomínio, o locatário deverá pagar. O condomínio, apesar de
não ser um direito real, é uma obrigação que persegue a coisa.

O abuso de direito no exercício da propriedade (ato emulativo) também é um conceito híbrido. Isso
porque, o direito de propriedade é um direito real, mas quando há um abuso no exercício desse direito real,
há uma repercussão dos direitos pessoais de caráter patrimonial, gerando o dever de indenizar.

2. Posse

I. Natureza jurídica da posse

Moreira Alves aponta duas correntes.

1ªC: entende que posse é fato.

2ªC: entende que posse é direito. É a prevalente.

Se posse é direito, é preciso saber se se trata de direito real ou de direito pessoal. Aqui há
entendimento para todos os lados.

383
Orlando Gomes defende que se trata de direito real de direito de posse.

Flávio Tartuce diz que o direito real é de natureza especial. Especial porque a posse é o domínio
fático que a pessoa exerce sobre uma coisa. Se direito é fato, valor e norma, a posse é o componente jurídico
do direito. A posse nasce de um fato que é valorado e encontra respaldo normativo. Por isso teria a natureza
especial, por conta desse nascedouro fático.

Atente-se que há duas correntes que procuram justificar a posse como categoria jurídica.

1ª Teoria Subjetivista (Savigny): dá relevância ao aspecto subjetivo da posse. Aqui a posse possui
dois elementos:

• Corpus: é o elemento objetivo, material, que é a disponibilidade sobre a coisa.


• Animus domini: é o elemento subjetivo, que é a intenção de ter a coisa para si.

Perceba que se for adotada a teoria subjetiva, não seriam possuidores o locatário, comodatário,
depositário, etc., pois não teriam animus domini.

Por isso, dizem-se que foi adotada a teoria objetivista.

2ª Teoria Objetiva (Ihering): para constituição da posse basta que o sujeito disponha fisicamente
da coisa. Na verdade, para o Ihering, o corpus é formado pela atitude externa do possuidor em relação à
coisa. O possuidor passa a agir, em relação à coisa, com intuito de explorá-la, inclusive economicamente.
Para a teoria objetiva, dentro do corpus há uma intenção de explorar a coisa para fins econômicos.

Essa teoria foi a adotada no Código Civil, basta ler o art. 1.196, o qual diz que se considera possuidor
todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Portanto, posse é quem exerce ou tem de fato o exercício de um dos exercícios inerentes à propriedade.

Corpus é o elemento físico dotado de uma intenção de uma exploração econômica, diferente de
Savigny, que diz que é necessário o domínio físico (corpus), somado à vontade subjetiva (animus).

Pelo conceito objetivo, consegue-se perceber que a posse pode ser desdobrada, podendo haver a
posse direta e a posse indireta. O locador é possuidor indireto, pois exerce um dos poderes inerentes à
propriedade, pois o proprietário goza da propriedade. O locatário usa a coisa, ou seja, exerce um dos
atributos da propriedade, sendo possuidor direto.

II. Diferenças entre posse e detenção

• Posse: é exercida em nome próprio.


• Detenção (ou fâmulo da posse): é exercida em nome alheio.

384
O art. 1.198 diz que se considera detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para
com outro, conserva a posse em nome desta outra pessoa e em cumprimento de ordens ou instruções
suas. O parágrafo único afirma que, aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este
artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

Exemplo do fâmulo da posse é o caseiro. Outro também é o manobrista, exercendo sobre o bem
uma posse sobre outra pessoa. Veja, o manobrista exerce detenção em relação à empresa, a qual é
possuidora do carro no momento da condução.

Outro exemplo ainda é o caso da ocupação irregular de área pública. O STJ entende que a ocupação
irregular de área pública não induz posse e sim mera detenção. Por isso, será considerado mero detentor.

É possível que o mero detentor se torne possuidor? SIM. É possível a conversão da detenção em
posse, quando há a quebra do vínculo de subordinação (Enunciado 301 do CJF). E isso poderá ocorrer de
forma justa ou injusta.

III. Principais classificações da posse

a) Quanto ao desdobramento

Quanto ao desdobramento, a posse se classifica em:

• Posse direta: exercida por quem tem o poder físico sobre a coisa (ex.: locatário).
• Posse indireta: exercido por meio de outra pessoa, como um exercício de direito (ex.: locador).

O Enunciado 76 do CJF diz que o possuidor direto tem direito de defender sua posse contra o
possuidor indireto, e o possuidor indireto tem direito de defender sua posse contra o possuidor direto.

b) Quanto aos vícios objetivos

Quanto à presença de vícios objetivos:

• Posse justa: é a posse não violenta, não clandestina ou não precária.


• Posse injusta: é a posse violenta, clandestina ou precária.

A posse violenta é aquela obtida por meio de esbulho, violência física ou moral, como a ameaça.

A posse clandestina é a posse obtida às escuras, às escondidas.

A posse precária é a posse obtida com abuso de confiança ou abuso de direito. Ex.: o sujeito para de
pagar o aluguel e não devolve o imóvel.

385
A posse, mesmo injusta, é posse. Isso significa que é possível defender essa posse injusta em face
de terceiros, inclusive se valer de ações possessórias em caso de esbulho e turbação. Isso porque a posse é
viciada somente sobre uma determinada pessoa, e não em relação a todo mundo.

O art. 1.208, segunda parte, vai dizer que posses injustas por meio de violência ou clandestinidade
podem ser convalidadas. No entanto, as posses precárias não podem ser convalidadas. Segundo o
dispositivo, não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua
aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Portanto, uma posse que nasce violenta ou clandestina poderá ser convalidada caso cesse a violência
ou a clandestinidade. Este é o entendimento que prevalece na doutrina.

Após 1 ano e 1 dia do ato de violência ou da clandestinidade, a posse é convalidada, deixando de


ser injusta e passa a ser justa. A posse precária, no entanto, continuará sendo injusta.

c) Quanto à boa-fé subjetiva

Quanto à boa-fé subjetiva, classifica-se a posse em:

• Posse de boa-fé: é a posse que ignora a existência de um vício que impede a aquisição da coisa.
• Posse de má-fé: é a posse em que há conhecimento do vício que acomete a coisa. Por isso, do
ponto de vista subjetivo, pois está na cabeça do sujeito.

É possível falar em posse de boa-fé injusta?

SIM. Nada impede alguém ter uma posse injusta e de boa-fé. Basta pensar naquele que adquire a
posse de outrem sem saber que aquela posse é injusta. Houve a violência, e na semana seguinte houve a
transferência da posse, pois não houve a ultrapassagem do prazo de 1 ano e 1 dia, a fim de se tornar justa.

É possível haver posse justa e de má-fé?

SIM. Posse justa é uma posse não violenta, não clandestina e não precária. Mas é possível que essa
posse contenha algum vício. Nesse caso, haverá uma posse justa e de má-fé.

d) Quanto à presença de um título

A posse poderá ser:

• Posse com título: há uma causa representativa da transmissão da posse. Há documento escrito.
• Posse sem título: não há essa causa representativa da posse, não há documento escrito.

386
No caso do achado de tesouro, a doutrina fala em ato-fato jurídico, pois o indivíduo não teria a
vontade juridicamente relevante para que o ato jurídico produza efeitos. Mas concorda-se que há a posse
daquela pessoa, mas uma posse sem título.

Com base nessa ideia, surgem as expressões:

• Ius possidendi: é o direito à posse que decorre da propriedade. Há uma posse com título, pois
decorre da propriedade, do direito explicitado.
• Ius possessionis: é o direito que decorre exclusivamente da posse. Há uma posse sem título, que
decorre de um exercício fático. É a posse que decorre da posse.

Alguns autores falam da posse natural, que é a posse sem título (ius possessionis), e posse civil ou
jurídica, que é o ius possidendi (posse com título).

Quando há título presume-se a boa-fé.

e) Quanto ao tempo

A posse pode ser classificada em:

• Posse nova: a posse conta até 1 ano, ou seja, com menos de 1 ano e 1 dia.
• Posse velha: a posse conta com pelo menos 1 ano e 1 dia.

A importância está na seara processual civil, a fim de verificar o cabimento das ações possessórias.

f) Quanto aos efeitos

A posse se classifica em:

• Posse ad interdicta: a posse pode ser defendida inclusive por meio das ações possessórias
diretas. Essa posse não conduz à usucapião. É a posse fundada em contrato de locação,
comodato, depósito, etc.
• Posse ad usucapionem: há admissão da aquisição da propriedade por meio da usucapião. Deve
ser mansa, pacífica, duradoura, ininterrupta e deve ter a intenção de ser dono. Aqui não há
contrato, mas se houver, será como justo título, ajudando a presumir a boa-fé.

Perceba que quando se fala em posse ad usucapionem adota-se a teoria de Savigny, levando em
conta que a posse seria um exercício fático com animus domini.

Via de regra, há adoção da teoria objetiva de Ihering, mas também se adota, no caso da posse ad
usucapionem, a teoria de Savigny.

IV. Efeitos materiais e processuais da posse

387
a) Efeitos quanto aos frutos

O art. 1.214 diz que o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto a boa-fé durar, aos frutos
percebidos.

O parágrafo único vai dizer que os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser
restituídos, mas apenas depois de serem deduzidas as despesas da produção e custeio daquele fruto.
Devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação, pois não eram para estar percebidos.

A lei distingue a boa-fé da má-fé com repercussão naquilo que tem ou não direito.

O art. 1.215 diz ainda que os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos logo que
são separados. No entanto, os frutos civis reputam-se percebidos dia por dia (juros).

Lembre-se que frutos não implicam a diminuição da coisa. O produto gera a diminuição da coisa.

O art. 1.216 trata do possuidor de má-fé, estabelecendo que o possuidor de má-fé responde por
todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos frutos que, por culpa sua, deixou de perceber,
desde o momento em que se constituiu de má-fé. O possuidor de má-fé tem direito às despesas da produção
e custeio.

O possuidor de boa-fé só responde pelos frutos pendentes, pois os que já colheu e já percebeu são
dele.

Em relação ao produto, que implica diminuição da substância da coisa, há um dever de restituição,


ainda que o possuidor seja de boa-fé. Isso porque, quando se retira um produto, se está desfalcando a coisa,
pois ela passa a ser menor do que era anteriormente. E para vedar o enriquecimento sem causa, deve ser
devolvida a coisa completa e não incompleta.

Quando se fala em fruto, devolve-se a coisa completa, mas no produto, para se falar em devolver a
coisa completa, deve ser devolvida a coisa completa naquele período.

b) Efeitos da posse em relação às benfeitorias

Benfeitorias são bens acessórios, que serão introduzidos, a fim de conservar, melhorar a sua
utilidade, classificando-se em necessária (conservar a coisa), útil (melhora a utilidade da coisa) e voluptuária
(de mero deleite).

O art. 1.219 diz que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e
úteis. Quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, terá ele o direito de levantá-las, quando o puder
sem detrimento da coisa principal, e terá o possuidor de boa-fé o direito de retenção pelo valor das
benfeitorias necessárias e úteis.

388
Em relação à locação de imóvel urbano, há uma regulamentação específica a respeito do possuidor
de boa-fé e de má-fé quanto às benfeitorias.

Essa lei vai dizer que, salvo disposição contratual em sentido diverso, as benfeitorias necessárias,
introduzidas pelo locatário, mesmo que não tenham sido autorizadas pelo locador, gerará o direito de
indenização ao locatário. As benfeitorias úteis, no entanto, se tiverem sido autorizadas pelo locador,
também deverão ser indenizadas.

Neste caso, permitirão tanto a necessária, ainda que sem autorização, quanto a útil, com
autorização do locador, o direito de retenção. Em relação às voluptuárias, poderão ser levantadas, desde
que não gerem dano à coisa.

Veja, as partes de um contrato paritário de locação poderão dispor de modo diferente, como é o caso
em que não há qualquer direito de indenização por benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias, ou ainda
que terá direito a qualquer benfeitoria.

Em relação às benfeitorias, o art. 1.220 vai dizer que ao possuidor de má-fé serão ressarcidas
somente as benfeitorias necessárias, não tendo o direito de retenção pela importância destas, nem o de
levantar as voluptuárias.

Já o art. 1.222 diz que o reivindicante da coisa é obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de
má-fé, sendo essas benfeitorias necessárias. Nesse caso, sendo possuidor de má-fé, o reivindicante poderá
optar em pagar o valor atual da coisa ou o valor do custo da coisa para o possuidor de má-fé, segundo mais
interessante ao reivindicante.

No entanto, se o reivindicante reivindica a coisa de um possuidor de boa-fé, deverá o reivindicante


pagar pelo valor atual da coisa, e não pelo seu preço de custo.

É uma forma de punir a posse de má-fé.

V. Posse e responsabilidades

O art. 1.217 diz que o possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que
não der causa. Veja, o dispositivo diz que o possuidor de boa-fé tem responsabilidade subjetiva.

Já o art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que
acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante. Em
outras palavras, a responsabilidade do possuidor de má-fé é objetiva. Só vai se eximir se comprovar que a
deterioração da coisa ocorresse de qualquer modo.

389
O art. 1.221 diz que as benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento
se ao tempo da evicção ainda existirem. Há aqui uma hipótese de compensação legal.

VI. Posse e processo civil

Três são as situações que possibilitam 3 ações respectivas:

• Ameaça à posse: promove-se uma ação de interdito proibitório.


• Turbação da posse: promove-se uma ação de manutenção de posse.
• Esbulho da posse: promove-se uma ação de reintegração de posse.

O art. 1.210 do CC vai dizer que o possuidor tem direito a ser mantido na posse no caso de turbação,
de ser restituído na posse no caso de esbulho e de ser segurado na posse no caso de uma violência iminente
em que precise dessa segurança.

Há no art. 554 do NCPC a consagração total do princípio da fungibilidade das ações possessórias.
Segundo este dispositivo, a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz
conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

Se está diante de uma amaça, turbação ou esbulho novo, que são aqueles com menos de 1 ano e 1
dia, caberá uma ação de força nova, que seguirá o rito especial previsto no NCPC, cabendo a medida liminar
inaudita altera pars.

Por outro lado, se houver uma amaça, turbação ou esbulho velho, com mais de 1 ano e 1 dia, haverá
uma ação de força velha, observando-se o procedimento comum.

Em 2016, o STJ entendeu que particulares podem ajuizar ação possessória para resguardar o livre
exercício do uso de via municipal (bem público de uso comum do povo) instituída como servidão de
passagem. Ex: a empresa construiu uma indústria e invadiu a via de acesso (rua) que liga a avenida à uma
comunidade de moradores locais. Os moradores tem legitimidade para ajuizar ação de reintegração de posse
contra a empresa alegando que a rua que está sendo invadida representa uma servidão de passagem.

Atente-se que o ordenamento jurídico não permite a proteção possessória em caso de particular
que ocupe bens públicos dominicais, sendo esta situação caracterizada como mera detenção. No entanto,
é possível que particulares exerçam proteção possessória para garantir seu direito de utilizar bens de uso
comum do povo, como é o caso, por exemplo, da tutela possessória para assegurar o direito de uso de uma
via pública.

a) Principais aspectos processuais

É necessário analisar o art. 555 do NCPC.

390
Segundo este dispositivo, é lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de:

• condenação em perdas e danos;


• indenização dos frutos.

Poderá cumular sem haver a desnaturação do rito possessório.

O parágrafo único diz que pode o autor requerer, ainda, imposição de medida necessária e adequada
para:

• evitar nova turbação ou esbulho;


• cumprir-se a tutela provisória ou final.

O que este dispositivo autoriza é a de que, além de condenação em perdas e danos e indenização
dos frutos, é possível fixar uma multa inibitória para que o réu não faça novamente.

Lembre-se que a ação possessória tem caráter dúplice, sendo possível que o réu, na contestação da
ação possessória, poderá alegar que ele é o ofendido, devendo ele ser indenizado pelo autor. Trata-se do
pedido contraposto (art. 556).

Já o art. 557 afirma que na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu,
propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a ação de reconhecimento de domínio for deduzida
em face de terceira pessoa. Aqui há uma mudança, pois não havia esta previsão.

O parágrafo único diz que não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a alegação de
propriedade ou de outro direito sobre a coisa.

Se o réu prova que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece de idoneidade
financeira para, caso perca, responder por perdas e danos, o juiz fixará o prazo de 5 dias para que fixe caução,
podendo ser real ou fidejussória, sob pena de a coisa ser depositada em juízo.

Essa caução é dispensada quando se está lidando com partes economicamente hipossuficientes,
havendo uma interpretação voltada para a função social e dignidade da pessoa humana.

O art. 562 diz que, estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu,
a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração da posse. Caso não esteja devidamente
instruída, determinará que o autor justifique previamente o alegado, antes da expedição do mandado de
manutenção ou reintegração da posse, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.

O parágrafo único vai dizer que, contra as pessoas jurídicas de direito público, não será deferida a
manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais. Este
dispositivo traz uma exceção.

391
O art. 563 vai dizer que, se considerar suficiente a justificação apresentada pelo autor, o juiz fará logo
expedir mandado de manutenção ou de reintegração.

O art. 565 vai dizer que, no litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação do
imóvel tiver ocorrido há mais de 1 ano e 1 dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida
liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 dias. Lembrando que na mediação
o mediador não propõe a solução às partes, mas fomenta um contato entre elas.

Se passou de 1 ano e 1 dia, em regra, a lei não permite a liminar, pois voltaria para o procedimento
comum. Todavia, o próprio NCPC traz uma exceção, por conta da necessidade de audiência de mediação no
prazo de 30 dias.

No caso de litígio coletivo pela posse de imóvel, caso tenha sido concedida a liminar, e se essa não
for executada no prazo de 1 ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de
mediação.

Lembrando que o Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria
Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça. O juiz poderá
comparecer à área objeto do litígio quando sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela
jurisdicional.

Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito
Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim
de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o
conflito possessório. Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel.

Segundo o art. 1.211 do CC, quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á
provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que essa pessoa obteve a posse de modo
viciado. Portanto, ficará mantida na posse aquela pessoa que já se encontra na posse. Esse dispositivo trata
do chamado possuidor aparente.

O art. 1.212 diz que o possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o
terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que era esbulhada.

Este dispositivo diz que aquele que sofreu esbulho pode propor uma ação de reintegração de posse
em face de um terceiro de má-fé, que adquiriu a posse por quem sabia que adquiriu por ser esbulhada.

VII. A legítima defesa da posse e o desforço imediato

392
O art. 1.210, §1º, diz que o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por
sua própria força, contanto que o faça logo. Portanto, os atos devem ser imediatos. E além disso, os atos de
defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

Há aqui uma previsão de uma autotutela, sendo requisitos:

• defesa seja imediata


• possuidor tome o cuidado para que as medidas não possam ir além do indispensável para a
recuperação da posse, sob pena de abuso do direito.

A legítima defesa é antes do esbulho, ocorrendo na turbação da posse.

O desforço imediato ocorre após o esbulho, pois já foi perdida a posse.

VIII. Forma de aquisição, transmissão e perda da posse

O art. 1.204 afirma que a posse é adquirida desde o momento em que se torna possível o exercício,
em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

Dessa forma, há a aquisição da posse de diferentes maneiras, como:

• Aquisição originária: contato direto entre a pessoa e a coisa.


• Aquisição derivada: há uma intermediação pessoal.

Quando se encontra uma coisa abandonada e é pega para si, há uma forma de aquisição originária.
Mas quando alguém vende um bem é forma de aquisição derivada.

Como forma derivada mais importante há a tradição, que é a entrega de bem móvel.

Professor Washington de Barros Monteiro classifica a tradição da seguinte forma:

• Tradição real: há a entrega efetiva da coisa.

• Tradição simbólica: não há a entrega efetiva da coisa, mas algo que simboliza a entrega. Ex.:
entrega da chave do apartamento. É o que ocorre na traditio longa manu, em que a coisa a ser
entregue é colocada à disposição da outra parte.

• Tradição ficta: é a tradição que se dá por presunção, como ocorre na traditio brevi manu.

O art. 1.206 diz que a posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos
caracteres. É o princípio da continuidade do caráter da posse, pois é uma forma derivada da aquisição da
posse, em que as características é passada aos herdeiros e legatários.

393
O art. 1.207 vai dizer que o sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor. Já ao
sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Sucessor universal é o caso de herança e legítima. Sucessor singular é o caso de compra e venda,
sucessão e legado.

Então, nos casos de herança há simplesmente uma sucessão. Portanto, nos casos de herança, em
que há a sucessão universal, há continuidade da posse do atual com o antecessor.

No caso de sucessão singular (compra e venda), o possuidor atual poderá unir a sua posse atual com
o seu antecessor.

Isto é importante para fins de usucapião futuramente.

O art. 1.209 diz que a posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que
nele estiverem, de forma que havendo a transmissão da posse do imóvel haverá também transmissão da
posse dos bens móveis que guarnecem o bem imóvel, já que esses bens são acessórios. Há aplicação do
princípio da gravitação jurídica.

O art. 1.223 diz que a posse será perdida quando ela cessa, embora contra a vontade do possuidor.
Será considerada cessada a posse quando ele perde o poder sobre o bem, ou seja, quando cessa os atributos
inerentes ao direito de propriedade.

O art. 1.224 diz que só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando,
tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

Isso significa dizer que, tomada a notícia de que o imóvel foi esbulhado, poderá o possuidor se dirigir
até o local e retirar as pessoas de lá no ato, visto que não se considera que a posse foi perdida, somente se
considerando que no outro dia foi perdida a posse.

IX. Composse

Composse é posse conjunta.

É uma situação na qual duas ou mais pessoas exercerão poderes possessórios sobre a mesma coisa.
Há um condomínio de posses.

O art. 1.199 vai dizer que, se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma
exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.

394
Se ele excluir um compossuidor do exercício de posse, haverá possibilidade de ação possessória do
compossuidor excluído. A conclusão que se chega é de que é possível que um compossuidor ingresse com
ação possessória contra outro compossuidor. Há inclusive decisão do STJ nesse sentido.

A composse pode ser classificada em:

• Composse pro indiviso (indivisível): há compossuidores, com fração ideal das posses, mas não
se consegue determinar, no plano fático, qual é a parte de cada um. Ex.: dois irmão com a posse
de uma fazenda, que plantam soja conjuntamente.
• Composse pro diviso (divisível): cada compossuidor sabe qual é a sua parte, pois é determinável
no plano fático e real. Ex.: os dois irmãos têm um terreno, mas há uma cerca dividindo metade
do local.

3. Propriedade

I. Conceito

Propriedade é o direito que alguém possui em relação a algum determinado bem ou coisa. É o
domínio que a pessoa tem sobre a coisa.

Direito de propriedade é consagrado como direito fundamental (art. 5º, XXII, CF). A propriedade não
é direito absoluto, motivo pelo qual deve haver o cumprimento da função social.

A propriedade está relacionada a 4 atributos (art. 1.228):

• Faculdade de usar: corresponde à faculdade de se pôr o bem a serviço do proprietário, sem


modificar a sua substancia. O Estatuto da Cidade coloca limitação ao direito de usar a coisa.
• Faculdade de gozar (fruir): é a faculdade de retirar os frutos da coisa.
• Faculdade de dispor: poder de consumir o bem, de aliená-lo ou gravá-lo, ou de submetê-lo ao
serviço de terceira pessoa, ou de desfrutá-lo. Pode se dar por ato inter vivos ou mortis causa
(testamento).
• Faculdade de reaver: é exercido por meio de uma ação petitória, fundada no direito de
propriedade. Isso se dá pela ação reivindicatória.

Se determinada pessoa tiver os 4 atributos da propriedade, haverá a propriedade plena da coisa. Se


não houver um dos atributos a propriedade será limitada.

Quando a propriedade for resolúvel, também há uma propriedade limitada, pois alguns dos
atributos da propriedade passam a ser de outra pessoa. O proprietário, que reúne todos os poderes (ou
atributos) da propriedade (GRUD), é titular da propriedade plena ou alodial.

395
Quando limitada ou restrita, a propriedade pode dividir-se em:

• Nua propriedade: é a titularidade do domínio, sem os atributos de uso e fruição. A pessoa é o


nu-proprietário, senhorio direto.
• Domínio útil: corresponde aos atributos de usar, gozar, dispor da coisa. A pessoa é o
superficiário, usufrutuário, usuário, habitante, promitente comprador etc. É a utilização efetiva
da coisa, que corresponde aos atributos de usar, gozar e dispor da coisa.

A depender dos atributos que possui, a pessoa que detenha o direito de propriedade recebe uma
denominação diferente, como superficiário, usufrutuário, usuário, habitante, promitente comprador, etc.

Por exemplo, no usufruto percebe-se que o nu proprietário tem o direito de dispor e reaver a coisa,
mas quem tem o domínio útil (usufrutuário) tem os atributos de gozar e usar da coisa.

II. Principais características do direito de propriedade

São características do direito de propriedade:

• Direito absoluto: tem caráter erga omnes, oponível a todos. Mas hoje há muitas limitações ao
direito de propriedade, como a função social e socioambiental da propriedade.
• Direito exclusivo: via de regra, não pode pertencer a coisa a mais de uma pessoa, salvo no caso
de condomínio.
• Direito perpétuo: o direito não se perde, como regra, pelo seu não exercício.
• Direito elástico: Orlando Gomes diz que a propriedade pode ser distendida ou contraída, de
acordo com o seu exercício. Ora o sujeito tem os 4 atributos, estando estendida, ora ele tem
menos atributos, contraindo o direito de propriedade.

III. Função social e socioambiental da propriedade

O §1º do art. 1.228 vai dizer que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o
estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio
histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Esse dispositivo confere uma finalidade ao exercício do direito de propriedade. É necessário que a
propriedade cumpra essa função.

A função social e socioambiental da propriedade está prevista no CC e no art. 225 da CF, dispositivo
que protege o meio ambiente como um bem difuso e que visa à sadia qualidade de vida das pessoas e futuras
gerações (assegura direitos intergeracionais).

396
A função social da propriedade tem uma dupla intervenção:

• Faceta limitadora: veda a degradação do meio ambiente.


• Faceta impulsionadora: fomenta a exploração da propriedade.

A CF traz vários preceitos que seguem a linha da faceta impulsionadora da função social da
propriedade. O art. 186 da CF vai dizer que há função social da propriedade quando há o aproveitamento
racional e adequado da propriedade. É preciso aproveitar a propriedade para que se exerça a função social.
É preciso observar, como o art. 186 continua, as relações do trabalho, exigindo relação de emprego.

A norma geral civil vai consagrar uma função socioambiental da propriedade, devendo respeitar a
fauna, flora, patrimônio histórico e artístico, etc. Esse dispositivo traz uma especial preocupação com o
ambiente, seja natural, artificial ou cultural, mas há a preocupação ambiental.

Exemplo disso se extrai do STJ, quando passou a decidir que o novo proprietário de um imóvel é
obrigado a fazer a reparação ambiental, mesmo que não tenha sido ele o causador do dano ambiental. Ou
seja, a obrigação de reparação ambiental é ambulatória e, portanto, propter rem.

É imperioso anotar que o art. 2º, §2º, do Código Florestal diz que as obrigações previstas no Código
Florestal têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência
de domínio ou posse do imóvel rural. É o direito de sequela objetivo, em que a obrigação persegue a coisa
sobre a qual ela recai.

O art. 1.228, §2º, diz que são proibidos os atos que não trazem ao proprietário qualquer
comodidade ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. Na verdade, o que há aqui
é a vedação do exercício irregular do direito de propriedade. É a vedação ao ato emulativo.

Portanto, se prendermos à literalidade, bastaria que o sujeito tivesse alguma utilidade ou


comodidade ao direito de propriedade para não se falar em ato emulativo. A verdade é que o ato ilícito pode
ser praticado a partir do exercício irregular do direito de propriedade, ainda que o sujeito tenha alguma
comodidade.

É necessário então fazer uma leitura sistemática do art. 1.228, §2º, do CC, mas terá que lembrar do
art. 187 do CC, que diz que também comete ato ilícito aquele que abusa do direito.

O Enunciado 49 do CJF diz que a regra do art. 1.228, §2º, deve ser interpretada restritivamente,
prevalecendo a regra do art. 187 do CC. Para efeitos de ato emulativo, é preciso considerar que a
responsabilidade tem caráter objetivo, e não subjetivo.

O §3º do art. 1.228 trata da desapropriação por necessidade ou por utilidade pública, e da
desapropriação por interesse social, além de tratar do ato de requisição em caso de perigo público

397
iminente. Segundo o dispositivo, o proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por
necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público
iminente.

Flávio Tartuce diz que esse dispositivo fala de direito administrativo.

O art. 1.229 diz que a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes,
em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam
realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-
las. Esse dispositivo trata da extensão vertical da propriedade. Esse artigo vai se amparar no critério de
utilidade pelo seu proprietário.

Segundo o art. 1.230, a propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos
minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por
leis especiais. Isso se dá, porque a CF diz que tais bens pertences à União.

O que fica garantido ao concessionário é o produto da lavra, mas o bem pertence à União.

O parágrafo único estabelece que o proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos
minerais de emprego imediato na construção civil, desde que esses produtos não sejam submetidos a
transformação industrial.

Exemplo disso é a areia. O sujeito que compra uma propriedade e contém areia, poderá vender a
uma construtora, pois a areia não necessita de transformação industrial.

O art. 1.231 diz que a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.

IV. Desapropriação judicial privada por posse-trabalho

Segundo o §4º do art. 1.228, o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel
reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 anos, de
considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras
e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

Essa é a denominada desapropriação judicial privada por posse-trabalho.

Esse dispositivo diz que o proprietário poderá perder a área se:

• Se tratar de uma área extensa


• Várias pessoas estiverem morando lá
• Essa pessoas estão de boa-fé
• Estão lá a mais de 5 anos ininterruptamente

398
• Estão exercendo trabalho e moradia no lugar
• Realizaram serviços e obras considerados relevantes pelo juiz de interesse social e econômico

Neste caso, o juiz irá fixar uma justa indenização ao proprietário, pagando-se o preço a ele, situação
na qual a sentença poderá ser registrada no Registro de Imóveis, em nome daqueles que se encontram na
área.

Atente-se que isto não se trata de usucapião. Isso porque na usucapião há uma forma originária de
aquisição da propriedade, motivo pelo qual não há pagamento por isso. Neste caso da desapropriação judicial
privada por posse-trabalho há o pagamento, então é uma forma de desapropriação, visto que há
indenização.

Há 4 diferenças básicas entre a desapropriação judicial privada por posse-trabalho e a usucapião


coletiva do Estatuto da Cidade:

• Na usucapião coletiva urbana, os ocupantes devem ser de baixa renda. Na desapropriação


judicial privada por posse-trabalho não há essa exigência.

• Na usucapião coletiva urbana, a área deve ter no mínimo 250m², enquanto na desapropriação
judicial privada por posse-trabalho exige apenas uma extensa área.

• Na usucapião coletiva urbana, só há aplicação para imóveis urbanos, enquanto a desapropriação


judicial privada por posse-trabalho pode ser por imóveis urbanos ou rurais.

• Na usucapião coletiva urbana, não há indenização, enquanto na desapropriação judicial privada


por posse-trabalho há uma indenização justa.

Esse conceito representa a efetivação da função social da propriedade, pois é a posse que está sendo
exercido sobre a área, e o desempenho da atividade positiva sobre o imóvel faz com que a posse faça nascer
o direito à propriedade daquele imóvel, desde que paga uma justa indenização.

A boa-fé da posse e daqueles que ocupam o terreno na desapropriação não é uma boa-fé objetiva.
A boa-fé aqui é subjetiva, estando relacionada à conduta dos envolvidos, verificando-se se empregam uma
forma adequada da exploração da propriedade.

A desapropriação judicial privada por posse-trabalho pode ser alegada inclusive como matéria de
defesa, bem como por ação autônoma.

V. Diferença entre propriedade resolúvel e propriedade fiduciária

a) Propriedade resolúvel

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A propriedade resolúvel é uma propriedade que pode ser resolvida. Pode ser extinta pelo advento
de uma condição ou de um termo, ou mesmo por uma causa superveniente, que venha a destituir a relação
jurídica. Exemplo disso é a chamada compra e venda com cláusula de retrovenda. Durante esse período de
até 3 anos a propriedade do comprador é uma propriedade resolúvel, podendo ser extinta a qualquer
momento.

O art. 1.359 vai dizer que, resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento
do termo (causa anterior), entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência
(retorna ao status a quo), e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do
poder de quem a possua ou detenha.

Já o art. 1.360 afirma que, se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor,
que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à
pessoa, em cujo benefício houve a resolução, que ela proponha uma ação contra aquele cuja propriedade se
resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor.

Exemplo de causa superveniente é a ingratidão do donatário, que pode gerar revogação da doação.
Se pode gerar a revogação, há uma causa superveniente, a qual pode destituir a relação jurídica. Se antes
dessa causa superveniente, o donatário aliena o bem que foi a ele doado. Neste caso, em regra, o terceiro
será de boa-fé, ficando perfeita a propriedade. Caberá apenas ao doador ingressar com uma ação contra o
donatário a fim de que este o indenize.

b) Propriedade fiduciária

A propriedade fiduciária é uma propriedade baseada na confiança (fidúcia). Aqui há uma


propriedade resolúvel.

O art. 1.361 vai considerar fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor
tenha, com escopo de garantia, transferido ao credor.

Basicamente, na propriedade fiduciária há este movimento: Pedro devedor compra da


concessionária um carro. Para tanto, Pedro vai ao banco e pede 50 mil reais, comprando o bem da
concessionária. No entanto, a concessionária transfere a Pedro que transfere a propriedade ao banco. O
dono do carro, em verdade, é o banco. Essa transferência de Pedro ao banco é como forma de garantia de
que irá pagar o empréstimo. Quando terminar de pagar as prestações, aquele bem passa a ser de Pedro.
Portanto a propriedade do banco é resolúvel.

A Lei 9.514/97 vai regular a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis. O art. 22 da Lei vai dizer
que a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com

400
o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa
imóvel.

VI. Formas de aquisição da propriedade imóvel

Existem formas originárias de aquisição de propriedade e formas derivadas.

• Formas originárias: basicamente há acessões e a usucapião. Acessões são ilhas, aluvião, avulsão,
álveo abandonado, plantações, construções. A outra é a usucapião.
• Formas derivadas: o registro imobiliário é uma forma e a sucessão hereditária (saisine).

a) Formas originárias de aquisição da propriedade imóvel

O que há aqui é uma propriedade que inicia do zero, entre a pessoa e a coisa, nenhum vício anterior
subsiste.

Agora veremos as acessões naturais e das acessões artificiais.

i. Acessões naturais

O art. 1.248 diz que as acessões constituem um modo de aquisição originário da propriedade, através
do qual passa a pertencer ao proprietário tudo aquilo que foi incorporado natural ou artificial na sua
propriedade.

São acessões naturais a formação de ilhas, aluvião, avulsão ou abandono de álveo.

São acessões artificiais as plantações ou construções.

→ Formação de ilhas:

A ilha é uma faixa de terra que é cercada por água em todos os lados. Importante é perceber que há
um acúmulo paulatino de areia, cascalho, materiais que vão sendo levados pela correnteza até que ultrapasse
o limite da água.

Pode acontecer também de haver o rebaixamento da água, descobrindo uma parte de terra.

O que interessa no direito civil apenas as ilhas formadas em rios não navegáveis, ou seja, particulares,
pois, do contrário, será ilhas públicas.

O código vai dizer que no caso das ilhas particulares, elas irão pertencer aos proprietários ribeirinhos
que fazem fronteiras ali (fronteiros).

As regras são simples:

401
• as ilhas que se formarem no meio do rio: consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos
ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir
o álveo em duas partes iguais;
• as ilhas que se formarem entre a referida linha e uma das margens: consideram-se acréscimos
aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado;
• as ilhas que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer
aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram: se a ilha é produto de um
braço do rio que abriu sobre o terreno de alguém, a ilha será deste.

→ Aluvião

Aluvião é a forma de aquisição da propriedade imóvel em que os acréscimos formados, sucessiva e


imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio
das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.

É um processo lento.

O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre
eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem.

Perceba-se que há dois tipos de aluvião:

• Aluvião própria: é o acréscimo natural que vai sendo levado pelas águas do rio, até que surja
uma terra.
• Aluvião imprópria: se dá quando as águas se afastam, formando um terreno descoberto e
acréscimo de terra.

→ Avulsão

Segundo o art. 1.251, a avulsão se dá quando, por força natural violenta, uma porção de terra se
destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar
o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em 1 ano, ninguém houver reclamado.

O parágrafo único vai dizer que, recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que
se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.

→ Álveo abandonado

Álveo é a superfície que as águas cobrem, sem transbordar para o solo natural.

Álveo abandona é a parte que secou do rio. É o rio que seca, que desaparece.

402
Conforme o art. 1.252, o álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das
duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso,
entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo.

ii. Acessões artificiais

O art. 1.253 vai dizer que toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita
pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário.

Existem 6 regras específicas em relação ao tema (arts. 1.254 – 1.259):

• Quem semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais
alheios, adquire a propriedade destes materiais, sementes ou plantas, porém fica obrigado a
pagar o valor desses materiais, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé. Ex.: se
o sujeito havia deixado sementes na fazenda do vizinho, mas no outro dia o vizinho havia
plantado todas as sementes na área dele, agiu de má-fé, devendo pagar indenização por perdas
e danos.

• Quem semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as


sementes, plantas e construções. Se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização. Se a
construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-
fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo (exceção ao princípio da gravitação
jurídica), mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo. É o
que a doutrina chama de acessão inversa ou invertida.

• Se de ambas as partes houve má-fé, o proprietário adquirirá as sementes, plantas e


construções, devendo ressarcir o valor das acessões. Aqui, o sujeito sabe que está plantando
em terreno que não é seu e o proprietário sabe que alguém está plantando no seu terreno
irregularmente. Em relação ao proprietário, presume-se a má-fé quando o trabalho de
construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua.

• Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não
superior à vigésima parte deste, o construtor adquire de boa-fé a propriedade da parte do solo
invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte invadida, e responde por indenização
que cubra o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente. Essa indenização
deve corresponder ao valor de 5% do terreno, mas também ao valor da desvalorização da área
remanescente.

• Pagando em 10 vezes as perdas e danos, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte


do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder

403
consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo
para a construção. Aqui é o invasor de má-fé. Isso se não puder ser demolida a parte invasora
sem grave prejuízo à construção como um todo.

• Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio for superior a 5% (vigésima parte)
deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que
abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da
desvalorização da área remanescente. Por outro lado, estando de má-fé, será obrigado a
demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em
dobro.

O STJ decidiu no sentido de que o construtor, proprietário dos materiais, poderá cobrar do
proprietário do solo a indenização devida pela construção, quando não puder havê-la do contratante. Ex:
a Empresa "A" contratou uma construtora (Empresa “C”) para fazer um centro comercial no terreno
pertencente à empresa "B". A empresa "B", mesmo não tendo participado do contrato, poderá ser
responsabilizada subsidiariamente caso a construção seja realizada e a construtora (Empresa “C”) não seja
paga. Aplica-se, ao caso, o parágrafo único do art. 1.257: "O proprietário das sementes, plantas ou materiais
poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou
construtor (Inf. 593).

ii. Usucapião de bens imóveis

A usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade, em que há a aquisição de um


domínio, ou de outro direito real (como usufruto), se dá através de uma posse prolongada.

As principais características da posse ad usucapionem, que podem gerar a aquisição da propriedade:

• Posse seja exercida com a intenção de dono (animus domini)


• Posse deve ser mansa e pacífica (não pode ter sido contrariado por quem tinha o legítimo
interesse).
• Posse deve ser contínua e duradoura, e, em regra, há um determinado lapso temporal a ser
cumprida. A exceção é o art. 1.243 que admite a soma de posses sucessivas.
• Posse deve ser justa. Posse justa é a posse não violenta, não clandestina e não precária. Os vícios
da violência e clandestinidade podem cessar.
• Posse dever ser de boa-fé e com justo título, em regra (ordinária). A usucapião extraordinária
não depende de boa-fé e justo título.

404
O art. 1.243 vai dizer que o possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido, acrescentar à sua
posse a dos seus antecessores, contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, com justo título e de boa-
fé.

O art. 1.244 estabelece que se estende ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das
causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.
Por isso muitos chamam a usucapião de prescrição aquisitiva.

A prescrição poderá ser impedida ou suspensa, bem como ser interrompida. No caso de
impedimento, o prazo prescricional não começa a correr, mas na suspensão o prazo, já iniciado, para de
correr, voltando a correr de onde parou. Na interrupção, o prazo para e volta a correr do início.

São hipóteses de impedimento e suspensão da prescrição:

• Não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;


• Não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
• Não corre a prescrição entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a
tutela ou curatela;
• Não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes (menores de 16 anos);
• Não corre a prescrição contra os ausentes do País em serviço público;
• Não corre a prescrição contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de
guerra;
• Não corre a prescrição pendendo condição suspensiva;
• Não corre a prescrição não estando vencido o prazo;
• Não corre a prescrição pendendo ação de evicção.
• Não corre a prescrição antes da respectiva sentença definitiva, quando a ação se originar de
fato que deva ser apurado no juízo criminal;

O art. 201 diz que, suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, esta suspensão só
aproveita aos demais se a obrigação for indivisível.

Com relação à interrupção da prescrição, percebe-se que há condutas do credor ou conduta do


devedor, fazendo com que o prazo se interrompa e retorne ao seu início. A interrupção da prescrição
(usucapião) somente ocorrerá uma única vez, sendo as hipóteses:

• interrompe a prescrição o despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o


interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
• interrompe a prescrição o protesto judicial ou o protesto cambial;

405
• interrompe a prescrição a apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em
concurso de credores;
• interrompe a prescrição qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
• interrompe a prescrição qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor.

A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do
processo para a interromper.

São modalidades de usucapião de bens imóveis:

• Usucapião ordinária
• Usucapião extraordinária
• Usucapião constitucional (especial rural)
• Usucapião constitucional (especial urbana)
• Usucapião especial urbana por abandono do lar
• Usucapião especial urbana coletiva
• Usucapião especial indígena

→ Usucapião ordinária (art. 1.242)

Segundo o art. 1.242, adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e
incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por 10 anos.

Portanto, são requisitos:

• posse contínua e duradoura, mansa e pacífica


• justo título e boa-fé
• lapso temporal de 10 anos.

O parágrafo único reduz esse prazo para de 5 anos, se o imóvel houver sido adquirido,
onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde
que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social
e econômico.

A doutrina faz uma crítica, pois o código exige um duplo requisito para reduzir: i) pagamento
onerosamente e o registro no cartório; ii) nesse período em que estava registrado fez sua moradia e realizou
investimentos de interesse social e econômico.

→ Usucapião extraordinária (art. 1.238)

406
Segundo o art. 1.238, aquele que, por 15 anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu
um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que
assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

O prazo será reduzido para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia
habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

O sujeito exerce a posse mansa, pacífica, duradoura e contínua pelo prazo de 15 anos, não
dependendo de justo título ou boa-fé. Para reduzir, baste estabelecer a moradia habitual ou realizar obras
ou serviços de caráter produtivo.

→ Usucapião constitucional ou usucapião especial rural (art. 191 da CF)

Segundo o art. 191, aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como
seu, por 5 anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares,
tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a
propriedade.

O art. 191 é reproduzida literalmente pelo art. 1.239 do CC. Não há exigência de justo título e boa-
fé. Nesse caso, o registro será meramente declaratório da propriedade.

É uma usucapião pro labore, gerada pelo trabalho.

O Enunciado 594 diz que é possível adquirir uma propriedade de menor extensão do que ao do
módulo rural estabelecida para a região, por meio da usucapião especial rural.

→ Usucapião constitucional ou usucapião especial urbana ou usucapião pro misero (art. 183 da CF)

O art. 183 vai dizer que, aquele que possuir como sua área urbana de até 250m², por 5 anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O direito ao usucapião especial urbana não é reconhecido ao mesmo possuidor por mais de uma
vez. Essa vedação não se vislumbra da usucapião especial rural.

Destaque-se que o herdeiro legítimo continua de pleno direito à posse de seu sucessor, desde que já
resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

As somas das posses somente pode ser mortis causa, não podendo ser inter vivos.

A usucapião especial urbana não exige justo título ou boa-fé.

→ Usucapião especial urbana por abandono do lar (art. 183 da CF)

407
A Lei 12.424 incluiu a usucapião especial urbana por abandono do lar no sistema da usucapião
especial urbana.

O art. 1.240-A diz que, aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição,
posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade dividia com ex-
cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-
lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O direito da usucapião especial urbana por abandono do lar não é conhecida por mais de uma vez.

Ressalte o entendimento no Enunciado 595 do CJF, estabelecendo que o requisito do abandono do


lar deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como um abandono voluntário da
posse do imóvel, somada à ausência da tutela da família. Não importa a culpa do fim do casamento ou da
união estável.

→ Usucapião especial urbana coletiva

O art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257) diz que as áreas urbanas com mais de 250m², ocupadas
por população de baixa renda para sua moradia, por 5 anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não
for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas
coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

A usucapião especial coletiva de imóvel urbano é declarada por sentença, a qual servirá de título para
registro no cartório de registro de imóveis.

Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da
dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.

O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de
seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

A usucapião especial urbana coletiva estabelece um condomínio especial entre os usucapientes, o


qual será indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo,
2/3 dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de


votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

→ Usucapião especial indígena

Está prevista no Estatuto do Índio.

408
Segundo o art. 33, o índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por 10 anos consecutivos,
trecho de terra inferior a 50 hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena.

Este artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas
reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.

→ Observações

Usucapião administrativa

Além das modalidades judiciais, a Lei Minha Casa Minha Vida (Lei 11.977) instituiu a modalidade de
usucapião administrativa, efetivada pelo cartório de registro de imóveis, a fim de que o poder público
legitime a posse, sejam eles públicos ou particulares, a qual será concedida aos moradores cadastrados pelo
poder público, desde que esses não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de um outro imóvel
urbano ou rural, e desde que não sejam beneficiários de uma legitimação de posse concedida anteriormente.

O detentor do título de legitimação de posse, depois de 5 anos com esse título, poderá requerer ao
oficial de registro de imóveis que seja convertida a legitimação de posse em registro de propriedade. Nesse
caso, desde que se trate de imóvel particular, pois bem público não haverá essa conversão.

Usucapião extrajudicial

O art. 1.071 do CPC incluiu a usucapião extrajudicial, em que se permite o reconhecimento da


usucapião na esfera extrajudicial, sendo uma faculdade.

iii. Usucapião imobiliária e a questão intertemporal

O art. 2.029 diz que até dois 2 após a entrada em vigor do Novo Código Civil, os prazos estabelecidos
no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242, que tratam da usucapião ordinária e
extraordinária com prazo reduzido em razão da posse trabalho ou moradia, serão acrescidos de 2 anos,
qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916.

A ideia é não pegar o sujeito de surpresa. Ex.: antes o prazo era de 15 anos e após o NCC é de 10
anos. Se já tinha a posse do imóvel por 10 anos antes do CC, não é possível, com a entrada em vigor do novo
código, dizer que ele já se tornara proprietário. Para isso, caso tivesse 10 anos, teria ele de completar mais 2
anos a fim de consumar a usucapião.

Para os demais casos de usucapião, valerá a regra do art. 2.028, o qual estabelece que serão os da lei
anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

409
Então se antes o prazo era de 20 anos para usucapião, e com a entrada em vigor do código civil já
tivesse passado mais de 10 anos, continua sendo regulado pela lei anterior, caso o prazo tenha sido reduzido
pelo código civil.

Se o prazo de usucapião era de 20 anos, e ainda não tenha passado da metade do prazo, então, com
a entrada do novo código civil, será considerado o novo prazo.

O entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência é de que, no caso de redução dos prazos


de prescrição, transcorrido metade ou menos da metade do prazo anterior, o novo prazo será contado a
partir do novo prazo do código civil. A doutrina diz que será considerado o novo prazo contado a partir da
entrada do Código Civil.

b) Formas de aquisição derivada da propriedade

i. Registro público

O registro do título aquisitivo é a principal maneira derivada de aquisição da propriedade imóvel.


É o registro que implica transferência da propriedade.

O art. 108 diz que os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis devem
ser feitos por escritura pública, se o valor do imóvel for superior a 30 salários mínimos. Do contrário, basta
que seja escrita.

A escritura pública não transfere a propriedade. Esta é uma solenidade, ou seja, uma formalidade,
estando no prazo de validade do contrato. Para que o contrato produza efeitos, é preciso que haja o registro
imobiliário, situando-se no plano da eficácia do contrato. É ele que vai gerar a aquisição da propriedade.

O art. 1.245 do CC vai dizer que a propriedade vai se transferir entre vivos através do registro. Ou
seja, é forma derivada de aquisição.

Segundo o art. 1.246, o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial
do registro, e este o prenotar no protocolo. A partir desse momento, o registro é eficaz, ou seja, consagra-se
o princípio da prioridade, tendo ela quem primeiro solicitou o registro ao registrador.

Se o teor do registro for falso, o interessado poderá requerer que o teor do registro seja retificado
ou anulado (art. 1.247). Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente
da boa-fé ou do título do terceiro adquirente.

ii. Sucessão hereditária de bens imóveis

Na sucessão hereditária de bens imóveis, a propriedade se transfere com a morte. É uma forma de
aquisição derivada da propriedade.

410
O registro é feito apenas para fins de publicidade, visto que a transferência do imóvel se deu com a
morte.

Segundo o art. 1.784, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos
e testamentários. Este é o princípio da saisine.

VII. Formas de aquisição da propriedade móvel

a) Ocupação e achado do tesouro e estudo da descoberta

→ Ocupação

O art. 1.263 diz que aquele que se assenhorear de coisa sem dono desde logo lhe adquire a
propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.

A ocupação é uma forma de aquisição originária da propriedade (res nullius – coisa de ninguém).

Pode ser objeto de ocupação inclusive a coisa abandonada por outrem (res derelicta).

→ Achado do tesouro

O art. 1.264, em sua primeira parte, conceitua o tesouro como sendo o depósito antigo de coisas
preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória.

Três são as regras que merecem destaque:

• o tesouro será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro
casualmente, desde que tenha agido de boa-fé.
• o tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em
pesquisa que o proprietário ordenou, ou se quem encontrou o tesouro foi terceiro não
autorizado (agiu de má-fé).
• sendo o tesouro encontrado em terreno aforado, o tesouro será dividido por igual entre o
descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor.

→ Descoberta

Segundo o art. 1.233, quem quer que ache coisa alheia perdida deve restituir a coisa ao dono ou
legítimo possuidor.

A coisa perdida não é coisa sem dono! O dono apenas não está com a coisa porque a perdeu.

411
Se o descobridor da coisa não conhecer o dono, deverá tomar todas as medidas necessárias para
encontrá-lo. Caso não encontre a coisa, deverá entregar à autoridade competente (delegado de polícia ou
juiz de direito).

A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de


informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar.

Após 60 dias da divulgação, e ninguém tenha aparecido, a coisa será vendida em hasta pública, serão
deduzidas as despesas da coisa, a recompensa do descobridor (que não pode ser inferior a 5%) e o restante
pertencerá ao município. Se o valor da coisa for diminuto, o município poderá abandonar em favor de quem
a achou.

A recompensa não pode ser inferior a 5%, sendo ela denominado achádego.

O art. 1.235 diz que o descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor
legítimo, quando tiver procedido com dolo. Não responderá por prejuízos que tenha causado com culpa.

b) Usucapião de bens móveis

É forma originária de aquisição da propriedade.

Há aqui duas formas:

• Usucapião ordinária
• Usucapião extraordinária

→ Usucapião ordinária

Quem possui a coisa móvel como sua, de forma contínua e pacífica, durante 3 anos, desde que tenha
justo título e boa-fé, vai adquirir a propriedade.

→ Usucapião extraordinária

Aqui, se a posse da coisa se prolongar por 5 anos, haverá usucapião, sendo dispensável a boa-fé e o
justo título.

c) Especificação

A especificação é uma forma derivada de aquisição da propriedade móvel.

Especificar é concentrar uma coisa. Consiste na transformação de uma coisa numa nova espécie,
através do trabalho de alguém (especificador). Tendo o especificador feito o seu trabalho, não é mais possível
o retorno a sua forma anterior.

412
Ex.: quando há uma escultura em relação a uma pedra. Se a pedra pertencia a alguém, mas tenha
havido a especificação da pedra, por meio da escultura, feita pelo escultor.

São regras da especificação:

• A espécie nova (escultura) será de propriedade do especificador, se não for possível o retorno
ao status anterior. Se o dono da pedra era outro, deverá o especificador indenizar o dono da
coisa anterior. Mas o produto da especificação passa a ser do especificador.

