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Para uma teoria da consultoria filosófica nas organizações: do método


PROJECT@ para a felicidade pessoal ao Chief Philosophy Officer

Chapter · May 2023

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"Perspetivas sobre a Felicidade. Contributos para Portugal no World Happiness Report (ONU)" View project

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Para uma teoria da consultoria filosófica nas organizações:

do método PROJECT@ para a felicidade pessoal ao chief philosophy


officer1

------

Jorge Humberto Dias

“Don´t go to Business School. Study philosophy.”

(Matthew Stewart)

Introdução

A ideia deste capítulo é disponibilizar aos leitores, em idioma português, as linhas


gerais do método PROJECT@, que foi validado em júri de doutoramento, em 2013, na
Universidade Nova de Lisboa, numa tese que articulou a obra de Julián Marías, o conceito
de felicidade e a área da consultoria filosófica.2 No entanto, a investigação já tinha sido
iniciada em 1998, com o trabalho final de licenciatura na Universidade Católica
Portuguesa, também sobre a obra do Filósofo espanhol Julián Marías. Em 2006, num livro
que lançámos para o grande público, Pensar Bem, Viver Melhor. Flosofia Aplicada à
Vida, apresentámos uma versão startup do nosso método. Os dados estavam lançados!

Curiosamente, entre 2013 e 2019, tivemos mais oportunidades para divulgar e


aprofundar o método noutras publicações, em espanhol, inglês, italiano e russo.
Entretanto, em 2004, participamos na fundação da Associação Portuguesa de
Aconselhamento Ético e Filosófico. A partir daí o debate e as atividades não mais
pararam.

1
Em 1947, Julián Marías refere a expressão “consejero político”, como uma atividade profissional de
sucesso que Tales de Mileto teve no séc. VI (a. C.), acrescentando que o filósofo também foi um “homem
de negócios”. (Marías, 1954)
2
Tese de doutoramento disponível no Repositório: https://run.unl.pt/handle/10362/9088
1
Hoje todos somos conscientes das mudanças que surgiram nos anos 70. Nas
Universidades, começaram a surgir os primeiros investigadores a escrever sobre flosofia
aplicada, numa perspetiva mais profissional e alargada a toda a vida em sociedade. O
trabalho de Stenvenson, em Inglaterra, é um excelente exemplo.

Depois, fora da Universidade, começaram a surgir, nos anos 80, os primeiros


consultores filosóficos: Achenbach na Alemanha e Sharkey nos Estados Unidos da
América são bons exemplos.

Nos anos 1990, surgiram as primeiras Conferências Internacionais de Prática


Filosófica3 e o entusiasmo foi tal que, numa década, organizaram 5 encontros. Tendo em
atenção que a regra é organizar uma conferência a cada dois anos, compreendemos que o
interesse despertado no início tenha sido deveras empreendedor. Nestes encontros cabem
todos os temas onde a prática filosófica possa ter lugar.

A consultoria filosófica individual foi o primeiro modelo a servir de orientação


para os primeiros trabalhos académicos sobre esta área da filosofia aplicada. Só mais tarde
começou a surgir a consultoria filosófica empresarial.

Gabriel Arnaiz foi um dos primeiros autores a tentar escrever uma história da
consultoria filosófica nas empresas. O trabalho de Tom Morris (1998) é já um clássico:
“E se Aristóteles fosse Administrador da General Motors?” Os trabalhos mais recentes
ganharam algum destaque, especialmente a obra de Luc de Brabandere, que é consultor
do Boston Consulting Group e ministrou, já neste século, um curso sobre “corporate
philosopher”. David Brendel também escreveu sobre liderança e consultoria filosófica na
Harvard Business Review. David Carl Wilson escreveu sobre filosofia aplicada à gestão
para a London School of Economis Review. Finalmente, destacaria ainda o livro What
Philosophy can teach you about being a better leader? (2019), de quatro autores:
Reynolds, Houlder, Goddard e Lewis.

A revalorização que o World Happiness Report (ONU) fez da teoria filosófica de


Aristóteles, conhecida por “ética das virtudes” (2013, cap. 5), e o reconhecimento da
importante ligação entre felicidade e trabalho (2017, cap. 6) foram sérios contributos
neste caminho que estamos a trilhar na nossa investigação atual.

3
Há pouco tempo foi criado um website não-oficial, com o objetivo de divulgar o movimento e os atores
destas conferências internacionais: https://icpp.site/
2
O artigo que publicámos no segundo volume do projeto de investigação
“Perspetivas sobre a Felicidade. Contributos para Portugal no World Happiness Report
(ONU)”, o qual esteve sedeado na Universidade Católica Portuguesa entre 2017 e 2020,
contém uma exploração da origem da “revolução felicitária”, do aumento do número de
empresas a contratar Happiness Managers e da versão da felicidade 5.04.

Apresentado o contexto da nossa investigação, vamos agora abordar o trabalho de


fundamentação e de exploração do método PROJECT@. Como é do conhecimento
público, iniciámos em 2020 a sua avaliação, tendo os primeiros resultados sido
apresentados na XVI International Conference on Philosophical Practice, organizada pela
South Ural State University (Rússia). Apesar do contexto do Estudo Assessing
PROJECT@ Method in Philosophical Counselling Consultations 5 (adiante APMPC) ter
sido o consultório privado, muitos casos pertenciam a colaboradores de empresas, que
nos apresentavam as suas questões pessoais, organizacionais, sociais, etc. O âmbito do
nosso estudo APMPC não é propriamente o conteúdo das consultas, numa perspetiva de
análise técnica e científica. No entanto, está na nossa agenda de investigação explorar
esse tópico e apresentar aos leitores casos-de-consulta filosófica em empresas, com o
objetivo de avaliar o seu impacto na gestão das lideranças e dos resultados.

Da necessidade atual da consultoria filosófica à promoção da felicidade

Toda a disciplina intelectual requer um processo longo e penoso de constituição interna. Desde
que começa a cultivar-se informalmente, até que atinge uma figura suficiente e aproxima-se da
sua pretensão rigorosa, podem passar muitos anos, às vezes séculos. Nalgumas ocasiões, podem
abreviar-se trâmites; isto acontece quando dedicam as suas vidas a uma disciplina, alguns
homens de génio.

(Marías, 1956)

A desorientação vital que caracteriza a época contemporânea, que obscurece a


vida humana, devido à invasão materialista das “coisas”, coexiste com o facto de “o

4
O artigo está disponível no website do projeto de investigação:
https://flosofiaaplicada.wixsite.com/psobrefelicidade
5
Neste artigo, o leitor pode encontrar também uma explicação sobre o nome do método. (Cfr. Bibliografia)

3
século XX ter sido uma das épocas de maior esplendor filosófico” (Duarte, 2010), onde
se produziram, segundo Marías, “os instrumentos de pensamento mais agudos e
certeiros”.

Por outro lado, no livro A Mais Bela História da Felicidade, Germain, depois de
afirmar a filosofia como uma disciplina que tem uma dimensão teórica e uma dimensão
prática, baseando-se no conceito de “ajuda”, refere, ainda, que a experiência da felicidade
é pessoal e insubstutível, podendo os conteúdos variar. Por essa razão, “A felicidade é um
ideal, que não se prescreve como um remédio. Quando muito, podemos dar conselhos.”
(Comte-Sponville, 2009)

Esta posição da autora, coloca-nos no epicentro da consultoria filosófica como


uma forma de ajudar a pessoa, não apenas a melhor conhecer-se, mas, também, a projetar
a sua felicidade, onde a especificidade da filosofia é potenciar a reflexão do cliente. No
entanto, Marías (1996) recorda que “não é fácil nem seguro conhecer-se a si mesmo”.
Nesse processo, não faz sentido falarmos de receitas nem de remédios, por duas razões
(pelo menos): o problema da infelicidade não é uma doença; a felicidade não é um
resultado absoluto e universal, susceptível de ser aplicado a qualquer pessoa. Portanto, a
felicidade, na perspetiva de Germain, é uma experiência construtiva pessoal, baseada em
questões estruturantes e conceptuais, mas em que o conteúdo é definido de acordo com a
circunstância de cada um e estimulado pelas perguntas filosóficas do consultor. Assim,
na reflexão filosófica sobre a felicidade pessoal, apenas faz sentido falar de sugestões
pensantes, ou seja, conselhos.

Ao terminar o prólogo, Germain olha para a história do conceito de felicidade,


para dizer que já não é uma finalidade da vida, uma emoção, uma salvação, uma ideia
política. Na atualidade, é uma combinação entre as posses (êxito, dinheiro, beleza) e as
disposições (serenidade, tranquilidade, harmonia). (Comte-Sponville, 2009)

No próximo subcapítulo, vamos aprofundar, precisamente, estes tópicos das


disposições, não apenas no âmbito das competências felicitárias, mas sobretudo no que
diz respeito às competências que o consultor filosófico deverá ter para poder exercer a
tarefa de promover o bom filosofar sobre a vida do cliente e a sua felicidade.

Combater a infelicidade é já uma felicidade. Nisso reside a diferença entre a experiência da


infelicidade e a da depressão. Em “Luto e melancolia”, Freud mostra que o melancólico (no

4
sentido psicótico do termo) é aquele que perdeu «a capacidade de amar», ou seja, de se alegrar.
Enquanto aquele que é infeliz sem estar deprimido não perdeu, por isso, a capacidade de amar.

(Comte-Sponville, 2009)

Na parte final do capítulo As origens da sabedoria, Comte-Sponville estabelece


uma distinção fundamental para a consultoria filosófica, a saber, entre a
melancolia/depressão – enquanto âmbito de trabalho da psicologia, psiquiatria e medicina
em geral, dado tratar-se de uma doença e ser, por isso, uma “urgência médica” – e a
experiência de infelicidade – enquanto âmbito de trabalho da filosofia, dado tratar-se de
um problema filosófico da pessoa.

Em La Educación Sentimental, Marías (1992) considera que “a incrível


frequência atual de depressões e anormalidades é uma consequência dessa interpretação
fomentada artificialmente, que exerce violência sobre a realidade”. Esta interpretação é
precisamente a influência e a pressão que a sociedade exerce sobre a pessoa e que
determina, nalguns casos, os seus projetos, os seus argumentos e a sua felicidade.

De acordo com a teoria de Comte-Sponville, a melancolia/depressão possui uma


tendência para o suicídio, visto que a capacidade de amar a vida enfraqueceu ou
desapareceu, devido a um determinado sofrimento vital.

Uma das perspetivas com que podemos analisar o (re)surgimento da filosofia


aplicada na época contemporânea, está relacionada com as necessidades filosóficas das
pessoas e que Julián Marías (1993) também referiu. Por exemplo, em Razón de la
Filosofia, Marías distingue duas formas de necessidade: a que afeta a sociedade; e a que
se refere a pessoas singulares. Marías analisa assim o tipo de sociedade onde as
necessidades filosóficas podem surgir: rejeita as “sociedades primitivas”, devido à
ausência de condições e de liberdade; rejeita as “sociedades muito estáveis”, devido à
ausência de inquietude; e rejeita também as “sociedades jovens”, devido à ausência de
maturidade. Assim, a sociedade ideal será aquela em que o processo histórico de vigências
entrou em crise e, ao mesmo tempo, existe uma confiança na razão como instrumento
para orientar a vida.

Um dos desafios é a passagem da mensagem. Se for através de livro, tem de ser


clara. No entanto, esta questão depende do género literário e do tipo de público que se
pretende atingir. (Marías, 1954 e 1966) Neste ponto, Marías cita, curiosamente, dois

5
filósofos que têm sido bastante referidos em obras de filosofia aplicada, a saber, Séneca
e Descartes. O primeiro, porque os seus livros pretendiam, segundo Marías, “gerar
segurança e conformidade na alma do leitor, confortá-lo para o caminho da vida.”
Quanto ao segundo, porque, nos seus livros, o autor “conta a sua vida para mostrar o seu
naufrágio intelectual.” Com estas duas referências, podemos compreender a opção
paradigmática de Julián Márias, ou seja, coloca-se a questão de saber qual deverá ser o
género literário de uma obra de consultoria filosófica. Sabemos que Séneca utiliza a
meditação e Descartes a autobiografia. Na época contemporânea, encontramos algumas
obras com a narração de casos-de-consulta e a posterior análise metodológica e filosófica.
(Cfr. Raabe, 2001 e Marinoff, 2002). Mais à frente, e depois de elogiar a profundidade da
filosofia de Ortega y Gasset, Marías (1966) afirma, de modo contundente: “nunca
estivemos tão próximos dos pré-socráticos.” Isto significa que para Marías (1996), a
atualidade, com a sua maturidade histórica (conceptual, metodológica e paradigmática),
vem abrir um leque vastíssimo de filosofias, sobretudo devido ao facto da sua renovada
problematicidade, que exige do filósofo contemporâneo a inovação de um género literário
adequado à sua situação específica. Neste âmbito, não podemos esquecer a origem do
próprio filosofar, a saber, a necessidade de orientar a vida.

