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xm CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOLOGIA APLICADA

Roma, 9-14 de abril de 1958.

Prof. AGOSTINHO GEMELLI O. F. M.

A Personalidade Humana na Psicologia Aplicada Moderna (1)

(Trabalho lido na sessão inaugural)

Ouviremos nos próximos dias, aqui, os relatos e as contribuições


que os participantes do Congresso trarão, e ouviremos os resultados
que obtiveram, mas pareceu-me a mim e também aos promotores
do Congresso que se impunha um discurso de sentido geral, pre-
cisamente na abertura do Congresso. Entre outras coisas, devemos
salientar que a Psicologia não é sempre recebida com benevolência
em todos os países, e que os méritos e as funções da ciência que cul-
tivamos não são reconhecidos por todos. Mais do que isto, alguns
se obstinam ainda em negar o valor científico da psicologia. Um
discurso inaugural de sentido geral pode ter o valor de uma nova
resposta a êstes adversários da Psicologia, esperando que pouco a
pouco mudem de atitude, principalmente apreciando os pontos que
ela produzia no domínio da aplicação.
í.ste Congresso se reune pouco mais de meio século depois do
Congresso de 1905 onde dominou a grande figura de William James
e que foi para nós, italianos, o início da atividade dos psicólogos.
Basta salientar que êste Congresso trouxe a decisão do Ministro da
Instrução da época, o ilustre neurólogo Leonardo Bianchi e o levou
a fundar as primeiras cadeiras de psicólogos que confiou a Frederico
Kiesow, Sante de Sanctis, Francesco de Sarlo e Cesare Colucci, homens
que honraremos as memórias pelo impulso dado à nossa disciplina.
Mas, se alongássemos o nosso olhar para considerar também o de-
senvolvimento da psicologia nos diferentes países, e em primeiro lugar
na Alemanha, onde a psicologia foi cultivada por homens de grande
valor, devemos reconhecer abertamente que, apesar do ardor dos
homens que encorajavam as pesquisas de psicólogos, nossa disciplina

Traduzido para o português pelo Dr. Vasco Vazo


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se achava então como que privada do sentido humano e seu campo


de pesquisas limitado ao estudo das sensações ou à determinação das
leis psicofisiológicas.
í:ste estado de coisas permite também explicar as oposições que
são levantadas contra a psicologia. No entanto, uma salutar reação
se produziu bem depressa, reação cujo fato dominante me parece
ser êstes conjuntos de pesquisas que culminaram com o estudo da
personalidade humana e a determinação das diferenças individuais.
Seguindo direções diferentes as pesquisas de numerosas escolas con-
vergiram para êste esfôrço a fim de estudar a personalidade humana,
descrever as múltiplas diferenças, explicar, por diversas teorias, o de-
senvolvimento da personalidade humana e os fatôres que atuaram
sôbre ela. Por isto, desejo assinalar que a psicologia moderna visa
a evidenciar a unidade dos processos, das funções, do comportamento
do homem diante das diferentes situações e em relação com os dife-
rentes estimulantes que caracterizam a personalidade humana.
Por exemplo, depois de ter afirmado, por diferentes meios e par-
tindo de concepções teóricas diferentes, a importância das caracterís-
ticas da personalidade humana, procurou-se estudar qual foi a in-
fluência sôbre a personalidade das relações dos homens entre si.
Um outro exemplo nos é oferecido pela observação feita pelos
psicólogos sôbre as diferenças individuais, donde teve sua origem,
como todos sabem, o movimento de estudos para conhecer 05 meios
aptos para determinar as características destas diferenças, seus pêsos,
sua importância na dinâmica da vida social.
í:ste amplo desenvolvimento dos estudos psicológicos foi a con-
dição inicial para o desenvolvimento das aplicações da psicologia.
Esta afirmação nos leva a evocar a eminente figura de Alphonse Bi-
net, de quem se celebra êste ano o centenário do nascimento. Seu
estudo, sôbre as provas aptas a determinar a idade mental das crian-
ças para confrontar com a idade real, parece a certas pessos despro-
vida de importância. Em realidade, determina esta imensa varie-
dade de pesquisas sôbre os testes mentais para medir as diversas
aptidões do homem. Foi o primeiro passo para as aplicações da psi-
cologia: estudando as crianças excepcionais Binet e Simon escreve-
ram as primeiras páginas da psicologia aplicada.
Porque se propunha a medir a inteligência foi fácil a certas
pessoas ridicularizar a Binet, e não reconhecer que sua intenção
era genial, mas a noção de medida tornou-se desde então um dos mais
preciosos instrumentos da psicologia e nos permitiu estudar de modo
positivo as diferenças individuais.
í:ste ano verá um outro centenário, o de Pierre Tanet. Parece
que o que êle realizou - e que fêz nascer em nós uma viva admiração
- nada tinha a ver com a psicologia aplicada. E, no entanto, oco-
nhecimento das anomalias íl da personalidade é uma condição pre-
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ummar e necessária às outras aplicações da psicologia, como direi