• Se toda a matéria for alheia, e não se puder retornar à forma anterior, e o especificador tiver
agido de boa-fé, a espécie nova será dele.

• Se for possível a redução ao estado anterior, ou quando for impraticável, mas a espécie nova se
foi obtida de má-fé, pertencerá ao dono da matéria-prima. O art. 1.271 diz que o especificador
de má-fé não tem direito sequer a indenização pelo trabalho.

• Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da escultura, escritura e outro


qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima, a espécie nova será do especificador, se
o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-prima.

A regra é a de que a coisa especificada pertence ao especificador. Excepciona no caso de má-fé, em


que a coisa retornará ao dono da matéria-prima, sem direito à indenização ao especificador.

Ainda que o especificador tenha agido de má-fé, se a coisa especificada tiver valor consideravelmente
superior ao valor da matéria-prima, continuará a coisa como dele.

d) Confusão, comistão e adjunção

Essas três categorias são formas derivadas de aquisição da propriedade móvel.

Coisas pertencentes a coisas diversas e a pessoas diferentes se mistura, e de forma que é impossível
o retorno ao status anterior, ou seja, é impossível separá-las.

• Confusão há mistura de coisas líquidas ou mesmo entre gases. Ex.: mistura de álcool com vinho;
álcool com gasolina. Neste caso, não dá mais para separar.
• Comistão é a mistura de coisas sólidas e secas, não sendo mais possível separar. Ex.: mistura de
areia com cimento.
• Adjunção é a justaposição, ou seja, é a sobreposição de uma coisa sobre a outra coisa, não tendo
mais como separar. Ex.: tinta na parede não dá mais para separar.

São regras fundamentais:

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• Se a coisa pertencer a diversos donos, e sendo elas confundidas, misturadas ou adjuntadas sem
o consentimento deles, continuam pertencendo a esses donos diversos, desde que seja possível
separá-las sem deterioração.

• Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo, vai se manter como
indivisível o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com
que entrou para a mistura ou agregado. Se uma das coisas puder considerar-se principal, será o
dono do principal o dono do todo, indenizando os demais.

• Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte caberá escolher entre
adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida a indenização que lhe for
devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que será indenizado. Essa decisão entre
comprar o que falta ou vender o que tem será tomada pelo condômino de boa-fé, e o de má-fé
fica sujeita à decisão do condômino de boa-fé.

• Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie nova, à confusão, comissão ou


adjunção aplicam-se as normas da especificação.

O Código fala em comissão, mas a doutrina aponta que o correto seria comistão.

e) Tradição

A tradição é a entrega da coisa ao adquirente. É uma transferência da propriedade móvel ou ao


menos a posse.

O art. 1.267 diz que a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da
tradição. Portanto, para transferir a propriedade, é necessário haver a tradição do bem móvel.

A tradição pode ser real, simbólica, ficta, etc.

• Tradição real: é a efetiva entrega da coisa a quem adquiriu a coisa.


• Tradição ficta: o parágrafo único afirma que há tradição quando o transmitente continua a
possuir pelo constituto possessório. Ex.: Samer era o dono, mas vendeu a coisa para João, e em
seguida pediu para que a coisa fosse alugada para ele. João aceitou alugar a coisa a Samer,
continuando com a coisa consigo, sendo possuidor. Não houve a entrega efetiva, mas houve uma
tradição ficta, pelo constituto possessório. Também haverá tradição ficta quando o adquirente
já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico, passando a ser o dono da coisa. A isso
se dá o nome de traditio brevi manu.

414
• Tradição simbólica: por outro lado, quando o adquirente cede o direito à restituição da coisa,
que se encontra em poder de terceiro, há uma tradição simbólica, sendo denominada de traditio
longa manus.

O art. 1.268 trata da alienação a non domino, ou seja, alienação por quem não era o dono. Nessas
situações, a tradição não implicará transferência da propriedade, exceto se a coisa oferecida ao público, em
leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé,
como a qualquer pessoa, poderia crer que o alienante se afiguraria dono da coisa.

Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada


a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.

O §2º diz que não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico
nulo.

f) Sucessão hereditária de bens móveis

É a aplicação do princípio da saisine, que se dá com a abertura da sucessão.

VIII. Perda da propriedade imóvel e móvel

O art. 1.275 elenca outras hipóteses de perda da propriedade:

• perda da propriedade por alienação;


• perda da propriedade pela renúncia;
• perda da propriedade por abandono;
• perda da propriedade por perecimento da coisa;
• perda da propriedade por desapropriação.

O art. 1.276 diz que o imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o
conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outra pessoa, poderá ser arrecadado,
como bem vago, e passados, 3 anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se
achar nas respectivas circunscrições.

O imóvel rural, todavia, que tenha sido abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser
arrecadado, como bem vago, e passar, 3 anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

O §2º cria uma presunção, muito criticada pela doutrina, afirmando que se presume de modo
absoluto a intenção, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.
A jurisprudência também tempera e modera essa aplicação do §2º.

4. Direito de vizinhança

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I. Conceito

O direito de vizinhança são limitações impostas para que exista uma boa convivência social.

Paulo Lôbo diz que os direitos de vizinhança são um conjunto de normas de convivência entre
titulares de direito de propriedade ou pelo menos de posse de imóveis que estejam próximo uns aos outros.

As normas relativas aos direitos de vizinhança são claras limitações ao exercício da propriedade,
existindo pelo simples fato de uma propriedade ser vizinha de outra propriedade.

Essas obrigações estão na coisa, perseguindo a coisa. Ou seja, são obrigações propter rem,
ambulatoriais.

II. Uso anormal da propriedade

O problema da vizinhança ocorre quando há um uso anormal da propriedade.

O art. 1.277 vai dizer que o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar
as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam o prédio, provocadas
pela utilização de propriedade vizinha.

Veja, para cessar interferências prejudiciais à SEGURANÇA, ao SOSSEGO e à SAÚDE, o direito tem
esse direito.

Aqui, como visto, veda-se o abuso do direito.

O parágrafo único do art. 1.277 diz que são proibidas as interferências externas, considerando-se a
natureza da utilização, a localização do prédio. Além disso, é necessário que sejam atendidas as normas
que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Para verificar se há abuso ao direito de propriedade, é preciso verificar os limites ordinários comuns
de tolerância dos moradores de vizinhança.

O art. 1.278 estabelece que o direito de alegar o uso anormal da propriedade não prevalece quando
as interferências forem justificadas por interesse público. Nesse caso, o proprietário ou o possuidor vizinho,
causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal. Atente-se que não haverá ilicitude, e sim o uso normal
da propriedade.

Exemplo disso ocorre com a chamada passagem de rede elétrica pelo seu terreno, visto que o terreno
do vizinho tem direito a ter rede elétrica.

Pode ainda o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando esta redução ou eliminação se
tornarem possíveis.

416
O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a
reparação do prédio, quando o prédio estiver ameaçado de ruína, bem como poderá exigir que seja
prestada caução pelo perigo de dano iminente.

O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode, no
caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual.

São possíveis várias demandas judiciais fundadas no exercício anormal da propriedade, como ação
de obrigação de fazer, de não fazer, ação de reparar o dano, ação demolitória, ação de nunciação de obra
nova, visando embargar a obra (rito comum) e ainda a ação de dano infecto, exigindo do vizinho que preste
uma caução, já que há riscos de iminente dano.

III. Árvores limítrofes

O art. 1.282 diz que a árvore limítrofe é aquela cujo tronco esteja na linha divisória, caso em que será
presumida de forma relativa de que a árvore pertence em comum aos donos dos prédios confinantes. Há
uma presunção de condomínio.

As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados (raiz
ou galhos), até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido (Art. 1.283). O direito de
fazer a poda não pode comprometer a vida da árvore, já que a propriedade também deve observar a sua
função socioambiental.

O art. 1.284 diz que os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde
caíram, se este for de propriedade particular.

IV. Passagem forçada e da passagem de cabos e tubulações

a) Passagem forçada

O art. 1.285 afirma que o dono do prédio que não tiver acesso à via pública, nascente ou a porte,
poderá, mediante pagamento de indenização, constranger o vizinho para que ele dê passagem. E esse rumo,
se não for feito amigavelmente, será judicialmente fixado.

O imóvel que não tem acesso é o imóvel encravado. O imóvel que cede o acesso é o imóvel serviente.

Será constrangido o vizinho que tenha o imóvel que mais natural e facilmente se preste a esta
passagem, conforme o §1º do art. 1.285.

Se ocorrer a alienação parcial do imóvel serviente, ou seja, uma delas também perde acesso à via
pública e à nascente, o proprietário da outra parte também deverá tolerar essa passagem. O acesso à via é a
única forma de o imóvel efetivamente cumprir sua função social.

417
Não confundir passagem forçada com servidão, em especial com a chamada servidão de passagem.

• passagem forçada: é um instituto de direito de vizinhança, sendo obrigatória. Aqui há o


pagamento de uma indenização, já que se está constrangendo o imóvel vizinho.
• servidão de passagem: é um direito real de gozo, de fruição, não sendo obrigatória, mas
facultativa. Essa indenização só será cabível se houver acordo entre os proprietários dos imóveis
envolvidos.

b) Cabos e tubulações

Além da imposição da passagem forçada, o código trata de forma semelhante com a passagem de
cabos e tubulações.

O art. 1.286 diz que, mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização
da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem através de seu imóvel, de cabos,
tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários
vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa.

Aqui é a ideia de função social da propriedade somado ao interesse público indireto.

O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio
onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel.

Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a
realização de obras de segurança.

V. Águas

O art. 1.288 diz que o dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm
naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo. A condição natural e
anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio
superior. Até porque a passagem do prédio superior ao inferior deve se dar da forma menos gravosa possível.

Em relação aos escoamentos artificiais da água, de um prédio superior ao inferior, poderá o


proprietário do prédio inferior reclamar que se desvie ou que seja indenizado pelos prejuízos que
experimentar. Dessa indenização será deduzido o benefício que recebeu.

Isto é, se esse desaguar artificial deve exigir que se desvie ou exigir que seja ressarcido pelo prejuízo
sofrido, mas também deve haver a compensação dos benefícios que aufere em razão disso.

418
O art. 1.290 diz que o proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as
necessidades de seu consumo, não pode impedir, e nem desviar o curso natural das águas remanescentes
pelos prédios inferiores.

Ou seja, o proprietário do prédio superior não pode impedir que a água, após a necessidade de seu
consumo, continue o seu trajeto e acabe não abastecendo os prédio inferiores.

O art. 1.291 estabelece que o possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas
indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores. As demais, que
não se mostrem indispensáveis, se poluir, deverá recuperá-las, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se
não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas.

O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de
água em seu prédio. Se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado
pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido (art. 1.292).

O art. 1.293 prevê algumas regras importantes:

• É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados,
construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito,
indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável
à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas,
ou a drenagem de terrenos.

• Ao proprietário prejudicado nesse caso, também assiste direito a ressarcimento pelos danos que
experimentou ou de que, no futuro, venha a experimentar, em decorrência da infiltração ou
irrupção das águas.

• Ao proprietário prejudicado terá direito à indenização por conta da deterioração das obras
destinadas a canalizar essas águas.

• O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea essa canalização que atravessa
áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais.

• O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos
imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem incumbem também as despesas de
conservação.

Com relação ao aqueduto, não haverá o impedimento de que os proprietários cerquem os imóveis e
construam sobre ele, sem prejuízo para a sua segurança e conservação. Além disso, os proprietários dos
imóveis poderão usar das águas do aqueduto para as primeiras necessidades da vida.

419
Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão canalizá-las, mediante pagamento de
indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto, de importância equivalente às despesas
que então seriam necessárias para a condução das águas até o ponto de derivação.

Têm preferência os proprietários dos imóveis atravessados pelo aqueduto.

Nesse sentido, o STJ decidiu que o proprietário de imóvel tem direito de construir aqueduto no
terreno do seu vizinho, independentemente do consentimento deste, para receber águas provenientes de
outro imóvel, desde que não existam outros meios de passagem de águas para a sua propriedade e haja o
pagamento de prévia indenização ao vizinho prejudicado (Info 591).

VI. Direito de tapagem e limites entre prédios

O art. 1.297 fala do direito de tapagem, que é o direito de tapar.

É o direito que o proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu
prédio, urbano ou rural.

A norma consagra o direito de constranger o confinante a proceder com ele a demarcação entre os
dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se
proporcionalmente entre os interessados as despesas para essa tapagem.

O § 1o estabelece a existência de um condomínio necessário, entre os proprietários confinantes,


relativamente ao muro que deverão construir. Ou seja, os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios,
tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se, até prova em
contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com
os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.

Atente-se que as sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só
podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum acordo entre proprietários.

O § 3o admite a construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno


porte, ou para outro fim. Nesse caso, a construção pode ser exigida de quem provocou a necessidade, pelo
proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas.

Por fim, sendo confusos os limites entre as propriedades, se não houver outro meio, serão
determinadas conforme a posse justa. Não se achando posse justa provada, o terreno contestado se dividirá
por partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles,
mediante indenização ao outro.

VII. Direito de construir

420
O art. 1.299 diz que o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver,
salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.

O art. 1.300 diz que o proprietário construirá de maneira que o seu prédio não despeje águas,
diretamente, sobre o prédio vizinho, pois, do contrário, haveria o uso abusivo da propriedade.

O que ganha relevância é o direito de privacidade entre os vizinhos.

Por isso, é proibido abrir janelas, fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de 1.5 m do terreno
vizinho. Na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos de 3 metros do terreno vizinho.

Desrespeitando essas regras, o proprietário prejudicado poderá inclusive propor uma ação
demolitória. O prazo decadencial dessa ação demolitória é de até 1 ano e 1 dia da demolição da obra.

O § 1o diz que em relação aos imóveis urbanos, as janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória,
bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de 0.75 centímetros.

Existe uma distinção quanto às aberturas de luz ou aberturas de ventilação.

As vedações de construção de 1.5 m, 3 m ou 0.75 cm não se aplicam quando as aberturas não sejam
maiores do que 0.10 cm de largura, 0.20 cm de cumprimento e estejam construídas a mais de 2 metros de
altura de cada piso.

O art. 1.304 diz que nas cidades, vilas e povoados cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o
dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo, se ela suportar
a nova construção. Nesse caso, o proprietário terá de embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do
chão correspondentes explorados. Há o direto de travejamento ou direito de madeiramento, que é o direito
de colocar uma madeira ou viga no prédio vizinho para utilizar da melhor forma possível o prédio.

O direito de travejamento ou madeiramento está previsto também no art. 1.305, o qual estabelece
que o confinante, que primeiro construir o muro, pode assentar a parede divisória até meia espessura no
terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que
o primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce.

Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo
outro, não poderá o outro fazer um alicerce ao pé dessa parede sem prestar caução, pelo risco a que expõe
a construção anterior.

O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da espessura, não pondo em risco a
segurança ou a separação dos dois prédios, e avisando previamente o outro condômino das obras que ali

421
tenciona fazer; não pode sem consentimento do outro, fazer, na parede-meia, armários, ou obras
semelhantes, correspondendo a outras, da mesma natureza, já feitas do lado oposto.

O art. 1.307 introduz o direito de alteamento, que serve para deixar o muro mais alto, tendo o direito
de aumentar o muro. Neste caso, o código estabelece que qualquer dos confinantes pode altear a parede
divisória, se necessário reconstruindo-a, para suportar o alteamento, caso em que o dono da obra arcará
com todas as despesas, inclusive de conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir meação também na
parte aumentada.

Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos ou
depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho.

Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a
água indispensável às suas necessidades normais.

O CC/02 veda a realização de obras ou de serviços que sejam suscetíveis de provocar


desmoronamento ou deslocamento de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho. Só poderão
ser realizadas esse tipo de obra após houver obras acautelatórias (art. 1.311). O proprietário do prédio
vizinho tem direito a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer, ainda que tenham sido realizadas as obras
acautelatórias.

O art. 1.313 reconhece que o proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho
entre no prédio (direito de penetração), mediante prévio aviso, em algumas hipóteses, tais como:

• Quando dele temporariamente usar, quando for indispensável à reparação, construção,


reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;
• Quando for necessário se apoderar de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem
casualmente.

Estas regras se aplicam aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos,
poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.

Na hipótese de o vizinho se apoderar de coisas suas, uma vez entregues as coisas buscadas pelo
vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.

Se por conta do direito de penetração provier dano, terá o prejudicado direito a ressarcimento.

5. Condomínio

I. Conceito

Condomínio ocorre quando há o domínio exercido por mais de uma pessoa.

422
O condomínio pode ser classificado de algumas formas:

Quanto à origem, o condomínio é classificado como:

• Condomínio voluntário ou convencional: um acordo de vontades criou o condomínio.


• Condomínio incidente ou eventual: motivos estranhos à vontade dos condôminos criaram o
condomínio (ex.: herança).
• Condomínio necessário ou legal: é o condomínio imposto pela lei (ex.: muro que divide duas
propriedades).

Quanto ao objeto do condomínio, poderá ser:

• Condomínio universal: compreenderá a totalidade dos bens. É a regra.


• Condomínio particular: compreenderá determinadas coisas ou determinados efeitos. Isso será
possível quando estiver previsto no ato de instituição do condomínio.

Quanto à forma do condomínio:

• Condomínio pro diviso: determina no plano fático, concreto e corpóreo, quanto é o direito de
propriedade de cada condômino. Ex.: parte autônoma de um condomínio edilício.
• Condomínio pro indiviso: não é possível determinar de modo corpóreo qual é o direito que cada
um dos condôminos têm. Ex.: parte comum do prédio, piscina, churrasqueira, etc.

II. Condomínio voluntário ou convencional

O tratamento do código civil a respeito do condomínio voluntário exclui o condomínio em edificações


(condomínio edilício), o qual terá o tratamento separado.

O art. 1.314 do CC diz que, cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, e pode
exercer sobre essa coisa exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro,
defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

O que não pode é impedir que o outro condômino também se valha ou se utilize da coisa.

Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem poderá dar posse, uso ou
gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.

O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação


ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita (art. 1.315). Presumem-se iguais as partes ideais
dos condôminos.

423
Pode o condômino se eximir do pagamento das despesas e dívidas, desde que renuncie à sua parte
ideal (art. 1.316). Se os demais condôminos assumem as despesas e as dívidas, a renúncia lhes aproveita,
adquirindo a parte ideal de quem renunciou, na proporção dos pagamentos que fizerem. Todavia, se não há
condômino que faça os pagamentos, a coisa comum será dividida.

Quando a dívida houver sido contraída por todos os condôminos, sem se discriminar a parte de cada
um na obrigação, nem se estipular solidariedade, entende-se que cada qual se obrigou proporcionalmente
ao seu quinhão na coisa comum (Art. 1.317).

As dívidas contraídas por um dos condôminos em proveito da comunhão, e durante ela, obrigam o
contratante; mas terá este ação regressiva contra os demais.

O art. 1.319 vai dizer que cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa
e pelo dano que lhe causou a essa coisa, sempre descontada a sua fração.

Diz o art. 1.320 que, a todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum,
respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão.

Se essa divisão não for amigável, é cabível inclusive uma ação de divisão, a qual é imprescritível, pois
a qualquer momento poderá decidir extinguir o condomínio.

Sendo o bem indiviso, caberá a alienação judicial da coisa, dividindo o valor que receber por essa
alienação.

Os condôminos podem acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de 5 anos,
suscetível de prorrogação ulterior.

Atente-se que não poderá exceder de 5 anos a indivisão estabelecida pelo doador ou pelo testador.
Ou seja, não permite a prorrogação.

Se houver o requerimento de qualquer interessado e se graves razões o aconselharem, pode o juiz


determinar a divisão da coisa comum antes do prazo de indivisão.

Se a coisa for indivisível, e os condôminos não quiserem adjudicar a coisa a um só dos condôminos,
e este que adjudicou indenizar os outros, esta coisa deverá ser vendida. Uma vez vendida, será repartido o
apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os
condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo benfeitorias mais
valiosas, o condômino tiver o quinhão maior.

Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em
partes iguais, realizar-se-á licitação especial entre estranhos.

424
Antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, a licitação será procedida entre os
condôminos, a fim de que a coisa seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em
condições iguais, o condômino ao estranho.

a) Administração do condomínio

O art. 1.323 dispõe sobre a administração da coisa comum, de forma que o administrador possa ser
um condômino ou estranho ao condomínio.

Em relação à administração e às decisões do condomínio, será calculado a maioria com base nos
quinhões de cada condômino, as quais têm força vinculativa e são tomadas por maioria absoluta. Não sendo
possível alcançar maioria absoluta, decidirá o juiz, a requerimento de qualquer condômino, ouvidos os
outros.

Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o administrador, que poderá
ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, em condições iguais, o condômino ao que
não o é.

Os frutos da coisa comum, não havendo em contrário estipulação ou disposição de última vontade,
serão partilhados na proporção dos quinhões.

II. Condomínio necessário

As situações típicas de condomínio necessário são as de direito de vizinhança.

O proprietário tem direito de estremar o imóvel com parede, muro, cerca ou vala, tendo o mesmo
direito de adquirir a meação da parede, muro, cerca ou vala que o vizinho já fez, embolsando-lhe metade do
que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado.

IV. Condomínio edilício

Segundo o art. 1.331, é possível que haja condomínio em edificações duas modalidades de partes:

• Partes exclusivas: áreas autônomas, como residências, escritórios, salas etc. dentro do prédio.
Essas partes podem ser alienadas, gravadas livremente pelo seu proprietário, não havendo
direito de preferência dessas áreas exclusivas dentro do condomínio edilício.
• Partes comuns: são partes de propriedade comum do condomínio, como o solo, estrutura do
prédio, telhado, rede de distribuição de água, esgoto, acesso até a rua, etc. Isto não pode ser
alienado separadamente, pois cada fração ideal contém uma parte comum.

A jurisprudência é pacífica de que não há relação jurídica consumerista entre condômino e


condomínio.

425
Para a estruturação do condomínio edilício, são essenciais dois atos:

• Instituição do condomínio edilício


• Constituição do condomínio edilício

O art. 1.332 diz que a instituição do condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento,
registrado no Cartório de Registro de Imóveis.

Da instituição de condomínio devem constar:

• discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das


outras e das partes comuns;
• determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes
comuns;
• finalidade para que as unidades se destinam.

Em relação à convenção de condomínio, que constitui o estatuto coletivo que regula os interesses
dos condôminos, o art. 1.333 vai dizer que deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, 2/3 das frações
ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos
sobre elas tenham posse ou detenção.

Para ela ser obrigatória perante terceiros (erga omnes) deverá ser registrada no cartório de registro
de imóveis.

A convenção é regida pela força obrigatória da convenção (pacta sunt servanda), mas esta convenção
encontra limitações em preceitos sociais e normas de ordem pública.

A convenção de condomínio deve determinar basicamente o que está previsto no art. 1.334:

• determinará a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos


para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
• determinará sua forma de administração;
• determinará a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para
as deliberações;
• determinará as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
• determinará o regimento interno.

A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.

A natureza jurídica do condomínio é de ente despersonalizado, tendo personalidade judiciária,


podendo ir a juízo.

426
Flávio Tartuce defende que deve ser pessoa jurídica.

a) Direitos e deveres dos condôminos

Segundo o art. 1.335, são direitos do condômino:

• usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;


• usar das partes comuns, conforme a sua destinação, desde que não exclua a utilização dos
demais compossuidores;
• votar nas deliberações da assembleia e delas participar, desde que esteja quite com as
obrigações do condomínio.

O art. 1.336 diz que são deveres do condômino:

• contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição
em contrário na convenção;
• não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
• não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
• dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira
prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

b) Penalidades a que está sujeito o condômino

O §1º do art. 1.336 diz que o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros
moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito.

Essa norma é de ordem pública.

O §2o diz que 2/3 dos condôminos podem deliberar pela imposição de uma multa no montante de
até 5 vezes o valor do condomínio para o condômino que tenha realizado uma obra que comprometeu a
segurança da edificação ou que tenha alterado a forma ou a cor da fachada, ou que tenha dado uma
destinação diferente à sua fração ideal, ou ainda que tenha utilizado a sua parte de forma indevida.

Esse dispositivo diz que se o condômino não observar os seus deveres, 2/3 dos condôminos poderão
impor uma multa cujo valor pode chegar a 5 vezes o valor da cota condominial, além das perdas e danos que
se apurarem.

É uma forma de punir aquele que não observa seus deveres.

Segundo o art. 1337, o condômino, ou possuidor, que não cumprir reiteradamente com os seus
deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de 3/4 dos condôminos restantes, ser constrangido

427
a pagar multa de até ao 5 vezes do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais,
independentemente das perdas e danos que se apurem.

O parágrafo único afirma que o condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento
antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser
constrangido a pagar multa correspondente ao 10 vezes do condomínio, até ulterior deliberação da
assembleia.

A jurisprudência é no sentido de que, a depender da incompatibilidade, poderia ser o indivíduo ser


expulso do condomínio. Tartuce discorda.

Lembrando que toda e qualquer punição deverá ser precedida de ampla defesa e contraditório,
havendo uma incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Segundo o STJ, o condômino não pode, sem a anuência de todos os condôminos, alterar a cor das
esquadrias externas de seu apartamento para padrão distinto do empregado no restante da fachada do
edifício, ainda que a modificação esteja posicionada em recuo, não acarrete prejuízo direto ao valor dos
demais imóveis e não possa ser vista do térreo, mas apenas de andares correspondentes de prédios vizinhos.

O STJ também já entendeu que, ainda que, na vigência do CC/1916, tenha sido estipulado, na
convenção original de condomínio, ser irrevogável e irretratável cláusula que prevê a divisão das despesas
do condomínio em partes iguais, admite-se ulterior alteração da forma de rateio, mediante aprovação de
2/3 dos votos dos condôminos, para que as expensas sejam suportadas na proporção das frações ideais.

Também decidiu que, em assembleia condominial, o condômino proprietário de diversas unidades


autônomas, ainda que inadimplente em relação a uma ou algumas destas, terá direito de participação e de
voto relativamente às suas unidades que estejam em dia com as taxas do condomínio.

O condômino que tenha sido demandado pelo condomínio em ação de cobrança deve participar do
rateio das despesas do litígio contra si proposto.

c) Direito de preferência. Alienação de partes acessórias e comuns

O art. 1.338 estabelece que, resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, vai ter
preferência, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e entre todos os possuidores.

O que há aqui é a garantia do direito de preferência que há entre os condôminos.

É preciso que haja na convenção do condomínio autorização expressa para que a vaga de garagem
possa ser alegada para um terceiro. Isso porque o art. 1.331 faz essa exigência.

428
O art. 1.339 diz que os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua
propriedade exclusiva. Veja, é vedado alienar o uso da parte da exclusiva sem alienar a parte comum.

São também inseparáveis das frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas
partes acessórias. Ou seja, é permitido alienar a parte acessória da sua unidade mobiliária. Ex.: vaga de
garagem.

Para alienar a garagem para um terceiro, fora do condomínio, é preciso autorização da convenção e
inexistência de contrariedade pela assembleia geral.

É permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade imobiliária (ex.: garagem) a outro
condômino, só podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se
a ela não se opuser a respectiva assembleia geral.

d) Despesas condominiais

As despesas condominiais são obrigações propter rem. Isto quer dizer que o adquirente responderá
pelos débitos de quem alienou a unidade, inclusive com multas e com juros, conforme o art. 1.345.

O STJ inclusive entendeu que, havendo um compromisso de compra e venda, ainda que não levado
a registro, há essa responsabilidade com as despesas de condomínio, as quais recairão sobre o promitente
comprador. Todavia, caso o condomínio não tinha notícias da venda, recairão também sobre o promitente
vendedor.

Se ficar provado que o condomínio sabia da venda, aí o promitente vendedor não irá responder,
mesmo que pelas dívidas do promitente vendedor, pois a obrigação é ambulatorial (propter rem).

O art. 1.346 diz que é obrigatório o seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou
destruição, total ou parcial. Trata-se de uma norma de ordem pública.

e) Administração do condomínio edilício

A administração do condomínio é feita por pessoas e órgão relacionadas ao condomínio:

• Síndico
• Assembleia
• Conselho fiscal

O conselho fiscal é facultativo.

i. Síndico

429
O síndico é o administrador geral do condomínio, podendo ou não ser um condômino. O prazo para
a administração do síndico não poderá ser superior a 2 anos, mas poderá ser reeleito.

Segundo o art. 1.348, compete ao síndico:

• convocar a assembleia dos condôminos;


• representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos
necessários à defesa dos interesses comuns;
• dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou
administrativo, de interesse do condomínio;
• cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;
• diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que
interessem aos possuidores;
• elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
• cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;
• prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;
• realizar o seguro da edificação.

Eventualmente, a assembleia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de


representação. O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou
as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em contrário da convenção.

Em casos excepcionais, o síndico poderá ser destituído pela assembleia, com voto da maioria
absoluta, desde que tenha praticado irregularidades, não prestado contas, ou não administrado
convenientemente o condomínio.

ii. Assembleia

Existe uma assembleia geral ordinária e assembleia geral extraordinária.

• assembleia geral ordinária: é convocada pelo síndico anualmente, a qual irá aprovar o
orçamento, a prestação de contas e eleger outro síndico ou alteração do regimento interno. Se
o síndico não convocar a assembleia, 1/4 dos condôminos poderá fazer a convocação. Se a
assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino.
• assembleia geral extraordinária: pode ser convocada para tratar de temas relevantes ou de
temas urgentes, podendo ser convocada pelo síndico ou por 1/4 dos condôminos.

Segundo o STJ, a alteração de regimento interno de condomínio edilício depende de votação com
observância do quórum estipulado na convenção condominial. Com a Lei 10.931/2004, foi ampliada a

430
autonomia privada dos condôminos, os quais passaram a ter maior liberdade para definir o número mínimo
de votos necessários para a alteração do regimento interno.

Em relação ao quórum das votações, são regras:

• Alteração da convenção: depende da aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos a alteração
da convenção;
• Mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária (deixar de ser residencial para
ser comercial): depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos.
• Realização de obras no condomínio:
o Obras voluptuárias: depende de aprovação de 2/3 dos condôminos;
o Obras úteis: voto da maioria dos condôminos.
o Obras necessárias: não precisa de autorização, pois é para manter o funcionamento e
condições do condomínio. Síndico ou qualquer condômino realiza.
o Construção de outro pavimento ou outro edifício com novas unidades: depende da
aprovação da unanimidade dos condôminos.

A respeito das deliberações, salvo quando houver quórum especial, as deliberações da assembleia
serão tomadas, em 1ª convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo
menos metade das frações ideais.

Em 2ª convocação, a assembleia poderá deliberar por maioria dos presentes, salvo quando exigido
quórum especial.

iii. Conselho fiscal

O conselho fiscal pode ser criado ou não. É um órgão consultivo financeiro, composto por 3 membros,
dando parecer às contas do síndico. Os membros serão eleitos pelo prazo não superior a dois anos.

f) Extinção do condomínio edilício

A extinção do condomínio pode se dar quando:

• Edificação for total ou consideravelmente destruída;


• Edificação ameaçar ruína, e os condôminos deliberarem pela demolição
• Desapropriação do imóvel, passando a pertencer ao poder público.

Se for deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximir-se do pagamento das despesas


respectivas, alienando os seus direitos a outros condôminos, mediante avaliação judicial.

431
Se for realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais de oferta, o condômino ao
estranho, será repartido o apurado entre os condôminos, proporcionalmente ao valor das suas unidades
imobiliárias.

Havendo desapropriação, a indenização será repartida na proporção das unidades imobiliárias.

6. Direito real de aquisição do promitente comprador

Para se estar diante de um direito real, é preciso que o compromisso de compra e venda do imóvel
esteja registrado na matrícula do imóvel, pois senão só haverá efeitos inter partes.

Neste caso, a coisa deverá ser entregue pelo promitente vendedor. Caso não entregue, caberá ação
de adjudicação compulsória, seja em face do promitente vendedor ou de terceiros, pois, caso esteja em
nome de terceiro, não poderá alegar boa-fé.

Segundo o STJ, o promitente comprador, amparado em compromisso de compra e venda de imóvel


cujo preço já tenha sido integralmente pago, tem o direito de requerer judicialmente, a qualquer tempo, a
adjudicação compulsória do imóvel.

O art. 1.417 diz que, mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou
arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de
Imóveis, o promitente comprador adquire direito real à aquisição do imóvel.

Se houver inadimplemento do compromissário comprador, o promitente vendedor poderá pleitear


uma ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse.

Mas antes da propositura, ainda que haja data da vencimento, a lei exige que o credor interpele o
devedor, seja judicial ou extrajudicialmente, a fim de constituir o devedor em mora (mora ex persona).

Atente-se que, ainda que se tenha cláusula constitutiva expressa, exige-se que haja a interpelação
para constituir em mora e em seguida propor a ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de
posse.

Vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido se 30 dias após ser
constituído em mora o devedor, ele não ter purgado a mora.

Pode ser que quem desista seja o próprio compromissário comprador, e isto configuraria
inadimplemento, já que não é possível desistir do negócio que não tenha cláusula de arrependimento no
contrato de compra e venda registrado, que gera direito real de aquisição.

Nesse caso, o STJ traz a súmula 543, estabelecendo que, na hipótese de resolução de contrato de
promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a

432
imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa
exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu
causa ao desfazimento.

O STJ entende que é nula cláusula contratual que prevê a perda de todas as parcelas pagas pelo
promissário comprador.

Tartuce chama atenção à súmula 308 do STJ, a qual diz que a hipoteca firmada entre a construtora e
o agente financeiro, seja anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, essa hipoteca
não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.

Como decorrência da súmula, a jurisprudência do STJ admite que a ação proposta pelo promissário
comprador seja proposta em face do agente financeiro e do promitente vendedor em litisconsórcio
necessário para a outorga da inscrição definitiva e liberação da hipoteca.

7. Direitos reais de gozo ou fruição

I. Introdução

Os direitos reais de gozo ou fruição são situações reais, em que há uma divisão dos atributos da
propriedade: gozar, reaver, usar e dispor.

Aqui haverá uma transmissão de atribuir a uma outra pessoa o direito de gozar e fruir da coisa.

São direitos reais de gozo ou fruição:

• Superfície
• Servidão
• Usufruto
• Uso
• Habitação
• Concessão de direito real de uso
• Concessão de uso especial para fins de moradia

II. Superfície

A superfície é um direito real autônomo, podendo ser gratuita ou onerosa, temporária ou vitalícia.

Superfície é um instituto real pelo qual o proprietário concede a uma outra pessoa, por um tempo
determinado ou indeterminado, onerosa ou gratuitamente, o direito de construir ou de plantar em seu
terreno. Esse direito recai sempre sobre bens imóveis, através de escritura pública que é registrada.

433
Na superfície há de um lado o proprietário (fundieiro), que é quem cede o uso do bem, e do outro
há o superficiário, que é quem recebe o imóvel, que irá gozar e usar o imóvel.

O art. 1.369 diz que o direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao
objeto da concessão. Tartuce diz que essa norma é de ordem privada, podendo pactuar de forma distinta.

A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos reais, seja de gozo ou de
garantia. Mas quem tem a propriedade superficiária pode colocar a propriedade em forma de garantia, desde
que o prazo não exceda a duração do prazo da concessão da superfície.

É possível hipotecar o direito do superficiário, mas somente pelo prazo de concessão da superfície.

É possível adquirir por usucapião o direito de superfície, apesar de extremamente raro.

Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão.

Se a superfície for concedida onerosamente, pagando um valor para se tornar superficiário, esta
remuneração, que pode ser parcelada ou de uma só vez, é chamada de solarium ou canon superficiário.

Solarium é a remuneração paga pelo superficiário quando a superfície foi concedida de forma
onerosa.

O superficiário deve responder pelos encargos e tributos que incidem sobre o bem, conforme art.
1.371.

Pode haver ainda haver a transferência da superfície para terceiros, inclusive para os herdeiros, caso
o superficiário venha a morrer. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer
pagamento pela transferência.

Se ocorrer a alienação do imóvel ou do direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem


direito de preferência, em igualdade de condições.

O Enunciado 510 do CJF diz que ao superficiário que não tenha sido previamente notificado pelo
proprietário para exercer o seu direito de preferência, é assegurado para que, no prazo de 6 meses, contados
do registro da alienação, adjudicar para si o bem, mediante o depósito do preço.

Esta mesma ideia vale para o fundieiro se for vendido o direito de superfície, tendo o prazo de 6
meses para adjudicar para si.

Existem correntes em sentido diverso, que discordem desse enunciado. Mas adotá-lo para a prova é
o ideal.

434
A superfície poderá se extinguir antes do termo final previsto no contrato. Isso, se o superficiário der
ao terreno uma destinação diversa da pactuada, daquela que motivou a concessão do direito de superfície
(art. 1.374).

Com a extinção da superfície, o proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno,
construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o
contrário.

Ex.: Sujeito tinha um terreno e cedeu a uma empresa que construiu o shopping. Essa superfície tinha
o prazo de 20 anos. Após esse período, tudo aquilo que estava em cima do terreno passa a ser do proprietário,
inclusive o shopping.

Atente-se a diferença sobre a superfície do Código Civil e a superfície do Estatuto da Cidade.

• Superfície do Código Civil: poderá recair sobre imóvel urbano ou rural. Além disso, poderá ter
exploração para construções ou plantações. Em regra, não existe autorização para utilização do
subsolo ou do espaço aéreo. Aqui, há uma cessão que se dá por prazo determinado, como regra.

• Superfície prevista no Estatuto da Cidade: poderá recair sobre imóvel urbano. Não traz restrição
sobre exploração para construções ou plantações, podendo ser qualquer utilização compatível
com a política urbana. Não proíbe a utilização para o subsolo ou espaço aéreo, sendo possível
que o superficiário se valha do subsolo ou do espaço aéreo. Aqui, a cessão poderá ser por prazo
determinado ou indeterminado, a depender do contrato.

No caso de extinção do direito de superfície em consequência de desapropriação, a indenização cabe


ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um.

III. Servidões

Por meio da servidão, um prédio proporciona a utilidade para outro prédio, sendo este último
gravado. O prédio, que é do domínio de outra pessoa, serve outro prédio.

Segundo o art. 1.378, a servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio
serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou
por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis.

O direito real de gozo ou de fruição se constitui mediante declaração expressa dos proprietários
dos prédios, ou também pode se dar por testamento, devendo este contrato ser levado a registro no CRI.

435
A servidão não se presume, tendo uma origem clara, sendo este um negócio jurídico inter vivos
(contrato) ou negócio mortis causa (testamento), ou ainda usucapião.

O art. 1.379 diz que o exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por 10 anos,
autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença
que julgar consumado a usucapião. Aqui haveria usucapião ordinária da servidão, pois o sujeito teria justo
título e boa-fé.

Por outro lado, se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de 20 anos. Aqui haveria
uma usucapião extraordinária da servidão.

Há uma crítica da doutrina estabelecendo que, se em 15 anos o sujeito já adquire a propriedade por
meio da usucapião extraordinária da propriedade, não faria sentido adquirir a servidão em 20 anos. Mas é
isto que diz a lei.

A servidão ainda pode ser constituída por uma destinação do proprietário, o qual poderá reservar
determinada serventia de um prédio seu em favor de um outro prédio que também é seu. Se, no futuro, os
dois imóveis passarem a ser de donos distintos, de proprietários diversos, o que era serventia, passa a ser
servidão.

Além disso, servidão poderá ser instituída por meio de sentença judicial, no caso de reconhecimento
de servidão que está sendo discutido.

Em síntese, são formas de constituição da servidão:

• Declaração expressa do proprietário


• Testamento
• Destinação do proprietário
• Sentença judicial

Não se pode esquecer que a servidão não se confunde com passagem forçada.

• Servidão de passagem: é um direito real de gozo, de fruição, não sendo obrigatória, mas
facultativa. Essa indenização só será cabível se houver acordo entre os proprietários dos imóveis
envolvidos.
• Passagem forçada: é um instituto de direito de vizinhança, sendo obrigatória. Aqui há o
pagamento de uma indenização, já que se está constrangendo o imóvel vizinho.

A passagem forçada é também denominada de servidão legal, enquanto a servidão é voluntária.

a) Classificação das servidões

436
Quanto à natureza dos prédios envolvidos:

• Servidão rústica: quando os prédios estão em zona rural.


• Servidão urbana: quando os prédios estão em área urbana.

Em relação à conduta das partes:

• Servidão positiva: exercida por meio de um ato positivo, comissivo. Ex.: servidão de passagem é
um fazer.
• Servidão negativa: exercida por meio de um ato negativo, omissivo. Ex.: servidão de não
construir é um não fazer.

Quanto ao modo de exercício:

• Servidão contínua: a servidão independe do ato humano. Ex.: servidão de passagem de água.
• Servidão descontínua: precisa de uma atuação humana, como é a servidão de passagem de
pessoas.

Quanto à forma de exteriorização:

• Servidão aparente: a servidão aparece, sendo evidenciada no plano concreto e fático. Ex.: na
servidão de passagem, é possível ver pessoas caminhando.
• Servidão não aparente: servidão que não é revelada no plano exterior, fático ou concreto. Ex.:
servidão de não construir.

b) Obras na servidão

O art. 1.380 diz que o dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua
conservação e ao seu uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas rateadas entre
os respectivos donos.

Essas obras devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário não dispuser
expressamente o título.

O art. 1.384 vai dizer que a servidão pode ser removida, de um local para outro, podendo ser feita:

• pelo dono do prédio serviente à sua custa, desde que não diminua as vantagens do prédio
dominante;
• pelo dono do prédio dominante à sua custa, se houver considerável incremento para sua
utilidade e não prejudicar o prédio serviente.

c) Finalidade da servidão

437
A servidão é regida pelo princípio da menor onerosidade ao imóvel serviente.

O art. 1.385 estabelece que a servidão se restringe às necessidades do prédio dominante, evitando-
se agravar o encargo ao prédio serviente.

Por isso, constituída para um certo fim a servidão, não poderá ela se ampliar para outro fim. Ex.:
servidão para passagem de gado não poderá ser ampliada para cultura agrícola.

Nas servidões de trânsito, a servidão maior inclui a servidão de menor ônus, e a servidão menor exclui
a servidão mais onerosa. Ex.: Se a servidão é de passagem de carro, inclui a passagem de pessoas, pois esta
é menos onerosa do que aquela. Mas se a servidão é para passagem de pessoas, não incluirá a passagem de
carro, que é mais onerosa.

Se as necessidades da cultura, ou da indústria, do prédio dominante impuserem àquela servidão uma


maior largueza, ou seja, se mostrando necessárias, o dono do serviente é obrigado a sofrer essa maior
largueza. Nesse caso, deverá ser indenizado pelo excesso.

d) Indivisibilidade da servidão

O exercício da servidão é regido pelo princípio da indivisibilidade. Conforme o art. 1.386, as


servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício de cada uma
das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das do prédio serviente, salvo se, por
natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro.

e) Extinção das servidões

Salvo nas desapropriações, a servidão vai se extinguir apenas em relação a terceiras pessoas quando
houver o cancelamento do registro no Registro de Imóveis, pois é necessário observar a publicidade.

Se o prédio dominante estiver hipotecado, e a servidão se mencionar no título hipotecário, será


também preciso, para a cancelar, o consentimento do credor.

O dono do prédio serviente tem direito ao cancelamento da servidão quando:

• o dono do prédio serviente houver renunciado a sua servidão. Portanto, a servidão poderá se
extinguir pela renúncia do seu titular
• tiver cessado a utilidade ou a comodidade da servidão para o prédio dominante
• dono do prédio serviente resgatar a servidão

Resgate da servidão é uma escritura pública, escrita tanto pelo proprietário do prédio dominante
quanto pelo proprietário do prédio serviente, em que se constata o preço da liberação do ônus real que recai

438
sobre o prédio serviente, em que se declara a sua quitação e que há a previsão de autorização para que se
proceda o cancelamento do assento da servidão.

O art. 1.389 ainda diz que também se extingue a servidão, ficando ao dono do prédio serviente a
faculdade de fazê-la cancelar, mediante a prova da extinção:

• pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa (confusão real);
• pela supressão das respectivas obras por efeito de contrato, ou de outro título expresso;
• pelo não uso, durante 10 anos contínuos.

IV. Usufruto

O usufruto é o direito real de gozo ou fruição por excelência.

De um lado há o usufrutuário, que tem o direito de usar e fruir a coisa, tendo o domínio útil da coisa,
do outro lado, há o nu proprietário, que tem o direito de reaver e dispor da coisa.

O art. 1.390 diz que o usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, ou em um
patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.

O usufruto de bens imóveis vai ser constituído através de registro no Cartório de Registro de Imóveis,
quando não resultar de usucapião. Veja, é possível o usufruto por meio da usucapião, apesar de raro.

a) Classificação do usufruto

O usufruto vai admitir as seguintes classificações:

• Usufruto legal: quando decorre da lei. Não precisa ser registrado nesse caso. Ex.: usufruto do pai
em relação ao bem do filho menor.
• Usufruto voluntário: é feito pela convenção das partes. Pode ter origem em testamento ou em
contrato. Ex.: doação de um bem pelo pai ao filho, mas reserva o usufruto para si.
• Usufruto misto: é o que decorre da usucapião, pois há o efeito da lei e o efeito da vontade do
usucapiente.

Havendo justo título e boa-fé, o prazo para a usucapião de usufruto é de 10 anos. Se não houver, o
prazo é de 15 anos, sendo uma usucapião extraordinária do usufruto.

Quanto ao objeto que recai, o usufruto poderá ser:

• Usufruto próprio: recai sobre bens infungíveis e inconsumíveis. Ao final do usufruto, o


usufrutuário vai restituir o bem ao nu proprietário.

439
• Usufruto impróprio: recai sobre bens fungíveis ou consumíveis. O usufrutuário se torna
proprietário da coisa. Ao final do usufruto, irá restituir o equivalente, já que a coisa era
consumível. Se o equivalente não existir, será restituído em dinheiro.

Em relação à duração:

• Usufruto temporário: há um certo prazo de duração estabelecido. Sendo pessoa jurídica, o prazo
máximo do usufruto é de 30 anos.
• Usufruto vitalício: há usufruto enquanto o usufrutuário viver. Caso seja para uma pessoa natural,
e não existindo prazo para o término, o usufruto é vitalício. A morte do nu proprietário não é
causa de extinção do usufruto, e sim a morte do usufrutuário. Os herdeiros do nu proprietário
continuarão com a propriedade limitada (direito de reaver e de dispor), mas o usufruto
continuará com o usufrutuário.

O art. 1.393 diz que não se pode transferir o usufruto por alienação. O que pode fazer é ceder o
exercício do usufruto, seja a título gratuito ou oneroso.

Não poderá vender o usufruto, mas ceder o bem, objeto de usufruto, em comodato ou locação, ou
seja, gratuito ou onerosamente.

Sendo inalienável o direito real de usufruto, há que se considerar que o usufruto também é
impenhorável, mas não se confundirá a impossibilidade de se penhorar o usufruto, com a possibilidade de
se penhorar os frutos que decorrem o usufruto.

Veja, não pode penhorar o direito de usufruir, mas o produto desse seu direito pode ser penhorado.
Ex.: João deve a Samer 100 mil reais. Não há nenhuma propriedade em seu nome, mas o sujeito é
usufrutuário de uma propriedade que está alugada a um banco, que paga a ele o aluguel de 10 mil reais por
mês. Nesse caso, Samer não poderá penhorar o direito de usufruto, mas poderá penhorar o produto do
usufruto.

b) Direitos do usufrutuário

O usufrutuário tem direito de posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Ainda, o usufrutuário tem direito aos frutos naturais pendentes ao iniciar o usufruto, sem encargo
de pagar as despesas de produção.

Todavia, ao tempo que se cessar o usufruto, os frutos que estiverem pendentes também pertencerão
ao nu proprietário, sem compensação das despesas.

440
O usufrutuário poderá usufruir do prédio, mas não poderá mudar a sua destinação econômica, sem
que o nu proprietário expressamente o autorize.

Quando o usufruto recai em títulos de crédito, o usufrutuário tem direito a perceber os frutos e a
cobrar as respectivas dívidas. Cobradas as dívidas, o usufrutuário aplicará, de imediato, a importância em
títulos da mesma natureza, ou em títulos da dívida pública federal, com cláusula de atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos.

Segundo o art. 1.397, as crias dos animais pertencem ao usufrutuário, deduzidas quantas bastem
para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto.

Os frutos civis, vencidos na data inicial do usufruto, pertencem ao proprietário, e ao usufrutuário os


vencidos na data em que cessa o usufruto.

c) Deveres do usufrutuário

Antes de receber o usufruto, o usufrutuário deverá inventariar os bens que está recebendo, dizendo
qual o estado que está recebendo os bens, e prestará uma caução, real ou fidejussória, mas só prestará se
for exigida pelo dono da coisa.

Não é obrigado à caução o doador que se reservar o usufruto da coisa doada.

O usufrutuário que não quiser ou não puder prestar a caução, perderá o direito de administrar o
objeto do usufruto, caso em que a administração ficará a cargo do proprietário, sendo que este ficará
obrigado a entregar ao usufrutuário o rendimento do bem, deduzidas as despesas da administração e a sua
remuneração na condição de administrador.

O usufrutuário ainda não é obrigado a pagar deteriorações do uso regular do usufruto.

Terá de indenizar, caso haja culpa de sua parte, havendo responsabilidade subjetiva do usufrutuário.

Incumbe ao usufrutuário as despesas ordinárias para conservação do bem.

Ao nu proprietário vai incumbir a reparação extraordinária da coisa. Além disso, deverão assumir as
reparações ordinárias não módicas, ou seja, quando a despesa for superior a 2/3 do rendimento líquido
daquele ano.

Se a coisa, objeto de usufruto, for desapropriada, a indenização ficará sub-rogada no ônus do


usufruto, no lugar do prédio. Ex.: João é nu proprietário de uma propriedade. Pedro é usufrutuário. Estado
desapropria e indeniza João no valor de 1 milhão. Pedro continuará usufruindo do produto, ou seja, desse
valor da indenização, ainda que João seja o nu proprietário apenas do valor, e não mais do imóvel.

441
d) Extinção do usufruto

O usufruto se extinguirá, havendo o cancelamento do registro no Cartório de Registro de Imóveis:

• pela renúncia
• pela morte do usufrutuário;
• pelo termo de sua duração;
• pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou pelo decurso
de 30 anos da data em que se começou a exercer;
• pela cessação do motivo de que se origina (ex.: filhou virou maior de idade, cessando para o pai);
• pela destruição da coisa;
• pela consolidação (usufrutuário passa a ser o proprietário da coisa);
• por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo
com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às
importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;
• pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).

O art. 1.411 vai dizer que, constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas (usufruto
simultâneo ou em conjunto), irá se extinguir a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se
houver uma estipulação expressa sobre o direito de acrescer, estabelecendo que o quinhão desses couber
ao sobrevivente. Em regra, a morte do usufrutuário implica fim de 50% do usufruto.

É necessária disposição expressa do direito de acrescer.

V. Uso

Uso é o direito de usar. O direito real de uso pode ser constituído de forma gratuita ou onerosa,
havendo apenas o atributo de usar a coisa.

De um lado há o usuário e do outro há o proprietário.

Há um direito personalíssimo de uso.

Veja, o usuário só pode usar, não podendo fruir, ou seja, não poderá ceder.

O art. 1.412 diz que o usuário apenas usará a coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as
necessidades suas e de sua família.

Serão avaliadas as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde
viver. Atente-se que as necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos
solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.

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O art. 1.413 estabelece que são aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as
disposições relativas ao usufruto.

VI. Habitação

Aqui o sujeito só poderá habitar o bem.

O direito real de habitação é o mais restritos dos direitos reais de fruição. Isso porque só será cedida
uma parte de um atributo da propriedade.

De um lado há o proprietário e do outro é o habitante.

Esse direito real pode ser legal ou convencional.

O caráter gratuito da habitação é claro, conforme o art. 1.414, o qual estabelece que, quando o uso
consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem
emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família.

Há um caráter personalíssimo ao direito real de habitação, não sendo viável que o habitante institua
um benefício semelhante em favor de terceiro.

É proibido o direito real de habitação de 2º grau, sem que conceda em parte o quarto para que outra
pessoa tenha o direito real de habitação, eis que o caráter da habitação é personalíssimo.

Se houver um direito real de habitação simultâneo, qualquer uma das partes pode habitar, podendo
haver uma convivência compulsória.

Se só uma delas habitar a casa sozinha, a outra não tem direito de receber aluguel de sua parte, pois
somente tem direito de habitar, e não de fruir da coisa.

São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao
usufruto.

VII. Concessões especiais para uso e moradia

Esses direitos reais se referem a áreas públicas, normalmente invadidas e tomadas por favelas, a fim
de regularizar juridicamente essa situação.