A importância do género literário está relacionada com três diferentes aspetos:

1º A intensa diversidade de filosofias.

2º Diferentes respostas filosóficas à situação


social (atual).

3º A filosofia aplicada como projeto necessário


para viver.

(Marías, 1966 - adaptado)

Para que a comunicação da filosofia de Julián Marías (1966) atinja o seu objetivo,
é necessário termos em atenção aquilo que o próprio autor refere: a solução para nomear
algo que é inovador está na “metáfora”, embora Marías também refira o “neologismo” e
o “silêncio”. Neste âmbito, são referidos dois filósofos: Heidegger e Ortega. Além deste
recurso, é também preciso verificar que na época contemporânea têm (re)surgido novos
temas filosóficos: “descontentamento, sacríficio, autoconhecimento, fidelidade, projeto

6
de vida, validade, escolha, nada, autenticidade, interpretações, morte, tarefa, situação,
intencionalidade, vocação, circunstância, cuidado.” Marías pergunta assim pela estrutura
adequada que deverão ter os livros de flosofia que vão abordar estes temas. Será que
deveremos voltar aos diálogos platónicos? Ou será mais adequada a meditação estóica?
Ou a autobiografia cartesiana? Ou quem sabe o ensaio anglo-saxónico? A resposta está
“nas coisas mesmas”. Para Marías, o livro deverá ser a expressão de uma “filosofia
pessoal” elaborada no acontecer histórico. Daí a sua autenticidade, fidelidade e coerência
vitais.

Deste modo, para Marías (1996), o livro de filosofia deve ser elaborado a partir
da instalação vital do filósofo, pois é ela que permite a sua coerência sistemática. “ O
livro filosófico é uma empresa”, um drama e deverá ter uma “dimensão de novela”
(Marías, 1966), dada a “aventura pessoal do seu autor.” Para o compreendermos, é
necessário “ler-se na sua integridade, pela sua estrutura argumentativa e dramática, e
isto impõe uma concisão que tem de conciliar-se com a claridade, e esta é a dificuldade
maior da Flosofia.”

De facto, estamos perante um itinerário, ou seja, várias possibilidades para a


filosofia da vida e para a consultoria filosófica. No entanto, Marías confronta-nos com
um facto histórico da filosofia como profissão: “em quase todos os países europeus e
hispano-americanos – menos nos Estados Unidos da América – a filosofia deixou de ser
um assunto puramente escolar.” De facto, esta frase de 1953 “pressentia” já aquilo que
iria acontecer nos anos 70 e 80. A inovação e a criatividade de alguns autores levaram a
que os leitores de filosofia aumentassem e esse facto veio trazer para o debate
metodológico a importância do género literário e, acima de tudo, da “inteligibilidade dos
seus escritos.” (Marías, 1966)

Além disso, a redução da profissão de filósofo à função docente foi, para Julián
Marías (1966), uma limitação que trouxe consequências para a área, para a sua evolução
como disciplina e, também, para o seu género literário. “A docência é sempre uma
realidade secundária e derivada, que supõe a prévia existência da filosofia que se vai
ensinar” – afirmou. Assim, com esta limitação, a produção filosófica deixou de ser
autêntica, para passar a ser uma mera transmissão de conceitos e teorias.

De facto, olhar para a filosofia como profissão, vem levantar-nos uma imensidade
de questões, que não podemos aqui abordar na sua integralidade. No entanto, e na esteira

7
da reflexão iniciada por Julián Marías (1966), consideramos que esse debate é premente
e necessário junto da comunidade científica. Marías refere a necessidade do filósofo
conhecer as questões de política editorial e de marketing, assim como saber “justificar a
sua figura pública.”

Neste âmbito, há a noção de que existe uma relação entre o trabalho do filósofo e
o seu impacto/reconhecimento perante o público em geral. Na atualidade analisada por
Marías (1957), a maior fama parece estar mais associada à imoralidade de uma pessoa e,
inclusive, ao seu espírito conflituoso. Marías distingue, assim, fama e “estima saudável”,
tendo esta última o dever de justificar a sua qualidade e as suas mudanças. Por outro lado,
a pessoa que tem fama é aquela que faz um trabalho de menos qualidade, mas com maior
expressividade e ligado a uma “escola” em particular. Segundo Marías, essa fama termina
quando o tempo passa ou quando a pessoa introduz uma mudança significativa no seu
trabalho.

É conhecido o sucesso do “pocket book”. No entanto, Marías (1966) coloca outras


dificuldades, a saber, como conseguir que a profissão de filósofo seja possível? Como
articular as necessidades dos leitores (e clientes) com as necessidades do próprio filósofo?
Marías não responde diretamente a esta questão, mas indica o caminho: sendo autêntico.
Uma filosofia autêntica responderá aos problemas do seu tempo, com métodos inovadores
e adequados.

Outra questão que Marías (1966) coloca tem que ver com a divisão da filosofia
em disciplinas. Na atualidade, e sobretudo no trabalho de análise da vida humana, Marías
considera que essa divisão não tem sentido, nem é adequada para dar resposta a uma
realidade tão complexa e que exige o contributo da filosofia como um todo. Assim, o
principal desafio da filosofia contemporânea é a sua justificação, ou seja, a resposta à
pergunta: “porque se há-de fazer filosofia?” Em questão está a utilidade imediata da
prática filosófica e, naturalmente, da sua fundamentação teórica.

A resposta de Julián Marías (1966) vai no sentido de a filosofia ser um recurso


vital, que a situação exige, para dar resposta à necessidade vital de compreensão e de
projeção. Por esta razão, a filosofia deverá começar por “uma descrição da situação real
da pessoa do nosso tempo, que sirva de base e ponto de partida para uma análise dela,
na qual se manifestem os seus ingredientes e a sua função na vida dessa pessoa
concreta”. A essa análise da situação, tal como Marías a define, chamamos consultoria

8
filosófica. Daí a natural afirmação de Marías: “essa análise revelará (…) o aparecimento
na vida humana de um horizonte de problematicidade.” É o facto de existir, na vida
humana, uma dimensão de problemas filosóficos, que vai exigir, na pessoa, o apoio do
consultor filosófico.

O isolamento de um enunciado filosófico não faz desse trabalho um trabalho


filosófico. Neste ponto, Marías (1986) pretende referir-se a outras áreas do saber que
utilizam os conteúdos da Flosofia, mas isso não significa que estejam a fazer filosofia.
Falta a dimensão sistemática e histórica, mas sobretudo a dimensão de necessidade vital.
“Se se tomam, por exemplo, fragmentos dos filósofos pré-socráticos, que não é difícil
encontrar em textos religiosos, sapienciais, históricos ou poéticos (…) o que faz com que
sejam filosofia é a sua pertença a uma filosofia”.

Esta reflexão de Marías vem trazer algumas questões para a consultoria filosófica
e que Barrientos6 já havia levantado nos seus artigos: será a consultoria filosófica uma
não-filosofia, uma espécie de mistura entre consultoria e filosofia? Ou será que a
poderemos considerar como um ramo da filosofia aplicada contemporânea?

Se olharmos para Mapa del Mundo Personal(1993), encontramos três possíveis


problemas para uma consulta filosófica: a) a “resistência” da pessoa em deixar-se
compreender; b) a incapacidade de comunicar aquilo que é mais pessoal; c) o
antagonismo dos projetos.

Lahav & Tillmans (1995) definiram a consultoria filosófica como uma


intervenção que não fornece teorias filosóficas aos clientes, mas trabalha com
instrumentos de pensamento filosófico; não oferece “verdades já feitas sobre como deve
ser vivida a vida, mas permite o entendimento filosófico com o objetivo de o fazer crescer,
sempre a partir do indivíduo.” Estes autores consideram que este trabalho é muito
semelhante àquele que Sócrates fazia nos diálogos de Platão.

“Problema não é algo que se ignora, mas algo que é necessário saber.” Para
Marías, a única dimensão que não é alterada é a da sua necessidade para a vida humana,
enquanto que os “(pre-s)supostos” e o método estão em constante revisão. Para explicitar
este importante aspeto da sua filosofia, Marías utiliza dois exemplos: o da necessidade da

6
José Barrientos (Universidad de Sevilla | Espanha) é um dos investigadores que mais tem contribuído para
o conhecimento da consultoria filosófica no mundo.

9
própria metafísica, dado que a vida humana é “interpretação de si mesma”; e o da
felicidade, como necessidade e impossibilidade – ao mesmo tempo. (Marías, 1986)

Um dos primeiros professores a lecionar a disciplina de consultoria filosófica


numa Universidade foi Peter Raabe, na Fraser Valley University (Canadá). Raabe (2010)
escreveu um artigo bastante polémico na revista Haser, mas que é bastante útil para o
objetivo deste capítulo. Trata-se de um trabalho de epistemologia aplicada à questão das
doenças mentais. Em análise está o paradigma biomédico. Outra questão de fundo é a
materialidade da consulta filosófica, ou seja, o seu conteúdo. Raabe distingue entre
doenças cerebrais e doenças mentais, e considera que a receita da “talk therapy”7 é no
fundo uma exigência de “philosophical counselling”. Para Raabe, não realizar essa
distinção entre tipos de doença, é no fundo um reducionismo inaceitável, porque a mente
não é um objeto material, pois consiste nas crenças, nos valores, nas atitudes da pessoa.
No fundo, a mente é o conteúdo do cérebro. Como argumento, Raabe cita o filósofo
Brentano e a sua noção de intencionalidade complexa. Raabe apresenta ainda outros
argumentos em defesa da Flosofia como uma possibilidade para tratar e “curar”: a
diferenciação cultural, que impede a catalogação universal das doenças, e por essa razão
existe a desclassificação periódica de algumas doenças; a expressão «doença mental» tem
vindo a ser substituída pela expressão «desordem mental»; as desordens mentais
consistem em problemas não-biológicos da pessoa; a consultoria filosófica é uma análise
das razões que justificam os valores, as crenças das pessoas; e as terapias (psicanálise,
existencial, centrada na pessoa, gestalt, cognitivo-comportamental, etc.), segundo Raabe,
baseiam-se em teorias filosóficas.

Para Jopling (1996), professor na York University, a premissa fundamental da


consultoria filosófica é o trabalho filosófico com pessoas que não tenham psicopatologias.
Alguns exemplos de problemas filosóficos que o autor fornece: a escolha de uma carreira,
a crise da meia-idade, a moral pessoal, a identidade e o sentido da vida.

Bergsma (2008), no seu artigo Advice of the Wise para o Journal of Happiness
Studies, afirma que a consultoria filosófica felicitária pode ser uma boa prevenção para a
saúde vital. O estudo da autora dirigiu-se a três formas diferentes de counseling
happiness: Epicuro, Schoppenhauer e a psicologia humanista. E verificou, por exemplo,

7
Taylor (2004) refere-se a “philosophy as conversation”.

10
que a filosofia de Epicuro acertou em muitos dados científicos modernos, como a questão
da satisfação das necessidades humanas, o valor das relações e a moderação.

Para Pontremoli (2010), no seu artigo para a Rivista Italiana di Counseling


Filosófico, a consultoria filosófica é um processo de aprendizagem que utiliza o
pensamento crítico, habilidades argumentativas e lógicas, e estimula a maturidade do
pensamento. Berra (2008), no seu artigo Meditazione Metafisica: una Via alla Pratica
della Filosofia, considera que o filosofar não é apenas um exercício racional e lógico,
mas é também uma perceção do mundo.

Vejamos então quais devem ser algumas das competências do consultor filosófico.

As competências do consultor filosófico

Julián Marías refere-se às competências como técnicas vitais, no capítulo XIII de


La Felicidad Humana, numa análise que faz àquilo que acontece nas diferentes fases da
vida, no processo de construção projetiva e felicitária, indicando que o essencial é saber
esperar pelo desenvolvimento interno de cada unidade operativa.