mais adiante, sobretudo naquilo que concerne às aplicações da psi-
cologia à educação infantil e ao diagnós~ico da delinqüência.
Um terceiro centenário que nós celebramos neste ano deve ser
salientado: o de FREUD. Pode parecer também que Frud não fêz
nada pelo desenvolvimento da psicologia aplicada mas me parece que
se deve reconhecer que a obra do grande vienense em favor do co-
nhecimento da psicogênse dos processos mórbidos é uma enorme
contribuição ao estudo da personalidade, que o repito, está, segundo
meu ponto de vista, na base das aplicações da psicologia.
Destas breves considerações tiramos uma conclusão que, para
ater-me às linhas e concepções gerais, desejo salientar: explica -
se plenamente o desenvolvimento da psicologia aplicada se se con-
sidera que foi determinado sobretudo pelo conhecimento aprofun-
dado da personalidade, dos seus fatôres, de sua psicogênese.
Assim o estudo da personalidade e das diferenças individuais deu
partida às aplicações da psicologia. O Congresso, segundo o progra-
ma que foi distribuído deve estudar as aplicações da psicologia em
quatro direções: a psicologia na formação dos dirigentes industriais
- as aplicações da psicologia na formação dos médicos - as aplica-
ções da psicologia na formação do pessoal de ensino - a psicologia
na formação do magistrado. Consideremos sumàriamente êstes qua-
tro pontos de vista, como deve ser em um discurso geral, deixando ao
cuidado dos relatores de cada questão o seu estudo aprofundado.
Começo pelas aplicações a que me dediquei com o maior entu-
siasmo e mesmo com algum resultado: as do domínio do trabalho.
Neste domínio as pesquisas começaram por uma seleção de in-
divíduos aptos para atividades particulares, salientando-se que, na-
turalmente, o estudo das diferenças de aptidões requer como base
preliminar o estudo dos perfis profissionais estabelecidos em função
do conhecimento das profissões a nós oferecidas pelos técnicos.
Constatou-se no entanto, bem depressa, que o estudo da seleção
de indivíduos mais aptos para tarefas especiais de um trabalho não
tinha valor senão em função de um conhecimento completo do tra-
balho. A porta foi então aberta para uma série de problemas que
são ainda objeto de pesquisas. Deve-se procurar antes de tudo saber
como o homem se adapta ao seu trabalho e em conseqüência qual o
valor e que direção deve seguir a preparação para tarefas determi-
nadas. Deve-se - por outro lado - procurar determinar quais são
as reações do homem às diversas secções do trabalho: se é verdade
que a técnica progride transformando profundamente as tarefas, é
por conseguinte, necessário estudar como o homem que trabalha se
adapta a estas transformações técnológicas. Além disso, o homem
não trabalha isoladamente; freqüentemente, na indústria moderna,
trabalha em equipe. Ora, quais são as condições favoráveis para a
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preparação de uma boa equipe? O homem que trabalha não pode