A concessão real de uso está prevista nos arts. 7º e 8º do DL 271/67, atualizado pela Lei 11.481/07.

Segundo o art. 7o, é instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada
ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de
regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra,

443
aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de
subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.

Na concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, será um direito real para regularização
fundiária, em virtude do interesse social.

A concessão do direito de uso para fins de moradia consta da MP 2.220/01, que continua em vigor.

O art. 1º afirma que, aquele que praticou como seu, por 5 anos ininterruptamente, e sem oposição,
de até 250m² de um imóvel urbano, utilizando o imóvel por sua moradia, vai ter direito a concessão de uso
especial para fins de moradia, desde que não seja proprietário ou concessionário, seja urbano ou rural.

Há a consagração de um direito para fingir moradia.

8. Direitos reais de garantia

I. Introdução

Existem direito reais de garantia sobre coisa própria (alienação fiduciária) e direitos reais de garantia
sobre coisa alheia, que é o tema com que iniciamos.

As características básicas dos direito reais de garantia sobre coisa própria são (P-I-S-E):

• Preferência: o credor hipotecário e o pignoratício têm preferência no pagamento em relação aos


outros credores, já que tem aquele bem reservado como uma garantia para seu pagamento.
• Indivisibilidade: o pagamento de uma prestação não importa exoneração parcial da garantia,
ainda que essa garantia compreenda vários bens. Via de regra, a garantia é indivisível. Ex.: se
João deu em garantia um bem imóvel, e pagou 50% de sua dívida, o bem imóvel continua
garantindo a dívida em sua inteireza.
• Sequela: se um bem é garantido e esse bem é vendido, o direito real de garantia permanece,
acompanhando o bem, esteja ele sob a titularidade de qualquer pessoa.
• Excussão: o credor, hipotecário ou pignoratício, tem direito de excutir a coisa hipotecada ou
empenhada. Isso quer dizer que o credor pode ingressar com ação de execução para promover
a alienação judicial da coisa garantida.

O credor anticrético não tem esse direito de excussão, pois tem apenas o direito de reter o bem
enquanto a dívida não for paga, podendo extrair o fruto para pagamento do bem. Na hipoteca e penhor há
essa possibilidade do direito de excussão. O direito de reter a coisa do credor anticrético vai se extinguir após
15 anos a data da constituição da anticrese. É a perempção da anticrese.

444
Atente-se que é nula cláusula que autoriza credor hipotecário, pignoratício ou anticrético a fica com
o bem, objeto da garantia. É a nulidade do pacto comissório real.

Somente aquele que pode alienar o bem é quem pode empenhá-lo, hipotecá-lo ou dar em anticrese.
Isso porque só pode se dar em garantia aquilo que se tem.

Somente os bens que podem ser alienados é quem podem ser dados em penhor, hipoteca ou
anticrese, havendo dois requisitos para tanto:

• Requisito subjetivo:
O requisito subjetivo é que o sujeito seja proprietário e, sendo casado, necessária a outorga
conjugal).
O §1º do art. 1.420 diz que a propriedade superveniente torna eficaz, desde o registro, as
garantias reais estabelecidas por quem não era dono. Ou seja, o requisito subjetivo é o fato de
ser dono para poder dar o bem para penhor, hipoteca ou anticrese. Se não era dono, mas se
tornou no meio do caminho, será reputada válida a garantia.
O §2º diz que a coisa comum, que é a que tem dois ou mais proprietários, não pode ser dada em
garantia real em sua totalidade sem o consentimento de todos os condôminos. Todavia, um
proprietário, que seja coproprietário, poderá dar individualmente dar em garantia real a parte
que tiver.

• Requisito objetivo:
O bem deve ser alienável, pois, do contrário, não poderá ser dado em penhor, hipoteca ou
anticrese.

São requisitos do contrato que constitui o penhor, anticrese ou hipoteca, sob pena de não terem
eficácia:

• Estar previsto o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo


• Estar previsto o prazo fixado para pagamento
• Estar previsto a taxa dos juros, se houver
• Estar previsto o bem dado em garantia com as suas especificações

A dívida será considerada vencida quando:

• O bem dado em garantia se deteriorar ou se depreciar, e o devedor, intimado, não a reforçar


ou substituir;
• Quando o devedor cair em insolvência ou falir;

445
• Quando não pagas pontualmente as prestações, toda vez que deste modo se achar estipulado
o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do
credor ao seu direito de execução imediata;
• Quando houver o perecimento do bem dado em garantia, e não for substituído;
• Quando for desapropriado o bem dado em garantia, situação em que será depositado o preço
que for necessária para o pagamento integral do credor.

Nos casos de perecimento do bem dado em garantia, haverá sub-rogação na indenização do seguro,
ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu
completo reembolso.

É possível que terceiro preste garantia real por dívida alheia, mas não ficará obrigado substituí-la, ou
reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize (art. 1.427).

Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da
dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante.

II. Penhor

O penhor é um direito real de garantia sobre coisa alheia.

a) Constituição do penhor

O penhora é constituído, em regra, sobre bens móveis, podendo ser constituído sob bens de acessão
intelectual. Ocorre também, em regra, a transferência da posse de bem. A exceção está no penhor rural,
industrial, mercantil e de veículos, a coisa empenhada continuam na posse do devedor.

As partes do penhor são:

• Credor pignoratício: pode ser o devedor da obrigação ou o terceiro.


• Devedor pignoratício: é o devedor da obrigação.

A instituição do penhor pode ser instituída pelo penhor, seja público ou privado. Esse instrumento
deve ser levado a registro no cartório de títulos e documentos.

O registro é elemento essencial para que o penhor tenha eficácia real e erga omnes. Se não for levado
a registro, o negócio tomará uma feição contratual, gerando apenas efeito inter partes, motivo pelo qual se
mostra essencial o registro para constituir o direito real de garantia sobre coisa alheia.

b) Direitos do credor pignoratício

O credor pignoratício terá, via de regra:

446
• direito à posse da coisa empenhada;
• direito à retenção da coisa, até que o indenizem das despesas devidamente justificadas, que
tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua;
• direito ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa empenhada;
• direito a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir expressamente o
contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração;
• direito a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontra em seu poder;
• direito a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial, sempre que haja
receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, devendo o preço ser
depositado. O dono da coisa empenhada pode impedir a venda antecipada, substituindo-a, ou
oferecendo outra garantia real idônea.

O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela, antes de ser
integralmente pago, podendo o juiz, a requerimento do proprietário, determinar que seja vendida apenas
uma das coisas, ou parte da coisa empenhada, suficiente para o pagamento do credor.

c) Deveres do credor pignoratício

Segundo o art. 1.435, o credor pignoratício é obrigado:

• tem o dever de custodiar a coisa, como depositário, e a ressarcir ao dono a perda ou


deterioração de que for culpado, podendo ser compensada na dívida, até a concorrente quantia,
a importância da responsabilidade;
• tem o dever de defender a posse da coisa empenhada e a dar ciência, ao dono dela, das
circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação possessória;
• tem o dever de imputar o valor dos frutos, de que se apropriar (art. 1.433, inciso V) nas despesas
de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação garantida, sucessivamente;
• tem o dever de restituir o bem empenhado, com os respectivos frutos e acessões, uma vez paga
a dívida;
• tem o dever de entregar o que sobeje do preço, quando a dívida for paga.

d) Modalidades de penhor

São várias as modalidades de penhor:

• Penhor legal
• Penhor convencional

i. Penhor legal

447
Penhora legal é o penhor que decorre da lei, sendo os credores pignoratícios:

• Hospedeiros e fornecedores de alimentos sobre as bagagens, móveis, joias, dinheiro de seus


fregueses, que tiveram consigo, pelas despesas que tiverem ocasionado no hotel ou no
restaurante.
• Dono do prédio locado (locador) é credor pignoratício sobre os bens móveis que o inquilino tiver
guarnecendo no local, pelo valor dos aluguéis, condomínio, etc.
Poderão fazer o penhor antes mesmo de buscar a autoridade judicial, desde que seja
demonstrada a urgência e que a demora se mostra perigosa. Após, irá requerer que o juiz
proceda à homologação judicial do penhor realizado.
• Artista e do técnico de espetáculo: o art. 31 da Lei 6.533 consagra o penhor legal em favor do
artista e do técnico de espetáculo, os quais terão penhor legal sobre o equipamento e todo o
material de propriedade do empregador, utilizado na realização de programa, espetáculo ou
produção, pelo valor das obrigações não cumpridas pelo empregador.

ii. Penhor convencional

O penhor convencional decorre da vontade das partes.

No penhor convencional comum é uma forma ordinária de penhor, cujo objeto é um bem móvel
com a transmissão da posse ao credor. Ex.: joia na Caixa Econômica Federal.

Por outro lado, o penhor convencional pode assumir um caráter especial. Portanto, há penhor
convencional especial:

• Penhor rural (agrícola e pecuário)


• Penhor industrial e mercantil
• Penhor de títulos de crédito

→ Penhor rural

O penhor rural é especial, pois se constitui sobre imóveis. Há o registro do penhor no Cartório de
Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas, realizado por meio
de instrumento público ou particular.

O devedor emite, em favor do credor, cédula rural pignoratícia. Sendo uma cédula, significa que
haverá garantia.

O penhor é especial também em virtude de que não há entrega do bem ao credor. O bem continua
na posse do devedor.

448
Existem duas modalidades de penhor rural:

• Penhor agrícola
• Penhor pecuário

O penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos superiores aos
das obrigações garantidas. Embora vencidos os prazos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens
que a constituem.

A prorrogação do penhor deve ser averbada à margem do registro respectivo, mediante


requerimento do credor e do devedor.

Se o prédio estiver hipotecado, o penhor rural poderá constituir-se independentemente da anuência


do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de preferência, nem restringe a extensão da hipoteca,
ao ser executada. O art. 1.441 diz que tem o credor direito a verificar o estado das coisas empenhadas,
inspecionando-as onde se acharem, por si ou por pessoa que credenciar.

Penhor agrícola

No penhor agrícola poderá ter como objeto de penhor:

• máquinas e instrumentos de agricultura;


• colheitas pendentes, ou em via de formação;
• frutos acondicionados ou armazenados;
• lenha cortada e carvão vegetal;
• animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola.

Esse bens são imóveis por acessão física industrial ou por acessão física intelectual, ou seja, uma
decisão do dono.

Consoante o art. 1.443, o penhor agrícola que recai sobre colheita pendente, ou em via de
formação, abrange a imediatamente seguinte, no caso de frustrar-se ou ser insuficiente a que se deu em
garantia.

Se o credor não financiar a nova safra, poderá o devedor constituir com outrem novo penhor, em
quantia máxima equivalente à do primeiro. O segundo penhor terá preferência sobre o primeiro, abrangendo
este apenas o excesso apurado na colheita seguinte.

Penhor pecuário

Segundo o art. 1.444, podem ser objeto de penhor os animais que integram a atividade pastoril,
agrícola ou de lacticínios.

449
Esses animais serão considerados imóveis por acessão intelectual.

O devedor pignoratício não poderá alienar os animais empenhados sem prévio consentimento, por
escrito, do credor.

Quando o devedor pretender alienar o gado empenhado ou, por negligência, ameace prejudicar o
credor, poderá este requerer se depositem os animais sob a guarda de terceiro, ou exigir que se lhe pague
a dívida de imediato.

Os animais da mesma espécie, comprados para substituir os mortos, ficam sub-rogados no penhor.

Presume-se a substituição, mas não terá eficácia contra terceiros, se não constar de menção adicional
ao respectivo contrato, a qual deverá ser averbada.

→ Penhor industrial e mercantil

Esse penhor terá por objeto:

• máquinas, aparelhos, materiais, instrumentos, instalados e em funcionamento, com os


acessórios ou sem eles;
• animais, utilizados na indústria;
• sal e bens destinados à exploração das salinas;
• produtos de suinocultura, animais destinados à industrialização de carnes e derivados;
• matérias-primas e produtos industrializados.

Os bens aqui serão imóveis por acessão intelectual. São bens que foram incorporados aos imóveis.
Neste caso, os bens permanecerão com o devedor.

O penhor industrial e mercantil é constituído por mediante instrumento público ou particular,


registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição onde estiverem situadas as coisas
empenhadas.

O devedor poderá emitir em favor do credor uma cédula do respectivo crédito, sendo denominada
de cédula de crédito industrial ou cédula de crédito mercantil.

O devedor não pode, sem o consentimento por escrito do credor, alterar as coisas empenhadas ou
mudar-lhes a situação, nem delas dispor. O devedor que, anuindo o credor, alienar as coisas empenhadas,
deverá repor outros bens da mesma natureza, que ficarão sub-rogados no penhor.

Tem o credor direito a verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as onde se acharem,
por si ou por pessoa que credenciar.

450
→ Penhor de títulos de crédito (ou penhor de direito)

O penhor de direito é constituído através de instrumento público ou particular, registrado no


Registro de Títulos e Documentos.

Podem ser objeto de penhor direitos, suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis.

O titular de direito empenhado deverá entregar ao credor pignoratício os documentos


comprobatórios desse direito, salvo se tiver interesse legítimo em conservá-los.

O penhor de crédito só tem eficácia quando notificado o devedor do crédito. Por notificado tem-se
o devedor que, em instrumento público ou particular, declarar-se ciente da existência do penhor.

Deve o credor pignoratício cobrar o crédito empenhado, assim que o crédito tiver exigível, ainda que
a dívida ainda não esteja exigível.

Ex.: João deu em garantia a Samer um cheque de 10 mil reais. A dívida de João com Samer vence
daqui a um mês, mas a dívida do devedor do cheque para com João vence em uma semana. Passada essa
semana, Samer já poderá cobrar o cheque, ainda que a dívida com João ainda não esteja vencida.

Se este consistir numa prestação pecuniária, depositará a importância recebida, de acordo com o
devedor pignoratício, ou onde o juiz determinar. Se consistir na entrega da coisa, nesta se sub-rogará o
penhor.

Estando vencido o crédito pignoratício, tem o credor direito a reter, da quantia recebida, o que lhe é
devido, restituindo o restante ao devedor; ou a excutir a coisa a ele entregue

O credor pignoratício deve praticar os atos necessários à conservação e defesa do direito empenhado
e cobrar os juros e mais prestações acessórias compreendidas na garantia.

Se o mesmo crédito for objeto de vários penhores, só ao credor pignoratício, cujo direito prefira aos
demais, o devedor deve pagar; responde por perdas e danos aos demais credores o credor preferente que,
notificado por qualquer um deles, não promover oportunamente a cobrança.

O titular do crédito empenhado só pode receber o pagamento com a anuência, por escrito, do credor
pignoratício, caso em que o penhor se extinguirá.

Segundo o art. 1.458, o penhor, que recai sobre título de crédito, constitui-se mediante instrumento
público ou particular ou endosso pignoratício, com a tradição do título ao credor.

Ao credor, em penhor de título de crédito, compete o direito de:

• conservar a posse do título e recuperá-la de quem quer que o detenha;

451
• usar dos meios judiciais convenientes para assegurar os seus direitos, e os do credor do título
empenhado;
• fazer intimar ao devedor do título que não pague ao seu credor, enquanto durar o penhor;
• receber a importância consubstanciada no título e os respectivos juros, se exigíveis, restituindo
o título ao devedor, quando este solver a obrigação.

O devedor do título empenhado que receber a intimação, ou se der por ciente do penhor, não poderá
pagar ao seu credor. Se o fizer, responderá solidariamente por este, por perdas e danos, perante o credor
pignoratício.

Se o credor der quitação ao devedor do título empenhado, deverá saldar imediatamente a dívida,
em cuja garantia se constituiu o penhor.

→ Penhor de veículos

O penhor de veículo é mais comum.

É também constituído por instrumento, público ou particular, registrado no Cartório de Títulos e


Documentos do domicílio do devedor e anotado no certificado de propriedade.

O devedor pignoratício não entrega o veículo ao credor, mantendo com o devedor.

O penhor de veículos não é efetivado sem que sejam previamente segurados os veículos contra
furtos, avarias, perecimentos, ou danos causados por terceiros.

Portanto, antes de haver o penhor de veículos, é preciso fazer um seguro do veículo.

Se houver a alienação ou a mudança de titularidade do veículo, sem prévia comunicação ao credor


pignoratício, haverá o vencimento antecipado do crédito.

O prazo máximo do penhor de veículos é de 2 anos, prorrogável por até igual tempo.

e) Extinção do penhor

Extingue-se o penhor:

• pela extinção da obrigação;


• pelo perecimento da coisa;
• pela renúncia do credor;
• pela confusão da mesma pessoa como credor e de dono da coisa;
• pela a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por
ele autorizada.

452
Há uma presunção de renúncia do credor quando:

• consentir na venda particular do penhor sem reserva de preço;


• restituir a sua posse ao devedor; ou
• anuir à sua substituição por outra garantia.

Exemplo de confusão é o caso em que o sujeito recebeu o bem empenhado como herança. Neste
caso, o devedor pignoratício é herdeiro do credor pignoratício, havendo confusão. No caso da confusão tão-
somente quanto a parte da dívida pignoratícia, subsistirá inteiro o penhor quanto ao resto.

III. Hipoteca

A hipoteca também é direito real de garantia sobre coisa alheia, caso em que, via de regra, vai recair
em bem bens imóveis. Não há a transferência da posse da coisa imóvel entre as partes. A coisa imóvel
continua na posse do devedor.

A hipoteca deve ser registada e, como é imóvel, é no registro de imóveis.

Os registros e as averbações seguirão a ordem em que forem requeridas, conforme o princípio da


anterioridade registral ou prioridade registral.

Se ela for apresentada ao oficial de registro, mas após for apresentada uma segunda hipoteca, antes
do registro da primeira, o oficial de registro irá sobrestar a inscrição da hipoteca nova e irá prenotá-la. O
prazo de aguardo da inscrição anterior (primeira hipoteca) é de 30 dias. Esgotado o prazo sem que haja
requerimento da inscrição da primeira hipoteca, a segunda hipoteca será registrada e passará a ter a
preferência (art. 1.495).

O registro terá validade e eficácia enquanto a obrigação principal perdurar. Após, não haverá falar
mais em hipoteca.

A especialização da hipoteca deve ser renovada a cada 20 anos.

A hipoteca legal não terá prazo máximo, perdurando enquanto vigorar a situação descrita na lei.

Por outro lado, a hipoteca convencional terá o prazo máximo de 30 anos.

O art. 1.473 diz o que pode ser objeto do direito real de garantia hipotecário:

• os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles;


• o domínio direto;
• o domínio útil (direito do usufrutuário);
• as estradas de ferro;

453
• os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham;
• os navios;
• as aeronaves.
• o direito de uso especial para fins de moradia;
• o direito real de uso;
• a propriedade superficiária;
• propriedade fiduciária;
• direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando esta é concedida ao poder público.

A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os ônus


reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel.

O art. 1.475 diz que é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.
Portanto, o imóvel pode ser vendido ou doado, mas a hipoteca irá o acompanhar, sendo um direito de
sequela.

É possível que as partes convencionem que, sendo alienado o bem, haverá o vencimento antecipado
do crédito hipotecário. Em resumo, é proibido proibir a alienação, mas é possível constar que, havendo
alienação, haverá o vencimento antecipado da dívida.

O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo título, em
favor do mesmo ou de outro credor. Ou seja, é possível a chamada sub-hipoteca (art. 1.476), o qual poderá
constituir sobre o imóvel uma outra hipoteca, mas o da primeira terá preferência. O titular da segunda
hipoteca, quando vencida a sua dívida, não poderá executar o imóvel antes de vencida a dívida da primeira
hipoteca.

Nos casos e nas hipóteses de sub-hipoteca, se o devedor da obrigação garantida pela primeira
hipoteca não se oferecer no vencimento para pagar, o credor da segunda hipoteca poderá fazer a extinção
da primeira, consignando o valor em juízo. Nesse caso, o credor da sub-hipoteca vai se sub-rogar nos direitos
da primeira hipoteca.

a) Remição ou resgate da hipoteca

São duas as hipóteses especiais de remição ou resgate da hipoteca merecem destaque:

• Remição da hipoteca pelo adquirente de imóvel:


O sujeito adquire o imóvel hipotecado, decidindo realizar a remição da hipoteca.
Segundo o art. 1.481, dentro do prazo decadencial de 30 dias, contados do registro do título
aquisitivo, o adquirente do imóvel hipotecado tem o direito de remi-lo, citando os credores
hipotecários e propondo importância não inferior ao preço por que o adquiriu o imóvel.

454
Se o adquirente deixar de remir o imóvel, ficará sujeito à execução da hipoteca, ficando também
obrigado a ressarcir os credores hipotecários por uma desvalorização que tenha permitido que o
imóvel sofresse em razão de sua culpa.
Se o credor hipotecário impugnar o preço da aquisição ou a importância oferecida, realizar-se-á
licitação, efetuando-se a venda judicial a quem oferecer maior preço, assegurada preferência ao
adquirente do imóvel.
Não impugnado pelo credor, o preço da aquisição ou o preço proposto pelo adquirente, haver-
se-á por definitivamente fixado para a remissão do imóvel, que ficará livre de hipoteca, uma vez
pago ou depositado o preço.
Disporá de ação regressiva contra o vendedor o adquirente que ficar privado do imóvel em
consequência de licitação ou penhora, o que pagar a hipoteca, o que, por causa de adjudicação
ou licitação, desembolsar com o pagamento da hipoteca importância excedente à da compra e
o que suportar custas e despesas judiciais.

• Remição da hipoteca no caso de falência ou insolvência do devedor hipotecário:


Foi tratada pelo NCPC no art. 877, segundo o qual, transcorrido o prazo de 5 (cinco) dias,
contado da última intimação, e decididas eventuais questões, o juiz ordenará a lavratura do
auto de adjudicação do bem penhorado.
Considera-se perfeita e acabada a adjudicação com a lavratura e a assinatura do auto pelo juiz,
pelo adjudicatário, pelo escrivão ou chefe de secretaria, e, se estiver presente, pelo executado,
expedindo-se a carta de adjudicação e o mandado de imissão na posse, quando se tratar de bem
imóvel. Sendo bem móvel, haverá apenas a ordem de entrega ao adjudicatário.
No caso de penhora de bem hipotecado, o executado poderá remir o bem até a assinatura do
auto de adjudicação, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou
ao do maior lance oferecido, se houve licitantes.
Na hipótese de falência ou de insolvência do devedor hipotecário, o direito de remição será
deferido à massa ou aos credores em concurso, não podendo o exequente recusar o preço da
avaliação do imóvel.

b) Perempção da hipoteca convencional

O art. 1.485 diz que há a extinção da hipoteca pelo decurso do prazo máximo de 30 anos, a contar
da constituição do negócio.

Hipoteca legal não tem prazo máximo, mas apenas prazo máximo da hipoteca convencional.

455
Admite-se a instituição convencional da hipoteca para dívida futura ou dívida condicional, que
depende de evento futuro e incerto. Mas isto só será possível se determinado o valor máximo do crédito
no ato de instituição.

A execução da hipoteca nesse caso vai depender de uma prévia concordância do devedor quanto à
verificação da condição do evento futuro e incerto, ou ainda haver uma prévia concordância do dever quanto
ao montante da dívida.

Havendo divergência entre o credor e o devedor quanto à ocorrência do fato ou do montante da


dívida, o credor deverá provar o seu crédito, o qual, provando, terá a garantia do bem.

O art. 1.488 inovou por meio da possibilidade de fracionamento da hipoteca, o que é uma exceção
à regra da indivisibilidade do direito real de garantia.

O fracionamento da hipoteca será possível se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser
loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício, poderá o ônus ser dividido, gravando cada lote ou
unidade autônoma, se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre
o valor de cada um deles e o crédito.

O credor só poderá ser contrário ao pedido de desmembramento do ônus se provar que esse
desmembramento ocasionará diminuição de sua garantia.

c) Classificação da hipoteca

i. Quanto à sua origem

• Hipoteca convencional:
Decorre da vontade das partes.

• Hipoteca legal:
Decorre da lei. Essas hipóteses de hipoteca legal estão previstas no art. 1.489 do CC:
o Hipoteca legal é conferida às pessoas de direito público interno sobre os imóveis
pertencentes aos encarregados da cobrança, guarda ou administração dos respectivos
fundos e rendas;
o Hipoteca legal é conferida aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras
núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior;
o Hipoteca legal é conferida ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do
delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas
judiciais;

456
o Hipoteca legal é conferida ao coerdeiro, para garantia do seu quinhão ou torna da partilha,
sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente;
o Hipoteca legal é conferida ao credor sobre o imóvel arrematado, para garantia do
pagamento do restante do preço da arrematação.
A hipoteca legal pode ser substituída por caução de títulos da dívida pública federal ou
estadual, recebidos pelo valor de sua cotação mínima no ano corrente, ou ainda por outra
garantia, a critério do juiz, a requerimento do devedor.
A hipoteca legal, de qualquer natureza deverá ser registrada e especializada, a fim de que os
terceiros tomem conhecimento (art. 1.497).
O registro e a especialização incumbem a quem está obrigado a prestar essa garantia.
Não existe prazo máximo para a hipoteca legal, mas exige-se que a especialização da hipoteca
seja renovada a cada 20 anos.

• Hipoteca cedular (art. 1.486)


Segundo o dispositivo, o credor e o devedor podem, no ato constitutivo da hipoteca, autorizar a
emissão de uma cédula hipotecária. Especializando-se os bens dados em garantia, com aquela
cédula, com o registro da cédula no ofício imobiliário. Então, é necessário registrar no cartório
de registro de imóveis.

• Hipoteca judicial
Encontrou regulamentação com NCPC, conforme art. 495, segundo o qual a decisão que
condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a
conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão
como título constitutivo de hipoteca judiciária.
A decisão produz a hipoteca judiciária:
o ainda que a condenação seja genérica ou
o ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou esteja
pendente arresto sobre bem do devedor;
o mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo.
A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante
o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, de declaração expressa
do juiz ou de demonstração de urgência.

d) Extinção da hipoteca

Segundo o art. 1.499, a hipoteca extingue-se:

• pela extinção da obrigação principal;

457
• pelo perecimento da coisa;
• pela resolução da propriedade;
• pela renúncia do credor;
• pela remição;
• pela arrematação ou adjudicação.

Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação do cancelamento do registro no Registro de Imóveis,


à vista da respectiva prova.

Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem que tenham
sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes
na execução.

IV. Anticrese

A anticrese é muito pouco utilizada no Brasil.

Na anticrese há um direito real de garantia, em que o imóvel é dado em garantia, sendo este
transmitido ao credor, seja pelo devedor ou por um terceiro, o qual transmite o imóvel ao credor, retirando
as coisas e frutos para pagamento da dívida.

O imóvel continua a ser do devedor, mas o credor passa a receber os aluguéis do imóvel.

Na anticrese há um bem imóvel, mas cuja posse é transferida ao devedor ou ao credor, aproximando-
se do penhor.

O imóvel dado em anticrese pode ser hipotecado e o hipotecado pode ser dado em anticrese.

É possível ainda a remição ou resgate da anticrese pelo adquirente do imóvel dado em anticrese
(imóvel anticrético).

V. Alienação fiduciária em garantia

A alienação fiduciária em garantia é um direito real de garantia, mas sobre coisa própria.

Vai encontrar respaldo:

• no Código Civil, que dispõe sobre a propriedade fiduciária de bens móveis infungíveis.
• no DL 911/69, que trata dos bens imóveis, dados em alienação fiduciária;
• Lei 9.514, que trata da alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis.

a) Conceito

458
O art. 22 da Lei 9.514 estabelece que a alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor,
ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade
resolúvel de coisa imóvel.

Há a propriedade resolúvel da coisa imóvel que passa a ser do credor fiduciário.

A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio, mas este é resolúvel, além da posse
indireta da coisa alienada. O alienante passa a ser o depositário do bem.

A posse direta do bem fica com o devedor fiduciante, mas o credor fiduciário tem a posse indireta do
bem.

O devedor fiduciante aliena o bem adquirido a um terceiro, e este credor fiduciário paga um preço
ao alienante originário da coisa, a quem vendeu a coisa ao devedor fiduciante.

Com o pagamento de todos os valores devidos pelo devedor fiduciante, este irá adquirir a
propriedade do bem em garantia.

b) Alienação fiduciária em garantia de bens móveis

Está regulamentada no Código Civil e no DL 911.

O §1º do art. 1.361 diz que a propriedade fiduciária se constitui com o registro do contrato, motivo
pelo qual haverá um direito real de garantia, desde que seja celebrado por instrumento público ou
particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor.

Em se tratando de veículos, o registro deverá ser feito na repartição competente para o


licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

O art. 1.362 diz que o contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, deverá observar alguns
requisitos, tais como:

• Contrato preveja qual é o valor total da dívida, ou sua estimativa;


• Contrato preveja o prazo, ou a época do pagamento;
• Contrato preveja a taxa de juros, se houver;
• Contrato preveja a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis
à sua identificação.

Antes de vencida a dívida, o devedor fiduciante vai usar e gozar da coisa, ficando em sua posse, pois
será o depositário da coisa.

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O devedor fiduciante é obrigado a ter a diligência exigida pela natureza da coisa, além de ser obrigado
a entregar a coisa ao credor se a dívida não for paga no seu vencimento.

Portanto, havendo inadimplemento por parte do devedor, o credor poderá vender a coisa, podendo
ser judicial ou extrajudicial.

Feita a venda, o preço será aplicado no pagamento do crédito, e se houver saldo, este será entregue
ao devedor, havendo a quitação.

Considera-se existente a mora do devedor fiduciante quando houver o simples vencimento do prazo,
sendo uma mora ex re. Mas ela é comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não
precisando este ser assinado pelo devedor fiduciante.

A mora e o inadimplemento das obrigações contratuais garantidas por alienação fiduciária vão
facultar ao credor considera, desde aquele momento, vencidas todas as obrigações contratuais.

Segundo a jurisprudência superior, o inadimplemento relativo será provado com a carta registrada
com AR, e uma vez provado haverá a liminar, a fim de deferir a busca e a apreensão do bem móvel. Veja, a
mora é ex re, mas para prová-la, é necessário que haja carta registrada com AR, motivo pelo qual será
deferida a busca e apreensão.

A ação de busca e apreensão na alienação fiduciária em garantia de bens móveis, encontra


regulamentação no art. 3º do DL 911/69.

Este dispositivo estabelece que o proprietário fiduciário ou credor pode, desde que comprovada a
mora, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado
fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.

Após 5 dias a execução da liminar, consolidam-se a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem
no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo
certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da
propriedade fiduciária.

No prazo 5 dias, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os
valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do
ônus.

O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de 15 dias da execução da liminar. Essa resposta
pode ser apresentada mesmo que o devedor tenha se utilizado da faculdade de pagar a dívida para ter o bem
em sua propriedade, eis que poderá considerar que o pagamento foi feito a maior, desejando agora a
restituição que entende cabível.

460
Da sentença cabe apelação apenas no efeito devolutivo.

Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor
fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, a qual será equivalente a 50% do valor
originalmente financiado atualizado, se o bem tiver sido alienado.

Essa multa não exclui responsabilidade do credor fiduciário por perdas e danos.

O §12 vai dizer que a parte interessada poderá requerer diretamente ao juízo da comarca onde foi
localizado o veículo com vistas à sua apreensão, sempre que o bem estiver em comarca distinta daquela
da tramitação da ação, bastando que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, quando
for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo.

A apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará a instituição


financeira para retirar o veículo do local depositado no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas.

O STJ, em recursos repetitivos, entendeu que a lei não autoriza ao devedor fiduciante que purgue a
mora, ou seja, apenas aquilo que pague em atraso, pois a lei é clara de que o devedor poderá pagar apenas
a integralidade da dívida pendente.

Ainda, o STJ tem aplicado à alienação fiduciária a teoria do adimplemento substancial, casos em que
será afastada a busca e apreensão, em virtude de que a mora do devedor é insignificante. Poderá cobrar o
remanescente de outra forma, mas diversa da busca e apreensão.

Todas essas regras serão aplicadas ao leasing (arrendamento mercantil).

O art. 1.365 diz que é nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa
alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento. Ou seja, é vedado o pacto comissório real.

Todavia, pode o devedor, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento
da dívida, após o vencimento desta. Ou seja, vencida a dívida, poderá dar o bem em dação em pagamento.

A Lei 13.043/14 incluiu o art. 1.368-B no Código Civil.

Este dispositivo diz que a alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito
real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário do fiduciante ou sucessor do fiduciante.

Isso fez com que a alienação fiduciária se tornasse de natureza mista, sendo direito real de garantia
sobre coisa própria, mas também é direito real de aquisição.

O credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia,
mediante consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido

461
transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a
posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o
bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.

c) Alienação fiduciária em garantia de bens imóveis

Está prevista na Lei 9.514/97.

A alienação fiduciária pode ser contratada por uma pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das
entidades que operam no sistema financeiro imobiliário.

Poderá ser objeto de alienação fiduciária em garantia:

• Bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a


consolidação do domínio útil no fiduciário;
• Direito de uso especial para fins de moradia;
• Direito real de uso, desde que suscetível de alienação;
• Propriedade superficiária;

Esses bens podem ser alienados fiduciariamente em garantia de bem imóvel.

O art. 23 diz que a propriedade fiduciária de coisa imóvel se constitui mediante registro, no
competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Com a constituição da propriedade fiduciária, se dará o desdobramento da posse, tornando-se o


fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

São requisitos do instrumento que será registrado:

• Constar o valor do principal da dívida;


• Constar o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;
• Constar a taxa de juros e os encargos incidentes;
• Constar a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto
da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;
• Constar a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua
conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;
• Constar a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios
para a respectiva revisão;
• Constar a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.

Com o pagamento integral da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária do imóvel.

462
Ocorrendo o pagamento, no prazo de 30 dias, a contar da data de liquidação da dívida, o fiduciário
fornecerá o respectivo termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa em favor deste, equivalente a
meio por cento ao mês, ou fração, sobre o valor do contrato.

À vista do termo de quitação, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento


do registro da propriedade fiduciária.

O art. 26 vai dizer que, vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e for constituído em mora
o fiduciante, a propriedade vai se consolidar a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

O devedor fiduciante, ou seu representante legal, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo
oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de 15 dias, a prestação vencida. Se purgar
a mora, voltará a valer a alienação fiduciária, com todos os seus efeitos.

Segundo o STJ, é nula a intimação do devedor para oportunizar a purgação de mora realizada por
meio de carta com aviso de recebimento quando esta for recebida por pessoa desconhecida e alheia à
relação jurídica (Inf. 580).

Portanto, no caso de bens imóveis, é possível a purgação da mora no Registro de Imóveis. O oficial,
nos 3 dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as
despesas de cobrança e de intimação.

Se passados os 15 dias, e o devedor não fez a purgação da mora, então o oficial de registro de imóveis
irá promover a averbação na matrícula do imóvel da consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário.

Consolidada a propriedade em nome do fiduciário, no prazo de 30 dias, contados da data do registro,


promoverá público leilão para a alienação do imóvel, já que é vedado o pacto comissório real, não podendo
ficar com o imóvel o credor fiduciário.

No primeiro público leilão, o maior lance oferecido deve ser pelo menos superior ao valor do imóvel.
Todavia, sendo inferior ao valor do imóvel, será realizado o segundo leilão, nos 15 dias seguintes.

No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da
dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições
condominiais.

Nos 5 dias seguintes à venda do imóvel, o credor fiduciário vai entregar ao devedor fiduciante aquilo
que sobrar. Esse fato vai importar em recíproca quitação.

463
Se no segundo leilão não for igual ou superior ao valor da dívida e dos encargos, será considerada a
dívida extinta.

→ DIREITO DE FAMÍLIA
1. Aspectos gerais

O direito de família tem como conteúdo os seguintes institutos: casamento, união estável, relações
de parentesco, filiação, alimentos, bens de família, tutela, curatela e guarda.

I. Princípios do direito de família

No momento da prova, estes princípios resolvem regras desconhecidas.

a) Princípio da solidariedade familiar

Solidariedade é um respondendo por todos e todos respondendo por um. A solidariedade familiar
deve ser concebida num sentido amplo, tendo um caráter afetivo, social, moral, patrimonial, espiritual,
inclusive sexualmente.

Basta ver do ponto de vista patrimonial. Isso porque o cônjuge culpado pelo fim do relacionamento
tem direito aos alimentos necessário, imprescindíveis à sobrevivência. Este poderá pleitear do cônjuge
inocente, desde que não tenha mais ninguém para prestar estes alimentos a ele.

Ora, é a solidariedade familiar que justifica a prestação desses alimentos.

b) Princípio da igualdade entre filhos

O art. 227, §6º, da CF diz que os filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, tem os mesmos
direitos e qualificações, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias, relativas à discriminação.

c) Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros

Aqui, é a preocupação da igualdade entre cônjuges e companheiros. A lei reconhece a igualdade


entre homens e mulheres no tocante à direção da sociedade conjugal ou convivencial da união estável.

Isto justifica que o marido pleiteie os alimentos da mulher, visto que poderia ter sido ele o dono de
casa durante a sociedade conjugal.

Da mesma forma, em razão do princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, poderá a


mulher usar o nome do homem ou o homem usar o nome da mulher.

Ainda, há a igualdade na chefia familiar, exercendo ambos o poder familiar.

464
d) Princípio da não intervenção

O princípio da não intervenção também é conhecido como princípio da liberdade.

O art. 1.513 do CC diz que é proibido a qualquer pessoa de direito público ou privado interferir na
comunhão de vida instituída pela família. Segundo a CF, a família é a base da sociedade, não podendo haver
intervenção da família.

O art. 1.565, §2º, diz que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo vedada qualquer
tipo de coerção. Isto não impede que o estado incentive controle de natalidade, planejamento familiar ou
eduque as famílias por meio de políticas públicas. Mas a decisão final é do casal.

e) Princípio do maior interesse da criança e do adolescente

Este princípio será estudado no ECA.

A ideia do princípio do maior interesse da criança e do adolescente vem consagrada no art. 227,
caput, da CF. A Constituição diz que é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem (entre 15 e 29 anos), com absoluta prioridade, o direito à vida, saúde, alimentos,
educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, direito ao respeito, liberdade, convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.

A Constituição consagra claramente o princípio do maior interesse da criança e do adolescente. A


Constituição vai além, pois consagra também o jovem.

É possível ser adolescente e jovem ao mesmo tempo? SIM. Quem tem 16 anos é adolescente e jovem.

Exemplo de aplicação do princípio do maior interesse da criança e do adolescente. Basta pensar na


ideia da guarda compartilhada, a qual prevalece sobre a guarda unilateral, visto que se mostra mais benéfico
à criança ou adolescente. Frise-se que não se trata da guarda mochila, em que a criança dorme dois dias em
cada uma das casas.

A ideia da guarda compartilhada é que o filho more com a mãe, por exemplo, mas que o pai busca o
filho na escola todos os dias, almoçando com ele, bem como passeando com o filho. Ou seja, o filho acaba
tendo essa convivência sempre com os dois pais.

e) Princípio da afetividade

É o princípio do afeto. O afeto hoje pode ser apontado como principal fundamento das relações
familiares. Se não há afeto não há família.

465
A valorização do afeto remonta a um trabalho de João Batista Vilella, de 1979, quando tratou da
desbiologização da paternidade. Ele diz que as transformações pelas quais passou a família, deixando de ser
uma unidade de caráter econômico, social e religioso, para se afirmar como um grupo de afetividade,
imprimiu um considerável esforço para um esvaziamento biológico da paternidade.

A partir desse trabalho é que se começa a se defender a paternidade socioafetiva. Se considerarmos


que é o afeto que legitima a existência da família, chega-se à conclusão de que pai não é concebe do ponto
de vista biológico, pai é quem cria o filho.

f) Princípio da função social da família

É extraído do art. 226 da CF, o qual diz que a família é a base da sociedade, recebendo uma especial
proteção do Estado.

As relações familiares serão analisadas dentro do contexto social, dentro daquilo que a sociedade
hoje apresenta ao Estado. Se a sociedade muda, é preciso que a concepção de família também é alterada.
Isso porque existe a função social da família.

A função social familiar fundamenta o parentesco decorrente da paternidade socioafetiva, pois hoje
quem cria o filho muitas vezes não é quem biologicamente o gerou.

Outras entidades familiares, como a união homoafetiva, vão ser reconhecidas porque a sociedade
mudou. Hoje há as famílias formadas por pessoas do mesmo sexo, sendo equiparada à família heteroafetiva.

II. Concepção constitucional de família

Interpretando-se o art. 226 da CF, pode-se dizer que a família decorre de alguns institutos, tais como:
casamento civil, união estável entre homem e mulher e a chamada família monoparental (um dos pais e os
filhos).

Esse rol constitucional é um rol exemplificativo, passando admitir outras manifestações familiares,
surgindo a ideia de anaparental, ou seja, é a família sem pais.

Ainda é possível reconhecer a chamada família homoafetiva, resultante da união de casais do mesmo
sexo.

Também se fala da família mosaico, que pode ser chamada de família pluriparental, em que os
membros da família possuem várias origens. Ex.: João foi casado com Maria e teve 2 filhos. João depois se
casou com Carla, que tinha 2 filhos do primeiro casamento. Portanto, João e Carla agora se casam e trazem
para dentro de casa os 4 filhos. A família terá origens diversas, formando uma família mosaico.

466
Família por design consiste em pessoas que se unem no intuito único de ter uma relação que gere
filhos, seja de forma natural ou reprodução assistida e, posteriormente criarão a criança em conjunto, mas
sem formarem um casal afetivo.

TIPOS DE FAMÍLIAS

• Família tradicional: é aquela oriunda do casamento. Podemos ter o casamento avuncular;


casamento nuncupativo; casamento por procuração; casamento consular; casamento civil e
casamento religioso com efeitos civis.

• Família convivencial ou informal: é aquela decorrente da união estável – união pública continua e
duradoura com o objetivo de constituir família. Antes, a união estável era entre homem e mulher –
ainda consta tal expressão na CF e no CC -, mas hoje, depois de realizada interpretação conforme a
Constituição é possível à união estável e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

• Família monoparental: qualquer um dos genitores com sua respectiva prole.

• Família anaparental: é aquela marcada pela ausência dos genitores. Por exemplo, netos com os avós;
tios e sobrinhos.

• Família mosaico ou “rebobinada4”: advém da seguinte expressão “os meus, os seus e os nossos”.
Ocorre, portanto, quando pais ou mães solteiros/viúvos contraem novas relações - tem-se uma
misturas de vínculos e relações anteriores.

• Família homoafetiva – ADPF n° 132/RJ, ADI n° 4.277/DF e REsp. 1183378/RS: criação jurisprudencial
no ordenamento jurídico brasileiro, onde se admite o casamento e a união estável entre pessoas do
mesmo sexo.

• Família unipessoal, solitária, single ou celibatária: segundo professor Conrado Paulino, em sua obra
“Direito de Família Contemporâneo”, assevera que apesar de não haver uma uniformidade na
jurisprudência quanto ao tema, não podemos esquecer o papel da família unipessoal. O jurista cita
como exemplo, o entendimento sumular que diz sobre o bem de família da pessoa solteira, viúva e
divorciada.

4
Expressão utilizada pela professora Maria Helena Diniz.

467
Súmula 364 do STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel
pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

Extrai-se do CPC/15, que as demandas envolvendo direito de família, são diferenciadas e, muitas
vezes o magistrado deve se valer de alguns meios alternativos que fogem da seara jurídica –
interdisciplinar -, como as terapias (constelação familiar), a psicologia, o pedagogo, utilização do
método de depoimento sem dano (oitiva de menores na perspectiva de um ambiente mais
apropriado e lúdico).

• Família solidária – irmandade: tratam-se daquelas situações em que pessoas idosas ou jovens se
juntam com outras pessoas para morarem em determinado local. Há, portanto, uma estrutura
familiar, apesar de não haver certos efeitos como a partilha e alimentos. Ex.: jovem que sai de casa
para estudar e passa a residir em uma república.
Quando se fala em família, a base que deve ser levada em consideração é a visão eudemonista –
pessoas que estão juntas em razão do afeto, crescimento financeiro/espiritual/psicológico, é o
denominado locus, onde as pessoas desenvolvem suas potencialidades, personalidades, caráter etc.

• Família laboral: é a família que se forma no ambiente de trabalho.

• Família paralela ou simultânea: a partir de uma analise jurisprudencial (STJ e STF), há uma resistência
muito grande a respeito do reconhecimento da família paralela. Podemos citar como exemplo: João
é casado com Maria, mas de forma simultânea, João constitui união estável com Ester. Logo, a união
estável com Ester é paralela ao casamento (é possível também, que João conviva em união estável
com Maria e, ao mesmo tempo, constitua união estável com Ester).
A matéria é bastante polêmica do ponto de vista doutrinário, mas os Tribunais Superiores asseveram
que pode ser possível o reconhecimento da união estável de João e Ester, mas desde que seja uma
união estável putativa – Ester possui boa-fé subjetiva e desconhece que João é casado ou possui
união estável com Maria. Logo, se não houver a comprovação da boa-fé de Ester, ter-se-á um
concubinato, não possuindo, portanto, efeitos jurídicos do ponto de vista familiar - no máximo,
poderá ser reconhecida como uma sociedade de fato e, eventual demanda, será solucionada na Vara
Cível.
Segundo professor Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald de Farias, na união estável putativa pode ser
reconhecida mesmo que Ester tenha boa-fé objetiva, ou seja, ela sabe da existência de Maria e,

468
baseados nos deveres anexo da confiança, lealdade e justa expectativa, acredita fielmente nas
promessas de João, de que somente está casado com Maria para esperar os filhos crescerem.
Notadamente, quanto a essa temática, há julgados extremamente relevantes, onde o STJ menciona
que não é de se reconhecer a união estável simultânea, mas em razão da peculiaridade do caso e,
por se tratar de “concubinato de longa duração”, tem-se reconhecido alguns direitos a concubina,
como a divisão da pensão por morte.

• Família poliafetiva ou poliamor: é aquela em que três ou mais pessoas querem conviver juntas, ter
filhos e dividir seus patrimônios e pensões, independentemente da questão de gênero. Trata-se de
uma não monogamia responsável, ou seja, exercendo a autonomia privada, algumas pessoas
possuem relações plurais.
Desde 2012, algumas pessoas começaram a realizar em Cartórios de Notas as escrituras públicas
declaratórias de união estável poliafetiva. A partir daí, chegou até CNJ, um pedido de providências,
no sentido de proibir os cartórios de lavrarem essas escrituras públicas, ante a ausência de amparo
normativo. Essa controvérsia foi solucionada no ano de 2018, onde o CNJ não questionou o mérito,
mas como o órgão é o responsável pela regulamentação das atividades cartorárias, concluiu-se pela
proibição da lavratura dessas escrituras.

Família multiespécie: é aquela constituída pelos seres humanos e seus animais de estimação.

No ano de 2018, o STJ decidiu sobre a visita e custódia física dos animais de estimação.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO.


AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO
ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.
1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade
familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta
Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão
bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também
pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII -
"proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 2. O Código
Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos
de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade
jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal
ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua
substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia
possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos,
totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico
dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar

469
envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4.
Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de
direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes,
por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus
exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um
direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar.
5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu
animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-
modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de
ambos os cônjuges pelo animal.
Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais
precisamente, o âmago de sua dignidade.
6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser
senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos
animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da
entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação,
independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender,
sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da
sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o
Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que
estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo
o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido.
9. Recurso especial não provido.
(REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018,
DJe 09/10/2018).

2. Casamento

I. Conceito e natureza jurídica

O casamento pode ser conceituado pela união de duas pessoas, de forma reconhecida e
regulamentada pelo Estado, em que se objetiva estabelecer uma família, baseada no vínculo de afeto,
estabelecendo comunhão plena de vida entre os cônjuges.

A natureza jurídica casamento é muito discutida pela doutrina.

1ªC: Teoria institucionalista (Maria Helena Diniz): O casamento seria uma instituição.

2ªC: Teoria contratualista (Sílvio Rodrigues): O casamento é um contrato, de natureza especial.

3ªC: Teoria mista ou eclética (Flávio Monteiro de Barros e Flávio Tartuce): O casamento é uma
instituição quanto ao conteúdo, mas quanto à forma é um contrato especial.

II. Princípios específicos do casamento

O casamento é um negócio jurídico especial, tendo regras próprias de constituição, além de


princípios específicos.

470
a) Princípio da monogamia

Segundo o princípio da monogamia, só é possível se casar com uma pessoa.

Este princípio é extraído do art. 1.521, o qual diz que não podem casar as pessoas casadas.

b) Princípio da liberdade de escolha

Segundo este princípio, é possível casar com quem quiser, desde que essa pessoa também queira.

Como exercício da autonomia privada, há o princípio da liberdade de escolha.

É claro que há os impedimentos matrimoniais, ou seja, o genro, por exemplo, não poderá se casar
com a sogra.

c) Princípio da comunhão plena de vida

O casamento estabelece comunhão plena de vida entre os cônjuges.

III. Capacidade para o casamento, impedimentos matrimoniais e causas suspensivas do casamento

Não confundir incapacidade para o casamento com impedimentos para o casamento.

A incapacidade para o casamento é geral, impedindo qualquer pessoa de se casar com qualquer outra
pessoa. O impedimento não é geral, atingindo determinadas pessoas em situações específicas.

A incapacidade é geral, como no caso da pessoa com 12 anos, a qual não poderá casar.

Os incapazes para o casamento são apenas os menores de 16 anos. Isso porque somente os
absolutamente incapazes são incapazes para o casamento, visto que a idade núbil começa aos 16 anos.

Não há nenhuma outra previsão no ordenamento jurídico brasileiro que traga outro absolutamente
incapaz que não o menor de 16 anos.

Isso vai ao encontro do Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois o art. 6º diz que a deficiência não
afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para casar-se e para constituir união estável.

a) Capacidade para o casamento

O homem e a mulher em idade núbil (16 anos completos) podem ser casar, e se forem menores de
18 anos, será necessário uma autorização de ambos os pais ou representantes legais, enquanto não for
atingida a maioridade civil.

Havendo divergência entre os pais, quem resolverá será o juiz. Portanto, é possível o suprimento
judicial. É o que diz o art. 1.517, parágrafo único.

471
O art. 1.517, quando fala dessa necessidade de autorização, não se aplica ao emancipado, pois este
já tem plena capacidade, dispensando essa autorização dos pais para fins de casamento.

O art. 1.518 diz que até o momento da celebração do casamento, os pais ou tutores podem revogar
essa autorização. Após a celebração, não mais poderão revogar.

O art. 1.520 vai dizer que não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a
idade núbil.

Essa parte perdeu força por conta do crime de estupro ser crime de ação penal pública
incondicionada quando a vítima ser menor do que 18 anos.

b) Impedimentos matrimoniais

O art. 1.521 traz um rol taxativo de pessoas que não podem casar. Trata-se de matéria de ordem
pública.

Não poderão casar:

• ascendentes com os descendentes


• colaterais até o 3º grau, inclusive (até o tio não pode casar com sobrinha)
• os afins em linha reta (parentesco por afinidade, em que sogra não pode casar com genro)
• adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem foi cônjuge do adotante
• o adotado com o filho do adotante (são irmãos)
• pessoas casadas (seria uma incapacidade, mas a lei trata como impedimento)
• cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio consumado ou tentado com o seu
consorte (homicídio doloso, pois o culposo pode)

Com relação aos colaterais até o 3º grau, o presidente Getúlio Vargas abriu uma exceção para o seu
amigo, por meio do Decreto-Lei 3.200/41, até hoje em vigor, autoriza-se o casamento entre tios e sobrinhos
se uma junta médica apontar a inexistência de risco biológico. Neste caso, existe o casamento avuncular.

Em se tratando de vínculo por afinidade em linha reta, este vínculo será perpétuo, sendo mantido
mesmo depois da dissolução de casamento ou da união estável. A sogra é para sempre, jamais podendo o
genro se casar com a sogra.

Em relação aos efeitos, o impedimento matrimonial impossibilita que o casamento seja celebrado. A
oposição ao casamento pode ocorrer até o momento da celebração e por qualquer pessoa capaz.

Caso o oficial do registro tiver o conhecimento da existência do impedimento, deve reconhecer o


impedimento de ofício.

472
A consequência do casamento com impedimento é a nulidade absoluta.

c) Causas suspensivas do casamento

Em algumas situações o casamento será celebrado a despeito de haver causas suspensivas.

Estas causas suspensivas não geram nulidade absoluta e nem a nulidade relativa do casamento.

A consequência de casar-se com causa suspensiva é apenas experimentar uma sanção patrimonial
aos cônjuges. A sanção principal é o regime da separação obrigatória (legal) de bens.