“A nossa época é enormemente julgadora, e quase sempre fora de tempo.” Marías


(1987) pretende alertar para a necessidade de uma compreensão mais aprofundada da
pessoa humana. Mas para isso, são necessárias competências filosóficas e, em contexto
profissional de gabinete, acrescentamos, competências de consulta e deontológicas.
Duarte (2010) identificou este problema ao referir que o mundo contemporâneo julga com
facilidade as pessoas, em vez de promover a atenção, a consideração e a compreensão.

Quando no capítulo XVI de La Felicidad Humana Julián Marías se refere ao


balanço vital, considera que a educação contemporânea, em geral, não cumpre
rigorosamente a sua missão, pois não forma nas pessoas a capacidade de ver o(s)
sentimento(s) do outro. Para que isso acontecesse, era necessária uma educação diferente,
capaz de estimular no ser humano capacidades de compreensão: “uma educação
sentimental”. Assim sendo, sem esta educação, o ser humano vê comprometida a sua
felicidade, pois fica sem a possibilidade de elaborar balanços vitais. Por esta razão, Varela
(2003) refere que a missão de Marías, enquanto pensador, foi a de defender e promover
o valor da pessoa humana.

11
Como veremos mais à frente, a conjugação de algumas competências pessoais, no
sentido de potenciar o grau de felicidade, conduzir-nos-á à questão metodológica
específica, com o objetivo de enquadrar o trabalho filosófico na vida da pessoa, pois,
como recorda Marías (1987), “Insisti largamente nos conteúdos parciais, na pluralidade
de dimensões e estratos, porque essa é a estrutura real da vida.”

No capítulo XX de La Felicidad Humana, Julián Marías estabelece uma relação


entre a estrutura da vida e as competências que o filósofo deve ter. Para o autor, a vida
humana possui um caráter paradoxal e opaco, facto que justifica e exige ao filósofo um
esforço de auto-interpretação (Jopling, 1996), numa linha de orientação futura. É neste
movimento que surgem porções de transparência.

Competências filosóficas: (…) Filosofar é a combinação de um número de elementos, que pode


ser mais ou menos proeminente nos diferentes contextos. Estes elementos interagem e reúnem-se
para formar aquilo que pode ser chamado de aproximação filosófica.8

(Hoogendijk, 1995)

O trabalho profissional do consultor filosófico possui características próprias, tal


como qualquer outro. A forma como é exercido, ou seja, a consulta, aproxima-o de outros
profissionais, que também utilizam essa forma de trabalho, como por exemplo o médico,
o advogado, o psicólogo, o astrólogo, o homeopata, o bancário, o segurador, o
contabilista, o operador turístico, etc. No entanto, a licenciatura em filosofia não é
suficiente para exercer a profissão de consultor filosófico, visto que na maior parte das
universidades o seu currículo não contempla disciplinas suficientes para a sua formação
profissional e prática. (Harteloh, 2010)

Por um lado, sobretudo na perspetiva associativista, a maioria dos países tem


optado por aproveitar a licenciatura “tradicional” em filosofia como sendo a formação
inicial do consultor filosófico e exigido uma formação especializada de âmbito
prático/profissional, que tem sido realizada nas associações/institutos/gabinetes de prática
filosófica.

8
Dias, J. & Barrientos, J. (2010), Felicidad o Conocimiento? La Filosofía Aplicada como Busqueda de la
Felicidad y del Conocimiento, Doss Ediciones, Colección Universidad, Sevilla.
12
O futuro caminhará no sentido em que os italianos, de Turim, caminharam: a
criação de uma Escola Superior de Consultoria filosófica.9 Este projeto é, para nós,
atualmente, o mais completo, pois consegue dar resposta às principais dificuldades da
formação do consultor filosófico: - após a formação não-superior, o candidato ingressa
imediatamente num curso especializado de formação superior, com um caráter prático e
profissional, devido à necessidade de um estágio profissionalizante. (Katzner, 1982;
Taylor, 2004)

Quando falamos de competências (Bowie, 1982; Katzner, 1982; Brenifier, 2005;


Harteloh, 2010; Pontremoli, 2010), queremos referir-nos às funções profissionais que um
determinado trabalhador consegue executar de modo objetivo e eficaz, no sentido de
prestar um serviço de qualidade. Assim, as competências de consulta referem-se à função
de «saber consultar» uma pessoa que aparecer no gabinete.

Em contexto de consulta, surgem sempre obstáculos que podem dificultar o


diálogo filosófico entre o consultor e o cliente. É com o objetivo de ultrapassar essas
dificuldades, que é trabalhada, na formação académica/profissional, a aplicação prática
das competências de consulta, visto que permitem ao consultor filosófico: a) estabelecer
uma aproximação cordial ao pensamento do cliente; b) ouvir e compreender as afirmações
do cliente; c) promover a reflexão filosófica no cliente, de uma forma agradável,
compreensível e mais eficaz. Por outro lado, as competências de consulta também
permitem ao cliente sentir-se ouvido e entendido – fator essencial para um diálogo
produtivo, útil e filosófico. (Lebon, 2001; McLeod, 2002; Harteloh, 2010)

Não pretendendo fazer uma listagem exaustiva de todas as competências de


consulta, pensamos, no entanto, que o consultor filosófico deve possuir, pelo menos, as
seguintes, que adaptámos da literatura referida acima:

9
Poderá consultar-se o website: http://www.sscf.it.

13
Receção: receber o cliente de Formalidade: as afirmações do Demonstração de
modo cordial, demonstrando cliente são apenas instrumentos compreensão: fazer um resumo,
uma atitude simpática e liberal. de trabalho para o consultor, não utilizando as palavras do cliente,
devendo estas ser motivo de com o objetivo de demonstrar ao
análise psicológica ou cliente que a questão/problema
julgamento moral e pessoal. está a ser compreendida pelo
consultor filosófico.

Atenção: ouvir e valorizar todo Indicação do relevante: Síntese: para facilitar o trabalho
o discurso do cliente e apontar o começar por referir, logo no racional, sobretudo em situações
essencial, perguntando sempre início da sua intervenção, as de longo discurso, o consultor
que não compreender uma questões mais relevantes que o filosófico deverá fazer uma
determinada afirmação. cliente afirmou. síntese das questões essenciais
para o cliente.

Objetividade: solicitar ou Realização de perguntas Motivação: demonstrar uma


apoiar o cliente na exploração fechadas: que podem ser atitude de interesse e
rigorosa e concreta de cada respondidas por sim/não. Este recetividade, no sentido de
questão/problema. tipo de perguntas ajuda a promover o discurso do cliente;
clarificar aspetos muito por vezes, expressões como
concretos do discurso do cliente. «mmm», «pois», «exato»,
ajudam o cliente a desenvolver o
seu discurso.

Realização de perguntas Confrontação: relacionar dois Explicitação: demonstrar ao


abertas: que não podem ser ou mais aspetos do discurso do cliente os objetivos do trabalho
respondidas por sim/não, como cliente com o objetivo de filosófico e explicar os esquemas
por exemplo, Porquê?, Como?, verificar se existem incoerências realizados nos apontamentos do
De que modo?, Para quê?. Este ou aspetos menos rigorosos. consultor; sempre que o
tipo de perguntas ajuda ao consultor detetar uma
desenvolvimento das contradição deverá comunicá-la
questões/problemas do cliente. ao cliente.

Utilização do silêncio: por


vezes, os momentos de silêncio
podem significar e/ou ajudar o
cliente a refletir de modo mais
profundo e eficaz.

14
Quanto às competências filosóficas, há que dizer que o principal objetivo deste
tipo de competências é a promoção da reflexão filosófica no pensamento do cliente.

Por exemplo, Hoogendijk (1995) considerou seis competências filosóficas


principais, mas reconheceu que todas elas têm aparecido nos diversos trabalhos dos
filósofos ao longo da história. Assim, de acordo com este autor, o consultor filosófico
deveria possuir as seguintes competências filosóficas:

- Análise conceptual: analisar conceitos utilizados pelo cliente, no sentido de


evitar a confusão e de “clarificar o tópico sob discussão.” Evidentemente que os
conceitos mais utilizados terão que ver com os problemas do quotidiano do cliente.
Hoogendijk dá alguns exemplos, como liberdade, trabalho, sabedoria, amor. O objetivo
desta competência é compreender o sentido pessoal que o cliente atribui aos conceitos
que utiliza para pensar sobre a vida. A eficácia desta competência está diretamente
relacionada com a utilização da técnica do registo, ou seja, o consultor filosófico deverá
arquivar as principais definições e explicações do cliente, de modo a que seja mais
facilmente identificável uma eventual alteração/evolução no pensamento do cliente.

- Reflexão sobre redes conceptuais fundamentais: “Filosofar pode envolver a


investigação sobre a estrutura básica da nossa visão do mundo”. Para que o consultor
filosófico possa analisar a visão do mundo do cliente é necessário que desenvolva a
técnica do mapa conceptual, elaborando um esquema. Assim, as relações entre os
diferentes conceitos aparecerão com clareza e inteligibilidade na rede pessoal do
pensamento do cliente. Este tipo de trabalho é bastante útil, por exemplo, na análise de
um conflito entre duas pessoas familiares.

- Pensamento crítico: a utilidade da consultoria filosófica está diretamente


relacionada com a questão da validade e da verdade dos argumentos apresentados pelo
cliente. Nesse trabalho, é essencial analisar os fundamentos de uma determinada posição.

- Examinar pressuposições: o pensamento do cliente tem sempre presente e a


determiná-lo um conjunto de ideias dadas como relevantes para o próprio. Caberá ao
consultor filosófico analisar a validade dessas ideias prévias e a sua articulação mútua.
Para Hoogendijk, estas pressuposições constituem a base da visão do mundo que o cliente
tem. A atitude de distanciamento formal e crítico é essencial para uma efetiva realização
deste trabalho. O consultor filosófico deve ainda ter em atenção que algumas
pressuposições são pessoais, enquanto outras pertencem à cultura em que o cliente vive.

15
A análise destas pressuposições é extremamente útil nas situações em que o cliente vive
um determinado conflito na relação com algo.

- Diálogo: é através da interação com outras pessoas que aprendemos a pensar. O


mesmo acontece com a reflexão filosófica, pois a perspetiva do outro motiva o diálogo e
o pensamento, tal como pode levar-nos a mudar de perspetiva. “O resultado é um
enriquecimento das nossas ideias”. (Hoogendijk, 1995) Esta competência filosófica está
diretamente relacionada com a competência de atenção, referida no ponto sobre as
competências de consulta, pois é necessário que o consultor filosófico ouça as afirmações
do cliente. Implícita nesta competência filosófica está o método de Sócrates: a maiêutica.
Para Hoogendijk, o Consultor deverá colocar as perguntas essenciais com o objetivo de
promover, no cliente, a produção de ideias.

- Pensamento utópico: Hoogendijk considera que o pensamento do cliente


revela, por vezes, nas afirmações que profere, uma dimensão mais imaginativa,
relacionada, por exemplo, com ideais, desejos, etc. Neste âmbito, o consultor filosófico
deve examinar esse material e enquadrá-lo na existência real do cliente. Para a aplicação
desta competência, o consultor holandês utiliza a técnica do life design, em que o cliente
realiza um esquema sobre a sua vida no futuro, imaginando todas as principais dimensões.
Lebon (2001) utiliza antes a expressão “thought experiment”, em estreita conexão com a
utilização da imaginação como fonte de apoio à reflexão filosófica e ao compromisso do
cliente com uma definição concreta e pessoal.

Além destas competências gerais, Lebon acrescenta ainda as seguintes:

- Fenomenologia: esta competência baseia-se na compreensão dos


acontecimentos e dos objetos, tal como aparecem ao cliente na sua experiência imediata.
Referindo-se a Spinelli, Lebon apresenta três passos essenciais: a) epoché (suspensão), b)
descrição, e c) horizontalização. A utilidade desta competência é ajudar o cliente a
compreender o sentido pessoal que atribui às coisas, às pessoas e ao mundo. Para isso, o
consultor filosófico deve colocar perguntas do tipo: O que…? Quando…? Como…? E
não deverá utilizar: Porquê…?, visto que a competência fenomenológica não pretende a
explicação mas a descrição. Para Lebon (2001), esta competência é essencial para que o
cliente sinta que foi compreendido pelo consultor filosófico. “Se o conselheiro não
compreende o sentido e a experiência subjetivas do cliente, então é provável que não seja
muito útil.”