esquecer que pertence a uma família, a uma sociedade. Quais são os
leflexos destas condições sociais sôbre o trabalho? Trabalhar quer
dizer pertencer a um Sindicato e aqui se apresentam os problemas
dos sindicatos, de sua influência.
Outra questão: trabalho quer dizer salário e mesmo sendo êste
um problema econômico, o psicólogo tem alguma coisa que dizer
sôbre o assunto. Segundo que método se deve avaliar um salário para
que o trabalhador o aceite? O salário engendra o conflito do traba-
lho. O psicólogo não pode evidentemente se desinteressar dos pro-
blemas dos conflitos do trabalho porque, se existem em suas bases
razões econômicas, elas são, no entanto, funções da atitude p~icoló­
gicas do trabalhador frente ao dirigente industrial, diante da socie-
dade que o organiza. O trabalho engendra a fadiga, mas outros efei-
tos são mais importantes, entre os quais as reações do trabalhador
ao meio humano no qual êle trabalha. Os psicólogos podem dizer
porque surgem as neuroses dos trabalhadores e essas neuroses podem
ser estudadas de diversos modos.
De tôdas estas contribuições resulta que o psicólogo estabelece
a convicção de que êle pode e deve dizer uma palavra apropriada
ao bom funcionamnto da atividade do trabalhador. Foram com efeito
os psicólogos que começaram os estudos que conduziram à doutrina
das relações humanas, se bem eu me reconheça bem céptico para com
a ideologia que supõe o estudo das relações humanas e para com a
maneira pela qual êste estudo é conduzido. Parece-me em verdade
que houve um deslocamento do nível primitivo, puramente psicoló-
gim, para o terreno sociológico, em que as idéias não são tão claras;
ao contrário. Enfim: é certo que a organização atual do trabalho
deve ocupar-se das relações entre o trabalhador e o contramestre e
os dirigentes de diversos graus, mas, por outro lado, o psicólogo pode
dizer o que se deve fazer para evitar os conflitos entre os trabalha-
dores e os contramestres, ou, se êstes conflitos se apresentam como
podem ser suprimidos, suprimindo-se as razões que determinaram a
fricção. Ao contrário, parece que o psicólogo não pode intervir onde
se produzem as fricções entre os dirigentes de diversos graus porque
as suas causas parecem ser genéricas.
A solução para tais situações deve evidentemente encontrar-se
em uma boa organização do trabalho, mas o psicólogo não pode estar
ausente, porquanto êle pode, como o médico, evidenciar sintomas que
escapam a outros no domínio da patologia do trabalho e então in-
dicar qual a linha que se deve sugerir para remediar os inconve-
nientes que se encontram na base dos fatos patológicos.
Expondo tooa esta série de problemas que todos vós que vos
ocupais da psicologia do trabalho tendes bem presentes, meu espí-
rito considerou sobretudo o trabalho em usinas. Mas, por outro lado,
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as transformações sofridas pela agricultura nestes últimos tempos,