O art. 1.523 faz uma recomendação, no sentido que não devem casar.

Portanto, não devem casar:

• Viúvo ou viúva, que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer o inventário dos bens
do casal, com a respectiva partilha
Evita-se a confusão patrimonial. Aqui também há uma outra consequência imposta por lei, que
é a hipoteca legal a favor dos filhos sobre os bens imóveis dos pais.

• Viúva ou mulher cujo casamento se desfez por nulidade absoluta ou relativa até 10 meses
depois do começo da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal.
O objetivo é evitar a confusão sobre a paternidade. Perdeu muito a aplicação prática.
• Divorciado enquanto não houver sido homologado ou decidida a partilha do casal
• Tutor e curador e seus descendentes, ascendentes, cunhados, sobrinhos, com a pessoa
tutelada ou curatelada enquanto não cessar a tutela ou curatela, ou enquanto não estiverem
saldar as respectivas contas que foram prestadas.

Em todas essas hipóteses acima, o parágrafo único do art. 1.523 diz que a causa suspensiva
desaparece se for provada a ausência de prejuízo aos envolvidos.

A respeito da arguição da presença de uma causa suspensiva, não é todo mundo que poderá fazer
essa arguição.

Na causa suspensiva, somente poderá ser realizada essa arguição até o momento da celebração do
casamento por parentes em linha reta de um dos cônjuges e pelos colaterais até o 2º grau (irmão ou
ascendente – pais, avós, sogros, irmãos e cunhados).

As causas suspensivas não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz ou oficial do registro civil, pois
tem natureza privada.

473
Levantada a causa suspensiva, o casamento será pelo regime de separação obrigatória de bens. Após
um tempo percebeu-se que não houve confusão patrimonial, etc. Desaparecendo um motivo de imposição
da causa suspensiva, é possível promover a ação visando a alteração do regime de bens, desde que haja
motivo justificado. Essa ação deverá ser proposta por ambos os cônjuges. É o que ensina o art. 1.639, §2º.

IV. Processo de habilitação e da celebração do casamento

O casamento é um negócio jurídico formal e solene.

O art. 1.525 diz que o requerimento de habilitação do casamento é firmado por ambos os cônjuges
de próprio punho ou por procurador.

O requerimento de habilitação deverá ser instruído com:

• Certidão de nascimento ou documento equivalente de ambos os pretensos cônjuges


• Autorização por escrito, se for o caso em cuja dependência legal estiverem ou ato judicial que
supra essa autorização
• Declaração de duas testemunhas que atestem e conhecem os pretensos cônjuges, e que não
existam impedimentos entre eles
• Declaração de estado civil
• Declaração de domicílio
• Declaração de residência atual dos pais dos contraentes
• Declaração de residência atual dos próprios contraentes
• Se for o caso, juntar certidão de óbito do cônjuge falecido ou da sentença que declarou a nulidade
ou a anulação do casamento anterior, transitada em julgado ou do registro da sentença de
divórcio

O art. 1.526 diz que a habilitação será feita perante o oficial de registro civil, com audiência do MP.

O parágrafo único diz que se houver impugnação do oficial ou do MP, ou de uma terceira pessoa,
essa habilitação será submetida ao juiz. Ou seja, se não houver a oposição ou essa impugnação, não será
submetida a habilitação ao juiz.

A ideia é a desjudicialização da habilitação.

Estando em ordem a documentação, o oficial vai extrair um edital, afixando o edital durante 15 dias,
nas circunscrições do registro civil de ambos os nubentes e vai publicar na imprensa local se houver. São os
denominados proclamos do casamento.

Essa publicação pode ser dispensada pela autoridade, se houver uma urgência, conforme o art. 1.527,
parágrafo único.

474
O oficial de registro civil tem o dever de esclarecer aos nubentes os fatos que podem ocasionar a
invalidade do casamento e sob os diversos regimes de bens existentes.

Tanto os impedimentos quanto as causas suspensivas serão opostas em uma declaração escrita e
assinada, instruída já com as provas das declarações, ou ao menos indicando o local onde essas provas podem
ser obtidas.

Com isso, o oficial dará aos nubentes a nota da oposição, dando ciência dos fatos aos nubentes, tendo
eles o prazo de 3 dias para indicar as provas que pretendem produzir, remetendo os autos ao juízo.

No juízo, essas provas serão produzidas, e então serão ouvidos os interessados, o MP (prazo de 5
dias) e após vai para o juiz decidir essa oposição no prazo de 5 dias.

Cumpridas essas formalidades, verificada a inexistência de um fato obstativo, será extraída a


certificação de que eles estão habilitados. Isso se dá através de um certificado de habilitação. Esse certificado
de habilitação terá um prazo de eficácia de 90 dias. Nesse prazo, o casamento deve ser celebrado.

O casamento ocorrerá no dia e lugar previamente designado pela autoridade que presidirá o ato, que
é o Juiz de Paz.

O art. 98, II, da CF diz que a União, Estados, DF e territórios vão criar a justiça de paz, a qual é
remunerada, composta por cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, os quais terão mandato de
4 anos, tendo competência para, dentre outras, celebrar casamentos.

O ato solene relativo ao casamento será realizado na sede do cartório com as portas abertas,
presentes pelo menos 2 testemunhas.

Caso queiram as partes casar em casa, e a autoridade concordar, poderá ser realizado, mas o edifício
ficará com as portas abertas durante o ato.

Neste caso, se for celebrado fora do cartório, o número de testemunhas que deverão estar presentes
será de no mínimo 4 testemunhas.

Também será preciso de 4 testemunhas se algum dos contraentes fora analfabeto, não souber ou
não puder escrever.

O oficial do registro, após ouvir dos nubentes sobre a pretensão do casamento por livre e espontânea
vontade, vai declará-los casados, nos seguintes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de
afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”.

Flávio Tartuce entende que esse dispositivo deve ser adaptado para as situações de casamento
homoafetivo.

475
Após celebrado o casamento, é lavrado um assento no livro de registro.

Em relação ao momento em que o ato é aperfeiçoado, este se dá a partir do momento em que o


homem e a mulher manifestam a sua vontade de estabelecer o vínculo conjugal e o juiz os declara casados.

O registro do ato no assentamento está no plano de eficácia do casamento perante terceiros, porém
ele já foi celebrado no momento em que o juiz, a partir da declaração de que ambos se manifestaram pela
vontade de casar.

O art. 1.538 traz uma advertência, afirmando que a celebração do casamento será imediatamente
suspensa se um dos contraentes recusar a solene afirmação de sua vontade, ou se manifestar arrependido.

O sujeito que der causa à suspensão não poderá se retratar no mesmo dia.

V. Casamento em caso de moléstia grave

Se um dos nubentes estiver acometido por uma moléstia grave, o presidente do ato, oficial de
registro, vai celebrar o casamento onde estiver a pessoa.

Se houver urgência, poderá celebrar o casamento mesmo à noite.

O casamento é celebrado perante 2 testemunhas, e a urgência vai dispensar o processo de


habilitação anterior dos nubentes.

Se houver a falta ou impedimento da autoridade competente do local, essa falta ou impedimento


será suprida por qualquer dos substitutos legais do juiz de paz.

Se a falta for do oficial de registro, ela será suprida por um oficial ad hoc, nomeado pelo juiz de paz
para aquele ato.

VI. Casamento nuncupativo (em viva voz) ou extremis vitae momentis, ou in articulo mortis

Casamento in articulo mortis é à beira da morte.

O art. 1.540 diz que quando algum dos contraentes estiver em iminente risco de vida, não obtendo
a presença da autoridade, a qual incumbiria presidir o ato, este casamento poderá ser celebrado na presença
de 6 testemunhas, que não tenham parentesco em linha reta ou colateral com os nubentes.

Realizado esse casamento, essas 6 testemunhas deverão comparecer perante a autoridade judicial
no prazo de 10 dias, pedindo que essa autoridade judicial tome por termo as declarações das testemunhas,
as quais irão dizer que foram convocadas por parte do enfermo. E que o enfermo estava realmente em
perigo de vida, mas estava em seu juízo, sabendo o que estava fazendo, além de que, em sua presença,
declararam os contraentes, livre e espontaneamente receber-se marido e mulher.

476
Verificada a idoneidade dos cônjuges, o casamento será tido como válido.

Essas formalidades todas serão dispensadas se o enfermo convalescer e puder ratificar o


casamento na presença do juiz e da autoridade competente (juiz de paz eventualmente, e o oficial de
registro).

VII. Casamento por procuração

O casamento pode ser celebrado por procuração, sendo esta por instrumento público, com poderes
especiais. A eficácia desse mandato não pode ultrapassar 90 dias.

VIII. Casamento religioso com efeitos civis

O art. 226, §2º, diz que o casamento religioso tem efeitos civis nos termos da lei.

O tema é regulamentado pelo art. 1.515, o qual diz que, para atender às exigências da lei para
validade do casamento civil, equipara o casamento religioso ao casamento civil, desde seja registrado no
registro próprio, produzindo efeitos a partir da sua celebração.

Portanto, esse registro terá efeitos retroativos na data da celebração do casamento religioso.

Duas são as situações possíveis do casamento religioso que tenha efeitos civis:

• Casamento religioso que tenha sido precedido da habilitação, devendo ser registrado no prazo
decadencial de 90 dias. Após o referido prazo, o registro do casamento dependerá de uma nova
habilitação.
• Casamento religioso não ser precedido de um processo de habilitação. Neste caso, terá efeitos
civis se, a requerimento do casal, for registrado esse casamento a qualquer momento, sempre
mediante prévia habilitação perante a autoridade competente.

IX. Invalidade do casamento

a) Casamento inexistente

O casamento inexistente ocorre em 3 hipóteses apresentada pela doutrina clássica:

• Casamento entre pessoas do mesmo sexo: essa hipótese perdeu a razão de ser, visto que o STF
equiparou a união homoafetiva à união estável, podendo ser convertida em casamento. Se é
possível converter em casamento, é possível casar-se. O CNJ, através da Res. 175/13 veda as
autoridades competentes de todo o Brasil de se recusar a habilitação, celebração ou conversão
de união estável em casamento das pessoas do mesmo sexo.
• Casamento com ausência de vontade: exemplo disso é o casamento com coação física.

477
• Casamento celebrado por autoridade totalmente incompetente (em razão da matéria): o
casamento celebrado por um juiz de direito na hipótese de existir juiz de paz será um casamento
inexistente, assim como o caso de casamento celebrado por promotor de justiça ou delegado.

O casamento inexistente é um nada jurídico, mas em algumas situações será necessário reconhecer
a inexistência do casamento para que ele deixe de produzir efeitos. Neste caso, como é um nada jurídico,
entende-se que é possível a mesma ação que é proposta para declarar a nulidade do casamento.

b) Casamento nulo

O casamento nulo é aquele celebrado com infringência a impedimento matrimonial.

Isso já foi estudado. Casamento entre genro e sogra é nulo, por infringência a impedimento
matrimonial.

Os impedimentos podem ser decorrentes de parentesco consanguíneo, por afinidade, civil, de


vínculo matrimonial ou de crime. A grande maioria das situações práticas é o caso de duplicidade de
casamentos.

É preciso ainda que seja compreendido os efeitos e procedimentos da ação declaratória de nulidade
do casamento.

Os efeitos e características dessa ação declaratória de nulidade:

• Imprescritível: a nulidade não vai se convalescer com o decurso do tempo.


• Promovida por ação direta: pode ser proposta por qualquer interessado, e como se trata de
ordem pública, pode ser proposta pelo MP.
• Sentença que declara a nulidade tem efeitos retroativos à data de celebração do casamento:
não poderá prejudicar terceiros de boa-fé, tampouco aquisição de direitos onerosos resultantes
de sentença transitada em julgado.

c) Casamento anulável

O casamento anulável é aquele em que poderá ou não ser anulado, sendo as hipóteses previstas no
art. 1.550:

• Casamento de quem não completou a idade mínima para casar


• Casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;
• Casamento por vício da vontade;
• Casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

478
• Casamento realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da
revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
• Casamento por incompetência da autoridade celebrante.

i. Anulação do casamento de quem não completou a idade mínima para casar

No casamento de quem não completou a idade mínima para casar, o prazo é decadencial de 180
dias. Ou seja, este é o prazo para propor uma ação anulatória.

Essa ação anulatória poderá ser proposta:

• pelo próprio menor, desde que representado pelos seus representantes legais.
• pelos seus ascendentes.

O início da contagem do prazo depende de quem está propondo a ação.

Se estiver diante de um menor, o prazo de 180 dias será contado a partir do momento em que o
menor completar 16 anos.

Se a ação foi proposta pelo representante legal do menor, este prazo de 180 dias será contado do
momento da celebração do casamento.

Esse casamento celebrado pelo menor poderá ser convalidado em duas hipóteses:

• casamento resultado gravidez


• menor, depois de completar a idade núbil, confirmar o casamento com a autorização dos
representantes ou suprimento judicial

ii. Anulação do casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante
legal

O casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal, também
é um casamento anulável.

O prazo para propositura da ação declaratória de nulidade é de 180 dias.

O prazo para a propositura da ação declaratória de nulidade do casamento seguirá as regras abaixo:

• Proposta pelo menor: prazo de 180 dias, contados a partir do momento em que ele completa 18
anos.
• Proposta pelo representante legal: prazo de 180 dias, contados a partir da celebração do
casamento.
• Proposta por um herdeiro necessário: prazo de 180 dias, contados data de óbito do menor.

479
Esse casamento também poderá ser convalidado quando os pais tiverem assistido a cerimônia e não
tiverem manifestado oposição ou se tiverem manifestado a aprovação.

iii. Anulação do casamento por vício da vontade em relação à coação moral e error in persona

Casamento por coação moral

O casamento também poderá ser anulado se for celebrado sob coação moral, situação em que o
prazo para anular o casamento será decadencial de 4 anos, contados da celebração do casamento. A ação,
no caso da coação moral, é personalíssima, somente podendo ser proposta pelo coagido.

O ato de coação poderá ser convalidado também se houver uma posterior coabitação entre os
cônjuges e a ciência do vício por um período que o juiz reputar razoável.

Obs.: Samer, e eu também concordo, que o prazo para anulação deveria ser contado da cessação da
coação e não da celebração do casamento.

Casamento com erro essencial

O casamento com erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge também admite a sua anulação.

O art. 1.557 traz um rol de situações caracterizadoras de erro in persona que autorizariam a anulação
do casamento.

Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

• O erro que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu
conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
Por exemplo, o cônjuge se casa e depois descobre que seu cônjuge é homossexual. Se tornar
insuportável a vida em comum do casamento, poderá anular.

• A ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida
conjugal;
Ex.: a mulher descobre que o marido era traficante de drogas.

• A ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize


deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr em
risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;
Ex.: hermafroditismo, que são as duas manifestações sexuais em uma única pessoa.
Outro exemplo é a deformações sexuais, como a impotência coeundi, que é a impotência para a
prática do sexo. A impotência generandi, que é a impotência de gerar filhos, não gera anulação
do casamento.

480
O prazo decadencial para anular o casamento por erro in persona é de 3 anos, contados da
celebração do casamento. Essa ação também é personalíssima.

A coabitação posterior, sabendo do vício, convalida o casamento, salvo nas hipóteses de defeito
físico irremediável ou a moléstia grave.

iv. Anulação do casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o


consentimento

O incapaz de consentir ou de manifestar a sua vontade de modo inequívoco pode anular o


casamento. Isto engloba o casamento dos ébrios habituais, alcoólatras, vícios em tóxicos e aquelas que por
causa transitória não puderem exprimir a sua vontade. Nestes casos, o casamento será considerado anulável.

Nesses casos, o prazo decadencial para anulação do casamento também é de 180 dias, contados da
celebração do casamento.

Aqui também vale a mesma ideia, pois se a pessoa está em coma, este prazo de 180 dias deve ser
contado do dia em que sair do coma. Mas a lei fala da celebração do casamento.

v. Anulação do casamento realizado por procuração, se houve a revogação do mandato antes da


celebração do casamento, mas o mandatário e o outro cônjuge não tomaram conhecimento

Ou seja, o casamento poderá ser anulado se houve o casamento após a revogação do mandato sem
que o representante e o outro cônjuge tivessem o conhecimento da extinção do mandato.

O prazo da ação anulatória será decadencial de 180 dias, contados do momento em que o mandante
toma o conhecimento de que o casamento, a despeito da revogação do mandato, foi celebrado.

Nesse caso, essa anulação caberá apenas ao mandante, em caráter personalíssimo, sendo o ato
convalidado pela coabitação.

vi. Anulação do casamento perante autoridade relativamente incompetente

É uma autoridade relativamente incompetente.

Se um juiz de paz de uma determinada cidade realiza casamento em outra cidade, fora da sua
competência, esse casamento é anulável.

O prazo será decadencial de 2 anos, contados da data da celebração do casamento.

O art. 1.554 trata da hipótese de convalidação por conta da incompetência ratione loci do juiz de paz.
Neste caso, subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência exigida na lei,

481
exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro
Civil.

vii. Efeitos e procedimentos da ação anulatória

A ação anulatória do casamento é constitutiva negativa, ou seja, o indivíduo casado deixa de ser
casado.

O prazo é decadencial, via de regra, de 180 dias, salvo:

• Coação: 4 anos
• Error in persona: 3 anos
• Incompetência relativa da autoridade: 2 anos

O MP não tem legitimidade para propor a ação, pois o casamento poderá ser convalidado pela
vontade dos cônjuges, bem como não poderá ser conhecido de ofício.

Como regra, a anulabilidade terá efeitos ex nunc, não retroagindo.

O professor Flávio Tartuce entende que essa anulação é ex tunc, devendo retroagir, pois a pessoa
que era casada não vira divorciada, e sim solteira. Samer concorda.

d) Casamento putativo

Casamento putativo é o casamento que existiu apenas na cabeça de uma pessoa ou de duas.

É um casamento nulo ou anulável que gerará efeitos ao cônjuge que estava de boa-fé (boa-fé
subjetiva).

O art. 1.561 traz 3 regras fundamentais sobre o casamento putativo, que são relacionadas à boa-fé
subjetiva ao desconhecimento do vício:

• Se houver boa-fé de ambos os cônjuges, o casamento gerará efeitos para ambos e para os
filhos, até o trânsito em julgado da sentença que declara nulidade ou decreta anulação.
Eventuais bens adquiridos no período serão compartilhados conforme o regime de bens, pois o
casamento gerará efeitos para ambos os cônjuges, já que estão de boa-fé. Ex.: direito de usar o
nome do outro cônjuge; emancipação decorrente do casamento, caso fosse menor de idade;
pensão alimentícia, etc.

• Se apenas um dos cônjuges estiver de boa-fé, o casamento irá gerar efeitos somente a ele e
aos filhos do casal. Só esse cônjuge poderá pleitear alimentos, usar o nome, etc.

482
• Se os dois estiverem de má-fé, o casamento somente gerará efeitos para os filhos. Os bens do
casamento serão divididos, mas não pela comunhão parcial de bens, mas pela vedação do
enriquecimento sem causa. É a mesma regra da sociedade de fato, já que ambos estavam de má-
fé.

X. Provas do casamento

Existem 3 tipos de formas comprobatórias de casamento:

• Certidão de registro do casamento

• Prova indireta, fundada na posse do estado de casado.


Para isso, são necessários 3 requisitos para sua comprovação.
o Nomen: um cônjuge tem que utilizar o nome de outro cônjuge.
o Tractatus: é o tratamento dado entre as partes, como se fossem casadas.
o Fama (reputatio): a sociedade reconhece naquelas partes pessoas casadas.

• Prova direta supletória


Supondo que o sujeito tenha se casado e se registrado, sendo extraído uma certidão a qual foi
perdida. Nesse caso, far-se-á prova direta complementar ou supletória. Justificada a perda do
registro civil, é admitida qualquer outra prova, como o passaporte.

XI. Efeitos pessoais do casamento e seus deveres

Pelo casamento, é estabelecido mutuamente a comunhão plena de vida. O casamento gera, nessa
condição de consortes, a comunhão plena de vida.

Como primeiro efeito concreto dessa comunhão plena de vida, qualquer dos cônjuges poderá
acrescer ao seu nome o sobrenome do outro.

O art. 1.566 consagra deveres de ambos os cônjuges:

• Fidelidade recíproca
Veda-se o concubinato, ou seja, não é apenas a vedação à monogamia.

• Vida em comum, no domicílio conjugal


Dentro do dever de coabitação há também o debitum conjugale, que é o dever de manter
relações sexuais. Este dever está mitigado, por conta da coabitação, visto que poderá trabalhar
fora, ou ainda estar casado e morar cada um em seus apartamentos.

• Mútua assistência

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Aqui, a assistência não é apenas a patrimonial, mas também moral, afetiva, patrimonial, sexual,
inclusive espiritual. Quanto à assistência patrimonial, o art. 1.568 diz que cada cônjuge é obrigado
a concorrer na proporção dos seus bens para sustento da família e educação dos filhos.

• Sustento, guarda e educação dos filhos


Esse dever não vai findar com o fim do casamento, persistindo apesar da sociedade conjugal não
persistir.

• Respeito e consideração mútuos


Aqui, encontra-se amparo para o dever de fidelidade, já que a quebra do dever de fidelidade, em
última instância, representa a quebra do dever de respeito e consideração. Haveria uma dupla
quebra dos deveres do casamento.

O art. 1.5670 diz que eventualmente a administração da sociedade conjugal e a direção da família
poderá ser exercida exclusivamente por um dos cônjuges. Em regra, há o compartilhamento da direção da
família.

Assumirá um dos cônjuges a administração da sociedade conjugal quando:

• um dos cônjuges estiver em um lugar remoto ou não sabido.


• um dos cônjuges estiver encarcerado por mais de 180 dias.
• um dos cônjuges tiver sido interditado.

XII. Efeitos patrimoniais do casamento e regime de bens

O regime patrimonial é um conjunto de regra de ordem privada, relacionado com interesses


patrimoniais resultantes daquela entidade familiar.

As regras que irão reger esses efeitos patrimoniais são denominados de regime de bens.

a) Princípios do regime de bens

O regime de bens é regido por alguns princípios:

• Princípio da autonomia privada


As partes poderão escolher um regime diferente do regime legal, inclusive adaptando os regimes,
desde que não viole norma de ordem pública.
O art. 1.639 diz que é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos
seus bens, o que lhes aprouver. O exercício dessa autonomia privada se dá através de um
contrato ou pacto. Como esse pacto se dá antes da celebração do casamento (antes das núpcias),

484
esse pacto é chamado de pacto antenupcial, que é um contrato que definirá o regime de bens
que surge da entidade familiar.
É possível criar um regime misto, combinando regras dos regimes previstos em lei, prevendo
regras diferentes.

• Princípio da indivisibilidade do regime de bens


O regime de bens é indivisível em relação aos cônjuges, não podendo ser um regime de bens
para um dos cônjuges e outro regime para o outro cônjuge.

• Princípio da variedade do regime de bens


Existem 4 possibilidades de regime de bens, prevalecendo a comunhão parcial de bens no caso
de omissão sobre essa disposição.

• Princípio da mutabilidade justificada


O Código Civil possibilita a alteração justificada do regime de bens, desde que haja autorização
judicial nesse sentido. O juiz apreciará as razões de justificação de alteração do regime de bens,
ficando ressalvados os direitos de terceiros, os quais não experimentarão o regime de bens
inicialmente fixado.
O NCPC, no art. 734, tratará da possibilidades e procedimentos especiais quanto à alteração de
regime de bens. Para promover a alteração de regime de bens, é preciso que a petição inicial seja
proposta por ambos os nubentes, sendo uma hipótese de jurisdição voluntária.
Ex.: quando João casa com Maria, a despeito de haver causa suspensiva do casamento, há uma
punição legal que estabelece a separação obrigatória de bens. Quando essa causa suspensiva é
vencida, é possível que João e Maria proponham ação visando a alteração de regime de bens.
O §1º do art. 734 diz que ao receber a petição inicial, o juiz vai determinar a intimação do MP e
a publicação de edital em que se divulgue essa pretendida modificação do regime de bens. Após
30 dias da publicação do edital, o juiz poderá decidir sobre a modificação do regime de bens.
Os efeitos da alteração do regime de bens são efeitos ex nunc, não retroagem, tendo efeito a
partir do trânsito em julgado da decisão que alterou o regime de bens.
O Código anterior não permitia a alteração do regime de bens, mas como o código atual permite
a alteração. No caso de ter ocorrido casamento antes do Código Civil de 2002, poderão alterar o
regime de bens, pois a alteração de regime de bens está situada no plano da eficácia. No que
toca à eficácia, o código civil diz no art. 2.035 fala que, em relação à eficácia, aplica-se as normas
da atualidade.

XIII. Regras gerais quanto ao regime de bens

O regime legal de bens é o da comunhão parcial.

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O art. 1.640, parágrafo único, diz que poderá os nubentes, no processo de habilitação, optar por
qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, será reduzido a termo a opção pela comunhão
parcial, sendo por outro regime de bens, será necessário fazer o pacto antenupcial por escritura pública.

Esse pacto se dá através de escritura pública, ou seja, o contrato de pacto antenupcial é solene.

O art. 1.641 impõe, para determinadas situações, o regime de separação de bens, ou de separação
obrigatória de bens:

• Pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do


casamento;
• Pessoa maior de 70 (setenta) anos;
• Todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

O inciso II, relativo aos maiores de 70 anos, doutrina alega que é de inconstitucionalidade desvairada.
Isso porque discrimina o idoso.

Segundo o STJ, a proteção matrimonial conferida ao noivo, nos termos do art. 258, parágrafo único,
II, do Código Civil de 1916, não se revela necessária quando o enlace for precedido de longo relacionamento
em união estável, que se iniciou quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de
bens. Em outras palavras, a proteção matrimonial conferida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, não
deve ser aplicada quando o casamento for precedido de união estável que se iniciou quando os cônjuges
eram menores de 70 anos (Inf. 595).

O art. 1.642 e 1.643 consagram atos que podem ser praticados por qualquer dos cônjuges, sem a
necessidade de autorização do outro, independentemente do regime de bens adotado pelos consortes.

Um dos cônjuges poderá fazer sem autorização do outro:

• praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua


profissão;
• administrar os bens próprios;
• desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu
consentimento ou sem suprimento judicial
Promove-se uma ação anulatória, sendo desnecessária a autorização do outro cônjuge, qualquer
que seja o regime de bens do casamento. Essa ação anulatória deve ser proposta no prazo de 2
anos, contados do término do casamento e da sociedade conjugal.
• demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo
outro cônjuge;

486
Lembrando que para haver fiança é necessário que o outro cônjuge autorize. O caso é de ação
anulatória, com prazo de 2 anos, contados do fim do casamento e da sociedade conjugal.
Com relação ao aval, o CC prevê a possibilidade de invalidação. Parte da doutrina diz que esse
dispositivo é inaplicável, sendo preciso tutelar a boa-fé e a circulação do título de crédito.
• reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao
concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes,
se o casal estiver separado de fato por mais de 5 anos;
Até é possível anular a doação feita ao concubino, desde que se demonstre efetivamente que
não foi produto do esforço comum entre os cônjuges, e que não estejam separados de fato há
mais de 5 anos. Este dispositivo acaba não sendo mais aplicado, pois se houver uma separação
de fato, é possível que se esteja diante de uma união estável entre o doador e o donatário. O que
se veda é a doação ao concubino pelo sujeito que está casado e não separado de fato.
• praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente;
• comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;
• obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.
Ou seja, poderá gastar sem autorização do outro cônjuge ou poderá obter empréstimo se é
utilizado para comprar bens necessários à economia doméstica.
Segundo a lei, há uma solidariedade passiva e legal por ambos os cônjuges.

O art. 1.647 diz que alguns atos e negócios jurídicos vão exigir a outorga conjugal. Se for da esposa,
essa outorga uxória. Sendo do marido, chama-se outorga marital.

Essa outorga não será sempre necessária, podendo ser dispensado quando os cônjuges forem
casados no regime de separação absoluta de bens.

Em relação à separação absoluta de bens, a doutrina diz que é possível a alienação de bens, imóveis
e móveis, sem a necessidade de outorga do outro cônjuge.

Mas em relação à separação obrigatória, existe uma certa polêmica, por conta da Súmula 377 do
STF, a qual estabelece que, no regime de separação legal de bens, comunicam-se os bens adquiridos na
constância do casamento. Se eles se comunicam, há uma aproximação do regime de separação legal de bens
para o regime de comunhão parcial de bens.

No caso do regime da separação obrigatória de bens, que decorre da lei, prevalece que é necessário
a outorga do outro cônjuge para alienar bens. A questão é se a súmula 377 tem ou não mais aplicação.

1ªC: Uma primeira corrente afirma que a súmula está cancelada, motivo pelo qual haveria separação
absoluta, tanto na separação convencional como na legal.

487
2ªC: A segunda corrente, prevalente, afirma que a súmula não está cancelada, sendo necessária a
outorga, tendo como fundamento a vedação ao enriquecimento sem causa. Como se comunicam os bens na
constância do casamento, é necessária a outorga conjugal.

Será necessária a outorga conjugal quando:

• alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis


• pleitear, como autor ou réu, os direitos que recaem sobre bens imóveis
• prestar fiança ou aval
• fazer uma doação, desde que não seja remuneratória

São consideradas válidas as doações nupciais feitas aos filhos, quando estes se casarem, ou então
quando os filhos estabelecerem uma economia separada.

Para as demais, será necessária a outorga conjugal ou marital.

A falta de outorga conjugal pode ser suprida pelo juiz, podendo se dar quando:

• o cônjuge não puder conceder essa outorga


• o cônjuge denega essa outorga de forma injusta

A ausência de outorga conjugal, se não houver suprimento pelo juiz, vai gerar anulação do negócio
jurídico, sendo uma nulidade relativa. Para anular o negócio jurídico, será necessário propor ação anulatória,
que terá prazo decadencial de 2 anos, contados da dissolução da sociedade conjugal.

Esta ação poderá ser proposta tanto pelo cônjuge preterido como pelos herdeiros.

Em relação à administração dos bens do casamento, ambos os cônjuges administrarão


conjuntamente. Mas é possível que apenas um deles exerça essa administração, quando um deles não
puder exercê-lo. Neste caso, cabe ao cônjuge que exerce a administração dos bens sozinho gerir os bens
comuns e os bens do consorte.

Caberá a este consorte administrar bens em comuns, mas cabe a ele alienar os bens imóveis comuns,
e os bens móveis ou imóveis do consorte, desde que haja autorização judicial.

Ex.: o sujeito está tendo que administrar os bens do casal e da esposa sozinho, pois ela não pode
administrar naquele momento. A lei autoriza a sua administração sozinho, mas se for vender bens imóveis
comuns ou bens imóveis ou móveis do outro consorte, será necessária autorização do juiz para essa
alienação.

XIV. Regras quanto ao pacto antenupcial

488
Pacto antenupcial é um contrato celebrado antes das núpcias, antes do casamento. O pacto
antenupcial é um contrato formal e solene (escritura pública), pelo qual as partes irão regulamentar as
questões patrimoniais relativas ao casamento.

Essas questões patrimoniais serão reguladas por um conjunto de regras denominado regime de bens.

O pacto antenupcial deverá ser feito por escritura pública, devendo ser feito no cartório de notas. É
nulo se não for por escritura pública.

Ainda que após a escrituração do pacto antenupcial os cônjuges deixem de se casar, este contrato
não será nulo, mas apenas ineficaz.

Supondo que o pacto antenupcial seja feito por instrumento particular, mesmo assim as partes se
casaram após alguns dias. Neste caso, o pacto antenupcial será tido como nulo, mas o casamento será válido.

A nulidade do pacto antenupcial não atinge a validade do casamento, mas neste caso o casamentos
será regido pelo regime da comunhão parcial de bens, que é o regime legal.

O art. 1.655 diz que é nula a convenção ou cláusula do pacto antenupcial que conflite com norma
de ordem pública. Ex.: cláusula que exclui o direito à sucessão no regime de comunhão parcial de bens, ou a
cláusula que consagra que a administração dos bens será exercida exclusivamente pelo marido.

Diante de uma nulidade de apenas uma cláusula do pacto antenupcial, não haverá a nulidade do
pacto por inteiro, por conta do princípio da conservação dos negócios jurídicos.

Para que o pacto antenupcial tenha efeitos erga omnes, este pacto deverá ser averbado no livro
especial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.

A doutrina de Flávio Tartuce vai dizer que a eficácia perante terceiros vai decorrer da escritura
pública, pois este registro do pacto no Registro de Imóveis somente irá se justificar se tiverem bens imóveis.
Se o casal não tiver, este registro no cartório será desnecessária.

XV. Regime de bens

Existem 4 regimes de bens regulamentados e previstos pelo código civil:

• regime da comunhão parcial de bens


• regime da comunhão universal de bens
• regime de participação final dos aquestos
• regime da separação de bens

Esse rol não é taxativo, sendo rol exemplificativo.

489
a) Regime da comunhão parcial de bens

Este é o regime legal.

A regra básica do regime de comunhão parcial de bens é a de que se comunicam os bens havidos na
constância do casamento. Os bens comunicáveis formam os aquestos. Em relação a estes aquestos, o outro
cônjuge terá direito à metade (meação).

Existem bens que não se comunicam (incomunicáveis), estando excluídos da comunhão, conforme
o art. 1.659:

• Bens que cada cônjuge já possuía ao se casar, e os bens havidos por doação ou sucessão, bem
como os sub-rogados em seu lugar não se comunicam;
• Bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação
dos bens particulares;
Ex.: Samer tinha um imóvel de 100 mil reais e uma doação de 100 mil reais. Durante o casamento,
Samer pega os 100 mil reais e vende o imóvel, comprando uma casa de 200 mil reais. Este bem
será incomunicável.
• Obrigações anteriores ao casamento;
• Obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
• Bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
• Proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
Inclui a aposentadoria do cônjuge. Todavia, os proventos recebidos durante a constância da
união ou da sociedade conjugal se comunicarão.
Samer recebe um salário de 10 mil reais. Esse salário não se comunica com a cônjuge. Mas ele
gasta 5 mil por mês e junta 5 mil por mês. Então, ao final de cada ano, Samer tem 60 mil reais.
Em 10 anos, há 600 mil reais. Quando houve o divórcio, a mulher terá direito à metade dos 600
mil, visto que foi incorporado ao patrimônio.
• Pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Se envolver a regra acima mencionada, haverá a comunicação.

O art. 1.660 traz um rol de bens comunicáveis:

• Bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um
dos cônjuges;
• Bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
Ex.: valor decorrente de uma loteria se comunicará.
• Bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
• Benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

490
Comunicam-se as benfeitoria úteis, necessárias e voluptuárias em bens particulares de cada
cônjuge, apesar de o bem em si não se comunicar. As benfeitorias valorizam a coisa principal,
entendendo-se que este acréscimo patrimonial deve entrar na comunhão dos aquestos.
• Frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do
casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Ex.: durante a constância do casamento o cônjuge recebia valores do aluguel. No final, este
dinheiro deverá ser partilhado entre os cônjuges.
• Verbas trabalhistas que o cônjuge terá direito, se estas surgiram durante à união do casal.
Ex.: se o sujeito trabalhou durante 10 anos numa empresa, promoveu uma ação e recebeu 500
mil reais. Esta verba trabalhista, já que se originou na constância da sociedade conjugal também
irá se comunicar.

Além dessas previsões, a lei considera incomunicáveis os bens cuja aquisição tenha por título uma
causa anterior ao casamento. Ou seja, não irá se comunicar um bem aquele que tenha por motivo uma
causa anterior ao casamento.

Ex.: o sujeito é solteiro e vende um terreno por 300 mil reais. O comprador do terreno diz que vai
pagar em 10x de 30 mil reais. No segundo mês, o sujeito se casou, tendo mais 8 meses para receber 30 mil
reais. Este valor estará sendo recebido após a celebração do casamento, mas não irá se comunicar, pois se
trata de um bem que tenha por título uma causa anterior à celebração do casamento.

Relativamente aos bens móveis, o Código Civil consagra uma presunção relativa de que estes bens
foram adquiridos na constância da sociedade conjugal, motivo pelo qual deve haver a comunicação desses
bens.

A administração do patrimônio comum do casal compete a qualquer um dos cônjuges (princípio da


igualdade).

As dívidas contraídas no exercício dessa administração vão obrigar os bens comuns do casal, mas
também vão obrigar os bens particulares do cônjuge que está administrando os bens comuns.

A anuência de ambos os cônjuges é necessária para que determinados atos tenham efeitos e sejam
válidos. É necessária essa anuência para que atos impliquem a cessão ou uso de bens comuns tenham a
validade.

Se for promovida a cessão de uso ou de gozo de um bem comum, para que haja validade dessa
cessão a título gratuito, é preciso a anuência do outro cônjuge. Ex.: usufruto, comodato, etc. Do contrário,
poderá o outro cônjuge propor ação anulatória dessa cessão.

491
Os bens da comunhão respondem por obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher, desde que
tenham sido contraídas para atender aos encargos da família.

Em relação à administração e à disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular de cada


cônjuge, essa administração competirá ao cônjuge proprietário do bem particular. Poderá o pacto
antenupcial estabelecer de forma diversa.

É necessária a outorga conjugal para venda de bem imóvel que seja particular por um dos cônjuges
na comunhão parcial. Ou seja, ainda que se esteja diante de um bem particular, se o casamento foi celebrado
por comunhão parcial de bens, para haver a alienação deste imóvel, será exigido a outorga conjugal.

b) Regime da comunhão universal de bens

Aqui há uma comunhão universal, comunicando-se os bens anteriores, presentes e posteriores à


celebração do casamento. Há uma comunhão plena dos aquestos.

Entra não apenas os bens, mas também as dívidas de ambos os cônjuges, como regra.

A comunhão é plena, mas não é absoluta, havendo bens incomunicáveis.

São excluídos da comunhão universal:

• Bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;


• Bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a
condição suspensiva;
Fideicomisso é uma forma de substituição testamentária, prevendo um primeiro herdeiro,
denominado fiduciário, o qual será substituído por outro herdeiro, que é o fideicomissário.
Quando o bem estiver com o herdeiro fiduciário, haverá uma incomunicabilidade deste bem,
pois a propriedade desse bem fiduciário é uma propriedade resolúvel. O que há aqui é a proteger
o direito do fideicomissário.
• Dívidas anteriores ao casamento, salvo se tiverem como origem com o próprio casamento, ou
reverterem em proveito comum;
• Doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de
incomunicabilidade;
• Bens de uso pessoal, livros, instrumentos de profissão, proventos de cada dos cônjuges,
pensões, etc.
• Em relação aos frutos, assim como a comunhão parcial, aplica-se a regra da comunhão parcial,
mesmo que retirados de bens incomunicáveis.

c) Regime de participação final dos aquestos

492
Esse regime tem pouquíssima aplicação.

A regra é de que, durante o casamento, há uma espécie de separação convencional de bens. E


quando o casamento se encerra, há algo próximo à comunhão parcial de bens.

Finda a união, cada cônjuge terá direito a uma participação dos bens pelo qual colaborou para a
aquisição. Deverá provar o esforço patrimonial para ter colaborado para o bem, mas terá direito à
participação dos aquestos.

Durante a sociedade conjugal a regra será como se estivessem casado em separação convencional
de bens.

Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro cônjuge, terá direito na hora do divórcio a imputar
tal valor na meação do cônjuge.

No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, cada um dos cônjuges terá uma cota igual neste
condomínio. Mas é possível que seja feita prova em contrário, no sentido de que um colaborou 70% e outro
com 30%. Presume-se que haja um condomínio igualitário.

Os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome constar no registro. Este é o dono! Se
houver uma impugnação dessa titularidade, cabe ao cônjuge proprietário o ônus de provar que a aquisição
do bem foi regular e de forma individual. E essa prova é extremamente difícil. Neste caso, o ônus da prova
não será de quem alega.

O art. 1.682 diz que o direito da meação no regime de participação final dos aquestos é irrenunciável,
incessível e impenhorável.

d) Regime da separação de bens

O regime da separação de bens poderá ser convencional ou obrigatório (legal).

A regra básica é que não haverá comunicação de qualquer bem, seja ele posterior ou anterior à união.

Cabe a administração de cada bem pelo proprietário exclusivo de cada bem. Poderá alienar ou gravar
com ônus real os bens sendo imóveis e sem a outorga do outro. Ou seja, quando tratar de separação
convencional, não é necessária a outorga do outro cônjuge.

Por outro lado, na separação obrigatória, prevalece que é necessária a autorização do outro
cônjuge para alienar ou gravar de ônus real bens imóveis.

Conforme a súmula 377 do STF, no regime de separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na
constância do casamento.

493
3. Dissolução da sociedade conjugal e do casamento

O art. 226 da CF, em seu §6º, diz que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

Para Flávio Tartuce e para muitos doutrinadores, essa EC 66 teria revogado a separação de direito e
teria revogado dispositivos sobre essa separação.

Ocorre que, na V Jornada de Direito Civil, foram aprovados enunciados que concluíram pela
manutenção da separação jurídica (ou de direito) no sistema jurídico.

O Enunciado 514 diz que a EC 66/10 não extinguiu a separação judicial ou extrajudicial.

O Enunciado 517 diz que a EC 66/10 extinguiu os prazos previstos no código civil, sendo mantido o
divórcio por conversão.

Nessa mesma linha, o NCPC reafirmou a existência do instituto da separação de direito. O NCPC, no
art. 53, I, fixa a competência da ação de separação da seguinte forma:

1. Foro do domicílio do guardião do filho incapaz


2. Não havendo filho incapaz, a ação de separação terá como órgão competente o último domicílio
do casal
3. Caso nenhum dos ex-cônjuges residir no antigo domicílio do casal, será competente o foro do
domicílio do réu

A ação de separação judicial corre em segredo de justiça, tendo acesso apenas partes e advogados,
podendo eventualmente, com autorização judicial, um terceiro ter acesso ao dispositivo da sentença.

Com relação ao divórcio e a separação consensuais, o art. 731 do NCPC estabelece que as suas
homologações poderão ser requeridas em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão
disposições relativas à descrição e partilha dos bens comuns do casal, disposições entre a pensão alimentícia
entre os cônjuges, acordo em relação à guarda dos filhos incapazes, regime de visitas e valor da contribuição
para criar e educar os filhos. Poderá ser feita esta partilha após a homologação do divórcio.

Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para alcançar uma solução consensual
da controvérsia, dispondo o juiz de profissionais de outras áreas que tenham conhecimento e apliquem na
mediação ou na conciliação.

Com essa finalidade de solução consensual da controvérsia, quando receber o juiz a petição inicial,
se for o caso, analisará possíveis tutelas provisórias. Em seguida, determinará a citação do réu para
comparecer a uma audiência de conciliação e mediação.

494
Nesta citação, a lei vai dizer que o mandado de citação conterá apenas os dados para comparecer à
audiência de mediação e conciliação. Esse mandado de citação vai desacompanhado da cópia da inicial.

Sendo infrutífera a audiência de conciliação e mediação, passa a incidir a partir de então as normas
de procedimento comum.

O Ministério Público, nas ações de família, só irá intervir quando houver interesse de incapaz. Neste
caso, o MP deverá sempre ser ouvido da homologação do acordo.

Eventualmente, o divórcio, separação ou extinção da união estável poderão ser feitos


consensualmente através de escritura pública, lavrada em cartório, desde que:

• Não se trate de ex-cônjuges com nascituro (mulher grávida)


• Não tenham filhos incapazes

Do contrário, havendo nascituro ou filhos incapazes, serão realizados pelo poder judiciário.

O tabelião só irá lavrar a escritura pública se ambos os cônjuges estiverem assistidos por advogado.
Poderá ser 1 advogado para ambos.

O art. 1.571 diz que a sociedade conjugal termina:

• Pela morte de um dos cônjuges


• Pela nulidade ou anulação do casamento
• Pela separação judicial
• Pelo divórcio

No §2º a lei diz que, dissolvido o casamento pelo divórcio, o cônjuge poderá manter o nome de
casado, salvo se houver uma disposição em sentido contrário na sentença judicial.

Flávio Tartuce entende que em relação à separação judicial deve ser tido como revogado.

E a dissolução do casamento por morte presumida em razão da ausência?

Como se sabe, o art. 1.571, §1º, diz que o casamento do ausente se desfaz no caso de morte
presumida, de forma que seu ex-cônjuge estará livre para casar com terceiro.

A morte presumida se tem quando o sujeito desaparece. Declara-se ausente e é feita a arrecadação
de bens. Aguarda-se 1 ano na arrecadação de bens, e, após, há abertura da sucessão provisória. Após 10
anos, é aberta a sucessão definitiva. No momento em que é aberta a sucessão definitiva, considera-se que
houve a morte presumida do ausente e portanto está extinto a sociedade conjugal.

Mas e se o ausente se fizer presente, reaparecendo após o prazo, e o ex-cônjuge já estiver casado?

495
Neste caso, há duas posições:

1ªC: o segundo casamento é válido, com base na boa-fé.

2ªC: o segundo casamento é inválido.

Tartuce defende o 1º posicionamento.

I. Questões pontuais relativas ao tema da dissolução da sociedade conjugal e do casamento após


a EC 66/2010

Para Flávio Tartuce não há mais qualquer modalidade de separação, seja judicial ou extrajudicial.
Não haveria mais a separação sanção, separação remédio ou separação falência.

Na mesma linha, não teria mais sentido a possibilidade de reconciliação de casais separados
juridicamente.

Além disso, teria desaparecido a razão para se discutir a possibilidade de reconciliação do casal por
escritura pública.

Vale lembrar que a separação de fato continua plenamente vigente. Logo, continua trazendo
consequências:

• Cônjuge separado de fato poderá constituir união estável com outra pessoa, podendo o bem
se comunicar com a companheira.
• Uma corrente reconhece que uma separação de fato por um longo tempo põe fim a uma
sociedade conjugal.

Em outras palavras, o STJ entende que uma pessoa que se separou de fato por um longo período pôs
fim à sociedade conjugal.

II. Manutenção do conceito de sociedade conjugal

O conceito de sociedade conjugal estaria vigente?

Se não há mais separação judicial não haveria mais importância prática no estudo da sociedade
conjugal, pois quando ela é extinta pelo divórcio, estará extinto o casamento. Diante disso, como as hipóteses
seriam da extinção do casamento e, consequentemente, da sociedade e conjugal, não haveria necessidade
de separação desses institutos.

Mas em várias passagens legais há uma referência na sociedade conjugal e até mesmo na própria
separação de fato, que poderá configurar uma causa de extinção da sociedade conjugal, já que é possível
uma união estável pelo separado de fato, sem dissolver o casamento.

496
A sociedade conjugal é um ente despersonalizado, formado pelo casamento, estando relacionada
com os deveres de coabitação, fidelidade recíproca e regime de bens, formado pelo casamento.

A sociedade conjugal está inserida no conceito de casamento. A separação jurídica (ou de direito),
que continua sendo regulamentada pelo Novo CPC, coloca fim à sociedade conjugal, apesar da emenda e do
entendimento de abolição da separação jurídica. É necessário respeitar os atos anteriores à EC 66, sendo
imperioso que os atos anteriores são perfeitos. Logo, existem pessoas separadas juridicamente e não
divorciadas, podendo essas pessoas se divorciarem desde já.

Por tudo isso, é forçoso convir que sociedade conjugal não se confunde com o casamento.

Outra questão que justifica é a questão da separação de fato, que poderá extinguir a sociedade
conjugal, reconhecendo a união estável das pessoas separadas de fato com outra pessoa.

III. Divórcio

Divórcio coloca fim no casamento. Terminando o casamento, também está encerrado a sociedade
conjugal, a qual está inserida no casamento.

Além do divórcio judicial, passou-se a possibilitar o divórcio extrajudicial, movimento denominado


de desjudicialização.

A EC 66/10 aboliu o chamado divórcio por conversão ou divórcio indireto, que exigia um prazo
mínimo. Hoje, vigora o divórcio direto.

O art. 733 do NCPC possibilita o divórcio extrajudicial, desde que ele seja consensual. Neste caso, o
divórcio deve se dar por escritura pública, não podendo ter um filho incapaz, quer seja menor ou maior,
mas relativamente incapaz.

Lavrada essa escritura pública, constarão as disposições relativas à partilha dos bens do casal, pensão
alimentícia entre os cônjuges, acordo sobre a guarda dos filhos, desde que se trate de filhos incapazes, regime
de visitações do outro cônjuge, valor de contribuição que o outro cônjuge vai prestar ao outro para criar e
educar os filhos (art. 731).

O art. 1.581 do CC diz que o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens. Pode
ser que o ex-casal estejam concordando quanto ao divórcio, mas não quanto á partilha de bens.

A partilha posterior de bens poderá ser feita por 3 caminhos:

• Nos próprios autos da ação de divórcio


• Ação autônoma de partilha de bens
• Havendo consenso, por escritura pública (partilha extrajudicial)

497
É possível que haja cumulação de uma ação de divórcio com a ação de partilha de bens. Nesse caso,
Flávio Tartuce ressalta que seria o caso de julgamento antecipado parcial do mérito, precisamente no que
toca ao divórcio, continuando o processo em relação à discussão dos outros pedidos, como é a partilha de
bens. É a possibilidade de aplicação de julgamento antecipado parcial do mérito. Uma decisão interlocutória
com a possibilidade de julgar coisa julgada material.

A ação de divórcio é personalíssima, cabendo somente ao cônjuge. Mas se o cônjuge estiver numa
situação de incapacidade, como interdição, poderá o curador, ascendente ou irmão propor essa ação.

IV. Possibilidade de se discutir culpa para o divórcio do casal

Existe essa discussão na doutrina. Isso porque a partir da extinção da separação jurídica, poderia se
discutir culpa no divórcio ou não.

O entendimento prevalente é no sentido de que não se pode discutir culpa no divórcio.

Flávio Tartuce entende que é possível. Em determinadas situações, discutir de quem é a culpa no
divórcio pode ser uma discussão que tenha relevância jurídica, como é o caso de atribuição de
responsabilidade civil ao cônjuge (indenização por danos morais, ex.), fixação de alimentos (alimentos
necessários para subsistência). Ele ainda afirma que em algumas situações parece teratológico não se atribuir
culpa ao outro cônjuge, como é o caso de violência doméstica, ou ainda no caso de transmissão de doença
grave ao cônjuge, ou ainda no caso de o cônjuge ter uma família paralela (concubinato). Então, Tartuce diz
que nesses casos poderia se discutir culpa.

Todavia, prevalece que não se discute culpa.

A ação de divórcio pode ser cumulada com a ação de reparação de danos, caso em que, ainda que
seja cumulada, o feito correrá na vara de família.

V. A questão do uso do nome pelo cônjuge

O Código Civil possibilita que um dos cônjuges utilize o nome do outro.

O art. 1.578 diz que o cônjuge declarado culpado na separação perde o direito de usar o sobrenome
do outro cônjuge. O próprio código excepciona essa regra, prevendo que o cônjuge culpado, em
determinadas situações, poderá continuar utilizando o sobrenome do cônjuge inocente:

• Quando a alteração do sobrenome implicar verdadeiro prejuízo para a sua identificação.


• Quando houver uma manifesta distinção entre o nome do cônjuge culpado e os filhos havidos da
união dissolvida.

498
• Quando houver um dano grave na decisão judicial, causado pela retirada do sobrenome do ex-
cônjuge.

O cônjuge inocente poderá renunciar ou não o direito de usar o sobrenome do outro cônjuge. Na
verdade, via de regra, cabe essa opção, sendo um direito personalíssimo.

Flávio Tartuce e a doutrina prevalente entendem que, com a EC 66, não há mais influência da culpa
na manutenção do sobrenome do outro cônjuge após o divórcio. Isso porque o nome incorporado pelo
cônjuge constitui um direito da personalidade. Sendo assim, o direito ao nome é um direito fundamental,
ligado à dignidade da pessoa humana.

O art. 1.571, §2º, diz que dissolvido o casamento pelo divórcio, o cônjuge pode manter o nome de
casado. É comum que ex-casais tenham nome de casal até os dias de hoje.

VI. O problema da guarda na dissolução do casamento

O art. 1.583 diz que a guarda será unilateral ou compartilhada.

A guarda unilateral ocorre quando um dos pais terá a guarda, sendo regulamentado o direito de
visitação do outro.

Na guarda compartilhada, o infante mora com um dos pais, mas tem contato cotidianamente com o
outro ascendente. Segundo o STJ, fatores geográficos são aptos a impedir a guarda compartilhada.

Tartuce diz que a guarda compartilhada pressupõe pessoas civilizadas de ambos os lados.

O art. 1.583, §2º, diz que, na guarda compartilhada, o tempo de convivência com o filho deve ser
dividido de forma equilibrada com a mãe e o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e o interesse
dos filhos.

O §3º diz que na guarda compartilhada a cidade considerada base da moradia do filho é aquela que
atender à necessidade dos filhos.