16
- Pensamento criativo: Lebon reconhece que esta competência tem sido
trabalhada na formação de gestores, através dos métodos de De Bono, mas só muito
recentemente começou a entrar na filosofia através da ética prática. Luc de Brabandere
(2000) dá um destaque muito grande à criatividade, quando se refere ao seu trabalho de
consultor filosófico nas empresas.

Esta competência é um complemento do pensamento crítico e, segundo Lebon,


poderá ser bastante útil na resolução de problemas do cliente e na ultrapassagem de
dificuldades em pensar sobre determinados temas.

Posto isto, e tendo em conta a análise que fizemos à obra de Julián Marías, resta-
nos referir que o ponto das competências deverá ser ainda mais desenvolvido pelos
consultores filosóficos, no sentido de definirmos o trabalho prático essencial que deve ser
feito na consulta, com o objetivo de ajudar a pensar e a potenciar a felicidade do cliente.
Portanto, mais do que competências gerais, precisamos de desenvolver competências
específicas, como por exemplo:

Enquadrar a definição do cliente Relacionar a definição do cliente Confrontar o pensamento do


na sua vida pessoal concreta e com algumas teorias filosóficas cliente com duas definições
real. sobre o mesmo tópico. contraditórias, apresentadas pelo
próprio, em momentos
diferentes do processo de
consulta.

Solicitar uma fundamentação do Promover a análise do tópico


pensamento do cliente, filosófico com rigor e
relativamente a uma completude.
determinada opinião.

O método PROJECT@

É o facto de existirem problemas, que justifica a necessidade de utilizar um


determinado método para compreender, gerir e resolver. A palavra método vem do grego
methodos, que significa “caminho para chegar a um fim” e, em contexto de consultoria
17
filosófica, contempla uma forma racional e organizada de promover no cliente a
realização da necessidade filosófica inicial. Barrientos (2005), no seu manual de
consultoria filosófica, dedica a segunda parte à exploração das perspetivas metodológicas
de alguns consultores filosóficos: Achenbach, Schuster, Raabe, Lahav, Marinoff, Lebon
e Kreimer.

Em 1619, Descartes escrevia o Discours de la méthode, onde demonstra uma clara


preocupação pelas questões metodológicas do pensamento, ensaiando uma aplicação da
racionalidade filosófica à sua própria vida. Na consultoria filosófica, existem métodos
que pretendem ajudar o cliente a refletir sobre determinadas questões/problemas
filosóficos e que, por isso, incluem níveis de trabalho específico, sequencial ou não.10

O importante perceber, neste ponto, é a função que cada método deve ter na
promoção da reflexão filosófica no cliente. Deveria existir uma ligação coerente entre
uma determinada necessidade filosófica e um método específico para a sua satisfação e
que servisse de orientação, quer para o consultor, quer para o cliente.

A relação entre o problema filosófico e o método é essencial para percebermos


que tipo de trabalho é realizado na consultoria filosófica. A base de todas as escolas de
consultoria é a mesma: promover o pensamento filosófico no cliente, demonstrando que
esse processo lhe pode ser útil para a vida e/ou para a questão que preocupa a pessoa.

É do conhecimento geral que na atualidade é essencial uma boa estratégia de


divulgação dos serviços prestados. No entanto, também temos consciência de que a
utilização da palavra filosofia se assume como um obstáculo significativo para a venda
deste tipo de serviço. Yalom (2006) já se tinha apercebido do problema: “Essa é a falha
da filosofia. Ensinar filosofia e aplicá-la na vida real, são empreendimentos bastante
diferentes. É por esta razão que defendemos a necessidade de ser criado um currículo
especializado para a formação do consultor filosófico. Harteloh apresentou em 2010 uma
proposta com cinco módulos. Hoje já existem diferentes propostas em várias
universidades do mundo.

É muito frequente encontrarmos pessoas que pouco ou nada sabem de filosofia. A


maioria já terá ouvido falar na palavra, mas desconhece do que se trata. Isso não significa

10
Sobre a questão dos métodos em consultoria filosófica sugerimos a leitura da obra de Raabe (2001),
capítulo 2: Deconstructing Methodologies – é uma análise crítica do autor a alguns dos principais métodos
utilizados na consultoria filosófica até ao ano de 2001. O capítulo 4 refere-se ao próprio método do autor.
18
que uma pessoa sem formação filosófica não possa ter uma atitude filosoficamente
razoável, mesmo que a um nível muito elementar e/ou com um grau de consciência
bastante frágil. A atitude comum é não pensar nem dedicar muito tempo à prevenção ou
à “higiene mental”. Pensar racionalmente sobre determinadas questões evitaria alguns
problemas (Bergsma, 2008), que se tornam mais graves com o tempo e com o apoio da
confusão emocional que a ausência de racionalidade objetiva prática provocou. Tal como
é útil o desenho arquitetónico e racional de um edifício, também a vida beneficiaria em
muito se dedicássemos mais tempo à sua organização, compreensão e definição. Que
benefícios as pessoas poderiam ter se investissem mais do seu tempo no cuidar de si
mesmas?

Perante problemas, o que é que as pessoas costumam fazer? A atitude comum é


tentar adiar o problema, contornando-o no sentido do seu desaparecimento. Por vezes
resulta, mas, quando persiste, o próximo passo é não pensar muito, tentando enganar a
própria consciência. Se o problema for grave, regressa e aí a pessoa começa a preocupar-
se. Tenta falar com um amigo ou pode mesmo comprar um livro para autoajuda, fazendo
lembrar a automedicação, pouco recomendada, sobretudo nos casos mais complexos.
Algumas pessoas decidem consultar um determinado profissional - dependendo do
problema. Só quando verificam que o problema persiste é que começam a pensar no tipo
de problema que têm, ou seja, o que queremos dizer é o seguinte: se o problema for
filosófico, desde o início, como é que essa pessoa pode obter ajuda se não souber o que é
filosofia? Tendo em conta que a consultoria filosófica está ainda pouco desenvolvida em
Portugal, a questão que se coloca é: como é que a pessoa vai conseguir resolver o seu
problema? Poderá resolvê-lo sozinha? Se acreditarmos que uma pessoa, necessitada de
aconselhamento jurídico, consegue resolver o seu problema sem consultar um advogado,
desde que para isso estude alguma legislação, então, poderemos dizer o mesmo se o
problema for filosófico, ou seja, se a pessoa ler alguns livros de filosofia, conseguirá
resolver sozinha o seu problema filosófico. Esta perspetiva não parece ser consensual.

Se analisarmos com mais rigor a questão, é evidente que estamos perante uma
situação extremamente relativa, pois depende de diversos fatores. No entanto, parece
fazer sentido considerar que um determinado serviço de consulta pode ser útil caso a
pessoa queira poupar tempo e risco – que gastaria na investigação – ou faça questão de
ter um parecer de um profissional especializado numa determinada área de trabalho. É
essa a perspetiva, por exemplo, de Mill em 1871: “A proposição de que a felicidade é o

19
fim e a meta da moralidade não significa que não tenha de ser estabelecida uma rota
para esse objetivo ou que as pessoas que o procuram não devam ser aconselhadas.”
(Mill, 2005) O filósofo inglês refere-se, precisamente, ao serviço que atualmente o
consultor filosófico fornece: o aconselhamento para questões relacionadas com a filosofia
de vida de cada um, desde a felicidade ao amor, passando por muitos outros tópicos de
consulta – mais positivos ou negativos. Mas será que em 1871 Stuart Mill já conheceria
a consultoria filosófica?

Na atualidade, não faz sentido trabalharmos sem interdisciplinaridade, ou seja,


sem dialogarmos com outras ciências, sobretudo porque a maioria dos problemas são
complexos, ou seja, envolvem diferentes dimensões e, por isso, necessitam de uma
intervenção multidisciplinar, exigindo assim um trabalho de equipa. Os Filósofos têm de
saber inserir-se neste paradigma contemporâneo das profissões e para isso precisam de
estruturas curriculares que lhes ensinem competências práticas.

A filosofia não está na maioria das instituições portuguesas. Mas, ao mesmo


tempo, sonhamos com outros resultados, sempre que lemos notícias em jornais a relatar
que uma empresa x contratou um filósofo para assessorar o conselho de administração ou
um departamento específico qualquer. (Dias & Barrientos, 2009)

Em Portugal a investigação científica pode ser uma alternativa à carreira docente.


O número de investigadores na área da filosofia tem vindo a aumentar, resultado do
investimento governamental no setor da ciência. Por exemplo, a Fundação para a Ciência
e a Tecnologia tem subsidiado importantes projetos de investigação, quer de filosofia
mais pura, quer de filosofia mais prática. Mas faltam projetos de pós-graduação e
dissertações de mestrado/teses de doutoramento na área da consultoria filosófica em
Portugal. A Universidade de Sevilha pode ser um exemplo nesta matéria, pois tem um
grupo de investigação em filosofia aplicada, que tem produzido bastante literatura em
espanhol e desenvolvido bastante formação, congressos e projetos.

Voltemos à questão do problema. O que significa, de facto? Na maioria das


situações em que esta palavra é utilizada, significa enigma, dificuldade, dúvida. Portanto,
no contexto da consultoria filosófica, queremos dizer que é necessário ter uma forma de
pôr fim a essa dificuldade. A essa forma chamamos método, que tem o significado de
caminho que permite a uma pessoa percorrer uma determinada distância entre um ponto
de origem e um ponto de chegada. A esse ponto de origem chamamos «problema», que

20
produz a necessidade de utilizar e aplicar um método. (Marías, 1996) Ao ponto de
chegada chamamos «objetivo» e/ou «realização/satisfação», que dá sentido a todo o
esforço exercido na aplicação do método. Digamos que é a recompensa da pessoa.
Fernández-Ochoa (2009) recorda a definição de problema dada por Marías em
Introducción a la Filosofía, como um obstáculo que aparece na vida da pessoa e que
dificulta a construção do seu futuro. Portanto, para ambos, um problema filosófico tem
sempre uma dimensão pessoal e pode assumir a forma de ignorância, de
incompatibilidade de ideias, incompreensão, sendo que o essencial é a necessidade vital
de ter esse problema resolvido.

Se começarmos uma conversa com a palavra problema, a perspetiva inicial de


análise será necessariamente pragmática, visto que o objetivo será sempre a sua resolução.
Vemos que esta forma de iniciar o trabalho filosófico parece ter uma certa determinação
pessimista, ou seja, será que só os problemas é que dão origem à prática filosófica? Não,
nem sempre é assim. Se começarmos uma sessão com um tema ou uma questão, a
diferença poderá ser considerável.

Analisemos a expressão «problema filosófico». (Svendsen, 2006) Talvez a


possamos entender como uma dificuldade do pensamento relativamente à vontade de
obter esclarecimento sobre um determinado tópico, que não obteve resolução com outros
procedimentos, científicos ou não. Alguns filósofos utilizam o problema filosófico como
uma forma de aprendizagem, através do diálogo, no sentido de argumentar sobre uma
determinada perspetiva acerca da realidade, onde se destaca o conceito de possibilidade.
Neste âmbito, o trabalho sobre dilemas pessoais é uma das técnicas utilizadas pelos
consultores filosóficos. (Weston, 2002)

Enquanto dificuldade, o problema exige do sujeito uma forma de resolução. É


importante que seja identificado o tipo de problema para que seja possível utilizar um
método e uma área do saber adequados. Por exemplo, se imaginarmos um indivíduo
perdido num labirinto e com fome, podemos questionar qual o melhor método para
resolver o seu problema: sair do labirinto o mais depressa possível. Dependendo do
contexto, teríamos de refletir e esse processo envolveria sempre um conjunto de
competências práticas. Apesar de não estarmos perante um problema tipicamente
filosófico, temos de reconhecer que em jogo está uma dimensão filosófica do indivíduo:
a sua atitude perante a vida, por exemplo, vai determinar, nos mais variados aspetos, a
forma de resolução do problema. Resumindo, em tudo o que fazemos na vida, colocamos
21
em jogo a nossa filosofia pessoal, os nossos valores, as nossas ideias metafísicas, o sentido
que atribuímos às coisas, etc. No consultório filosófico é possível sistematizar
racionalmente essa filosofia de vida, em articulação com as vivências, as situações e os
acontecimentos do mundo.