sobretudo em razão da introdução da máquina, as transformações
da própria vida rural que não ee encontra mais baseada na vida das
famílias, apresenta os mesmos problemas para os trabalhos no campo.
O psicólogo tem então no estudo do trabalho humano uma po-
sição predominante. Já algumas emprêsas começaram a ter um con-
selheiro psicológico, outras criam pequenos laboratórios de psicolo-
gia, sobretudo estas emprêsas que compreendem a utilidade de ter a
seu serviço uma mão de obra especializada, enfim outras grandes
emprêsas procuram os Institutos de Psicologia que o Estado ou os
organismos universitários multiplicam cada dia.
A profissão de psicólogo do trabalho adquire, assim, ao lado da
do médico do trabalho, um relêvo sempre crescente. E' necessário
acrescentar - e isto é em mim uma convicção profunda - sobretudo
no que concerne à Europa - que êstes psicólogos devem ser ao mesmo
tempo doutores em medicina, de maneira que a sua ação possa mais
fàcilmente andar paralelamente com a do médico do trabalho e do
médico social.
Estamos assim diante da mais profunda penetração do psicólogo
na vida do trabalho. Somos nós que devemos preparar êstes psicó-
logos. Isto quer dizer, antes de tudo, prepará-lo por meio de um
bom conhecimento de concepções da psicologia geral - admitindo-
se que êles já sejam médicos e que possuam uma formação neurop-
siquiátrica conveniente. Tarefa árdua que requer escolas de especia-
lização. Por nossa parte, na Itália, não nos encontramos mais nas
primeiras experiências e primeiras realizações, das quais já estamos
colhendo bons frutos.
O ponto principal é o seguinte: hoje o trabalhador comparece
diante do psicólogo, confia-lhe os seus problemas, ouve suas suges-
tões, isto é, estabelece-se um contato entre o psicólogo e o traba-
lhador. Mais difícil me parece, pelo menos na Europa, um contato
profundo entre o psicólogo e os dirigentes, seja qual fôr o seu grau.
Com efeito, a cultura européia ainda não assimilou a psicologia:
daí a fonte das objeções. No entanto, podemos dizer que, uma vez
tenha o dirigente - seja qual fôr o seu grau - experimentado a efi-
cácia e o valor da obra do psicólogo, cai em si e se apoia sôbre êle e,
nestes casos, os resultados de colaboração são os mais evidentes.
A segunda série de questões concerne à função de psicólogo ou
função do médico. í.ste ponto tem uma importância particular. Nós
psicólogos nos devemos propor a fazer entrar no ensino universitário
o da psicologia, não para ajuntar um curso de noções gerais àqueles
tão numerosos que já pesam sôbre os ombros dos estudantes, mas
para encorajar a formação de jovens médicos.
A psicologia deve entrar na formação e preparação do médico a
fim de que o seu trabalho seja bem eficaz.
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Por êsse meio o médico aprenderá que o doente não deve ser
considerado como um número (falo dos doentes recebidos nos hos-
pitais para os quais deve-se dirigir principalmente a nossa atenção)
mas como um homem. A tomada em consideração da personalidade
do doente entre em jôgo no diagnóstico de tôda doença e mesmo no
desenvolvimento das doenças orgânicas. Desgraçadamente, neste pro-
grama, nós não temos os médicos sempre como aliados. A maior parte
dentre êles é formada segundo uma concepção morfológica na qual o
psicólogo - e isto não se compreende muito bem - não tem lugar.
No entanto, em alguns países, êste problema chamava a atenção dos
médicos e esta revelação do interêsse é devida ao fato de que a intro-
dução da idéia de segurança social teve como resultado a criação de
uma burocracia complicada da qual o médico é escravo, mas também
o doente com a conseqüência de que a ação do médico não se pode
exercer livremente no diagnóstico e na assistência aos diversos cui-
dados dos doentes em virtude sobretudo da fórmula "do bêrço ao
túmulo" dos inglêses, provocou uma situação cuja primeira vítima é
o médico.
Deve-se em seguida observar que o estudo da organização dos
Hospitais, no que conceme sobretudo ao doente e suas relações com
o médico e o pessoal ligado aos seus cuidados, tornou-se objeto de
discussão nos congressos realizados em diversos países nestes últimos
anos. O fato de que os 2 congressos internacionais de Hospitais de
Londres e Lucerna colocaram no centro de cada debate o problema
do doente, é muito interessante. Nesses congressos tornou-se claro
que o doente não pode ser considerado como um número e sim que
êle tem direito ao interêsse do médico e do pessoal assistente, e que
o doente deve estabelecer com êles um contacto que é uma das con-
dições de sua cura. Ora, para se obter isto, a formação psicológica
do médico é indispensável a fim de que êle possa tomar conheci-
mento da personalidade do doente e de suas diferentes formas de
rações durante o pr.ocesso da adaptação ao meio hospitalar.
Uma formação psicológica do médico se supõe de modo parti-
cular se se consideram outros aspectos de sua atividade. A psiquia-
tria sofre neste momento uma profunda e radical transformação. O
jovem médico, que tem a cabeça cheia de noções de anatomia e fisio-
logia, não está à altura de compreender o valor da nova orientação
do psiquiatra, porque, precisamente, os fundamentos de uma pre-
paração psicológica lhe fazem falta. Os tratamentos aos quais é ne-
cessário recorrer-se hoje em dia para cuidar dos doentes mentais exi-
gem dos médicos que conheçam as concepções de psicoterapia e se
isto não pode ser aplicado senão por especialistas, mesmo o doutor
em medicina geral deve estar capacitado para julgar da sua oportu-
nidade e é por esta razão que êle deve ter recebido uma formação
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psicológica que lhe permite apreciar o valor de tais tratamento e de