Tartuce critica esse dispositivo, sustentando que a guarda compartilhada, segundo esta disposição,
é aquela em que o filho fica alguns dias na cidade onde a mãe mora e outros dias na cidade em que o pai
mora, ou quando há distribuição do tempo. Na verdade, isto não é guarda compartilhada e sim uma guarda
alternada.

O art. 1.583, §5º, diz que a guarda unilateral obriga o pai e a mãe, que não detenha a guarda, a
supervisionar os interesses do filho. A fim de possibilitar essa supervisão, qualquer dos genitores que não
tenha a guarda terá a legitimidade para prestar informações e prestar contas de assunto que interessa ao
filho, direta ou indiretamente.

499
É a ideia de fiscalização da atuação do ex-cônjuge que tenha a guarda do menor.

Perceba que a fixação da guarda compartilhada não gera a obrigação de prestar alimentos. Visto que
está compartilhando a convivência e não os encargos. A fixação de alimentos deve sempre observar o
binômio: necessidade e possibilidade. Alguns acrescentam ainda a proporcionalidade.

O art. 1.584 diz que a guarda unilateral ou compartilhada pode ser efetivada por dois meios:

• Requerida por consenso pelo pai ou pela mãe, ou qualquer deles numa ação autônoma.
• Decisão judicial, decretada pelo juiz, observando os interesses do menor e levando em conta o
tempo que cada um dos pais possui.

Na audiência de conciliação numa ação em que se pleiteia a guarda, o juiz vai informar o significado
e a importância da guarda compartilhada. É importante que haja guarda compartilhada, significando que
haverá ainda o duplo referencial de pai e mãe.

Se não for observada as cláusulas compartilhadas, poderá o juiz aplicar algumas sanções.

O §2º vai diz que, se não houver acordo entre os pais quanto à guarda do filho, e se ambos estiverem
aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um deles expressamente
declarar que não deseja a guarda do menor.

É com base nisso que a guarda compartilhada passa a ser a modalidade compulsória e regra da
guarda. Portanto, se os dois podem exercer o poder familiar, o juiz fixará a guarda compartilhada, passando
a ser a regra.

De acordo com o STJ, a guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada quando houver
inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado, prévia
ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial (Inf. 595).

Assim, para a Ministra, a guarda compartilhada somente não será aplicada em dois casos:

• Se o genitor declarar que não deseja a guarda do menor;


• Se houver uma decisão judicial suspendendo ou determinando a perda do poder familiar do
genitor (inaptidão para o exercício do poder familiar).

O § 2º do art. 1.584 somente admite duas exceções em que não será aplicada a guarda
compartilhada. Todavia, o STJ está dividido sobre a possibilidade de relativização do dispositivo:

1ªC: Pela redação do art. 1.584 do CC, a guarda compartilhada apresenta força vinculante, devendo
ser obrigatoriamente adotada, salvo se um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar ou se

500
um deles declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp
1626495/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2016.

2ªC: As peculiaridades do caso concreto podem servir como argumento para que não seja
implementada a guarda compartilhada. Ex: se houver dificuldades geográficas (pai mora em uma cidade e
mãe em outra, distante). STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
21/06/2016.

Vale ressaltar, ainda, que, conforme entendimento do STJ, a simples animosidade entre os genitores
e suas diferenças de ponto de vista sobre a criação dos filhos não são impedimento para a fixação da guarda
compartilhada.

O §3º do art. 1.584 vai dizer que, para estabelecer as atribuições do pai e da mãe, e os períodos de
convivência entre os pais e o menor, no caso de guarda compartilhada, poderá o juiz, de ofício ou por
requerimento do MP, se basear em laudo da equipe técnico-profissional, a fim de verificar a realidade dos
pais.

Tartuce diz que para haver guarda compartilhada, os pais devem se respeitar, mas é possível
encontrar decisões do STJ afirmando que, a despeito das dificuldades de relacionamento, mantém uma
guarda compartilhada.

Se houver o descumprimento imotivado da guarda, seja unilateral ou compartilhada, haverá


redução das prerrogativas atribuídas ao seu detentor.

Se o juiz perceber que o filho não deve permanecer na guarda dos pais, poderá deferir essa guarda
a uma terceira pessoa, que demonstre essa compatibilidade com a natureza da guarda. O juiz vai considerar
preferencialmente as relações de parentesco, afinidade e principalmente relações de afeto entre a criança
ou adolescente e a pessoa que irá deter a guarda do menor.

O art. 1.584, §6º, diz que qualquer estabelecimento é obrigado a prestar informações a qualquer dos
genitores sobre seus filhos, sob pena de multa de 200 reais a 500 reais por dia de não atendimento. O CC
está dizendo que, mesmo sem ter a guarda, os pais têm direito a ter notícias do filho.

Hoje, há basicamente 4 modalidades de guarda:

• Guarda unilateral: uma pessoa tem a guarda, enquanto a outra tem regulamentado o direito de
visitação.
• Guarda alternada: o filho permanece um tempo com o pai e outro tempo com a mãe. É uma
guarda ping-pong, ou guarda mochila. É muito criticada.

501
• Guarda compartilhada: os pais dividem as atribuições relacionadas ao filho, convivendo com
ambos os pais. O filho mora com o pai, mas é a mãe que almoça todos os dias com o filho.
• Guarda da nidação (aninhamento): é a guarda do ninho. Os filhos permanecem no mesmo
domicílio em que o casal dissolvido morava. Por conta disso, o pai vai para o apartamento e a
mãe vai para outro apartamento, mas a casa em que moravam continuam sendo a mesma. A
mãe ficará de segunda a quinta no antigo apartamento e o pai nos demais dias. O problema é
que gera um custo muito alto para os pais, restando inviabilizado.

Ressalta-se que a guarda compartilhada não implica isenção de pagamento de pensão alimentícia.
Isso porque o que é compartilhado é a convivência.

Segundo o STJ, sem a demonstração cabal de que um dos ex-cônjuges não está apto a exercer o
poder familiar, o julgador não pode indeferir pedido de guarda compartilhada.

Se houver motivos graves, o juiz pode, em qualquer caso, regular de forma diferente as regras de
guarda. A lei diz, no art. 1.586, que em homenagem ao melhor interesse do menor, o juiz poderá fixar regras
diferentes para o menor. Todas essas normas serão aplicadas e o juiz poderá eventualmente adaptar uma
norma à outra, a depender da situação.

Essas regras serão aplicadas ainda que se trate de casamento inválido, inexistente, anulado, etc. Isso
porque, mesmo o casamento nulo, produz efeitos em relação aos filhos, ainda que estivessem de má-fé.

Se o pai ou a mãe contrair novas núpcias, não haverá qualquer problema. Só poderá ser privado do
filho no caso em que se prove que o filho não está sendo mais tratado covenientemente.

O art. 1.589, parágrafo único, irá estender o direito de visita aos avós.

Além da previsão legal, é possível estender o direito de visitação a outras pessoas que guardem
uma afinidade com o menor. Ex.: é o caso do padrasto que sempre cuidou da criança. É possível
regulamentar essa visitação pelo juiz, a despeito de inexistência de previsão legal.

VII. Alimentos na dissolução do casamento

Na separação judicial litigiosa, se um dos cônjuges é o inocente e estiver desprovido de recursos, o


outro cônjuge culpado irá prestar os alimentos fixados pelo juiz. Essa é a redação do art. 1.702.

A lei diz que o cônjuge declarado culpado na separação judicial não poderá pleitear alimentos ao
cônjuge inocente, salvo os alimentos necessários, e se não tiver parentes para prestar alimentos.

Após a EC 66, 3 correntes doutrinárias surgiram:

502
1ªC: Diante da impossibilidade total da discussão de culpa, esses dispositivos estariam revogados.
Não existiriam mais alimentos necessários para o cônjuge culpado pelo cônjuge inocente. Maria Berenice
Dias.

2ªC: Admite a discussão desses comandos legais, mas apenas numa ação autônoma de alimentos.
José Fernando Simão diz que não houve a revogação dessas normas no código civil e não é possível discutir
essa culpa na ação de divórcio.

3ªC: É possível a discussão de culpa na ação de divórcio. A questão de alimentos poderia ser discutida
nessa demanda ou em ação autônoma. Flávio Tartuce diz que esses dispositivos não estariam revogados.

A 2ª corrente deve ser a prevalente para concursos.

4. União estável

“Não há lei, nem de Deus nem dos homens, que proíba o ser humano de buscar a felicidade.” Maria Berenice
Dias. Manual de Direito das Famílias – 9ª edição, Editora RT, São Paulo, 2013.

Antigamente, as pessoas separadas de fato que se relacionavam novamente, dava-se o nome de


concubinato. Contudo, quando se buscava o judiciário, não havia o reconhecimento dessa entidade familiar.
O que ocorria, era uma analise na Vara Cível, à luz do direito obrigacional como sendo uma sociedade de
fato. Além do mais, em caso de eventual partilha, a mulher deveria demonstrar o esforço comum.
Nesse período a mulher não tinha direito aos alimentos, ante a ausência de embasamento normativo.
Após a Constituição Federal de 1988, houve o reconhecimento dessa entidade familiar, como sendo
união estável.

• 1º Momento: Havia uma relação extramatrimonial, ou seja, uma sociedade de fato denominada de
concubinato.
O divórcio surgiu em 1977.

Súmula 380 do STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a
sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

Como já mencionado acima, o concubinato não era encarado como entidade familiar, mas como uma
sociedade de fato e, no caso de eventual partilha, era muito difícil à prova do esforço comum. Desse

503
modo, para evitar esse tipo de situação e não deixar a mulher no desabrigo, a jurisprudência passou
a fixar indenização pelos serviços domésticos prestados (STJ REsp 855.963 – PR5).

• 2º Momento: A situação foi evoluindo e solucionada através da Carta Magna de 1988 – que
reconhece a união estável como entidade familiar.

• 3º Momento: Mesmo após a CF/88 muitas ações continuavam tramitando na Vara Cível, sob a ótica
do direito obrigacional. Foi preciso que normas infraconstitucionais regulamentassem a matéria,
como ocorreu na Lei nº 8.971/94.

• 4º Momento: Edição da Lei º 9.278/96.

• 5º Momento: Código Civil de 2002.

• 6º Momento: Reconhecimento da união estável homoafetiva através dos precedentes do STF.

• 7º Momento: União estável poliafetiva – formada por três pessoas ou mais.

OBS.: Hoje, segundo o regramento do Código Civil quanto à concubina (amante), não é possível o
requerimento de indenização pelos serviços domésticos prestados. Pois o STJ entende que não se pode mais
dar direitos à concubina do que teria a companheira ou o cônjuge.

5
DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS DOMÉSTICOS. RELACIONAMENTO
APERFEIÇOADO ANTES DA LEI 8.971/94.
AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUM A PARTILHAR. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7.
ALIMENTOS. SUBSTITUIÇÃO POR USUFRUTO DE IMÓVEL DO DEVEDOR. CABIMENTO.
1. A jurisprudência do STJ sufraga entendimento segundo o qual, quando a união estável tiver sido constituída e desfeita
antes da lei que a regulamentou pela vez primeira (Lei n. 8.971/94), se inexistente patrimônio adquirido com esforço
comum, faz jus a companheira a indenização por serviços domésticos prestados ao companheiro.
2. O acórdão recorrido não reconheceu por provado nenhum fato que ensejaria qualquer abalo emocional à recorrente,
conclusão que não se desfaz sem o reexame de provas. Pretensão a indenização por dano moral que encontra óbice na
Súmula 7.
3. É cabível a substituição de alimentos devidos à companheira por usufruto do imóvel de titularidade do devedor, por
força do art. 21, § 1º, da Lei do Divórcio.
4. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
(REsp 855.963/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 26/05/2011).

504
LEI 8.971/94 (alimentos e sucessão)

Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo,


que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478,
de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.
Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira,
separada judicialmente, divorciada ou viúva.

➔ Perceba que não se menciona a separação de fato.

Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas
seguintes condições:

➔ Falava-se em usufruto vidual.

I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de
quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;
II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da
metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade
da herança.

Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja
colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.

Lei 9.278/96

Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem
e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

➔ Esse conceito de união estável foi adotado pelo CC/02.

Art. 2° São direitos e deveres iguais dos conviventes:

➔ Também reproduzidos pelo CC/02.

I - respeito e consideração mútuos;


II - assistência moral e material recíproca;
III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns.

Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união
estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a
pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
§ 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens
adquiridos anteriormente ao início da união.

505
§ 2° A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária
em contrato escrito.

Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por
um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito
real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel
destinado à residência da família.

Art. 8° Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união
estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.

Art. 9° Toda a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado
o segredo de justiça.

OBS.: A CF/88 por si só, não foi suficiente para trazer profundas alterações no reconhecimento da união
estável enquanto entidade familiar. Foi preciso um amadurecimento normativo, com duas Leis, uma de 1994
e outra de 1996. Além do próprio Código Civil.

Em síntese: quando não havia o reconhecimento da união estável, tinha-se o concubinato, que
poderia ser puro (pessoa poderia se casar – livre e desimpedida -, mas não queria) ou impuro (pessoa que
não poderia se casar – pessoa comprometida ou impedida legalmente - e vivia em concubinato).
Com o advento do CC/02, a união estável passou a ser vista como uma união pública, contínua e
duradoura e, principalmente, com o objetivo de constituir família. Logo, as relações não eventuais entre
homem e mulher impedidos de se casar, chamam-se de concubinato, que se resume na figura da amante –
a jurisprudência de sido bastante prudente, mas tem assegurado alguns direitos.

14.1. União estável e o Código Civil

CC/02 - Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.

➔ Convivência pública é aquela que no meio social que o casal frequenta, os mesmos se apresentam
como marido e mulher.
➔ Contínua e duradoura entende-se como sendo uma relação estável, sem intervalos.
➔ O principal requisito para a configuração a união estável nos dias de hoje é o chamado affectio
maritalis – objetivo de constituir família (elemento subjetivo caracterizador da união estável).

506
➔ Para a configuração da união estável não se exige: a convivência no mesmo teto; nem mesmo a
existência de filhos comuns.

§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando
a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

➔ Somente se aplica as causas impeditivas.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito
e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

➔ Contrato de convivência ou contrato de união estável (não confundir com o contrato de namoro).
➔ É possível que o casal conviva em união estável pelo regime da comunhão parcial e, posteriormente,
modique o regime patrimonial (efeitos ex nunc).
➔ Não há necessidade de pacto antenupcial e escritura pública.
➔ A analise quanto ao contrato de namoro deve ser feita de forma casuística, alguns doutrinadores,
contudo, não reconhecem a produção de efeitos a esse contrato. O conveniente é que se as partes
estão apenas namorando e querem se precaver, há de se reconhecer a validade e eficácia desse
contrato. Por outro lado, se esse contrato for utilizado para afastar uma união estável que já existe,
não deve ser dado respaldo jurídico.

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros
ao juiz e assento no Registro Civil.

➔ Em verdade, quando a Constituição diz que “será facilitada a conversão da união estável em
casamento”, é importante deixar claro que não significa que o casamento está acima da união
estável. Mas é preciso afirmar ainda, que essa facilitação que a CF menciona, não existe, porque essa
conversão não é feita em cartório como previa as Leis anteriores, mas mediante pedido ao juiz.

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem
concubinato.

É válido, desde que escrito, o pacto de convivência formulado pelo casal no qual se opta pela adoção
da regulação patrimonial da futura relação como símil ao regime de comunhão universal, ainda que
não tenha sido feito por meio de escritura pública.
“(...) é de se anotar que, diferentemente do que ocorreu na regulação do regime de bens dentro do
casamento, o Código Civil, no que toca aos conviventes, fixou a exigência de contrato escrito para

507
fazer a vontade destes, ou a incidência do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese de se
quedarem silentes quanto à regulação das relações patrimoniais. Em que pese a válida preocupação
de se acautelar, via escritura pública, tanto a própria manifestação de vontade dos conviventes
quanto possíveis interesses de terceiros, é certo que o julgador não pode criar condições onde a lei
estabeleceu o singelo rito do contrato escrito. Nesse particular, é significativo destacar que nem a
regulação do registro de uniões estáveis por oficial de registro civil das pessoas naturais, feita pelo
CNJ, por meio do Provimento 37/14, exige que a união seja averbada no registro imobiliário
correspondente ao dos bens dos conviventes. Assim, se atendidos os requisitos de validade do
negócio jurídico entabulado, o contrato de convivência é válido. REsp 1.459.597-SC, Rel. Min. Nancy
Andrighi. INF 595.

Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os
cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que
este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o
pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Quando a união estável é iniciada e o casal (um ou ambos) já possui 70 anos de idade, é aplicado o
regime da separação obrigatória. Mas em relação aos bens adquiridos a título eventual na constância da
união, mesmo que o regime de casamento seja o da separação obrigatória, haverá comunicabilidade – o que
não aconteceria se fosse regime de separação absoluta ou convencional de bens.

O propósito recursal consiste em definir se, numa dissolução de união estável de companheiro
sexagenário, é necessário, para fins de partilha, a prova do esforço comum, bem como se o
prêmio de loteria, ganho no período da relação conjugal, é comunicável ao parceiro. No caso em
exame, a lide ganha especial relevo por envolver sexagenário ao qual, por força do art. 258, parágrafo
único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código
Civil de 2002), era imposto o regime de separação obrigatória de bens(recentemente, a Lei n.
12.344/2010 alterou a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade protetiva de60 para 70
anos). Nos ditames da súmula 377 do STF, aplicada ao caso em concreto, "no regime de separação
legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento" e, por conseguinte, apenas
os bens adquiridos na constância da união estável devem ser amealhados pela companheira. A
partir de uma interpretação autêntica, percebe-se que o Pretório Excelso também estabeleceu que
somente mediante o esforço comum entre os cônjuges (no caso, companheiros) é que se defere a
comunicação dos bens, seja para o caso de regime legal ou convencional (RTJ 47/614). Dessa forma,
a ex-companheira fará jus à meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que
comprovado o esforço comum. No entanto, em relação ao prêmio lotérico, por se
tratar de bem comum, em regra, ocorre sua comunicabilidade em favor do casal, sendo que tal
benesse não se confunde com as aquisições a título gratuito, por doação, herança ou legado, que
integram o patrimônio pessoal do donatário (CC, art. 1.659). A loteria ingressa na comunhão sob a
rubrica de "bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa
anterior" (CC/1916, art. 271, II; CC/2002, art. 1.660, II). Com isso, no caso em que o prêmio de loteria
foi recebido por sexagenário durante relação de união estável, é de se observar que este deve ser

508
objeto de partilha com a ex-companheira pelas seguintes razões: a) é bem comum que ingressa no
patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de cada um, pouco importando se
houve ou não despesa do accipiens; b) o próprio legislador quem estabeleceu a referida
comunicabilidade; c) a comunicabilidade é a regra, que admite exceções, a depender do regime de
bens, sendo que aquele de separação legal do sexagenário é diverso do regime de separação
convencional; d) a partilha dos referidos ganhos com a loteria não ofenderia o desiderato da lei, já
que o prêmio foi ganho durante a relação, não havendo falar em matrimônio realizado por interesse
ou em união meramente especulativa. REsp 1.689.152-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por
unanimidade, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017 – INFORMATIVO 616.

Namoro qualificado: expressão criada pela jurisprudência do STJ.

DIREITO CIVIL. DEFINIÇÃO DE PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA PARA EFEITO DE


RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL.
O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda
que haja coabitação. Isso porque essas circunstâncias não bastam à verificação da affectio
maritalis. O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à
constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro
qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma
família. É mais abrangente. Deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo
compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a
família deve, de fato, estar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de
uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício). A
coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais,
impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. Por oportuno,
convém ressaltar que existe precedente do STJ no qual, a despeito da coabitação entre os
namorados, por contingências da vida, inclusive com o consequente fortalecimento da relação,
reconheceu-se inexistente a união estável, justamente em virtude da não configuração do animus
maritalis (REsp 1.257.819-SP, Terceira Turma, DJe 15/12/2011). REsp 1.454.643-RJ, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, julgado em 3/3/2015, DJe 10/3/2015.

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL -


IMPROCEDÊNCIA - RELAÇÃO DE NAMORO QUE NÃO SE TRANSMUDOU EM UNIÃO ESTÁVEL EM
RAZÃO DA DEDICAÇÃO E SOLIDARIEDADE PRESTADA PELA RECORRENTE AO NAMORADO, DURANTE
O TRATAMENTO DA DOENÇA QUE ACARRETOU SUA MORTE - AUSÊNCIA DO INTUITO DE CONSTITUIR
FAMÍLIA - MODIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS FÁTICOS-PROBATÓRIOS - IMPOSSIBILIDADE - INCIDÊNCIA
DO ENUNCIADO N. 7/STJ - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
I - Na hipótese dos autos, as Instâncias ordinárias, com esteio nos elementos fáticos-probatórios,
concluíram, de forma uníssona, que o relacionamento vivido entre a ora recorrente, F. F., e o de
cujus, L., não consubstanciou entidade familiar, na modalidade união estável, não ultrapassando, na
verdade, do estágio de namoro, que se estreitou, tão-somente, em razão da doença que acometeu
L.;
II - Efetivamente, no tocante ao período compreendido entre 1998 e final de 1999, não se infere do
comportamento destes, tal como delineado pelas Instâncias ordinárias, qualquer projeção no meio
social de que a relação por eles vivida conservava contornos (sequer resquícios, na verdade), de uma
entidade familiar. Não se pode compreender como entidade familiar uma relação em que não se
denota posse do estado de casado, qualquer comunhão de esforços, solidariedade, lealdade

509
(conceito que abrange "franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade",
ut REsp 1157273/RN, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 07/06/2010), além do exíguo tempo, o
qual também não se pode reputar de duradouro, tampouco, de contínuo;
III - Após o conhecimento da doença (final de 1999 e julho de 2001), L. e F. F. passaram a residir, em
São Paulo, na casa do pai de L., sem que a relação transmudasse para uma união estável, já que
ausente, ainda, a intenção de constituir família. Na verdade, ainda que a habitação comum revele
um indício caracterizador da affectio maritalis, sua ausência ou presença não consubstancia fator
decisivo ao reconhecimento da citada entidade familiar, devendo encontrar-se presentes,
necessariamente, outros relevantes elementos que denotem o imprescindível intuito de constituir
uma família;
IV - No ponto, segundo as razões veiculadas no presente recurso especial, o plano de constituir
família encontrar-se-ia evidenciado na prova testemunhal, bem como pelo armazenamento de
sêmen com a finalidade única de, com a recorrente, procriar. Entretanto, tal assertiva não encontrou
qualquer respaldo na prova produzida nos autos, tomada em seu conjunto, sendo certo, inclusive,
conforme deixaram assente as Instâncias ordinárias, de forma uníssona, que tal procedimento
(armazenamento de sêmen) é inerente ao tratamento daqueles que se submetem à quimioterapia,
ante o risco subseqüente da infertilidade. Não houve, portanto, qualquer declaração por parte de L.
ou indicação (ou mesmo indícios) de que tal material fosse, em alguma oportunidade, destinado à
inseminação da ora recorrente, como sugere em suas razões. Bem de ver, assim, que as razões
recursais, em confronto com a fundamentação do acórdão recorrido, prendem-se a uma perspectiva
de reexame de matéria de fato e prova, providência inadmissível na via eleita, a teor do enunciado 7
da Súmula desta Corte;
V - Efetivamente, a dedicação e a solidariedade prestadas pela ora recorrente ao namorado L., ponto
incontroverso nos autos, por si só, não tem o condão de transmudar a relação de namoro para a de
união estável, assim compreendida como unidade familiar. Revela-se imprescindível, para tanto, a
presença inequívoca do intuito de constituir uma família, de ambas as partes, desiderato, contudo,
que não se infere das condutas e dos comportamentos exteriorizados por L., bem como pela própria
recorrente, devidamente delineados pelas Instâncias ordinárias; VI - Recurso Especial improvido.
(REsp 1257819/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe
15/12/2011).

Distinção: Namoro X União estável

TJMG - DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. IMPOSSIBILIDADE.


RELACIONAMENTO AFETIVO QUE SE CARACTERIZA COMO NAMORO. AUSÊNCIA DE OBJETIVO DE
CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. Não é qualquer relacionamento amoroso que se caracteriza em união
estável, sob pena de banalização e desvirtuamento de um importante instituto jurídico. Se a união
estável se difere do casamento civil, em razão da informalidade, a união estável vai diferir do namoro,
pelo fato de aquele relacionamento afetivo visar a constituição de família. Assim, um relacionamento
afetivo, ainda que público, contínuo e duradouro não será união estável, caso não tenha o objetivo
de constituir família. Será apenas e tão apenas um namoro. Este traço distintivo é fundamental dado
ao fato de que as formas modernas de relacionamento afetivo envolvem convivência pública,
contínua, às vezes duradoura, com os parceiros, muitas vezes, dormindo juntos, mas com projetos
paralelos de vida, em que cada uma das partes não abre mão de sua individualidade e liberdade pelo
outro. O que há é um EU e um OUTRO e não um NÓS. Não há nesse tipo de relacionamento qualquer
objetivo de constituir família, pois para haver família o EU cede espaço para o NÓS. Os projetos
pessoais caminham em prol do benefício da união. Os vínculos são mais sólidos, não se limitando a
uma questão afetiva ou sexual ou financeira. O que há é um projeto de vida em comum, em que cada
um dos parceiros age pensando no proveito da relação. Pode até não dar certo, mas não por falta de
vontade. Os namoros, a princípio, não têm isso. Podem até evoluir para uma união estável ou

510
casamento civil, mas, muitas vezes, se estagnam, não passando de um mero relacionamento pessoal,
fundados em outros interesses, como sexual, afetivo, pessoal e financeiro. Um supre a carência e o
desejo do outro. Na linguagem dos jovens, os parceiros se curtem. Acórdão: Apelação Cível n.
1.0145.05.280647-1/001, de Juiz De Fora. Relator: Des. Maria Elza. Data da decisão: 18.12.2008.

Orientação dominante: Para que haja a mudança de regime no casamento, é necessário demanda
judicial com efeitos ex nunc. Com relação à união estável, a mudança de regime pode ser feito mediante
contrato escrito com efeitos ex nunc.

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA. 1)


ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO NEGÓCIO
JURÍDICO. ART. 104 E INCISOS DO CC/02. SENILIDADE E DOENÇA INCURÁVEL, POR SI, NÃO É MOTIVO
DE INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE DIREITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE QUE
NÃO TINHA O NECESSÁRIO DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DO NEGÓCIO JURÍDICO. AFIRMADA
AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. DEFICIÊNCIA NA
FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284 DO STF. REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO
DE BENS NO CASAMENTO. INCISO II DO ART. 1.641 DO CC/02. APLICAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL.
AFERIÇÃO DA IDADE. ÉPOCA DO INÍCIO DO RELACIONAMENTO. PRECEDENTES. APONTADA
VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE LEGISLAÇÃO
FEDERAL. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO ESPECIAL DO
EX-COMPANHEIRO NÃO PROVIDO. 2) PRETENSÃO DE SE ATRIBUIR EFEITOS RETROATIVOS A
CONTRATO DE CONVIVÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DA EX-COMPANHEIRA NÃO
PROVIDO.
1. A condição de idoso e o acometimento de doença incurável à época da celebração do contrato de
convivência, por si, não é motivo de incapacidade para o exercício de direito ou empecilho para
contrair obrigações, quando não há elementos indicativos da ausência de discernimento para
compreensão do negócio jurídico realizado.
2. Com o aumento da expectativa de vida do povo brasileiro, conforme pesquisa do IBGE, com a
notória recente melhoria na qualidade de vida dos idosos e, com os avanços da medicina, não é
razoável afirmar que a pessoa maior de 60 anos não tenha capacidade para praticar os atos da vida
civil. Afirmar o contrário afrontaria diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana e o da
igualdade.
3. A alteração da conclusão do Tribunal a quo, com base nos elementos probatórios de que não
existia um mínimo de prova indicando que não houve livre manifestação da vontade e de que não se
comprovou alteração no estado emocional ou ausência de capacidade para a formalização do ajuste,
não é possível de ser feita em recurso especial, em razão do óbice contido na Súmula nº 7 do STJ.
4. A deficiência na fundamentação do recurso especial no que tange à alegada ofensa aos arts. 1.641,
II, 104, 145 e 171 do CC/02 atrai a incidência da Súmula nº 284 do STF.
5. Apesar do inciso II do art. 1.641 do CC/02 impor o regime da separação obrigatória de bens
somente no casamento da pessoa maior de 60 anos (70 anos após a vigência da Lei nº 12.344/2010),
a jurisprudência desta egrégia Corte Superior estendeu essa limitação à união estável quando ao
menos um dos companheiros contar tal idade à época do início do relacionamento, o que não é o
caso. Precedentes.
6. O fato do convivente ter celebrado acordo com mais de sessenta anos de idade não torna nulo
contrato de convivência, pois os ex-companheiros, livre e espontaneamente, convencionaram que
as relações patrimoniais seriam regidas pelo regime da separação total de bens, que se assemelha
ao regime de separação de bens. Observância do disposto no inciso II do art. 1.641 do CC/02.

511
7. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o apelo nobre não constitui via
adequada para análise de eventual ofensa a enunciado sumular por não estar ele compreendido na
expressão "lei federal" constante da alínea a do inciso III do art. 105 da CF.
Precedentes. Some-se o fato da ausência de demonstração e comprovação do dissídio jurisprudencial
na forma legal exigida.
8. No curso do período de convivência, não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos
retroativos à união estável elegendo o regime de bens para a sociedade de fato, pois, assim, se estar-
se-ia conferindo mais benefícios à união estável que ao casamento.
9. Recursos especiais não providos.
(REsp 1383624/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe
12/06/2015).

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE SEXAGENÁRIOS. REGIME DE BENS
APLICÁVEL. DISTINÇÃO ENTRE FRUTOS E PRODUTO.
1. Se o TJ/PR fixou os alimentos levando em consideração o binômio necessidades da alimentanda e
possibilidades do alimentante, suas conclusões são infensas ao reexame do STJ nesta sede recursal.
2. O regime de bens aplicável na união estável é o da comunhão parcial, pelo qual há
comunicabilidade ou meação dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união,
prescindindo-se, para tanto, da prova de que a aquisição decorreu do esforço comum de ambos os
companheiros.
3. A comunicabilidade dos bens adquiridos na constância da união estável é regra e, como tal, deve
prevalecer sobre as exceções, as quais merecem interpretação restritiva, devendo ser consideradas
as peculiaridades de cada caso.
4. A restrição aos atos praticados por pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos
representa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana.
5. Embora tenha prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável na união
estável entre sexagenários é o da separação obrigatória de bens, segue esse regime temperado
pela Súmula 377 do STF, com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da
união, sendo presumido o esforço comum6, o que equivale à aplicação do regime da comunhão
parcial.
6. É salutar a distinção entre a incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao
início da união, contida no § 1º do art. 5º da Lei n.º 9.278, de 1996, e a comunicabilidade dos frutos
dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge percebidos na constância do casamento ou
pendentes ao tempo de cessar a comunhão, conforme previsão do art. 1.660, V, do CC/02,
correspondente ao art. 271, V, do CC/16, aplicável na espécie.
7. Se o acórdão recorrido categoriza como frutos dos bens particulares do ex-companheiro aqueles
adquiridos ao longo da união estável, e não como produto de bens eventualmente adquiridos
anteriormente ao início da união, opera-se a comunicação desses frutos para fins de partilha.
8. Recurso especial de G. T. N. não provido.
9. Recurso especial de M. DE L. P. S. provido.
(REsp 1171820/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 27/04/2011).

6
Orientação alterada. Trata-se de uma verdadeira hipótese se overruling – superação de precedente. Uma vez que o
esforço comum deve ser comprovado.

512
Se o casamento é precedido de uma união estável anterior de longa duração, em que as partes não
tinham 70 anos, e o casal resolve se casar tendo mais de 70 anos de idade, não é necessário adotar o regime
da separação obrigatória.

Cingiu-se a discussão em definir a obrigatoriedade do regime de separação de bens dispensada ao


noivo varão que, ao contrair matrimônio, não obstante contar com mais de 60 anos de idade, era
parte de união estável consensual e duradoura há mais de 15 anos. O artigo 258, parágrafo único, II,
do CC/16 – vigente à época dos fatos – previa como sendo obrigatório o regime de separação total
de bens quando o casamento envolvesse noivo maior de sessenta ou noiva maior de cinquenta anos
e tinha por objetivo a proteção do idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por
interesse estritamente econômico. Com o advento do CC/2002, a restrição foi também estabelecida
para nubentes de ambos os sexos maiores de sessenta anos, posteriormente alterada pela Lei n.
12.334/2010 para alcançar apenas os maiores de setenta anos. Não obstante argumentações
existentes a respeito da constitucionalidade do regramento em debate, tem-se por suficiente a
interpretação teleológica da norma para a solução do caso concreto. Sendo assim, se a convivência
entre os nubentes se fazia sólida, em união estável, duradoura e consensual, não há que se falar na
necessidade de proteção do idoso para obstar vínculo conjugal por interesse exclusivamente
econômico. Destaca-se, ainda, que acatar fundamentação contrária, além de ir de encontro à
teleologia do instituto, acarretaria incoerência jurídica e lógica, visto que, durante o período de união
estável, o regime vigente era o de comunhão parcial, de modo que, ao optar pela contração do
matrimônio, não faria sentido impor regime mais gravoso, qual seja, o da separação, sob pena de
estimular a permanência na relação informal e penalizar aqueles que buscassem maior
reconhecimento e proteção por parte do Estado, impossibilitando a oficialização do matrimônio.
REsp 1.318.281-PE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por unanimidade, julgado em 1/12/2016, DJe
7/12/2016. Informativo 595 do STJ.

Questionamento: Quando a pessoa convive em união estável, sob o regime da comunhão parcial de
bens. Na hipótese de ocorrer atos de disposição patrimonial, pode-se falar em outorga ou vênia convivencial?
R: Não será possível invalidar o negócio se o terceiro não tinha conhecimento da união estável, a
menos que seja possível demonstrar que havia ciência inequívoca. Isso porque, quando do estudo da outorga
ou vênia conjugal fala-se tão somente em casamento, não há uma extensão para atingir a união estável (art.
1647 do CC). Para solucionar essa temática, o STJ tem prezado pela boa-fé objetiva (e seus deveres anexos),
a publicidade, a confiança e lealdade.

STJ - DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. DIREITO DE FAMÍLIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA.


FIADORA QUE CONVIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. DISPENSA.
VALIDADE DA GARANTIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 332/STJ. 1. Mostra-se de extrema
relevância para a construção de uma jurisprudência consistente acerca da disciplina do casamento e
da união estável saber, diante das naturais diferenças entre os dois institutos, quais os limites e
possibilidades de tratamento jurídico diferenciado entre eles. 2. Toda e qualquer diferença entre
casamento e união estável deve ser analisada a partir da dupla concepção do que seja casamento -
por um lado, ato jurídico solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo
ordenamento jurídico, e, por outro, uma entidade familiar, dentre várias outras protegidas pela

513
Constituição. 3. Assim, o casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da
união estável - também uma entidade familiar -, porquanto não há famílias timbradas como de
"segunda classe" pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos diplomas
constitucionais e legais superados. Apenas quando se analisa o casamento como ato jurídico formal
e solene é que as diferenças entre este e a união estável se fazem visíveis, e somente em razão dessas
diferenças entre casamento - ato jurídico - e união estável é que o tratamento legal ou jurisprudencial
diferenciado se justifica. 4. A exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita
exatamente por este aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união estável é
justificável. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a
publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união
estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança. 5. Desse modo, não
é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória
do outro companheiro. Não incidência da Súmula n. 332/STJ à união estável. 6. Recurso especial
provido. (REsp 1299866/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
25/02/2014, DJe 21/03/2014) INFORMATIVO 535 DO STJ.

STJ - DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO, SEM CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO, DE BEM IMÓVEL


ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. A invalidação da alienação de imóvel comum,
fundada na falta de consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida à união
estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência
de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da
demonstração de má-fé do adquirente. A Lei 9.278/1996, em seu art. 5º, ao dispor acerca dos bens
adquiridos na constância da união estável, estabeleceu serem eles considerados fruto do trabalho e
da colaboração comum, passando a pertencer a ambos os conviventes, em condomínio e em partes
iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Dispôs, ainda, que a administração do
patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, questão também submetida ao poder de
disposição dos conviventes. Nessa perspectiva, conforme entendimento doutrinário, a alienação de
bem co-titularizado por ambos os conviventes, na esteira do citado artigo, sem a anuência de um dos
condôminos, representaria alienação - pelo menos em parte - de coisa alheia, caracterizando uma
venda "a non domino", ou seja, um ato ilícito. Por outro lado, inolvidável a aplicabilidade, em regra,
da comunhão parcial de bens à união estável, consoante o disposto no caput do art. 1.725 do CC. E,
especialmente acerca da disponibilidade dos bens, em se tratando de regime que não o da separação
absoluta, consoante disciplinou o CC no seu art. 1.647, nenhum dos cônjuges poderá, sem
autorização do outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. A interpretação dessas normas,
ou seja, do art. 5º da Lei 9.278/1996 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as alcançar
a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no fato de que a mesma ratio -
que indisfarçavelmente imbuiu o legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao
casamento - mostra-se presente em relação à união estável; ou seja, a proteção da família (com a
qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente).
Todavia, levando-se em consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem como a segurança
jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, os efeitos da inobservância da autorização
conjugal em sede de união estável dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual
anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum) da existência de uma prévia e
ampla notoriedade dessa união estável. No casamento, ante a sua peculiar conformação registral,
até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e, assim, dos
documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa ampla e irrestrita publicidade. Projetando-
se tal publicidade à união estável, a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do
contrato de convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em que
inscritos os imóveis adquiridos na constância da união. A necessidade de segurança jurídica, tão cara
à dinâmica dos negócios na sociedade contemporânea, exige que os atos jurídicos celebrados de boa-

514
fé sejam preservados. Em outras palavras, nas hipóteses em que os conviventes tornem pública e
notória a sua relação, mediante averbação, no registro de imóveis em que cadastrados os bens
comuns, do contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência da união estável, não
se poderá considerar o terceiro adquirente do bem como de boa-fé, assim como não seria
considerado caso se estivesse diante da venda de bem imóvel no curso do casamento.
Contrariamente, não havendo o referido registro da relação na matrícula dos imóveis comuns, ou
não se demonstrando a má-fé do adquirente, deve-se presumir a sua boa-fé, não sendo possível a
invalidação do negócio que, à aparência, foi higidamente celebrado. Por fim, não se olvide que o
direito do companheiro prejudicado pela alienação de bem que integrava o patrimônio comum
remanesce sobre o valor obtido com a alienação, o que deverá ser objeto de análise em ação própria
em que se discuta acerca da partilha do patrimônio do casal. REsp 1.424.275-MT, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014, DJe 16/12/2014. – Informativo 554/STJ.

14.2. Viúva X Concubina

RECURSO ESPECIAL. MILITAR. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE CONCUBINA E VIÚVA.
IMPOSSIBILIDADE.
I - Ao erigir à condição de entidade familiar a união estável, inclusive facilitando a sua conversão em
casamento, por certo que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional não contemplaram
o concubinato, que resulta de união entre homem e mulher impedidos legalmente de se casar. Na
espécie, o acórdão recorrido atesta que o militar convivia com sua legítima esposa.
II - O direito à pensão militar por morte, prevista na Lei nº 5.774/71, vigente à época do óbito do
instituidor, só deve ser deferida à esposa, ou a companheira, e não à concubina.
Recurso especial provido.
(REsp 813.175/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2007, DJ
29/10/2007, p. 299).

14.3. União estável simultânea

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. UNIÃO
ESTÁVEL NÃO RECONHECIDA. HOMEM CASADO.
SEPARAÇÃO DE FATO NÃO COMPROVADA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS
AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. "A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer como união estável a relação
concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não estiver provada a separação de
fato ou de direito do parceiro casado" (AgRg no AREsp 748.452, Relator Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 23/2/2016, DJe 7/3/2016).
2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto
fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ).
3. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu pela ausência de comprovação da separação de
fato. Alterar esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos autos, o que é
vedado em recurso especial.
4. Agravo interno a que se nega provimento.

515
(AgInt no AREsp 999.189/MS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado
em 16/05/2017, DJe 23/05/2017).

Havendo dois casamentos simultâneos, o segundo casamento é considerado nulo – configurando-se


a bigamia. Agora quando há casamento e união estável simultânea, a orientação que prevalece é pelo não
reconhecimento da união estável, quando se tem conhecimento da existência do casamento.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA.


UNIÃO ESTÁVEL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA.
CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULA 283/STF. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE OUTRA UNIÃO
ESTÁVEL. SÚMULA 7/STJ. UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS.
IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A Corte de origem dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente
acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Dessa forma, não havendo omissão,
contradição ou obscuridade no aresto recorrido, não se verifica a ofensa ao artigo 535, II, do
CPC/1973.
2. Afirmou a Corte de origem que as provas colhidas em processo administrativo foram juntadas aos
autos pela própria agravante, que não pode, assim, alegar ausência de contraditório e ampla defesa.
A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, de referido fundamento, autônomo e
suficiente para manter incólume o aresto recorrido, atrai o óbice da Súmula 283 do Supremo Tribunal
Federal, segundo a qual: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta
em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles."
3. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem entendeu estar comprovada de forma cabal a
convivência entre a primeira requerida e o falecido, inexistindo razão para anulação da sentença que
homologou acordo com os herdeiros no sentido de reconhecer a união estável. Alterar esse
entendimento para concluir ter havido má-fé na realização do acordo, já que na realidade o falecido
mantinha união estável com a ora agravante, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.
4. Esta Corte Superior entende ser inadmissível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas.
Precedentes.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 455.777/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2016,
DJe 08/09/2016).

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO E CONCUBINATO SIMULTÂNEOS.


SEPARAÇÃO DE FATO. SÚMULA N. 7/STJ. UNIÃO ESTÁVEL.
RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Aplica-se a Súmula n. 7 do STJ se o acolhimento da tese defendida no agravo regimental reclamar
a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda.
2. A relação concubinária mantida de maneira simultânea ao matrimônio não pode ser reconhecida
como união estável.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1336163/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado
em 01/12/2015, DJe 04/12/2015).

Notícias STJ – 14/01/19

516
(Possível mudança de entendimento: é aceita a união estável putativa, caso reste comprovada que a
pessoa desconhecia que a outra era casada ou mantinha união estável antecedente. Pois, havendo o
conhecimento, o STJ não reconhece – mas já houve divisão de pensão por morte em situação
extremamente peculiar. Em virtude disso, no que tange as relações concubinárias, eventuais aspectos
patrimoniais poderão ser discutidos na esfera cível, através do direito obrigacional).

Falta de comprovação de boa-fé impede reconhecimento de união estável com homem casado não
separado de fato
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um espólio para
excluir da herança uma mulher que manteve relacionamento amoroso com o falecido ao longo de 17
anos, por concluir não ter sido comprovado que ela não soubesse que ele era casado durante todo esse
período.
Segundo o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, não é crível que, após 17 anos de
relacionamento, a autora da ação não soubesse que o falecido, além de casado, mantinha convívio com
sua esposa, de quem não se achava separado de fato.
Para o ministro, o ponto central da controvérsia está em definir se ocorreu concubinato de boa-fé
(situação em que a mulher não saberia da real situação do parceiro). “O deslinde da controvérsia posta
nos autos, portanto, reclama tão somente a correta qualificação jurídica da convivência afetiva ostensiva,
contínua e duradoura estabelecida com pessoa casada que não se encontrava separada de fato:
concubinato ou união estável”, disse ele.
O tribunal de origem manteve a sentença que julgou procedente a pretensão da mulher, considerando
demonstrada a união estável putativa e determinando a partilha de 50% dos bens adquiridos durante a
convivência, ressalvada a meação da viúva.
Porém, no STJ, em voto acompanhado de forma unânime pelo colegiado, o ministro Salomão afirmou
que a mulher não conseguiu comprovar a ocorrência do concubinato de boa-fé, o qual, segundo doutrina
abalizada, poderia ensejar a aplicação analógica da norma do casamento putativo.

Revaloração de fatos

Salomão destacou que toda a moldura fática que vincula o deslinde da controvérsia está transcrita no
acórdão recorrido, inclusive com a reprodução de depoimentos e testemunhos, “o que possibilita a sua
revaloração pelo STJ a fim de lhe atribuir qualificação jurídica diversa, sem a necessidade do revolvimento
do acervo probatório vedado pela Súmula 7”.
Entre os fatos narrados no acórdão, o ministro citou que ambos trabalhavam na mesma repartição
pública, e a mulher teria ouvido que ele era casado.
“Analisando o quadro fático perfeitamente delineado pelo tribunal de origem, considero que não se
revela possível extrair a premissa de que a autora mantinha relação amorosa contínua e duradoura com
o de cujus sem ter ciência de que ele era casado e não se achava separado de fato da esposa”, disse.

Exclusividade

Salomão destacou que o sistema criado pelo legislador pressupõe a exclusividade de relacionamento
sólido para a caracterização da união estável. “Poder-se-ia dizer que o maior óbice ao reconhecimento
de uma união estável entre pessoas sem qualquer parentesco seria a existência de casamento”, resumiu.
O ministro citou precedentes do STJ que, por força do disposto no parágrafo 1º do artigo 1.723 do Código
Civil, afirmam a impossibilidade de se reconhecer união estável de pessoa casada não separada de fato,
o que demonstra a vedação à atribuição de efeitos jurídicos às relações afetivas paralelas, como a que
ocorreu no caso analisado.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

União homoafetiva e seu enquadramento como união estável

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Em relação à união homoafetiva, sempre existiram 2 correntes. Uma primeira que dizia que união
homoafetiva não era família, e sim sociedade de fato. Esta corrente prevaleceu durante muito tempo.

Hoje, a corrente adotada é a que entende que a união homoafetiva é uma entidade familiar, sendo
equiparada à união estável, tendo os mesmos efeitos. O argumento é de que o rol constitucional que prevê
as famílias é exemplificativo. Isso porque a CF tem um caráter pluralista, consagrando uma cláusula de
inclusão, e não de exclusão. Além disso, o direito à sexualidade é um direito fundamental, não podendo ser
privado do indivíduo.

Essa segunda corrente é a adotada pelo STJ e pelo STF. Não é demais lembrar que o Supremo
entendeu pela aplicação de todas as regras da união heteroafetiva à união homoafetiva.

A equiparação é no sentido de que:

• A união estável homoafetiva será reconhecida quando houver uma união pública, duradoura,
contínua e estabelecida com o objetivo de constituir família. São os mesmos requisitos, não
exigindo apenas a distinção de sexo.
• Os deveres daqueles que vivem em união homoafetiva são os mesmos que vivem em união
heteroafetiva. Veja, se há o dever de guarda, sustento e educação dos filhos, significa que é
possível a adoção pelo casal homoafetivo.
• É possível ainda que se converta a união homoafetiva em casamento. Se é possível converter em
casamento, também deve ser possível a celebração direta do casamento. A partir dessa
equiparação constitucional, chega-se a conclusão de que é possível o casamento homoafetivo.

5. Relações de parentesco

“O parentesco funda-se na relação de sangue que existe entre duas pessoas, quando uma descende
da outra, ou ambas de um tronco ou antepassado comum, na linha reta ou colateral.” ROLF
MADALENO - in Curso de Direito de Família, 6ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2015, p. 510.

Relação de parentesco é o vínculo jurídico estabelecido entre pessoas, com origem consanguínea,
por afinidade e civil.

Existem 3 modalidades de parentesco admitidas pelo direito:

• Parentesco consanguíneo (natural): o vínculo existente entre as pessoas é biológico.


• Parentesco por afinidade: é o parentesco do genro com a sogra. É o vínculo entre o cônjuge ou
o companheiro com os parentes do outro cônjuge e companheiro. Lembre-se que marido e
mulher não são parentes entre si. Há um vínculo de conjugalidade. Esse parentesco se limita à

518
linha ascendente, descendente e colateral até 2º grau. Ainda, na afinidade, o vínculo por
ascendência não se extingue.
• Parentesco civil: é qualquer parentesco que decorra de outra origem. Normalmente, é o vínculo
por adoção. Há outras situações que geram parentesco civil, tais como técnica de reprodução
heteróloga (utilizada com material genético de terceiro) e também o caso da parentalidade
socioafetiva.

I. Graus de parentesco

O art. 1.591 diz que são parentes em linha reta:

• Ascendentes
• Descendentes

O art. 1.594 diz que se contam, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações.

O pai de Samer é o ascendente em 1º grau. O avô é o ascendente em 2º grau. O filho de Samer é o


descendente em 1º grau e o neto é de 2º grau.

O art. 1.592 diz que são parentes em linha colateral, até o 4º grau, as pessoas provenientes de um
só tronco. Ex.: Samer não descende do primo e nem do seu tio, então o parentesco é colateral. Só existe
parentesco colateral até o 4º grau.

A segunda parte do art. 1.594 diz que se conta o número de graus, de acordo com o número de
gerações, subindo de um dos parentes até o ascendente comum, e depois descendo até encontrar o parente.

Samer e seu primo não descendem do mesmo tronco, por isso são parentes em linha colateral. Neste
caso, deverá contar até o ascendente comum com o primo, que é o avô deles. Do Samer até o pai há um
grau, depois mais um grau do pai para o avô (2 graus). Em seguida, conta-se mais um grau para alcançar o
tio e desce mais um grau para alcançar o primo. Veja, Samer e seu primo são parentes de 4º grau.

Conclui-se que não há parentesco colateral de 1º grau, pois é necessário subir um grau e verificar o
parente que se tem o grau de parentesco.

II. Filiação

Filiação é a situação jurídica entre ascendente e descendente de 1º grau, de pai e filho.

O art. 1.597 traz algumas presunções de filiação:

• Presume-se concebidos na constância do casamento o filho nascido 180 dias depois de


estabelecida a convivência conjugal.

519
• Os filhos nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, seja por morte,
divórcio, separação judicial, por nulidade ou anulação, presumem-se que decorra do casamento
dissolvido.

O art. 1.598 diz que, salvo prova em contrário, se antes de decorrido o prazo de 10 meses do fim da
sociedade conjugal, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer um filho, a regra mudará:

• Se o filho nascer nos primeiros 300 dias, há uma presunção de que o filho é do primeiro
casamento.
• Haverá uma presunção de que o filho é do segundo marido, se o filho nascer após os 300 dias do
fim do primeiro matrimônio, desde que já exista mais de 180 dias do início do segundo
casamento.

Outra presunção é os filhos decorrentes de fecundação artificial homóloga, isto significa que foi feita
pelo material genético dos próprios cônjuges. Neste caso, presume-se que foi havido do primeiro casamento
os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que já falecido o marido.

Presume-se havidos na constância do casamento os filhos havidos a qualquer tempo, quando se


tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga. Veja, há um embrião que
foi concebido de forma artificial que é inserida na mulher. A fecundação aqui foi in vitro, na proveta.

Também se presume havidos na constância do casamento os filhos havidos por concepção artificial
heteróloga, desde que tenha havido prévia autorização do marido. Há uma presunção de filiação. Após a
autorização e feita a concepção heteróloga, não há mais como desistir de ser o pai. Essa presunção é absoluta
de filiação.

O STJ entende que essas presunções de concepção sobre quem é o pai também são aplicáveis, por
analogia, à união estável.

É possível ainda a utilização da técnica de reprodução assistida heteróloga em casos de união


homoafetiva.

O STJ já admitiu a adoção unilateral pela união estável homoafetiva, a qual ocorre quando o adotando
não perde o vínculo originário que tem. Isto é, a companheira homoafetiva da mulher que se submeteu à
reprodução assistida heteróloga adota o filho da mulher que vai nascer. Trata-se de adoção unilateral,
gerando filiação.

Nas hipóteses de técnica de reprodução assistida heteróloga, prevalece o entendimento da


impossibilidade de quebra do sigilo do doador. Ou seja, quem doou o material genético não poderá ser
divulgado, ainda que a criança esteja desamparada.

520
a) Gestação de substituição (barriga de aluguel)

Um tema interessante é a gestação de substituição (barriga de aluguel). No Brasil, não é admitida a


sua modalidade onerosa. Esta gestação de substituição vem regulamentada por uma Resolução 2121/2015
do CFM, devendo ser realizada de forma gratuita.

Esse empréstimo da barriga ou do útero é admitido apenas no âmbito familiar, e no parentesco até
o 4º grau. Isto só será admitido até a prima, até a tia ou até sobrinha neta.

A mãe, neste caso, será quem foi a doadora do material genético (genetrix), ou seja, a mulher que
gera é a gestatrix, que é não será a mãe.

b) Afastamento da presunção de paternidade

O art. 1.599 diz que a prova de impotência do marido para gerar à época de concepção vai afastar
a presunção de paternidade dos casos mencionados acima. Ou seja, se foi constatada a impotência
generandi, está quebrada a presunção.