Já sabemos que o facto de não prestarmos atenção e interesse às necessidades


filosóficas do ser humano pode dar origem a outro tipo de problemas. No entanto, não
sabemos se essa conexão é realmente verdadeira. Se o for, isso significará que não
conseguimos viver sem filosofia e estaria perfeitamente justificada a sua existência com
mais de 25 séculos. Mas se não o for, então, a filosofia seria perfeitamente dispensável,
bastando que trabalhássemos com a ciência adequada ao tipo de problema do sujeito.
Estaria desde já anunciado o fim da filosofia. De acordo com Bergsma, os estudos
parecem indicar a utilidade da filosofia. (Bergsma, 2008)

Em Razón de la Filosofia, Marías (1993) refere o termo “fissura” para denominar


a suspensão da ação, devido a uma falta de coerência. Com esta situação, o sujeito fica
perplexo e é aqui que surge a noção de problema filosófico vital, como dificuldade que
se coloca entre os projetos da pessoa e a realidade. Com este problema, a pessoa pergunta:
o que posso/devo fazer? E reconhece a importância pessoal e social da razão, que permite
ultrapassar o nível das crenças. “Por isso a razão é vital ou vivente.”

Segundo Lagrée (2003), a palavra consulta vem do “velho termo colóquio, do


latim colloquium, a conversa”. Ao designar a relação entre o consultor filosófico e o seu
cliente, “o sentido original do termo [consulta] remete para um pedido de conselho. A
consulta designa o momento e o ato de ir consultar, isto é, tomar parecer, conselho
(consilium), junto de um especialista.” Salvador (2009) considera que a (re)leitura dos
livros de Marías acontecia porque forneciam “aquele conselho”. Mais à frente a filósofa
francesa refere que “toda a consulta é, num sentido, o fruto de uma crise e um momento
crítico.”

Com uma frase de Epicteto, gostaríamos de demonstrar que um dos problemas


filosóficos que aparece no gabinete está presente nos clientes que produzem juízos de
valor, sobre pessoas e ações, sem que tenham adquirido previamente a informação
suficiente e no âmbito devido: “De facto, antes de conhecer a fundo a intenção de cada
um, como podes saber se age incorretamente?”

22
Quanto à definição de uma metodologia para a consultoria filosófica, com base na
obra de Marías (1987), vejamos o seguinte:

A realidade humana é primariamente pretensão, projeto, e nisto consiste o seu caráter estranho
de ser umas vezes real e outras irreal. O elemento de irrealidade, de imaginação, de projeto ou
pretensão faz parte da realidade humana.

A relação totalmente inovadora que Julián Marías (1987) estabeleceu entre as


definições de projeto, ilusión e felicidade permitiu-lhe apresentar uma teoria diferente e
original. O autor fez uma clara referência à questão metodológica como uma forma de
aplicar o conceito de felicidade à vida da pessoa. “(…) um método para fomentar a
felicidade. Em primeiro lugar, fazê-la mais provável e frequente; em segundo lugar, fazê-
la mais intensa. Esse método seria o cultivo da ilusión”.

De facto, quanto a nós, a sua obra sobre La Felicidad Humana é um marco


histórico na reflexão sobre o tema. Além das 385 páginas sobre o tema, único na história
da filosofia, a obra contribuiu para que, depois de 1987, se iniciasse, embora não apenas
em Espanha, um movimento de produção literária, científica e filosófica acerca da
felicidade. Hoje, são várias as ciências que já tomaram posição sobre o tema, desde a
psicologia à neurociência, passando pela psiquiatria, economia, engenharia, política,
gestão, sociologia, etc. Punset é, na nossa perspetiva, o caso mais emblemático, não
apenas com a sua obra sobre a fórmula da felicidade, mas principalmente por ter realizado
trabalhos de consultoria felicitária para o Instituto Coca-Cola de Espanha.

Atualmente, é muito frequente encontrarmos a publicidade e o marketing a


utilizarem a questão da felicidade como um instrumento de venda de produtos. É comum
os investigadores referirem que existe um vasto conjunto de fatores a determinar a
felicidade pessoal (Punset, 2007) e nesse sentido é possível que cada área do saber possa
contribuir com o seu trabalho específico para a compreensão e promoção dessa mesma
felicidade. Neste processo, destacamos o trabalho de Veenhoven, professor na Erasmus
University, em Roterdão (Holanda), diretor da World Database of Happiness e editor
fundador do Journal of Happiness Studies11, tendo participado na conferência da OCDE,

11
Nesta base de dados sobre o tema da felicidade, poderá encontrar uma vasta bibliografia. Website:
https://worlddatabaseofhappiness.eur.nl
23
realizada em Roma, em abril de 2007, com o objetivo de analisar a possibilidade científica
de medir a felicidade e de, com esses dados, poder determinar procedimentos políticos
para a melhoria do mundo em geral. Eram, quiçá, os primeiros passos para aquilo que
mais tarde veio a chamar-se de World Happiness Report (ONU, 2012).

Posto isto, afirmamos que os consultores filosóficos, confrontados com a ainda


escassa investigação e publicação de edições académicas sobre o processo filosófico da
consulta, deverão trabalhar no sentido de construir uma teoria, o mais normativa possível,
arquivar e debater em congressos/cursos os seus case studies e definir, com objetividade,
a especificidade da sua prática. É esta análise que Angulo (2011) faz à perspetiva de
Raabe. “Em suma, a filosofia terapêutica inclui uma teoria, uma prática e um método.”
Foi com estes objetivos que iniciámos a estruturação teórica do método PROJECT@ em
2006. A IX Conferência Internacional de Prática Filosófica, organizada em Itália, numa
parceria de várias entidades, nomeadamente, a Scuola Superiore di Counseling Filosófico
e a associação Phronesis, representou para nós a análise internacional deste método de
trabalho, no sentido da identificação dos seus limites práticos, assim como a sua
comparação com outras formas de trabalhar a consulta filosófica. A XI Conferência
Internacional de Prática Filosófica, organizada na República da Coreia, pela Kangwon
National University, representou o aprofundamento exploratório do nosso método,
sobretudo na sua articulação com a felicidade.

Ao longo dos anos, nós, consultores holandeses (em especial o grupo fundador em Amesterdão),
tentámos formular um método comum de Consultoria filosófica. Foram despendidas horas a
examinarmo-nos a nós próprios através de vídeos. (...) Sem um método definido, os limites desta
nova profissão aparecerão como vagos.

(Jongsma, 1995)

A formação especializada em consultoria filosófica deve contemplar os conteúdos


teóricos necessários para a sua prática. Os resultados da investigação realizada na história
da filosofia são um recurso essencial, desde que sejam identificados os filósofos e os
projetos que abordaram e onde desenvolveram questões práticas da vida humana. Por
exemplo, a Carta sobre a Felicidade, de Epicuro, é um bom exemplo, pois verificamos
que o filósofo apresenta a sua filosofia como uma prática fundamental para a vida e
sobretudo para a felicidade humana. É nesse âmbito que são realizadas algumas

24
considerações práticas sobre o melhor caminho (método) para uma vida feliz. “Pratica e
cultiva os ensinamentos filosóficos, pois eles são os elementos fundamentais para uma
vida feliz.” Mais à frente, Epicuro acrescenta um dado muito curioso, mas natural para a
época, a saber, a prática da filosofia com os amigos. Se pensares em todos estes conselhos,
juntamente com os teus amigos, não te vais sentir perturbado e viverás como um deus
entre os homens, ou seja, feliz.”

A questão do método sempre esteve presente na história da filosofia. Vejamos


Marco Aurélio, e apercebemo-nos da noção que o filósofo tem da utilidade do método
para compreender as diferentes vivências da pessoa: “Não há nada que nos dilate tanto a
alma como poder identificar com método e verdade cada um dos objetos que se nos
apresentam durante a vida.”

É a “pré-ocupação” da pessoa, relativamente à sua vida futura, que justifica a


utilização de um método para a aplicação da filosofia. A prática filosófica tem sempre um
determinado objetivo e insere-se num determinado contexto social e cultural. Para atingir
o(s) objetivo(s) definido é necessário identificar as necessidades do público-alvo a quem
se destina a prática filosófica. Portanto, são essas necessidades (filosóficas) que exigem
a aplicação de uma metodologia específica de trabalho. E essa metodologia, seja ela qual
for, tem sempre uma fundamentação.

Figura 1

A prática filosófica profissional não é uma atividade subjetiva e caótica, realizada


arbitrariamente e sem referências. Para que seja possível aplicar a filosofia a uma
determinada situação, é necessário um método que permita ao consultor o

25
desenvolvimento sistematizado das técnicas/estratégias e dos recursos necessários para o
alcance dos objetivos definidos.

Assim, o método PROJECT@ surge como «uma forma» de trabalhar a consulta


filosófica. Embora o nome do método não seja original, pois tem sido um conceito muito
explorado por autores existencialistas, em domínios como a educação, a formação
profissional, a psicologia, a intervenção social, a gestão empresarial, as tecnologias, etc.,
a verdade é que não existem muitas obras sobre métodos e técnicas de consultoria
filosófica. Por essa razão, torna-se fundamental, no âmbito da formação especializada de
consultores filosóficos, dominar a aplicação dos métodos e das técnicas.

A escolha do nome está diretamente ligada com a sua fundamentação, ou seja, se


o objeto da intervenção filosófica é a vida do cliente – considerada como um projeto
fundamental (Marías, 1993) - então, é necessário compreender que o sentido principal do
trabalho do consultor é a aplicação dos métodos e técnicas filosóficas com a finalidade
de ajudar o cliente a melhorar a sua vida. O(s) problema(s) ou questão(ões) [pertencentes
à vida] que o cliente traz para a consulta são o material de trabalho do consultor. Portanto,
se no final de um processo de consulta filosófica, o cliente sentir uma total insatisfação
pelo trabalho realizado, isso significa que a metodologia filosófica não foi útil. Por outro
lado, se a organização/sistematização do pensamento/vida do cliente resultou numa
satisfação, então, isso significa que o trabalho racional contribuiu para a sua felicidade
pessoal.

Posto isto, temos de afirmar que a consulta filosófica não fará sentido se não
contribuir para a melhoria da vida/pensamento do cliente. E essa melhoria poderá ser
avaliada pelo estado de satisfação do cliente. Não esqueçamos que todo o trabalho
filosófico realizado na consulta baseia-se na exploração racional do pensamento
consciente, sobre a perspetiva e/ou sobre a vida do cliente.

Sponville resume de forma simples todo o processo:

26
Figura 2

Assim, na linha do paradigma raciovitalista de Julián Marías, a felicidade do


cliente é um estado temporal contínuo, consciente e em permanente desenvolvimento,
resultante do processo de concretização (C1, C2, C3, etc.) dos vários projetos (P1, P2, P3,
etc.) que compõem a vida do indivíduo. Assim, à medida que os projetos vão sendo
desenvolvidos e/ou concretizados, a felicidade, enquanto realização pessoal, vai
crescendo em possibilidades diversas. Esta perspetiva fundamentadora – assente na
felicidade humana – conduziu a teoria à produção de uma fórmula baseada na
investigação realizada.

Figura 3

Para que se possa compreender, em concreto, a dimensão aplicada desta fórmula,


apresentamos o seguinte exemplo, extremamente simples, mas retirado de um momento
preciso de uma consulta filosófica, realizada em abril de 2008:

27
Figura 4

Neste momento da leitura e da reflexão, poderá perguntar-se: mas porquê a


questão da felicidade? Como sabemos, Barrientos (2008) apresenta outra perspetiva
acerca da consulta filosófica: “A filosofia aplicada à pessoa não tem o seu objetivo na
consecução da felicidade do indivíduo, mas o acesso a níveis de verdade mais profundos
(o decifrar do seu sentir originário e o aprofundamento na realidade que o circunda).”

Figura 5

Voltando à questão da fundamentação do trabalho filosófico na consulta


individual: a) se o sentido da vida se baseia, na nossa perspetiva, no desenvolvimento de
projetos vitais; b) se o desenvolvimento e concretização desses projetos é a vivência da
felicidade pessoal; c) então, a felicidade projetiva é o sentido da vida do cliente.

Considerar a felicidade como o fundamento do trabalho filosófico na consulta,


significa dizer o seguinte: a definição que o cliente tem de felicidade determina a sua
28
filosofia de vida, ou seja, o modo como o cliente vive, como organiza o seu quotidiano e
como se autoanalisa, é determinado pela conceção que tem de felicidade.

Por exemplo, se um cliente considerar que a sua felicidade está na vivência de


momentos e situações de prazer, então, a sua vida quotidiana vai ser baseada em formas
(“métodos”) de alcançar esses momentos e situações, quer em quantidade, quer em
qualidade. O mesmo poderíamos verificar num cliente que considerasse a felicidade como
sendo um estado de riqueza económica. O quotidiano deste cliente seria baseado em
formas de obter bens materiais e financeiros, que permitissem aumentar aquele estado.