julgar da oportunidade de suas aplicações.
Se se acrescenta que a doença atinge o indivíduo nas diversas
fases de sua vida evolutiva e involutiva, torna-se necessário então
que o médico conheça a psicologia da criança, do adolescente, do ho-
mem maduro, do velho, e saiba avaliar a influência que estas diversas
fases têm sôbre sua saúde e sôbre a evolução de sua doença. Outro
tanto se deve dizer sôbre outros estados particulares (gravidez, parto,
amamentação, menopausa) que influem diversamente sôbre a saúde.
Fiz alusão a alguns dos numerosos assuntos que serão, eventual-
mente, objeto das comunicações de parte dos participantes do Con-
gresso. O exame dêstes problemas demonstra que a formação de um
médico não completada por uma boa formação psicológica não seria
perfeita. O médico d~ve encontrar-se à altura de poder diagnosticar
a personalidade do doente e de se dar conta da influência que o meio
especialmente, as relações entre indivíduos têm sôbre as modificações
da personalidade e sôbre a determinação de reações e de processos
de adaptação. O nosso Congresso deve elevar a êste respeito uma
voz autorizada que, certamente, encontrará no mundo, médico
porque, hoje, muitos se encontram prontos para acolher esta pala-
vra, e a se aliarem a um voto que modifica êste ponto de vista da
formação do médico.
O terceiro grupo de questões submetido a nosso estudo, e que
provocará a intervenção e as comunicações de vários pesquisadores.
concerne à parte que coloca o psicólogo na formação do pessoal de
ensino, e, é conveniente acrescentar, não é um problema de menor
importância aquêle de saber se os mestres e educadores devam ter
um conhecimento apropriado do discípulo; dizendo isto, não limito
esta dupla exigência à escola primária, mas a tôdas as escolas de todos
os graus e de qualquer natureza, aí estando compreendida a Uni-
versidade, atualmente a mais obstinada a recusar a intervenção do
psicólogo e da psicologia.
No que concerne à crianças, assistimos ao magnífico movimento
que, lançado principalmente por homens como Claparede e Décroly,
tomou um tão grande desenvolvimento que temos hoje um quadro
quase completo da idade evolutiva. Assistimos ao fato em que os
professôres, após haver tomado conhecimento, através do estudo da
psicologia da idade evolutiva, das características de diferentes fases
e das diferentes funções, estabeleceram imediatamente com os alunos
uma relação direta que é a condição de um sucesso real.
Em diversos países constatamos que o estudo de programa e mé-
todos de ensino é feito em função do conhecimento das características
das fases da idade evolutiva. Um dos primeiros resultados foi a ava-
liação do rendimento escolar por meio de diferentes métodos aptos
para verificar a avaliação do rendimentod o aluno. A êste estudo
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uniu-se o da .orientação escolar que prepara o caminho para a orien-