O art. 1.600 diz que não basta o adultério da mulher para elidir a presunção legal da paternidade.

O art. 1.602 diz que não basta a confissão materna para excluir essa presunção de paternidade. Isto
significa que não basta, após um período, afirmar que o filho não é do suposto pai e sim de um terceiro. A
simples confissão não quebra a presunção de paternidade.

O art. 1.601 diz que cabe ao marido o direito de contestar a paternidade daqueles filhos nascidos de
sua mulher, sendo este questionamento imprescritível. Se essa filiação for contestada, os herdeiros de
quem impugnou a filiação tem direito de continuar com a ação se o suposto pai morrer ao longo do feito.

Vale ressalvar que o enunciado 520 do CJF diz que o conhecimento da ausência de um vínculo
biológico e a posse do estado de filho obsta essa contestação posterior da paternidade presumida. O
sujeito sabe que o filho não é dele, mas registra o filho em seu nome (adoção à brasileira). Ou sabe que o
filho não é seu, mas mesmo assim cria a criança como se fosse seu. Após um longo período, não é mais
possível bater às portas do judiciário e informar que o filho não é seu. Está formada a paternidade
socioafetiva.

c) Multiparentalidade

Multiparentalidade é a possibilidade de um pai ter mais de um pai e mais de uma mãe.

É crescente na jurisprudência a admissão dessa multiparentalidade. Há uma decisão do TJ-SP em que


se reconhece a dupla maternidade. No caso, o sujeito era casado e a mulher morreu no parto, ficando com

521
a criança. Mais tarde, ele acaba se casando de novo. A madrasta passa a cuidar da criança como se fosse sua
filha. Os avós paternos e maternos continuaram presentes, assim como os pais da madrasta.

O TJ-SP entendeu que estaríamos diante de uma dupla maternidade, pois teria duas mães: a que
morreu e a madrasta.

d) Prova da filiação

Ainda, o art. 1.603 diz como a parentalidade deve ser provada. O dispositivo diz que a filiação deve
ser provada pela certidão do termo de nascimento registrada no registro civil.

O art. 1.604 diz que ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de
nascimento, salvo se provar que o que está no registro é falso ou equivocado o registro.

Essa ação vindicatória é possível desde que se funde na falsidade ou no erro do registro civil.

No caso de socioafetividade há a criação de um parentesco civil, não podendo mais alegar a falsidade
ou erro do registro civil, pois o afeto gerou a filiação.

Na falta da certidão do termo de nascimento, a filiação poderá ser provada por qualquer outra forma
admitida em direito (art. 1.605). São admitida provas supletivas da filiação, podendo ser por escrito, ou
presunções relativas resultantes de fatos certos e conhecidos, como a posse do estado de filho.

e) Ação de prova de filiação

A ação de prova de filiação pode ser proposta pelo filho. É uma ação personalíssima. É possível que
haja a transmissão aos herdeiros, caso o filho morrer menor ou incapaz.

Quem propõe a ação é o filho, pois ela é personalíssima, mas se ele morrer menor ou incapaz, a ação
post mortem pode ser proposta pelos seus herdeiros.

Caso a ação seja iniciada pelo filho, os herdeiros poderão continuar a ação.

O Enunciado 521 do CJF diz que qualquer descendente tem legitimidade, por direito próprio, para
propor o reconhecimento do vínculo de parentesco em face dos avós, ainda que o seu pai não tenha iniciada
a prova de filiação.

O que é tratado aqui é a ação avoenga, a qual é proposta pelo neto em face dos avós para que se
reconheça o vínculo entre o avô e o pai. A jurisprudência é pacífica na sua admissão.

Contudo, o STJ entendeu que o filho, em nome próprio, não tem legitimidade para deduzir em juízo
pretensão declaratória de filiação socioafetiva entre sua mãe – que era maior, capaz e, ao tempo do
ajuizamento da ação, pré-morta (já falecida) – e os supostos pais socioafetivos dela. Neste caso, o filho teria

522
legitimidade para propor ação pedindo o reconhecimento de sua relação de parentesco socioafetivo com os
pretensos avós. Aí, contudo, seria outra ação, na qual se buscaria um direito próprio (e não de sua mãe).

III. Reconhecimento de filho

O reconhecimento de filho pode se dar de duas formas:

• Voluntária (perfiliação)
• Compulsória (judicial)

a) Reconhecimento voluntário

O art. 1.609 traz hipóteses de reconhecimento voluntário de filhos:

• No registro de nascimento da criança


• Por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório no registro de pessoas
naturais
• Por testamento, legado ou codicilo, ainda que incidentalmente manifestado;
• Por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o
objeto único e principal do ato que o contém.

Esse reconhecimento de filho poderá preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu
falecimento, se ele deixar descendentes (reconhecimento post mortem).

No reconhecimento post mortem, o reconhecimento do filho depois da morte somente será admitido
se esse filho tiver deixado descendentes, a fim de que não haja interesse escuso na herança. Ou seja, o filho
morre e o suposto pai reconhece, após a morte do filho, a sua filiação. Só será possível se já tiver herdeiros.

O art. 1.610 diz que o reconhecimento do filho é irrevogável, ainda que este reconhecimento conste
de testamento. O testamento é revogável, mas mesmo assim se constar o reconhecimento de filho, haverá
um reconhecimento irrevogável.

O reconhecimento de filho é um ato jurídico stricto sensu. Ou seja, reconhece-se o filho, mas os
efeitos desse reconhecimento decorrem da lei.

Atente-se que esse reconhecimento do filho, conforme o art. 1.614, não pode ser feito se o filho for
maior sem o seu consentimento. E mesmo o filho menor poderá impugnar esse reconhecimento nos 4
primeiros anos após a sua maioridade, ou ao menos a sua emancipação.

O fato da aceitação e consentimento do filho maior e da não impugnação do filho menor, assim que
tenha se tornado capaz, não desnaturam a natureza do reconhecimento que é ato jurídico.

523
O art. 1.614, no que toca à previsão de 4 anos após a maioridade do filho menor para impugnar a sua
paternidade, tem sido afastado, no sentido de que não se pode fixar um período de 4 anos para que venha
a juízo e conteste esse reconhecimento da paternidade.

Na verdade, poderá vir a juízo contestar essa paternidade a qualquer tempo. Isso porque se está
diante de uma impugnação ao estado da pessoa. E por estar relacionado ao estado de pessoas não envolve
qualquer prazo decadencial, sendo imprescritível.

Caso seja maior, o reconhecimento só será possível se houver consentimento do filho.

O ato de reconhecimento de filho é incondicional. Qualquer condição ou termo estabelecido no ato


de reconhecimento é tido como ineficaz.

O at. 1.611 diz que o filho havido fora do casamento e reconhecido por um dos cônjuges não poderá
residir no lar conjugal sem o consentimento do outro cônjuge. Guilherme Calmon diz que esta norma é
inconstitucional, pois violaria a proteção integral e o melhor interesse da criança.

b) Reconhecimento judicial

O reconhecimento judicial é o reconhecimento forçado, em que se dá por meio de uma ação


investigatória de paternidade ou maternidade, caso não se saiba quem é a mãe.

Essa ação se funda em estado de pessoa, sendo imprescritível.

O art. 27 do ECA diz que o reconhecimento ao estado de filiação é direito personalíssimo,


indisponível e imprescritível.

Esse direito de filiação pode ser exercitado contra os pais ou contra os herdeiros, sem qualquer
restrição, respeitado o segredo de justiça.

O foro competente para o processamento e julgamento da ação de investigação de paternidade é:

• Em regra, é o foro do domicílio do réu.


• Se houver pedido de alimentos, será o do domicílio do alimentando.
• Se houver cumulação com petição de herança, será competente o juízo do inventário, caso seja
antes da partilha.
• Caso a partilha já tenha sido feita, será competente o domicílio de qualquer dos herdeiros.

Se houver pendência do julgamento da ação de investigação de paternidade, a ação de petição de


herança deverá correr na Vara de Família, onde corre a ação de investigação de paternidade.

524
Em relação à legitimidade ativa, a ação, por ser personalíssima, deve ser proposta pelo filho, ou pelo
Ministério Público, na condição de substituto processual. Segundo a teoria concepcionista, o nascituro
também teria legitimidade para propositura da ação.

O STJ admite a ação de neto contra o avô.

No que toca à legitimidade passiva da ação investigatória, será proposta em face do suposto pai ou
da suposta mãe. Caso tenham falecidos, a ação será proposta contra os herdeiros da pessoa investigada,
pois esta ação tem caráter pessoal e não patrimonial, não podendo ser proposta contra o espólio.

Não havendo herdeiros, a ação investigatória poderá ser proposta contra a União ou contra o
município, que serão quem irão receber os bens.

Também poderá essa ação ser proposta contra o avô, se estivermos diante de uma ação avoenga.

Proposta a ação, é possível a contestação. O art. 1.615 vai dizer que qualquer pessoa que tenha justo
interesse poderá contestar a ação investigatória. Ou seja, o cônjuge, o companheiro ou os herdeiros, têm
legitimidade para contestar a ação de paternidade.

Em relação aos alimentos, a súmula 277 do STJ diz que julgada procedente a ação de investigação de
paternidade, o pagamento dos alimentos são devidos desde a citação.

A parentalidade socioafetiva na ação de investigação de paternidade acabou se tornando um objeto


comum no feito, fundada na posse de estado de filho, pois é possível que a socioafetividade gere essa
paternidade.

Ainda, uma questão relevante é a ideia de obrigação ou não de realizar o exame de DNA, a fim de
que se ateste a paternidade.

O STF entende que o direito à intimidade biológica do suposto pai prevalece sobre o direito da busca
da verdade biológica ou da identificação genética do suposto filho. O STF diz que não se pode conduzir o pai
à obrigatoriedade da realização do exame. Todavia, essa sua negativa conduz à presunção relativa de
paternidade.

Nesse mesmo sentido, os arts. 231 e 232 do CC dizem que aquele que se nega a se submeter ao
exame médico necessário para atestar qualquer coisa não poderá se aproveitar da sua recursa. O art. 232 diz
que a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia se obter com aquele
exame.

A Súmula 301 do STJ diz que em ação de investigação de paternidade, a recusa do suposto pai a se
submeter ao exame de DNA induz à presunção iuris tantum de paternidade.

525
Outro ponto importante é a chamada relativização da coisa julgada na ação investigatória.

A jurisprudência dos tribunais superiores têm relativizado a coisa julgada em casos de ações de ações
investigatória em que o pedido tenha sido julgado improcedente por falta de provas em época que não havia
o exame de DNA.

Nesse sentido, o Enunciado 109 do CJF diz que a restrição da coisa julgada oriunda das demandas
reputadas improcedentes por insuficiência de provas não devem prevalecer para inibir a busca da identidade
genética do investigando.

Ainda, a verdade biológica, com relação direta com a dignidade humana do suposto filho, vai
prevalecer sobre a coisa julgada.

IV. Adoção

Não existem mais dispositivos no Código Civil regulamentando efetivamente o tema.

O art. 1.618 diz que a adoção de crianças e adolescentes será feita na forma prevista no ECA.

E mesmo quando trata de maior, o art. 1.619 diz que a adoção de maior dependerá de uma
assistência efetiva do poder público, de sentença constitutiva, mas serão aplicadas, no que couber, as regras
previstas no ECA.

Segundo Maria Berenice Dias, adoção é um ato jurídico em sentido estrito, o qual tem a sua eficácia
condicionada à uma chancela judicial. Portanto, só se admite adoção judicial.

A adoção cria um vínculo fictício de maternidade e paternidade e a filiação, entre pessoas


originariamente estranhas.

A adoção sempre depende de uma sentença judicial, seja de maior ou de menor, sendo inscrita no
registro civil, mediante mandado judicial.

O processo de adoção correrá na Vara de Infância e Juventude, caso seja menor, ou da Vara de
Família, caso se trate de um maior de idade.

A intervenção do MP será sempre obrigatória, pois se está tratando de questão de estado de pessoas,
ou seja, de ordem pública.

A adoção é medida excepcional e irrevogável. Excepcional porque somente se recorre quando há o


esgotamento de todos os recursos para manter aquele menor na sua família natural, ou ainda na sua família
extensa.

• Família natural é a comunidade formada pelos pais, ou qualquer deles, e os seus descendentes.

526
• Família extensa é a família ampliada, ou seja, aquela que se estende para além da unidade pai e
filhos.

Irrevogável porque esse vínculo estabelecido não pode mais voltar atrás.

Poderá adotar apenas aqueles que tiverem mais de 18 anos.

A adoção pode ser tanto unilateral quanto conjunta. Para a adoção conjunta, é indispensável que o
casal seja casado civilmente ou ao menos mantenham união estável.

No entanto, o §4º do art. 42 diz que os divorciados, judicialmente separados ou os ex-companheiros


podem adotar conjuntamente, desde que acordem sobre a guarda, regime de bens e o estágio de convivência
com a criança ou adolescente tenha se iniciado anteriormente, na constância do período de convivência do
casal.

Se for possível, poderá a guarda ser compartilhada.

O art. 42, §3º, do ECA diz que o adotante deve ser ao menos 16 anos mais velho que o adotando.
Sendo um casal, deverá o membro mais jovem do casal ser ao menos 16 anos mais velho que o adotando.

A adoção poderá ser efetuado pelo tutor ou curador em face do seu pupilo, tutelado ou curatelado.
Isso só ocorrerá após a prestação de contas de sua administração, ou seja, saldar eventuais débitos,
momento em que a adoção poderá ocorrer (art. 44, ECA). Se adotar, é preciso que antes tenha prestado
contas eventuais débitos existentes.

A consolidação do instituto da adoção, em regra, dependerá do consentimento dos pais ou dos


representantes legais do menor a ser adotado. Se este menor tiver 12 anos, é preciso que ele também
concorde com a adoção.

Sendo ele for menor de 12 anos, a lei não fala desse consentimento do menor.

Vale lembrar que o consentimento dos pais será dispensado se eles serem desconhecidos ou tiverem
sido destituído do poder familiar.

O art. 41 do ECA diz que a adoção atribui a condição de filho ao adotado, tendo ele os mesmos
direitos, deveres e direitos sucessórios, desfazendo qualquer vínculo com os pais e parentes anteriores, salvo
em relação aos impedimentos matrimoniais.

Se um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro (adoção unilateral), mantém o vínculo
do adotando com o pai biológico.

527
A decisão que defere a adoção vai conferir ao adotado o sobrenome do adotante. Eventualmente, é
possível que se determine a modificação do prenome do adotando, desde que haja pedido do adotando
ou do adotante.

Caso haja modificação do prenome do adotando, e ela tiver sido requerida pelo adotante, a lei vai
dizer que é obrigatória a oitiva do adotando se ele tiver mais de 12 anos.

Em relação aos efeitos da adoção, eles começam a surtir a partir do trânsito em julgado da decisão
que concede a adoção. Excepcionalmente, se o adotante falecer no curso do procedimento (adoção post
mortem) a sentença terá efeitos a partir da data do óbito.

O art. 42, §6º, diz que a adoção pode ser deferida ao adotante que depois de inequívoca
manifestação de vontade falecer no curso do processo, antes de prolatada a decisão. É a chamada adoção
post mortem.

Se, no curso da ação de adoção conjunta, um dos cônjuges desistir do pedido e outro vier a falecer
sem ter manifestado inequívoca intenção de adotar unilateralmente, não poderá ser deferido ao interessado
falecido o pedido de adoção unilateral post mortem. Tratando-se de adoção em conjunto, um cônjuge não
pode adotar sem o consentimento do outro. Assim, se proposta adoção em conjunto e um dos autores
(candidatos a pai/mãe) desiste da ação, a adoção deve ser indeferida, especialmente se o outro vem a morrer
antes de manifestar-se sobre a desistência.

O art. 39, §2º, veda a adoção por procuração, pois a adoção tem caráter personalíssimo. É vedada
ainda a adoção por ascendente ou por irmão.

Não existe vedação da adoção por tio, por sobrinho, etc.

No entanto, existe a vedação de avô adotar o neto e a vedação de irmão adotar o outro.

Este é o termo da lei. Isso porque a jurisprudência do STJ já entendeu a possibilidade de adoção de
descendente por ascendente em razão das peculiaridades do caso concreto, como no caso em que a filha
ficou grávida com 8 anos de idade, em decorrência de abuso sexual. Nesta situação, o STJ entendeu por bem
admitir a adoção pelos avós do seu neto, em virtude de que os dois haviam sido criados como se irmãos
fossem.

O art. 46 do ECA diz que a adoção será precedida de um estágio de convivência. Então a adoção, via
de regra, é precedida de um estágio de convivência da criança e do adolescente.

Esse estágio de convivência pode ser eventualmente dispensado, se o adotando já estiver em tutela
ou guarda legal do adotante.

528
A simples guarda de fato não dispensa o estágio de convivência.

Ainda, se estivermos diante de uma adoção internacional, o estágio de convivência terá o prazo
mínimo de 30 dias e sempre ocorrerá.

O art. 48 do ECA diz que o adotado tem direito de conhecer a sua origem biológica. Veja, não é caso
de doação de sêmen. Neste caso, o adotado terá direito a obter acesso irrestrito ao processo no qual a
medida foi aplicada, inclusive a incidentes processuais, desde que tenha completado 18 anos.

Isso porque o direito à verdade biológica é direito fundamental.

O parágrafo único do art. 48 vai possibilitar esse acesso ao processo de adoção inclusive ao menor
de 18 anos, desde que haja requerimento nesse sentido. Neste caso, ficará assegurado ao menor a
orientação e assistência jurídica e psicológica.

V. Poder familiar e o problema da alienação parental

Poder familiar é o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da ideia atual de família
democrática, colaboração familiar e relações baseadas no afeto, segundo o melhor interesse da criança ou
adolescente.

Doutrina afirma que o poder familiar deve ser denominado de autoridade parental.

O poder familiar será exercido pelo pai e pela mãe, em igualdade de condições. Os filhos estão
sujeitos ao poder familiar enquanto forem menores.

O art. 1.632 deixa claro que separação judicial, divórcio ou dissolução de união estável não alteram
relações de pais e filhos, inclusive o direito à convivência, ainda que haja alguma alteração na situação.

É o art. 1.632 o fundamento básico para a chamada responsabilidade civil por abandono afetivo,
havendo a quebra do dever de companhia. Se há a quebra desse dever, há um direito de indenização em
decorrência dessa quebra, ou seja, responsabilidade civil pro abandono afetivo.

São atribuições do poder familiar:

• Dirigir a educação e criação dos filhos


• Exercer a guarda dos filhos, seja unilateral ou compartilhada
• Conceder aos filhos ou negar-lhes consentimento ao casamento e à viagem ao exterior
• Conceder ou negar aos filhos o consentimento para que mudem de residência permanente
quando esta mudança implique em mudança de município
• Nomear tutor por testamento, se o outro pai não lhe sobreviver ou se outro não puder exercer
o poder familiar

529
• Representar ou assistir aos filhos
• Reclamar os filhos de quem ilegalmente detenha as crianças e adolescentes
• Exigir que os filhos lhe prestem obediência, respeito e os serviços próprios da sua idade e da sua
condição.

Em relação a essa última atribuição do poder familiar, a obediência e respeito não podem ser
exercidas de maneira desarrazoada. Tanto é que visando dar concretude à ideia de razoabilidade na
educação, no dever de obediência do filho, entrou em vigor no Brasil a Lei da Palmada (Lei Menino Bernardo).

Essa lei alterou dispositivos do ECA e inseriu o art. 18-A, que diz ter a criança ou adolescente o direito
de ser criado sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante como forma de correção,
disciplina ou educação.

A lei é polêmica, mas a ideia da lei não é proibir o castigo, e sim vedar o tratamento degradante,
cruel, etc.

Os pais ainda não podem explorar economicamente o filho, não podendo imputar ao filho serviços
que não compatíveis com a sua idade e a sua condição.

A quebra desse dever do poder familiar, ou seja, o exercício abusivo do poder familiar poderá implicar
a suspensão ou mesmo a extinção do poder familiar.

Em relação aos efeitos do poder familiar, pai e mãe são tratados como usufrutuários dos bens dos
filhos. No entanto, os pais não poderão alienar os bens dos filhos e tampouco gravar com ônus reais, salvo
se houver necessidade ou se for melhor para o filho, caso em que será indispensável a autorização judicial.

Se estes atos de alienação ou disposição serem realizados sem autorização judicial, o ato de
disposição será tido como nulo.

Colidindo os interesses dos pais com os dos filhos, a requerimento do filho ou do MP, o juiz irá dar
ao filho um curador especial.

Cessará o poder familiar:

• Pela morte dos pais


• Pela morte dos filhos
• Pela emancipação
• Pela maioridade
• Pela adoção
• Pela decisão judicial

530
Os fundamentos para a destituição do poder familiar pelo juiz poderão ser vários, como o castigo
imoderado do filho, abandono do filho, prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, quebra de
deveres inerentes ao poder familiar, etc.

O poder familiar é suspenso quando o pai ou a mãe é condenado por sentença transitada em julgado
por prática de crime, tendo sido fixado uma pena superior a 2 anos de prisão (art. 1.637, parágrafo único).

a) Alienação parental

A alienação parental é a alienação do filho feita por um dos pais.

É também conhecida de implantação de falsas memórias.

Maria Berenice Dias diz que em muitas vezes um dos cônjuges não consegue se conformar com o
término da relação, passando a haver uma rejeição que faz surgir naquele cônjuge um desejo de vingança.
Essa vingança gera um processo de destruição do outro cônjuge perante o seu filho.

O genitor aliena o filho contra o outro cônjuge.

A Lei 12.318 diz em seu art. 2º que se considera alienação parental a interferência na formação
psicológica na criança ou adolescente que é promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por
quem detenha a criança ou adolescente sob sua autoridade, a fim de que essa criança ou adolescente repudie
o genitor, causando prejuízos à manutenção de vínculos com ele. Há o processo de destruição da imagem do
genitor.

A alienação parental é um ato ilícito, podendo gerar responsabilidade civil do alienador, pois no seu
direito de guarda e poder familiar exerceu de forma abusiva.

Ficando caracterizada a alienação parental, o juiz poderá:

• declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador


• para compensar isso, poderá aumentar o regime de convivência familiar com genitor que sofreu
os efeitos decorrentes da alienação parental
• estipular uma multa ao alienador
• determinar o acompanhamento psicológico ou biopsicossocial da criança, do genitor alienador e
do genitor alienado.
• Alteração da guarda
• Declarar a suspensão da autoridade parental do genitor

Por fim, o fato do pai ou da mãe contrair novas núpcias, ou estabelecer nova união estável, não faz
com que o pai ou mãe perca o poder familiar.

531
6. Alimentos

I. Alimentos no Código Civil de 2002

Alimentos são prestações destinadas a satisfação de necessidades pessoais do alimentando. Essas


necessidades que a pessoa tem, mas que não consegue prover por si mesma.

São pressupostos para que exista o direito a alimentos:

• Vínculo entre alimentante e alimentando (casamento, parentesco ou união estável)


• Necessidade do alimentando
• Possibilidade do alimentante

Necessidade e possibilidade forma um binômio alimentar. MHD diz que precisar ter possibilidade,
necessidade e proporcionalidade, ou seja, um trinômio alimentar.

O STJ diz que os alimentos entre os cônjuges têm caráter excepcional, pois se estiver diante de um
cônjuge trabalhador, poderá buscar o seu sustento pelo seu esforço próprio. Nesse caso, poderá fixar os
alimentos como transitórios.

O art. 1.703 diz que, para manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente irão contribuir
na proporção de seus sustentos. Ou seja, os pais serão obrigados a contribuir proporcionalmente com os
alimentos.

II. Características da obrigação de alimentos

São características da obrigação alimentar:

• A obrigação de alimentos gera direito personalíssimo. Somente o alimentando é o titular do


direito, ou seja, somente ele poderá pleitear, tendo caráter intuito personae.

• Deverá haver reciprocidade. A obrigação de alimentos é recíproca entre cônjuges,


companheiros, pais e filhos, ascendentes e descendentes. A obrigação recairá sobre o mais
próximo. O art. 1.697 diz que, na falta de ascendentes, cabe a obrigação alimentar aos
descendentes (1º lugar). Faltando ascendente e descendentes, os alimentos poderão ser
pleiteados dos irmãos (2º lugar).

• Os alimentos são irrenunciáveis, ou seja, poderá o credor não exercer ao seu direito a alimentos,
mas lhe é vedado renunciar ao direito a alimentos. Esse crédito alimentos é insuscetível de
cessão, compensação e penhora. O STJ já entendeu que o art. 1.707 não impede que seja
reconhecida como válida e eficaz a renúncia manifestada entre cônjuges por ocasião do divórcio
ou da união estável. Essa irrenunciabilidade dos alimentos só será admitida quando subsista um

532
vínculo de direito de família. O filho não pode renunciar ao direito de alimentos, mas o ex-
cônjuge poderá renunciar.

• O direito a alimentos é uma obrigação divisível. Esta é a regra, sendo excepcionalmente solidária.
O art. 1.698 estabelece que, se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não tiver
condições de prestar os alimentos por inteiro, serão chamados a prestar alimentos os parentes
de grau imediato. Sendo várias as pessoas a obrigadas prestar alimentos, todas irão concorrer na
proporção dos respectivos recursos. Então, a obrigação é divisível. Intentada a ação contra um
dos obrigados a prestar alimentos, nada impede que o alimentante chame os parentes para
ajudar a prestar os alimentos. Em verdade, não se trata de um chamamento ao processo. Tanto
o autor quanto ao réu poderá chamar os parentes. Essa legitimidade para a ação de prestação
de alimentos também poderá ser encabeçada pelo Ministério Público, podendo também ele
chamar os outros parentes para integrar a lide (Enunciado 523, CJF).
Nos casos em que os alimentos são pleiteados em favor de idoso, a obrigação deixa de ser
subsidiária, passando a ser solidária. É o disposto no art. 12 do Estatuto do Idoso. Neste caso, o
chamamento dos demais parentes será um típico chamamento ao processo, nos termos do
NCPC.

• A obrigação de alimentos é imprescritível. Cuidado que a pretensão de cobrança de alimentos


fixado em sentença ou ato voluntário é prescritível em 2 anos. Caso o alimentando for
absolutamente incapaz, não correrá a prescrição. Ressalve-se que se o devedor de alimentos for
o pai ou a mãe, não correrá enquanto ele for menor de idade, sob o fundamento de que está
vigorando o poder familiar. Ou seja, não corre a prescrição quando o filho é relativamente
incapaz e o filho ainda se encontra sob o poder familiar. Mas aqui somente se atinge a pretensão
de cobrança.

• A obrigação de alimentos é incessível e inalienável, tampouco de compensação.

• A obrigação de alimentos é impenhorável, decorrendo do fato de a obrigação ser inalienável.

• A obrigação de alimentos é irrepetível, não sendo possível propor uma ação de repetição de
indébito para obter para si os valores prestados a título de alimentos, ainda que fique
comprovado posteriormente que o suposto pai não era o pai biológico da criança.

• A obrigação alimentar não está sujeita à arbitragem, por expressa disposição do art. 852 do
NCPC.

533
• A obrigação de alimentos é uma obrigação transmissível. Isso porque a obrigação de prestar
alimentos vai se transmitir aos herdeiros do devedor, tendo eles a obrigação de prestar os
alimentos, mas apenas nos limites da herança.

Segundo o STJ, o falecimento do pai do alimentando não implica a automática transmissão do dever
alimentar aos avós. É orientação do STJ que a responsabilidade dos avós de prestar alimentos é subsidiária,
e não sucessiva. Essa obrigação tem natureza complementar e somente exsurge se ficar demonstrada a
impossibilidade de os genitores proverem os alimentos de seus filhos.

III. Principais classificações dos alimentos

Quanto às fontes, os alimentos podem ser:

• Alimentos legais: são os alimentos decorrente da lei, decorrem do direito de família (parentesco,
casamento, união estável, etc.). Não se trata apenas de alimentos ao incapaz, mas também sendo
possível os alimentos gravídicos, destinados ao nascituro e à mãe. Neste caso, admite-se a prisão
civil do devedor de alimentos.
• Alimentos convencionais: são os alimentos que decorrem de acordo, contrato, testamento,
legado, etc. Neste caso, os alimentos são prestados por se quer, não cabendo prisão civil.
• Alimentos indenizatórios: são os alimentos que decorrem de um ato ilícito, culminando em uma
indenização. Não caberá prisão civil por descumprimento aos alimentos.

Quanto à extensão, os alimentos podem ser:

• Alimentos civis (côngruos): são os alimentos que tem por objetivo do status a quo, mantendo o
padrão de vida anterior. Esses são a regra.
• Alimentos necessários (naturais ou indispensáveis): tem por objetivo fixar apenas o
indispensável para sobrevivência digna da pessoa. Ex.: cônjuge culpado pela dissolução da
sociedade conjugal, sendo arbitrado em favor dele os alimentos.

Quanto à forma de pagamento, os alimentos podem ser:

• Alimentos próprios (in natura): são os alimentos pagos em espécie, fornecendo os alimentos e
a moradia propriamente dita.
• Alimentos impróprios: são os mais comuns, pagos mediante pensão.

Quanto à finalidade, os alimentos podem ser:

• Alimentos definitivos: são aqueles fixados definitivamente. Há um acordo de vontades ou uma


sentença judicial transitada em julgado. Apesar da nomenclatura, esses alimentos podem ser
alterados o seu valor, caso haja uma alteração substancial no binômio ou trinômio.

534
• Alimentos provisórios: são os alimentos fixados antes da sentença, seguindo o rito especial da
Lei de Alimentos (Lei 5.478/68). Nesse caso, a lei vai exigir que haja uma prova pré-constituída
desse vínculo entre alimentando e alimentante (ex.: casamento, filiação, etc.). Se houver uma
prova pré-constituída, correrá pelo rito especial e haverá a possibilidade de já fixar os alimentos
provisórios.
• Alimentos provisionais: são alimentos que decorrem de outras ações que não seguem o rito
especial da ação de alimentos, sendo fixados por uma tutela antecipada, ou seja, por meio de
uma liminar concedida, por exemplo, numa medida cautelar de separação de corpos. Não há
prova pré-constituída. Caso ao final não seja reconhecido o pai efetivamente, não caberá
repetição do valor pago a título de alimentos.
• Alimentos transitórios: são os alimentos em que são fixados por um período de tempo em prol
do ex-cônjuge ou ex-companheiro, a fim de que consiga se reajustar e se realocar no mercado
de trabalho. Tem o termo pré-determinado.

Se o executado não paga os alimentos, ou tendo sido instado a se justificar, mas essa justificativa não
foi aceita, o juiz poderá, além de determinar o protesto da decisão judicial, decretar a prisão civil do devedor
de alimentos, desde que seja fundado em alimentos legais (direito de família).

Essa prisão será cumprida em regime fechado (prisão do PA), separado dos presos comuns. Segundo
o STJ, o advogado que tenha contra si decretada prisão civil por inadimplemento de obrigação alimentícia
não tem direito a ser recolhido em sala de Estado Maior ou, na sua ausência, em prisão domiciliar.

Flávio Tartuce diz que pelo NCPC esse prazo da prisão poderá ser de 1 a 3 meses (art. 528, §3º). Isso
será em relação aos alimentos provisórios e definitivos. Para ele, em relação aos alimentos provisionais,
parece-lhe que continuam sendo regulados pelo art. 19 da Lei de Alimentos, caso em que justifica a prisão
civil por prazo não superior a 60 dias.

Isso deverá ser decidido pela jurisprudência.

A Súmula 309 do STJ diz que o débito alimentar que autoriza a prisão do alimentante é aquele que
compreende os 3 meses anteriores ao ajuizamento da execução, bem como aqueles que se vencerem no
curso do processo. No restante, caberá uma ação de cobrança. Segundo o STJ, o atraso de 1 só prestação
alimentícia, compreendida entre as 3 últimas atuais devidas, já é hábil a autorizar o pedido de prisão do
devedor, nos termos do artigo 528, §3 do NCPC.

A literalidade da súmula foi reproduzida no §7º do art. 528 do NCPC.

Segundo o STJ, equipara-se à gestão de negócios a prestação de alimentos feita por outrem na
ausência do alimentante.

535
IV. Extinção da obrigação de alimentos

A obrigação de prestar alimentos se extingue com:

• Morte do credor, visto que se tratar de uma obrigação personalíssima


• Se houver uma alteração substancial no binômio ou trinômio alimentar
• No caso de menores, a obrigação alimentar é extinta quando completar 18 anos. Essa extinção,
no entanto, não é automática, sendo necessária a propositura de uma ação de exoneração, visto
que o STJ entende que a obrigação do genitor poderá continuar se o filho estiver cursando
faculdade até o encerramento da graduação. O STJ não admite que a obrigação de prestar
alimentos ultrapassar a graduação e passe para uma pós-graduação.
• Dissolução do casamento ou da união estável: o art. 1.709 admite que a sentença de divórcio
fixem alimentos pós-divórcio. Se o alimentante se casar de novo não significará que a obrigação
será extinta. Só irá extinguir neste caso se o binômio ou trinômio (necessidade, possibilidade e
proporcionalidade) for alterado. Se o credor (alimentando) se casar novamente, poderá haver a
extinção do dever de prestar alimentos (art. 1.708). A ideia do código é a de que não há mais
necessidade.
• Comportamento indigno do credor em relação ao devedor: é uma cláusula geral, devendo ser
completada pelo juiz. Entende-se que devem ser aplicadas as mesmas causas de revogação da
doação, tal como atentar contra a honra, vida ou a família do devedor de alimentos, justificando
a quebra do dever de prestar alimentos.

7. Tutela e Curatela

Tutela resguarda o menor não emancipado. A curatela é uma assistência para defesa do maior
incapaz, que foi interditado.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência promoveu uma série de alterações, passando a pessoa com
deficiência ser plenamente capaz.

Eventualmente, as pessoas com deficiência poderão se valer da tomada de decisão apoiada.

I. Tutela

O art. 1.728 diz que os filhos menores são postos sob tutela quando:

• Os pais falecem
• Os pais estão ausentes
• Os pais estão destituídos do poder familiar

A tutela pressupõe a perda ou a suspensão do poder familiar, por parte dos pais.

536
Na tutela há o tutor e o tutelado (pupilo).

A tutela e o poder familiar não podem coexistir, pois a tutela visa substituir o poder familiar.

Em relação à origem, a tutela pode ser dividida em 3 categorias:

• Tutela testamentária: a tutela tem origem no testamento, pois há uma nomeação pelo tutor.
• Tutela legítima: essa tutela decorre da falta da tutela testamentária, não havendo tutor
nomeado pelos pais. O art. 1.731 diz que incumbem aos parentes consanguíneos do menor na
seguinte ordem: ascendente e colateral até o 3º grau, do mais próximo ao mais remoto.
• Tutela dativa: não tendo parentes, e nem colateral até o 3º grau, ou seja, na falta de tutela
testamentária e legítima, o juiz irá nomear tutor idôneo e que resida no domicílio do menor.

Se estivermos diante de irmãos órfãos, o art. 1.733 vai dizer que o tutor será um só, comum a ambos
os menores. Princípio da unicidade da tutela.

O art. 1.735 diz que não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam:

• Quem não tiver a livre administração de seus bens (ex.: pródigo)


• Aqueles que tiverem obrigação para com o menor, ou tiverem crédito contra o menor, ou estiver
em demanda contra o menor, ou ainda que seus parentes estejam com demanda contra o
menor;
• Inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da
tutela;
• Condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes;
• Pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias
anteriores;
• Aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela (ex.: juiz,
MP, delegado, etc.).

O art. 1.736 diz que podem se escusar da tutela:

• Mulheres casadas
• Aos maiores de 60 anos
• Aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de 3 filhos
• Impossibilitados por enfermidade
• Aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela;
• Aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
• Militares em serviço

537
Quem não for parente do menor não poderá ser obrigado a aceitar a tutela, caso tenha um parente
que possa exercer a tutela.

O art. 1.738 diz que o prazo decadencial é de 10 dias para manifestação de escusa por parte do
nomeado tutor.

O NCPC, no art. 760, diz que o tutor ou curador pode eximir-se do encargo, apresentando escusa ao
juiz no prazo de 5 dias. O Código Civil fala em 10 dias, mas o prazo do NCPC deve prevalecer.

O tutor ou curador serão intimados para prestar compromisso, no prazo de 5 dias, contados da
intimação do despacho que determinar o cumprimento do testamento, se foi o caso de tutela testamentário.

O art. 1.740 traz as incumbências do tutor no exercício do seu múnus público:

• Dirigir a educação do menor, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres e


condição;
• Reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção;
• Cumprir com os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor,
se este já contar 12 anos de idade.

O juiz é quem fiscaliza o tutor. Mas é possível que para fiscalização do tutor seja nomeado pelo juiz
um pró-tutor.

Em relação à responsabilidade do juiz quanto à tutela, esta irá depender da situação:

• O juiz terá uma responsabilidade direta e pessoal quando não tiver nomeado tutor ou tiver
nomeado a destempo.
• A responsabilidade do juiz será subsidiária quando não tiver exigido uma garantia legal do tutor,
nem tiver removido o tutor quando ele se tornou suspeito. Ou seja, o juiz só responderá se o
tutor não conseguir arcar com aquele prejuízo que causou.

Mas nos dois casos de responsabilidade em razão da tutela, é necessária haver a culpa do juiz, sem
precisar de dolo.

Os bens do menor serão entregues ao tutor, através de um inventário de bens. Caso esse patrimônio
seja considerável, é possível prestar do tutor uma caução. Claro que a depender do caso, se o tutor for de
conhecida idoneidade, é possível dispensar a caução.

Se o menor possuir bens, será o menor sustentado por esses bens.

O tutor vai representar o menor e após os 16 anos vai assisti-lo.

538
Algumas incumbências do tutor exigem anuência do juiz, tais como:

• Pagamento de dívida do menor


• Aceitar, pelo menor, herança, legado ou doação, com ou sem encargo
• Transigir ou celebrar contrato visando extinguir dívida
• Vender bens móveis ou imóveis do menor
• Propor ações em juízo e promover todas as diligências a bem deste, assim como defendê-lo nos
pleitos contra ele movidos

Ainda que com autorização do juiz, o tutor não poderá praticar, ou seja, são atos vedados ao tutor:

• Adquirir por si bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor


• Dispor dos bens do menor a título gratuito
• Constituir o tutor como cessionário de crédito ou de direito, contra o menor.

Nesses casos, haverá nulidade absoluta do ato.

Antes de assumir a tutela, o tutor vai declarar tudo que o menor lhe deve, sob pena de não poder
lhe cobrar posteriormente, enquanto estiver exercendo a sua tutoria. A única exceção é o fato em que o
tutor não teria conhecimento desse débito à época da tutoria.

O tutor responde pelos prejuízos que, por sua culpa ou dolo de sua parte, causar ao tutelado. Há uma
responsabilidade subjetiva do tutor pelo tutelado.

Pelos atos do tutelado em face de terceiros, o tutor responde objetivamente. É a responsabilidade


objetiva indireta, visto que não se precisa provar a culpa do tutor, mas é preciso demonstrar que houve culpa
do tutelado.

Por outro lado, o tutor tem direito de ser pago pelo que dispender no exercício de sua tutoria. É o
direito de reembolso.

Além desse direito, o art. 1.752 vai consagrar em favor do tutor o montante que vai receber a título
de compensação pela atuação e administração dos bens do tutelado, guardando uma proporcionalidade com
o valor dos bens do tutelado.

O §2º do art. 1.752 diz que são solidariamente responsáveis pelos prejuízos as pessoas as quais
competia fiscalizar a atividade do tutor e também as que concorreram para um dano em face do tutelado.

Quem tinha o dever de fiscalizar o tutor, como é o caso do pró-tutor e do juiz, ou qualquer pessoa
que tenha concorrido culposamente para o prejuízo experimentado pelo tutelado, serão solidariamente
responsáveis pelos prejuízos.

539
O tutor deverá prestar contas, mas, além disso, a lei exige que o tutor faça um balanço anual, a ser
demonstrado ao juiz, o qual aprovará o balanço.

De 2 em 2 anos, o tutor apresentará uma prestação de contas ao juiz. Também deverá ocorrer a
prestação de contas quando o juiz julgar conveniente que se preste por algum motivo.

A prestação de contas será processada em juízo, nos próprios autos da nomeação da tutoria. Será na
Vara da Infância ou na Vara de Família, caso não exista a primeira. Não existindo a Vara de Família, será na
Vara Cível.

Encerrada a tutela, ainda que dê quitação, essa quitação não produzirá efeitos enquanto não for
aprovada as contas pelo juiz.

O art. 1.763 até o art. 1.766 traz situações de extinção da tutela:

• Maioridade
• Emancipação de menor
• Menor cair sob o poder familiar (ex.: for adotado ou reconhecido como filho)
• Termo final da tutoria
• Por uma escusa legítima do tutor
• Houver a remoção do tutor pelo juiz

A remoção ou destituição do tutor caberá quando ele for negligente, prevaricador ou incursor numa
incapacidade.

O art. 1.761 do CC diz que incumbe ao MP, ou quem tenha o legítimo interesse, requerer a remoção
do tutor ou curador.

O parágrafo único do dispositivo diz que o tutor ou curador será citado para contestar essa alegação
no prazo de 5 dias, e após seguirá o rito comum.

Havendo extrema gravidade, o juiz poderá suspender, antes da decisão, o tutor ou curador e nomear
um tutor em caráter interino.

II. Curatela

A curatela é um instituto que visa defender os maiores incapazes, havendo de um lado um curador e
do outro um curatelado.

Curatela só vai incidir em relação ao maior incapaz.

540
Com o estatuto da pessoa com deficiência só existem menor absolutamente incapaz, não existindo
maior absolutamente incapaz. Ou seja, o maior só poderá ser relativamente incapaz.

São relativamente incapazes:

• Ébrios habituais
• Viciados em tóxicos
• Pessoas que, por causa transitória ou definitiva, não possam exprimir a sua vontade
• Pródigos

A incapacidade não se presume, sendo necessário prová-la por um processo de interdição, que vai
decorrer a curatela.

A interdição poderá ser promovida:

• Pelo cônjuge ou companheiro


• Pelos parentes ou tutores
• Pelo representante da entidade que se encontra abrigado pelo interditando
• Pelo próprio Ministério Público
• Pela própria pessoa (art. 1.768)

O art. 748 do NCPC diz que o MP só irá promover a interdição em caso de doença mental grave se as
pessoas designadas acima não existirem ou não promoverem a interdição, ou se, estas pessoas existirem,
forem incapazes.

Portanto, o MP terá uma legitimidade subsidiária.

O art. 752 diz que o MP intervirá como fiscal da ordem jurídica nas ações de interdição as quais ele
não propõe.

Se houver urgência, o juiz poderá nomear um curador provisório para o interditando, a fim de praticar
determinados atos.

Nessa linha, o interditando será citado para no dia designado comparecer ao juiz, sendo entrevistado
acerca de sua vida, negócios, parentes, bens, vontades, preferências, etc. A ideia é para que o juiz possa
perceber o nível de incapacidade do interditando.

Caso o interditando não possa se deslocar até o juízo, o juiz irá ouvi-lo no local onde estiver,

No prazo de 15 dias da entrevista, o interditando poderá impugnar essa interdição. Caso não tenha
constituído um advogado, nomeará o juiz um curador especial.

541
Passados 15 dias, o juiz determinará a produção de prova pericial para avaliar a incapacidade do
interditando. O laudo pericial vai indicar quais são os atos que o interditando necessita de curatela.

A ideia é a de que a curatela seja o mínimo possível, e segundo as potencialidades da pessoa.

Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando.

O art. 1.775 diz que o cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é de direito
o curador do outro. É o curador escolhido pela lei.

Se o curador é o cônjuge, e estão eles casados sob o regime universal de bens, esse cônjuge não é
obrigado a prestar contas, salvo se houver uma determinação judicial fundamentada em sentido contrário.

Caso não seja casado, o curador do interditando será seus ascendentes.

Não havendo ascendentes, o curador será o descendente que se mostrar mais apto.

Não havendo descendentes, o curador será dativo, nomeado pelo juiz.

Essa ordem acima é uma ordem legal que poderá não ser seguida, não sendo obrigatória. O que irá
prevalecer é o melhor interesse do curatelado.

O art. 1.775-A diz que nomeação do curador para pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer
uma curatela compartilhada entre o pai e a mãe, já que ambos exercerão a curatela do curatelado.

O art. 754 diz que, apresentado o laudo, produzidas as demais provas e ouvidos os interessados, o
juiz proferirá sentença. Na sentença, o juiz deverá nomear o curador. Na mesma sentença, o juiz irá fixar os
limites da curatela.

Conforme o NCPC, art. 757, a autoridade do curador vai se estender a pessoa e aos bens do incapaz
que se encontrava sob guarda e responsabilidade do curatelado, quando houve a interdição. Ex.: o
curatelado tem 40 anos e o filho tem 12 anos. O curador do curatelado vai assumir a tutela do menor, salvo
se o juiz entender outra situação mais conveniente. É o princípio da unicidade de curatela.

O §3º do art. 755 do NCPC diz que a sentença de interdição será inscrita no Registro de Pessoas
Naturais, publicada no site do Tribunal, na plataforma do CNJ e deverá permanecer por 6 meses. Visa
assegurar o princípio da publicidade.

O STJ entende que não é a sentença que decreta a interdição e reconhece a incapacidade que gera a
nulidade do negócio jurídico. O que gera a nulidade do ato jurídico praticado pelo incapaz não depende da
sentença de interdição. Se for reconhecida a incapacidade da pessoa, neste caso, impõe-se a declaração de
nulidade pelos negócios jurídicos por ela firmados, respeitados os adquirentes de boa-fé.

542
As pessoas que não puderem exprimir a sua vontade serão relativamente incapazes, as quais
receberão todo o apoio para manter a sua convivência familiar.

A convivência comunitária e familiar são prioritárias, mas o recolhimento dessa pessoa em


estabelecimento que afaste a convivência familiar e comunitária é excepcional, ou seja, será a última medida.
Caso não haja essa necessidade, poderá ficar em casa e conviver com a família e a comunidade.

O art. 758 do NCPC diz que o curador deverá buscar o tratamento e o apoio apropriado a conquista
dessa autonomia pelo interdito.

Se houver a recuperação do interdito, haverá o levantamento da curatela.

Além disso, poderá a curatela ser levantada parcialmente, quando a incapacidade daquele interdito,
que era uma incapacidade maior, agora se restringiu. Quando demonstrada a recuperação parcial, haverá o
levantamento parcial da curatela.

O Código Civil determina a aplicação residual da curatela das regras previstas para a tutela. Isso
porque os fundamentos são os mesmos, que é ajudar alguém.

III. Tomada de decisão apoiada

O art. 115 do Estatuto da Pessoa com Deficiência determinou que o Título IV do Livro IV da Parte
Especial do Código Civil passasse a vigorar com a seguinte título: “da Tutela, da Curatela e da Tomada de
Decisão Apoiada”.

A tomada de decisão apoiada veio com a inclusão do art. 1.783-A do Código Civil.

Segundo esse dispositivo, a tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual visa auxiliar a pessoa
com deficiência para a prática de atos que se mostrem mais complexos.

A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2
(duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para que estas duas
ou mais pessoas lhe prestem apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os
elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

O §1º do art. 1.783-A diz que, para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com
deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e
os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos
e aos interesses da pessoa que devem apoiar.

543
O pedido de tomada de decisão será requerido pela pessoa que deseja ser apoiada, indicando quais
as pessoas aptas a prestarem esse apoio. Antes de se manifestar esse pedido, o juiz irá ouvir pessoalmente
o requerente e também essas pessoas que desejam lhe prestar apoio.

A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos perante terceiros sem qualquer
restrição, desde que esteja nos limites da decisão que autorizou o apoio.

E se houver divergência entre a pessoa apoiada e um de seus apoiadores? Neste caso, o juiz irá
decidir, suprindo a vontade de uma das partes discordantes.

Se o apoiador for negligente, se exercer uma pressão indevida, ou não adimplir com as obrigações, a
pessoa apoiada ou qualquer pessoa poderá denunciar ao juiz o seu comportamento.

Sendo procedente essa denúncia, o juiz irá destituir esse apoiador, podendo ter um novo apoiador
ou não.

Além disso, a pessoa apoiada poderá a qualquer tempo solicitar o término do acordo de tomada de
decisão apoiada.

O apoiador poderá solicitar ao juiz a exclusão da sua participação do processo de tomada de decisão
apoiada.

Aula 27. Direito das sucessões.

→ DIREITO DAS SUCESSÕES


1. Introdução ao Direito das Sucessões

Em termos gerais, são duas as modalidades básicas de sucessão mortis causa:

• Sucessão legítima: é a que decorre da lei, enunciando a ordem de vocação hereditária.


• Sucessão testamentária: decorre da sucessão por testamento, tendo origem em ato de última
vontade do, agora, de cujos. Há uma voluntariedade expressa em testamento, codicilo ou legado.

A sucessão é aberta quando o sujeito morre, pois o morto não pode ser titular de direitos. Ou seja,
quando há a morte, outra pessoa imediatamente assume a titularidade daquele direito. A herança se
transmite desde logo aos herdeiros, sejam eles legítimos ou testamentário (princípio de saisine).

A incidência do ITCMD leva em conta o momento do falecimento do autor da herança, o qual decorre
da ideia de saisine. Por exemplo, se o sujeito morreu hoje esta será a alíquota, ainda que amanhã seja
alterada.

544
O direito de saisine faz com que o inventário tenha um intuito ou natureza meramente declaratória,
pois já houve a transmissão com a morte. O inventário simplesmente regulariza a situação.

O art. 1.785 diz que a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido. Ou seja, este último
domicílio é onde ocorreria o inventário.

O NCPC, no seu art. 48, diz que o foro do domicílio do autor da herança é o competente para
inventário, partilha, arrecadação dos bens e de cumprimento das disposições de última vontade do autor da
herança.

O foro do domicílio de autor da herança é competente para apreciar impugnação, pedido de


anulação de partilha extrajudicial e para toda e qualquer ação para que o espólio seja réu, ainda que o óbito
tenha ocorrido em lugar diferente ou no estrangeiro.

O parágrafo único do art. 48 do NCPC diz que, se o autor da herança não possuía domicílio certo, a
competência será de onde se encontram os bens imóveis. Caso haja diferente bens imóveis em diferentes
foros, qualquer um deles será competente.

Não havendo bens imóveis, o foro competente será o foro de qualquer dos bens do espólio.

Nos casos de sucessão envolvendo estrangeiro ou bens situados no exterior, existem regras
específicas que devem ser observadas. O art. 10 da LINDB diz que a sucessão obedece à lei do país em que
domiciliado o defunto, ainda que este defunto não esteja domiciliado no Brasil. Aplica-se a lei do domicílio
do defunto.

Complementando a disposição legal, a disposição de bens situados no Brasil será regulada pela lei
brasileiro, desde que em benefício do cônjuge ou filhos brasileiros. No entanto, a sucessão se regula pelas
leis do domicílio do de cujos, mas se for uma sucessão de bens referente a bens que se situam no Brasil, será
aplicada uma lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, salvo se a lei do de cujos se
mostrar mais favorável.

O art. 23, II, NCPC diz que compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra,
proceder a confirmação do testamento particular e inventário e partilha de bens situados no Brasil. O caso é
de competência absoluta.

Isto quer dizer que processar inventário, testamento, confirmação de testamento particular no Brasil
será feita pela autoridade judiciária brasileira. Isso não impede que eventualmente se aplique a legislação
estrangeira pela autoridade judiciária brasileira.

O art. 1.777 vai regular a sucessão e a legitimação para suceder o sujeito. A lei que vai reger a
sucessão é a que estava em vigor no momento da morte.

545
Existem duas modalidades de herdeiros:

• Herdeiros necessários:
Os herdeiros necessários têm a seu favor a proteção da “legítima”. Legítima é a metade do
patrimônio do autor da herança. Essa metade é indisponível, devendo ser calculada essa metade
com base nos bens da época da abertura da sucessão (morte do de cujos). É a metade do
patrimônio líquido. Dentro desse valor será contabilizado os bens sujeitos à colação, que o
herdeiro eventualmente recebeu, sendo considerado adiantamento de herança.
O art. 1.789 diz que se houver herdeiros necessários, o autor da herança só pode dispor de
metade da herança, ficando a outra indisponível. O art. 549 do CC diz que é nula a doação na
parte que exceder à legítima.
São herdeiros necessários:
a) Ascendentes
b) Descendentes
c) Cônjuge

• Herdeiros facultativos:
Os herdeiros facultativos não têm a proteção da legítima, podendo ser preteridos por força de
testamento. Se o de cujos não falar nada e morrer, esses herdeiros vão receber, mas se disporem
de forma diversa em testamento, não terão direito à legítima.
São herdeiros facultativos:
a) Companheiro
b) Colaterais até o 4º grau

2. Herança e sua administração

I. Introdução

A herança é o conjunto de bens que é formado quando o sujeito morre. O falecimento do autor da
herança faz com que o conjunto de bens constitua a herança.