Deste modo, podemos ainda referir que o trabalho filosófico, assim como a
definição de felicidade que o cliente tem num determinado momento da sua vida,
permitem alcançar diversos resultados. Vejamos alguns:

Figura 6

Passemos agora à exploração do «projetar». Na fundamentação da consulta


filosófica, interessa-nos aplicar, de modo sistematizado, a metodologia filosófica que
consideramos mais adequada para a exploração do problema/questão filosófica que o
cliente traz ao gabinete.

Como já aqui referimos, o projeto é também uma atitude que o ser humano sempre
utilizou ao longo da sua história racional e prática. Não sendo um conceito exclusivo da
filosofia – se é que ainda existem conceitos exclusivos de uma determinada área do saber
– o início da época contemporânea demonstrou uma clara valorização deste conceito para
o trabalho prático com e das pessoas nas mais diversas instituições. Hoje, encontramos
um aumento significativo das equipas multidisciplinares como uma forma mais eficaz de

29
trabalhar os problemas individuais. Voltamos a recordar que o consultor filosófico pode
ter um lugar importante nessas equipas, trabalhando dimensões filosóficas muito
presentes nas pessoas e nas organizações.

Além do substantivo projeto, temos também o verbo projetar. O seu caráter


duplamente dinâmico, sólido e potencialmente valioso permite-nos estruturar um método
de trabalho, suscetível de ser aplicado em diferentes áreas e objetos. A virtude desta
expressão é a sua dimensão formal, proactiva, com a qual é possível trabalhar a filosofia
de vida de um cliente ou a sua “worldview”, como diria Lahav, inspirando-se nas
“conceções do mundo” de Dilthey.

Figura 7

Tal como nos projetos de construção de edifícios, que normalmente têm um alto
índice de sucesso, desde que respeitem as regras científicas definidas pelo manual,
também nos projetos de vida podemos encontrar a necessidade de sucesso, pois dele
depende a felicidade pessoal. Assim, se estes também respeitarem a estrutura e a reflexão
efetuada anteriormente sobre a vida de uma determinada pessoa, o grau de sucesso vai
ser elevado. Por outro lado, com uma vida caótica, sem qualquer organização ou
preocupação, jamais poderemos garantir seja o que for.

Quando um cliente coloca a questão da sua felicidade pessoal, surgem,


naturalmente, muitas outras questões interligadas, como por exemplo o sentido da sua
vida, o amor, a morte, o trabalho, o dinheiro, os bens materiais, etc.

O método PROJECT@ tem seis níveis, porque se considerou que eram


necessárias diferentes fases de trabalho filosófico, no sentido de compreender o

30
enquadramento do pensamento do cliente na sua própria filosofia de vida, estabelecendo
uma relação com os seus projetos e ajudando-o a resolver o seu problema/questão.

Duas razões justificam os seis níveis: 1) O facto do cliente ser considerado como
um «projeto fundamental» (Marías, 1993), ou seja, possuir uma essência livre que tem a
possibilidade de definir os seus objetivos de modo consciente e racional. (Marías, 1996)
É por essa razão que se atribui ao cliente a responsabilidade das suas decisões e das suas
ações, assim como da sua felicidade ou infelicidade; 2) O facto dos projetos do cliente
serem o conteúdo do sentido na vida e ingrediente essencial da sua felicidade.

Assim, mais do que ajudar o cliente a definir projetos individuais, concretos e


específicos na sua vida, o método PROJECT@ contribui para a construção do cliente
como pessoa, como um ser único que vive em sociedade e que por isso tem necessidades
sociais diversas, assim como problemas a resolver e objetivos a atingir.

“Projetar” pode ser visto como uma necessidade humana constituída por várias
dimensões filosóficas: ontológica, antropológica, metafísica, estética, ética, social,
política, etc. Assim, o indivíduo tem necessidade de projetar a sua vida, ou seja, de
concretizar na existência a essência do seu viver. (Marías, 1996) Ao mesmo tempo, tem
também necessidade de, como humano, projetar a sua liberdade na consciência racional
e crítica, no sentido de efetivar a sua humanidade social. Outra necessidade tem a ver com
o facto de o indivíduo projetar no mundo a realidade pessoal da sua essência metafísica,
que muitas vezes arrisca o limite da cognoscibilidade. Necessidades estéticas levam o
indivíduo a projetar imagens de si e/ou do mundo em objetos representados idealmente,
como formas autênticas da expressão humana. Por outro lado, a singularidade que
constitui cada indivíduo humano leva-o a ter um carácter único e a necessitar de condições
específicas para a realização das suas ações, decisões e projetos. As necessidades sociais
decorrem da vida humana organizada em comunidade e são constituídas pelas relações
que as pessoas têm de estabelecer, para que os objetivos mútuos se concretizem, quer seja
no âmbito afetivo, quer seja no âmbito profissional, etc. É nessas relações sociais que vão
surgir as necessidades políticas, como formas de ver solucionados alguns problemas
como o da justiça, do apoio solidário em situação de doença, etc.

Além das necessidades com dimensões filosóficas, também sabemos que existem
outros tipos de necessidades com outro tipo de dimensão. Por exemplo, as necessidades
físicas relacionadas com a saúde permitem ao médico ter uma profissão e uma função

31
social importantíssima. As necessidades de garantir a paz e a justiça social também
permitem ao advogado e ao juiz ter uma profissão. O mesmo diríamos das necessidades
religiosas, que permitem ao padre exercer a sua missão espiritual, assim como a sua
função social. As necessidades alimentares permitem ao comerciante ter uma profissão.
As necessidades financeiras permitem ao bancário ter uma profissão.

O que pretendemos dizer é o seguinte: 1) em primeiro lugar, que existem


necessidades humanas a solicitarem uma satisfação; 2) em segundo lugar, essas
necessidades humanas dão origem a uma profissão e ao seu respetivo mundo empresarial,
constituindo-se serviços especializados na satisfação dessas necessidades.

Posto isto, chegou a altura de explorarmos o método PROJECT@, criado a partir


da obra de Julián Marías para servir como ferramenta de trabalho na consultoria
filosófica.

Figura 8

Nível 1 – Identificar projetos na vida do cliente

O início de uma consulta filosófica é sempre realizado através de uma técnica, a


que chamamos de análise horizontal, pois é baseada num diálogo compreensivo com o
cliente, no sentido de obter as informações necessárias ao processo de orientação racional.
Nesta abordagem introdutória, é utilizada a técnica do questionamento fechado.

A clarificação do problema/questão que trouxe o cliente ao gabinete é essencial


para iniciar qualquer tipo de trabalho filosófico.

32
Com as primeiras informações obtidas acerca do cliente, do contexto e do seu
problema/questão, o consultor filosófico inicia a aplicação de outra técnica – o
questionamento aberto – com o objetivo de testar o carácter filosófico do
problema/questão.

Encontradas algumas dimensões filosóficas do problema/questão, deverá


verificar-se se existe alguma relação entre esse problema/questão e um projeto de vida do
cliente.

Neste ponto, chamamos a atenção para o facto de poder estar em causa a própria
vida do cliente como projeto fundamental. A esse respeito, recordemos o pensamento de
Epicteto: “Se alguma vez acontecer que te empenhes nas coisas exteriores, com intenção
de agradar a alguém, fica sabendo que perdeste o rumo da tua vida. O significado de
«coisas exteriores» permite-nos compreender a importância que tem o conhecimento das
«coisas interiores», ou seja, o seu pensamento, os seus valores, projetos, emoções,
crenças, etc. No contexto da reflexão de Epicteto, consideramos que a expressão «rumo»
tem aqui o significado de «projeto».

Por questões de exigência técnica, o consultor filosófico pode ter de “isolar” uma
ação particular do cliente, no sentido de a analisar e compreender as suas características
essenciais. No entanto, não pode esquecer-se de que essa ação particular aparece sempre
enquadrada num contexto, num projeto de vida, num sentido pessoal e relacionada com
uma diversidade de outras ações, pessoas, sentimentos, projetos, etc.

Este aspeto faz-nos lembrar também uma das características do método de


trabalho do treinador de futebol José Mourinho: “Os exercícios assentes na perspetiva da
complexidade visam e treinam o todo; acentuam esta ou aquela dimensão – dominante,
como Mourinho lhes chama – mas não esquecem nunca que nada há de puramente tático,
físico, mental ou psicológico; tudo são aspetos da globalidade que é o homem.”
(Lourenço & Ilharco, 2007) O que interessa aqui ao nosso jogo é a aplicação da teoria da
complexidade de Edgar Morin ao trabalho prático da consulta filosófica.

Ao trabalhar a dimensão projetiva do cliente, o consultor filosófico está a apoiá-


lo na (re)construção do seu ser humano. Neste âmbito, os seus projeto(s) de vida são o
desenvolvimento da sua racionalidade, na procura pela sabedoria e pela sua felicidade
pessoal. Com alguns clientes, pode ser útil explorar o significado de projeto e a sua

33
importância/lugar na vida humana. Portanto, cabe ao consultor o enquadramento do
problema/questão no horizonte mais largo dos seus projetos.

Ao estabelecer a relação entre o problema/questão e um determinado projeto, o


consultor filosófico passará a analisar a estrutura do projeto através da técnica da
produção esquemática.

Nível 2 – Analisar a estrutura de um projeto

A passagem para outro nível justifica-se pela necessidade de aprofundar um


projeto em específico e, consequentemente, devido à mudança de técnica. Aqui, o
consultor filosófico passará a utilizar a técnica da análise formal, ou seja, confrontando o
cliente com o seguinte:

- Fases de elaboração do projeto – a técnica de planeamento pode ser aplicada,


caso seja necessário dar seguimento à construção de um projeto em específico ou à sua
melhoria. Neste ponto é necessário ter em atenção os diversos componentes formais de
um projeto, como recursos, tarefas, estratégias, objetivos a atingir, etc.

- Dimensão temporal – parte constituinte da vida e dos projetos em si. Por esta
razão, não faz sentido considerar o tempo como um obstáculo, mas como uma realidade
essencial de qualquer ação humana e com a qual é necessário trabalhar sempre que se
decide projetar algo.

- Valores, conceitos, emoções e crenças do cliente (se ele tiver alguma teoria sobre
a vida e os seus elementos).

- Questões possíveis: O que fez pelo seu projeto? Qual o próximo passo? O que é
possível fazer neste momento?

O consultor filosófico deve analisar também em que fase o projeto do cliente se


encontra:

- Verificando se é possível desenvolver o seu problema/questão no sentido de um


projeto já existente: pode o projeto A ajudá-lo nesta tarefa B?

- Se existe um problema, verificar se é necessário desenhar um novo projeto para


a questão inicial que o cliente trouxe ao gabinete, perguntando também: o que pensa desta
limitação? Considera necessário um novo projeto na sua vida?

34
Um projeto de vida, em geral, deverá conter o seguinte:

- Finalidade que promova a felicidade do cliente; estratégias para concretizar os


objetivos; competências individuais; contexto envolvente; tarefas/atividades; duração;
recursos, etc.

A riqueza da estrutura demonstra uma clara possibilidade de realização do projeto.

Nível 3 – Relacionar o projeto com a vida do cliente (valores e sentido)

O consultor deve analisar a relevância (critério técnico – tarefa de medida) do


projeto para a vida do cliente. Neste âmbito, poderá perguntar: Qual a contribuição deste
projeto para a sua felicidade pessoal? Porque é que está a trabalhar neste projeto?

Se esse não for o projeto mais relevante para o cliente, deverá ser feita uma nova
análise para identificar o projeto mais relevante. Poderá perguntar-se: Qual é o projeto
mais importante na sua vida? Porquê?

Relacionar (técnica de relação) o projeto mais relevante com outros projetos.


Procurar justificações (técnica argumentativa). O consultor filosófico poderá perguntar:
É possível que o projeto C ajude no projeto D? Como?

Nível 4 – Reunir projetos e definir aplicações

Chegados a este nível da consulta, o trabalho prático do consultor filosófico


consistirá na utilização de uma outra técnica: a análise vertical, no sentido de aprofundar
o interior do pensamento do cliente, focando diretamente na singular aplicação das ideias
à vida do cliente.

Neste tipo de trabalho, pode ser útil solicitar ao cliente que


apresente/elabore/justifique a sua hierarquia de projetos (técnica vertical de focagem
bidirecional), pois é fundamental conhecer os valores e as preferências do cliente.