tação educacional bem mais que a orientação profissional; são orga-
nizadas por instituições cujas atividades são regulamentadas pelo
govêrno, ou por instituições criadas pelo próprio Estado. A orien-
tação escolar é o primeiro passo que abre o caminho para a orienta-
ção profissional.
Podemos dizer que é no domínio da escola primária que a psi-
cologia atingiu seu maior sucesso e obteve a aceitação mais calorosa.
Numerosos são os psicólogos que prestam seu auxílio, seja nas es-
colas, lado a lado com o professor, seja por intermédio de outras or-
ganizações. Se se considera o que os psicólogos têm feito pela rea-
daptação das crianças inadaptadas, podemos dizer que nos encon-
tramos frente a um vasto domínio que permitiu à Sociedade recupe-
rar muitas fôrças vitais.
O quadro da atividade da psicologia nas escolas secundárias e
menos ainda, nas escolas superiores, não é tão reconfortador; há,
naturalmente, exceções honrosas e meritórias. No país onde se pra-
tica a orientação escolar e profissional o psicólogo trabalha em favor
de jovens e adolescentes; mesmo no nível universitário isto acontece
muito, e chamo a atenção, ou melhor, classifico como típico, o mo-
viment.o que começou na Inglaterra, e que se generalizou aos Estados
Unidos, para a seleção e a orientação dos estudantes de medicina;
mas, o panorama não pode nos entusiasmar porque estas poucas ex-
cepções contrariam a repugnância que numerosas pessoas experi-
mentam à vista da eficácia e do valor da obra do psicólogo; n.o en-
tanto, os resultados obtidos em quase todos os países no domhio da
escola primária nos permite esperar que - se, nós, psicólogos, insis-
timos - nossa obra será, de início, aceita, e, depois, exigida e apre-
ciada por todos os graus e ordens de escolas. O exemplo daqueles
que nos precederam e cujos nomes são sobejamente conhecidos por
terem muito auxiliado à escola, deve encorajar-nos e fazer-nos dedi-
cados ao trabalho e não perder a esperança.
O quarto grupo de questões clocado em ordem do dia do nosso
Congresso concerne à importância da psicologia na formação do
magistrado. Para demonstrar que o magistrado deve servir-se dos
préstimos do psicólogo e que é necessário porisso modificar profun-
damente alguns artigos dos Códigos de vários países, é útil salientar
as questões que serão objetos de relatos ou de comunicações das di-
ferentes secções.
O magistrado deve, antes de tudo, pronunciar seu julgamento
à base do testemunho; numerosos psicólogos trouxeram preciosas
contribuições para o conhecimento do valor do testemunho: indicam
as numerosas fontes de êrro que ameaçam a validade de se tirar de
um testemunho humano aquilo que basta para pronunciar um jul-
gamento de culpabilidade.
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Por outro lado, poucos códigos admitem o exame psicológico do


réu; com efeito, enquanto numerosos tribunais atribuem um grande
valor à perícia psiquiátrica, menosprezam, em contraposição, o valor
da perícia psicológica; esta última deve realmente se garantir com
precauções que representam a defesa dos direitos do réu. Mas, é pro-
fundamente extranho notar que esta diferença de atitudes é baseada
- isto é evidente - sôbre o preconceito de que somente a psiquiatria
nos pode dizer se o réu é ou não um doente mental. - Na realidade,
quem pode dizer uma palavra de importância fundamental sôbre o
mecanismo da gênese do crime é somente o psicólogo; dizendo isto,
faço abstração das teorias adiantadas por alguns psicoanalistas, teo-
rias que, apesar da tentativa da querer explicar a psicogênese do ato
culposo, não permitem seja feita esta pesquisa com os métodos
comuns ao estudo da personalidade. A psicologia expõe à plena luz
a dinâmica dos grupos de delinqüentes e mostra como a influência
de cada um de seus membros se exerce sôbre os outros e vice-versa.
Deixando de lado o delicado problema da responsabilização cri-
minal, que não é apenas, segundo meu ponto de vista, um problema
psicológico, devemos afirmar que o magistrado tem necessidade de
possuir uma adequada formação psicológica. Nas Faculdades de
Direito, onde se preparam os magistrados e advogados, os jovens
aprendem Medicina Legal; espero que vós, psicólogos, não me acusem
de dizer uma heresia de técnica universitária, se digo que não há
uma tão grande importância, se por exemplo, o magistrado Hão co-
nhece os sinais tanatológicos que permitam diagnosticar o momento
da morte, ou se êle não conhece os sinais de asfixia de um recem-
nascido, ensinamentos que êle pode obter de um perito: é sobretudo
necessário que êle esteja à altura de poder colocar na base de seu jul-
gamento de responsabilidade criminal, os fundamentos de um co-
nhecimento dos processos da gênese do crime; mas, para fazer isto, o
magistrado deve saber o que é a personalidade humana, suas varia-
ções, como podem ser diagnosticadas, e assim por diante; fazendo
êste diagnóstico êle não deve tomar o lugar do psicólogo, mas deve
estar à altura de se dar conta da natureza do crime, das condições
em que foi praticado e ser capaz de chegar a se dar conta da perso-
nalidade humana e dos mecanismos da psicogênese do crime.
Eis que sôbre êste caminho outros problemas interessantes se
apresentam ao magistrado, os quais somente o psicólogo pode es-
clarecer: a influência exercida na preparação e realização do crime
pelo meio onde viveu o réu; o conhecimento dos processos que se
encontram na base da delinqüência juvenil, a influência do cinema,
das leituras e assim por diante, são outros tantos aspectos dêste vasto
e complexo problema.
Mas, o magistrado após haver infligido a pena ao réu, não com-
pletou sua tarefa: deve intervir na execução da pena para fiscalizar
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e defender os direitos do condenado, bem assim como deve exercer