A herança é o que forma o espólio. O espólio não tem personalidade jurídica, apesar de ser uma
universalidade jurídica, tendo natureza de ente despersonalizado.

O espólio tem personalidade judiciária, ou seja, pode atuar em juízo.

O direito à sucessão aberta e o direito à herança constituem bens imóveis por determinação legal,
mesmo que a herança seja constituída exclusivamente por bens móveis.

546
Além disso, a herança é um bem indivisível, ou seja, antes da partilha há um condomínio pro
indiviso. Nesse caso, o art. 793 do CC vai consagrar que o direito à sucessão aberta pode ser objeto de
cessão, mas esta cessão deve se dar por escritura pública, pois se trata de bem imóvel.

O §2º do art. 793 vai dizer que é ineficaz a cessão por um coerdeiro de seu direito hereditário sobre
qualquer bem da herança considerado singularmente. Veja, é ineficácia!

Ex.: João faleceu, deixando dois carros e um apartamento. Os dois carros valem 150 mil e o
apartamento vale 150 mil. João deixou 2 filhos e não tinha esposa. Cada filho ficou com 150 mil reais.

O direito à herança é bem indivisível antes da partilha, havendo um condomínio eventual (pro
indiviso). Neste caso, um dos filhos de João poderá ceder a parcela da quota hereditária, desde que o faça
por meio de escritura pública. Por outro lado, o filho de João não poderá ceder 50% do carro X para um
terceiro. Esta cessão de direito individual é ineficaz.

O art. 1.794 diz que o coerdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à
sucessão se o outro coerdeiro a quiser tanto por tanto. Isto é, há a criação de um direito de preferência,
exercido por meio de lei (preempção legal).

Se o coerdeiro for preterido, poderá ele depositar o preço que o herdeiro recebeu, havendo a quota
para si, já que ele foi preterido.

A ação de adjudicação da quota para si com o depósito do preço está sujeito ao prazo decadencial, o
qual, segundo a lei, é contado da transmissão do bem.

A jurisprudência pondera no sentido de que este prazo deve ser contado a partir do momento em
que o herdeiro toma conhecimento da venda da cessão da quota hereditária.

Se existirem vários coerdeiros que possam exercer esse direito de preferência legal, exercendo este
direito de preferência, este quinhão será distribuído na proporção das respectivas quotas hereditárias.

O art. 1.792 do CC consagra a máxima sucessória que diz “intra vires hereditaris”, ou seja, o herdeiro
não responde por encargos superiores às forças da herança.

Além disso, os herdeiros somente respondem pelas dívidas do de cujos na proporção de suas quotas.
Ou seja, João morreu, deixando patrimônio de 1 milhão. Havia uma dívida de 600 mil e dois filhos. Foi feita a
partilha e José recebeu 500 mil e Maria 500 mil. O credor dos 600 mil poderá buscar de José 300 mil e cobrar
de Maria 300 mil, não podendo cobrar 500 de José e 100 da Maria. Isto é, cada um responde nos limites da
herança e proporcionalmente à sua quota hereditária.

547
O código civil consagra o prazo de 30 dias, a contar da abertura da sucessão, para que haja a abertura
do inventário do patrimônio hereditário.

O NCPC, no art. 611, estabelece que o processo de inventário e partilha deve ser instaurado dentro
de 2 meses, o que dá aproximadamente 60 dias, a contar da abertura da sucessão, devendo ser finalizado
nos 12 meses subsequentes, podendo justificadamente prorrogar o prazo de ofício ou a requerimento das
partes.

Como se vê, o NCPC está diferente do que o do Código Civil, no tocante ao prazo da instauração do
processo de inventário. Samer entende que houve a revogação tácita do prazo previsto no CC.

A administração do inventário cabe ao inventariante.

O art. 1.797 diz que, até que haja o compromisso do inventariante, a administração caberá a um
administrador provisório, de acordo com uma ordem sucessiva que é estabelecida pela lei:

• Primeiramente, esta administração provisória caberá ao cônjuge ou companheiro.


• Caso não seja o caso, pelo herdeiro que estiver na posse ou na administração daquele bem.
• Se houver mais de um herdeiro na posse daquele bem, será o administrador provisório o mais
velho.
• Se não for o caso, será o testamenteiro o administrador provisório.
• Não havendo testamenteiro, será administrador provisório uma pessoa de confiança do juiz.

Este rol é meramente exemplificativo, pois no caso concreto outra pessoa poderá se mostrar mais
adequada para administrar provisoriamente o bem.

II. Herança jacente e herança vacante

Para não esquecer, herança jacente começa com “J”, vindo antes de “V”, que é de herança vacante.
Dessa forma, a herança, antes de ser vacante, será jacente.

a) Herança jacente

O art. 1.844 diz que, não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou
tendo sobrevivido, mas tendo havido a renúncia à herança, será devolvido ao Município ou ao Distrito
Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal a
propriedade à herança.

Os bens da herança ficarão na guarda de um curador até a sua entrega a um sucessor que venha a se
habilitar. Se não houver ninguém para se habilitar, os bens ficarão com esse curador até que seja declarada

548
a vacância daqueles bens. Num primeiro momento há uma herança jacente, submetida aos cuidados do
curador, o qual quer ver se aparece o sucessor. Se não aparecer, a herança é declarada jacente.

O art. 738 do NCPC vai dizer que nos casos em que a lei considerar jacente a herança, o juiz, em cuja
comarca tinha domicílio o falecido, procederá imediatamente a arrecadação dos respectivos bens. O juiz
deverá promover a arrecadação destes bens.

O NCPC, no art. 740, vai dizer que o juiz vai determinar ao oficial de justiça, acompanhado de
testemunhas, que arrole os bens do sujeito que morreu, descrevendo-os num auto circunstanciado.

Eventualmente, se o juiz não puder comparecer ao local por meio do oficial de justiça, o juiz irá
requisitar que a autoridade policial proceda a arrecadação e ao arrolamento desses bens com a presença de
duas testemunhas.

Se for por oficial de justiça, basta que esteja acompanhado do curador. Se for por autoridade policial,
será necessária duas testemunhas.

O §2º do art. 740 do CPC diz que não estando ainda nomeado um curador, o juiz irá designar um
depositário para cuidar dos bens. Durante a arrecadação, o juiz ou a autoridade policial que estiver fazendo
a arrecadação, vai inquirir os vizinhos e moradores da vizinhança para saber quem era o falecido, onde estão
ou se existem sucessores, além de saber se há mais bens em nome do de cujos.

O art. 740, §5º, diz que, se constar ao juiz a existência de juiz em uma outra comarca, deverá o juiz
determinar a expedição de carta precatória para que tais bens sejam arrecadados também.

Feitas essas diligências, serão expedidos editais para encontrar sucessores legítimos.

Aqui, ainda se trata de herança jacente.

O art. 741 do CPC diz que, ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir edital, o qual será
publicado na internet, permanecendo nos sítios de tribunal, CNJ, por 3 meses, a fim de que os sucessores
venham a se habilitar no prazo de 6 meses a contar do início da publicação.

Se for verificada a existência de um sucessor ou de um testamenteiro em lugar certo, será feita sua
citação, sem prejuízo do edital que procurará outros sucessores também.

Quando o falecido for estrangeiro, este fato deverá ser comunicado à autoridade consular. A ideia é
de que haja outros mecanismos para encontrar ou procurar outros herdeiros.

Reconhecida sua qualidade de herdeiro ou de testamenteiro, ou provada a identidade de cônjuge ou


companheiro, a arrecadação se tornará inventário, o qual será ultimado em partilha.

549
b) Herança vacante

Por outro lado, decorrido 1 ano da publicação dos editais, sem que haja herdeiro que tenha se
habilitado, ou que esteja pendente de habilitação, a herança jacente será declarada vacante.

E isto tem caráter definitivo para destinação do bem. Isso porque, transitada em julgado a sentença
que declarou a vacância, o cônjuge ou companheiro, os herdeiros, ou credores do de cujos, só poderão
reclamar o seu direito numa ação direta, não podendo mais se habilitarem.

Ou seja, os bens jacentes serão transferidos ao ente público no momento da declaração da


vacância. Perceba que não se aplica o princípio da saisine com relação ao ente público.

Se alguém quiser questionar esta transferência, será necessário promover uma ação direta nesse
sentido, seja o credor, herdeiro ou cônjuge.

Decorridos 5 anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio definitivo do


município, distrito federal ou da União.

Perceba que o sujeito morre, não deixando herdeiros aparentes, sendo feito o processo de
arrecadação, arrolamento de bens e publicação de editais, a herança será jacente. Após 1 ano da publicação
do primeiro edital, a herança se torna vacante, passando ao domínio do município.

Poderá um herdeiro, credor ou cônjuge ou companheiro questionar, por meio de ação direta, a
transferência desses bens, mas passados 5 anos da abertura da sucessão (dia da morte), estes bens passam
ao domínio definitivo do município, DF ou União.

Enquanto esse período não passa, há uma propriedade resolúvel, só se tornando definitiva 5 anos
após a sucessão. Nesse período o município poderá perder essa propriedade.

Mas quando todos os herdeiros chamados à herança renunciarem, a herança será declarada vacante
imediatamente, pois todos renunciaram.

III. Vocação hereditária e legitimados a suceder

A legitimação é uma capacidade especial para um determinado ato. Neste caso, o ato é a sucessão.

O art. 1.798 diz que são legitimados a suceder:

• Pessoas nascidas
• Pessoas já concebidas no momento da abertura da sucessão, ou seja, da morte (nascituro)

Veja, o nascituro tem direito à herança, mas desde que ele nasça com vida, ou seja, está pendente
uma condição para reconhecimento desse direito sucessório.

550
Existe uma discussão na doutrina se esta regra se estenderia ou não aos embriões, havidos por meio
de técnica de reprodução assistida.

Não existe entendimento pacífico. Flávio Tartuce entende que devem ser estendidos aos embriões,
reproduzidos por meio de técnica de reprodução assistidas, as mesmas regras deferidas aos nascituros.

O art. 1.799 diz que na sucessão testamentária ainda podem ser chamados a suceder os filhos,
mesmo que não concedidos de pessoas indicadas pelo testador (prole eventual), desde que estas estejam
vivas ao tempo da sucessão.

Este primeiro inciso diz que poderá deixar herança para uma prole eventual de outrem. Ex.: o autor
da herança deixou uma casa de praia para o primeiro filho de João e Maria.

No entanto, se decorridos 2 anos após a abertura da sucessão, o herdeiro não for concebido, os bens
reservados, salvo se houver uma disposição diversa, estes bens vão caber aos herdeiros legítimos.

As pessoas jurídicas também podem ser herdeiras. Também poderão ser herdeiras as pessoas
jurídicas cuja organização seja determinada pelo testador, sob a forma de fundação. A fundação pode ser
constituída por meio de herança.

O art. 1.801 diz que não podem ser nomeados herdeiros ou legatários, ou seja, não têm legitimação
sucessórias:

• As pessoas que, a rogo, tenham escrito o testamento, nem mesmo o cônjuge ou companheiro,
ascendentes, descendentes ou irmãos dessa pessoa. A questão é estritamente moral.
• As testemunhas do testamento
• O concubino do testador casado (ex.: amante), salvo se estivesse separado de fato, pois, neste
caso, não haveria concubinato, e sim união estável.
• O tabelião civil ou militar, ou comandante ou escrivão, perante o que se fizer ou se aprovar o
testamento.

IV. Aceitação e renúncia da herança

Aceitar é confirmar a transmissão da herança. A herança já se transmite com a morte, mas a aceitação
é um ato que confirma o recebimento da herança.

O art. 1.804 diz que aceita a herança, a transmissão ao herdeiro torna-se definitiva.

Por outro lado, não haverá a transmissão quando há renúncia à herança feita pelo herdeiro.

São formas de aceitação da herança:

551
• Expressa: o herdeiro ou testamenteiro faz uma declaração de que aceita a herança.
• Tácita: é resultante de um ato próprio da qualidade de herdeiro, atuando efetivamente como
herdeiro.
• Presumida: o art. 1.807 diz que o interessado em que o herdeiro declare se aceita, ou não, a
herança, poderá, 20 dias após a abertura da sucessão, requerer ao juiz que num prazo razoável
não superior a 30 dias venha a se manifestar sobre a aceitação ou não da herança. Neste caso, o
silêncio importa a aceitação.

Em relação à renúncia à herança, esta deverá sempre ser expressa, a constar de escritura pública ou
termo judicial. Isso porque o direito à sucessão aberta é bem imóvel.

Existem duas modalidades de renúncia à herança:

• Renúncia abdicativa: é aquela em que o herdeiro não quer a herança. Há uma cessão a todos os
coerdeiros. Não existe a incidência do ITBI contra o renunciante.
• Renúncia translativa: o herdeiro vai ceder os seus direito a favor de determinada pessoa,
incidindo o ITBI neste caso.

O art. 1.808 diz que não se pode aceitar ou renunciar a herança em partes, de forma fracionada (Ex.:
não há como aceitar apenas o ativo e recusar o passivo), bem como não se pode aceitar ou recusar herança
sob condição ou a termo (Ex.: aceita a herança se tiver um filho nos próximos 2 anos).

Existe exceção à regra sobre impossibilidade de fracionamento na aceitação.

• O §1º do art. 1.808 diz que o herdeiro, a quem se testarem legados, podem aceitar o legado e
renunciar a herança, ou mesmo aceitar a herança e renunciar o legado.
• O §2º diz que o herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob
títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que
renuncia.

Não poderá o sujeito aceitar e recusar em parte à herança. Ex.: não pode o sujeito renunciar o carro
e ficar com a Fazenda.

Mas há exceções. O sujeito que é legatário e herdeiro ao mesmo tempo poderá renunciar o legado e
aceitar a herança, ou vice-versa. Veja, aqui há títulos distintos.

Outro caso é diferente. Ex.: João tinha 2 filhos, que eram José e Maria. José, já falecido, tinha dois
filhos: Antônio e André. Maria continua viva. Quando abriram o testamento de João, perceberam que, em
relação à herança, 50% seria para Maria e 50% seria para José. Como José estava falecido, há aqui os dois

552
filhos de José podendo herdar por representação. Além disso, João disse que 10% do patrimônio seria
destinado a Antônio.

João tinha 1 milhão de reais, sendo 50% indisponível. Dos 500 mil disponíveis, 10% é para o Antônio.
Então sobraram 950 mil reais, os quais 50% seria da Maria e 50% do Antônio e de André, por representação.
Além disso, Antônio recebeu mais os 10% dos 500 mil, já que foi herdeiro testamentário.

Neste caso, Antônio poderá recusar uma das duas heranças, sem que haja problema.

Não sendo essas exceções, não é possível recusar em parte ou aceitar em parte a herança.

Aceitação e renúncia são atos irrevogáveis (art. 1.812) do Código Civil.

O principal efeito da renúncia está no art. 1.810, ou seja, na sucessão legítima, a parte do
renunciante vai acrescer aos outros herdeiros da mesma classe. Se ele for o único herdeiro da classe, será
devolvido aos da classe subsequente.

Ex.: Supondo que Maria tenha 3 irmãos, caso Maria renuncie a herança, seria distribuída a herança
para os outros dois irmãos. Caso um deles esteja morto, a parte dela seria dividida em metade para o irmão
e a outra metade seria dividida para os dois filhos do irmão morto por representação.

No entanto, se ela não tiver irmãos, passará a herança para a classe subsequente. Ex.: Maria tinha
dois irmãos pré-mortos, sendo que um deles deixou 2 filhos e o outro irmão deixou 3 filhos. Nesse caso, se
Maria renunciar a herança, a parte dela será dividida por 5, visto que na classe debaixo todos herdarão por
cabeça.

A renúncia gera um tratamento ao renunciante como se ele nunca tivesse existido como pessoa.
Logo, o renunciante atinge o direito de representação de outros herdeiros. Ou seja, se Maria renunciar à
herança, o filho da Maria não receberá nada, não passando para o filho dela. Isso porque para a herança
passar ao seu filho, é necessário que ela tenha existido e morrido.

Se o renunciante for o único legitimado de sua classe, ou se todos de uma mesma classe renunciarem
à herança, vem a sucessão por direito próprio, vindo a sucessão por cabeça. Ex.: se João tem 3 filhos, cada
um desses filhos tem outros 2, ou seja, João tem 6 netos. Caso todos os filhos renunciarem à herança, os
netos receberão por cabeça, em quotas iguais, recebendo cada 1/6 da herança.

Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, os credores poderão, com
autorização judicial, aceitar a herança em nome daquele que havia renunciado (art. 1.813). Isto veda a
fraude.

553
Nesse caso, os credores serão habilitados no inventário, o qual se dará no prazo de 30 dias, a contar
do conhecimento da renúncia da herança pelo herdeiro.

Pagas as dívidas dos renunciantes aos seus credores, vai prevalecer a renúncia quanto ao
remanescente. Lembre-se que a renúncia é irrevogável!

V. Excluídos da sucessão: indignidade sucessória e deserdação

A diferença fundamental entre indignidade sucessória e deserdação é a de que, na indignidade


sucessória, o isolamento sucessório se dá por simples incidência de uma norma ou por decisão judicial. Ou
seja, a indignidade sucessória poderá atingir qualquer herdeiro.

A ação de indignidade sucessória poderá ser proposta por qualquer interessado, mas também poderá
ser proposta pelo MP, quando envolver questão de ordem pública.

O prazo decadencial para a indignidade sucessória é de 4 anos, a contar da abertura da sucessão.

Na deserdação, há um ato de última vontade, ou seja, o sujeito foi deserdado, afastando o herdeiro
necessário. Neste caso, é imprescindível que este ato de deserdação seja confirmado por sentença.

As hipóteses de deserdação e de indignidade sucessória serão unificadas em parte, pois são


considerados herdeiros indignos, nos termos do art. 1.814:

• Herdeiros que tenham sido autores, coautores ou partícipes de um homicídio doloso ou de


tentativa de homicídio de cuja pessoa sucessão se tratar, ou então de seu cônjuge, companheiro,
ascendente ou descendente. Ex.: Suzane von Richthofen.
• Herdeiro que tiver acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou o herdeiro que
incorrer em crime contra a honra do autor da herança, do seu cônjuge ou companheiro.
• Herdeiros que, por violência ou por meio fraudulento, tiver inibido ou obstado o autor da herança
a dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Os arts. 1.962 e 1.963 do CC vão trazer, além dessas causas, as causas que autorizam a deserdação
dos descendentes por seus ascendentes ou ascendentes por seus descendentes:

• Quando houver a prática de ofensa física a essas pessoas;


• Quando houver injúria grave entre essas pessoas
• Quando houver relações ilícitas com madrasta, padrasto, companheiro, esposa, do filho ou do
neto.
• Quando houver o desamparo praticado por essas pessoas, em decorrência de uma alienação
mental ou de grave enfermidade do prejudicado.

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Esses casos de indignidade do art. 1.814 se aplicam à deserdação, mas os casos de deserdação dos
arts. 1.962 e 1.963 do CC não se aplicam à indignidade sucessória.

Veja, a indignidade se aplica a todos os herdeiros, enquanto a deserdação somente se aplicará na


relação ascendente x descendente.

Ao herdeiro instituído, ou a quem aproveite essa deserdação, vai incumbir o ônus de provar a
veracidade da causa que foi alegada pelo testador para confirmar a deserdação na ação de confirmação de
deserdação. A deserdação deve necessariamente ser confirmada em juízo.

O prazo decadencial para essa ação de confirmação é de 4 anos, a contar da abertura do testamento.

Em relação à indignidade, o art. 1.816 do CC vai dizer que são pessoais os efeitos da exclusão. Isto
significa que os descendentes dos herdeiros excluídos vão sucedê-lo, como se ele estivesse morto antes da
abertura da sucessão.

Isto também acontecerá se os filhos forem menores, mas neste caso o excluído da herança não terá
direito ao usufruto dos bens recebidos na herança, tampouco direito à sucessão eventual desses bens, caso
um de seus filhos venha a morrer.

Esta regra também será aplicada ao caso de deserdação.

Vale ressaltar que são válidas as alienações onerosas e os atos de administração praticado pelo
herdeiro antes da sentença que o excluiu da qualidade de herdeiro, tutelando boa-fé de terceiros.

Admite-se ainda a reabilitação do indigno por força de testamento ou por outro ato autêntico,
evidenciando-se o perdão pelo autor da herança.

O art. 1.818 prevê a reabilitação tácita, a qual se dá quando o autor da herança contempla o indigno
como testamenteiro, quando ele já conhecia a causa dessa indignidade.

VI. Ação de petição de herança

Ação é uma demanda.

Trata-se de uma demanda que tem por objetivo incluir herdeiro na herança, mesmo depois da sua
divisão. Portanto, o direito à sucessão aberta é um direito real, pois a sucessão aberta é um bem imóvel por
determinação legal.

O herdeiro irá demandar os bens da herança, mesmo que estes bens estejam com terceiros, visto
que a ação tem natureza real.

555
Se a pessoa que detinha a posse da herança for um herdeiro aparente, os atos que o herdeiro
aparente praticou a título oneroso e de boa-fé são considerados válidos e eficazes.

A ação de petição de herança está sujeita ao prazo prescricional de 10 anos.

Aula 28. Direito das sucessões.

3. Sucessão legítima

O STF faz e tende a fazer é equiparar o tratamento do cônjuge com o companheiro, eis que a CF não
criou hierarquia entre casamento e união estável, apesar do anseio constitucional pela valoração da família
e facilitação da conversão da união estável em casamento.

O art. 1.829 do CC diz que a sucessão será deferida na seguinte ordem:

• Aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se esse cônjuge


estivesse casado com o falecido em comunhão universal de bens ou no regime de separação
obrigatória de bens, ou no de comunhão parcial de bens e o autor da herança não tiver deixado
bens particulares.
• Aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
• Ao cônjuge sobrevivente;
• Aos colaterais.

I. Sucessão dos descendentes e a concorrência do cônjuge

Veja, o cônjuge irá concorrer com o autor da herança, mas só não vai concorrer quando tiver se
casado no regime de comunhão universal, obrigatória (legal) ou no regime de comunhão parcial, desde que
o falecido cônjuge não tenha deixado bens particulares.

O cônjuge e o herdeiro são descendentes de 1ª classe. Se tiver cônjuge e herdeiro reunidos, não será
necessário se preocupar com ascendentes e colaterais.

Em relação ao regime de comunhão parcial de bens, essa concorrência sucessória que exige a
presença de bens particulares, conforme prevalece, irá recair sobre os bens particulares. Sobre os bens
comuns, o cônjuge casado no regime de comunhão parcial de bens não será herdeiro, e sim meeiro. No
tocante ao bens particulares do cônjuge falecido, ele herda.

O art. 1.832 diz que quando estiver em concorrência com o descendente, cabe ao cônjuge quinhão
igual aos quinhões que couberem a esses descendentes, por cabeça, sendo que a quota do cônjuge não
poderá ser inferior a ¼ da herança, se ele for ascendente dos herdeiros com os quais concorrer. Ex.: João
deixou 3 filhos com Maria. No tocante aos bens particulares de João, Maria concorre em igualdade de

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condições com os descendentes, por cabeça. Veja, está assegurado a Maria ¼. Ex.2: Supondo que João tenha
filhos com Maria. João morre. No tocante aos bens particulares de João, Maria concorrerá por cabeça com
os filhos, mas terá direito a 25%, devendo os outros 4 dividirem os 75%, pois terá ela direito ao mínimo de ¼
quando for ascendente de todos os filhos do casal. Ex.3: Se Maria não for ascendente de todos, ela receberá
em igualdade de condições, mas não existirá o resguardo de ¼ da herança, no tocante aos bens particulares.

Existe uma discussão na doutrina sobre a sucessão híbrida, que é aquela em que o cônjuge concorre
com os descendentes comuns, mas também concorre com descendentes exclusivos do autor da herança.
Neste caso, o sujeito tem resguardado ¼ da herança?

1ªC: é majoritário o entendimento de que se houver a sucessão híbrida, não se deverá fazer a
reserva da ¼ da herança. Ex.: se houver 5 filhos, 3 do segundo casamento e 2 do primeiro casamento, mais
o cônjuge, a herança deveria ser dividida por 6.

2ªC: é minoritário o entendimento de que neste caso deveria ser feita a reserva da ¼ ao cônjuge
sobrevivente.

Em relação aos descendentes, o descendente de grau mais próximo excluirá o descendente de grau
mais remoto, salvo o direito de representação. Ex.: João deixou 3 filhos, os quais têm outros dois filhos cada
um (6 netos). João morrendo, os 3 filhos herdam, e os netos não herdam nada. Mas supondo que um dos
filhos de João é pré-morto, os 2 netos filhos do filho de João herdarão por representação (estirpe). Neste
caso, 1/3 da herança vai para cada um dos filhos de João, sendo que a parte do filho pré-morto de João será
dividida pelos dois netos.

Os descendentes de mesma classe vão ter os mesmos direito à sucessão, recebendo cada um deles
50% do valor da herança. A sucessão, neste caso, é por cabeça. Tem-se a chamada sucessão por cabeça,
quando a sucessão se reparte um a um. Mas a sucessão por estirpe (direito de representação) ocorre quando
a herança não é repartida um a um, mas na proporção dos parentes do mesmo grau vivo, ou se eles forem
mortos, tendo deixado essa prole viva, essa prole receberá uma fração.

II. Sucessão dos ascendentes e a concorrência do cônjuge

O art. 1.829, no inciso II, diz que na falta de descendentes são chamados para suceder os
ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, sem haver qualquer ressalva com relação ao
regime de bens.

Veja, os ascendentes são herdeiros de 2ª classe, pois só são chamados a suceder quando os de 1ª
classe faltarem.

557
Com relação à concorrência dos ascendentes com o cônjuge sobrevivente, o regime de bens é
absolutamente indiferente, pois concorrerá da mesma forma.

Igualmente como ocorre com os descendentes, os ascendentes de grau mais próximo exclui o de
grau mais remoto. Não existe direito de representação no tocante aos ascendentes, bastando pensar que
João, casado, morreu sem deixar descendentes. Além disso, ele tinha 2 avós paterno, mas em relação a
maternos, só tinha uma bisavó materna. Neste caso, a bisavó não herdará por estirpe para representar a avó
materna de João. O de grau mais próximo, neste caso, é o avô e a avó paterna, motivo pelo qual eles
receberão a herança, pois não há direito de representação em ascendência.

Se houver igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna irão receber
metade e os da linha materna receberão a outra metade (art. 1.836). Ex.: João morreu, deixando a esposa e
avós maternos e um avô paterno. Nesta hipótese, 50% vai para o avô paterno e 50% vai para os avós
maternos.

O art. 1.837 diz que concorrendo o cônjuge com 2 ascendentes de 1º grau (pai e mãe), terá ele direito
a 1/3 da herança. Concorrendo o cônjuge com somente um ascendente de 1º grau, ou com ascendentes de
grau diversos, terá ele direito a metade da herança. Ex.: João morre e deixa pai, mãe e mulher, cada um
receberá 1/3. Se João morre e deixar mãe e mulher, cada uma receberá metade. Se João morre e deixa avô,
avó, bisavô, bisavó e mulher, ela receberá metade e a outra metade será dividia entre os demais.

III. Sucessão do cônjuge, isoladamente

Faltando descendente e ascendente, é deferida a sucessão por inteiro e isoladamente ao cônjuge


sobrevivente. Perceba que a sucessão integral da herança pelo cônjuge ocorre como 3ª opção. Então, o
cônjuge é herdeiro de 3ª classe.

O art. 1.830 diz que somente é reconhecido o direito sucessório ao cônjuge sobrevivente, se ao
tempo da morte do outro não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de 2 anos,
salvo se provado neste caso que essa convivência se tornou impossível sem culpa do sobrevivente.

O art. 1.830 ressuscita a discussão a respeito de culpa, motivo pelo qual é muito criticado pela
doutrina. Apesar disso, recentemente, o STJ aplicou o art. 1.830.

O art. 1.831 reconhece ao cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens, o direito


real de habitação, o qual se refere ao imóvel destinado à residência do casal, desde que seja o único imóvel
desta natureza que seja objeto de inventário.

Esse direito real de habitação tem uma ligação forte sobre a doutrina do patrimônio mínimo, do
Ministro Luiz Edson Fachin.

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O direito real de habitação é o direito para habitar, não podendo, em tese, alugar o imóvel, ceder em
comodato, etc. Professor Flávio Tartuce faz algumas ponderações, como é o caso em que o imóvel grande
possa ser alugado, revertendo seus valores para alugar um imóvel menor.

O entendimento prevalente é no sentido de estender essa regra aos companheiros.

IV. Sucessão dos colaterais

Os colaterais são herdeiros de 4ª classe. O art. 1.839 diz isso.

Se não houver cônjuge sobrevivente, serão chamados a suceder os colaterais em 4º grau: primos,
sobrinho-neto, tio-avô.

Algumas regras são importantes:

• Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos.


Existe direito de representação apenas dos filhos dos irmãos pré-mortos, concedidos aos filhos
de irmãos. Ex.: João morreu, não tinha pais, não era casado, mas deixou 2 irmãos. Um deles é
pré-morto, sobrinho de João, o qual vai ter direito de representação na herança de João, mas só
em relação aos filhos de irmãos, não havendo outro direito de representação em relação aos
colaterais.
• Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um dos
irmãos unilaterais vai ter direito à metade do que receber o irmão bilateral.
Ex.: João deixou 100 mil reais para dois irmãos unilaterais e um irmão bilateral. Os unilaterais
receberão 25 mil cada um e o irmão bilateral receberá 50 mil reais, eis que este é irmão duas
vezes.
• Na falta de irmãos vão herdar os filhos dos irmãos. Na falta dos sobrinhos vão herdar os tios.
A regra é a de que os sobrinhos terão prioridade sobre os tios, ainda que sejam de mesmo grau.
Portanto, se houver sobrinhos, tios não irão herdar.

V. Sucessão do companheiro

O art. 1.790 do CC regulamenta a sucessão do companheiro, mas com a ressalva do entendimento


da inconstitucionalidade do dispositivo.

Esse dispositivo diz que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto
aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.

Em relação aos bens particulares, o companheiro não herda, só herdando em relação aos bens
comuns. Com relação aos bens comuns adquiridos na união estável, metade será dele e no tocante a outra
metade é que ele irá herdar alguma coisa.

559
• Se ele concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for
atribuída ao filho.
Então concorrerá em igualdade de condições, se os filhos forem em comum dele com o
companheiro que faleceu.
• Se ele concorrer com descendentes só do autor da herança, terá direito à metade do que esses
descendentes tiverem.
Se o João tinha 2 filhos antes e morreu, a companheira dele terá direito à metade do que os filhos
dele anteriores à união estável tem direito. Ex.: João deixou 500 mil de patrimônio, 2 filhos e a
mulher depois, neste caso ela receberá 100 mil e eles receberão 200 mil cada um, segundo o art.
1.790.
• Se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança.
Este inciso é de uma inconstitucionalidade acachapante.
• Não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Se não tiver mais ninguém, aí o companheiro herdaria totalmente a herança.

O STF tem se manifestado por meio do RE 878.694, no sentido da inconstitucionalidade do art. 1.790
do CC. Aplica-se ao companheiro, portanto, o mesmo regime sucessório dos cônjuges.

O enunciado 117 do CJF diz que o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro em
razão da interpretação analógica do art. 1.831 do CC. Foi falado que esse dispositivo deve ser aplicado ao
cônjuge e por analogia se aplica o art. 1.831 ao companheiro. O CJF escreveu interpretação analógica, mas
seria analogia.

VI. Direito de representação

O direito de representação é aquele em que a lei chama os parentes do falecido a todos os direitos
que esse parente sucederia se estivesse vivo, conforme art. 1.851.

Em duas situações a norma jurídica consagra esse direito de representação:

• Linha reta descendente: nunca existe o direito de representação na linha reta ascendente.
• Linha colateral transversal: existe somente em relação aos filhos do irmão falecido, quando
concorrer com outros irmãos do autor da herança.

Então, quem tinha que receber a herança já morreu, e os filhos destes receberão por representação,
visto que existem herdeiros de graus mais próximo, os quais vão herdar por cabeça.

O direito de representação é concedido aos filhos de herdeiro pré-morto.

560
Existe uma discussão se o direito de representação poderia ser usado também quando o herdeiro
que falece está em situação de comoriência. Ex.: o pai e o avô em um acidente morrem. O filho tem um tio,
filho do avô, e tem um neto. Poderia este neto herdar por estirpe?

SIM. Como quem tinha que herdar era o pai, ou seja, o pré-morto, quem irá herdar será o neto, em
direito de representação.

A jurisprudência tem se manifestado nesse sentido em conceder aos filhos dos que morreram em
comoriência o direito de sucessão por representação.

O art. 1.856 diz que o renunciante à herança de uma pessoa pode representá-la na sucessão de
outra. Ex.: João é filho de José, mas é pai de Antônio. João morre. Antônio renuncia a herança de seu pai
João. Um ano depois, o avô de Antônio, pai de João, senhor José, tinha dois filhos: João (pré-morto) e Carla,
que ainda está viva. Metade da herança de José teria que ir para João, mas ele é pré-morto. O Código está
dizendo que Antônio, que renunciou à herança de João, poderá representá-lo na herança do José.

4. Sucessão testamentária

I. Conceito de testamento e características

Flávio Tartuce diz que testamento é negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável pelo
testador, através do qual são feitas disposições de caráter patrimonial ou extrapatrimonial para depois de
sua morte (efeitos mortis-causa).

O testamento poderá ter conteúdo extrapatrimonial, inclusive apenas conteúdo extrapatrimonial.

O art. 1.857 diz que são válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que
o testador somente a elas tenha se limitado.

É possível fazer um testamento moral, de valores para que os filhos podem seguir, não tendo nada
de patrimonial.

Em relação ao conteúdo patrimonial, o art. 1.857, §1º, diz que os bens da legítima não podem ser
objeto de testamento (50% do patrimônio do sujeito, se tiver herdeiros necessários).

São características do testamento:

• Aperfeiçoa-se com uma única manifestação de vontade, e a renúncia ou a aceitação da herança


é irrelevante do ponto de vista jurídico para validade do testamento.

• O testamento é um negócio jurídico gratuito, pois o testador não aufere qualquer vantagem.

• Negócio mortis causa, pois somente produz efeitos após a morte.

561
• É revogável, pois o testador poderá modificá-lo ou revogá-lo a qualquer tempo. Por outro lado,
a despeito de ser revogável, o reconhecimento de filho irrevogável, mesmo quando este
reconhecimento de filho estiver em testamento e este for revogado.

• É vedado o testamento conjuntivo, sendo nulo e vedado por lei o testamento por meio de mais
de uma pessoa conjuntamente.

• Toda pessoa capaz poderá dispor por testamento da totalidade de seus bens para depois da
morte. Não poderão testar os incapazes, e o art. 1.860 diz que também não podem testar as
pessoas que no ato de fazer o testamento não estiverem no pleno discernimento (Ex.: bêbado,
drogas, etc.). O maior de 16 anos, no entanto, poderá testar. Se a pessoa tiver uma incapacidade
superveniente, não há invalidação do testamento feito anteriormente. Da mesma forma, se a
pessoa era incapaz quando testou, o fato de ter capacidade superveniente, não validará
supervenientemente o testamento. Há que se analisado se no momento da prática do ato a
pessoa tinha capacidade ou não.

• O art. 1.859 diz que se extingue em 5 anos o direito de impugnar a validade do testamento,
contado o prazo da data do seu registro. Este prazo se aplica aos casos de nulidade relativa e
também aos casos de nulidade absoluta.

II. Modalidades ordinárias do testamento

O art. 1.862 diz que são modalidades ordinárias de testamento:

• Testamento público
• Testamento cerrado
• Testamento particular

a) Testamento público

O testamento público é aquele lavrado pelo tabelião de notas. Ele recebe as declarações do testador,
observa os requisitos essenciais do art. 1.864 para lavrar o testamento.

São requisitos para o testamento público:

• O testamento deve ser escrito pelo tabelião em seu livro de notas, de acordo com as declarações
do testador.
• O testamento deverá ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a 2 testemunhas ao mesmo
tempo.
• Poderá ser lido pelo testador na presença das testemunhas e do oficial (tabelião).

562
• O instrumento deve ser, em seguida a esta leitura, assinado pelo testador, pelo tabelião e pelas
testemunhas.

A jurisprudência superior tem mitigado a observância desses requisitos formais do testamento


público. Se ficar evidente que é o sujeito que testou, e o fato de que havia uma testemunha ao invés de duas,
se não há qualquer empecilho, então há mitigação do formalismo.

Se o testador não souber ou não puder assinar, neste caso o tabelião irá declarar isso no instrumento,
caso em que irá assinar pelo testador, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias irá assinar
(testemunha a rogo).

Assim, confirma-se a tese pela qual o analfabeto poderá testar, já que quem não souber assinar
poderá pedir que uma pessoa o assine.

O art. 1.866 diz que o indivíduo inteiramente surdo, se souber ler, poderá testar. Nesses casos, o
sujeito irá ler o seu testamento ou, se não souber ler, irá designar alguém que o leia, presente as
testemunhas.

Em relação aos cegos, somente é possível testar por meio do testamento público, caso em que será
lido em voz alta por duas vezes: uma pelo tabelião e outro por uma das testemunhas.

Ocorrendo o falecimento do testador, segundo o CPC 2015, qualquer interessado, exibindo o traslado
e a certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz que ordene o cumprimento do testamento.

Aula 29. Sucessões.

b) Testamento cerrado

Testamento cerrado é também chamado de testamento místico, pois não se sabe qual é o seu
conteúdo até que o sujeito morra.

Essa modalidade não tem grande aplicação prática.

O art. 1.868 diz que o testamento cerrado, escrito pelo testador ou por outra pessoa, a seu rogo, e
assinado pelo testador, será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, observadas as
formalidades da lei.

São formalidades para o testamento cerrado:

• Testador o entregue ao tabelião em presença de 2 testemunhas;


• Testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado;

563
• Tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, lendo o
testamento, em seguida, ao testador e testemunhas;
• Auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.

Após, o tabelião passar a cerrar e a coser (costurar) o documento aprovado, tudo isso com 5 pontos
de retrós, sendo lacrado nos pontos de costura (art. 1.689). A jurisprudência tem mitigado essas exigências.

O testamento cerrado poderá ser escrito em língua nacional ou em língua estrangeira (art. 1.871).
Não pode dispor de seus bens no testamento cerrado quem não sabe ler ou escrever, pois é necessário
escrever o seu próprio testamento.

Podem fazer testamento cerrado o surdo ou o mudo, contanto que saiba escrever.

Após a aprovação e cerrado o testamento, este será entregue ao testador, lançando o tabelião no
seu livro o dia, lugar, hora, ano, etc. em que o testamento foi aprovado e entregue ao testador.

Quando ocorrer a morte do testador, o testamento cerrado será apresentado ao juiz, o qual vai abrir
o testamento, determinando que se registre para que seja cumprido, desde que o juiz não constate a
presença de um vício externo que torne esse testamento nulo ou suspeito de alguma falsidade.

Do termo de abertura do testamento constará o nome de quem apresentou o testamento cerrado,


ainda de forma secreta, e como essa pessoa obteve o testamento.

Após a oitiva do MP, e não havendo dúvidas a ser esclarecidas, o juiz manda registrar, arquivar e
cumprir o testamento. Feito o registro, será intimado o testamenteiro para que ele venha a assinar o termo
da testamentária.

O art. 1.980 diz que o testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições testamentárias no prazo
marcado pelo testador. Além disso terá que dar conta do que recebeu e dispendeu, tendo inclusive
responsabilidade por aquilo enquanto durar a execução do testamento.

c) Testamento particular

O testamento particular é também chamado de testamento hológrafo, pois é escrito pelo próprio
testador, sem maiores formalidades.

O art. 1.876 do CC diz que o testamento particular poderá ser escrito de próprio punho ou por
processo mecânico.

Se escrito de próprio punho, serão requisitos para sua validade que esse testamento seja lido e
assinado, na presença de 3 testemunhas pelo menos, as quais também deverão subscrever esse testamento.

564
Sendo elaborado por um processo mecânico, não poderá conter rasuras e nem espaços em branco.
Da mesma forma, deverá ser assinado pelo testador, após ter sido lido na presença de ao menos 3
testemunhas, as quais irão assiná-lo.

A jurisprudência mitiga os rigores formais estabelecidos em lei. A ideia é de que se ficar evidente o
desejo do autor da herança, deverá aquele testamento ser cumprido.

Falecido o testador, publica-se em juízo o testamento particular, citam-se os herdeiros legítimos para
que possam comparecer.

O NCPC vai dizer no art. 737 que a publicação do testamento particular poderá ser requerida pelo
herdeiro, legatário, pelo testamenteiro ou por um terceiro que detenha um testamento.

O §1º desse dispositivo diz que serão intimados os herdeiros que não tiverem requerido a publicação
do testamento, a fim de que possam ser inquiridos pelo juiz.

No §2º diz que se o juiz perceber a presença dos requisitos previstos em lei, depois de ouvir o MP,
vai confirmar esse testamento.

O art. 1.878 diz que se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição ou sobre a sua
leitura perante elas, e se reconhecerem essas testemunhas as suas próprias assinaturas, assim como a
assinatura do testador, o testamento será confirmado.

Agora, se faltar uma testemunha porque morreu ou está ausente, mas pelo menos a que resta
reconhecer a sua assinatura do testamento e a assinatura do testador, esse testamento poderá ser
confirmado a critério do juiz se se perceber suficiente a prova da sua veracidade.

Em circunstância excepcionais, declaradas na cédula testamentária, é possível que o testamento


particular de próprio punho e assinado pelo testador assim seja feito sem testemunhas, situação na qual
poderá ser confirmado desde que situações excepcionais justifiquem a ausência de testemunhas. É o caso
do testamento particular de emergência.

Ex.: alguém está sequestrado e tem um papel e uma caneta. Ele faz o testamento e guarda no bolso.
Após é assinado. Quando encontram o seu corpo, verificam o testamento, devidamente assinado, mas sem
testemunhas. Nesta situação, a lei admite que não se tenha testemunhas.

O art. 1.880 diz que o testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira, desde que as
testemunhas compreendam essa língua.

III. Modalidades especiais do testamento

São modalidades especiais do testamento:

565
• Testamento marítimo
• Testamento aeronáutico
• Testamento militar

Esse rol é taxativo.

Essas modalidades estão submetidas às mesmas regras de publicação e confirmação do testamento


particular. Em verdade, não há praticamente nenhuma aplicação prática.

a) Testamento marítimo e aeronáutico

O art. 1.888 diz que aquele que estiver em viagem a bordo de um navio nacional pode testar perante
o comandante e na presença de 2 testemunhas. Esse testamento poderá ser público ou cerrado, de próprio
punho, lacrado, etc.

Não precisa ser militar, o fato é que a pessoa civil deve estar a bordo de navio.

O registro desse testamento será feito no diário de bordo.

O art. 1.889 segue a mesma linha, mas se refere ao testamento a bordo de aeronave. Quem estiver
a bordo de aeronave poderá testar na presença de pessoa designada pelo comandante e outras 2
testemunhas, adotando a forma de um testamento público ou testamento cerrado, devendo ser registro no
diário de bordo.

Esse testamento ficará sob a guarda do comandante. Quando o navio atracar ou quando a aeronave
pousar, esse comandante vai entregar o testamento às autoridades do primeiro porto ou aeroporto que
atracar ou pousar.

O testamento marítimo ou aeronáutico vai caducar se o testador não morrer naquela viagem e nos
próximos 90 dias subsequentes ao seu desembarque em terra no lugar em que possa fazer o testamento de
forma ordinária, não fizer outro testamento.

Então, na verdade, o testamento marítimo ou aeronáutico vão caducar, se o testador não tiver
morrido na viagem, em 90 dias subsequentes ao seu desembarque em terra em lugar que se possa fazer de
forma ordinária outro testamento, e assim não o confirmar.

O art. 1.892 diz que é inválido o testamento marítimo se, ao tempo que se fez, o navio estava em
porto, onde o testador pudesse desembarcar e testar de forma ordinária.

b) Testamento militar

O testamento militar poderá ser feito, não havendo tabelião, perante 2 testemunhas.

566
Se o testador não souber escrever, por estar ferido ou ser analfabeto, será necessário 3 testemunhas,
visto que uma delas irá assinar a rogo, a pedido do testador.

Esse testamento militar não tem nenhuma aplicação prática.

Se o testador pertencer a corpo ou a cessão de corpo destacado, o testamento será escrito pelo
comandante daquele corpo.

Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será escrito pelo oficial de saúde ou
pelo diretor daquele hospital.

Se o testador foi o oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele que substituir, ou seja,
o próximo na linha sucessória.

O testamento militar também caduca em 90 dias, desde que depois esteja nos 90 dias seguidos em
lugar que possa testar de maneira ordinária.

Vale ressaltar que os militares, se estiverem em combate, e forem feridos, poderão testar oralmente,
confiando as suas últimas palavras a 2 testemunhas. É o testamento nuncupativo, sendo este o testamento
militar feito oralmente por quem está em meio de guerra, ferido e confia suas últimas vontade de 2
testemunhas.

Essa modalidade de testamento não terá efeito se o testador não morrer naquela guerra ou
convalescer em relação àquele ferido.

IV. Codicilo

Codicilo é uma disposição testamentária de pequena monta.

Tem um requisito formal muito menor.

O art. 1.881 diz que toda capaz de testar poderá, através de um escrito particular, poderá fazer
disposições especiais sobre seu enterro, algumas esmolas de pouca monta, legar bens móveis, como roupas,
acessórios pequenos, joias de pequeno valor, etc.

Além disso, no codicilo é possível nomear ou substituir um testamenteiro, sendo possível fazer
sufrágios, ou seja, disposições sobre sufrágios da alma, além de ser possível perdoar herdeiro indigno.

Os atos praticados por meio do codicilo revogam-se por atos iguais e consideram-se revogados, se
havendo testamento posterior, o testamento não confirmar ou não modificar o codicilo (art. 1.884).

A confirmação do codicilo deve ser feita do mesmo modo que é feito o testamento particular, sendo
levado a juízo (art. 737, NCPC).

567
5. Disposições testamentárias

A nomeação de herdeiro ou legatário poderá ser feita:

• Disposição pura e simples


• Disposição sob condição
• Disposição para certo fim (com encargo)
• Disposição para certo motivo

Perceba que não há como inserir um termo, pois há uma proibição expressa no art. 1.898 de que a
designação do tempo em que deve começar ou cessar o direito do herdeiro, salvo em relação às disposições
fideicomissárias, são tidas como não escritas.

Outra regra é que, quando a cláusula testamentária ser suscetível de interpretações dúbias
diferentes, irá sempre prevalecer a interpretação que se assegure a vontade do testador.

O art. 1.900 diz que é nula a disposição que institua herdeiro ou legatário sob condição captatória.
Ou seja, é nula quando dispor também em testamento em benefício do testador ou em benefício de
terceiros, pois estaria se admitindo um pacto corvina.

Também é nula a disposição testamentária que se refira a uma pessoa absolutamente


indeterminada, indeterminável, incerta, etc.

É nula ainda a disposição ao arbítrio de herdeiro ou de outrem fixar o valor do legado.

Por fim, é nula a disposição testamentária que favoreça a pessoa que, a seu rogo, assinou o
testamento, as outras testemunhas, companheiros, cônjuge, descendentes ou irmão dessas pessoas, ou
ainda o concubino do testador, que é casado, tabelião, etc. Nesses casos, será nulo esse favorecimento.

É válida a disposição testamentária em favor de pessoa incerta que deva ser determinada por
terceiro, dentre duas ou mais pessoas mencionadas pelo testador, ou que pertençam a uma família ou
coletividade definida. A pessoa é indeterminada, mas é determinável. Não há absoluta indeterminação
subjetiva.

O erro na designação na pessoa do herdeiro, legatário ou da coisa, vai anular essa disposição, salvo
se pelo contexto ser possível identificar quem é essa pessoa ou qual é a coisa a que se referia o testador.

Se o testador nomeia certos herdeiros individualmente e outros herdeiros coletivamente, a herança


será dividida em tantas quotas quanto forem os indivíduos e os grupos. Ex.: Samer deixa 1/3 de seus bens
para João, 1/3 para José e 1/3 para os filhos de Caio. Os filhos de caio são 3.

568
São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação, estando sujeitas ao
prazo decadencial.

Esse prazo decadencial é de 4 anos, contados do momento em que tiver conhecimento interessado
do vício que inquina o testamento.

É importante que se estude as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e de


impenhorabilidade.

Essas cláusulas poderão estar no testamento, podendo ser temporárias ou vitalícias. Sendo vitalícias,
a morte do beneficiado (legatário ou herdeiro) vai extinguir a cláusula.

O art. 1.848 diz que, salvo se houver justa causa declarada no testamento, o testador não pode
estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade sobre os bens da
legítima (50% é indisponível). Diante disso, somente por justa causa, a despeito de julgados e
posicionamentos em sentido diverso, é que se possa haver essas cláusulas sobre a legítima.

O §2º do mesmo dispositivo diz que através de autorização judicial, e se houver justa causa, podem
os bens ser alienados ou gravados, se houver a necessidade. Nesse caso, os produtos dessa alienação ou
conversão serão sub-rogados nos ônus que recaíam sobre os primeiros. Ex.: a casa era inalienável, mas o
sujeito precisava vender a casa, pois mudaria de cidade. O juiz autoriza a venda e a compra da outra casa, a
qual passaria a ser inalienável, recaindo a cláusula de inalienabilidade.

O art. 1.911 diz que a cláusula de inalienabilidade implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

I. Legado

Legado é uma disposição específica sucessória, sendo realizada a título singular. É a atribuição de um
bem certo para uma pessoa, por meio de um testamento. Ex: para João, Samer deixa o seu carro Fiat Elba
1996.

A lei admite o sub-legado. O art. 1.913 diz que se o testador ordenar que o herdeiro ou que o
legatário entregue coisa de sua propriedade a uma outra pessoa, essa outra pessoa será o sub-legatário. Não
o cumprindo, entender-se-á que renunciou à herança ou ao legado.

Ex.: João, herdeiro de Samer, entregará a Elba a José. Se não entregar este bem a José, presume-se
que ele renunciou à herança. Então, José não é legatário do de cujos, e sim sub-legatário, pois a ordem é de
que o legatário ou herdeiro entregue o bem a outra pessoa que vai ser a sub-legatária.

a) Espécies dos legados

São espécies de legados:

569
• Legado de coisa genérica: se o legado for uma coisa que se determina pelo gênero, esse legado
é válido e será cumprido mesmo que essa coisa não exista entre os bens deixados pelo testador.
Ou seja, vende-se o bem e compra aquela coisa. Isso porque o gênero nunca perece.
• Legado de crédito: nessa disposição o legado consiste não na entrega de um objeto, mas sim na
entrega de um direito creditício, que o testador possui. O testador é um credor e deixa seu
crédito para o legatário. O legado de crédito, ou de quitação de dívida, terá eficácia somente até
a importância desta, ou daquele, ao tempo da morte do testador. Cumpre-se o legado,
entregando o herdeiro ao legatário o título respectivo. Este legado não compreende as dívidas
posteriores à data do testamento.
• Legado de quitação de dívida: o testador é credor do legatário, utilizando o testamento para
quitar essa obrigação, ou seja, sua nomeação desobriga-o ao pagamento da dívida. Nada recebe,
mas nada deve. Aqui se subtende que o legado suporta as dívidas até a data do testamento.
• Legado de alimentos: o art. 1.920 diz que o legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o
vestuário, enquanto o legatário viver, além da educação do legatário enquanto ele for menor.
• Legado alternativo: via de regra, o legatário ou o herdeiro terá a escolha dentre os bens descritos
pelo autor da herança qual será entregue ao legatário. Há uma alternância.

b) Efeitos dos legados

Desde o momento da abertura da sucessão, a coisa passa a pertencer ao legatário, salvo se o legado
estiver sob uma condição suspensiva, eis que é juridicamente possível.

Em relação ao legado, também é possível o legado a termo, já a herança não.

O direito de pedir o legado pelo legatário não será exercido enquanto houver litígio recaindo sobre
a validade do testamento. Então, enquanto estiver litigando sobre a validade do testamento, o legatário não
terá direito de exigir o bem objeto de legado. Essa premissa do mesmo modo vai valer para os legados
condicionais ou legados a termo. Enquanto não ocorrida a situação, não poderá exigir o bem objeto de
legado.