A esquematização (técnica do esquema) pode ajudar o cliente a compreender a


profundidade anterior, relativamente aos fundamentos do seu pensamento e projeto.

Neste nível, será aplicada a técnica experimental – definir aplicações reais –


relativamente aos projetos, sobretudo no que diz respeito ao mais relevante. Poderá
perguntar-se o seguinte: Já alguma vez pensou em formas de aplicar este projeto? Qual?
35
Pode ser necessário trabalhar este ponto durante algumas consultas, no sentido de refletir
sobre as aplicações e as suas consequências na vida do cliente.

O consultor filosófico não poderá esquecer que a aplicação/concretização é a


essência da felicidade do cliente. Nesse âmbito, poderá perguntar-se: o que está diferente
na sua vida depois de ter aplicado o projeto?

Nível 5 – Explorar a “filosofia de vida” do cliente

A filosofia de vida do cliente pode ter a “chave” para compreender o


problema/questão inicial. Neste nível, o consultor filosófico poderá utilizar novamente a
teoria da complexidade para trabalhar a relação entre o projeto e a filosofia de vida do
cliente.

Procurar uma ligação entre uma teoria filosófica sobre uma determinada questão
prática e a filosofia de vida do cliente. Aqui, o consultor filosófico deverá verificar
(técnica do ponto). Poderá perguntar-se: Porque pensa que o ser humano é um ser
violento? Conhece a teoria do filósofo Thomas Hobbes?

Estabelecer um diálogo filosófico mais crítico e comparativo, com o objetivo de


fazer um mapa conceptual (técnica de localização) do pensamento do cliente. Esta técnica
é muito importante para compreender o problema/questão, quer para o consultor
filosófico, quer sobretudo para o cliente. O cliente deverá ver e certificar (técnica de
validação) sempre se o mapa está correto.

O consultor filosófico poderá fazer algumas ligações entre o mapa conceptual, o


projeto e o problema/questão do cliente.

Nível 6 – Verificar a realidade e importância do projeto na “filosofia de vida”


do cliente

Questionar a realidade e importância do projeto nas possibilidades concretas do


cliente.

Este sexto nível tem algumas semelhanças com o 3º nível, mas é realizado num
maior grau de profundidade da reflexão filosófica, em que o consultor filosófico deve
trabalhar numa direção bastante objetiva. Já não se trata de um procedimento tão geral,

36
como o do 3º nível, mas agora o consultor filosófico tem o conhecimento da filosofia de
vida do cliente. É a aplicação da técnica do ponto, onde o consultor filosófico entra numa
investigação crítica sobre um assunto em específico.

Neste nível, o consultor filosófico pode trabalhar a continuidade de uma consulta


anterior – por causa da sua realidade.

Se necessário, pode retornar ao primeiro nível para trabalhar outro


problema/questão – se o projeto não for real. O cliente pode ter um importante projeto,
com muito sentido e valor, mas pode não ser possível realizá-lo. Esta situação seria um
forte contributo para a infelicidade do cliente.

É por essa razão que é necessário retornar ao 1º nível com a identificação de outro
projeto…

Limites do método PROJECT@

“A pressuposição de que uma pessoa é capaz de pensamento autónomo e crítico


nem sempre é verdadeira. Um caso da minha prática mostra os limites desta
pressuposição e, por isso, da consultoria filosófica.” (Boele, 1995) Portanto, nos casos
em que uma pessoa não tem possibilidade de usar as suas competências filosóficas, a
consulta torna-se inviável. Um exemplo pode ser a situação de psicopatologia.

Se, no início, os consultores filosóficos têm tendência para utilizar os métodos que
aprenderam com as leituras que fizeram e a formação inicial que realizaram, por outro
lado, à medida que o número de clientes for aumentando, os problemas/questões
filosóficos vão sendo mais diversificados, o que exigirá, necessariamente, ao consultor
filosófico mais formação e a iniciativa de estruturar os seus próprios métodos e
ferramentas de trabalho. Foi nesse âmbito, como já vimos, que foi criado o método
PROJECT@. No entanto, no decorrer das várias consultas, fomos percebendo que
existiam algumas limitações, como por exemplo, quando o cliente afirmava que o seu
problema/questão ainda não estava resolvido/esclarecido, mesmo depois de ter aplicado
o método.

37
Mais do que ter uma noção dos limites, pois este método assenta numa estrutura
formal geral e antropologicamente enquadrada, faz mais sentido falar das suas virtudes,
isto é, os casos em que o método tem mais sucesso.

No entanto, é necessário afirmar que a principal limitação deste método


PROJECT@ está na relação que o mesmo estabelece com a filosofia de vida do cliente,
ou seja, se imaginarmos um cliente que não considere a vida humana como projeto e, ao
mesmo tempo, que não atribua qualquer sentido à vida, então, dificilmente conseguiremos
aplicar este método na consulta a essa pessoa.12

A Consulta Filosófica

Se necessita de solucionar uma grande questão na sua vida, este livro ajudará a tirar partido de
grandes ideias dos principais filósofos (…) Não só em teoria, mas na prática. Cada um dos
capítulos contém casos que ilustram a forma como os consultores filosóficos ajudam os seus
clientes a conviver com as suas grandes questões.

(Marinoff, 2002)

Em todo o mundo, a maioria dos consultores filosóficos consideram fundamental


a apresentação, principalmente em congressos e em formação especializada, de casos-de-
consulta.

Se analisarmos um dos principais manuais da disciplina, escrito por Raabe,


encontramos a seguinte estrutura: Parte I – filosofia da consultoria filosófica; parte II –
Um novo modelo; parte III – Prática. Na parte I, Raabe analisa as diversas conceções da
disciplina, as metodologias e a relação entre a consultoria filosófica e a psicoterapia. Na
parte II, o autor apresenta o seu método, refletindo sobre alguns dos principais problemas
na atualidade. Na parte III, Raabe explica casos-de-consulta.

A estrutura desta obra propõe um modelo para a investigação na área da consultoria


filosófica. Os casos-de-consulta são o principal instrumento de análise e de reflexão sobre

12
Para um maior aprofundamento desta questão é importante consultar o capítulo sobre o método IPSE,
em Dias (2011).

38
o trabalho técnico, científico e filosófico do consultor. Não podemos esquecer que o
professor Raabe foi um dos primeiros, na história ainda recente da consultoria filosófica,
a apresentar uma tese doutoral na área.

No horizonte comum de trabalho dos consultores filosóficos, Raabe (2001)


fundamenta a sua prática filosófica, recorrendo aos diálogos socráticos em sessões com
pessoas, não como investigações teóricas e académicas, mas como casos-de-consulta que
representam uma “investigação sobre problemas e assuntos, em cujo resultado os
praticantes têm um interesse redobrado”. O consultor filosófico canadiano considera que
a aprendizagem obtida nestes diálogos poderia ser utilizada na gestão da vida quotidiana
das pessoas. Segundo o autor, muitos dos diálogos socráticos eram sobre questões vitais.

É importante referir a observação de Raabe sobre um conceito essencial da filosofia


de Gadamer: a «praxis» é “a unidade entre o conhecimento teorético e o saber como
prático”. Este conceito gadameriano permite-nos compreender o âmbito de trabalho do
consultor filosófico.

Deste modo, a consulta filosófica poderá ser vista como Achenbach (2004) a vê: um
momento em que o consultor ajuda o cliente a desenvolver o seu próprio caminho e de
modo livre.

“Um caso de estudo não pode servir somente como ilustração vivida de um
método particular ou abordagem, mas funcionar como uma afirmação experimental de
posições teóricas.” (Raabe, 2001) Assim, o tema da consulta filosófica tem de ser
trabalhado teoricamente. Um dos investigadores que mais tem trabalhado o tema é
Barrientos. Em 2005, no seu manual para a disciplina, apresenta-nos a sua visão. A
consulta filosófica é definida como o espaço e o tempo em que um cliente solicita o
serviço de um especialista em consultoria filosófica. Em 2011, Barrientos desvaloriza a
necessidade de um método estruturado para a consulta filosófica, mas em 2005 acreditava
ainda que as metodologias filosóficas e racionais poderiam ser úteis. Aliás, Barrientos via
o trabalho na Consulta como uma arte motivacional e vital para os clientes. “Estou
totalmente de acordo que a consultoria filosófica é uma alternativa à terapia, mais do
que uma terapia alternativa.” (Barrientos, 2005)

O objetivo da consulta filosófica é, segundo Barrientos, a autonomia reflexiva do


cliente. E os resultados serão tão diferentes consoante o número de clientes. No entanto,
e após um extenso debate com Barrientos sobre a questão dos objetivos e dos resultados

39
da consulta filosófica, eis que descobrimos, numa releitura do seu manual, a seguinte
afirmação: “A felicidade é aquilo que todo o homem persegue desde que nasce, é o que
deseja o cliente que vai entrar na consulta.” (Barrientos, 2005) Daí que a consulta
filosófica seja um pedido de ajuda para que a felicidade do cliente seja reposta. Neste
ponto, Barrientos opta por não definir felicidade, encaminhando a questão para a prática
da consulta.

Assim, um exemplo de itinerário para uma consulta é dado por Barrientos: a) O


cliente chega ao gabinete de filosofia com um problema; b) Ouvir e escutar; c)
Desconstrução (analisar o pensamento e a vida do cliente); d) Proposta e decisão.
(Barrientos, 2005 e 2011)

Analisemos agora um caso-de-consulta individual. Por questões de ordem


deontológica, os dados pessoais foram alterados, de modo a proteger a identidade do
cliente.

Pedro tinha 24 anos e era trabalhador-estudante em Portugal. Iniciou o processo


de consulta filosófica a 26 de janeiro. Veio acompanhado pela mãe. O problema
apresentado, inicialmente, estava relacionado com um certo desinteresse do Pedro em
relação aos estudos e, em acumulação, alguma desorientação relativamente ao seu futuro
pessoal e profissional. Com o passar do tempo, Pedro ia aumentando a sua estadia em
casa, manifestando insatisfação relativamente à monotonia da sua vida, faltando ao
trabalho e à universidade.13

De acordo com o método da razão vital, iniciámos a análise filosófica,


investigando a história pessoal de Pedro. Para isso, solicitámos ao Pedro que nos
descrevesse o seu quotidiano (razão narrativa). Pelo meio, colocámos algumas questões
de verificação, no sentido de retirarmos, com objetividade, a verdade - como significado,
coerência e sentido - da sua narração. (trabalho de hermenêutica crítica)

Pedro disse que não lhe apetecia ir trabalhar, nem às aulas e que apenas tinha
vontade para estar em casa. Gostava de ler e de desporto. Considerava-se uma pessoa
nervosa. O seu percurso curricular sempre foi atribulado, com dificuldades na motivação.
Mudava muitas vezes de ideias, de emprego, de colegas, de temas nos trabalhos, etc.

13
Cfr. Dias, J. (2011), “Do Método da Razão Vital Felicitária em Julián Marías, na Aplicação Filosófica
da sua Teoria à Compreensão da Vida Humana. Análise de um Caso-de-Consulta e referências para a
Educação Social”. pp. 27-61. in José Barrientos (Ed.) (2011), Metodologias Aplicadas desde a Filosofia:
Estabelecimentos Prisionais, Empresas, Ética, Consultoria e Educação, Visión Libros, Madrid.
40
Quando chegou à universidade, esteve confuso em relação ao curso que mais gostaria.
Criticou a escola por não ter recursos de qualidade para dar resposta à necessidade de
explorar a vocação dos jovens adolescentes, e acrescentou que um simples teste
psicotécnico não era suficiente. Entretanto, Pedro referiu que optou por ir trabalhar para
uma empresa multinacional, ao mesmo tempo que estudava, pois era-lhe útil o dinheiro.
Estava a tirar a carta de condução, mas já tinha reprovado algumas vezes no exame de
código. As suas relações afetivas nem sempre eram estáveis – frisou Pedro.

Posto isto, o consultor filosófico colocou algumas perguntas, no sentido de


promover no Pedro um autoconhecimento. Solicitou-se ao Pedro que avaliasse a sua
atitude para com a vida. (estudo da realidade vital da pessoa) Pedro afirmou que sentia
muita ansiedade quando tinha que esperar pelo resultado de algo, sobretudo devido ao seu
negativismo em relação ao futuro e ao seu desempenho. (influência de pré-conceitos)
Pedro tinha receio de receber sempre maus resultados. Nesse contexto, referiu que a mãe
o pressionava bastante e isso deixava-o bastante desequilibrado.