sua ação no momento de libertação do prisioneiro.
Em uma palavra, tôda uma vasta parte da atividade de um
magistrado não pode ser exercida se êle não conhece a personalidade
do réu, do detido ou liberado. Será demasiado pedir seja a Psico-
logia introduzida como matéria obrigatória no ensino universitário?
Será demasiado pedir que cursos sejam organizados para magistrados
a fim de os pôr a par dos progressos de uma matéria que está em
vias de sofrer profundas modificações graças às novas conquistas?
O rápido olhar projetado por mim sôbre as questões que devem
ser objeto de estudos em fnosso congresso demonstra que importância
assumiu na Sociedade contemporânea a psicologia, e a alta respon-
sabilidade que o psicólogo foi chamado a assumir.
Podem dizer que nada foi por mim demonstrado porque o ex-
posto e o panorama que vos apresentei foram muito rápidos, mas
eu não poderia tomar o lugar dos diferentes relatores que durante
êste Congresso ilustrarão com uma indiscutível competência cada
problema sob seus aspectos particulares.
Um intuito Eoi o de demonstrar que à base das vastas e múltiplas
aplicações da Psicologia há o fato de que a nossa disciplina focalizou
hoje o seu interêsse sôbre o estudo da personalidade humana, sôbre
suas variações, sôbre suas diferenças, sôbre sua gênese, sôbre a gênese
dos processos de adaptação e de inadaptação. Não podemos pois
fazer abstração de teorias diversas, por vêzes opostas, que nos expõem
a psicogênese da personalidade, sua estrutura e seus processos de
adaptação: seja qual fôr a teoria à qual recorramos, devemos reco-
nhecer que o problema central da psicologia é o da personalidade.
Que me permitam frisar um fato: eu disse inicialmente que a
psicologia estava privada de seu sentido humano há um meio século
porque se limitava a descrever e a analisar cada processo elementar.
A psicologia moderna nos conduziu pouco a pouco a estudar o ho-
mem, a reconhecer sua unidade, a estudar cada função à medida em
que ela nos dá conta desta unidade.
Tal foi o mérito de eminentes pesquisadores que eu nem tento
citar porque os seus nomes estão escritos no espírito de todos vós,
como estão em vossos espíritos tôdas as escolas e tôdas as teorias às
quais deram nascimento e cujo florescimento e multiplicação de-
monstram a riqueza do pensamento que caracteriza a psicologia mo-
derna. E' exatamente esta característica que forçou o psicólogo a
se identificar plenamente com a vida moderna, a estudar o homem
enquanto trabalha, pensa, e, eventualmente, quando êle perpetra
um crime, enfim, a estudar o homem durante as diversas fases do
seu desenvolvimento; com êste progresso característico o psicólogo
tornou-se o homem a quem, em tôdas as circunstâncias, faz-se apêlo
para ajudar, corrigir e aconselhar. As funções de psicólogo têm-se
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multiplicado: a sociedade moderna para progredir e mesmo somente


para viver, para educar seus filhos, para corrigir aquêles que são
inadaptados, para assistir àqueles que estão doentes, para orientá-los
na vida social, tem necessidade do psicólogo.
Nosso Congresso deve ser uma demonstração eficaz desta obra
que o psicólogo é solicitado a realizar em nossa sociedade.

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