No legado de coisa genérica, quem irá escolher a coisa é o herdeiro, via de regra, salvo se houver
estipulação em sentido diverso pelo autor da herança.

E o herdeiro deverá escolher essa coisa dentro do meio termo, não precisando dar a melhor e nem
podendo dar a pior. Se o autor da herança der a opção para o legatário escolher a coisa, dentro do gênero
determinado, o legatário, segundo o art. 1.931 poderá escolher a melhor coisa da herança.

Em relação ao legado alternativo, se não houver disposição expressa, quem fará a escolha entre as
coisas será o herdeiro.

570
Em relação ao cumprimento do testamento, este cumprimento incumbirá aos herdeiros. Se não
houver herdeiros, quem vai cumprir é o legatário, na proporção daquilo que herdarem e receberem.

c) Caducidade dos legados

O art. 1.939 do CC diz que o legado vai caducar se depois do testamento, o testador modificar a
coisa legada ao ponto de não ter a forma e nem caber a denominação que tinha.

Então, o legado caduca se o testador a qualquer título alienar a coisa, no todo ou em parte. Se a
alienação for em parte, caducará o legado até a parte em que pertencer ao testador. Ex.: O testador deixou
10 bolas de futebol, mas vendeu 5, restando 5 bolas como legado àquela pessoa.

Também caduca o legado se a coisa perecer ou for evicta.

Caduca o legado se o legatário for excluído da sucessão por indignidade ou se o legatário falecer
antes do testador.

d) Direito de acrescer entre legatários

Em relação a direito de acrescer, deve-se pensar que se está tratando de colegatários. Nesse caso, o
direito de acrescer vai competir aos nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa, ou então quando
o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização. É o que diz o art. 1.942 do CC.

Se um dos coerdeiros ou dos colegatários do direito de acrescer entre colegatários morrer antes do
testador, poderá ter esse direito de acrescer exercido.

Se o colegatário renunciar ao legado, renunciando à herança, for excluído, ou a condição não se


verificar, vai acrescer o quinhão a outra parte dos colegatários conjuntos.

A ideia do direito de acrescer remonta à percepção de que uma coisa é entregue para duas ou mais
pessoas em condomínio, havendo o direito de acrescer às outras.

Não sendo o caso do direito de acrescer, este restante que agora apareceu será transmitido aos
herdeiros legítimos se não for o caso do direito de acrescer.

Havendo legado de um só usufruto conjuntamente a duas ou mais pessoas, a parte que faltar vai
acrescer aos colegatários, via de regra. Se apesar de conjuntos, no tocante ao usufruto, for legada a cada
pessoa uma parte certa do usufruto, a propriedade irá se consolidar naquela fração em relação ao nu
proprietário que passará a ter a propriedade plena.

571
Para tanto, será necessário deixar um imóvel alugado para o banco do Brasil por 100 mil reais por
mês para João, José e Maria. Maria morreu antes dos dois, deixando o usufruto desse imóvel que está
alugado para João e José, os quais passam a receber mais 50 mil reais cada.

Quando há um usufruto certo para cada um é diferente. O proprietário do imóvel é Antônio, sendo
o usufruto foi dado para João, José e Maria. No caso, não se distinguiu quanto cada um receberia. Maria
morreu, passando João e José a receber 50% cada um de Maria.

Deixando o imóvel do Banco do Brasil alugado por 100 mil reais para Antônio, mas no tocante ao
usufruto foi deixando 1/3 para Maria, 1/3 para João e 1/3 para José. Nesse caso, este 1/3 já se consolida na
propriedade plena em relação a Antônio, o qual passará a receber 1/3 do aluguel.

II. Substituições testamentárias

Substituir é ocupar um lugar que era ocupado por outra pessoa.

Quando se fala em substituição testamentária, há uma disposição testamentária, na qual o testador


irá chamar uma pessoa para receber a herança ou o legado, seja no todo ou em parte, ou na falta ou após a
renúncia do herdeiro ou legatário nomeado em primeiro lugar.

Na substituição testamentária o testador deixa um bem para José, mas se José renunciar, ou se José
morrer antes, o bem ficará para João. Neste caso, João será chamado a substituir o lugar de José.

São modalidades de substituições testamentárias do Código Civil:

• Substituição vulgar ou ordinária: o testador substitui diretamente uma pessoa por outra, se o
herdeiro ou legatário nomeado não quiser ou não puder aceitar a herança ou legado.
• Substituição recíproca: um herdeiro substitui o outro ou vice-versa. Ex.: Samer deixa um bem
para João e para José, mas se João morrer, os bens deverão ir todos para José e vice-versa.
• Substituição fideicomissária: o testador poderá instituir herdeiros ou legatários, estabelecendo
que por ocasião de sua morte a herança ou o legado vai se transmitir ao fiduciário e o direito
dessa pessoa vai se resolver quando essa pessoa morrer ou quando ocorrer uma certa condição
ou certo termo, situação em que esse direito irá se resolver em favor de outra pessoa, que é
chamado de fideicomissário. O fiduciário tem, via de regra, uma propriedade resolúvel.

O art. 1.956 vai restringir a possibilidade da chamada substituição fideicomissária. A substituição


fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador.

O parágrafo único do art. 1.952 diz que, se ao tempo da morte do testador, já tiver nascido o
fideicomissário, ele vai adquirir a propriedade dos bens fideicometidos, situação em que o fiduciário terá

572
apenas o usufruto dos bens enquanto o fideicomissário for menor. Na verdade, somente poderá se instituir
essa cláusula fideicomissária quando estiver diante de alguém que não foi concebido ainda.

O fideicomisso vai caducar se o fideicomissário morrer antes do fiduciário. É a chamada


premoniência.

Também caducará se antes de se realizar a condição resolutória do direito deste fideicomissário, o


fideicomissário morrer, podendo também o fideicomissário morrer antes da condição suspensiva ser
implementada. Nesses casos, o fideicomissário passará a ter a propriedade plena dos bens do legado ou do
objeto de herança.

Se houver renúncia da herança ou do legado pelo fiduciário, nesse caso o fideicomissário poderá
aceitá-la. Essa autorização de aceitação do fideicomissário em caso de renúncia pelo fiduciário, ela está
amparada no art. 1.954 do CC.

O art. 1.959 diz que são nulos os fideicomissos além do 2º grau. Na verdade, não se pode dizer que
se coloca como fiduciário João, como fideicomissário uma prole eventual de João e como fideicomissário do
fideicomissário os filhos da prole do filho de João. Veja, só se pode fideicomisso até o 1º grau. A nulidade
dessa substituição ilegal (de 2º grau) não prejudica a instituição em 1º grau.

III. Redução das disposições testamentárias

Pode ser que seja necessária a redução das disposições testamentárias para que não se prejudique a
legítima. Se o testador faz uma disposição que rompe a proteção da legítima, essa disposição somente será
válida até os limites da metade disponível do seu patrimônio.

Então se se verificar que as disposições testamentárias ultrapassam a porção disponível, elas serão
reduzidas, e reduzidas proporcionalmente às quotas do herdeiro ou dos herdeiros que foram instituídos ali.

Se reduzir as quotas dos herdeiros instituídos e não bastou, aí será reduzido as dos legados, na
proporção do que bastar.

Via de regra, primeiro se reduz as dos herdeiros. Se não reduzir, será necessário reduzir as dos
legatários também.

O testador poderá prever que o caso vai ser necessário redução. Se ele pensar assim, poderá dispor
qual é a preferência no tocante a redução, podendo estabelecer que será primeiro reduzido os legatários e
depois os herdeiros. Essa redução será feita nos moldes desejados pelo testador, sem problema algum.

6. Revogação do testamento

573
O testamento poderá ser revogado. Revogação é um ato unilateral em que há uma extinção de um
determinado negócio jurídico.

O art. 1.969 diz que o testamento poderá ser revogado expressamente pelo mesmo modo e forma,
como ele pode ser instituído. Na verdade, a pessoa que testou por testamento público poderá revogá-lo por
testamento particular. Esse é o entendimento prevalente. O que importa é que se adote uma das formas
para revogação do testamento público.

Em relação ao modo de revogação, a revogação poderá ser expressa, quando existe uma declaração
expressa na vontade de revogar, ou poderá ser tácita, quando houver um novo testamento que está em
conflito com o testamento anterior. Tanto é que a revogação poderá ser total ou parcial.

A revogação vai produzir efeitos ainda que o novo testamento venha a caducar, eis que a caducidade
do testamento novo é a perda de sua eficácia.

Se o testamento foi anulado, aí a revogação não vai valer. Se ele apenas caducou, a revogação
continua válida, apesar do novo testamento ter caducado. É o caso do testamento que depois de 90 dias não
foi confirmado, havendo a caducidade do testamento. Mas mesmo havendo a caducidade, houve a
revogação do anterior.

Vale lembrar que o testamento cerrado considera-se revogado se o testador abrir, já que a ideia é
que seja secreto. Ou seja, se for aberto, presume-se que foi revogado o testamento.

7. Rompimento do testamento

O testamento não vai ter efeito algum quando o testador não tem descendente, mas lhe sobrevém
um descendente, ou quando o testador tinha descendente, mas não sabia que tinha.

Neste caso, há a chamada rupção do testamento. Há o rompimento do testamento. Trata-se de uma


revogação ficta, estabelecida por lei.

A lei presume que se o testador soubesse que tinha um filho, ou se o testador teve um filho após o
testamento, por óbvio, não iria dispor como havia disposto anteriormente. Essa é a ideia.

O testamento é rompido porque feito na ignorância ou na inexistência de descendentes, ou de outros


herdeiros necessários (ex.: achou que o pai havia morrido).

O art. 1.975 diz que não se rompe o testamento se testador dispuser de sua metade não
contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa parte. Neste
caso, preserva-se a vontade do testador.

8. Testamenteiro

574
O art. 1.976 diz que o testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos ou separados,
para que dê cumprimento às disposições de última vontade do testador. Perceba que a testamentaria, ou
seja, o trabalho do testamenteiro é um múnus privado.

Existem 2 modalidades de testamenteiros:

• Testamenteiro universal: é aquele que tem a posse e administração da herança, eis que não há
cônjuge ou herdeiro necessário. E esse testamenteiro vai requerer inventário, e vai cumprir o
testamento.
• Testamenteiro particular: nesse caso, o testamenteiro não universal terá uma atuação restrita à
fiscalização da execução testamentária. O testamenteiro irá se restringir a essa fiscalização.

O art. 1.980 diz que o testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições testamentárias, dentro do
prazo estabelecido pelo testador.

Além disso, deverá prestar contas do que recebeu ou de que dispendeu, ficando responsável
enquanto durar a execução do testamento.

Compete ao testamenteiro defender sempre a validade do testamento, conforme art. 1.981.

Se o testador não conceder um prazo maior ao testamenteiro, esse testamenteiro deverá cumprir o
testamento e prestar contas no prazo de 180 dias, contados do momento da aceitação da testamentaria.

Esse prazo poderá ser prorrogado pelo juiz, desde que justificadamente.

Ainda existe a possibilidade de se nomear um testamenteiro, sendo denominado testamenteiro


dativo, na falta de um testamenteiro nomeado.

Nesse caso, a execução compete a um dos cônjuges, ou na falta deles, um herdeiro nomeado pelo
juiz (art. 1.984).

O exercício da testamentaria é um exercício personalíssimo. Isso significa que se o testamenteiro


morrer, essa obrigação não é passada aos seus herdeiros. Ela nem sequer pode ser delegada. Mas o
testamenteiro poderá agir por meio de mandatário.

É possível ainda que haja a instituição de mais de um testamenteiro em conjunto, sendo denominado
de pluralidade de testamenteiros ou testamentaria plural. Nesse caso, cada testamenteiro poderá executar
o ato isoladamente, na falta do outro, mas todos irão ficar solidariamente responsáveis, e tendo que dar
contas dos bens que lhes foram confiados.

575
Como retribuição, o testamenteiro que não for herdeiro, ou não for legatário, terá direito a um
prêmio, sendo denominado de vintena, sendo esta de 1% a 5% do valor da herança líquida, a depender do
trabalho que o testamenteiro exercer.

Ainda, segundo o art. 1.989, reverterá à herança o prêmio que o testamenteiro perder, por ser
removido ou por não ter cumprido o testamento. Nesse caso, aquela vintena será revertida à herança.

Em relação às hipóteses de remoção do testamenteiro, a verdade é que será removido em situações


em que o juiz percebe ou conclui que ele não tem cumprido o seu múnus, ficando a critério do magistrado.

O testamenteiro, quando não for herdeiro ou não for legatário, terá direito a um prêmio, mas nada
impede que, sendo herdeiro ou legatário o testamenteiro, ele renuncie à herança ou ao legado para receber
o prêmio, podendo escolher um ou outro. O que não se permite é que o herdeiro que seja testamenteiro ou
legatário que seja testamenteiro receba duplamente à herança ou legado e o prêmio (vintena).

Aula 30. Sucessões.

9. Inventário

I. Inventário

Inventário é o procedimento legal de caráter obrigatório para que haja a atribuição legal de bens
deixados pelo de cujos aos seus sucessores.

O art. 1.991 diz que desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a
administração da herança caberá ao inventariante.

Portanto, o inventariante é o administrador do espólio.

Espólio é o conjunto de bens que se forma com a morte de uma pessoa. É a universalidade jurídica
despersonalizada.

O NCPC, no art. 610, diz que havendo o testamento ou havendo interessado incapaz, o inventário
será judicial.

Se não houver testamento, e se todos forem capazes e todos estiverem de acordo, o inventário e a
partilha poderão ser feitos por escritura pública. Trata-se de uma faculdade da parte neste caso. No entanto,
a assistência de advogado é obrigatória.

II. Inventário judicial

Existem 3 espécies de inventários judicial:

576
• Inventário judicial pelo rito tradicional
• Inventário judicial pelo rito do arrolamento sumário
• Inventário judicial pelo rito do arrolamento comum

a) Inventário judicial pelo rito tradicional

O legitimado para requerer a abertura desse inventário, segundo o art. 615, será aquele que estiver
na posse ou administração do espólio.

No entanto, o art. 616 confere legitimidade concorrente a outras pessoas:

• Cônjuge ou companheiro
• Herdeiro
• Legatário
• Testamenteiro, se houver testamento
• Cessionário de um herdeiro ou de legatário
• Credor de um herdeiro ou de legatário, ou ainda do autor da herança.
• Ministério Público, se houver incapazes
• Fazenda Pública, se houver interesse
• Administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou de seus
respectivos cônjuges ou companheiros também têm legitimidade.

Não existe mais menção à possibilidade de abertura de inventário se dar de ofício pelo juiz. Isto não
foi reproduzido pelo NCPC.

Do momento em que o inventariante presta compromisso até o momento de homologação da


partilha, a administração da herança fica com o inventariante. Mas até ele prestar esse compromisso, o
espólio será administrado pelo administrador provisório, nomeado pelo juiz, o qual terá direito ao
reembolso das despesas necessárias e úteis que fizer. Além disso, terá responsabilidade subjetiva, devendo
demonstrar culpa por danos que eventualmente causar aos herdeiros e legatários.

O NCPC, em seu art. 617, diz que o juiz vai nomear um inventariante e vai arrolar uma ordem para
essa nomeação:

• Cônjuge ou companheiro
• Se não for o caso, o herdeiro que tiver na posse ou na administração do espólio
• Se não for o caso, qualquer dos herdeiros. Sendo menor, exercerá seu múnus por meio de
representante legal.
• Se não for o caso, poderá ser o testamenteiro

577
• Se não for o caso, poderá ser o cessionário do herdeiro ou do legatário, o inventariante judicial,
no local onde houver inventariante judicial, ou ainda uma pessoa estranha que se mostre idônea
e que seja nomeada pelo juiz.

Esta ordem não é absoluta, sendo preferencial. Mas a depender do caso concreto, o juiz poderá
nomear um e não nomear outro.

O inventariante é intimado, quando da sua nomeação, tendo 5 dias para prestar o compromisso de
exercer esse seu múnus.

Em relação ao inventariante dativo, ele vai assumir os direitos e deveres da inventariança. O


inventariante dativo não será o representante do espólio em juízo.

Nas hipóteses em que há inventariante dativo, todos os herdeiros e sucessores do falecido serão
autores ou réus nas ações em que o espólio for parte.

São incumbência (deveres) do inventariante:

• Representar o espólio ativa e passivamente, judicialmente ou extrajudicialmente


• Administrar o espólio
• Prestar as primeiras informações (primeiras declarações)
• Prestar as últimas declarações
• Exibir em cartório, em qualquer tempo, para que as partes possam examinar, os documentos
relativos ao espólio
• Trazer à colação no inventário os bens recebidos pelo herdeiro ausente ou pelo herdeiro
renunciante, ou ainda pelo herdeiro excluído
• Prestar contas de sua gestão
• Requerer, se for o caso, a declaração de insolvência do falecido

O art. 619 do NCPC traz outras incumbências ao inventariante, as quais demandarão autorização
judicial para serem exercidas:

• Alienação de bens de qualquer espécie


• Transação, judicial ou extrajudicialmente
• Pagamento de dívidas do espólio
• Pagamento de despesas necessárias para conservação ou melhoramento dos bens do espólio

Não sendo observada a autorização judicial, o ato será nulo.

No prazo de 20 dias, contados do momento em que o inventariante prestou o seu compromisso, o


inventariante fará as primeiras declarações.

578
Dessas primeiras declarações será lavrado um termo circunstanciado. No termo circunstanciado,
serão exarados alguns dados:

• Nome, estado civil, idade, domicílio do autor da herança


• Dia e local em que faleceu
• Se deixou ou não bens
• Se deixou ou não testamento
• Nome, estado civil, residência dos herdeiros
• Se houver cônjuge ou companheiro, qual seria o regime de bens do casamento ou da união
estável

Em relação aos bens do espólio, devem estar nessas primeiras declarações, os bens sujeitos à colação
e os bens alheios que forem encontrados junto com o de cujos.

É interessante que se faça uma declaração completa, não apenas dos bens (do ativo), mas também
do passivo (das dívidas), a fim de verificar a situação do de cujos.

O NCPC elenca algumas penas ao inventariante:

• Pena de sonegados:
Somente poderá ser arguida contra o inventariante quando tiver encerrado a descrição dos bens
e tendo feito uma declaração de que não existiam outros bens a inventariar e depois se descobriu
que havia outro bem que havia sido sonegado.
Pena de sonegados é uma penalidade imposta ao herdeiro que deixe de informar no inventário
sobre a existência de um bem colacionado, partilhado. Ex.: o sujeito recebeu em doação do pai
uma casa no valor de 500 mil reais. Essa casa, em tese, deverá ser colacionada. Supondo que o
pai tenha deixado 3,5 milhões de patrimônio para 2 filhos. Mas como ele havia doado a um dos
filhos a casa de 500 mil reais, o certo seria esse filho colacionar a casa, caso em que a herança
ficaria em 4 milhões, ficando cada um dos filhos com 2 milhões.
Se esse herdeiro (que recebeu a doação) é o inventariante, e ainda assim não colaciona esse bem,
aí é aplicável a pena de sonegados. Trata-se da perda do direito em relação àquele bem. O
inventariante herdeiro é citado, tendo a oportunidade de informar e de descrever os bens do
falecido que estão na sua posse, mas se assim não o fizer, estará sujeito à pena de sonegados.
Neste caso, como pena, o bem passará integralmente ao outro(s) herdeiro(s), não havendo a
compensação dos valores. E os outros bens que faltam serão divididos metade-metade. No caso,
o herdeiro que recebeu a pena ficará com 1.750.000 e o irmão receberá 2.250.000 (1.750.000 +
500 mil da casa).

• Remoção do inventariante:

579
O inventariante poderá ser removido. O art. 722 do NCPC traz hipóteses em que o inventariante
pode ser removido:
a. Se não prestar no prazo de 20 dias, após a nomeação, as primeiras declarações e nem
prestar no prazo final as últimas declarações.
b. Se não der ao inventário o andamento regular. É o caso do sujeito que começa a levantar
dúvidas o tempo todo, pratica atos meramente protelatórios, etc.
c. Se por sua culpa se deteriorarem os bens, forem dilapidados ou sofrerem danos os bens do
espólio.
d. Inventariante que não defendeu o espólio nas ações em que o espólio foi parte.
e. Inventariante deixou de cobrar dívidas do espólio
f. Inventariante não promover medidas para evitar o perecimento de direitos do espólio
g. Quando o inventariante não prestar contas, ou quando tendo prestado contas elas não
tiverem sido julgadas boas
h. Inventariante sonegar, ocultar ou desviar os bens do espólio

Diante dessas situações, o juiz deverá garantir o contraditório antes da remoção, podendo inclusive
remover de ofício.

Apresentadas as primeiras declarações, o juiz mandará citar o cônjuge, companheiro, herdeiro,


legatário, fazenda pública, MP, se houver incapaz, testamenteiro, etc. Essa citação será por carta, sendo
acompanhada de cópia das primeiras declarações.

Em relação à Fazenda Pública, Ministério Público e testamenteiro, o escrivão vai remeter para essas
pessoas cópia dos autos, e não apenas o mandado de citação com as primeiras declarações.

Concluídas essa citações, as partes terão vista do processo no prazo comum de 15 dias, podendo se
manifestar sobre as primeiras declarações.

Se houver impugnações, alegando que há uma omissão e essas impugnações forem julgadas
procedentes, o juiz mandará retificar as primeiras declarações.

Se o juiz acolher um pedido de reclamação da nomeação do inventariante, aí é mais grave, pois se


acolher o pedido, o juiz deverá nomear outro inventariante, sempre que possível observando a ordem
estabelecida em lei.

Se o juiz perceber que a disputa sobre a qualidade de herdeiro demandar produção de provas que
não a documental, ele remeterá as partes às vias ordinárias, sobrestando até que haja o julgamento naquela
ação a entrega do quinhão que caberia ou caberá ao herdeiro que será ou que seria admitido.

580
Pode ser que as partes venham a questionar a possibilidade de determinado sujeito ser herdeiro.
Neste caso, o juiz, se houver prova documental de que o sujeito é herdeiro, seguirá o inventário. Não havendo
prova documental de que o sujeito é herdeiro, para comprovação de que é herdeiro, serão necessárias outras
provas que não documentais. Nesta situação, remetem-se as partes para a via ordinária.

O art. 628 do CPC vai dizer que aquele que se julgar preterido pode demandar a sua admissão no
inventário, requerendo essa admissão antes da partilha. Ou seja, o sujeito não está nas primeiras
declarações!

Da mesma forma, nesse caso, se a solução da questão exigir provas que não bastem as documentais,
o juiz remeterá as partes às vias ordinárias, determinando que se reserve ao inventariante o quinhão que
aquele herdeiro excluído teria até que o litígio seja concluído.

Essa ideia de que o juiz do inventário vai solucionar as demandas que puderem ser comprovadas
documentalmente e apenas remeterá as que exigirem análise mais complexa para outro feito, para outra
ação ou para outro juízo, encontra base na ideia central do art. 612 do NCPC. O juiz irá decidir todas as
questões de direito, desde que todos os fatos relevantes estejam provados por documento. Ele só irá
remeter para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas.

O art. 629 do NCPC diz que a Fazenda Pública, no prazo de 15 dias, depois de ter dado vista à
manifestação quanto as primeiras declarações, informará ao juízo o valor dos bens descritos nas primeiras
declarações.

Após o prazo de 15 dias das primeira declarações, ou tendo sido julgadas e decididas as reclamações
impostas, ou opostas, o juiz vai nomear um perito para avaliar os bens do espólio, se na comarca não houver
um perito judicial.

O perito é dotado de fé pública, motivo pelo qual, em regra, não será necessária mandar repetir a
avaliação. Mas o art. 873 do NCPC trata dessa possibilidade de determinar que seja refeita ou reiterado a
avaliação feita pelo perito:

• Provar que houve erro ou dolo do avaliador.


• Se verificar que houve uma majoração ou diminuição do valor do bem que foi avaliado, ou uma
fundada dúvida sobre o valor que foi atribuído ao bem pelo perito.

Não vai se expedir carta precatória para avaliação de bens situados fora da comarca onde corre o
inventário, desde que se trate de bens de pequeno valor ou de bens que são conhecidos do perito nomeado.

A ideia da norma é conferir uma maior agilidade ao processo de inventário.

581
O art. 633 do NCPC diz que se as partes forem capazes, não irá se proceder à avaliação se a Fazenda
Pública concordar expressamente com o valor atribuído nas primeiras declarações aos bens do espólio.

Se os herdeiros concordarem com os valores apresentados e declarados pela Fazenda, não há


necessidade de fazer a avaliação. Mas a Fazenda apresenta valores de bens imóveis. Se a Fazenda já alterou
os valores de bens imóveis, e os herdeiros concordaram, já que houve algum questionamento, será
necessário fazer a avaliação em relação aos bens móveis.

Entregue o laudo de avaliação, o juiz irá mandar que as partes se manifestem nesse laudo no prazo
de 15 dias.

As partes podem aceitar esse laudo e se não aceitarem poderão apresentar impugnações, as quais
serão resolvidas. Após a resolução, será lavrado em seguida o termo das últimas declarações.

Nessas últimas declarações, feita pelo inventariante, poderá ele emendar, aditar ou completar, se
for o caso, as primeiras declarações que prestou.

As partes serão ouvidas sobre as últimas declarações prestadas pelo inventariante. Serão ouvidas no
prazo de 15 dias.

Após, é calculado o tributo a ser recolhido pelas partes. Sobre esse valor serão ouvidas as partes no
prazo de 5 dias, e depois será ouvida a Fazenda Pública. Depois disso, há o recolhimento dos impostos.

b) Inventário judicial pelo arrolamento sumário

O NCPC diz, em seu art. 659, que a partilha amigável, celebrada entre partes capazes, será
homologada de plano pelo juiz.

O §1º diz que o disposto nesse artigo vai se aplicar ao pedido de adjudicação. Esse pedido de
adjudicação caberá quando o herdeiro for único.

Transitada em julgado a decisão homologatória da partilha ou de adjudicação, será lavrado o formal


de partilha, ou será elaborada a carta de adjudicação.

Lavrado o formal de partilha, intima-se o fisco para que seja feito o lançamento administrativo dos
impostos e de outros tributos eventualmente cabíveis.

Perceba que há o formal de partilha ou da carta de adjudicação antes do recolhimento do tributo


pelo arrolamento sumário. A ideia é celeridade.

582
O arrolamento sumário é uma forma abreviada de inventário de partilha de bens, sendo necessário
que haja concordância de todos os herdeiros, desde que sejam maiores e capazes. No arrolamento sumário
não importa o valor dos bens que serão partilhados.

No arrolamento comum, o valor dos bens que serão partilhados é uma informação importantes, mas
no arrolamento sumário não.

Os herdeiros apresentam um plano de partilha ao juiz, o qual somente irá homologar. Trata-se de
um procedimento de jurisdição voluntária.

No arrolamento sumário, não se aprecia questões relativas a lançamento, a pagamento, quitação de


taxas judiciais e de tributos, pois incompatíveis com a celeridade.

A taxa judiciária, se for devida, será calculada com base no valor atribuído aos herdeiros.

Se o fisco entender de forma diferente quanto ao valor, caberá ao fisco, por meio de processo
administrativo, atribuir valor diverso do valor que foi estimado pela parte, e exigir eventual diferença por
meios adequados através do lançamento de créditos tributários.

O ITCMD será objeto de processo administrativo. Ou seja, as autoridades fazendárias não ficam
restritas aos valores dos bens atribuídos pelos herdeiros.

O art. 663 diz que a existência de credores do espólio não prejudicará a homologação da partilha e
nem mesmo a adjudicação, se forem reservados bens suficientes para o pagamento da dívida.

c) Inventário judicial pelo rito do arrolamento comum

Nesse caso, mais uma vez, é preciso deitar olhos no NCPC.

O art. 664 do NCPC diz que quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a mil salários
mínimos, o inventário será processado na forma de arrolamento.

Neste caso, caberá ao inventariante, que foi nomeado, independentemente da assinatura do termo
de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição de valores de bens do espólio e o plano de
partilha.

Perceba que o interesse está no valor dos bens deixados até mil salários mínimos.

Neste caso, o inventariante, independentemente do termo de compromisso já apresenta o valor dos


bens e um plano de partilha nas suas primeiras declarações.

Se qualquer das partes ou o Ministério Público impugnar esse valor apresentado pelo inventariante,
caberá ao juiz nomear um avaliador que oferecerá um laudo em 10 dias.

583
Perceba que no arrolamento comum é possível a nomeação de avaliador, diferentemente do
arrolamento sumário, visto que há discordância.

Apresentado o laudo pelo avaliador, o juiz, na audiência, vai deliberar sobre a partilha, decidindo na
mesma audiência, de plano, todas reclamações, mandando pagar dívidas não impugnadas.

Provada a quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e suas rendas, o juiz julgará a partilha
após a quitação do tributo. Veja, é mais uma diferença para perceber com relação ao arrolamento sumário.

Essa forma de arrolamento não leva em conta eventual acordo entre partes e interessados. O
arrolamento comum leva em conta o valor dos bens inventariados, enquanto o sumário leva em conta
eventual acordo entre as partes.

Se qualquer das partes ou o Ministério Público impugnar a estimativa no arrolamento comum, o juiz
nomeará avaliador que vai oferecer laudo em 10 dias.

O NCPC, no art. 665, diz que será possível o caminho do arrolamento comum para o inventário, ainda
que haja incapaz entre os herdeiros, desde que todas as partes estejam de acordo e que o Ministério Público
também concorde.

Portanto, passa-se a permitir que haja o procedimento de arrolamento comum quando os valores
dos bens não superarem mil salários mínimos, e não houver herdeiros incapazes, desde que todos estejam
de acordo e o Ministério Público também concorde.

Aula 31. Sucessões.

III. Inventário extrajudicial

Segundo o art. 610 do NCPC, havendo testamento ou interessado incapaz irá se proceder ao
inventário judicial.

Portanto, é necessário fazer uma leitura inversa, pois para se poder fazer um inventário extrajudicial
é preciso que não haja testamento ou interessado incapaz.

O §1º diz que se todos forem capazes e todos estiverem de acordo, o inventário e a partilha podem
ser feito por escritura pública.

O §2º diz que o tabelião vai lavrar a escritura pública se todas as partes de um advogado ou de um
defensor público.

A Resolução 35 do CNJ de 2007 em seu art. 1º diz que é livre a escolha do tabelião que vai lavrar o
inventário, não havendo em que se falar em competência territorial para isso.

584
O art. 2º diz que o inventário extrajudicial não é obrigatório, sendo facultativo.

Pode ser solicitado a qualquer tempo neste caso a suspensão pelo prazo de 30 dias, ou mesmo a
desistência da via judicial, para que as partes promovam o inventário pela via extrajudicial.

As escrituras públicas de inventário não dependem de homologação judicial.

Essa escritura pública é título hábil para registro civil, imobiliário, transferência de bens e
levantamento de valores. É ainda essa escritura pública obrigatória a nomeação de um interessado para
representar o espólio, tendo poderes de inventariante, cumprindo as obrigações ativas e passivas que
tiverem pendentes (art. 11 da Resolução).

Em relação ao recolhimento de tributos, há o ITCMD que vai incidir. Esse recolhimento deverá
anteceder a lavratura da escritura pública de inventário (art. 15 da Res. 15), consagrando uma preferência
da fazenda pública.

Os cônjuges dos herdeiros devem comparecer ao ato de lavratura de escritura pública do inventário
e partilha quando:

• Houver renúncia à herança


• Houver algum tipo de partilha que importe em transmissão

É necessária a presença do cônjuge, eis que o direito à herança (sucessão aberta) é um direito
imobiliário, sendo necessário, em tese, da outorga conjugal.

Não será preciso a outorga conjugal quando os cônjuges estiverem casados em regime de separação
absoluta de bens.

É admissível uma sobrepartilha, ou seja, uma partilha depois da partilha realizada. Essa sobrepartilha
também poderá ser feita por escritura pública, ainda que a partilha tenha sido originariamente judicial, ou
seja, se à época havia um herdeiro incapaz, mas agora não exista mais (art. 25).

Se houver somente um herdeiro, desde que seja maior e capaz, terá ele direito à totalidade da
herança. Nesse caso, não haverá partilha, por óbvio. Será lavrado uma escritura pública de inventário e uma
adjudicação de bens (art. 26).

É possível falar em inventário negativo. É aquele em que o de cujos não deixou qualquer bem. O
inventário negativo é realizado por escritura pública, afirmando a ideia de que o falecido não deixou nada,
motivo pelo qual o cônjuge supérstite não teria qualquer bem a partilhar. Isso permite que o cônjuge
sobrevivente possa se casar novamente pelo regime de comunhão parcial de bens ou ainda em comunhão
total.

585
Como se sabe, há uma causa suspensiva após a morte do de cujos, até que haja a partilha. Com o
inventário negativo, é lavrada escritura pública afirmando que o morto não deixou bens e pode ser realizado
o novo casamento sem que haja causas suspensivas que poderiam ensejar a separação legal dos bens.

A escritura pública de inventário e partilha pode ser lavrada a qualquer tempo. O prazo de 60 dias
não é próprio, mas o tabelião observará, no tocante aos bens, eventual multa na legislação tributária.

Por fim, o tabelião poderá se negar a lavrar a escritura pública de inventário e partilha, se houver
fundados indícios de fraude ou se há dúvida sobre a condição de herdeiro do interessado.

IV. Pena de sonegados

Sonegar é omitir, dizer que não aconteceu, fingir que não há.

O art. 1.992 do CC diz que se impõe a pena de sonegados ao herdeiro que sonegar os bens da
herança, não os descrevendo no inventário. Também se impõe a pena de sonegados ao herdeiro que omitir
os bens na colação.

A pena de sonegados gera ao herdeiro sonegador a perda do direito àquele bem. Sonegados são os
bens que deveriam ser inventariados ou trazidos à colação, mas não o foram, pois foram ocultados por aquele
que deveria ter trazido o bem, e não trouxe.

Para aplicação da pena de sonegados, não basta o elemento objetivo da ocultação do bem, exige-
se ainda um elemento subjetivo, que é o dolo de ocultar.

Ou seja, para pena de sonegados exige-se 2 elementos:

• Elemento objetivo: ocultar o bem.


• Elemento subjetivo: dolo de ocultar, ou seja, a intenção de não contar aos demais herdeiros que
não há o bem.

Se o sonegador for o próprio inventariante, além da pena de sonegado, será removido da


inventariança, não participando daquele bem.

A pena de sonegação deverá ser arguida nos próprios autos do inventário. Havendo a apresentação
do bem, essas arguições serão aditadas. Mas se persistir a recusa, será resolvida em via própria, por meio da
ação de sonegados.

A ação de sonegados somente poderá ser promovida pelos herdeiros ou pelos credores da herança,
sendo promovida no mesmo foro do inventário, tendo o juiz uma competência funcional (art. 1.994).

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Não sendo possível a restituição do bem pelo sonegador, será necessário restituir os valores
equivalentes ao bem, além das perdas e danos. É o teor do art. 1.995.

V. Pagamento das dívidas

O art. 1.997 diz que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, do autor da
herança.

Se a partilha já tiver sido feita, os herdeiros vão responder pelas dívidas, porém na proporção à
parte que lhes coube na herança. Veja, os herdeiros não podem responder além das forças da herança.

O §1º do art. 1.997 diz que: quando, antes da partilha, for requerido no inventário o pagamento de
dívida constante de documentos, e houver a impugnação deste pagamento, sendo que esta impugnação não
se funda na alegação de que aquela dívida já foi paga, e há uma prova que levanta uma certa dúvida sobre a
procedência ou não do pedido de pagamento por parte do credor do autor da herança, neste caso, o juiz irá
mandar reservar, em poder do inventariante, a quantia necessária, os bens suficientes, para solução
daquele débito, que venham a recair sobre uma futura execução.

O credor, neste caso, será obrigado a iniciar uma ação de cobrança, a qual deverá se dar no prazo
de 30 dias, sob pena de cair a reserva do bem. Proposta a ação de cobrança ficará sem nenhum efeito a
reserva de bens feita pelo juiz (art. 1.997, §2º).

O art. 642 do NCPC diz que antes da partilha, os credores podem requerer ao juízo do inventário o
pagamento das dívidas vencidas e exigíveis. A petição será distribuída por dependência e é autuada em
apenso aos autos de inventário.

Há aqui um pedido de habilitação de crédito. Se as partes concordarem, o juiz vai declarar habilitado
o credor, determinando que ocorra a separação dos valores e bens para pagamento da dívida.

Os donatários não serão sempre chamados a se pronunciar sobre o pedido de habilitação do credor.
Esses donatários serão chamados a se pronunciar sobre eventual habilitação de crédito sempre que houver
a possibilidade desse valor resultar dele a dedução das liberalidades. Se ele realmente for credor, aquele
que receberia 100 mil, poderá receber 50 mil, motivo pelo qual será necessária a sua manifestação.

Se não houver concordância de todas as partes, o pedido de habilitação de crédito será


encaminhado às vias ordinárias. O juiz, neste caso, mandará reservar em poder do inventariante bens
suficientes para pagar o credor quando a dívida constar de um documento e a impugnação não se referir à
quitação daquela dívida.

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O legatário poderá ser chamado a se manifestar sobre dívidas do espólio. Ele será chamado pela
mesma lógica do donatário, ou seja, será chamado para se manifestar sobre eventual pedido de habilitação
de crédito quando:

• Toda a herança for dividida em legítima; ou


• Reconhecimento da dívida importar redução do legado

V. Colação ou conferência

Colação ou conferência são expressões sinônimas.

O art. 2.002 diz que os descendentes que concorrem à sucessão do ascendente comum são
obrigados, para igualar às legítimas, a conferir ou colacionar as doações que, em vida do autor da herança,
receberam, sob pena de sonegação.

O parágrafo único do art. 2002 diz que para o cálculo da legítima, o valor dos bens colacionados ou
conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a parte disponível.

Ou seja, o herdeiro, quando recebe em vida o bem, deverá devolver este bem para que seja calculada
a parte que ele receberá da herança, valendo-se também o bem como patrimônio do autor da herança.

A colação é justificada na possibilidade de doação do ascendente em relação ao descendente, ou


mesmo na doação entre cônjuges, pois há uma presunção de que essas doações são adiantamento do que
cabe a eles na herança, ou seja, da legítima.

A finalidade da colação é igualar as legítimas entre descendentes e o cônjuge sobrevivente.

Caso o filho que recebeu a doação já tiver morrido, os netos terão o dever de colacionar esses bens.

O ordenamento jurídico adotou a chamada colação em substância. Isso quer dizer que a mesma
coisa doada como adiantamento da legítima deve ser trazida à colação. Se foi dado um quadro, este deverá
ser trazido à colação, e não o valor do quadro. Só será trazido o valor do quadro quando este já não mais
existir. Se os donatários não mais tiverem o bem, trarão à colação o valor daquele bem.

Segundo o código civil, o valor do bem vai levar em conta o valor que a coisa dada possuía ao tempo
da doação (da liberalidade), conforme o art. 2.004. O NCPC, com uma aparente contradição, vai dizer que o
herdeiro obrigado à colação vai reportar os bens que recebeu. Todavia, se não tiver mais aqueles bens, ele
vai trazer valor daqueles bens.

O parágrafo único do art. 627 diz que os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões
e as benfeitorias que fez o donatário, vão ser calculados pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da
sucessão.

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O Código Civil fala do bem na época da liberalidade da doação. O CPC se refere ao valor do bem ao
tempo da abertura da sucessão, que é quando o sujeito morreu.

Ainda não há uma questão pacífica. Mas o Enunciado 119 do CJF diz que, para evitar o
enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor que a coisa tinha na época da
doação. Isso na hipótese em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Agora, se o
bem ainda pertencer ao patrimônio do donatário, a colação vai ser feita com base no valor do bem na
época da abertura da sucessão.

Tartuce vai dizer que, como o NCPC é posterior ao CC, deverá prevalecer. Mas será necessário
aguardar a jurisprudência.

O art. 2.005 diz que a dispensa da colação das doações que saíram da parte disponível da herança
é possível, desde que essa doação tenha saída da parte disponível e não da parte indisponível.

A lei vai presumir que houve essa imputação da parte disponível, quando foi feita a liberalidade
em favor de um descendente que à época não era herdeiro necessário, que não seria chamado à sucessão
na qualidade de herdeiro necessário.

Basta pensarmos no neto. Se o avô doar para o neto, este não é herdeiro necessário, bastando que
o avô tenha doado parte disponível da herança, não sendo necessário trazer à colação.

As doações remuneratórias feitas ao descendente, por serviços prestados ao ascendente, também


não estão sujeitas à colação.

O NCPC, no art. 641, diz que se o herdeiro negar o recebimento dos bens ou a obrigação de
colacionar esses bens, o juiz, tendo em vista essas alegações, irá considerar as provas produzidas para
decidir se ele tem o dever de colacionar ou se não tem esse dever.

Se for declarada improcedente a oposição, ou seja, o herdeiro tem o dever de colacionar, ele deverá
conferir esse bem no prazo improrrogável de 15 dias. Caso contrário, o juiz determinará o sequestro do bem.
Esse bem será inventariado e partilhado, imputando o quinhão hereditário no valor desse bem, se já não
mais o possuir. É possível que esse bem fique com aquele herdeiro, desde que seja imputado ao seu
quinhão hereditário o valor daquele bem.

Se a matéria exigir uma dilação probatória, não podendo ser comprovada por meio documental, o
juiz determinará para as vias ordinárias.

VI. Redução das doações inoficiosas

Aqui é reduzir. Na parte que excede não será válida, mas no que não excede será válida.

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Se for o caso de uma doação que excede à parte que poderia ser disposta, portanto, que seja
inoficiosa, ficará sujeita à redução.

O art. 549 do CC vai considerar nula a doação inoficiosa na parte que exceder pelo doador aquilo
que, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Ex.: João doou 500 mil reais, deixando 500 mil reais para herança. A doação não será inoficiosa, pois
a metade disponível estava assegurada.

Ex.: João doou 500 mil reais, deixando 250 mil reais para herança. Essa doação poderá ser ou não
inoficiosa, pois será necessário voltar ao momento em que foi feita a doação para saber se essa doação é
inoficiosa. Supondo que João tenha morrido em 10.10.2016. Será necessário voltar à época da doação, que
se deu em 10.10.2014, época em que João tinha um patrimônio de 1 milhão. Na época, ele doou 500 mil,
motivo pelo qual a doação não foi inoficiosa, ainda que quando de sua morte tenha ficado com 250 mil.

Ex.: Por outro lado, se na época João tinha 800 mil, quer dizer que ele somente poderia ter doado
400 mil. Portanto, como ele doou 500 mil, na parte que excede os 400 mil, que resulta em 100 mil, o donatário
deverá devolver, visto que a doação seria nula nessa parte.

O art. 2.007 diz que o excesso será apurado com base no valor que os bens doados tinham no
momento da liberalidade/doação (§1º). O §2º diz que a redução da liberalidade vai ser feita pela restituição
ao conjunto de bens do excesso que será apurado (100 mil reais, no exemplo).

O art. 2.008 diz que, aquele que renunciou a herança ou que foi excluído da herança deve conferir
ou colacionar as doações recebidas, com a finalidade de repor o que exceder à parte disponível. Isso é no
mesmo sentido do art. 640 do NCPC, que diz que o herdeiro que renunciou à herança ou que foi excluído não
se exime de colacionar o bem pelo fato da renúncia ou exclusão, devendo colacionar para efeito de repor a
parte inoficiosa sobre as liberalidades feitas pelo doador.

Ou seja, no exemplo acima, o indivíduo que recebeu 500 mil, quando somente poderia ter recebido
400 mil, deverá repor os 100 mil a mais recebidos pela doação inoficiosa, ainda que renuncie à herança ou
que tenha sido excluído.

10. Partilha

I. Partilha

Partilha é dividir. A partilha fixa o momento em que o acervo deixa de ser uma coisa comum,
transformando-se em coisa particular.

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O herdeiro pode sempre requerer à partilha, ainda que o testador venha a proibir o herdeiro de
requerer a partilha.

O direito à partilha é um direito do herdeiro, decorrendo de um direito fundamental que é o direito


à herança.

Há 3 espécies de partilha:

• Partilha amigável
• Partilha judicial
• Partilha em vida

a) Partilha amigável

A partilha vai ser amigável na hipótese em que todos os herdeiros forem capazes, fazendo-se
portanto:

• Por escritura pública


• Por termo nos autos do inventário
• Por termo particular, desde que, neste último caso, seja homologado pelo juiz

Lembrando que o inventário extrajudicial, feito por escritura pública, não precisa de homologação
judicial.

b) Partilha judicial

É obrigatória a partilha judicial nos casos em que houver divergência entre herdeiros, ou nos casos
em que há herdeiros incapazes.

O art. 647 do NCPC diz que, separados os bens para pagamento dos credores para a respectiva
praça ou leilão, o juiz vai facultar às partes, no prazo comum de 15 dias, que formulem o pedido de
quinhão.

Em seguida, o juiz vai proferir uma decisão de deliberação da partilha, resolvendo os pedidos das
partes, designando os bens que devem constituir cada quinhão hereditário de cada herdeiro ou legatário.

O parágrafo único do art. 647 diz que o juiz pode deferir antecipadamente, a qualquer dos herdeiros,
o exercício do direito de usar e de fruir determinado bem. É o princípio da saisine.

Mas desde o deferimento do exercício do direito de usar e fruir o bem, caberá ao herdeiro
beneficiário todos os ônus e bonus decorrentes do exercício daquele direito.

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O art. 648 do NCPC traz regras de intepretação para partilha, funcionando como metanormas, ou
seja, traz a formas como deverão ser interpretadas as normas:

1. Princípio da igualdade da partilha: é a metanorma de se buscar o máximo possível à igualdade


na divisão, seja quanto ao valor, quanto à natureza, quanto à qualidade dos bens. Basicamente,
se o autor da herança deixou 5 herdeiros e 5 lotes, será um lote para cada um. Se ele deixou 2
herdeiros e 2 carro de 80 mil e 2 lotes de 80 mil, esse princípio diz que tanto quanto ao valor
como quanto à qualidade, deverá buscar a igualdade. Dessa forma, ficará 1 lote e 1 carro para
cada um dos herdeiros. A ideia é não dar 160 mil para um em lotes e 160 mil para o outro em
carros, e sim manter a qualidade e quantidade para garantir a igualdade.

2. Prevenção de litígios futuros (mediação ou conciliação): a qualquer momento é possível que as


partes se valham de mediação ou conciliação para facilitar a partilha. Se estiver ocorrendo uma
dificuldade, será feita agora uma conciliação ou mediação.

3. Máxima comodidade dos coerdeiros do cônjuge ou do companheiro: na verdade, o art. 649 do


NCPC vai dizer que, se o bem ser susceptível de uma divisão cômoda, será feita dessa forma. Ex.:
há um terreno de 1500 metros, podendo ser fracionado em 3 terrenos de 500 metros para cada
herdeiro. Diante disso, será feito dessa forma, pois é mais cômoda a divisão. Se não for suscetível
de uma divisão cômoda, que não couberem na parte do cônjuge ou do companheiro, ou no
quinhão de um só dos herdeiros, esses bens serão licitados entre os interessados, ou ainda serão
vendidos judicialmente. A ideia é de que serão vendidos os bens e os valores serão partilhados,
já que não pode haver uma divisão cômoda dos bens, salvo se houver um acordo sobre o
condomínio do bem, situação em que o bem será adjudicado a todos.

Tutelando os direitos do nascituro, o art. 650 do NCPC estabelece que, se um dos interessados for
nascituro, o quinhão que cabe a ele será reservado em poder do inventariante até o seu nascimento. Caso
não nasça, será redistribuído o bem entre os herdeiros.

O art. 661 do NCPC fala do partidor, que é o agente responsável pela organização da partilha. É
funcionário do poder judiciário, que organizará o esboço da partilha, de acordo com aquilo que foi decidido
pelo juiz. No entanto, o partidor deverá observar uma ordem, isto é, quando ele fizer o esboço da partilha,
a primeira coisa a ser atendida são:

1. As dívidas
2. Meação do cônjuge
3. Meação disponível
4. Quinhões hereditários, começando pelo cordeiro mais velho

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Feito o esboço, as partes irão se manifestar no prazo comum de 15 dias. Eventuais reclamações
serão resolvidas, situação em que a partilha será lançada nos autos.

Em seguida é pago o ITCMD, a título da morte, sendo juntada aos autos a certidão negativa de dívida
para com a fazenda pública, julgando o juiz a partilha por sentença homologatória, conforme art. 664, caput.

Transitada em julgado essa sentença, o herdeiro vai receber os bens que lhe tocarem e receberá um
formal de partilha. Esse formal vai conter o termo do inventariante e títulos dos herdeiros, a avaliação dos
bens que constituíram o quinhão daquele herdeiro, o pagamento do quinhão hereditário daquele herdeiro
e a quitação dos impostos, além da sentença que homologou a partilha. Esse formal de partilha é
fundamental para registrar a aquisição do imóvel no registro imobiliário.

O formal de partilha poderá ser substituído eventualmente por uma certidão de pagamento de
quinhão hereditário, desde que o quinhão hereditário não exceda o valor de 5 vezes o salário mínimo.

c) Partilha em vida

A partilha em vida é uma partilha feita pelo ascendente a descendente por atos inter vivos ou por
ato de última vontade, podendos ser total ou parcial, desde que se respeite os parâmetros legais.

Neste caso, o testador indica os bens e os valores que devem compor os quinhões hereditários.

Professor Zeno Veloso vai dizer que a partilha em vida pode ser realizada de 2 formas:

• Por equivalência à doação: existe essa divisão de bens entre os herdeiros, mas de forma
imediata, antecipando o que iriam receber na herança, ou seja, que receberiam apenas após à
morte do autor da herança.

• Por divisão de bens entre herdeiros para post-mortem: é feita por ato mortis causa, só
produzindo efeitos com a morte do ascendente, funcionando como uma espécie de testamento.
A diferença é que, neste caso, o testamento, ao invés de dizer que deixou 1/5 para cada herdeiro,
ele já vai discriminar, deixando, por exemplo, o Golf para o João, o Astra para o José, o lote da
avenida X para João e o lote da avenida Y para José.

II. Garantia dos quinhões hereditários

Quando é julgada a partilha no processo de inventário, cada um dos herdeiros terá direito aos bens
correspondentes ao seu quinhão (art. 2.023).

Como é feito dessa declaração, ou seja, cada um vai receber um bem, os herdeiros serão
reciprocamente responsáveis (obrigados) a indenizar, se no caso de evicção dos bens aquinhoados. Ex.: 3
eram herdeiros, o pai deixou 150 mil em 3 lotes de 50 mil. Cada um deles recebeu o seu lote. Um deles

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descobriu que não era do pai, pois já pertencia uma outra pessoa que tinha comprado do seu pai. Então, o
pai não deixou 150 mil, mas apenas 100 mil, motivo pelo qual cada um deveria ter recebido 33 mil. Diante
disso, os outros que receberam os 2 lotes deverão pagar a esse herdeiro 16.500 mil cada um.

Existem casos em que não há mais essa responsabilidade recíproca pela evicção, situação em que
a responsabilidade cairá. Haverá essa hipótese quando:

• Houver acordo entre as partes sobre a exclusão da responsabilidade: ex.: cada um dos herdeiros
recebeu o lote de 50 mil, mas um deles recebeu um lote que poderá valorizar, valendo 100 mil
daqui a 1 ano, situação em que acordam que o herdeiro, que poderá ter a valorização do seu lote
dobrada, assuma a responsabilidade por possível evicção, desonerando os demais.
• A perda for por culpa exclusiva de um dos herdeiros
• A perda se der por um fato posterior à partilha: ex.: perda do quadro recebido ou perda pela
usucapião.

III. Anulação, rescisão e nulidade da partilha

O art. 2.027 diz que a partilha é anulável pelos mesmos vícios e defeitos que vão invalidar os
negócios jurídicos em geral. Esse direito de anulação da partilha decai no prazo de 1 ano.

O NCPC, sem eu art. 658, trata da rescisão da partilha julgada por sentença, por um motivo
posterior, que justifica a rescisão dessa partilha:

• Se for o caso de anulação da partilha, será necessário fazer a rescisão dela


• Se a partilha foi realizada sem formalidade legais, também se admitirá a rescisão por motivo
posterior à sentença.
• Se a partilha tiver preterido um herdeiro ou tiver incluído quem não era herdeiro, casos em que
caberá a rescisão da partilha.

Essa rescisão da partilha deverá se dar dentro do prazo de 2 anos, ou por causa de anulação da
partilha, por inobservância das formalidades legais, ou ainda por que incluiu quem não era herdeiro ou que
excluiu herdeiro.

O STJ entende que o prazo para que o herdeiro que não participou da partilha proponha a anulação
da partilha em juízo deverá se dar no prazo de 10 anos.

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