Assim terminou a primeira consulta. Na consulta seguinte veio a sua mãe. Dia 4
de fevereiro. Solicitámos uma avaliação do caso. A mãe de Pedro admitiu ser «mãe-
galinha», mas disse ter uma explicação, pois o seu filho sempre foi um jovem com
diversos problemas, quer de saúde, quer de socialização. Considerou que o filho estava
demasiado dependente da mãe.

No dia 11 de fevereiro veio de novo o Pedro à consulta. Perguntámos se no


momento tinha consultado mais algum especialista. A resposta foi negativa.

Começámos a analisar a situação de Pedro e recuperámos a questão do desporto,


que o Pedro tinha narrado na consulta anterior e explorámos. (dimensão pessoal) Pedro
disse que gostava de jogar futebol e que às vezes reunia alguns colegas e amigos, e ia
alugar um pavilhão desportivo. Aprofundámos ainda mais e perguntámos quais eram os
seus sonhos. (dimensão projetiva) Pedro disse que gostava de um dia poder morar numa
vivenda sua, construída com o seu dinheiro e, se possível, com o seu próprio trabalho.
Gostaria muito de poder ter uma casa de acordo com as suas ideias e os seus gostos.

Posto isto, avançámos para o questionamento sobre o projeto14 e os recursos


necessários. Pedro refletiu durante alguns segundos, pois nunca tinha pensado dessa

14
Como já vimos, para Julián Marías (1995), a vida humana é projeto. Noutro texto, já tínhamos referido a
importância dessa verdade analítica “radical” para o trabalho metodológico do consultor filosófico. (Dias
41
forma – referiu. A primeira condição necessária para conseguir realizar o seu sonho, era
ter um emprego e, depois, conseguir juntar algum dinheiro. De seguida, perguntámos
quais os recursos necessários. Pedro considerou que seria mais fácil ter um bom emprego,
caso conseguisse terminar a licenciatura em que se encontrava. Referiu ter vontade, mas
que nem sempre se sentia motivado. Por isso, considerou, que talvez necessitasse de ajuda
e orientação, quer para pensar a sério na sua vida, quer para projetar, com consciência e
responsabilidade cada passo em direção à realização dos seus objetivos.

No dia 18 de fevereiro, veio de novo a mãe à consulta. Começou por referir que
estava também preocupada com uma possível relação entre o seu insucesso profissional
e o insucesso escolar e pessoal do seu filho. A mãe de Pedro não tinha emprego e também
se encontrava a estudar na mesma Universidade de Pedro, mas noutra licenciatura.
Referiu que já tinha tido uma depressão e que neste momento se sentia cansada por ainda
ter de ajudar o filho, e não lhe restar muito tempo para cuidar de si e do seu futuro. Em
casa, o seu marido tentava ajudar através da leitura de livros, que falassem sobre temas
semelhantes. No entanto, este não se manifestava muito preocupado com o filho, pois
entendia ser preguiça a causa de tudo. Além disso, o pai já tinha percebido que o filho
não deixava que retirassem do seu quarto a televisão, o computador com a internet e a
playstation…

No dia 4 de março, foi a vez de Pedro. Iniciámos a consulta com a elaboração de


um esquema comparativo, com o objetivo de potenciarmos no pensamento do Pedro a
sua reflexão.

Pedro A Pedro B

Sabe o que quer da vida Às vezes, não quer saber muito da vida

O curso é importante para o seu futuro Às vezes, prefere ficar em casa a ver televisão, a
jogar playstation e a navegar na internet (sobretudo
Sonha ter uma casa nas redes sociais).

Gosta de ir ao viveiro do pai ajudar a gerir

& Barrientos, 2009), mas aqui importa acrescentar algo. Ao estudar a psicanálise de Freud, o filósofo
espanhol critica a metodologia baseada na análise do passado do paciente, em vez de analisar os seus
projetos (presente e futuro). Cfr. Marías (1986), Biografía de la Filosofía.
42
Por vezes, prefere a solidão, pois é uma forma de
Gostaria que a sua vivenda fosse no Porto ou em
controlar a sua vida, o seu espaço e algumas regras
Vila Nova de Gaia

Posto isto, Pedro considerou que o seu principal problema estava no controlo da
mãe. Referiu que a sua irmã já tinha saído de casa há uns anos, pela mesma razão.

Após esta narração, perguntámos a Pedro pela possibilidade de existir um terceiro


Pedro, ou seja, o Pedro C. A resposta foi afirmativa.

Pedro A Pedro B Pedro C

Sabe o que quer da vida Às vezes, não quer saber muito A mãe sabe o que é melhor para
da vida a sua vida

O curso é importante para o seu Às vezes, prefere ficar em casa a Está dependente do controlo da
futuro ver televisão, a jogar mãe
playstation e a navegar na
Sonha ter uma casa internet (sobretudo nas redes
sociais) É impossível a libertação da mãe
Gosta de ir ao viveiro do pai
ajudar a gerir Por vezes, prefere a solidão,
pois é uma forma de controlar a
Gostaria que a sua vivenda fosse sua vida, o seu espaço e
no Porto ou em Vila Nova de algumas regras
Gaia

Após este relato, o consultor filosófico perguntou se o Pedro alguma vez tinha
vivido uma experiência de autonomia. Pedro disse que sim e narrou um episódio vivido
em Évora, num passeio que deu, sozinho, pelo centro histórico.

Em relação à universidade, foi questionado se não existiram formas de motivação


pessoal e de tornar o projeto mais atrativo. Pedro disse que sim, pois naquele semestre
tinha colegas novos e com os quais estava a formar um grupo de trabalho. Sentia alguma
esperança na melhoria.

Finalmente, a consulta terminou com o pedido do consultor para que Pedro


realizasse um diário, esquematizado, com apenas 2 ou 3 experiências positivas e/ou

43
negativas em cada dia. O esquema deste diário foi realizado pelo consultor e entregue ao
cliente.

No dia 18 de março estivemos a analisar, em conjunto, o diário realizado. Este


documento permitiu, não apenas ter acesso ao quotidiano de Pedro, mas, também, obter
um compromisso relativo à sua narração vital. O seu caráter sistemático, permitiu ainda
promover em Pedro uma reflexão mais consciente e racional sobre a sua rotina diária e
semanal. Nesse âmbito, por exemplo, analisámos o facto de Pedro deitar-se sempre tarde
(2h00) e gostar de dormir até à hora do almoço.

No dia 1 de abril referiu que tinha um novo grupo de estudo e com o qual estava
a gostar de estar e trabalhar. Sentia-se agora mais motivado. Referiu também que tinha
passado no exame de código e que se sentia muito feliz. No dia seguinte, voltou a ler um
livro de Harry Potter, pois era uma literatura que gostava bastante e que acompanhava.
No final da consulta, referiu que o diário e a sua análise conjunta estavam a ser muito
importantes para o foco em algumas dimensões vitais. Tornava-se mais fácil mudar e
evoluir.

No dia 20 de maio realizámos uma avaliação sobre o percurso efetuado até ali,
desde o seu desempenho até à utilidade das consultas e o efeito das mesmas na sua vida.
Verificámos que tinha conseguido algum sucesso no trabalho e na universidade, que tinha
uma namorada nova e que estava a praticar atividade física duas vezes por semana:
futebol e jogging.

A última consulta foi no dia 25 de julho. Pedro referiu que o pai estava a pensar
premiar o esforço do filho com o aluguer de uma casa no Porto, mais próximo da
universidade e do local de trabalho, mas também para lhe dar mais autonomia. Inclusive,
estavam a pensar em comprar uma casa nos leilões das Finanças, como forma de
investimento para o futuro. Pedro sublinhou a importância que o desporto estava a ter na
sua vida, pois com o futebol tinha melhorado bastante as suas relações de amizade e com
o jogging estava a sentir-se muito melhor consigo próprio e menos nervoso. A família
sentia-se agora mais próxima e unida na construção de objetivos comuns.

Investigação futura

44
Vivemos uma época de valorização profissional da filosofia aplicada.
Recentemente, o Banco Santander utilizou a filosofia numa publicidade aos seus serviços
tecnológicos.15 Ricardo Araújo Pereira, famoso humorista português, é um consumidor
frequente de referências filosóficas nos seus programas. Mas nem sempre isso aconteceu.
Aliás, na outra margem, assistimos a uma certa desvalorização da investigação filosófica
mais teórica.

Em 2018, vimos o famoso historiador Yuval Harari escrever que filósofo será
profissão de futuro.

Se antes já tínhamos várias empresas de consultoria filosófica individual, agora


começam a aparecer também empresas de consultoria filosófica empresarial. Destacamos
a empresa inovadora de Liliana Acosta, “Thinker Soul”.16 Notícias a dizer que o Facebook
contratou filósofos, que Silicon Valley tem consultores filosóficos a assessorar a
administração de empresas. Aparecem nomes como Andrew Taggart, Roger Steare, Lou
Marinoff.

O futuro será, de certeza, a formação de chief philosophy officers e a investigação


sobre o seu impacto na dinâmica das empresas.

Por isso, temos acompanhado alguns contributos: um deles é o de Karine Scelles,


que escreveu no LinkedIn sobre a necessidade e pertinência de Filósofos nas empresas.
Scelles é licenciada em filosofia e diretora de recursos humanos na empresa OTIS
(Singapura). Citando uma reportagem da revista Forbes (5/8/2009), refere que há
corporate philosophers a ganhar muito dinheiro, mas, ao mesmo tempo, algumas
empresas ainda têm algum preconceito com filósofos. A autora considera que é possível
elencar cinco razões para uma empresa contratar um filósofo:
1. O curso de filosofia é mais difícil do que escalar uma montanha. Logo, um
filósofo é um profissional com diversas competências, que podem ser úteis à empresa:
pensamento crítico, resiliência, criatividade, etc.

15
Notícia: https://flosofiaaplicada.wixsite.com/gabineteproject/post/santander-utiliza-a-flosofia-em-
publicidade-digilosofia
16
Notícia: https://flosofiaaplicada.wixsite.com/gabineteproject/post/liliana-acosta-cria-empresa-
inovadora-de-flosofia
45
2. O filósofo é especialista em argumentação e diálogo, dois tópicos muito úteis à
competitividade de uma empresa.17
3. O filósofo aprende a pensar com método, para compreender e resolver
problemas.
4. A abordagem sistemática permite tomar melhores decisões, assim como
alcançar a inovação. Empreendedores de sucesso têm formação em filosofia: Reid
Hoffman (LinkedIn), Stewart Butterfield (Flickr), Mike Krieger (fundador do Instagram)
e Peter Thiel (fundador do Paypal).
5. A filosofia pode ajudar a empresa a conectar-se com a sociedade, a refletir sobre
a sua ética e os seus valores. Os Filósofos sabem que toda a ação humana tem dimensões
filosóficas que impactam nos resultados de uma empresa.
Posto isto, Scelles retira as seguintes lições de sabedoria:
- Os filósofos têm um papel essencial na formação e na liderança dos negócios,
apesar de muitos recusarem este desafio. Jack Weinstein construiu o argumento comercial
da filosofia.
- A formação em filosofia é uma vantagem competitiva.
- A General Electric tem contratado filósofos e depois integra-os em programas
de formação intensiva para funções mais específicas. Ter uma segunda licenciatura pode
ser uma vantagem simbólica para o filósofo, pois vai destacar-se dos seus colegas e envia
uma mensagem aos CEOs.
- Se a questão dos talentos é tão valorizada, significa que o recrutamento está com
problemas na definição de critérios. Daí a questão pertinente: se todas as empresas
fizerem o mesmo, como é que se poderão destacar?
- Referindo um artigo de Anders Pulsen, publicado na revista Grasp, Scelles
considera que o novo modelo de negócio deve incluir perfis que se adaptem facilmente,
devido à complexidade e incerteza cada vez maiores. Isto significa que pode ser bastante
útil contratar filósofos, pois é um curso que não prepara propriamente para uma profissão.
Além disso, as empresas queixam-se das universidades não acompanharem o ritmo
elevado da economia.

17
Cfr. Stewart, M. (2010), The Management Myth: Debunking Modern Business Philosophy, W. W. Norton
& Company, New York.
46
Desta forma, gostaríamos de terminar dizendo que, em breve, o método
PROJECT@ será explorado e estudado em contexto mais empresarial. Daremos
novidades nessa altura.

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